Sumário
Lembra dessa?
Divulgação científica
Histórias infanto-juvenis que também ensinam sobre ciência e meio ambiente. Conheça o trabalho do médico, entomólogo,
ambientalista e escritor Ângelo Machado.
Carol e Fapê, primeiros bezerros de proveta de Minas Gerais, foram um marco na
utilização de técnicas de fertilização in vitro que, hoje, fazem do Brasil referência no
uso de biotécnicas reprodutivas.
33
6
Pigmentos minerais
Esquistossomose
Trabalho coordenado por pesquisadores
do René Rachou mapeia a ocorrência de
espécies de moluscos hospedeiros do
Schistosoma mansoni em cinco estados, entre eles Minas Gerais.
Trabalho com tintas fabricadas a partir
de terra resulta em uma cartilha que foi
distribuída a escolas da rede pública de
Belo Horizonte, Betim, Contagem e Jaboticatubas.
36
12
Animação
Identificação genética
Software livre para captura digital de
movimento em tempo real é ferramenta para uma produção audiovisual de alta
qualidade.
16
Câncer
Empresa desenvolve kit nacional para
identificação genética humana que apresenta vantagens como a alta eficiência e o
baixo custo.
38
Fungo do bem
Pesquisa identifica tipo de fungo que pode
ser utilizado no controle de microorganismos prejudiciais à qualidade do café.
Banco Mineiro de Tumores Humanos é
fonte para estudos diversos sobre a doença, proporcionando o avanço do conhecimento na área.
42
20
Fratura ortopédica em animais
Resistência à insulina
Projeto pioneiro determina indicadores
que podem predizer a resistência à insulina em homens adultos, auxiliando na
prevenção e tratamento.
Nova tecnologia de implante ortopédico
em animais associa duas modalidades de
fixação óssea e garante, além de maior eficiência, recuperação mais rápida.
46
23
Tecnologia assistiva
Especial
Projetos em desenvolvimento no Estado
auxiliam pessoas com algum tipo de deficiência, garantindo maior autonomia nas tarefas cotidianas e melhor qualidade de vida.
26
Opinião
Descomissionamento
O fechamento de uma mina de urânio em
Caldas (MG) origina importantes trabalhos para recuperação de áreas degradadas, que servirão de modelo para outras
regiões do país.
30
Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de Minas Gerais
Em 2009, a FAPEMIG assinou acordos de
cooperação com instituições de diferentes
países, abrindo a possibilidade de intercâmbio e projetos conjuntos para pesquisadores do Estado.
48
Paulo Beirão, pesquisador e presidente do
Conselho Curador da FAPEMIG, fala sobre
as propostas e os desafios da 4ª Conferência Nacional de C&T
50
MINAS FAZ CIÊNCIA tem por finalidade divulgar a produção científica
e tecnológica do Estado para a sociedade. A reprodução do seu conteúdo é permitida, desde que citada a fonte.
MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2009
3
Ao leitor
Expediente
MINAS FAZ CIÊNCIA
Assessora de Comunicação Social e Editora:
Vanessa Fagundes (MG-07453/JP)
Redação: Vanessa Fagundes, Ariadne Lima (MG09211/JP), Juliana Saragá e Raquel Emanuelle
Dores (estagiária)
Colaboração: Carolina Jardim, Desiree
Antônio, Letícia Orlandi e Virgínia Fonseca
Ilustrações: Bruno Vieira
Revisão: Aline Luz
Projeto gráfico/Editoração: Fazenda
Comunicação & Marketing
Montagem e impressão: Lastro Editora
Tiragem: 15.000 exemplares
Fotos: Glênio Campregher, Marcelo Focado
e Lila Alves
Agradecimentos - Agradecemos a todos os
colaboradores desta publicação
Redação - Rua Raul Pompeia, 101 - 12.º andar
São Pedro - CEP 30330-080
Belo Horizonte - MG - Brasil
Telefone: +55 (31) 3280-2105
Fax: +55 (31) 3227-3864
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Site: http://revista.fapemig.br
Capa: 787 da Boeing
Foto: Divulgação Boeing
Nº38 jun. a ago./2009
GOVERNO DO ESTADO
DE MINAS GERAIS
Governador: Aécio Neves
SECRETARIA DE ESTADO DE CIÊNCIA,
TECNOLOGIA E ENSINO SUPERIOR
Secretário: Alberto Duque Portugal
Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de Minas Gerais
Presidente: Mario Neto Borges
Diretor Científico: José Policarpo G. de Abreu
Diretor de Planejamento, Gestão e
Finanças: Paulo Kleber Duarte Pereira
Conselho Curador:
Presidente: Paulo Sérgio Lacerda Beirão
Membros: Afonso Henriques Borges
Anna Bárbara de Freitas Proietti
Evaldo Ferreira Vilela
Francisco Sales Horta
Giana Marcellini
João Francisco de Abreu
José Cláudio Junqueira Ribeiro
José Luiz Resende Pereira
Magno Antônio Patto Ramalho
Paulo César Gonçalves de Almeida
Valder Steffen Júnior
4
MINAS FAZ CIÊNCIA - JUN.
SET. AA NOV.
AGO.// 2009
2009
Minas Gerais tem um grande potencial na área da ciência, tecnologia
e inovação. Aqui estão reunidas, por exemplo, 12 universidades federais, o
maior número por Estado, além de duas universidades estaduais e centros
de pesquisa importantes. Já estão em funcionamento, também, 13 Institutos
Nacionais de Ciência e Tecnologia, centros responsáveis por pesquisas de
ponta em temas considerados estratégicos. Ferramentas como a Lei Mineira
de Inovação e editais específicos servem de incentivo para que empresas
invistam em inovação, alimentando um ciclo de desenvolvimento. Por esses
e outros motivos, o Estado vem ganhando reconhecimento e visibilidade.
A matéria de capa desta edição apresenta um trabalho que é exemplo da
liderança de Minas Gerais na área científica. O estudo, coordenado por pesquisadores do Centro de Pesquisas René Rachou, irá mapear a ocorrência
de caramujos hospedeiros do Schistosoma mansoni, causador da esquistossomose, em cinco estados brasileiros. A doença é considerada, hoje, como
de categoria 2 entre as doenças negligenciadas – ou seja, uma enfermidade
persistente, apesar de haver estratégias de controle. Somente no Brasil, estima-se que existam cerca de cinco milhões de pessoas infectadas. O trabalho
permitirá conhecer melhor a distribuição da doença e, com isso, possibilitará um planejamento mais eficaz das formas de controle e tratamento.
Outro trabalho de peso é a implantação do Banco Mineiro de Tecidos
e Tumores, uma iniciativa pioneira no país. Por meio da coleta e armazenamento de amostras, o Banco pretende oferecer condições para pesquisas
e produção de conhecimento sobre o câncer. Dessa forma, será possível
buscar tratamentos mais eficazes, definir melhores rotinas de diagnóstico
e realizar estudos genéticos. O Banco já reúne mais de 200 amostras de
diferentes tumores de maior incidência no Brasil – gástricos, prostáticos,
intestinais, mamários, renais, de pele e de bexiga.A proposta, agora, é ampliar
a coleta e estabelecer novas parcerias com instituições e laboratórios de
pesquisa, de forma a permitir o aprofundamento dos estudos.
Na área de Tecnologia da Informação, pesquisadores da Fumec e da
UFMG desenvolveram um software livre para captura de movimentos, semelhante ao utilizado para desenvolvimento de jogos como o Fifa Soccer
ou para a realização de filmes como o recente Avatar. O trabalho promete
ter grande impacto no mercado brasileiro: além de não existir no mundo
um software livre com essa funcionalidade, até então era preciso importar
essa tecnologia. Os estudos, voltados para animação de personagens e jogos,
são pioneiros no país.
No Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN), um
trabalho irá orientar as atividades do país no que diz respeito ao descomissionamento (fechamento) e recuperação de regiões degradadas pela
mineração de urânio. A pesquisa utiliza como modelo uma lavra de urânio
localizada no município de Caldas, a primeira a ser implantada no país. Suas
atividades foram encerradas após 15 anos de operação e, agora, os pesquisadores testam métodos de recuperação que levam em conta a presença de
elementos radioativos e de outros tipos de metais.
E como a ciência não deve ficar guardada na gaveta, conheça o trabalho
de divulgação científica realizado pelo médico, entomólogo, ambientalista
e escritor Ângelo Machado. Ele é conhecido por sua paixão pelas libélulas
(descreveu 48 novas espécies do inseto) e por seu trabalho como divulgador, quando contribuiu com revistas como a Ciência Hoje e a Ciência Hoje
das Crianças. Atualmente, ele se dedica aos livros infanto-juvenis, nos quais
mistura ficção e lições sobre a Mata Atlântica, animais e história do Brasil.
Estes são apenas alguns exemplos do que aguarda por você nesta edição.
Boa leitura!
Vanessa Fagundes
Editora
Cartas
“Sou jornalista e gostaria de estar por dentro
da produção científica realizada em Minas
Gerais. Recentemente, tive o primeiro contato com a revista MINAS FAZ CIÊNCIA. Lia a
entrevista com o pesquisador da Universidade
Federal de Alagoas, Luiz Carlos Molion, sobre
o aquecimento global e achei seu pensamento
bastante pertinente. Me interessei pela revista
e gostaria de recebê-la”.
Stênio Costa Aguiar
Jornalista
Montes Claros/MG
Publicação trimestral da Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado de
Minas Gerais - FAPEMIG
nº 38 - junr. a ago. 2009
MINAS FAZ CIÊNCIA informa que as cartas enviadas à Redação podem ou não ser
publicadas e, ainda, que se reserva o direito
de editá-las, buscando não alterar o teor e
preservar a ideia geral do texto.
“Sou professor do Curso de Técnico em
Química da Escola Municipal Governador
Israel Pinheiro de João Monlevade/MG
(EMIP – QUÍMICA) e venho por meio deste agradecer pelas informações através dos
artigos e reportagens que esta revista proporciona. Parabenizo pela entrevista com
Luiz Carlos Molion (edição n° 38) - excelente abordagem. Uso as reportagens e os
artigos como tema para os alunos fazerem
resenhas e discutirem em sala de aula e
vejo que são muito produtivas. Muito obrigado por incentivar a Ciência através da
MINAS FAZ CIÊNCIA”.
Huita do Couto Matozo
Professor/EMIP
João Monlevade/MG
“Os artigos publicados me ajudam muito
até para lecionar, colocando os conhecimentos atuais das pesquisas ao alcance
dos meus alunos. Estou querendo fazer um
trabalho de pesquisa com plantas medicinais para desenvolver um mestrado e nas
edições encontro tópicos muito importantes para me direcionar”.
Nereida da Silva Costa
Cataguases/MG
“Agradeço à FAPEMIG pela minha inclusão
na lista dos destinatários da revista MINAS
FAZ CIÊNCIA. Aqui em terras goianas passei a
ser uma “formiga divulgadora” dos importantes trabalhos e matérias impressas. Amigos e
colegas de trabalho ficam surpresos ao ver o
esforço em prol da ciência traduzido na qualidade de cada edição”. Benicio Araújo
Goiânia/GO
“Meu nome é Fabiane, sou técnica em Biotecnologia e estudante de Gestão Ambiental.
Conheci a revista MINAS FAZ CIÊNCIA através de uma professora de genética e gostei
muito. Por isso estou enviando este e-mail para
solicitar as edições futuras”.
Fabiane do Espírito Santo
Ribeirão das Neves/MG
“Olá, pessoal da MINAS FAZ CIÊNCIA! Eu
recebo essa ótima revista há quase dois anos.
Agora mudei de endereço e gostaria de continuar tendo acesso ao valioso conteúdo de vocês.
Meu novo endereço, juntamente com
meus dados, está citado a seguir.
Um grande abraço para todos, muita força,
entusiasmo e mais sucesso ainda!”
Leandro Elias Morais
Viçosa/MG
“Agradeço pelo envio das revistas, gostei muito
do conteúdo e achei a impressão muito boa.
Fico orgulhoso do nosso Estado ter uma revista tão boa assim”.
Adriano Inácio de Oliveira
Uberaba/MG
“Conheci a revista MINAS FAZ CIÊNCIA e
gostei muito. Aproveito para parabenizar a
todos.Tem reportagens bastante interessantes
e instrutivas, tenho certeza de que ela será
muito útil para mim e para minha filha que
está em idade escolar”.
Luzia Pires
Caeté/MG
“Recebi os exemplares na manhã deste sábado e fiquei muito satisfeito com a riqueza
de assuntos e a grande competência nas
interpretações de uma gama diversificada
de temáticas. Parabéns a toda equipe da
revista pela qualidade do trabalho, conduzido de forma impessoal e republicana!”
Rodrigo Graziani Oliveira
Ipatinga/MG
“Estou de fato satisfeito com a atenção
a mim dispensada e agradeço a maneira como fui atendido. O trabalho de vocês
tem uma qualidade indiscutível e nem é
necessário comentar a importância das
informações veiculadas pela revista. Parabéns e obrigado por me incluir em seu rol
de assinantes”.
Jefferson Vieira Cruz
Lagoa Santa/MG
“Recebo há tempo a revista dessa Fundação, o que me proporciona conhecimento e
satisfação. Minas Gerais cria oportunidade
para pesquisas importantíssimas. Gostaria
de continuar recebendo os exemplares
que são muito interessantes e que trazem
conhecimentos atualizados”.
Maria das Dores Lima
Franca/SP
“Sou estudante de Engenharia Ambiental.
Portanto, muito me interessa receber em
minha residência essa revista trimestral.
Soube que suas matérias abordam publicações e pesquisas e que são muitíssimo
importantes, tanto do ponto de vista científico e cultural como, no meu caso, profissional. Agradeço a atenção e, em especial, por
me proporcionarem um enorme aprendizado e crescimento profissional.”
Natália Cristiane M. dos Anjos
Ferreira
Sete Lagoas/MG
“Sou funcionária da Prefeitura de Belo
Horizonte e tive oportunidade de ler a revista MINAS FAZ CIÊNCIA. Gostei muito
da forma como expõem as realizações do
Governo do Estado e, assim, gostaria de
assinar tal publicação, pois isso será útil
em minha vida profissional.”
Izabela de Souza Alves Torres
Arquiteta
Belo Horizonte/MG
“Obrigada pela atenção e pelas revistas
enviadas. É de extrema importância pra
mim o conteúdo de publicações que enfatizam o crescimento científico de Minas
Gerais, uma vez que sou aluna de Biologia, residente no Estado. Garanto que farei
bom uso das revistas.”
Danielle Tanise Fagundes
Matozinhos/MG
Para receber gratuitamente a revista MINAS FAZ CIÊNCIA, preencha o cadastro no site http://revista.fapemig.br ou envie seus dados (nome,
profissão, instituição/empresa, endereço completo, telefone, fax e e-mail para o e-mail: [email protected] ou para o seguinte endereço: FAPEMIG
/ Revista MINAS FAZ CIÊNCIA - Rua Raul Pompéia, 101 - 12.º andar - Bairro São Pedro - Belo Horizonte/MG - Brasil - CEP 30330-080
MINAS
MINAS FAZ
FAZ CIÊNCIA
CIÊNCIA -- JUN.
SET. A AGO.
NOV. / 2009
5
Entrevista
Ciência,
literatura e
libélulas
6
MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2009
Ao chegar na única
casa cheia de árvores
e plantas de uma
das avenidas mais
movimentadas de
Belo Horizonte, já nos
esperava na varanda
uma das figuras
mais simpáticas e
divertidas do meio
científico brasileiro.
Bem disposto e
muito receptivo,
nosso entrevistado
nos conduziu até
o escritório, onde
aconteceria a conversa
para a MINAS FAZ
CIÊNCIA. Pelo caminho,
a paixão de infância do
médico, entomólogo,
ambientalista e escritor
Ângelo Machado
é perceptível nos
quadros e esculturas de
libélulas em todos os
tamanhos e formatos.
Foto: Gustavo Costa
Médico de formação, Ângelo Machado não chegou a exercer o ofício – em
suas palavras, “por falta de vocação”. Passou, então, a lecionar na Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG). Depois de sua aposentaria, prestou concurso
novamente e voltou à UFMG, desta vez como professor do Departamento de
Zoologia. Durante todo esse tempo, continuou pesquisando sobre as libélulas, que lhe despertam interesse desde os 15 anos de idade. Chegou a escrever
mais de cem artigos científicos sobre neurobiologia e entomologia e descreveu
48 novas espécies e quatro gêneros desse inseto.
Aos 50 anos tornou-se escritor. Hoje, possui 33 livros infantis publicados e
em todos eles existe a preocupação de despertar o interesse para a ciência através de histórias que falam sobre o meio ambiente, a fauna e a flora brasileiras.
Também adaptou algumas de suas obras para o teatro – uma das mais populares
é Como sobreviver em festas e recepções com bufê escasso, há anos em cartaz na
capital mineira. E o que era para ser uma entrevista se tornou um bate-papo, regado a muito bom humor, no qual Machado contou sobre sua carreira literária,
a importância da divulgação científica e sua paixão pelas libélulas.
Suas histórias misturam literatura e ciência. Como é possível juntar
as duas áreas, a princípio tão distintas?
Alguns críticos literários acreditam que somente a ficção pode existir nas histórias para crianças. Mas eu acho que, às vezes, a realidade é mais extraordinária
que a ficção, especialmente quando falamos da natureza. Por isso eu misturo
realidade e ficção. O grande desafio do cientista é saber adaptar a linguagem
científica para a literária. Escrevi meu primeiro livro, O menino e o rio, há 22 anos.
Comecei a escrever e achei que não ficou bom - sem querer, estava complicado
demais. Então gravei a história como se estivesse contando para uma criança,
passei para o computador, trabalhei em cima e no fim deu certo. O objetivo
principal do escritor infantil é despertar o gosto e o prazer pela leitura. Se ele
atingiu isso, sucesso. Mas ele também pode ensinar alguma coisa. É o que eu faço
na maioria dos meus livros. E é um desafio levar a criança a aprender sem que
ela saiba que está aprendendo. Se ela perceber que o livro é didático, já passa a
não gostar porque é coisa da escola.
MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2009
7
Footo: Gustavo Costa
Literatura e ciência: em suas histórias para crianças e jovens, Machado mistura ficção com curiosidades e informações sobre a natureza e a
história do Brasil.
Como a ciência aparece em suas
histórias?
A idéia, é misturar realidade e ficção.
Em O velho da montanha, por exemplo, eu apresento minha experiência
numa tribo indígena. Esse livro chegou
a ganhar o prêmio Jabuti de Literatura.
Aprende-se nele muita coisa sobre o
costume de índios, antropologia, línguas - mas não deixa de ser uma história de aventura. Já o livro Os fugitivos
da esquadra de Cabral aborda a história
do Brasil. A inspiração veio de uma frase na carta de Pero Vaz de Caminha
sobre a história de dois degredados:
“Creio, senhor, que com esses dois
degredados ficam mais dois grumetes,
que saíram do navio esta noite”. Ou
seja, dois adolescentes que estavam na
esquadra de Cabral realmente fugiram,
mas ninguém sabe o que aconteceu
com eles. No livro, eu conto essa história, digo porque eles fugiram, para
onde foram. E, dessa forma, apresento a história e a mitologia dos índios.
8
MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2009
No final é que vem o que é realidade
ou não. Ou seja, os meus livros viram
divulgação cientifica no fim. Quando as
crianças lêem, não sabem se estou inventando e nem quero que elas saibam.
E quando chegarem no final é que vão
pensar: “Ah é!”. Esse livro deu certo.
Fui ao Programa do Jô Soares na época
do lançamento e ele começou a vender
muito, ficou uns dois meses na lista dos
mais vendidos. Mas foi por engano.
Por engano?
É, porque não existe lista dos mais
vendidos para livro infanto-juvenil. Mas
estava vendendo tanto que as pessoas
achavam que era não-ficção, que era
história real. Ele realmente é o meu
maior livro, muito bem ilustrado, com
descrição de como era a Mata Atlântica, os bichos que existiam e as línguas
indígenas. Outra coleção de sucesso é
Que bicho será? Eu considero essa coleção a coisa mais importante que já
fiz na minha vida.
Por que?
Bem, um mundão de crianças, a partir
dos três anos, está lendo essa coleção.
Sabe, criança tem muito a ver com
cientista - os dois são movidos pela
curiosidade, eles querem conhecer o
mundo, descobrir para que servem as
coisas. Só que o cientista procura na
literatura, na internet, e a criança pergunta. Às vezes, a família se irrita: “Que
menino chato!”, “Que menino curioso!”, “Você já me perguntou isso!”.
Essa acaba sendo uma fase de inibição
da curiosidade. Se a criança sobrevive
a ela, ou vai ser cientista ou vai ser
alguém com a mente inquisitiva, sempre questionando as coisas. Eu fiz essa
coleção para despertar o raciocínio e
aumentar a curiosidade. Um dos livros
que faz muito sucesso é Que bicho fez o
buraco? Esse livro já foi traduzido para
o espanhol e só o governo mexicano
comprou 80 mil exemplares. Aqui no
Brasil já foram vendidas três remessas
de 120 mil para o Ministério da Edu-
cação. A compra para distribuição nas
escolas impulsiona as vendas.
Como surgiu esse interesse pela
literatura?
Eu fui muito influenciado pela minha
família. Meu tio, Aníbal Machado, é um
escritor famoso. A minha tia Lúcia Machado de Almeida é uma escritora de
literatura infantil, muito conhecida por
suas obras publicadas na Coleção Vagalume, como O escaravelho do diabo. Minha prima, Maria Clara Machado, mais
conhecida pelas peças de teatro, também me influenciou. Meu pai também
escrevia. Eles é que não sabem como
é que surgiu um cientista na família.
Sempre tive vontade de escrever, mas
o cientista possui uma autocrítica muito grande. Eu sempre achava que ainda
não estava bom. Mas uma das coisas
que me levaram a escrever foi pensar o seguinte: o cientista e o escritor precisam ter criatividade, só que
a criatividade do cientista é limitada
por aquilo que ele acha verdade. E eu
queria criar o absurdo. Por exemplo,
no livro A barba do velho da barba existe um velho que mora no 10º andar e
sua barba vem até o chão. E tem outro
velho com uma barba de dois quilômetros, ele mora no alto do Pico da
Neblina. Como cientista eu não posso
ter um velho de barba desse tamanho,
mas, como escritor, o velho é meu, eu
ponho a barba do tamanho que eu quiser.Você libera a sua criatividade.
Como surgiu a inspiração para o
primeiro livro?
Foi muito interessante porque, na
época em que comecei, eu já ia às escolas para falar com as crianças sobre
ecologia, bichos e meio ambiente. E
conversando com as crianças em uma
escola, me perguntaram: “Por que todos os rios são sujos?” Aquela criança
achava que na natureza todos os rios
eram sujos e que o homem é quem
limpava. E por que isso? Porque o único rio que ela conhecia era o Rio Arrudas, um esgoto a céu aberto. Naquela época, a Copasa estava anunciado o
quanto custava para limpar a água do
Rio das Velhas e levá-la até a torneira
das casas. Na cabecinha dela, na natureza, os rios são normalmente sujos e
o homem é quem limpa. Meu primeiro
livro, O menino e o rio, começa com a
pergunta do menino para o professor:
“Por que todos os livros são sujos?”.
Mas antes de ser escritor o senhor já
era cientista. Como começou a carreira nesta outra área?
Eu me formei em Medicina, mas não tinha vocação para médico. Então fui fazer ciência básica e dava aula de Neuroanatomia, ensinava como o cérebro
é, como ele funciona. Como hobby, eu
estudava insetos - as libélulas eram as
que eu mais gostava. Quando me aposentei como professor de Neuroanatomia, fiz concurso novamente e voltei
para a Universidade para ensinar Zoologia. Ou seja, o hobby virou profissão.
Tornei-me professor de Entomologia,
que é a ciência que estuda os insetos.
Daí eu fiquei sem hobby. E como a
gente não pode viver sem hobby, comecei a escrever livros. Hoje, tenho
33 livros publicados. No tempo de
estudante, participei do Show Medicina junto com o Jota D’Angelo. Com
a experiência adquirida naquela época, comecei também a adaptar meus
livros para o teatro. Tem uma peça minha em cartaz nesta 36º Campanha de
Popularização do Teatro e da Dança,
chama-se A Chapeuzinho Vermelho e o
Lobo Guará. Inclusive, o primeiro papel
da atriz Débora Falabella foi de Chapeuzinho Vermelho, nessa peça.
O senhor tem um estudo sobre
o imaginário das crianças. Como
foi esse trabalho?
Eu fiz um estudo sobre a imagem que
as crianças têm da floresta. Entrevistei
muitas crianças e cheguei à conclusão
de que a imagem é muito ruim. Se
você perguntar a uma criança o que
é floresta ela responde que é o lugar
onde moram os bichos maus, como o
lobo mau. E o que mais que tem lá? “Só
lobo. Ah... floresta é onde vive a vovozinha também”, dizem. Eles misturam
as histórias infantis. Percebi que, se dependesse da decisão das crianças de
até quatro anos, todas as florestas do
mundo seriam destruídas. Mas, se pararmos para pensar, tudo de ruim está
na floresta: Joãozinho e Maria se perdem na floresta; em Branca de Neve, a
madrasta má manda o caçador matar
a menina na floresta; Chapeuzinho Vermelho encontra o lobo na floresta. Eu
estudei muito isso. Inclusive coleciono
as histórias da Chapeuzinho Vermelho,
tenho umas 50 versões. E as de antes
de Charles Perrault são muito piores.
Em uma delas, o lobo mata a vovozinha, tira o sangue dela, faz uma sopa e
dá pra a menina tomar.
Chega a ser macabro...
Pois é. Na Amazônia, entrevistei uma
menina sobre histórias da floresta. E
ela me contou: “A floresta é muito perigosa. Uma vez, a menina queria andar
na floresta e a mãe falou: não entra
que o bicho vai te pegar. Daí a menina
entrou na floreta, o bicho pegou e ela
ficou dentro da barriga dele falando
assim: Meu pai, me salva que o bicho
mau me pegou. E o pai: Não, bem feito
porque você entrou na floresta. A menina: Mãe, me salva que o bicho mau
“O objetivo principal
do escritor infantil é
despertar o gosto e o
prazer pela leitura. Se
atingiu isso, sucesso.
Mas ele também pode
ensinar alguma coisa.
É um desafio levar a
criança a aprender sem
que ela saiba que está
aprendendo. Se ela
perceber que o livro é
didático, já passa a não
gostar porque é coisa da
escola.”
MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2009
9
Alguns artigos indicam um desinteresse dos jovens pela ciência.
Qual o problema, em sua opinião?
É difícil dizer porque comparado, por
exemplo, com Matemática, em geral
eles gostam mais de ciência. Se você
analisa comparativamente, a ciência é
10
MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2009
“Quando se fala de
divulgação científica,
é preciso lembrar
que quem paga a
ciência no Brasil é o
povo. A maioria das
descobertas são feitas
pelas universidades
públicas. Então, acho
que o cientista tem a
obrigação de divulgar
a ciência para a
população em geral.”
bem aceita. Depende muito do professor. A principal qualidade dele é
despertar na criança o interesse pela
ciência.
E quem lhe despertou esse interesse?
O professor Henrique Marques Lisboa,
catedrático da Faculdade de Medicina.
Chegou na escola de aperfeiçoamento,
quando eu tinha oito anos, para nos ensinar ciência. Nos levou para a Fazenda
Velha pra colher bicho na água, para
criar maria sapuda, para ver metamorfose. Foi ele quem despertou o meu
interesse pela ciência. Depois vieram
outras pessoas. Mas naquele momento
eu fui atraído pelo bom professor que
o Marques Lisboa era.
Mais tarde, comecei a gostar de insetos.Vale falar um pouco dele, que é um
dos maiores divulgadores de ciência
que conheço: o professor Newton
Dias dos Santos. Eu devia ter uns 15
anos quando peguei um inseto enorme na fazenda do meu pai. Minha tia
Lúcia Machado de Almeida me disse
que tinha um professor no Instituto de
Educação, o Newton Santos, que daria
o nome das libélulas se eu as levasse lá. Eu, menino de 15 anos, cheguei
meio trêmulo, com as cinco libélulas
na mão, e falei: “Professor, a tia Lúcia
disse que o senhor podia dar o nome
dessas libélulas pra mim”. Ele olhou
Footo: Gustavo Costa
me pegou. A mãe: bem feito, você entrou na floresta. Daí vem a madrinha,
passa o terço na barriga do bicho, que
explode, e ela salva a menina”.
Fui perguntar para a mãe da criança
porque ensinou aquela história, já que
eles trabalham na floresta. E ela me
disse: “Depois ela aprende, doutor. Elas
não agüentam carregar castanha, elas
não agüentam andar na floresta. Vão
atrasar a gente. Eu tenho que deixar
eles dentro de casa e eles não podem
sair senão se perdem, então preciso
colocar medo mesmo”. Quando esses
contos de fada surgiram, provavelmente também era para criar medo de floresta nas crianças. Eu não sou contra
os contos de fada, mas alguns podem
mudar. Eu mudei. O meu Chapeuzinho
Vermelho e Lobo Guará é completamente diferente, nele o lobo é bonzinho.
Um exemplo de quando o Ângelo zoólogo ajuda o Ângelo escritor. Um amigo meu descobriu que a alimentação
do Lobo Guará é mais fruta que carne.
76% de fruta. Então eu mudei isso na
minha história. No final, o lobo entra
na casa pra comer a vovozinha e Chapeuzinho Vermelho pergunta: “Lobo
Guará, pra quê esse nariz tão grande?”
E o Lobo Guará: “Chapeuzinho Vermelho, pra quê essa melancia tão grande?”. Ela: “Pra você comer”. Daí ele
come a melancia, percebe que gosta
de frutas e os dois ficam amigos. Neste
livro, aprende-se um montão de coisas
sobre o lobo, o cerrado, as plantas do
cerrado... Eu, como cientista, descobri
uma peculiaridade da biologia do Lobo
Guará que me permitiu, como escritor, fazer uma história diferente. Aí me
perguntam: por que você nunca fez
um livro sobre libélulas? Porque nunca
arrumei uma história muito excitante
que tivesse como protagonista a libélula. Meu compromisso é com os meninos, e não com o bicho que gosto.
e falou: “Não vou dar nome de libélula nenhuma não”. Fiquei apavorado.
Ele continuou: “Você é que vai achar
os nomes”, e me deu o manuscrito da
tese dele sobre libélulas da região de
Lagoa Santa. Ele disse: “Vai pra casa,
tenta identificar, amanhã você volta e
vamos ver se você acertou”. No dia
seguinte eu voltei. Havia acertado
alguns nomes, outros não, e ele me
mostrou porque eu tinha errado. Nas
férias, seis meses depois, eu estava no
Museu Nacional, estagiando com o
professor Newton Santos. Notem que
ele sabia muito bem o nome das libélulas. Mas se me respondesse eu teria
cinco nomes, como ele não fez isso eu
estudo libélula a vida inteira.
E hoje, aos 75 anos, descobri a importância das libélulas. Sabe qual? Fazer
do Ângelo Machado um velho feliz. Eu
passei a maior parte do meu tempo
me divertindo com libélulas, trabalhando em pesquisa.
Depois também conheci o padre Pereira, da Igreja de Lourdes, que estudava besouros. E comecei a sair com ele
toda semana para pegar insetos. Com
ele, fiz pelo menos 10 grandes viagens
à Amazônia. Dei aulas de Neuroanatomia durante 30 anos e de Zoologia por
22 anos. Hoje estou aposentado, mas
continuo indo ao Departamento. Hoje,
se me perguntam o que sou, digo zoólogo, ambientalista e escritor. Mas na
área científica trabalho em duas linhas:
com libélulas e com espécies ameaçadas de extinção. No segundo, trabalho
com a Fundação Biodiversitas. Tenho
nesta área uns seis livros, como autor
e como editor, sempre ligados à Biodiversitas. (Pega um livro de capa vermelha) Este é o último editado, o Livro
vermelho da fauna brasileira ameaçada
de extinção no Brasil. São 1400 páginas, 627 espécies, cada uma tem um
capítulo. Eu fiz alguns capítulos.
E o que o senhor acha do atual
mercado de publicações sobre ciência para crianças e jovens?
Não acompanho muito este mercado,
mas destaco o trabalho de duas revistas: a Ciência Hoje, que é da Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência
(SBPC), que considero como divulgação científica de altíssimo nível, e a
Ciência Hoje das Crianças, que é um
sucesso. A Ciência Hoje para adultos
vende bem, mas tem concorrentes,
como a Superinteressante. Já a Ciência
Hoje das Crianças é para um público
infantil, tem jogos, brincadeiras, entre
outros.
O senhor já escreveu para a Ciência Hoje das Crianças, não é?
Durante vários anos trabalhei como
coordenador da sucursal da Ciência
Hoje em Belo Horizonte. Assim, ajudei
a criar e escrevi para a Ciência Hoje
das Crianças. Só depois comecei a
fazer divulgação através da literatura.
Também ganhei o prêmio José Reis, na
categoria divulgação científica, assim
como o Roberto Carvalho, jornalista
que trabalhava comigo, ganhou o prêmio na categoria jornalismo cientifico.
Quando começamos a Ciência Hoje
para Crianças, um problema que prevíamos é que os cientistas não saberiam
escrever para esse público. Mas, apesar
de não ser muito comum, existem sim
cientistas que conseguem fazer essa
transposição e, por isso, a revista tem
dado certo.
Outra coisa que sempre perguntam:
porque que prefiro os livros para
crianças? É porque acho mais importante. Foi o que falei para um escritor
que me indagou sobre isso: “Olha, o
menino vai aprender a gostar de ler
conosco. Se a gente fizer um livro chato, ele vai deixar a literatura de lado”.
Então temos a responsabilidade de
criar o leitor, e é uma responsabilidade
enorme para o escritor infantil. É mais
difícil ainda quando a literatura faz divulgação científica porque o risco de
chatear é maior. Por exemplo, depois
da Conferência ECO-92, muita gente
passou a cobrar livros para a conscientização ambiental das crianças. E saiu
muito livro ruim. O defeito principal
é a mensagem muito direta, como por
exemplo, “vamos salvar as florestas”.
Saiu um agora que dá a mensagem antes da literatura, então, atrapalha tudo.
O fato de eu ser cientista me atrapalhou no começo - por definição, cientista é chato. Não liam meu livro, mas
já taxavam de chato. Lembro que a
primeira vez que fui no Programa do
Jô Soares, tive esse problema. Ele me
anunciou como professor, cientista. Aí
eu pensei: nossa, vai ser uma chatice.
Ele me perguntou: “Por que você gosta
de libélula?” Daí eu falei, “Olha, Jô, no
começo eu não gostava só de libélula,
eu gostava de tudo quanto era inseto. Foi minha mãe que descobriu que
eu gostava de inseto. Quando eu tinha
um ano e meio, me achou debaixo da
cama comendo uma barata. Você está
rindo, Jô, mas eu não como mais barata
não. As baratas de hoje não são como
as de antigamente.” Daí ele disse, “Ah,
você tem razão. Acho que você não
deve mais comer barata. No máximo
um grilo ou uma formiga.” E isso desanuviou tudo.
O que o senhor acha da cobertura jornalística sobre ciência que é
realizada hoje?
Antigamente, cobriam mais ciência e
meio ambiente. O Estado de Minas,
por exemplo, tinha um caderno só
para essas áreas. Hoje, a seleção é
muito sensacionalista. Já o trabalho de
revistas como a Ciência Hoje valoriza
o cientista brasileiro. Quando se fala
de divulgação científica, é preciso lembrar que quem paga a ciência no Brasil
é o povo. A maioria das descobertas
são feitas pelas universidades públicas. Então, acho que o cientista tem a
obrigação de divulgar a ciência para a
população em geral. Isso nem sempre
é fácil. Por exemplo, às vezes vejo uma
revista da academia sobre matemática e não consigo entender absolutamente nada. Mas é possível divulgar a
maioria dos trabalhos. Acho que deveria ser uma obrigação mesmo. Não
só o público poderia entender mais o
mundo, mas também valorizar mais a
ciência. Quem manda é o povo através
de seus representantes. Então o povo
deve votar e cobrar de seus representantes a divulgação de temas da ciência e do meio ambiente. E o povo só
vai exigir se tem noção da importância
da ciência – está aí um dos papeis da
divulgação científica.
Qual a importância da divulgação
científica para os jovens?
Eu diria que o mundo em que eles vivem está cheio de informações científicas. Por exemplo, estou vendo essa
mata, mas para valorizá-la, preciso entender para que ela serve, o que é a
clorofila, para que serve o gás carbônico e o oxigênio. O que quero dizer
é que o mundo é tecnológico e é importante que as pessoas conheçam um
pouco de ciência para entender melhor
o que está acontecendo a sua volta. O
jovem gosta de entender aquilo que é
do cotidiano dele. Na minha área, a Zoologia, é mais fácil porque os meninos
gostam muito de bichos, e os jovens
que adquirem essas informações serão
adultos com um conhecimento mais
profundo do mundo em que vivem. Eu
ensino Entomologia para os alunos de
Biologia. Meu aluno pode não se tornar
um entomólogo, mas quando ele for à
Serra do Cipó vai entender mais sobre
os insetos, o que aquele besouro está
fazendo, porque aquele bichinho está
fazendo armadilha para caçar outro.
Então, acho que a vida é uma curtição
maior quando a gente sabe um pouco de ciência. Sem falar que as ciências
ambientais são mais do que curtição,
a preservação do planeta passa pelas
ciências ambientais.
Raquel Emanuelle Dores
MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2009
11
Mapeamento
O trabalho busca registrar
a ocorrência de espécies
de moluscos do gênero
Biomphalaria, hospedeiros
intermediários do Schistosoma
mansoni, agente causador da
esquistossomose.
12
MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2009
Alvo
encontrado
A fim de tomar medidas mais efetivas para o controle de uma doença
é fundamental conhecer bem o mecanismo de transmissão e disseminação
da enfermidade. Parece óbvio, mas
para algumas doenças consideradas
negligenciadas – um conjunto de enfermidades associadas à situação de
pobreza, a precárias condições de vida
e a disparidades em saúde -, nem sempre é fácil o caminho para desenvolver
estudos na área. Apesar de serem responsáveis por quase metade da carga
de doença nos países em desenvolvimento, os investimentos em pesquisa,
tradicionalmente, não priorizaram esse
tipo de trabalho. O quadro se agrava
quando se observa que, até a década
de 70, as patentes dos medicamentos
mais utilizados no mundo eram de universidades e/ou de institutos públicos
de pesquisa e, a partir daí, progressivamente, elas passaram para as mãos do
setor privado.
O Brasil, neste cenário, se destaca por manter diversos projetos
envolvendo doenças negligenciadas.
A produção de conhecimento sobre
uma doença como a esquistossomose, classificada, segundo a Organização
Mundial de Saúde, na categoria 2 de
negligenciadas (enfermidade persistente, apesar de haver estratégias de
controle), ganha ainda mais relevância.
O projeto “Complementação da Carta Planorbídica nos estados de Minas
Gerais, Paraná, Bahia, Pernambuco e
Rio Grande do Norte” é um exemplo
de produção de conhecimento para
ampliar estratégias de controle.
Seu objetivo é registrar a ocorrência de espécies de moluscos do
gênero Biomphalaria, hospedeiros intermediários do Schistosoma mansoni,
agente etiológico da esquistossomose.
O coordenador da pesquisa, Omar
dos Santos Carvalho, pesquisador e
chefe do Laboratório de Helmintologia e Malacologia Médica (LHMM)
do Centro de Pesquisas René Rachou
(CPqRR/ Fiocruz Minas), explica a necessidade do mapeamento. “O principal problema é que ainda não conhecemos, de forma ampla, a distribuição
dos três hospedeiros intermediários
do S. mansoni no Brasil. Algumas espécies que são refratárias ao parasita são
muito semelhantes às espécies epidemiologicamente importantes e poucos
são os pesquisadores que sabem fazer
esta diferenciação”, afirma.
No Brasil, segundo Carvalho, existem 11 espécies e uma subespécie
dos caramujos do gênero Biomphalaria. Dessas, B. glabrata, B. straminea e
B. tenagophila são hospedeiras intermediárias do Schistosoma mansoni. De
acordo com o pesquisador, a capacitação dos técnicos responsáveis pelas
atividades do inquérito em cada estado é muito importante. “Com o mapa
de distribuição das espécies do gênero
Biomphalaria em mãos, as autoridades
de saúde poderão direcionar melhor
as medidas preventivas e de controle
da esquistossomose, com economia
de recursos financeiros e humanos,
uma vez que teremos disponível a localização dos moluscos suscetíveis ao
S. mansoni”, explica o coordenador.
Esquistossomose no Brasil
A esquistossomose mansônica é
uma doença infecciosa parasitária e
sua evolução clínica varia desde a forma assintomática até aquelas extreMalacologia é o ramo da biologia que
estuda os moluscos. Os estudos malacológicos incluem a taxonomia, a fisiologia
e a ecologia destes animais. Uma das
razões para estes estudos é que algumas
espécies de caramujos são hospedeiros
de parasitas humanos. Outras espécies,
como muitos cefalópodes (lulas, polvos e
escargot,por exemplo) têm importância
econômica e nutricional, sendo objetos de
pesca ou de cultivo.
Foto: Marcelo Focado
Georreferenciamento de
criadouros de moluscos auxiliam
no combate à esquistossomose
Omar dos Santos Carvalho, pesquisador do
René Rachou e coordenador do estudo
mamente graves, constituindo um dos
mais importantes e graves problemas
de saúde pública para o país.“A esquistossomose acomete, sobretudo, a população mais necessitada, já fragilizada
por outras patologias decorrentes da
falta de saneamento básico, de educação sanitária e de alimentação adequada”, explica Omar Carvalho. Segundo
dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 52,2% dos
municípios brasileiros contam com
serviços de esgotamento sanitário e
apenas 33,5% dos domicílios são atendidos por rede geral de esgoto. Dos
5.507 municípios existentes em 2000,
2.630 não eram atendidos por rede
coletora, utilizando soluções alternativas como fossas sépticas e sumidouros, fossas secas, valas abertas e lançamentos em cursos d’água.
Estima-se que a esquistossomose
ainda esteja presente em mais de 50
países, totalizando cerca de 200 milhões de casos no mundo. Endêmica
em várias regiões tropicais e subtropicais do planeta, calcula-se que seja responsável por mais de 200 mil mortes
por ano, além de trazer sofrimento aos
pacientes, por se manifestar de forma
MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2009
13
crônica. No Brasil, a transmissão ainda
ocorre em 19 estados e constitui uma
das endemias mais importantes, pois,
apesar do esforço do sistema de saúde, estima-se que ainda existam cerca
de cinco milhões de casos. Segundo
Omar Carvalho, os dados mais abrangentes publicados sobre a prevalência
da esquistossomose datam de 1950 e
foram realizados por Pellon & Teixeira em 1950. O Ministério da Saúde já
está desenvolvendo um projeto para
atualizar as informações através de
um novo inquérito de prevalência da
doença.
No Brasil, a enfermidade ocorre
em uma grande extensão do território, com número expressivo de formas
graves e óbitos. Agrava este quadro
Nos cinco estados que participam do
trabalho, os moluscos são colhidos nas
margens e no fundo de cursos d’água.
Depois, são examinados em laboratório para
detectar a presença do S. mansoni
Foto: Marcelo Focado
14
MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2009
o fato de ser uma endemia de difícil
prevenção, uma vez que os moluscos
possuem hábitos aquáticos. “Esse fato,
associado às inúmeras localidades sem
saneamento ou com saneamento básico inadequado, são fatores relevantes
para manutenção da transmissão e do
ciclo do parasita”, explica o pesquisador.
Trabalho de campo
Os levantamentos da distribuição
dos moluscos do gênero Biomphalaria
vêm sendo realizado nos estados de
Minas Gerais, Paraná, Bahia, Pernambuco e Rio Grande do Norte. Segundo
o coordenador do projeto da carta
planorbídica, esses são os estados que
estão mais avançados nesta atividade
e possuem pessoal já treinado para
coleta, exame e identificação dos moluscos. “Este é o primeiro projeto visando conhecer a distribuição destes
moluscos no Brasil. Seu financiamento
foi uma decisão política do Ministério
da Saúde (MS) a partir de recomendação do Grupo Assessor do MS para o
Controle da Esquistossomose”, explica. A ideia é que estas atividades sejam, posteriormente, estendidas para
outros estados.
O projeto piloto está sendo desenvolvido na região da Estrada Real,
em Minas Gerais, pelo LHMM/CPqRR,
em parceria com a Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG). Cinquenta e
oito municípios desta área, que ainda
não possuem dados sobre moluscos,
estão sendo pesquisados. A escolha da
região para implantação do projetopiloto foi feita em acordo a SES-MG,
por meio do Programa de Controle
da Esquistossomose, e possui duas
vertentes.
A primeira é uma preocupação
antiga, uma vez que o Projeto Estrada Real engloba inúmeros municípios
do estado, com prevalência variável
da esquistossomose, sendo que alguns
destes municípios exibem nas propa-
Você sabia?
A esquistossomose é uma doença que ocorre em diversas partes do
mundo de forma não controlada. No
Brasil, ela é conhecida popularmente
por xistossomose, xistosa, doença
dos caramujos, moléstia de Pirajá da
Silva e barriga d‘água. O agente causador da infecção varia conforme
a região do mundo. No nosso país,
a esquistossomose é causada pelo
Schistossoma mansoni. A descrição
completa do trematódeo foi feita em
1908, pelo cientista baiano Pirajá da
Silva, que realizou suas primeiras observações em 1904, quando estudou
os ovos do parasita eliminados por
um doente em Salvador. De forma
resumida, o ciclo da enfermidade
se dá a partir de ovos eliminados
com as fezes do hospedeiro humano. Quando atingem a água, os ovos
liberam as larvas, denominadas miracídios, que se desenvolvem e nadam
por meio de cílios, até eventualmente encontrar um caramujo, que lhe
serve como hospedeiro intermediário. É no interior desse molusco que
o miracídio se desenvolve até a fase
de cercária, que é capaz de penetrar
a pele de seres humanos, alojando-se
nas veias do intestino e fígado.
Em muitos casos, há obstrução
da circulação, sendo esta a causa da
maioria dos sintomas da doença, que
pode ser crônica e levar à morte. As
áreas mais atingidas são pés e pernas
e os locais de maior transmissão são
as valas de irrigação, açudes e peque-
nos córregos. O desenvolvimento do
parasita no homem leva aproximadamente seis semanas (período de
incubação), quando atinge a forma
adulta e reprodutora já no seu habitat
final, o sistema venoso.A liberação de
ovos pelo homem pode permanecer
por muitos anos. O diagnóstico é feito por exame de fezes ou sorológico
e o tratamento com medicamentos
antiparasitários, substâncias químicas
que são tóxicas ao parasita. Naqueles
casos de doença crônica, as complicações requerem tratamento específico. As formas de prevenção são o
saneamento básico, a educação sanitária, o tratamento dos doentes e o
combate ao molusco.
gandas turísticas forte apelo para utilização de rios e lagos. “E muitos destes
cursos d’água estão povoadas por moluscos infectados”, explica o pesquisador. A segunda vertente foi a decisão
política das autoridades estaduais de
saúde em iniciar o treinamento dos
seus técnicos mesmo antes da implementação do projeto. “O piloto inclui
capacitação de profissionais de saúde
em coleta, embalagem, exame e identificação de moluscos. Os trabalhos
de campo já foram realizados em oito
municípios”, esclarece.
A técnica de coleta do molusco no
campo consiste em raspar, com uma
concha de metal perfurada, a vegetação submersa, as margens e o fundo
dos cursos d’água identificados como
possíveis criadouros das espécies.
Na superfície, o material recolhido é
cuidadosamente analisado à procura
dos moluscos. Os profissionais observam as folhas e os pequenos gravetos,
onde os espécimes jovens ou pequenos costumam ficar presos. À medida
que encontram os moluscos, eles são
transferidos para um recipiente plástico sem água. O frasco recebe uma etiqueta com o número de identificação
referente às anotações da caderneta
de campo. As equipes, após o reconhecimento do local, vão identificar, assi-
nalar e georreferenciar os criadouros,
caracterizando aqueles de importância
epidemiológica em relação à frequência da população ao local. A busca dos
moluscos é realizada em diferentes
pontos de cada criadouro, para se obter uma boa amostragem da malacofauna presente.
Os moluscos são levados, então,
aos laboratórios de cada município
investigado, onde será feita a pesquisa
de larvas de S. mansoni, por dois métodos: exposição à luz de lâmpadas
incandescentes ou esmagamento das
conchas entre placas de vidro. Munido
com pinças de pontas finas ou estilete, o profissional retira os pedaços da
concha e examina cuidadosamente o
molusco sob microscópio. Em seguida, uma amostra dos moluscos será
identificada através da morfologia dos
órgãos internos (aparelho reprodutor
masculino e feminino) e da concha.
volvimento de técnicas de biologia
molecular, utilização de ferramentas
de geoprocessamento e formação
de pessoal. O tempo previsto para a
conclusão da carta nos cinco estados
é de dois anos. No último dia 15 de
dezembro de 2009, uma reunião convocada pela Coordenação de Doenças
Transmitidas por Vetores (CDTV/MS),
em Brasília, apresentou o projeto aos
gerentes dos programas de controle
da esquistossomose dos estados, esclarecendo diversos pontos, principalmente a estratégia de treinamento e a
utilização de instrumentos de localização por satélite, por exemplo.
Segundo Omar dos Santos Carvalho, que também é coordenador
do Programa Integrado de Esquistossomose da Fundação Oswaldo Cruz
(PIDE/Fiocruz) e membro do Comitê
Assessor do Ministério da Saúde para
o Controle da Esquistossomose, o fato
de Minas Gerais assumir a coordenação demonstra que o estado possui
pessoal qualificado para coordenar e
executar as atividades, além do reconhecimento de que Minas possui massa crítica de pesquisadores voltados
para o estudo da malacologia.
Perspectivas
A “Complementação da Carta Planorbídica nos estados de Minas Gerais, Paraná, Bahia, Pernambuco e Rio
Grande do Norte” conta com financiamento do Ministério da Saúde (MS)
e obteve apoio da FAPEMIG por meio
de diversos projetos, como o desen-
Letícia Orlandi
MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2009
15
Tecnologia
Iniciar novo jogo?
16
MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2009
Software livre
para captura
de movimentos
e animação de
personagens
é novidade
no mundo dos
games
Ronaldinho Gaúcho dribla o primeiro, o segundo, aproxima-se da pequena área e dispara o chute certeiro.
Depois do gol, é só sair para comemorar. O personagem desta jogada corre como Ronaldinho, dribla, faz gol e
comemora como ele. Mas a diferença
está nas proporções bem mais compactas assumidas pelo craque neste
jogo, já que se trata do Fifa Soccer, um
game digital que reproduz equipes de
futebol do mundo todo, com caracterização precisa dos seus atletas. O
“milagre tecnológico” que possibilita
a qualquer jogador do Fifa Soccer ser
Ronaldinho, Beckham ou Cristiano
Ronaldo por um dia chama-se captura
de movimento.
Os gestos do personagem são tão
parecidos com os desses atletas porque, na verdade, são seus próprios
movimentos, captados por um programa de computador e armazenados em
bancos de dados acessados na medida
em que os comandos do videogame
são acionados. Essa tecnologia, utilizada em praticamente todos os jogos
digitais recentes, poderá em breve ser
empregada também por desenvolvedores brasileiros, a partir de um software
livre criado por meio de uma parceria
entre pesquisadores da Universidade
Fumec e da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG).
O projeto é conduzido pelo coordenador do curso de Tecnologia em
Jogos Digitais da Fumec, João Victor
Boechat Gomide, e pelo professor
Arnaldo de Albuquerque, do Departamento de Ciência da Computação da
UFMG. O passo inicial foi dado cerca de dez anos atrás, quando Gomide
trabalhava como finalizador de efeitos
na Rede Globo, no Rio de Janeiro. Ele
realizou os estudos preliminares para
aplicação da técnica na animação dos
personagens do Sítio do Picapau Amarelo, mas, por fim, optou-se por fazer
o trabalho em Nova Iorque, já que não
havia no país alguém que trabalhasse
com a tecnologia. “Ao voltar para Belo
Horizonte e para a vida acadêmica,
procurei parcerias na UFMG para desenvolvermos o projeto que, inicialmente, era um produto comercial. Depois, resolvemos abrir o código e hoje
trabalhamos para que seja um software
livre”. O produto final será disponibilizado em um portal para desenvolvedores do mundo todo.
João Victor Gomide acredita que a
iniciativa terá um grande impacto neste campo, pois, atualmente, não existe
no mundo um software livre com esta
funcionalidade. No mercado nacional,
os efeitos podem ser ainda mais diretos, pois, embora a ferramenta seja
amplamente utilizada no mundo todo,
gerando uma produção audiovisual de
alta qualidade, no Brasil existem ape-
nas dois equipamentos deste tipo. Os
estudos, voltados para animação de
personagens e jogos, são pioneiros no
país. “Praticamente não há um histórico de pesquisas nesta área”, conta o
pesquisador.
Revolução digital
A utilização da captura de movimentos no desenvolvimento de jogos
é uma realidade com a qual os usuários atuais encontram-se familiarizados. Mas representa uma evolução que
os jogadores dos antigos videogames
talvez sequer imaginassem – no clássico PacMan dos anos 1980 os pixels
eram tão grandes que eram visíveis
na tela, sob forma de “quadradinhos”.
“Atualmente é possível trabalhar com
uma resolução bem maior, que torna a
imagem muito próxima da original e as
animações também podem ser feitas
em tempo real”, diz Gomide.
Segundo o professor, o mercado
de animação para jogos digitais está
entre os grandes patrocinadores das
pesquisas na área de captura de movimento. Trata-se de uma tecnologia em
evolução, mas já bastante amadurecida,
utilizada no mundo todo, nos principais jogos e também no cinema. Entre
os exemplos recentes estão os filmes
Avatar e Os fantasmas de Scrooge. A
técnica permite “colocar” os personagens onde for necessário, inclusive em
cenários reais. O personagem Gollum,
Cena do Fifa Soccer, jogo criado a partir
da captura de movimentos dos jogadores.
O software criado possibilitará aos
desenvolvedores brasileiros acesso a essa
tecnologia
MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2009
17
Foto: Marcelo Focado
do filme O Senhor dos Anéis – O retorno
do rei (2003), tornou-se famoso por ser
construído desta maneira. O ator Andy
Serkis fez os movimentos, que foram
aplicados no personagem, e este foi inserido em cenas gravadas, nas quais ele
interagia com outras pessoas.
Brasil entra em campo
Mocap (abreviatura da expressão
em inglês Motion Capture) é a denominação comum aos softwares de captura
de movimentos existentes no mercado. Por isso, o programa desenvolvido pelos pesquisadores da Fumec e
UFMG está sendo chamado de OpenMoCap. Ele possibilita desde a captura
do movimento de uma pessoa que esteja atuando até a transmissão deste
movimento para o personagem virtual.
“Antes, o Brasil era apenas consumidor
desta tecnologia, utilizávamos o que vi-
João Victor Gomide, da Fumec: iniciativa de
grande impacto no mercado brasileiro.
nha praticamente pronto. Agora, não
só teremos a tecnologia, como será
um software livre”, comenta Gomide.
Atualmente, a técnica mais utilizada baseia-se em marcadores, pontos refletores afixados na pessoa que
será origem dos movimentos a serem
captados. Os locais específicos para
disposição dos marcadores são as articulações, sobre uma roupa preta utilizada pelo ator. Para fazer a captura
em si, pode-se usar vários princípios,
baseados no mapeamento do campo
magnético ou em câmeras, por exemplo. No caso do OpenMoCap, a equipe
optou por câmeras, o que proporciona
inclusive mais liberdade de ação para o
ator. Leds (luzes) de infravermelho são
posicionados para iluminar todo o set.
E na frente da lente da câmera é colocado um filtro para o infravermelho.
Assim, o equipamento de filmagem
capta, na verdade, apenas os pontos
brilhantes no corpo do ator (marcadores). O software entra, então, em
ação, mapeando as coordenadas desses pontos e seguindo-os ao longo dos
quadros do vídeo.
Gomide conta que o desenvolvimento do programa exigiu trabalho
intenso, pois envolve conhecimentos
interdisciplinares que associam questões como visão computacional, física,
processamento de imagem, entre outras. Nesse sentido, ele destaca que
tem sido fundamental a colaboração
de outros professores da Fumec e
da UFMG, além dos alunos iniciação
científica e de mestrado, como David
Flam, cuja dissertação colaborou diretamente para a construção do código
do programa. O projeto tem o apoio
da FAPEMIG desde 2006 e, a partir de
2007, também do Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Luzes, câmeras, ação
O OpenMoCap já está pronto e os
pesquisadores seguem trabalhando em
aprimoramentos. Eles estudam, ainda,
em que instituição de licenciamento
de software livre farão o seu registro,
para que fiquem definidas as regras de
utilização. A equipe está satisfeita com
o resultado atingido até o momento e
espera ter, até o final de 2010, o programa disponível em um portal, para
livre acesso pelos interessados. “A
nossa proposta era desenvolver um
produto que fizesse captura de movimento e estamos dando um passo
além, que é tentar disponibilizar isso
para o público em geral e chamar desenvolvedores para colaborar”, comemora Gomide.
O professor acredita que, em um
futuro não muito distante, a convergência entre essa e outras tecnologias permitirá que uma pessoa, talvez
mesmo em sua casa, possa criar seu
próprio jogo ou desenho animado. “É
preciso saber apenas como construir
os pontos refletores e ter câmeras.
Atualmente, temos testado algumas
Uma ideia na cabeça e a tecnologia na mão
A história da captura de movimento surgiu na década de 1990, em
cinema e comerciais. Na medida em
que a tecnologia foi crescendo, despertou, em um primeiro momento,
certa rejeição – alguns animadores
alegavam que a técnica não poderia
ser vista como arte. Em 1999, o programa Donkey Kong, uma série de
animação dos Estados Unidos, foi
proibido de disputar o Emmy sob
alegação de que ele não era arte
18
MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2009
(animação). Curiosamente, alguns
anos depois, quando surgiu o personagem Gollum, do filme O Senhor dos
Anéis, cogitou-se até mesmo criar
uma nova categoria no Oscar para
o ator que animava esse tipo de personagem.
A tecnologia na área de animação segue evoluindo e atualmente
é possível captar o movimento de
várias pessoas que estejam atuando.
Isso possibilita que em filmes como
Os Fantasmas de Scrooge e no campeão de bilheteria Avatar o cenário
possa ser, em determinados momentos, simplesmente uma sala com
os atores em ação. Atores e diretor
precisam ter muita concentração e
saber exatamente o que se pretende. Posteriormente, o resultado é
inserido em um cenário virtual e são
feitas as finalizações. Uma nova maneira de se fazer cinema, em que a
arte é indissociável da tecnologia.
No cinema e na vida real
A tecnologia de captura de
movimentos não é exclusividade
do ramo de entretenimentos. Há
algum tempo, ela vem sendo usada
com sucesso também em outras
áreas, como medicina e esportes.
Nas últimas Olimpíadas, a equipe
australiana, por exemplo, utilizou
um sistema de captura de movimentos para monitorar e aperfeiçoar o desempenho dos seus atletas. “Os esportistas são colocados
em uma esteira para correr, andar
ou realizar outros gestos que
são captados e avaliados. A partir daí, pode-se ver o padrão de
movimentos e estudar formas de
melhorá-lo, através de diferentes
posturas”, esclarece o professor
João Victor Gomide.
Sistema similar pode ser usado em hospitais para diagnosticar
doenças com Mal de Parkinson e
outros problemas neurológicos,
através do exame da forma como
o paciente caminha. Neste sentido,
existe no país um software produzido na Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp) para estudos
acadêmicos na área médica.
No caso do grupo da Fumec e
UFMG, a princípio o programa foi
pensando apenas para animação,
mas Gomide adianta que existe
interesse por parte de professores
do Departamento de Educação Física em desenvolver um trabalho
interdisciplinar. “Já que vamos ter
a tecnologia, por que não ampliar
as aplicações?”.
webcams. Elas ainda são muito ruidosas, mas estão chegando novas tecnologias neste sentido”, antecipa.
Enquanto isso, existem também
outros projetos para utilização do software. Um deles, já em andamento, é fazer um curta-metragem com o grupo
de teatro Galpão. Gomide conta que
já existe o roteiro, fotografias, personagens e o OpenMoCap deverá ser
usado para animar os personagens.
Palavra-chave
EXEMPLOS A SEGUIR?
José Policarpo Gonçalves de Abreu
Tem sido divulgado à exaustão o avanço
que nosso país teve nestes últimos anos em
termos de geração de conhecimento, tendo o
Brasil subido para o décimo terceiro posto no
ranking mundial que contabiliza o número de
publicações em periódicos indexados internacionais. Isto, todavia, não tem sido acompanhado pari passu do aumento de depósitos de patentes em nível internacional, levando muitos
analistas à inevitável comparação entre Brasil
e Coréia do Sul. Alguns pesquisadores discordam dessa comparação
mostrando graves incongruências na mesma. À parte essas considerações, não há como negar o grande fosso existente entre os resultados
mostrados por ambos indicadores. Vale dizer, não há como ignorar a
dicotomia existente entre geração de conhecimento e obtenção de
produtos derivados.
Apesar da promulgação de Leis de Inovação, a federal em 2004, e
algumas estaduais em anos subsequentes, há ainda muitas dificuldades
para que se atinja a salutar interação entre o setor acadêmico, em
grande parte responsável pela geração de conhecimento e o empresarial, na maioria das vezes aquele que produz inovação. Desconfianças,
embora bem menores do que em passado recente, ainda teimam em
existir em ambas as partes.
Ao entender a grande importância dessas leis para nação, a FAPEMIG tem perseguido uma real aproximação entre ambos os setores,
de forma a reduzir o abismo existente entre os indicadores mencionados. Para tal, no papel de agência indutora – como consta em sua
missão – vem lançando editais, em parceria com empresas (Fiat,Whirlpool,Vale), que visam obter resultados concretos que possam conduzir
a desenvolvimento verdadeiramente sustentável para nosso país. Desenvolvimento este de difícil existência sem um verdadeiro equilíbrio
entre Ciência, Tecnologia e Inovação, vale dizer, sem a real integração
entre universidade e empresa.
Esse é um exemplo a ser seguido, o qual na verdade não é uma
novidade em si. O Brasil, à frente de muitos outros países, deu um
enorme salto através da promulgação da Lei n° 9.991 de 2000, a qual
sabiamente estabelecia um melhor caminho para construir um sistema
elétrico de alta eficiência através da pesquisa e do desenvolvimento
inovador da tecnologia.
Houve no início, como natural, alguns titubeios, mas os programas
de P&D de muitas concessionárias acabaram por se afirmar como geradores de tecnologias e aplicações práticas, além de ter permitido às
empresas, em parceria com universidades e centros de pesquisa, desenvolver e capacitar seu pessoal, preparando-o para os novos desafios
que a modernidade tem lhes imposto.
Por outro lado, as oportunidades e os recursos colocados à disposição das Instituições de Ciência, Tecnologia e Inovação (ICTs) produziram nos últimos anos um salto, tanto qualitativo quanto quantitativo,
Virginia Fonseca
MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2009
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Saúde
Na batalha contra o
20
MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2009
Pele clara, exposição ao sol em excesso e um diagnóstico: o comerciante
Eduardo Augusto Lana, 51 anos, estava
com câncer de pele. Ele se preparava para a cirurgia de retirada do tumor quando decidiu contribuir para o
avanço da ciência. Lana foi um dos 200
pacientes a doar parte do tumor e do
tecido afetado para o Banco Mineiro
de Tecidos e Tumores (BTT). “Foi uma
oportunidade de colaborar com a
evolução da medicina e dos estudos
sobre a doença e de ajudar pessoas
que estão na mesma situação que a
minha. Sinto-me honrado”, declara.
Embora o câncer de pele seja o
mais frequente no Brasil, correspondendo a cerca de 25% de todos os
tumores malignos, segundo dados do
Instituto Nacional de Câncer (Inca),
quando detectado precocemente,
apresenta altos percentuais de cura.
Esse foi o caso de Lana. O paciente,
que já havia removido dois tumores
superficiais, nas costas e no nariz, reagiu bem à cirurgia e encontra-se em
perfeito estado de saúde.
A implantação do BTT e a coleta
das primeiras amostras de tecidos e
tumores tiveram início em julho de
2007, a partir da atuação conjunta
entre o Hospital Alberto Cavalcanti (HAC), da Fundação Hospitalar de
Minas Gerais (Fhemig), e a Fundação Ezequiel Dias (Funed). Segundo
o coordenador do projeto, o cirurgião oncológico, Alberto Julius Alves
Wainstein, a criação do Banco é uma
Fotos: Arquivo Alberto Wainstein
Banco de
tumores ajuda
na produção de
conhecimento
sobre a doença
e os possíveis
tratamentos
Análise macroscópica de amostras de tecido e tumores. A imagem ampliada 400 vezes mostra
um adenocarcinoma (tumor maligno) ovariano.
resposta à necessidade de produzir
mais conhecimento sobre as células
tumorais. “Com a busca de tratamentos mais eficazes para pacientes com
câncer, definição de melhores rotinas
de diagnósticos e prognósticos mais
precisos. Pretendemos beneficiar não
apenas os pacientes oncológicos, mas
a população como um todo”, ressalta.
A coleta da amostra é simples e
rápida. Ocorre durante a cirurgia de
retirada do tumor, mediante autorização do paciente, sem nenhum procedimento adicional (leia mais na pág.
seguinte). “Dos 200 pacientes incluídos
no estudo, alguns doaram mais de um
tipo de tecido, acumulando 206 amostras de diferentes tumores de maior
incidência no Brasil – gástricos, prostáticos, intestinais, mamários, renais, de
pele e de bexiga”, informa a biomédica
e subcoordenadora do projeto, Karine
Sampaio Lima.
Incremento à pesquisa
A instalação do Banco é um trabalho pioneiro no Estado e recebeu todo
apoio da FAPEMIG, que liberou recurMINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2009
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Medicina personalizada, benefícios individuais
Com o mapa genético dos pacientes em mãos e informações contidas no DNA, especialistas indicam o tratamento mais adequado para o controle de doenças e
até a adoção de hábitos que evitem problemas aos quais
o paciente tem predisposição. Esse é o mundo da medicina personalizada.
A criação do Banco Mineiro de Tecidos e Tumores
vem a atender a esta nova realidade em que diagnósticos
são adaptados à genética de cada um. O estudo detalhado das mutações dos tumores levará a diagnósticos mais
precisos, tratamentos mais específicos e medicamentos
mais eficazes aplicáveis a cada um, considerando as particularidades de sua doença.“Os tumores tem uma impressão digital própria. Porém, muitos pacientes são tratados
com o mesmo medicamento. Com a análise do perfil genético de cada tumor, podemos descobrir comportamensos da ordem de R$712,7 mil para o
projeto. No Brasil, existem apenas dois
centros desse tipo, o gerenciado pelo
Hospital A.C.Camargo e o do Instituto Nacional de Câncer (Inca), ambos
na capital paulista. O projeto é considerado uma fonte incremental, sendo
o ponto de partida para outras frentes
de pesquisa. “Um banco ativo em Minas Gerais é essencial para o desenvolvimento de outros estudos. Por meio
dele, pesquisadores podem utilizar os
tumores e obter informações de grande valor científico”, explica Lima.
As amostras dos tumores de câncer de mama têm sido de grande utilidade para o mastologista e doutorando em Saúde da Mulher, Henrique
Lima Couto. “Sem o Banco, não seria
possível dar andamento à minha pesquisa, cujo tema é a relação entre a
alteração da proteína folistatina com
a sobrevida das pacientes”, destaca. “A
disponibilidade das amostras me permite testá-las e analisá-las a qualquer
momento”, acrescenta.
De acordo com Wainstein, a possibilidade de fazer testes nos tumores
é um fator que garante mais agilidade
na fabricação de medicamentos contra o câncer. “Geralmente, demora
em média 12 anos para um remédio
ser comercializado. Com a possibilidade de fazer testes nos tecidos, esse
tempo se reduz significativamente”,
complementa.
22
MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2009
tos biológicos diferenciados e desenvolver tratamentos
baseados nessas alterações”, explica Wainstein.
Segundo ele, pacientes com o mesmo tipo de tumor,
como o câncer de mama, apresentam diferenças como
fatores de crescimento, alterações nos receptores de
membrana e nos marcadores de superfície da célula
tumoral. “Graças a essas informações é possível saber
quem se beneficia mais com determinado medicamento”, ressalta.
Um dos grandes desafios da medicina, segundo o pesquisador, é definir tratamentos que eliminem somente as
células tumorais do paciente, já que a quimioterapia ataca células normais importantes para o organismo. “E essa
é a nossa missão: buscar alternativas que nos ajudarão a
vencer a batalha contra o câncer e a beneficiar o maior
número de pacientes possível”, almeja.
Doação e coleta
Após consentimento do paciente
por escrito, os tecidos e tumores são
coletados durante a cirurgia, realizada
no Hospital Alberto Cavalcanti. Toda
amostra é encaminhada para a Funed,
onde é codificada, processada – quando são retirados os tecidos adjacentes –, e armazenada a -80°C. Parte
do tumor é separada para extração
de DNA e RNA e criação de acervo
de biomoléculas. O restante é usado
no estabelecimento de cultura celular
primária. Segundo Luciana Maria Silva,
biologista celular da Fundação Ezequiel
Dias, o próximo desafio é estabelecer
linhagens celulares. Dessa forma, o tumor permanece vivo, pronto para ser
utilizado em testes de medicamentos,
quantas vezes for preciso. “Atualmente, compramos linhagens do exterior
a custos altos. Com o Banco, vamos
estabelecer culturas primárias com
características brasileiras, favorecendo os estudos e beneficiando a população nacional. Todo este material
poderá ser utilizado, posteriormente,
para diversos estudos incluindo a determinação do perfil genético de cada
tumor”, adianta.
Durante o período de implantação
do BTT, foram padronizados os protocolos e procedimentos de rotina para
a coleta de dados e armazenamento
das amostras. “Sendo piloto, o proje-
to vai incentivar outras instituições a
aproveitar as amostras. O ideal seria
que todos os hospitais criassem um
banco. A nossa pesquisa é o pontapé
inicial”, destaca Silva. “Outros futuros
bancos podem aproveitar esse conhecimento e aplicá-lo”, observa.
A equipe pretende continuar com
as atividades do BTT, aprofundar os
estudos, padronizar novos procedimentos, ampliar a coleta para outras
unidades hospitalares da Rede Fhemig
e estabelecer novas parcerias com instituições e laboratórios de pesquisa.
“A implantação do Banco foi o início
de um trabalho grandioso. Confiamos
na amplitude do projeto e no potencial de trazer avanços científicos para
a área da medicina oncológica”, pontua
Lima, destacando a relevância da coleta
de mais amostras. “Quanto mais tivermos, melhor para os estudos e mais
precisão nos resultados”, aponta.
Carolina Jardim
Projeto: “Implantação do Banco
Mineiro de Tumores Humanos –
projeto piloto”
Modalidade: Edital Gestão em
Saúde para o SUS
Coordenador: Alberto Julius Alves
Wainstein
Valor: R$712.763,64
Prevenção
O corpo fala
Pesquisadores propõem método de baixo custo para
prever resistência à insulina a partir de medidas
corporais
A saúde do corpo humano depende do equilíbrio de uma série de substâncias que circulam por ele, dentre
elas a glicose, principal fonte de energia para o organismo. Obtida a partir
do consumo de alimentos ricos em
carboidratos ou açúcares, como pães,
massas e doces, sua falta ou excesso
no sangue pode causar problemas de
saúde como fraqueza, desmaios, e até
doenças cardíacas e diabetes.
O controle da quantidade de glicose no sangue depende da ação de
várias substâncias, destacando-se dois
hormônios produzidos pelo pâncreas:
a insulina e o glucagon, que agem, res-
pectivamente, diminuindo e aumentando sua concentração. No entanto,
há casos em que a atuação desses hormônios é prejudicada porque o corpo
desenvolve uma espécie de resistência
a eles, o que pode desencadear males graves. Para prevenir esses males,
é preciso conhecer o quanto antes a
situação do indivíduo, o que é feito
com a realização de alguns exames específicos que são caros e, muitas vezes,
indisponíveis para utilização rotineira.
Foi pensando em oferecer uma solução de menor custo que professores
do Departamento de Nutrição e Saúde da Universidade Federal de Viçosa
(UFV) estão avaliando métodos alter-
nativos para a predição da resistência
à insulina, uma resposta anormal do
corpo à ação do hormônio sobre os
músculos e tecido adiposo, que pode
resultar em aumento da concentração de gordura corporal e sanguínea,
diabetes, elevação da pressão arterial,
entre outras alterações. Os fatores,
juntos ou combinados, impulsionam o
risco de diabetes, doenças renais, cardíacas e cerebrais, como o derrame.
A pesquisa foi feita por um grupo
que vem se dedicando aos estudos sobre a saúde masculina e, por isso, tem
a peculiaridade de ser voltada apenas
a homens. Mas além da adequação à
linha de trabalho da equipe, que inMINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2009
23
cluiu seis professores e um aluno de
pós-graduação sob a coordenação da
professora Lina Rosado, o método é
em especial pertinente, já que uma das
principais causas da resistência à insulina, o acúmulo de gordura na região do
abdômen, é freqüentemente constatada entre indivíduos do sexo masculino.
A proposta consiste em determinar indicadores antropométricos e
metabólicos que poderão ser utilizados para analisar a probabilidade do
organismo se tornar menos sensível
ao hormônio. Entre os indicadores
antropométricos, considerou-se para
o estudo medidas de peso, altura, perímetro da cintura e do quadril, diâmetro abdominal sagital e percentual
de gordura corporal. Os indicadores
metabólicos incluem níveis glicêmicos
e perfil lipídico sanguíneo (colesterol e
frações e triglicérides).
O trabalho se apoiou no conceito
de que medidas corporais podem fornecer informações sobre o estado de
saúde do indivíduo, especialmente nas
correlações encontradas entre algumas dessas medidas e a incidência da
resistência à insulina. O perfil da distribuição de gordura, por exemplo, é um
indicativo de que o organismo pode
ser menos sensível à ação do hormônio pancreático, como acontece com
24
MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2009
indivíduos que tendem a acumulá-la na
região do abdômen ou mesmo que estejam muito acima de seu peso ideal.
Fatores como altas taxas de colesterol no sangue, especialmente do LDL-c,
o colesterol “ruim”, taxas reduzidas de
HDL-c, o colesterol “bom”, e envelhecimento também apresentaram relação
com a presença de resistência à insulina
e são prenúncios de possíveis doenças
cardíacas. A base para o estudo, explica Lina, foram relatos científicos que
apontavam a relação entre alterações
das medidas corporais e metabólicas e
a prevalência de doenças crônicas.
Os dados foram coletados por nutricionista responsável pelo atendimento e, para isso, foram necessários apenas
aparelhos como balança eletrônica, fita
métrica inelástica, antropômetro (usado para medir a altura ou partes longas
do corpo), calíper (para medição do diâmetro abdominal sagital), aparelho de
bioimpedância elétrica (para avaliação
da gordura corporal) e uma mesa, onde
o paciente possa se deitar.
Segundo a professora, o método
pode ser uma alternativa do Sistema
Único de Saúde (SUS) para a realização
de exames para a determinação de resistência ao hormônio em substituição
aos disponíveis, que possuem as desvantagens de serem técnicas invasivas,
caras e não serem totalmente adequadas para o uso clínico. Um dos mais
usados, o índice HOMA-IR, (da sigla
em inglês Homeostasis Model Assessment of Insulin Sensitivity), uma fórmula
matemática que leva em consideração
os níveis de insulina e de glicose no
sangue após período de jejum, não
possui um padrão para avaliações individuais, além de ser oneroso.
Na ausência de um método eficiente e barato, muitos postos de saúde
não realizam os testes para predição
da resistência à insulina e pessoas que
podem apresentar a característica desconhecem o fato. Isso pode contribuir
para o agravamento do quadro, já que,
com as informações sobre o seu estado, médicos e nutricionistas poderiam
prescrever cuidados com a alimentação e a prática de exercícios físicos ao
paciente para impedir doenças futuras.
Análises
Para testar o método e avaliar
quais dentre as variáveis seriam mais
eficazes para predizer a resistência à
insulina, os pesquisadores realizaram
um estudo com 150 homens, moradores de Viçosa (MG), com idade entre
20 e 60 anos, que não tinham manifestado doenças cardiovasculares, dia-
Cuidando deles
A técnica desenvolvida pelos
pesquisadores da UFV pode ser
um aliado valioso na luta contra
problemas crescentes entre a
população masculina como as doenças cardíacas e o diabetes, que
em 2025 irá atingir 4,5 milhões de
brasileiros, segundo levantamento
de 2006 da Federação Internacional de Diabetes.
Apesar dos números, muitos
portadores desconhecem que
possuem o mal, o que dificulta a
adoção de medidas adequadas
para uma vida mais sadia. Como
o surgimento de doenças está relacionado ao sedentarismo e sobrepeso, a professora aconselha
a prática de exercícios físicos e
alimentação equilibrada, que inclui
cereais integrais e grãos, leguminosas, como feijão e vagens, frutas,
verduras e leite e derivados com
baixo teor em gordura. O cardápio deve ainda contemplar carnes,
principalmente a de peixes. Devese também evitar o consumo excessivo de sal, café e álcool. “Também se deve utilizar o óleo vegetal
para o preparo dos alimentos, evitando-se frituras e preparações à
milanesa”, alerta.
betes, problemas de pressão arterial
ou consumido medicamentos que influenciassem no controle glicêmico.
O levantamento, feito entre agosto
e setembro de 2007, incluiu questionários sobre o histórico de saúde deles
e de familiares e hábitos como fumo,
consumo de bebida alcoólica e sedentarismo, além das medições propostas
pelo método. Eles também tiveram as
taxas de glicose e de insulina medidas
para análise pelo índice HOMA-IR,
pelo qual seria detectada a resistência
à insulina e seriam considerados os
parâmetros de comparação.
A partir dos resultados encontrados foram propostos pontos de corte:
89,3 cm para o perímetro da cintura,
20 cm para o diâmetro abdominal sagital, 23,1 de percentual de gordura
corporal e 24,8 para o Índice de Massa Corporal, calculado pela divisão do
peso pelo quadrado da altura. Segundo Lina, os resultados foram bastante
positivos, em especial das variáveis perímetro da cintura e diâmetro abdominal sagital, que tiveram os melhores
desempenhos.
A professora ressalta, no entanto,
que ainda são necessários mais estudos considerando a utilização desses
indicadores também em mulheres,
adolescentes e idosos. “Espera-se que,
futuramente, tenhamos condições de
avaliar melhor a saúde dos indivíduos
considerando as particularidades inerentes à idade e sexo”, diz.
A expectativa é de que a avaliação
antropométrica, que já rotina no atendimento realizado por nutricionistas,
possa ser utilizada não apenas para avaliação do estado nutricional dos indivíduos, mas também fornecer outras informações sobre a saúde dos mesmos
e do risco de doenças. A garantia desse
diagnóstico pelo SUS poderia acarretar
redução de gastos com o tratamento
de doenças, já que ela serve como subsídio para agir na prevenção dos males. Lina lembra dado da Organização
Mundial da Saúde de que entre 2005
e 2015 cerca de R$50 bilhões serão
gastos com tratamento a doenças do
coração, diabetes e derrames.
Desireé Antônio
Projeto: “Determinação de
indicadores antropométricos
e metabólicos para predição
da resistência à insulina em
indivíduos do sexo masculino”
Modalidade: Edital Gestão em
Saúde para o SUS
Coordenador: Lina Enriqueta
Frandsen Paez de Lima Rosado
Valor: R$26.896,00
MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2009
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Tecnologia assistiva
A órtese é uma luva robotizada, feita com material antialérgico e flexível. “Tendões artificiais” são ligados a um motor e, por meio de sinais
elétricos, o movimento de abrir e fechar a mão pode ser realizado.
Mais autonomia
Novas tecnologias proporcionam independência a
deficientes visuais e a quem perdeu os movimentos
das mãos
Segurar um copo para tomar água,
recortar uma folha de papel, tomar o
ônibus para ir para casa ou ao trabalho. Coisas simples, que a maioria das
pessoas faz todos os dias, mas verdadeiros desafios para aqueles que, por
algum motivo, perderam os movimentos das mãos ou a visão, total ou parcialmente. Foi pensando em dar mais
autonomia a quem tem alguma dessas
características que dois projetos foram desenvolvidos por pesquisadores
da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG): uma órtese, espécie de
luva com dispositivos eletrônicos que
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MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2009
simulam tendões, permitindo o movimento voluntário de abertura e fechamento da mão; e um sistema de sinalização eletrônica, que facilita o acesso
de deficientes visuais a ônibus e táxis
sem depender de outra pessoa.
Criada por membros do Laboratório de Bioengenharia (Labbio) da
UFMG, sob a coordenação do professor Marcos Pinotti, a órtese possibilita
que pessoas que perderam os movimentos das mãos voltem a realizar
ações simples, como abri-las, fechá-las
e segurar objetos. Ele revela que a expectativa é que o produto, que ainda é
um protótipo e está em fase de testes,
esteja no mercado até o final do ano.
A órtese foi desenvolvida, inicialmente, pensando em pessoas que sofreram lesões no plexo braquial, conjunto de nervos que parte da região
cervical e originam as ligações nervosas que permitem os movimentos dos
membros superiores. O dano é muito
comum entre aqueles que sofreram acidentes de moto, em sua maior parte jovens e, muitas vezes, de baixa renda. “A
luva seria uma forma de restituir parte
da rotina que essas pessoas tinham antes do trauma”, justifica Pinotti.
Fotos: Marcelo Focado
Na parte posterior da luva, os
tendões são conectados a uma mola
que produz uma força contrária ao
movimento “ditado” pelos eletrodos,
permitindo a abertura dos dedos da
órtese. Segundo o engenheiro mecatrônico Daniel Rocha, um dos responsáveis pela elaboração de luva, a mola
também tem a função de aumentar a
vida útil da luva.
Para que a órtese funcione, eletrodos são postos sobre dois músculos
superiores ativos, que podem ser os
ombros ou mesmo a face. Ao se moverem, eles emitem sinais elétricos de
baixa intensidade. Os estímulos são
captados por um microcontrolador ligado a um pequeno motor, que aciona
os tendões. Dessa forma, o movimento, que deverá ser feito pela mão, é
“comunicado” à luva. O equipamento
é movido à bateria recarregável, colocada numa pequena bolsa levada pelo
usuário.
Pinotti conta que é preciso treino
para o uso do equipamento, mas isso
é algo bastante rápido e simples. “Duas
sessões de uma hora são suficientes
para se familiarizar com a tecnologia”,
diz. O treinamento consiste em reaprender a controlar os movimentos
da mão e a sincronizá-los com o do
músculo que fornecerá os sinais.
A fim de facilitar a adaptação, os
usuários utilizam, durante as sessões,
um sistema formado por duas pequenas lâmpadas LED - uma vermelha,
outra verde - que se acendem conforme o movimento feito. Dessa forma, a
pessoa sabe como e com intensidade
deve mover o músculo para que a luva
funcione corretamente.
Evolução
Equipe do Labbio/UFMG, com o pesquisador Marcos Pinotti (à direita): tecnologia inovadora já
tem depósito de patente
O equipamento consiste em uma
luva robotizada, feita com material
antialérgico e flexível, que se assemelha a uma lycra. Ele possui estruturas
que atuam como tendões presentes
no antebraço e são conectadas a um
motor que funciona com base em sinais mioelétricos, isto é, emitidos pelos músculos durante os movimentos
de contração ou relaxamento. São ao
todo dez tendões, sendo um par para
cada dedo das mãos.
As pesquisas para a criação da órtese começaram em 2005 e envolveram uma equipe de sete pesquisadores
do Labbio de diversas áreas, incluindo
engenheiros mecânicos, mecatrônico,
eletricista e uma terapeuta ocupacional. Nesta fase inicial, o projeto contou
com recursos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A FAPEMIG também apoiou o projeto em sua
MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2009
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fase clínica por meio de bolsa de pósgraduação, segundo Pinotti essencial
para a obtenção dos resultados.
Até chegar ao modelo atual, concluído em 2009, foram produzidos
outros dois modelos de luvas, mais
pesados por causa da bateria e do
material que a compunha. De acordo
com o pesquisador, a meta era chegar
a uma órtese que assegurasse maior
liberdade de movimentos e que fosse
confortável e esteticamente agradável, características que ainda faltam à
maioria dos produtos disponíveis no
mercado. Alguns modelos ainda utilizados têm funcionamento mecânico
e são formados por hastes que “puxam ou empurram” os dedos. Além
de pouco prática e até incômoda, a
órtese mecânica é pesada e desperta
certa resistência nos usuários pela sua
aparência. “Muitas pessoas não usam
as órteses porque elas se assemelham
a garras e destoam muito do corpo”,
conta Daniel Rocha.
Vários experimentos foram realizados em laboratório para determinar
as condições de operação da luva, dentre elas qual a fonte de energia mais
adequada e qual material mais agradável para sua confecção, antes de serem
iniciados testes clínicos, em 2007.
Quatro pacientes com lesões no
plexo braquial do Centro Geral de
Reabilitação (CGR), em Belo Horizonte, testaram a eficácia da luva na realização de pequenas tarefas do dia a dia
como segurar copos e mover objetos.
Segundo Daniel, os resultados foram
bastante satisfatórios. “Eles se adaptaram bem e rapidamente à órtese, até
mais do que esperávamos.”
A reação desses primeiros usuários em relação ao equipamento foi
objeto da tese de doutorado da terapeuta ocupacional Kátia Meneses, integrante do grupo que o desenvolveu.
No estudo, similar a uma pesquisa de
satisfação, foram avaliados itens que
vão desde a facilidade de manejo na
realização de tarefas até a apreciação
estética.
Atualmente, novos testes estão
sendo feitos no Hospital Universitário de Pernambuco, desta vez com
um grupo de 20 pacientes que tiveram
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MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2009
Acidente Vascular Encefálico (AVE),
um tipo de derrame no qual ocorre a
interrupção de fluxo sanguíneo para o
cérebro, impedindo que alguns músculos recebam sinais nervosos e fiquem
paralisados. O trabalho é parte da tese
de doutorado de um dos pesquisadores do Labbio, Rodrigo Cappato, que
atualmente leciona na universidade
pernambucana e transferiu a sua pesquisa para lá.
Ele conta que o número de pacientes que sofreram um AVE é maior do
que os que apresentam lesão do plexo braquial e, por isso, essa aplicação
poderia beneficiar um número maior
de pessoas. A disseminação do uso da
luva entre os pacientes pode ocorrer a
partir da prescrição médica ou das indicações dos terapeutas ocupacionais.
“Eles ainda não indicam porque não
conhecem a tecnologia, mas podem
vir a prescrevê-la como um auxílio à
terapia”, diz.
Além de ser mais leve e confortável que os modelos antigos, a órtese
proposta pela UFMG é mais barata
do que suas correspondentes importadas. As luvas devem custar, segundo
projeções da equipe, entre R$2 mil e
R$2,5 mil. As estrangeiras, por sua vez,
custam em torno de R$5 mil (modelos mais simples) e R$10 mil (as mais
elaboradas).
Como a tecnologia envolvida na
produção da órtese é inédita no Brasil, o pedido de sua patente foi depositado em 2005 no Instituto Nacional
de Propriedade Industrial (Inpi), órgão
responsável pelo registro. Para viabilizar sua produção, alguns dos pesquisadores planejam fundar uma empresa,
que provavelmente será incubada na
Inova-UFMG, a incubadora de empresas da universidade. “Ainda temos que
passar por uma série de trâmites burocráticos para obter as certificações
dos órgãos de saúde, como o Ministério da Saúde e a Agência de Vigilância
de Saúde (Anvisa). O que temos ainda
é um protótipo, mas estamos correndo atrás disso”, finaliza.
Desireé Antônio
Direito de ir e vir
Outro projeto que tem como
foco a tecnologia assistiva (que visa
à melhoria da qualidade de vida de
pessoas que possuem algum tipo de
deficiência) é um sistema de sinalização eletrônica, o DPS 2000, que
possibilita a deficientes visuais usarem o transporte público de forma
independente.
O equipamento, cujo funcionamento é baseado na tecnologia da
transmissão de informação por radiofrequência, é composto por um
transmissor que fica com o usuário
e um receptor, instalado nos ônibus.
O transmissor é previamente programado com informações sobre
as linhas de transporte mais usadas. Equipado com um único botão
e com instruções de mensagens de
voz, o aparelho pode ser operado
totalmente pelo próprio deficiente
visual sem ajuda de outra pessoa.
Quando se está no ponto de ônibus, a pessoa seleciona a opção que
deseja e um sinal de rádio é continuamente enviado até o automóvel
se aproximar do local. Quando está
a cem metros do ponto, o receptor
nele instalado capta o sinal e o motorista é informado, através de luzes
e sons, que há um deficiente visual
no ponto. Ao chegar, um autofalante integrado ao receptor informa o
número da linha e dá instruções de
embarque ao passageiro.
“O protótipo já está pronto e em
fase de testes”, conta Júlio de Melo,
professor do Departamento de Engenharia Mecânica da UFMG e um
dos responsáveis pelo projeto. O
sistema foi instalado em caráter experimental na linha interna de ônibus
da Universidade durante o mês de
janeiro para avaliações iniciais.
O atual modelo, concluído em
setembro, é uma evolução de outros
que começaram a ser elaborados
em 2002, quando o projeto recebeu
recursos do Serviço Brasileiro de
Apoio às Micro e Pequenas Empresas
(Sebrae), e em 2006, quando teve início a participação de pesquisadores
da Universidade. A partir daí, foram
Foto: Marcelo Focado
O DPS 2000, que funciona a partir da transmissão de dados por radiofrequência, promete
facilitar a vida dos portadores de deficiência visual.
feitos aprimoramentos como a substituição do visor com a programação
pelo uso de som, o aumento do raio
de alcance da transmissão e a troca de
um chip produzido por um único fabricante por outros encontrados mais
facilmente. A bateria de nove volts foi
trocada por uma recarregável.
Outra realização dos pesquisadores
foi a criação de um design adequado às
necessidades do público-alvo. Para definir o melhor formato para o transmissor, os responsáveis fizeram uma pesquisa com alunos do Instituto São Gabriel,
escola de Belo Horizonte especializada
no ensino para deficientes visuais, a fim
de descobrir como gostariam que fosse
o aparelho. O pedido mais recorrente
foi que não houvesse quinas pontiagudas, que poderia machucá-los, mas sim
arredondadas. O projeto foi elaborado
pela empresa de design Criativina, incubada na Universidade Estadual de Minas
Gerais (UEMG).
De acordo com Melo, o produto deve começar a ser fabricado em
larga escala ainda neste ano por uma
empresa criada pelos cientistas que
desenvolveram a tecnologia, a Geraes
Tecnologias Assistivas. O transmissor
deve custar R$250 e o receptor a ser
instalado no ônibus, cerca de R$650.
A adoção do sistema nas cidades,
no entanto, ainda pode demorar algum
tempo porque isso depende da autorização e adesão de órgãos de trânsito
e da administração pública. “Agora que
já temos o sistema pronto, pretendemos marcar algumas reuniões com a
prefeitura e com a BHTrans”, adianta
o professor. Antes da implantação, os
pesquisadores pretendem realizar um
teste maior com um grupo de alunos
do São Gabriel e algumas das linhas
que servem o local.
A previsão mais próxima de instalação do sistema é em Jaú, município de
São Paulo com 840 mil habitantes, onde
as negociações já estão bem adiantadas.
Segundo Adriano Assis, engenheiro elétrico da equipe do DPS 2000 e sócio da
empresa, a adequação do trânsito local
está sendo realizada e a instalação deve
ocorrer até maio deste ano.
Belo Horizonte, ele encontrou um
deficiente visual e se ofereceu para
avisá-lo quando seu ônibus chegasse.
Enquanto aguardavam, um carro da
linha usada por Dácio passou, mas
ele permaneceu no lugar para ajudar
o senhor cego. Algum tempo depois,
outro ônibus de sua linha passou.
Quando o terceiro ônibus chegou
ao ponto, Dácio pediu licença ao seu
conhecido e partiu. Minutos após sua
saída, começou a chover.
“O único pensamento do Dácio durante sua volta para casa era
como o deficiente faria para pegar
seu ônibus, sozinho e na chuva”,
lembra Júlio de Melo, que contou
a história. A partir desse dia, Dácio
buscou formas de dar mais liberdade a deficientes visuais para usar o
transporte público. Antes de propor
a ideia do DPS, ele pensou num sistema de placas e outros parecidos.
Já com o conceito do sistema
em mente, mesmo sem sua tecnologia, ele foi a uma mostra de projetos
promovida pelo Sebrae na Pontifícia
Universidade Católica (PUC), em
Belo Horizonte, para apresentá-lo.
Apesar de não ser aluno e não estar
inscrito no evento, ele pôde apresentá-lo e acabou entre os aprovados,
recebendo recursos e orientações
da instituição para dar continuidade ao projeto, o que fez por conta
própria até procurar a UFMG. Hoje
aposentado, aos 80 anos, ele é detentor de parte da patente do DPS
2000, cujo nome, formado por suas
iniciais, é uma homenagem ao seu
envolvimento com a causa.
Retribuição
O DPS 2000, cuja patente foi depositada em 2001 e contemplado com o
Prime 120, da Financiadora de Estudos
e Projetos (Finep), foi criado graças à
inspiração de uma pessoa que não tem
nada a ver com a área de engenharia
elétrica, o vendedor de produtos farmacêuticos Dácio Pedro Simões. Em
1996, numa noite em que esperava
pelo ônibus na praça da Liberdade, em
Projeto: “Aperfeiçoamento de
equipamento eletrônico para
comunicação entre portadores
de deficiências visuais e meios
de transporte coletivo e
individual”
Modalidade: Projeto Inventiva
Coordenador: Júlio Cézar David
de Melo
Valor: R$18.000,00
MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2009
29
Meio ambiente
Mais energia, menos
impactos para o
ambiente
Projeto de
recuperação
de áreas
degradadas
inédito no país
é desenvolvido
em Minas Gerais
No início da década de 1980, o
município mineiro de Caldas, no sul do
Estado, recebeu um empreendimento
pioneiro: a implantação da primeira lavra nacional de urânio. A mina operou
por quase 15 anos e teve suas atividades encerradas em 1995, mas reassumiu, nos últimos anos, um papel importante nas pesquisas ambientais do
Brasil. Lá estão sendo realizados, com
a participação de pesquisadores do
Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN), estudos que
deverão orientar as atividades do país
no que diz respeito ao descomissionamento (fechamento) e recuperação
de regiões degradadas pela mineração
de urânio.
A cadeia produtiva do urânio no
Brasil, da mineração à fabricação do
30
MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2009
combustível para as usinas nucleares,
é atualmente de responsabilidade das
Indústrias Nucleares do Brasil (INB),
vinculada ao Ministério da Ciência e
Tecnologia. Ao contratar um Plano
de Recuperação de Área Degradada
(PRAD) na iniciativa privada para o
descomissionamento da mina de Caldas, a INB solicitou paralelamente ao
CDTN um programa de pesquisa para
dar suporte a estas atividades. “O objetivo é que tenhamos um grupo fortalecido capaz de tratar essa questão,
pois é sabido que teremos mais minas
– não só as de urânio e as que apresentam material radioativo associado, que
exigem tratamento diferenciado – para
passar pelo processo de descomissionamento”, conta a professora Ana
Cláudia Queiroz Ladeira. Ela trabalha
no projeto em parceria com o Setor
de Meio Ambiente do CDTN, representado pelo pesquisador Otávio Eurico de Aquino Branco. Os estudos têm
o apoio da FAPEMIG e estão inseridos,
também, no Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) de Recursos
Minerais, Água e Biodiversidade.
Caetité, na Bahia, foi a segunda
mina de urânio implantada no Brasil
e é atualmente a única em funcionamento, abastecendo as usinas Angra 1
e Angra 2. Há previsões de que entre
em operação uma terceira, na reserva
Santa Quitéria, Ceará. Segundo Otávio
Eurico Branco, o programa nuclear do
país está passando por uma reformulação com vistas a atender a demanda
energética e a tendência é o aumento da
capacidade de produção de urânio para
novas centrais nucleares. “Este projeto
de fechamento de mina de urânio em
andamento no município de Caldas é
pioneiro, principalmente por se tratar
de um sítio com material radioativo, e
possibilitará experiência para lidar com
as outras minas”, pondera.
Contornando efeitos
colaterais
De acordo com os pesquisadores,
as minas de urânio exigem um comportamento diferenciado, pois envolvem elementos radioativos e também
outros metais. Embora a extração em
Caldas tenha sido interrompida há
mais de 15 anos, permanecem no local
cerca de 100 milhões de toneladas de
resíduos sulfetados depositados durante o período de operação ao redor
da cava ou nos 14 “bota-fora” – espécies de depósitos de material de baixo
teor retirado da antiga mina. Além dos
problemas comuns de áreas degradadas, existe a questão da drenagem
ácida, gerada em dois desses bota-fora,
devido a presença de sulfetos. “Esse
material, quando exposto ao ar e ação
de bactérias do próprio meio, produz
ácido sulfúrico. A água da chuva ou
mesmo de nascentes que passe por
ele torna-se ácida”, explica Ladeira.
Em Caldas, tem-se uma vazão que
varia de 150m³ a 300m³ por hora de
água ácida que contém urânio, manganês, ferro, alumínio e outros metais. Há
alguns anos a professora vem estudando as formas mais viáveis de promover
o tratamento deste efluente. A INB
trata hoje a drenagem ácida com cal,
elevando o pH, para que haja a precipitação dos metais, dentre eles o urânio. Assim, a parte líquida é liberada no
meio ambiente, dentro dos padrões, e
o precipitado gerado, contendo urânio
e os outros metais, volta para a cava da
mina. Isso tem ocorrido há mais de 12
anos. Estima-se que, desde então, dentro da cava da mina já foram depositadas mais de 150 toneladas de urânio.
O custo deste processo, entretanto, é
elevado, com o consumo mensal médio de 350 toneladas de cal.
Um dos primeiros estudos desenvolvidos por Ladeira, em parceria
com pesquisadores da área de Biologia, buscou utilizar bactérias sulfato
redutoras isoladas do próprio ambiente para tratar a drenagem. A ideia
era reverter o processo da natureza
por meio da ação desses microrganismos, convertendo o sulfato da água
ácida de volta em sulfeto, como ele
era anteriormente. “Ao precipitar o
sulfeto, leva-se junto o manganês e o
ferro, por exemplo, pois os sulfetos
são compostos de metais e enxofre”,
esclarece a pesquisadora. A proposta
esbarrou, entretanto, na questão dos
volumes a serem tratados. “Como a
vazão é grande, seria necessário uma
área muito extensa para a ação das
bactérias, o que tornou o processo
pouco atrativo”, comenta.
Atualmente, a equipe tem concentrado as pesquisas em métodos químicos capazes de acelerar essas transformações. A professora explica que o
manganês constitui um problema, porque sua separação requer que o pH da
água fique em torno de 11. “Isso é que
aumenta o consumo de cal e a geração de precipitado, pois não podemos
só fixar o pH em 7, na neutralidade, e
descartar para o ambiente, porque o
manganês não é removido neste pH e
o efluente não atenderá ao padrão de
lançamento”, conta. Assim, ela trabalha
na utilização de um catalisador que
possibilite retirar o manganês com o
pH neutro.
Um dos principais trabalhos tem
sido ainda no sentido de retirar o urânio da água ácida e mesmo do precipitado depositada na cava da mina e reaproveitá-lo na cadeia de produção do
combustível nuclear. “Além de tentar
recuperar o urânio, que tem valor agregado, isso ajudaria a resolver a questão
relativa a um dos passivos ambientais”,
complementa Otávio Branco.
O processo para retirada do urânio no efluente ácido já está bastante
adiantado, em fase semi-industrial. A
opção adotada pelos pesquisadores
em parceria com a INB foi utilizar
um tipo específico de resina de troca iônica que é colocada em colunas,
funcionando como um filtro. “A água
passa e o urânio fica retido na resina.
Quando esta satura, usamos um líquido próprio para remoção do metal e
MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2009
31
Um mineral promissor
Cava da mina de urânio, em Caldas (MG), e
um bota-fora, espécie de depósito de material
de baixo teor radioativo situado próximo à
bacia de recolhimento de água ácida.
o resultado é uma solução concentrada de urânio que pode ser reaproveitada”, explica Ladeira. No início do
procedimento, a água ácida apresenta
em torno de 14mg do metal por litro
e, ao final, podem ser obtidos de 3g
a 10g de urânio por litro. Quanto ao
precipitado da cava, a recuperação do
urânio tem sido estudada por meio
de técnicas hidrometalurgicas como
a lixiviação alcalina, seguida de resina
de troca iônica e precipitação para
obtenção do concentrado de urânio
denominado yellowcake.
O grupo já concluiu também um
estudo sobre a estabilidade química
do precipitado da cava e sua completa
caracterização. Os sedimentos e solos
da região também passarão por uma
análise. “Vamos avaliar a migração do
urânio, para saber qual a possibilidade
de ele estar saindo do sítio para as redondezas”, adianta Ladeira.
Recuperação integrada
O Plano de Recuperação previsto
para Caldas contempla quatro passivos ambientais: a cava, os bota-fora, a
32
MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2009
Descoberto pelo químico alemão Martin Klaproth em 1789, o mineral
urânio (U) é o mais pesado entre os elementos naturais. Do final do século
XIX e até meados do século XX, estudos permitiram desvendar sua propriedade de emitir partículas radioativas (radioatividade) e controlar a quebra
dos seus átomos. O calor produzido por essa fissão produz o vapor que movimenta as turbinas das usinas nucleares, gerando energia elétrica. A principal
aplicação comercial do urânio é, portanto, na geração de eletricidade, mas ele
também possui usos na medicina e na agricultura.
O mineral encontra-se, em estado natural, nas rochas da crosta terrestre.
Não tem uma cor característica, pode ser amarelo, marrom, ocre branco, cinza e outras cores relacionadas à terra. Após a extração, a rocha é submetida
a um procedimento chamado lixiviação, para retirada do urânio. Daí resulta
um licor, que é levado à usina de beneficiamento, onde passa por uma série
de processos químicos até se transformar em um sal de cor amarela, o concentrado de urânio, cuja composição química é o diuranato de amônio, conhecido como yellowcake ou concentrado de U3O8. Até a geração de energia
elétrica, o urânio passa por outras etapas do chamado “ciclo do combustível
nuclear”: a conversão em gás, o enriquecimento isotópico, a produção de pó
de UO2, a fabricação de pastilhas e a montagem do elemento combustível.
O Brasil possui uma das maiores reservas mundiais de urânio, ocupando a
sétima posição, e a única mina em operação da América Latina (Caetité), com
capacidade de produção de 400 toneladas/ano de concentrado de urânio.
Fonte: INB (www.inb.gov.br)
bacia de rejeitos e a área industrial da
antiga mina. A recuperação dessas áreas será trabalhada de maneira integrada, de forma a se perceber a soma dos
efeitos e como um processo interfere
no outro. “Existe um esforço de trabalhar conjuntamente, não só na área
ambiental, mas dentro dos problemas
como um todo. Esse projeto nos possibilitou unir diversos trabalhos que vinham sendo desenvolvidos de maneira
isolada, agora com a parceria também
da INB e UFMG, no âmbito do INCT”,
afirma Branco.
Alguns aspectos nos arredores
da mina estão sendo acompanhados,
como a avaliação da concentração de
elementos contaminantes nas bacias
hidrográficas que drenam a região,
bem como no solo e plantas. “Esse e
outros trabalhos complementam uma
base avançada de informações que já
temos”, diz o pesquisador. Ele lembra
que o CDTN detém conhecimentos
sobre todo o histórico da mina, pois
tem acompanhado as atividades no
local desde os estudos iniciais de implantação.
O PRAD deverá estar pronto até
2011, mas os pesquisadores esclarecem que a sua execução levará de 10
a 15 anos, sob contínuo monitoramento, seguindo a experiência de casos
semelhantes acompanhados por eles
no exterior. Será feito um plano integrado, envolvendo todos os aspectos
e estabelecida a ordem de execução.
“As ações apontadas para cada caso
vão passar por estudos de avaliação,
levantamentos de dados específicos,
modelagem ambiental, hidrológica, climatológica, análises para calcular os
riscos e custos de cada possibilidade,
elegendo, a partir daí, as melhores opções”, detalha Branco.
Virginia Fonseca
Projeto: “Reversão da acidez
da água gerada em mina
descomissionada de urânio”
Modalidade: Programa Jovens
Doutores
Coordendor: Ana Cláudia Queiroz
Ladeira
Valor: R$12.390,00
Lembra dessa?
Bezerros de
proveta
Brasil é destaque na produção
de embriões bovinos por
fertilização in vitro
Carol e Fapê. Assim foram batizadas as bezerras de proveta que,
quando nasceram, há 10 anos, simbolizaram um importante avanço no desenvolvimento científico e tecnológico
de Minas Gerais. Carol foi a primeira
bezerra de proveta da raça holandesa,
concebida por meio de técnica totalmente desenvolvida no Estado. Fapê, a
primeira bezerra da raça Gir, também
nasceu a partir da técnica de Fertilização In Vitro (FIV). O nome foi uma
homenagem à FAPEMIG, financiadora
das pesquisas desenvolvidas pela equipe de reprodução da Embrapa Gado
de Leite, de Juiz de Fora (MG).
A novidade foi tema de reportagem da edição nº 4 da MINAS FAZ
CIÊNCIA e deixou os produtores
rurais mineiros ouriçados. Afinal, era
uma possibilidade futura de aumentar
significamente a produtividade do rebanho. A diferença é expressiva: uma
vaca saudável, que gera um bezerro
por ano, pode produzir em torno de
40, no mesmo período, através da fertilização in vitro.A técnica permite que
embriões obtidos de uma vaca de bom
potencial genético sejam transferidos
para o útero de uma outra vaca, denominada barriga de aluguel, onde a
gestação se desenvolve.
Até a época em que o projeto
começou (1998), a FIV ainda era uma
técnica de uso restrito e comercialmente inexpressiva no Brasil. A partir
de 2000, os avanços em seu desenvolvimento possibilitaram o início da aplicação comercial com sucesso e, em
poucos anos, a FIV se tornou a técnica
mais utilizada na multiplicação de fêmeas bovinas geneticamente superiores. Graças à FIV, o Brasil é hoje o país
com o maior número de transferências
de embriões bovinos no mundo, líder
e referência no uso de biotécnicas reprodutivas, principalmente em zebuínos. “O Brasil deixou de ser importador para ser exportador de genética
bovina, assim como de tecnologias e
serviços associados”, afirma o médico
veterinário João Henrique Moreira,
que, desde 2001, faz parte da equipe
de pesquisadores em reprodução da
Embrapa Gado de Leite. A Embrapa
teve expressiva contribuição para o
desenvolvimento e aplicação comercial da técnica no Brasil, contribuindo
com trabalhos de pesquisa, cursos,
treinamento de recursos humanos e
parcerias com empresas e produtores
no desenvolvimento e validação de
tecnologias.
Hoje, não se concebe mais o mercado de bovinos de alto valor sem a
fertilização in vitro. A utilização da técnica é quase uma premissa para quem
investe em genética de ponta. “O que
mais nos impressionou foi a velocidade com que a técnica foi incorporada
no setor produtivo, se tornando um
sucesso comercial e quebrando o paradigma do ‘conservadorismo’ do produtor rural. Atualmente, mais de 75%
dos embriões bovinos transferidos no
Brasil são produzidos em laboratório.
Mas mesmo com este cenário, a FIV
ainda tem limitações técnicas que precisam ser solucionadas pela pesquisa,
como o caso da criopreservação (congelação), cujos resultados ainda são insatisfatórios”, relata o pesquisador.
O Brasil responde atualmente por
85% da produção mundial de embriões bovinos por FIV. Existem laboratórios operando em praticamente todas
as regiões do país, assim como filiais
em países como o Paraguai, Colômbia,
Venezuela, México, China e Austrália.
Além dos laboratórios de produção
de embriões, a fertilização in vitro
possibilitou o desenvolvimento de um
mercado associado de materiais e serviços e boa parte dos equipamentos
e insumos utilizados, que antes eram
importados, já estão sendo desenvolvidos e produzidos no país. Em 2010, Carol e Fapê comemoram seu aniversário de 10 anos. Elas
continuam como doadoras da Embrapa Gado de Leite, responsável pelo
Programa Nacional de Melhoramento
do Gir Leiteiro, que está completando
25 anos e tem especial interesse em
estudos nesta raça, incluindo o desenvolvimento e adaptação de diferentes
biotécnicas reprodutivas.
MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2009
33
Foto: Ronaldo Guimarães
Notas
FAPEMIG reajusta
valor de bolsas
Conferência
de Ciência,
Tecnologia e
Inovação
Em maio, será realizada em Brasília
a 4ª Conferência Nacional de Ciência,
Tecnologia e Inovação (4ª CNCTI). A
educação de qualidade, a contribuição
brasileira para a ciência e a inovação
no mundo e o papel da ciência, da
tecnologia e da inovação na redução
da desigualdade social são alguns dos
assuntos a serem debatidos no encontro.
Até o fim de março, conferências
regionais acontecerão em todo o Brasil. A do Sudeste está marcada para
os dias 30 e 31 de março no Centro
de Convenções de Vitória, no Espírito
Santo. O encontro reunirá gestores
públicos, pesquisadores, professores,
alunos, trabalhadores e empreendedores para a discussão dos desafios
e oportunidades na área de CT&I. A
conferência regional funciona como
uma preparatório para a nacional. Inscrições e outras informações no site
http://www.crcti-sudeste.com.br/
A FAPEMIG reajustou, em março, os valores de suas bolsas de Iniciação
Científica e Pós-doutorado. O reajuste foi feito para acompanhar os valores praticados pelas agências nacionais de fomento, que também tiveram um aumento.
Os novos valores têm validade a partir de 1º de março e a diferença retroativa
será repassada às instituições na próxima remessa trimestral. Com isso, a Bolsa
de Iniciação Científica (BIC) teve reajuste de 20%, passando de R$300 para
R$360. As bolsas de Pós-doutorado, modalidades Júnior e Empresarial, subiram
de R$2.218,56 para R$3.200, um reajuste de 44%. A modalidade Sênior passou
de R$3 mil para R$4 mil, 33% de acréscimo.
Rede para pesquisas em tuberculose
Depois do lançamento da Rede Dengue e da Rede Malária, Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs) estão
discutindo a criação de uma rede para pesquisas sobre tuberculose. Representantes da FAPEMIG e das Fundações de
Amparo à Pesquisa dos Estados do Amazonas (Fapeam) e do Rio de Janeiro (Faperj), além de pesquisadores dos três
Estados, reuniram-se em março para delinear uma parceria que prevê investimentos de cerca de R$6 milhões. As características do edital ainda estão sendo discutidas, mas a previsão é que a chamada para apresentação de propostas
seja aberta no final do mês de abril.
34
MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2009
Ciclo de palestras de
CT&I já tem datas
marcadas
O Ciclo de Palestras Ciência, Tecnologia e Inovação terá continuidade em 2010. Organizado pela
Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (Sectes), o projeto tem como objetivo
promover o debate e difundir temas ligados à área.
Já em seu terceiro ano, o Ciclo de Palestras definiu
as datas dos encontros de 2010. Eles acontecerão
em 19 de março, 16 de abril, 21 de maio, 18 de
junho, 16 de julho, 20 de agosto, 17 de setembro,
15 de outubro, 19 de novembro e 10 de dezembro.
O convidado de março será o professor William
Dietrich, da Universidade de Berkeley, Califórnia
(EUA). Ele irá proferir a palestra “Towards a unified
science of the Earth’s surface: opportunities for
synthesis among hydrology, geomorphology, geochemistry and ecology”. Para receber informações
e convite para os próximos eventos, escreva para
[email protected]
Amapá cria sua
Fundação de
Amparo à Pesquisa
O Amapá aprovou a criação de sua Fundação
de Amparo à Pesquisa. A Fundação Tumucumaque,
como será chamada, estará vinculada a Secretaria
Estadual da Ciência e Tecnologia (Setec) do Estado
e terá como finalidade promover o desenvolvimento científico, tecnológico e de inovação no Amapá.
Inicialmente, o quadro funcional da nova FAP será
composto por 16 pessoas e a Fundação terá orçamento de R$300 mil. Um conselho superior terá a
finalidade de julgar e orientar assuntos de interesse
da instituição com o apoio de Câmaras Científicas
que serão formadas por pesquisadores e doutores
daquele Estado.
Na opinião do presidente do Conselho Nacional das Fundações de Amparo à Pesquisa, Mario
Neto Borges, que também é presidente da FAPEMIG, a criação dessa FAP será uma motivação para
que Roraima, Rondônia e Tocantins também façam
suas agências de fomento à ciência, tecnologia e informação. Segundo ele, a iniciativa do Amapá é uma
“demonstração da crença de que ciência, tecnologia
e inovação são vetores importantes para o desenvolvimento social e econômico do país”.
Produto apoiado pela
FAPEMIG tem pedido
de patente aprovado
pelo INPI
Uma mini-estação de tratamento de esgoto que despolui utilizando radiação solar e ainda possibilita a reutilização da água na
agricultura. Assim é o Sistema de Tratamento de Água Residuária,
um produto inovador desenvolvido pela Intec Ambiental, empresa
viçosense vinculada à Incubadora de Empresas de Base Tecnológica do Centev/UFV. A Intec acaba de receber a comprovação do
depósito do pedido de patente. “A conquista de uma patente
para a empresa é a consagração de um árduo trabalho de pesquisa e comercial, possibilitando a inserção segura de um produto
validado para atender às necessidades da sociedade”, ressaltou o
diretor técnico da empresa, Rafael de Oliveira Batista.
O produto foi desenvolvido com o apoio financeiro da FAPEMIG, dentro de seu Programa de Apoio à Pesquisa em Empresas (Pappe). Esta é a única mini-estação de tratamento de esgoto
doméstico do mundo que utiliza radiação solar no processo de
desinfecção de bactérias patogênicas. A vantagem desta tecnologia
é o baixo custo e a redução de impactos ao meio ambiente. “Os
outros tipos de estação existentes no mercado utilizam processos
de tratamento químicos ou que envolvem consumo de energia
elétrica”, explica o diretor técnico.
MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2009
35
Divulgação
Inspiração que
vem da terra
Cartilha ensina
a aproveitar
os recursos
naturais na
produção de
tinta
Fotos: Arquivo Valéria Oliveira
O colorido estampado nos muros
da Escola Municipal Paulo Rodrigues
de Águila, em Jaboticatubas, cidade da
Região Metropolitana de Belo Horizonte, revela o apreço dos alunos pela
natureza e indica o despertar de uma
vocação artística. Sobre o concreto,
a tinta ganha forma de rio, árvores e
animais, até se transformar em uma
floresta. A pintura é o resultado de
um mês de empenho dos alunos de
terceira e quarta séries do ensino
fundamental, que se dedicaram à produção de tinta a partir de pigmentos
minerais, extraídos do solo do próprio
município.
Com o guache e pincéis em mãos,
eles celebraram o experimento e se
consagraram como os pequenos cien-
tistas da escola, aptidão que nem mesmo eles conheciam. O procedimento
não é tão complexo quanto parece.
Quem comprova isso são as pesquisadoras Joice Saturnino, Claudina Maria
Dutra Moresi, Juliana Alves dos Santos Oliveira e Onice Maria de Sousa,
autoras da cartilha “Arte e ciências:
os pigmentos minerais”. O material
ensina como aproveitar os recursos
naturais na produção de tinta e serviu
de base para o trabalho desenvolvido
pelos alunos de Jaboticatubas. “Todos
podem fazer. É um processo artesanal,
que proporciona maior contato com
a terra, de onde é retirada a matériaprima”, explica Joice.
A cartilha, produzida com o apoio
da FAPEMIG através do Programa de
Popularização da Ciência e Tecnologia,
cumpriu seu propósito. Além de disseminar conhecimentos científicos, serviu para apurar a disciplina dos alunos,
conforme descreve Valéria Soares de
Oliveira, professora e coordenadora
da escola Paulo Rodrigues de Águila.
“Escolhi as turmas mais agitadas, pois
queria trabalhar a concentração e observar qual seria a reação dos alunos”,
relata. “Todos ficaram interessados,
participando de tudo e colaborando
entre si. A escola ganhou outra cara
depois que pintamos o muro. E os alunos também”, conta.
Pesquisa
O material surgiu de uma extensa pesquisa desenvolvida pela equipe
da Escola de Belas-Artes (EBA) e do
Departamento de Química do Instituto de Ciências Exatas (ICEX) da Universidade Federal do Estado de Minas
Gerais (UFMG), da qual as autoras da
Oficina realizada com os alunos de escola
de Jaboticatubas (MG). A cartilha produzida
ajuda a disseminar conhecimentos e estimula
a criatividade.
36
MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2009
Em sua edição nº 30, a MINAS
FAZ CIÊNCIA trouxe uma reportagem sobre projeto da Universidade Federal de Viçosa (UFV) que
também trabalha com a tinta feita
a base de terra. O trabalho de extensão, batizado “Cores da Terra”,
reúne professores, alunos, pintores
e a população local. O grupo já recuperou igrejas e casas da região,
além de realizar oficinas no Estado
e no Espírito Santo. A matéria está
disponível no site da revista: http://
revista.fapemig.br
cartilha fazem parte. O trabalho foi
iniciado em novembro de 2006 e consistiu no levantamento, coleta e análise
dos pigmentos encontrados nas cidades mineiras de Rio Acima, Ouro Preto, Itabirito e Belo Vale. Em seguida, a
equipe trabalhou no desenvolvimento
da cartilha e na organização de oficinas com os professores da rede pública de ensino.
“A educação artística ainda é carente nessas instituições. Nossa intenção foi introduzir conceitos interdisciplinares para os alunos e despertar
um novo olhar sobre a terra”, diz a
pesquisadora Joice Saturnino. “A cartilha, destinada a alunos do ensino
médio e fundamental, proporciona um
encontro da arte com a ciência e coloca novas possibilidades ao alcance
de todos que querem enriquecer suas
experimentações com o uso de recursos minerais”.
Com uma abordagem didático-pedagógica, a cartilha também já foi utilizada por professores de escolas de
Belo Horizonte, Betim e Contagem.
O material detalha a composição dos
pigmentos naturais, sua ocorrência na
natureza, formas de extração, conceitos de cor, luz, tinta, classificação dos
solos e curiosidades sobre técnicas
antigas de pintura.
As escolas que receberam a cartilha tiveram três meses para desenvolver algum projeto com os pigmentos
e demonstrar o aprendizado obtido
com o estudo do material. “Foi muito
enriquecedor. Depois da produção da
tinta, todos os alunos queriam repetir
a dose”, conta Valéria. O objetivo ago-
O objetivo da equipe é distribuir mais
exemplares da cartilha em bibliotecas e
centros de pesquisa
ra é distribuir mais cartilhas em outras
instituições de ensino, bibliotecas e
centros de pesquisa.
Arte e ciência
Encontrados nas regiões mais
ricas em depósitos naturais de ferro, os pigmentos minerais variam de
amarelo-ocre até o preto, passando
pelo vermelho, o verde e o roxo e são
utilizados em telhas, pisos, vidros, cerâmicas e tintas diversas. Além disso,
os pigmentos podem ser utilizados
para a arte. Essa aliança entre a produção científica e o fazer artístico está
expressa na obra de Maria Luiza Cerqueira. A artista plástica participou da
exposição de lançamento da cartilha,
em maio de 2009, na galeria da Escola
de Belas-Artes da UFMG. A partir dos
pigmentos minerais, ela criou placas de
papel reciclado nos tons de vermelho
e amarelo. “A minha ideia foi simular
a textura do barro”, explica a artista,
que valoriza a utilização de métodos
caseiros em suas obras. “Os recursos
naturais estão aí, na terra, à nossa frente. É só transformar torrão em pó”,
ressalta.
Carolina Jardim
Projeto: “Artes e ciências - os
pigmentos minerais”
Modalidade: Edital de
Popularização da Ciência
Coordenadora: Claudina Maria
Dutra Moresi
Valor: R$31.750,05
MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2009
37
Identificação Genética
Identificação
genética
Produtos de alta eficiência e menor custo ”made
in Brazil” podem facilitar a identificação humana e
animal
Estima-se que, no Brasil, o nome
do pai não figure em pelo menos 25%
dos registros de nascimento, o que
corresponde a quase um milhão de
crianças por ano. Em alguns locais do
país, a situação é ainda pior. Segundo
o Conselho Nacional de Justiça (CNJ),
em Maceió, por exemplo, 42% dos registros civis são feitos sem a indicação
do nome pai. Os registros incompletos causam diversos danos sociais,
morais e psicológicos e o CNJ pretende lançar, ainda no primeiro semestre
de 2010, uma campanha nacional pela
“paternidade responsável”, convocando as mães para que identifiquem o
suposto pai. Para isso, parcerias com
tribunais de Justiça devem ser fechadas nos estados nos próximos meses
e o CNJ tem como argumento a decisão do Superior Tribunal de Justiça, de
julho de 2009: desde então, a negativa
do suposto pai em realizar o exame de
DNA é definida como uma presunção
de paternidade.
Esse exemplo da confiança depositada no teste de DNA revela outros
aspectos. Para as análises de paternidade e de Identificação Genética Humana, muitos laboratórios brasileiros
ainda utilizam kits comerciais importados. Com a crescente demanda do
mercado, o elevado custo e as difi-
38
MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2009
culdades de importação, tornaram-se
mais frequentes os casos de descumprimento dos prazos de entrega pelos
fornecedores e, consequentemente,
de atrasos da entrega do resultado do
exame. O principal reagente utilizado
neste exame é produzido por poucos
laboratórios e sua comercialização é
regida por extensa lista de mecanismos. A importação normalmente é feita dos Estados Unidos e da Inglaterra
e as dificuldades de acesso são consideradas um entrave tecnológico, uma
vez que existem no Brasil pessoas e
laboratórios capacitados.
A chance de oferecer um produto de alta eficiência e menor custo,
possibilitando a redução de prazos e
ampliando o acesso a essa tecnologia,
motivaram uma empresa da capital
mineira, a Biocod, a desenvolver kits
nacionais de identificação genética. O
projeto contou com financiamento
do Programa de Apoio à Pesquisa em
Empresas – Pappe, parceria entre a FAPEMIG e a Financiadora de Estudos e
Projetos (Finep). O teste de paternidade consiste em comparar pequenas regiões do DNA, repetitivas e variáveis,
entre os indivíduos envolvidos e avaliar, através de índices e probabilidades
estatísticas, as possibilidades de parentesco. O kit desenvolvido pela Biocod
utiliza a genotipagem destas pequenas
repetições de DNA após amplificação
pela técnica da reação em cadeia da
polimerase (PCR) e análise em sequenciador automático. Atualmente
essa é a metodologia mais difundida
para a verificação de parentesco.
Segundo estimativas dos pesquisadores, utilizando os kits desenvolvidos
pela empresa, é possível gerar uma
economia de até 70% na realização
dos testes. “Para análises diagnósticas
em laboratórios comerciais e estudos
científicos, onde um grande número
de pessoas é avaliado, testes rápidos,
econômicos e que utilizam a estrutura
operacional básica de um laboratório
de biologia molecular são altamente
desejáveis, uma vez que essa economia
e rapidez são repassadas ao cliente final”, explica a bióloga Cristiane Lommez de Oliveira, coordenadora do
projeto.
Atualmente, os kits desenvolvidos estão sendo utilizados dentro da
própria Biocod e a ideia é viabilizar a
comercialização para outros laboratórios interessados. “Os preços já estão
definitivamente mais acessíveis à população de maneira geral. Mais importante que a necessidade de adequação
do registro civil, a identificação da paternidade determina a responsabilida-
Fotos: Marcelo Focado
Equipe da Biocod, empresa que trabalha
com o desenvolvimento de métodos de
identificação genética humana e animal.
de conjunta na criação dos filhos. Além
de privações materiais, as pessoas sem
registro paterno muitas vezes sofrem
com a ausência de referências afetivas
e culturais e enfrentam diversas formas de preconceito. Observa-se ainda que, com a evolução da medicina,
torna-se cada vez mais importante
conhecer a origem genética dos indivíduos no que tange à prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças e a
busca por melhor qualidade de vida”,
acredita Cristiane.
Identificação genética
animal
Além da paternidade humana, o
projeto considerou também o crescimento explosivo da demanda de
identificação genética animal, devido
à inserção no país das práticas internacionais para registro genealógico
implementadas pelo Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento
(MAPA). Além disso, os criadores de
bovinos têm investido recursos substanciais no aprimoramento genético
de seus rebanhos, tendo em vista o
grande potencial do Brasil como exportador de carne. Segundo o grupo
de pesquisadores, no que diz respeito
à identificação gênica de animais como
bovinos e equinos, o benefício maior
é a legitimação genética dos rebanhos, agregando valor ao patrimônio
dos criadores e contribuindo para um
maior desenvolvimento da pecuária e
equinocultura nacionais.
A importação de kits para a realização de exames genéticos neste segmento é considerada inviável, devido
à possibilidade de realização dos mesmos com tecnologia nacional, a baixo
custo. “Kits comerciais para identificação genética humana e animal nacionais não existiam. Entretanto, alguns
poucos laboratórios já realizavam
testes de identificação genética humana utilizando estratégias próprias. Na
genética animal isso não acontecia e
o projeto desenvolvido pela Biocod
nessa área foi pioneiro”, explica Cristiane. O mercado é tão promissor que
levou à criação de uma outra empresa,
vinculada à Biocod: a Linhagen, gerando 18 postos de trabalho, com especialização na identificação genética de
equinos e bovinos, credenciada pelo
MAPA e que também realiza testes
genéticos relacionados ao aumento da
produtividade de leite e carne.
Na criação animal, a estimativa de
valor genético dos reprodutores depende diretamente de dados precisos
sobre genealogia, para que haja suces-
O trabalho, que já recebeu prêmios, contou
com financiamento da FAPEMIG por meio do
Programa de Apoio à Pesquisa em Empresas.
MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2009
39
so dos programas de melhoramento
genético e para que se evite a endogamia excessiva (alto grau de parentesco
entre os animais do rebanho), o que
pode trazer consequências como o
surgimento de anomalias. Os primeiros testes para confirmação de genealogia em animais domésticos surgiram
ainda no início do século XX, por volta
de 1930, quando soros para tipagem
sanguínea de bovinos foram produzidos. Associações norte-americanas
de criadores queriam confirmar os
pedigrees dos produtos submetidos a
registro, tendo em vista programas de
melhoramento genético na bovinocultura. Outras espécies animais foram
posteriormente estudadas. No Brasil,
somente para bovinos e equinos a tipagem sanguínea é normatizada pelo
Ministério da Agricultura e exigida para
registro de reprodutores, doadoras de
embriões e principalmente dos produtos de transferência de embriões.
Também em alguns casos de dúvida
em produtos de inseminação artificial
o teste é solicitado por associações de
criadores.
Os exames seguem padrões mun-
diais e isso permite que, por exemplo,
no caso de um reprodutor testado na
Europa e que tenha seu sêmen exportado para o Brasil, não haja problemas
na verificação de parentesco de seus
produtos feita aqui. Basta que se solicite uma cópia do teste de DNA do
reprodutor para que a verificação seja
concluída. “A importação de sêmen,
embriões e até mesmo de animais há
muito vem ocorrendo no Brasil, o que
justifica a necessidade da introdução
efetiva de tais exames. Sem essa possibilidade, o rebanho brasileiro pode
ficar estagnado no que diz respeito à
introdução de programas realistas de
avaliação genética. Também há o risco
de fraudes em pedigrees de alguns animais, lesando os compradores”, explica a bióloga.
Regulação
A determinação de vínculo genético através do DNA vem sendo utilizada há vários anos como ferramenta
jurídica, principalmente em ações de
filiação. Atualmente, esses exames são
realizados em laboratórios públicos e
privados, com a utilização de diferen-
tes metodologias e regras que, geralmente, são adaptadas de protocolos
internacionais. Devido à falta de normas nacionais que estabeleçam regras
para a realização dos exames, o Ministério Público do Estado de Minas
Gerais iniciou, desde o final do ano de
2006, o estudo de uma proposta de lei
para a regulamentação e padronização
desses exames, que tem por objetivo
estipular parâmetros para a coleta de
material, a execução e a liberação de
resultados, acarretando um grande ganho de qualidade e confiabilidade nos
testes para determinação do vínculo
genético. Um protocolo técnico e uma
cartilha já foram lançados, em 2009,
com o resultado das discussões dos
trabalhos conduzidos por um grupo de
estudos liderado pelo Ministério Público Estadual (MPE), com a participação
da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Instituto de Criminalística da Polícia Civil, Vigilância Sanitária
Estadual, Secretaria de Estado de Saúde
e vários laboratórios e entidades privadas de Minas Gerais, São Paulo, Paraná,
Santa Catarina, Mato Grosso do Sul,
Rio de Janeiro e Distrito Federal.
O DNA e os testes
DNA é a abreviação do ácido desoxirribonucleico,
considerado o “tijolo” de construção genético da vida.
Ele é encontrado no núcleo das células, dentro de pequenos pacotes genéticos chamados cromossomos. O DNA
é formado no momento da concepção e não sofre alterações, mesmo depois da morte do indivíduo. Ingestão de
medicamentos e tratamentos com radiação, por exemplo,
não produzem mudanças no DNA que possam alterar o
resultado de um teste de parentesco. É a extrema variabilidade no DNA que supera a variabilidade de outros
sistemas utilizados anteriormente. Através de sua análise,
é possível diferenciar um indivíduo do outro, já que todas
as pessoas apresentam um padrão único em seu DNA,
menos os gêmeos idênticos (univitelinos).
Existem outros tipos de exames de sangue que tentam resolver casos de dúvidas sobre parentesco. Esses
exames variam desde a tipagem dos grupos sanguíneos
ABO, tipagem dos Antígenos Leucocitários Humanos
(abreviação em inglês = HLA), até o DNA, considerado o
mais exato. O exame de HLA, muito utilizado no passado
e ainda hoje quando não se dispõe da tecnologia do DNA,
vem sendo rapidamente substituído. Os métodos de exame em DNA requerem quantidade menor de sangue do
40
MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2009
que os testes de paternidade tradicionais, além disso, as
células do sangue não precisam permanecer vivas do momento da coleta até o início da fase analítica. Isto torna o
procedimento de coleta mais rápido e ordenado. O DNA
é uma molécula estável e pode ser extraído e congelado
por períodos prolongados.
A maior vantagem é, sem dúvida, a precisão do exame. A tipagem sanguínea ABO só consegue excluir 13 em
cada 100 indivíduos falsamente acusados e o HLA, nos
melhores laboratórios do mundo, só consegue excluir 95
em cada 100 indivíduos falsamente acusados. A chance
do teste em DNA por PCR detectar, por exemplo, um
homem que esteja sendo falsamente acusado de ser o pai
biológico, é superior a 99,99%. Em todos os casos, sejam
os que serão posteriormente enviados a um laboratório
de referência, ou que sejam coletados no próprio laboratório em que o teste propriamente dito será realizado,
é imprescindível que se tenha uma série de controles da
qualidade do exame, desde a etapa de identificação dos
indivíduos, até a elaboração e entrega do laudo. O exame
de DNA para fins de identificação pessoal e determinação de paternidade é considerado o maior avanço do século na área forense. Fotos: Marcelo Focado
A meta da equipe era desenvolver um kit
de identificação genética de alta eficiência
e baixo custo, alternativa ao produto
importado. A economia prevista é de até
70%. Na área de genética animal, o projeto
da empresa foi pioneiro.
A Biocod participou deste estudo que, além do projeto de lei (PL)
1.497/2007, em tramitação no Congresso Nacional, gerou um regulamento técnico elaborado com o objetivo
de garantir parâmetros de qualidade
para coleta, execução e liberação de
exames. O projeto dispõe sobre uma
série de questões, dentre elas os requisitos para que o laboratório possa
realizar exame de DNA no Brasil, exigindo que possua certificação válida
de proficiência ou atestado de garantia
de qualidade. Também trata das metodologias admitidas para o exame e da
capacidade técnica dos peritos que firmam o laudo. Estipula a forma de identificação das partes e dos laboratórios,
o procedimento da coleta do material
e sua devida identificação, o número
mínimo de marcadores que devem ser
analisados para cada tipo de exame,
o Índice de Paternidade Combinado
(IPC) exigido para o caso de inclusão
de paternidade, os requisitos exigidos
para a elaboração do laudo pericial e
o prazo de armazenamento das amostras e da documentação.
“A normatização do exame pode
representar um grande auxílio para os
cidadãos que o utilizam e para a sociedade de modo geral, uma vez que
melhorará a fiscalização deste procedimento e certificará, de forma padronizada, a qualidade dos resultados obtidos nos diferentes laboratórios que
estarão habilitados para a realização
dos exames de DNA no país”, afirma
Cristiane. Em relação aos animais, a
vantagem da regulação poderá ser a
oportunidade de oferecer tais exames
para espécies, até então, fora do alcance dos testes para verificação de parentesco e identificação individual.
O trabalho com o desenvolvimento de kits nacionais para identificação
genética e as demais atividades da Biocod renderam à empresa mineira, em
2009, o prêmio José Costa, uma das
mais significativas condecorações empresariais de Minas Gerais, concedida
pelo jornal Diário do Comércio e pela
Fundação Dom Cabral. A cada dois
anos, o prêmio homenageia empresas e empreendedores mineiros. “Na
área de atuação da empresa, a biotecnologia, o investimento constante em
inovação é fundamental. Foi através
do apoio e de recursos financeiros
de instituições de fomento, além de
investimentos próprios, que a Biocod
estruturou o setor de pesquisa e desenvolvimento, que atualmente conta
com diversos projetos em andamento, com uma equipe de profissionais
altamente qualificados, além de um
moderno parque tecnológico”, avalia
Cristiane Lommez.
Letícia Orlandi
Projeto: “Produção de kits para
identificação genética e insumos
estratégicos para biologia
molecular”
Modalidade: Programa de Apoio
à Pesquisa em Empresas – Pappe
Coordenadores: Cristiane
Lommez de Oliveira
Valor: R$140.592,55
MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2009
41
Cafeicultura
Protetor do bom
cafezinho
Pesquisa identifica fungo
associado à bebida de boa
qualidade
Cladosporium cladosporioides. A
primeira vista, esse nome não passa
de um conjunto de sílabas difícil de
soletrar, até mesmo para cientistas e
etimólogos. Porém, conhecê-lo é apenas questão de tempo, principalmente
para aqueles que apreciam um bom
café ou estão envolvidos, direta ou indiretamente, com a produção cafeeira.
O ano era 1989 quando a agrônoma Sara Maria Chalfoun, pesquisadora
da Empresa de Pesquisa Agropecuária
42
MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2009
de Minas Gerais (Epamig), começou
sua investigação sobre a influência dos
microrganismos na qualidade do café.
Ela partia do pressuposto que condições ambientais específicas como
temperatura e umidade relativa do ar
favoreciam o desenvolvimento de bactérias, fungos e leveduras no fruto.
A pesquisa de campo levou a uma
descoberta revolucionária para a cafeicultura: foi verificado que um dos
microrganismos, ao contrário dos
Foto: Divulgação livro PII Lavras
demais, estava associado a bebidas de
boa qualidade. Para a surpresa da estudiosa, tratava-se de um fungo, o Cladosporium cladosporioides. Daí em diante,
o anônimo microorganismo tornou-se
objeto de estudo, ganhou identidade e
até apelido: fungo do bem.
Era o início de um trabalho promissor. Sara, em parceria com o professor Carlos José Pimenta, da Universidade Federal de Lavras (Ufla), e com
o então doutorando Marcelo Cláudio
Pereira, atualmente bolsista de pósdoutorado do Instituto Nacional de
Ciência e Tecnologia do Café (INCT
Café), identificou que a antibiose é
um dos mecanismos de atuação do C.
cladosporioides. “Ele impede o desenvolvimento de outros microrganismos
pela capacidade de parasitá-los e de
produzir metabólitos tóxicos. Além
disso, o ‘fungo do bem’ não promove
fermentações lática e butírica típicas
de outros fungos que prejudicam a
qualidade final do produto”, explica a
estudiosa.
Os pesquisadores também descobriram que em plantações de café
que recebiam tratamentos fitossanitários (uso de defensivos agrícolas para
combate de pragas), o C. cladosporioides sofria redução drástica ou deixava
de existir, não exercendo, assim, seu
papel de bioprotetor. “Com isso, sentimos a necessidade de desenvolver
uma formulação contendo o fungo,
visando reintroduzí-lo ou equilibrar
a sua população nas áreas cafeeiras”,
explica Sara.
O primeiro passo foi isolar o C. cladosporioides, que, segundo a pesquisadora, possui o status de GRAS (Generaly
Regarded Air Safe), isto é, não causa mal
nem à planta nem ao homem. Em seguida, a equipe trabalhou no desenvolvimento e teste de formulações com
o agente biológico, prolongando a vida
sob condições de armazenamento e o
estabelecimento no campo.
Fotos: Juliana Queiroz
O fungo identificado parasita outros
microorganismos que prejudicam a
qualidade final do café
Para manipulação e seleção do fungo foi
criada uma biofábrica, iniciativa importante
para a transformação do conhecimento
científico em inovação tecnológica.
MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2009
43
Foto: Divulgação livro PII Lavras
Foto: Divulgação livro PII Lavras
Sara Maria Chalfoun, da Epamig
Carlos José Pimenta, da Ufla
O desenvolvimento da fórmula poderá atender a uma grande demanda
de produtores que perdem qualidade
no café, com problemas graves em diferentes regiões do país. “Ele pode ser
uma ferramenta única, capaz de substituir o uso de produtos químicos que
têm um apelo extremamente negativo”, argumenta.
A fazenda Santa Helena, em Alfenas, testou o produto em março do
ano passado. Margeada pela represa de
Furnas, a lavoura sofria com alto teor
de umidade e, consequentemente,
com a proliferação de pragas. O uso
de defensivos agrícolas acabou levando à extinção do C. cladosporioides.
“Depois da aplicação do produto em
50 plantas verificamos a multiplicação
do fungo, já ajudando no combate dos
microrganismos prejudiciais à qualidade do café e na melhora do gosto da
bebida”, relata Paulo Sérgio da Silva,
técnico em Agropecuária da fazenda.
“Deixamos de estourar algumas xícaras”, conta Silva, se referindo a bebidas
de qualidade inferior, expressão típica
da cultura cafeeira.
O produto ainda não está à venda.
A invenção foi patenteada em 2004 e
está disponível como uma tecnologia
em fase de transferência. Mediante
pagamento de royalties para as instituições criadoras, empresas podem
adquirir o direito de exploração e
comercializá-lo. “Nossa expectativa é
que o produto já esteja no mercado
pronto para ser utilizado na safra de
café de 2011”, diz.
Biodefensivo
Os microrganismos prejudiciais à
qualidade do café pertencem a vários
gêneros. Na década de 50, pesquisadores já citavam o fungo Fusarium concolor
como agente causador da pior bebida
do café. Além de influenciar no sabor,
cor e odor do produto, alguns microrganismos lançam toxinas prejudicais à
saúde humana, as chamadas micotoxinas,
como os das seções Circumdati (Aspergillus ochraceus, principal representante)
e Nigri (A. carbonarius e A. niger).
Para o controle dos microrganismos, existem tratamentos com produtos à base de cobre e de cloreto de
benzalcônio, porém, sem muita eficácia,
conforme descreve Sara. “Para que se
atinja um bom resultado, são necessárias várias aplicações, o que torna a
medida sem eficiência prática”, explica.
O agente bioprotetor surge como
uma nova alternativa de tratamento.
“Não existe produto similar, com possibilidade de proteger continuamente
a qualidade do café”, diz. De acordo
com a pesquisadora, em 1,4 mil fungicidas (produtos que destroem fungos)
Ouro negro
Descoberto por um pastor de
ovelhas na Abissínia, no início do século XV, o café conquistou o mundo
rapidamente. Ao lado da cerveja, é a
bebida mais popular e apreciada do
planeta. No Brasil, o fruto chegou
no ano de 1727 e passou a ter forte influência na economia. O país é
o maior produtor mundial de café,
sendo responsável por 30% do mercado internacional, volume equivalente à soma da produção dos outros seis maiores países produtores.
É também o maior exportador e o
segundo mercado consumidor, atrás
somente dos Estados Unidos. Somente em Minas Gerais, é produzida mais da metade do café nacional.
Segundo estimativas da Companhia
44
MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2009
Nacional de Abastecimento (Conab),
o país deverá colher para a safra de
2010, entre 45,89 e 48,66 milhões de
sacas de 60 quilos de café (arábica e
conilon) – um acréscimo de 16,3% a
23,3% em relação a 2009.
Apesar da posição de liderança,
a cafeicultura brasileira não é uma
das mais competitivas do mundo.
As plantações de café localizadas
próximas às grandes massas de água
(rios, represas) são as mais afetadas
por pragas e apresentam problemas
constantes de perda de qualidade.
Estima-se que 30% da cafeicultura
nacional, constituída de 25 milhões
de hectares e 300 mil produtores de
café, encontra-se nessa condição.
A média histórica de desvalori-
zação do café de pior qualidade em
relação ao de melhor qualidade é
de 30%. Nesse contexto, segundo
a pesquisadora, o produto gerado
pelo “fungo do bem” torna-se ainda
mais promissor. “A tecnologia permite preservar ou introduzir o agente
protetor, permitindo que pelo menos um terço dos frutos presentes
nos cafeeiros e que secam na planta
antes da colheita não sejam comprometidos pelos fungos prejudiciais”,
ressalta. Sara atenta para a exigência
dos próprios consumidores. “A utilização crescente de produtos naturais, inócuos à saúde humana e meio
ambiente atende a demanda mundial
dos consumidores cada vez mais
conscientes desses benefícios”, diz.
registrados no país, apenas 16 são biológicos - 1,1% do total de defensivos.
Para ela, a tendência é a redução cada
vez maior do uso de fungicidas sintéticos, o que vem ao encontro de relevantes preocupações com a saúde e
com o meio ambiente.
Uma fábrica de inovações
Para a manipulação e seleção do
fungo, foi instalada, em 2007, uma biofábrica no Sistema de Incubadoras da
Universidade Federal de Lavras (Ufla).
Sua função é gerar produtos inovadores para serem empregados na agropecuária, na indústria alimentícia e no
meio ambiente. Existem outras biofábricas em Itapetininga (SP) e em Vitória da Conquista (BA) que trabalham,
principalmente, com produtos derivados do fungo Metarhizium anisopliae e
Beauveria bassiana.
Na de Minas, já foram identificados
microrganismos capazes de garantir
a proteção de cultivos, o controle de
doenças e pragas, a absorção de metais existentes no solo, a solubilização
do fosfato, a produção de enzimas e
até a purificação da água utilizada na
agricultura. “Estamos empenhados no
desenvolvimento de métodos sustentáveis de melhoria de processos e produtos, com preocupações prioritárias
como a segurança alimentar e preservação do meio ambiente”, ressalta a
estudiosa.
Para a implantação, os pesquisadores contaram com recursos do
Programa de Incentivo a Inovação da
Universidade Federal de Lavras (Ufla)
e da FAPEMIG, além da assessoria do
Instituto Inovação. Também apoiaram
a Empresa de Pesquisa Agropecuária
de Minas Gerais (Epamig), o Serviço
Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), a Secretaria
de Estado de Agricultura, Pecuária e
Abastecimento (Seapa) e a Prefeitura
Municipal de Lavras. Recentemente, a
biofábrica recebeu recursos do INCT
Café e do Programa Prime – Primeira
Empresa Inovadora, da Financiadora
de Estudos e Projetos (Finep).
A biofábrica funciona como uma
empresa, gerida pelos setores de Marketing e Vendas; Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação; Recursos Humanos
e Finanças; Compras; Produção e Controle de Qualidade, que se desdobram
em outros departamentos. A área de
produção é composta por um setor
de isolamento, identificação e multiplicação dos microrganismos e é equipada com microscópio, incubadoras e
estufas de secagem.
Os microrganismos identificados
com potencial para aproveitamento
são mantidos em sala climatizada. A
empresa conta, ainda, com um espaço
para equipamentos de precisão entre
os quais balanças, microscópios óticos
e cromatógrafo líquido de alta precisão. Outro setor destina-se a embalagem, rotulagem e coleta de amostras
para controle de qualidade. “Muitos
profissionais já nos procuraram interessados no modelo. Estamos dispostos a dividir experiências, orientar e
multiplicar tudo o que aprendemos”,
conta.
Na avaliação da pesquisadora, a
criação da biofábrica é um grande salto para a transformação do conhecimento científico em inovação tecnológica. “Tudo isso foi proporcionado por
instituições de fomento à pesquisa que
nos deram total suporte para a criação de produtos inovadores. Pela biodiversidade, nosso país e Estado são
laboratórios a céu aberto. Temos que
aproveitar esse potencial”, ressalta.
A meta dos pesquisadores é que
outra biofábrica, num futuro próximo, seja instalada no parque tecnológico de Lavras (MG), promovendo
a geração de renda e emprego e levando a pesquisa até a utilização pelo
produtor.
Carolina Jardim
Projeto: “Otimização de processos
de produção em escala industrial
de agentes bioprotetores e
enzimas pectinolíticas em uma
empresa de base tecnológica”
Modalidade: Projeto estruturador
Coordenador: Sara Chalfoun
Valor: R$181.963,00
MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2009
45
Medicina Veterinária
Somando forças
Novo tipo
de implante
ortopédico para
cães combina
técnicas de
fixação óssea e
promete mais
eficácia
A fratura de um osso é uma experiência difícil para os animais de
estimação – e também para os donos
deles. Além da perda temporária de
movimentos e da dor provocada, que
deixa o animal inquieto, o processo de
recuperação é mais delicado. Dependendo da lesão, o cão ou gato deve
passar por uma cirurgia para a fixação
46
MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2009
óssea do local afetado, uma técnica em
que o osso é imobilizado com algum
tipo de material para que ele se reconstrua.
Geralmente, usa-se nas operações
um pino dentro do osso ou uma placa
para proporcionar maior estabilidade
ou algo como uma tala que envolve a
pata e imobiliza a área lesionada. Com
o objetivo de tornar a recuperação
mais eficaz, professores do Departamento de Medicina Veterinária da Universidade Federal de Lavras (UFLA)
criaram um novo método de implante
ortopédico para tratar fraturas em
ossos longos de cães: o fêmur e a tíbia, localizados nas patas traseiras, e o
úmero, nas dianteiras.
A técnica foi desenvolvida por uma
equipe composta por dois professores
do Departamento, um aluno de graduação e uma de pós-graduação, liderados pelo professor Leonardo Muzzi.
O grupo, dedicado à clínica cirúrgica
animal, já realizou outros estudos nas
áreas de ortopedia e de cirurgia de
tecidos moles, mas é o primeiro traba-
lho com o tema fixação de fraturas. O
novo método consiste na combinação
entre duas modalidades de fixação óssea, em que uma haste de aço cirúrgico é colocada dentro do osso e uma
placa ortopédica é colocada acima
dele, ambas ligadas entre si por parafusos ortopédicos.
O objetivo do estudo foi desenvolver um sistema de fixação óssea
que desse maior estabilidade às fraturas mais fragmentadas, com ossos
que se partem em pedaços menores,
especialmente aquelas que ocorrem
no corpo de ossos longos. Segundo
Muzzi, o sistema, que ganhou o nome
Plate-Nail por associar as técnicas da
haste bloqueada e da placa óssea, tem
melhor desempenho na recuperação
porque sua rigidez impede a movimentação prematura das partes do osso.
Quando ocorre a fratura, explica o
professor, o osso fica sujeito à ação de
várias forças - de compressão, rotação,
angulação (encurvamento) e de afastamento entre as partes (cisalhamento)
-, o que pode dificultar a recuperação.
O novo sistema neutraliza de forma
eficaz essas forças que prejudicam o
processo de reparação do osso.
Por essa característica, o método é
indicado especialmente para casos em
que a lesão é mais complexa, quando
há ossos que podem se quebrar em
mais de um local ou mesmo caso de
perda óssea. “A rigidez proporcionada pelo sistema favorece a junção dos
fragmentos do osso”, explica o veterinário. Após o tempo de recuperação,
que varia conforme a lesão e as condições de saúde do animal, o material
pode ser retirado ou mesmo continuar no corpo do animal, já que o aço
cirúrgico é inerte. Também por causa
dessa propriedade, o risco de rejeição
é teoricamente nulo.
Resultados
O método está sendo desenvolvido desde 2007 e, de acordo com Leonardo Muzzi, tem apresentado bons
resultados tanto nos testes com máquinas quanto com animais. Os primeiros experimentos foram baseados em
ensaios biomecânicos, com aparelhos
que simulavam as condições de implantes nos cães. Mais tarde, foram re-
Fotos: Arquivo Leonardo Muzzi
Acima, radiografia do fêmur de um cachorro
com fratura . O osso foi estabilizado
cirurgicamente com o implante Plate-Nail
para fixação óssea.
Cuidados com seu amigo
Prevenir é o melhor remédio. Por isso, a mestranda em medicina veterinária pela UFLA, Luciana Mesquita, alerta para o cuidado especial com a possibilidade de atropelamentos, que correspondem a cerca de 80% dos acidentes
com animais domésticos.Também podem gerar fraturas por quedas de locais
altos - com altura igual ou superior à do animal -, ferimentos por armas de
fogo, brigas com outros animais ou mesmo maus tratos. Para evitar que eles
se machuquem, Luciana e o professor do curso de Medicina Veterinária da
PUC Betim, Alysson Lamounier, dão algumas dicas:
• Evite deixar os animais soltos na rua. Ao levá-los para passear, mantenha-os
com coleira e com um guia. Segure firme a coleira, pois eles podem correr
ao ver outros animais, momento em que pode ocorrer o atropelamento.
• Quem vive em apartamento ou casa com sacada deve instalar telas nas
janelas e evitar colocar móveis próximos a elas para que eles não subam e
caiam de lá.
• Para quem tem crianças pequenas, evite que elas passem muito tempo com
o animal no colo porque podem deixá-los cair. “Muitas vezes, a criança
acha que o animal é um brinquedo e o aperta ou mesmo o joga no chão”,
justifica Lamounier.
• Caso o animal tenha caído ou se machucado, uma dica para saber se o dano foi
grave é observar se ele está miando muito ou ganindo ou se ele deixa de apoiar
alguma das patas no chão.
• Se o animal tiver sofrido uma fratura, deve-se ter cuidado ao abordá-lo porque ele pode se tornar agressivo por causa da dor. Para levá-lo ao veterinário, você deve se aproximar dele falando suavemente, tentando tranquilizálo. Se julgar necessário, use uma focinheira.
• Evite tocar o membro fraturado; não faça talas ou outros tipos de imobilizações e não puxe o membro ou tente recolocar algum osso no lugar. Caso
seja uma fratura exposta, coloque apenas um pano limpo sobre o local e vá
para o veterinário.
• Não dê medicamentos aos animais sob hipótese alguma. Analgésicos e antiinflamatórios de uso humano podem causar problemas como gastrite nos
cães ou gatos.
alizados testes em cadáveres e, depois,
em animais vivos que sofreram algum
tipo de fratura, em sua maioria vítimas
de atropelamentos por carros, e que
foram levados ao Hospital Veterinário
da Universidade para tratamento.
Apenas no hospital da UFLA são
feitas, em média, quatro operações por
semana de fraturas em animais de pequeno porte, como cães e gatos, além
de outros casos de problemas ortopédicos. “Ainda estamos fazendo testes
biomecânicos e coletando dados para
comparação com outras técnicas, mas
o desempenho tem sido ótimo”, avalia
o pesquisador. Também há previsão de
que, ainda neste ano, a técnica seja testada em outras espécies como cava-
los ou mesmo em humanos, mas isso
depende de algumas modificações nos
implantes.
Por se tratar de um método inédito, a universidade depositou um
pedido de patente no ano passado
no Instituto Nacional de Propriedade
Intelectual (Inpi). Segundo o professor,
o método está sendo comercializado,
desde o ano passado, por uma empresa que produz as hastes para estabilizar
os ossos. “O custo é um pouco mais
elevado se comparado às técnicas comumente utilizadas, mas o ganho em
eficácia é grande”, diz.
Desireé Antônio
MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2009
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Além das
montanhas
Foto: Angelo Paulino
Especial
A área de mineração é uma das que serão beneficiadas pelos
acordos internacionais assinados pela FAPEMIG
FAPEMIG passa por processo de internacionalização,
estabelecendo parcerias com instituições de fomento e
pesquisa de outros países
Mineração, Engenharia Mecânica, Ciências Biológicas, Hematologia e Biocombustíveis. Essas são apenas algumas das
áreas a serem beneficiadas pela internacionalização da FAPEMIG. Em 2009, a Fundação estabeleceu parcerias nacionais
e internacionais, levando a pesquisa mineira para além das
fronteiras do estado. “Ciência não tem fronteiras”, destaca
o presidente da FAPEMIG, Mario Neto Borges. Para ele, a
internacionalização é de extrema importância. “Primeiro, porque amplia as possibilidades para pesquisadores e instituições
de pesquisa mineiros interagirem com outras instituições do
mundo. Segundo, porque marca a consolidação da FAPEMIG
como agência de porte, que não fica restrita ao Estado ou
ao País, beneficiando o desenvolvimento científico e tecnológico”.
Entre as ações realizadas em 2009 estão o lançamento
de um edital em parceria com o Instituto Nacional Francês
para Pesquisa em Ciência da Computação e Automação (Inria) e acordos com o Instituto Politécnico de Torino, da Itália,
e o Intercâmbio Acadêmico Brasil-Alemanha (DAAD). Foi
também no ano passado que a FAPEMIG lançou o Programa
de Iniciação Científica Internacional, destinada a alunos da
graduação, e regulamentou a realização de estágio sanduíche
para bolsistas dos cursos de doutorado com conceitos 6 e 7
pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (Capes).
Em 2010, outras parcerias estão em etapa avançada de
negociação e algumas, que já foram estabelecidas, serão executadas. É o caso do acordo assinado com a Fundação Alemã
para a Pesquisa Científica (DFG), que prevê o desenvolvimento de pesquisa conjunta entre a Universidade Federal de
Ouro Preto (Ufop) e a Universidade de Heidelberg na área
de Ciências da Vida e Computação Biológica. Serão destinados cerca de 57 mil euros para o projeto, a serem investidos
meio a meio pelas duas instituições.
Experiência internacional
O primeiro acordo internacional da FAPEMIG para financiamento de projetos foi firmado com o Inria, em março de 2008, durante a visita de representantes do Instituto
Francês à FAPEMIG. “Esperamos que este seja o começo de
uma sólida cooperação e que possamos desenvolver diversos projetos em parceria”, afirmou, na ocasião, o presidente
do Inria, Michel Cosnard. No ano passado, a união das duas
instituições resultou em um edital que contemplou quatro
projetos de pesquisa em Minas, destinando a eles R$ 500 mil
48
MINAS FAZ CIÊNCIA - JUN.
SET. AA NOV.
AGO.// 2009
2009
ao todo. Um deles, na área de mineração de dados, é coordenado pelo pesquisador Wagner Meira Júnior, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Para ele, a cooperação
científica com outros países é muito importante por unir
diferentes perspectivas e dar aos alunos uma experiência internacional. “Temos boa capacidade de formação mas é perceptível que o aluno que tem uma experiência internacional
volta com outra visão, bem mais ampla, de como funciona a
pesquisa”, diz o pesquisador, que destaca a grande afinidade
técnica entre Brasil e França.
Atualmente, outras duas instituições francesas negociam
parcerias com a FAPEMIG. Uma delas, que envolve também
a Universidade Federal de Itajubá (Unifei), visa à qualificação
e ao treinamento de engenheiros para aplicação na indústria
de helicópteros. Outra parceria está prevista com a Agence
Nationale de la Recherche (ANR), situada na região francesa
de Nord-Pas-de-Calais, considerada similar a Minas Gerais
pelo desenvolvimento avançado na área de mineração.
Na Itália, a instituição mineira também conseguiu bons
aliados. A relação com o Instituto Politécnico de Torino já
possibilitou o intercâmbio de pesquisadores e estudantes
e prevê avanços em 2010. Além das bolsas, a parceria deve
incluir o financiamento de uma pesquisa conjunta na área
de Engenharia Mecânica entre o Instituto e a Universidade
Federal de Uberlândia (UFU). Outra entidade parceira é o
órgão de fomento à pesquisa Finpiemonte, com o qual a FAPEMIG negocia um acordo para financiamento de pesquisas sobre biocombustíveis, no valor de 1 milhão de euros.
A montadora de automóveis Fiat também integra a lista de
parceiros italianos. Em 2009, foi lançado um edital conjunto
entre a Fundação e a empresa e a nova proposta é trazer
para Minas o Centro de Pesquisas da Fiat.
Ainda na Europa, um acordo com a Romênia pode ser
firmado este ano. O alvo serão projetos de pesquisa em Engenharia Mecânica, envolvendo a UFU. Em outro continente,
com a Austrália, os planos são de assinar com a Universidade
de Queensland um acordo que contemple o financiamento
de pesquisas e o intercâmbio de pesquisadores.
Não é apenas do outro lado do Atlântico, porém, que a
FAPEMIG tem buscado aliados. Um projeto de grande porte está sendo planejado com o National Institute of Health (NIH), dos Estados Unidos, para pesquisas relacionadas
a sangue e pulmões. A iniciativa envolverá os trabalhos do
Estudo Multicêntrico Internacional em Doadores de Sangue
(REDS), que já envolve pesquisadores de Minas Gerais, São
Paulo, Pernambuco e, mais recentemente, do Rio de Janeiro.
Foto: Divulgação Fundação Zoo-Botânica
Notas
O maior aquário de água doce do
Brasil já está aberto para visitação na
Fundação Zôo-Botânica de Belo Horizonte. Inaugurado em março, o espaço possui cerca de três mil metros
quadrados e é o primeiro a retratar
exclusivamente a vida na Bacia do São
Francisco. Nele, os visitantes terão a
oportunidade de conhecer diferentes
espécies de peixes e obter informações sobre o “Velho Chico”. Entre os
destaques da ictiofauna estão surubins,
dourados, curimatãs e matrinxãs.
Resultado de uma parceria entre
a Prefeitura e o Ministério do Meio
Ambiente, as obras do aquário começaram em 2006, com a meta de promover a conservação da vida aquática
do Velho Chico por meio de exibições
dos ecossistemas e de sua interpretação, educação e pesquisa.Ao longo dos
últimos três anos, outros parceiros
adotaram esta idéia como Cemig, Codevasf, Copasa, Epamig, Instituto Estadual de Florestas (IEF), Sesc, Prefeitura
Municipal de Pirapora, Sociedade dos
Amigos da Fundação Zoo-Botânica e
Instituto Terra Brasilis.
O Aquário da Prefeitura abriga 22
recintos (tanques) que, em seus variados tamanhos e formatos, contam
com mais de um milhão de litros de
água. Esses recintos foram ambientados de forma a representar o rio São
Francisco propiciando as condições
adequadas para exibição de espécies
em cativeiro. A maior atração do complexo é o Aquário São Francisco, com
capacidade para 450 mil litros de água
representando um “braço” do Velho
Chico, onde o visitante poderá conhecer uma cenografia que apresenta tanto a sua “margem”, quanto o “fundo”
do rio. A diversidade da vida também
é representada através das relações
complexas e dependentes da fauna, da
flora e do homem.
A proposta é que o aquário seja
um espaço para lazer, entretenimento
e, principalmente, para a difusão do
conhecimento e defesa da preservação ambiental. O horário de funcionamento do aquário é de 9h às 16h, de
terça a domingo.
O aquário em detalhes
• 1.200 peixes de 50 espécies
Foto: Divulgação Fundação Zoo-Botânica
Belo Horizonte ganha maior
aquário de água doce do Brasil
• 22 tanques nos dois pavimentos com
1 milhão de litros de água.
• Espécies como pirambeba, piau-trêspintas, mandi prata, cascudo e surubim.
• Aquário São Francisco, com capacidade para 450 mil litros de água,
representando um “braço” do Velho Chico, com uma cenografia que
apresenta tanto a margem quanto o
fundo do rio.
• Auditório, espaços de exposição lúdicos, jardins, laboratório, lagoa marginal, lanchonete e lojinha.
MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2009
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Opinião
Conferência Nacional de CT&I: desafios
Foto: Gláucia Rodrigues
Paulo Sérgio Lacerda Beirão*
Políticas de Ciência, Tecnologia e
Inovação (CT&I) para serem eficazes
precisam ser continuadas, sem riscos
de mudanças bruscas de rumo. É uma
situação peculiar, pois, conquanto dependam dos governos, essas políticas
precisam ter durações que frequentemente ultrapassam os mandatos
dos governantes. Para se alcançar a
necessária continuidade é imprescindível buscar consensos na sociedade
para conseguirmos encontrar programas suprapartidários lastreados
nos mais legítimos interesses locais
e nacionais. Em suma, políticas de
CT&I devem ser políticas de estado e não apenas de governo. É com
esse mote que se está organizando a
4ª Conferência Nacional de Ciência
Tecnologia e Inovação (4CNCT&I), a
ser realizada em Brasília, de 26 a 28
de maio. Espera-se nessa conferência
auscultar todos os setores da sociedade, principalmente aqueles envolvidos na produção e na utilização de
conhecimento.
O Brasil vem experimentando
um expressivo avanço na área de
CT&I. Alcançamos recentemente a
13ª posição no ranking de países produtores de conhecimento científico,
com a publicação em 2008 de 2,63%
de todos os artigos científicos publicados em revistas internacionalmente indexadas. Nada mal para um país
que produziu apenas 0,52% das pu-
50
MINAS FAZ CIÊNCIA - SET. A NOV. / 2009
blicações mundiais há 20 anos. Crescemos em produção científica mais
do que o resto do mundo e já somos
responsáveis por mais da metade da
produção científica de toda a America Latina. Em 2008, superamos a marca de 10 mil doutores titulados por
ano, o que representa mais do que
o dobro dos titulados em 2000. Esse
é um exemplo do bom resultado de
políticas consistentes e continuadas.
Se temos razões para comemorar,
também temos fragilidades que precisam ser superadas. As estratégias
para essa superação deverão ser um
ponto central da 4CNCT&I.
Primeiramente, é importante entendermos que existe um Sistema de
CT&I em construção. Em um passado
recente havia uma completa desarticulação nas ações de CT&I em todos
os âmbitos. Questões importantes
como a de energia nuclear e sistemas
de vigilância aérea foram decididas
comprando “pacotes” tecnológicos
sem ouvir os nossos especialistas. Havia pouco diálogo entre as diferentes
agências de fomento, bem como entre as agências estaduais e federais de
CT&I, que executavam isoladamente
suas políticas. A dissociação entre a
produção de conhecimento e o setor empresarial ainda era mais acentuada. Felizmente esse quadro está se
revertendo - em algumas áreas mais
do que em outras -, mas ainda muito
se precisa avançar.
Há de se destacar a atuação da
FAPEMIG nesse sentido. Embora
apenas a partir de 2007 ela tenha
passado a receber integralmente os
recursos orçamentários constitucionalmente definidos, ela já vem promovendo um notável salto qualitativo
da nossa pesquisa. Mais que isso, ela
vem se articulando com programas
do governo federal de forma a trazer
mais recursos para apoiar grupos de
pesquisa de excelência, sem prejuízo
de ações voltadas para problemas
mais específicos do estado. Com o
decisivo apoio da FAPEMIG, constituímos em Minas Gerais 13 Institutos
Nacionais de Ciência e Tecnologia,
programa criado no ano passado
pelo Ministério de Ciência e Tecnologia. Paralelamente, foram revigorados
programas de qualificação de pessoal
ligado à CT&I e à educação superior
em Minas Gerais. Programas de estímulo à inovação nas empresas foram
criados, permitindo apoio a projetos
de Pesquisa e Desenvolvimento e à
colocação de doutores nas empresas.
Graças ao conjunto dessas ações, recursos internacionais e privados vêm
sendo atraídos para atividades de
CT&I no nosso Estado.
Além da consolidação do Sistema
Nacional de CT&I, a 4CNCT&I irá
abordar outros três eixos: a interface
entre a produção de conhecimentos
e a inovação nas empresas; ações
estratégicas, principalmente voltadas para a nossa política industrial
e comércio exterior; e ações para
o desenvolvimento social. Algumas
questões e desafios perpassam todos
os eixos. Destaco a questão da educação como um dos mais sérios gargalos a serem superados. Dar oportunidade às nossas crianças e jovens
a uma educação de qualidade, que
estimule a criatividade e a capacidade
de resolver problemas, é uma tarefa
enorme para a qual nenhum esforço
será grande demais. O país não poderá realizar um desenvolvimento
baseado em CT&I sem vencer esse
desafio.
Outra tarefa essencial é estabelecermos marcos legais condizentes
com as necessidades desse desenvolvimento. O controle burocrático
e processual atualmente existente,
além de arcaico, é pesado e ineficaz,
de tal ordem que retarda ou até inviabiliza o prosseguimento de muitas
pesquisas, nos colocando em desvantagens em relação a pesquisadores
de outros países. Mais grave ainda,
a carga burocrática frequentemente
recai sobre o pesquisador, roubandolhe precioso tempo. Dessas discussões espera-se que seja consolidado
um sistema de CT&I socialmente responsável, comprometido e articulado
com o desenvolvimento sustentável,
econômico e social do Brasil.
* Pesquisador, professor titular
da UFMG, presidente do
Conselho Curador da FAPEMIG
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