Eagleton, Terry. (2003). A ideia de cultura. Lisboa, Actividades Editoriais pp., 167 ISBN 972-759-511-1 Lina Fernanda Cabral Fonseca Universidade do Minho, Braga, Portugal 12 de Dezembro de 2006 O livro A ideia de cultura de Terry Eagleton está organizado em cinco capítulos que se relacionam, todos eles, directamente com o título escolhido para esta obra. Provavelmente nenhum outro título se adequaria tanto a esta obra como o que foi eleito. Toda a obra retrata aspectos culturais. O autor faz uma abordagem temporal histórica, evolutiva, iniciando pelo aparecimento do conceito de cultura, referindo-se às diversas versões de cultura – capítulo I. No capítulo seguinte e estando a cultura relacionada com a sociedade, retrata-a como dinâmica e em crise. Esta ideia dilata-se no capitulo III ao referir a existência de guerras culturais, já que cultura é referente à humanidade em geral e pode ser também um produto da política. Sem esquecer a cultura relacionada com a natureza no capítulo IV, o autor faz uma distinção entre a influencia que a natureza e a cultura podem ter na sociedade. A problemática abordada no capítulo V prende-se com a ideia de que a cultura só pode perdurar se for de uma maioria popular e não uma cultura minoritária – Eagleton (2003) dá-nos no capítulo 1 – Versões da cultura, uma perspectiva geral de toda a obra. Somos levados a perceber os diferentes significados da palavra cultura. Faz-se uma descodificação do termo que acompanha o êxodo rural para as cidades. Inicialmente ligada com o campo, num processo material, numa actividade, passa a fazer parte de uma ligação com o espírito; faz parte de uma população que não se relaciona directamente com as actividades da terra, mas antes daqueles que têm tempo para se instruir; como refere o autor (2003: 12) , a “agricultura não permite tempo livre para a cultura”. Eagleton levanta um pouco do véu da relação entre cultura e natureza. A natureza estabelece continuidade entre o Homem e o ambiente. Já cultura tem um significado diferente: realça as diferenças. O Homem apesar de fazer parte da natureza pode ser distinguido pela capacidade de se automodelar. Aqui é introduzida uma outra versão de cultura, relacionada com uma cultura de Estado. Há passagem do natural para o artificial. Como é referido “Os interesses políticos governam os culturais definindo assim uma versão de humanidade” (2003: 19). Cultura, não sendo o mesmo que civilização, é uma forma de poder que depende da sociedade devendo ser promovida pelo estado para que a sociedade civil seja harmoniosa e responsável, seja humana que é o mesmo que “livre de conflito”. Os cidadãos são “formatados” de acordo com as necessidades políticas; no entanto a cultura é contrária à política pois favorece todas as qualidades humanas e não uma em especial. A cultura implica uma visão global não só dos interesses próprios, mas também dos outros. Existe uma interligação entre cultura e vida social no mundo pós-moderno. A cultura floresceu na modernidade. A ideia de cultura 2 Ainda neste capítulo são analisadas as variantes da cultura num domínio mais geral como as ciências e filosofia e num mais específico como a música, a pintura e a literatura. Esta redução faz com que esta ideia de cultura se restrinja a uma pequena parte da população. Aqui Eagleton (2003) aborda o perigo de declínio da cultura apoiada na arte pois esta tem tendência a desaparecer. Com uma mudança da sociedade a cultura sobreviverá se for ao encontro de determinados bens materiais e desde que não se especifique demasiado, pois perde a sua capacidade crítica. No capítulo II - A cultura em crise, Eagleton (2003) deixa transparecer as dificuldades em definir o que é e o que não é cultura. Hoje tudo parece cultura mas havendo uma especialização cada povo tem as suas referências literárias, culturais e artísticas. O autor faz uma distinção entre Cultura, como sendo um termo mais abrangente, e cultura como mais específico, referente a um povo, a uma civilização. O que antes podia unir os Homens, agora pode afastá-los. Como refere o autor (2003: 57), a “cultura passou de parte da solução a parte do problema”. A cultura passa a fazer parte do conflito político. Cultura ao confundir-se com sociedade relaciona-se com o homem e por isso, tudo deveria ser cultura; mas de facto o que se passa é diferente. Eagleton (2003: 51) traz à colação o raciocínio de Williams salientando que a “cultura é um elemento construtivo de outros processos sociais, não o seu reflexo ou representação”. Com a religião “a perder o controlo sobre as massas trabalhadoras” (Eagleton, 2003: 60), a ideia de cultura, antes ligada com a religião está em queda. A cultura parece-me parte integrante da política, envolvendo questões económicas, sem a capacidade de exercer o seu papel de homogeneizar, de unificar a sociedade. A alteração social põe em risco a cultura. Eagleton (2003) transmite a ideia da não supremacia de uma única cultura. Apesar disto a cultura ocidental vê-se como universal e portanto capaz de alterar as outras. O autor (2003) refere-se à cultura como não estática, mas antes dinâmica, logo não pode ser comum, caso contrário passará a ser considerada civilização. Em Guerras culturais – mais precisamente no terceiro capítulo - faz-se uma ponte, tal como em todos os outros, com os assuntos que previamente foram abordados e com os que ainda se irão falar. Neste novo milénio as “guerras culturais” ganham grande importância na política mundial sendo cada vez maiores as diferenças económicas entre os povos. Eagleton (2003) faz uma abordagem à existência de diferentes nações com culturas próprias, que são promovidas pelo Estado e unificadas pela política. Faz várias vezes referencia à Europa como local de produção da “alta cultura”, como produto da civilização, a uma cultura ocidental que é tida muitas vezes como universal por nada impor às restantes. Apenas tenta chamá-las à razão. A cultura ocidental tem-se a si própria como a Cultura, onde não se consideram outras raças, outras religiões, outros nacionalismos. As guerras culturais são entre a cultura ocidental e outras culturas. Portanto as grandes guerras culturais situam-se no Ocidente. Estas guerras culturais são devidas a uma movimentação, uma infiltração dos povos, principalmente dos islâmicos - com um forte suporte político ou religioso - na cultura ocidental desagregando-a e fazendo surgir novas culturas conduzindo a uma perda de identidade. As funções ideológicas da religião com papel unificador de massas e elites não podem falhar, sob pena de haver crise cultural. Mas realmente a religião no Ocidente está em crise e um dos motivos desta crise é a actividade capitalista mundana. A cultura pósmodernista é fortemente sustentada pela economia, pelo consumismo; hoje o maior conflito é entre a economia e a identidade cultural. Como é referido na obra as sociedades actuais são “grupos de subculturas que se intersectam” (Eagleton, 2003: 101). Isto acontece não apenas pela migração de povos mas também pela informática. Não há de facto melhor expressão do que aquela que a seguir transcrevo para ilustrar este facto: “Enquanto os emigrantes viajam pelo mundo, o mundo viaja até aos cosmopolitas” (Eagleton, 2003: 87). Podemos questionar: até que ponto a tecnologia educativa contribui para pôr a cultura em risco. Realmente estamos cada vez mais integrados em diferentes mundos em simultâneo. Vivemos num Mundo dividido por outros mundos onde o Estado-nação pode deixar de fazer sentido se considerarmos a comunidade internacional. Parece-me ainda interessante a ideia de que hoje o mundo é dividido pelos “processos que supostamente o unificariam” (Eagleton, 2003: 99). Se pensarmos na altura em que surgiu a internet, todos éramos levados a crer que seria um meio para unir povos, as civilizações; no entanto, se http://edrev.asu.edu/reviews/revp50 3 reflectirmos no que se passa na realidade percebemos que esta tecnologia é antes uma forma de os dividir. (nas escolas poderá passar-se algo semelhante com a tecnologia educativa). Portanto, a internet deve ser tomada tanto como um meio de unir, como de separar as comunidades. O capítulo IV Cultura e natureza inicia-se por uma abordagem à preocupação que as pessoas têm com o corpo que nos liga a um grupo que designamos espécie, que é natural e que se tornou numa “cultura”. Os pós modernistas preocupam-se com o corpo, que é visto como “construção cultural” e com o qual tudo se relaciona incluindo a comunicação. Integrando à nascença uma cultura da qual não nos separamos mais e com o surgir da linguagem e de toda a simbologia acabamos por nos afastar de uma natureza inata. O autor faz uma analogia muito interessante entre os humanos dotados de linguagem, e os outros animais ditos selvagens ou irracionais. Realmente as criaturas que utilizam uma simbologia, que pode ser a linguagem, são capazes de uma maior agressividade pela ironia que os animais selvagens que se agridem fisicamente; a simbologia utilizada pelos homens pode ter vantagens mas muitas desvantagens; pode pôr-nos em desacordo com os outros. Somos portanto uma mistura de seres culturais e naturais. A nossa constituição física não nos permitiria sobreviver neste mundo se não fossemos dotados de uma cultura da qual dependemos à nascença, tal como dependemos das nossas mães; o mesmo não se passa com os outros animais, que também passam pela socialização que são desde o nascimento mais independentes relativamente a todo o meio envolvente. As vidas humanas não são apenas determinadas pelas necessidades naturais ou materiais, mas por necessidades culturais que são muitas vezes mais persistente que a natureza. No entanto, num país conservador não há evolução política nem cultural pois a natureza humana é a cultura! Apesar de fazermos parte de uma cultura e de necessitarmos de depender dela, não temos que concordar integralmente com tudo o que por ela é defendido. Portanto, uma cultura estando em constante contacto com outras pode ser facilmente modelada; não é algo fechado, mas antes aberto. A incapacidade de nos abstrairmos do nosso carácter animalesco e as necessidades naturais levam-nos a desenvolver uma política. Terry Eagleton (2003) tece uma dura crítica aos norteamericanos: à sociedade egocêntrica e aos políticos que recorrem frequentemente a uma linguagem de divindade para justificar as suas sombrias acções. É então questionada a semelhança entre religião e cultura. Culturalismo surge em oposição a naturalismo. Critica o facto de muitos Homens desacreditarem as Ciências da Natureza. Neste capítulo podemos perceber que ao contrário do que se poderia pensar, cultura não nos desenvolve harmoniosamente mas pode mesmo levar-nos à autodestruição pois da interacção entre a cultura com a natureza surgem forças como violência, desejo de vingança, paixão e domínio que nos podem “levar à escuridão”. Finalmente no último capítulo Para uma cultura comum Eagleton (2003) deixa a nu que a cultura pode ser comparada com a consciência que nunca está completa nem é estável, nem terminada. Na actualidade percebemos que as pessoas se unem pelos mesmos modos de vida e não pela literatura ou mesmo pela religião. Numa cultura comum apesar dos valores particulares serem os mesmos, os níveis de participação e consciência são diferentes. Podemos considerar que a cultura se divide em consciente (referente a todos, a uma maioria) e em inconsciente (referente à minoria). Não há portanto uma cultura comum. Terry Eagleton (2003) defende que uma cultura só pode perdurar se for uma cultura de uma maioria popular e não uma cultura minoritária; no entanto, esta “cultura de massas” é inicialmente implantada por uma minoria, através da política. A cultura é abordada de modo diferente conforme as classes sociais pois os interesses são igualmente diferentes. O autor faz uma decantação crítica exaustiva entre a cultura comum defendida por Eliot e por Williams. Para Williams a cultura “em comum” resulta de uma participação activa de todos, de uma sociedade; para este autor “Uma cultura comum nunca poderia ser inteiramente autotransparente ... por causa do grau de colaboração que supõe” (Eagleton, 2003: 154). Já para Eliot, segundo Eagleton (2003: 154) a cultura comum é elitista já que “os valores em causa são os de uma elite existente e não sofrerão alterações significativas no processo de transmissão para o povo” . A ideia de cultura 4 Ambos os autores consideram os valores duma classe social como intervenientes no processo cultural: Eliot considera a aristocracia e a “intelligentsia” de direita, Williams “o movimento da classe operária, cujas ética de solidariedade e instituições cooperativas prefiguram uma cultura comum bastante mais inclusiva”. No entanto o primeiro não prevê qualquer alteração a esses valores pois considera que o povo não é capaz de tal e também porque não prevê a colaboração das classes na elaboração de uma cultura. Já o segundo considera que esses valores poderão sofrer uma transformação de acordo com as classes sociais. Cultura comum é diferente de cultura uniforme. Eagleton (2003) fala de uma cultura pós-moderna como uma cultura sem classes, relacionada com a influência do consumismo e dos media dando a ideia de “o destino do conceito é ser coisificado ou reduzido”. “Por muitas e variadas razões a cultura converteu-se numa preocupação vital para a era moderna” (Eagleton, 2003: 166). Parece-nos que a cultura é responsável por todos os problemas sociais, mas de facto Eagleton defende que não é assim. “Não vivemos apenas da cultura. Também vivemos para a cultura” (Eagleton, 2003: 167). Eagleton (2003) termina com uma expressão relativa à posição da cultura. Parece que a cultura tem actualmente uma importância mas assumiu uma dimensão política tornando-se por vezes desproporcionada e mesmo arrogante, sendo portanto necessário “voltar a pô-la no seu lugar”. Termino esta resenha socorrendo-me de uma ideia constante no último capítulo: esta obra trata de um “eco” à “distinção de Williams entre formas de cultura residuais, dominantes e emergentes”. Acerca do autor do livro: Terry Eagleton é um filósofo e crítico literário britânico identificado com o marxismo que tem integrado os estudos culturais com a teoria literária mais tradicional. Foi discípulo de Raymond Williams, professor de Literatura Inglesa da Universidade de Oxford e actualmente lecciona Teoria da Cultura na Universidade de Manchester. Autor de várias obras entre as quais Teoria da Literatura: uma introdução e As Ilusões Do Pós-modernismo, entre outras. Acerca da autora da resenha: Lina Fernanda C. Fonseca, natural de Vila Real, Portugal, onde se licenciou, em 1993, no ramo educacional de Biologia e Geologia. Exerce a actividade docente no ensino secundário e actualmente encontra-se a iniciar o seu projecto de investigação do Curso de Mestrado em Tecnologia Educativa na Universidade do Minho. A sua área de investigação incide sobre a utilização de blogues pelas ciências naturais e em contexto educativo. **** Resenhas Educativas/ Education Review publica resenhas de livros recém-lançados na Educação, abrangendo o conhecimento e a prática em sua totalidade. Resenhas Educativas/ Education Review em português é um serviço oferecido, sem custos, pelo Laboratório de Políticas Públicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Todas as informações são avaliadas pelos editores: • Editor para Espanhol e Português Gustavo E. Fischman Arizona State University • Editor Geral (inglês) Gene V Glass Arizona State University • http://edrev.asu.edu/reviews/revp50 5 Editora de Resenhas Breves (inglês) Kate Corby Michigan State University As resenhas são arquivadas e sua publicação divulgada por meio da listserv (EDREV). Education Review é um signatário da Budapest Open Access Initiative.