Estética Carnavalesca e Design Sustentável: a incorporação da idéia de sustentabilidade na construção da
linguagem das escolas de samba contemporâneas
Estética Carnavalesca e Design sustentável: a
incorporação da idéia de sustentabilidade na
construção da linguagem das escolas de samba
contemporâneas
Carnival esthetic and Sustainable Design: Brief Analysis on some uses of
sustainability on the contemporary language of samba schools.
Silva, Jose Mauricio C. Moreira Da. Mestre em Comunicação e Semiótica. Universidade
Presbiteriana Mackenzie
[email protected]
Resumo
Este trabalho discute a relação do processo de construção dos desfiles de escola de samba
que tem se apropriado de idéias oriundas da cultura da sustentabilidade, que por sua vez
encontra reflexo no conceito do Design. Relaciona, assim, o modo como as escolas de
samba também tem se apropriado da idéia da cultura da sustentabilidade para a utilização
de materiais reaproveitáveis e ações sustentáveis para a performance dos desfiles
repensando a estética carnavalesca. Conclui que a incorporação desta “estética” da
sustentabilidade parece indicar um processo estruturado nas inteligências coletivas que o
carnaval tem construído. A metodologia prevê analise bibliográfica.
Palavras-chave: Estética, Carnaval, Sustentabilidade
Abstract
This paper discusses the relationship between the current language of the samba school
parades that has been appropriating ideas from the area of design for the construction of
its parades. The work also does an analysis about the way the samba schools have taken
up the idea from the “culture of sustainability” in the use of recycled materials and also
sustainable actions in their parade performance. The work conclusion is about the fact
that incorporation of the “culture of sustainability” by the samba schools suggest a
process involved with the context of collective intelligences that Carnival has been
building. The methodology aims to use bibliographic analysis.
Key words: Esthetic, Carnival, sustainability
9º Congresso Brasileiro de Pesquisa em Design
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linguagem das escolas de samba contemporâneas
Sobre os excessos do carnaval
Algo que chama atenção nos dias atuais é a questão da cultura da sustentabilidade.
Presente em grande parte dos discursos midiáticos, a idéia de sustentabilidade vem sendo
disseminada como um propósito bastante claro: promover a consciência de que o
consumo em excesso de recursos naturais pode nos levar a problemas graves ligados a
nossa sobrevivência futura. Excluindo os exageros por parte destes discursos, é claro que
a utilização consciente de recursos deve ser levada em conta quando se projeta nossa
existência futura.
Por outro lado, a idéia de consumo excessivo pode ser discutida pelo apontamento de
algumas características da construção do próprio imaginário do homem através dos
tempos. A idéia de exceder os limites é parte indissociável de nossa natureza. E tal
característica pode ser vista, por exemplo, em um dos rituais mais antigos da humanidade:
os festejos carnavalescos. Esta festa profana, desde as festas agrárias do antigo Egito está
associado à existência do sagrado 1. Esta questão vai se aprofundar na Idade Média
quando a igreja cristã opõe o sagrado e o profano. Este dualismo, de forma atualizada,
parece estar presente em parte da cultura da sustentabilidade. Discutiremos isto adiante.
O carnaval, uma “invenção” da idade média, era um período de excessos, um
tempo dedicado à transgressão das normas cotidianas, uma vez que é na idade média
propriamente dita que nasce o “carnelevare”.
Mesmo sendo uma festa medieval, então uma continuação das festas pagãs da
Antiguidade, têm em comum com elas muitas características: o uso de fantasias
e mascaras, o relaxamento de procedimentos usualmente reprimidos no campo
da alimentação, do sexo e do comportamento, chegando ao insulto e ao
confronto violento das ‘batalhinhas’. Frugoni (2007, p. 78)
Neste contexto, um momento chave da história da encenação do carnaval como
um todo, é estudado por Bahkthin (2008:128). Em concordância com Bahkthin também
argumenta Eco: “... Em uma sociedade que vai sustentar doravante a prevalência do
humano e do terrestre sobre o divino, o obsceno transforma-se em orgulhosa afirmação
dos direitos do corpo – e como tal, Rabelais foi esplendidamente analisado por
Bahkthin.”.(2007). Este processo de carnavalização envolvia um espaço; a praça pública.
1
No Egito antigo um escravo era escolhido para fazer o papel do deus Osíris e assim viver prazeres
desmedidos por um determinado tempo. Sebe (1986)
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Para Bahkthin, o carnaval ocupava este lugar marcado pela horizontalidade, diferente da
hierarquia vertical dos palácios e igrejas. Outro tipo de comunicação entre os corpos
acontecia nesta praça pública. Um tipo de comunicação que relacionava corpo e espaço
de outra forma, como coloca Le Goff (1994:148) “... O homem medieval privilegiou, mais
que a oposição esquerdo-direito ( que sempre existiu é claro – ou não virá Deus no juízo
final, a por os bons a sua direita e os maus a sua esquerda¿), as oposições alto-baixo e
interior-exterior.” Além disto, colocando aquilo que estava à margem no centro, como
sintetiza Goff (Op.cit): “Dessa forma, a cultura popular não oficial dispunha na idade
média e ainda no renascimento de um território próprio: a praça pública, e de uma data
própria: os dias de festa e de feira”. (Op.Cit:133).
A questão das diferenças em relação ao cotidiano é importante quando se percebe
que o universo do carnaval se constrói pela oposição ao mesmo. Assim, identifica-se
como denominador comum para as idéias sobre o que venha a ser o carnaval o fato de que
o processo carnavalesco se constrói pela utilização de diversos meios: alegorias,
comportamentos que pervertem os papéis sociais, brincadeiras que reconhecem e
delimitam um tempo e um espaço da festa, e fantasias que diferenciam o período do
carnaval em relação às dinâmicas cotidianas. Em síntese, imagens hiperbólicas que
dramatizam o cotidiano. O carnaval percorre diferentes espaços, ruas, bairros, cidades,
sendo fundamentalmente uma brincadeira que enfatiza a paródia.
Nesta análise introdutória, podemos perceber que permaneceu para o senso comum, a
idéia de um evento que mantém vivo nossa necessidade de transgredir a regra, burlar os
interditos da cultura. Um espaço para dar vida ao que o cotidiano censura e reprime: a
quebra da ordem.
Em relação às escolas de samba atuais um aspecto que diz respeito a questão da
relação entre carnaval e cotidiano é o fato de que, atualmente, parece não haver uma
separação tão exacerbada entre a festa carnavalesca e as dinâmicas cotidianas como
houve antes e pode ser percebido pela leitura da obra de Bahkthin sobre o carnaval na
idade média. A inversão entre cotidiano e tempo festivo traz sua realidade non sense que
dar vida a um tipo de excesso que é característico da festa. Este é o sentido de inversão de
que fala Mikhail Bakhtin. Sem dar atenção a isto o carnaval deixa de ser uma diferença
para ser apenas o cotidiano. Hoje, se as escolas de samba ainda trazem a idéia de excesso,
este, no entanto, já é vivido no cotidiano contemporâneo da sociedade do consumo e o
carnaval passa a ser contextualizado neste contexto. Bauman (2008), por exemplo, discute
que a sociedade contemporânea é marcada pelo consumo excessivo de bens materiais e
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simbólicos. O autor esclarece, no entanto, que é necessário distinguir o conceito de
consumo da idéia de consumismo, sendo o consumo algo que viabiliza a vida.
Todo este preâmbulo foi desenvolvido para que se trouxesse à tona este perfil
histórico dos significados do carnaval e suas transformações, para que pudéssemos pensar
que a atual cultura da sustentabilidade pode ser entendida também em relação a este
aspecto dos excessos do carnaval. O discurso da sustentabilidade se desenha nesta relação
com a idéia de revermos justamente nossos excessos, que podem ser metaforizados pelo
signo do carnaval. E hoje, se não há separação entre os excessos carnavalescos e muitas
das dinâmicas cotidianas se têm neste signo bastante a se discutir sobre as relações entre a
festa carnavalesca e sua própria incorporação da cultura da sustentabilidade e também de
alguns aspectos do design sustentável como se discutira adiante.
Sobre Dualismos na cultura da sustentabilidade
As discussões sobre sustentabilidade têm feito surgir uma espécie de polarização
entre “apocalípticos e integrados”, como argumentou Umberto Eco(2008) ao comentar os
dois principais posicionamentos críticos assumidos pela sociedade intelectual no século
XX sobre a questão da cultura tecnológica dos meios de comunicação de massa no século
XX. Segundo Eco, os apocalípticos, partindo da teoria Marxista, vêem a tecnologia como
o aprofundamento da “barbárie social” em que vivemos: desigualdade socioeconômica,
concentração de poder financeiro nas mãos de poucos, reforço aos centros de potência
científica e militar.
Os integrados, numa “reencarnação” da razão Iluminista vêem o surgimento de
novas tecnologias da comunicação como possibilidade de concretização da tão sonhada
“civilização”. Dentro da lógica irônica de Eco sobre a cultura, no entanto, para
enxergarmos a complexidade da questão sobre a idéia de sustentabilidade é preciso
superar esta polarização. A questão não é se concentrar em um ou outro pólo, mas sim
incorporar o fato de que tais questões não estão separadas. E, sobretudo perceber que o
“real” é algo bem mais complexo e indefinido do que a estabilidade e oposição de
conceitos como “bem e mal”. Mas, a questão das divisões dualistas é tão forte que a
ciência clássica, contaminada por este tipo de pensamento, estabeleceu de tal forma as
dicotomias que não temos palavras para designar as não dicotomias. O par
ordem/desordem, um conceito fundamental para entendermos a comunicação, não possui
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uma palavra que consiga designar estas duas coisas ao mesmo tempo. E, como veremos
adiante, perceber o jogo entre ordem e desordem é uma questão fundamental para a
sobrevivência, e, sobretudo para discutirmos a questão da sustentabilidade e seus
discursos se levarmos em consideração que o homem é um amalgama complexo. Um
homo faber, homo ludens, homo economicus e também homo demens, como argumenta
Morin (2000)
Sob esta perspectiva, há diversos problemas que dizem respeito a organizar
coletividades e lidar com questões relativas a pensar a sustentabilidade em tempos de
consumo exacerbado, e tal questão, sendo algo que está além de uma lógica binária pode
apresentar reflexões criativas, que podem se manifestar de forma estética, por exemplo, se
for levada em conta a complexa estrutura que permeia sua existência.
Artefatos tecnológicos e comunicação:
mensagens e seus excessos
Os
meios,
as
Pensar sobre a comunicabilidade de nossos artefatos pode ajudar a entender a
relação entre excesso e consumo econômico de recursos, característica que as atuais
escolas de samba começam a desenvolver.
McLuhan (2001), vulgarizado por seu conceito de que “O meio é a mensagem”,
desenvolveu a hipótese de que o corpo se estende no espaço por aparatos tecnológicos.
Mcluhan aponta em seu livro “Understanding Media” publicado em 1964 que toda e
qualquer ferramenta, é moldada e ao mesmo tempo molda nosso corpo estendendo-o.
Nesta lógica, um garfo ou uma faca, seriam respectivamente, as ampliações das mãos e
dos dentes. Hoje, estaríamos produzindo tais extensões em demasia sem levarmos em
conta algumas questões como a idéias de sustentabilidade, por exemplo. Uma análise
possível desta hipótese de Mcluhan sugere a existência de uma “hipertrofia” condicionada
pela atenção exagerada, justamente a tais extensões tecnológicas, artefatos.
No entanto, é interessante perceber que a palavra condicionar constrói outro
significado nesta sentença anterior, um sentido diferente caso usássemos a palavra
“determinar”. Pierre Levy ao contextualizar o papel da técnica argumenta que:
Uma técnica é produzida dentro de uma cultura, e uma sociedade encontra-se
condicionada por suas técnicas. E digo condicionada, não determinada. Essa
diferença é fundamental. A invenção do estribo permitiu o desenvolvimento de
uma nova forma de cavalaria pesada, a partir da qual foram construídos o
imaginário da cavalaria e as estruturas políticas e sociais do feudalismo. No
entanto, o estribo enquanto dispositivo material, não é a ‘causa’ do feudalismo
europeu. Não há uma ‘causa’ identificável para um estado de fato social ou
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cultural, mas sim um conjunto infinitamente complexo e parcialmente
indeterminado de processos em interação que se auto-sustentam ou se inibem.
(199, p. :25)
A partir desta perspectiva pode-se perceber que as tecnologias como um aspecto
correlacionado ao universo do homem em que aquelas possam atuar como mais um traço
da criatividade das estratégias da comunicação.
Ainda sob tal olhar, percebe-se que a tecnologia apresenta-se como estratégia da
sociedade contemporânea quando se discute questões ligadas às possibilidades de
expressão que se conectam à discussões como a descentralização do poder e a criação de
fluxos de sentidos. Walter Benjamim e seu clássico estudo sobre a arte na era da
reprobutibilidade técnica nos ajuda a refletir sobre esta questão, pois vemos que há uma
grande disponibilidade doméstica de criação de imagens, por exemplo e este é um aspecto
fundamental da comunicação contemporânea. Contudo, o fato de que a simples utilização
de computadores e softwares não determina ( no sentido explorado por Pierre Levy) um
processo expressivo. Devemos pensar que esta autonomia de produção conectada a uma
significativa expressividade é que possa condicionar um processo significativamente
expressivo. A mera utilização em si de ferramentas tecnológicas oriundas do contexto
industrial não dizem nada a respeito de estar expressando-se ou apenas produzindo mais
informações vazias. Como nos colocou W. Benjamim a principal questão é saber como as
ferramentas e as técnicas de reprodução de manipulação da informação imagética podem
ser sensíveis à diferentes possibilidades expressivas do homem.
O que esta em jogo não é tanto o uso excessivo ou desuso de artefatos, já que a
tecnologia esta incorporada ao nosso cotidiano, mas sim, a possibilidade de criação de
processos que enfatizem perceber que as singularidades individuais são co-dependentes
dos interesses comuns através de organização coletiva. Assim como o corpo e ambiente
são também co-dependentes como argumenta Greiner (2005). Talvez esta seja uma
questão chave quando se pensa a cultura da sustentabilidade sendo utilizada esteticamente
pelas escolas de samba.
Cultura dos desfiles: Breve Historia
linguagem das Escolas de Samba
do
Excesso
na
Inserido neste contexto contemporâneo do universo da comunicação e seus
excessos, as escolas de samba utilizam inúmeros recursos para construírem seus desfiles.
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Não se pode afirmar que as escolas de samba produzam design em seus desfiles. No
entanto é inegável que aspectos do Design estejam incorporados a sua linguagem. Sobre
a idéia de design concorda-se com o argumento de Flusser a respeito da complexidade
do conceito.
A cultura moderna, burguesa, fez uma separação brusca entre o mundo das
artes e o mundo da técnica e das máquinas, de modo que a cultura se dividiu
em dois ramos estranhos entre si: por um lado, o ramo científico,
quantificável, ‘duro’, e por outro o ramo estético, qualificador, ‘brando’. Essa
separação desastrosa começou a se tornar insustentável no final do século
XIX. A palavra design entrou nessa brecha como uma espécie de ponte entre
esses dois mundos. E isso foi possível porque essa palavra exprime a conexão
interna entre técnica e arte. E por isto design significa aproximadamente
aquele lugar em que arte e técnica (e consequentemente, pensamentos,
valorativo e científico) caminham juntas com pesos equivalentes, tornando
possível uma nova forma de cultura. (2007, p. 183-184)
Levanta-se, portanto, a idéia de que as escolas de samba partilhem deste processo
de conexão entre técnica e arte, uma vez que utilizam-se materiais e recursos humanos
diversos para a construção do ritual dos desfiles. Não há como negar que a utilização de
linguagem complexa é uma das características dos desfiles contemporâneos que mantém
diálogo com o exagero e excesso dos carnavais medievais por exemplo. Assim, para
efetivar seus jogos espaciais cada escola de samba apresenta anualmente um enredo,
bastante excessivo em relação aos seus recursos performáticos que incluem carros
alegóricos, fantasias etc., sobre algum tema obedecendo a uma estrutura comum a todas
as agremiações: o desfile começa com a apresentação da comissão de frente, depois o
abre-alas, e logo depois uma seqüência que intercala alas com fantasiados e carros
alegóricos. Toda esta produção leva meses para ficar pronta e consome muitos recursos e
utilização de espaços diversos. A quadra, por exemplo, é um espaço dentro do universo
dos desfiles. É o local onde são realizados os ensaios e os encontros da comunidade
No entanto, é no barracão que o processo de montagem e desmontagem do
carnaval é exercido. Este lugar é um micro-cosmos que agrega diferentes atividades
simultâneas por meio da divisão de trabalho constituindo-se em um verdadeiro sistema
comunicativo que se organiza em função da construção do desfile, ocupando-se
principalmente na construção das alegorias. Blass (2000) reflete sobre o trabalho no
barracão, afirmando que se trata de uma atividade fundada no conhecimento artesanal e
que mobiliza a inteligência criativa em seu exercício. Aponta ainda que a noção de
trabalho criada e imaginada na modernidade européia sobre a separação entre trabalho e
lazer, e conclui que o barracão tem despertado a atenção de muitos consultores
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empresariais que buscam formas criativas de gestão de trabalho e produção. Tal questão
sugere, no entanto, que o desfile tem se transformado em diversos aspectos e que a idéia
de excessos do carnaval medieval foi atualizada na escola de samba de outra forma.
Os desfiles acontecem após a escolha de um enredo, uma trama que será fiada.
Esta trama será transformada visualmente em alegorias e fantasias. Seu desenvolvimento
cabe ao carnavalesco, ”O termo é bem engraçado, porque não possui a conotação de
folião. O significado verdadeiro da palavra seria cenógrafo, figurinista e uma espécie de
diretor de cena.” Magalhães (1996:45). Metaforicamente, o carnavalesco é uma espécie
de “designer”, mas que projeta visualidades próprias da linguagem do desfile.
Uma comissão de jurados avalia o desfile seguindo alguns quesitos consagrando
uma escola a campeã. A últimas colocadas saem do grupo onde estão e entram nos grupos
antecedentes. Esta organização é anualmente utilizada e confere competitividade ao
desfile, fazendo com que as apresentações sejam cada vez mais sofisticadas do ponto de
vista do uso de materiais para a construção da visualidade dos desfiles, cabendo ao
carnavalesco esta pesquisa constante por novos recursos expressivos.
Desde seu surgimento, o carnavalesco é visto como uma espécie de mediador
cultural, uma “interface” entre o erudito e o popular, enredando arte popular e técnicas
“pertencentes” ao universo da ciência e das artes plásticas. Na década de 60, Fernando
Pamplona, então aluno da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, criou o trabalho visual da escola de samba “Acadêmicos do Salgueiro” trazendo à
estética dos desfiles jogos coreográficos e idéias sobre figurinos que forma motivo de
bastante sucesso, como no enredo “Chica da Silva”.
Mas a presença do carnavalesco tornou-se marcante a partir da década de 1970
quando Joãosinho Trinta foi o responsável pelas mudanças visuais do desfile de rua, que a
partir de então inicia uma fase de crescente reorganização estética. A festa passa pelo seu
grande momento de transformação visual. O desfile começa a se relacionar com a cidade
de outra maneira. Acompanhando o crescimento urbano, existe agora um número muito
maior de pessoas que participa do evento, o que contribui, e continua contribuindo, para a
expansão da festa em termos de linguagem visual: maiores carros alegóricos, fantasias
mais elaboradas, etc. Esta (re)organização estética parece ter estimulado a presença do
carnavalesco nos desfiles. Sob criticas que centralizavam a presença desta figura com o
excesso na linguagem atual dos desfiles, uma vez que os mesmos atingem proporções
gigantescas em termos de performance e recursos cênicos, no entanto, o trabalho do
carnavalesco enreda-se à identidade da escola e à própria apresentação visual desta.
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Desenhistas, professores, arquitetos, diretores e atores teatrais, artistas plásticos,
ou seja, de um universo variado de ocupações surgiram outros nomes que se tornaram
carnavalescos: Max Lopes, Fernando Pinto, Arlindo Rodrigues, Viriato Ferreira, Renato
Lage, Chico Espinosa. A criação de um desfile é o conjunto de alegorias e fantasias.
Porém, tal experiência não é elaborada individualmente, sendo uma inteligência coletiva
“(...) Concebidas pelo carnavalesco, o processo de sua criação no barracão reúne em
torno de um objetivo comum uma equipe de especialistas e seus ajudantes.” Cavalcanti
(1995:56). Atualmente, o carnavalesco é uma peça chave da linguagem dos desfiles que
tem incorporado a cultura da sustentabilidade em sua confecção.
A criatividade dos carnavalescos, suas equipes e demais envolvidos no processo
dos desfiles tem feito um trabalho que pode ser lido pelas idéias de Walter Benjamin
(op.cit) quando este discute a questão da expressividade. “Ratos e Urubus, Larguem
minha fantasia” desfile da Beija-Flor de 1989 que foi construído com materiais como
papelão.
Figure 1: “Ratos e Urubus, larguem minha fantasia” uso de materiais alternativos para a promoção de um
discurso estético
Já a Unidos da Tijuca de 2004 utilizou a peformance de componentes da
comunidade para representar um DNA, poupando a utilização de esculturas para tal
representação. A mesma escola de samba em 2005 utilizou inúmeras panelas para a
construção de uma alegoria, panelas que depois seriam doadas a comunidade da escola. A
Portela, em 2008, compensou a emissão de CO2 de seu desfile. Estes são alguns dos
exemplos que podem ser citados em um universo que tem se redescoberto do ponto de
vista da linguagem. Outra questão que não pode deixar de ser mencionada é que entre os
diversos níveis existentes nos desfiles (Grupo especial, grupo de acesso, etc, como citado
acima), existe um mercado de esculturas. É comum que as escolas do grupo especial
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vendam suas esculturas já utilizadas em desfiles passados para escolas do grupo de
acesso, fato que se configura em economia de materiais por parte destas agremiações.
Figure 2: Unidos da Tijuca em 2004 e a utilização de performance no lugar de esculturas
Estes são alguns pontos a serem mencionados nesta discussão sobre a cultura da
sustentabilidade que começa a ser incorporada pelas escolas de samba. Esta nova
informação, uso e reaproveitamento de materiais parece dar as escolas de samba um novo
desafio em relação ao desenvolvimento de suas linguagens. Desenvolvimento que não
apaga os excessos característicos da festa, mas que dialoga com pontos bastante atuais
como a economia de recurso e design sustentável, provando que dualismos radicais não
parecem apontar soluções.
Nesta lógica, o atual paradigma das escolas de samba é um exemplo do processo
de complexidade cultural. Sua estrutura é um movimento de elementos que se misturam.
Considerações finais: Os meios
organização estética dos desfiles
são
a
mensagem
na
Neste contexto, o carnaval atual não estando apartada da cultura da
sustentabilidade, percebe-se que construir um desfile significa reunir em torno do
carnavalesco, o “designer” que cria o visual dos desfiles, pessoas que criem o samba,
alguém que entenda de marcenaria, etc., ou seja, a criação das chamadas inteligências
coletivas (Levy, 2004).
Portanto, as idéias reorganizadas em torno da questão da sustentabilidade
apresentam um processo de evolução da inteligência coletiva já presente historia dos
desfiles e sua organização.
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Desta forma, a incorporação da cultura da sustentabilidade por parte das escolas
de samba sublinha que as soluções organizativas buscam outros caminhos para revelar-se.
E mostra que a idéia de excesso pode dialogar com o consumo criativo de materiais.
A incorporação da cultura da sustentabilidade pelos desfiles de escola de samba
deve ser vista, quando enxergamos os sentidos históricos do carnaval e os colocamos em
perspectiva com as atualizações do mesmo, como uma possibilidade de revermos os
dualismos ingênuos. O carnaval atual parece construir uma mensagem conectada aos
meios (tanto no que diz respeito aos materiais que têm sido utilizados na construção dos
desfiles, quanto aos meios de comunicação que passam a divulgar esta outra imagem das
escolas de samba) que tem utilizado, buscando organizar algo diferente daquilo que é
aceitável como norma única: incorporar, paradoxalmente, em uma festa que tem vocação
para o excesso, e para o desperdício, um traço de consciência responsável de consumo de
recursos. Como o meio não esta apartado da mensagem, esta nova exploração da
linguagem dos desfiles que emerge deste dialogo entra a idéia de reaproveitamento de
materiais em conexão com a noção de excesso, característica histórica da festa, e do
homem, diga-se de passagem, significa um mergulho nos processos comunicativos que
organizam os excessos contínuos do carnaval mesmo que estejamos começando a
desenvolver uma cultura da sustentabilidade. Alem disto, se trata de, fundamentalmente,
criar um dialogo entre a idéia de exagero e economia, percebendo que ambos são
aspectos, paradoxalmente, presentes na natureza humana.
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9º Congresso Brasileiro de Pesquisa em Design
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