2ª AULA “PRÁTICA” DE FÍSICA MÉDICA Medição da pressão sanguínea usando um esfingmomanómetro I. Meça a pressão arterial de um(a) colega seu(ua), usando um esfingmomanómetro e explique o princípio físico no qual este aparelho se baseia. 2. Aplicações da hidroestática ao corpo humano Uma grandeza particularmente importante no estudo dos fluidos é a pressão. A pressão é uma grandeza escalar, cuja unidade em Sistema Internacional (S.I.) é o Pa (pascal) e que é definida pela razão entre o valor da força, F, exercida perpendicularmente à superfície A1: P F . A equação 2.1 A sua unidade deve o nome a um importante cientista que deu preciosos contributos para o estudo dos fluidos Blaise Pascal (1623-1662) e, em particular, enunciou o Princípio com o seu nome, no qual se estabelece que a pressão aplicada num ponto no interior de um fluido é transmitida, sem perdas, a qualquer outro ponto do fluido e às paredes do recipiente no qual este se encontra. Matematicamente este princípio está inerente na expressão que relaciona a pressão num determinado ponto A de um fluido, PA, com a pressão num outro ponto B desse mesmo fluido, PB; a densidade do fluido, ρ; a aceleração da gravidade, g; e a diferença de alturas entre o ponto A e o ponto B, h, num fluido em equilíbrio: PB PA gh . equação 2.2 Em particular, se o ponto A for um ponto à superfície do fluido, a pressão em A é substituída pela pressão atmosférica (ver, por exemplo, a figura 2.1): PB Patm gh . Figura 2.1 - Ilustração do princípio de Pascal. (Adapt. E.R. Jones e R.L. Childers, 1993). Várias são as aplicações desta lei ao corpo humano. A figura 2.2, por exemplo, apresenta a pressão sanguínea em vários pontos do corpo humano, comparando-a com a pressão correspondente a uma coluna de sangue com diferentes alturas. Como se pode observar, enquanto que um indivíduo deitado apresenta pressões sanguíneas semelhantes tanto ao nível dos pés, como do coração, como da cabeça, quando o indivíduo se encontra em pé, essas pressões são notoriamente distintas, uma vez que a pressão, conforme se conclui da equação 14, varia com a altura. 1 Repare-se nas semelhanças desta definição com a fornecida anteriormente para as pressões de compressão e de distensão a que os sólidos podem ficar sujeitos. 1 Figura 2.2 - A altura das colunas representa a pressão sanguínea em diferentes partes do corpo e em diferentes posições. (Adap. de P. Davidovits, 2001). Analise-se também o que se passa quando a um indivíduo é injectada uma solução salina (ver figura 2.3). Assuma-se que a densidade da solução é de 1.0 x 103 kg / m3 e que a pressão no interior da veia é 2.4 x 103 Pa. Façamos uma estimativa da altura a que o recipiente se deve encontrar a partir do braço do doente, para que o líquido efectivamente entre na veia. Para efectuar os cálculos comece-se por resolver a equação 14 em ordem à altura: h PB PA , g e, seguidamente, substitua-se os valores, tendo em conta que a pressão no ponto B corresponde à pressão na veia e que a pressão no ponto A é a pressão atmosférica: 2.4 103 = 0.245 m = 24.5 cm. 1 10 3 9.8 Ou seja, a altura entre a superfície livre da solução e o braço do indivíduo deverá ser superior a 24.5 cm. h Figura 2.3 - Representação da injecção de uma solução salina numa veia do braço. (Adapt. E.R. Jones e R.L. Childers, 1993). 2 A par do Princípio de Pascal, existe uma outra Lei que rege os fluidos em equilíbrio, à qual se dá o nome de Princípio de Arquimedes (também em homenagem ao cientista que o enunciou - Arquimedes, 287-212 a.c.): Um corpo parcial ou totalmente submerso num fluido fica sujeito a uma força vertical, de baixo para cima, de valor igual ao peso do fluido deslocado pelo corpo. Com base neste princípio, determine-se a força necessária para manter um indivíduo a flutuar na água em função da densidade da água - ρágua da densidade média do corpo humano - ρcorpo, da fracção do corpo que se encontra submerso - f e do volume do indivíduo V. A força que é necessário compensar para que o indivíduo se mantenha a boiar é a diferença entre o seu peso e a força de impulsão2: F P FI mg mág g corpo gV água gfV gV corpo f água equação 2.3 2.1 Medição da pressão arterial A forma mais directa de medir a pressão arterial é através da introdução de um tubo no interior da artéria cheio de uma solução salina de densidade ρ’, à qual se adiciona um anticoagulante (ver figura 2.4). O tubo, por sua vez, encontra-se ligado a um manómetro, no interior do qual se encontra um líquido de densidade ρ. Desta forma, a solução salina encontra-se no interior da artéria em contacto com o sangue e, no exterior, em contacto com o líquido. Aplicando a equação 14 ao sistema, facilmente se compreende que a pressão sanguínea seja: Psangue Patm gh ' gh ' , admitindo que o líquido no interior da manómetro tem uma superfície livre em contacto com a atmosfera e que a diferença h h' corresponde à diferença de alturas entre as duas superfícies livres do líquido no interior do manómetro. Figura 2.4 - Esquema de medida da pressão de uma artéria invasivamente. (Adapt. Kane e Sternheim, 1988) Este sistema de leitura da pressão arterial é, no entanto, bastante incómodo e desaconselhado. Por esse motivo, habitualmente, utiliza-se um sistema indirecto com o recurso a um aparelho denominado esfingmomanómetro. O sistema, representado na figura 2.5, é composto por um saco de ar que é colocado no braço3, uma bomba que introduz ar no saco, uma válvula que liberta ou não o ar, um manómetro que mede a 2 Não confundir força de impulsão com forças impulsivas, a primeira está relacionada com a força a que se refere o Princípio de Arquimedes, as segundas estão relacionadas com as forças que actuam num curto intervalo de tempo, ou seja, estão relacionadas com o impulso da força que se define como o produto da força pelo intervalo de tempo durante o qual ela está aplicada. 3 Sendo a medida feita ao nível do braço e estando este à mesma altura do coração, o valor obtido para a pressão arterial é uma boa estimativa da pressão cardíaca. 3 pressão do ar no interior do saco e um estetoscópio que, colocado por cima da artéria, mede o ruído que o sangue faz ao passar. É útil lembrar que o sangue circula através das artérias devido ao efeito de bomba do coração. Este facto determina que, na realidade, a pressão sanguínea oscile entre dois extremos: um valor máximo (pressão sistólica) que corresponde à contracção cardíaca e, por conseguinte, à expulsão do sangue pelos ventrículos, e um valor mínimo (pressão diastólica) que corresponde ao período de descontracção cardíaca (ver figura 2.6). Figura 2.5 - Esquema de um esfingmomanómetro. (Adapt. Kane e Sternheim, 1988) Do ponto de vista clínico, é, obviamente, importante medir ambas as pressões. Ora o mecanismo utilizado para o fazer é bastante simples: o saco é insuflado até um determinado valor de pressão (superior à pressão sistólica), pelo Princípio de Pascal a pressão no saco, propaga-se pelos tecidos do braço chegando à artéria e impedindo o sangue de passar. Nesse instante, é impossível ouvir qualquer ruído através do estetoscópio. Liberta-se, então, cuidadosa e lentamente algum ar do saco, através da válvula, até atingir um ponto em que é audível um ruído ritmado (ver figura 2.6) correspondente à passagem do sangue, apenas durante os instantes em que a pressão arterial é ligeiramente superior à pressão do saco. No momento em que esse ruído começa a ser ouvido, mede-se a pressão no manómetro e é esta que corresponde à pressão sistólica. Prossegue-se, então, com o processo de libertação do ar até o ruído deixar de se ouvir. Nesse momento, significa que a pressão arterial é menor do que a pressão do saco, uma vez que o sangue circula na artéria sem a oposição de pressões externas4. Figura 2.6 - Representação do mecanismo de funcionamento de um esfingmomanómetro. (Adapt. E.R. Jones e R.L. Childers, 1993). 4 Mais correctamente, o sangue nestas condições circula sem turbulência, conceito que se irá abordar mais tarde, e, por isso, a sua circulação não é audível. 4