GRAVEL ISSN 1678-5975 Janeiro - 2003 Nº 1 Hidratos de Metano: Um Interesse Crescente L. R. Martins* * South West Atlantic Coastal and Marine Geology Group - COMAR Palavras chave: hidratos, metano, importância econômica. 131-135 Porto Alegre 132 L. R. Martins INTRODUÇÃO A busca incessante de fontes alternativas de energia, a partir dos oceanos, estabeleceu, no decorrer dos anos, o desenvolvimento de muitos estudos e projetos, com a finalidade de fornecer um melhor conhecimento de seu potencial, bem como alguns princípios básicos fundamentais para seu aproveitamento. A utilização do gradiente térmico das águas profundas, do gradiente de salinidade e da energia das correntes marinhas e marés não constituem fatos novos, sendo que algumas dessas fontes já contam com plantas de utilização, como a de maremotriz do estuário do Rio Rance (St. Malo, França) e o experimento OTEC (Ocean Thermal Energy Conversion), relativo ao aproveitamento da diferença de temperatura entre a água quente de superfície (em margens continentais tropicais especialmente) e a água fria profunda para alimentar uma turbina e gerar eletricidade. TAKANO (1980) estimou, em linhas gerais, as energias marinhas renováveis, conforme é apresentado no quadro abaixo. Correntes 1010 – 1011 W Marés 1010 – 1011 W Ondas – 1012 W Gradiente Térmico – 1013 W UMA NOVA FONTE DE ENERGIA Por mais de um século, cientistas de várias partes do mundo possuem conhecimento sobre hidratos de metano ocorrentes naturalmente em certas áreas dos oceanos, vinculadas especialmente ao declive e à elevação continental. A partir de 1964, tendo por base perfuração realizada por pesquisadores russos, em missão oceanográfica, vem crescendo em interesse científico, com conotações econômicas, sobre essas acumulações consideradas por DILLON (1997) como uma nova fronteira na pesquisa de recursos energéticos (Figura 1). Os imensos volumes de gás e a riqueza apresentada por depósitos selecionados tornam os hidratos de metano fortes candidatos para um desenvolvimento crescente, como um recurso energético. Estudos recentes realizados pelo United States Geological Survey – USGS, efetuaram uma estimativa desses depósitos em nível mundial, indicando ser o dobro da energia de hidrocarbonetos fósseis do globo terrestre. Dados publicados em 1998 indicam reservas apreciáveis, mostrando que, nos Estados Unidos, elas podem suprir as necessidades, no atual nível de consumo, por cerca de 64.000 anos. Essas reservas estão especialmente no platô Blake e no Golfo do México. Em oceano profundo hidratos de metano foram identificados em testemunhos geológicos obtidos através do Ocean Drilling Project – ODP, tendo surpreendido as equipes de pesquisadores a extensão e a espessura desses depósitos. O RECURSO EM SI Hidratos de metano são substâncias sólidas, semelhantes ao gelo, compostas por água e gás natural (metano). Costumam ocorrer naturalmente em áreas onde o metano e água podem combinar-se em condições apropriadas de temperatura e pressão (CRUICKSHANK & MASUTANI, 1999). De uma maneira geral, essas condições podem ocorrer em “permafrost” de regiões árticas e em bacias de águas profundas, adjacentes às plataformas continentais e às bacias de oceano profundo, onde a espessura sedimentar é de, pelo menos, 1.000 metros. Segundo HAQ (1998), os programas relativos aos estudos do aproveitamento dos hidratos de metano, encontram-se alicerçados em cinco componentes maiores: caracterização do recurso, produção, mudanças climáticas globais, segurança e estabilidade do piso marinho, devendo ser concebidos através de esforços da iniciativa privada, das universidades e do governo, destinados a determinar a eficácia dos hidratos de metano como um recurso no cenário a partir de 2010. Sua ocorrência ampla nos oceanos e mares e sua habilidade em mudar de fase sólida para gasosa, quando seu estado natural de equilíbrio é perturbado, despertaram, nestas GRAVEL Hidratos de Metano: Um Interesse Crescente 133 Figura 1 – Situações de acumulação de hidratos de metano (conforme DILLON, 1997). últimas décadas, interesse acentuado por parte de pesquisadores e empresas, interessados na busca de recursos energéticos. São escassas as grandes reservas de óleo em oceano profundo, além do declive continental, por faltarem às condições necessárias de temperaturas e pressão. Contudo, o gás natural, ou metano, não está submetido a essas mesmas limitações, sendo gerado a partir da decomposição da matéria orgânica e trapeado em sedimento de mar profundo. As águas de oceano profundo são muito frias e, sob pressão elevada, a água intersticial trapeada nos sedimentos conduz as misturas de água e metano à formação de hidratos de metano, também denominados de clathratos, representando moléculas de água circundando moléculas gasosas. Com a profundidade do sedimento, o fluxo de calor da Terra é suficiente para degelar essas “ice cages”, liberando gás natural limpo, que pode ser trapeado abaixo da camada de hidrato. As estimativas, já efetuadas a partir de dados disponíveis, são de cerca de 3x1015 m3 e indicam uma concentração, expressiva no declive e na elevação continental, em profundidades superiores a 300 metros, cobrindo cerca de 10% da área total dos oceanos. PANORAMA ATUAL Em uma sessão especial sobre hidratos gasosos, realizada durante a Offshore Technology Conference, em maio de 1998, em Houston (USA), foram revelados novos estudos substanciais desenvolvidos por outros países, particularmente, pela Índia e pelo Japão, sobre a natureza e o potencial de hidratos de metano em suas respectivas Zonas Econômicas Exclusivas. Um pouco mais tarde, em outubro do mesmo ano, teve lugar em Chiba (Japão) o Methane Hydrates Symposium, quando foram apresentados mais de quarenta trabalhos específicos. Posteriormente, em Baltimore (USA), a MTS Ocean Community Conference incluiu uma nova mesa redonda sobre hidratos de metano, revelando igualmente detalhes da nova legislação para pesquisa e desenvolvimento, aprovada pelo Congresso (The Methane Hydrate Research and Development Act of 1998). O primeiro “workshop” do Internacional Committee on Methane Hydrates GRAVEL 134 L. R. Martins aconteceu em Honolulu (USA), quando foram discutidos resultados dos últimos avanços realizados pelos programas nacionais dos Estados Unidos, Canadá, Japão, Coréia, Rússia, Índia, Noruega e Reino Unido. Em 2002, a Offshore Technology Conference ocupou-se mais uma vez desse tema atual, com a apresentação de trabalhos discorrendo sobre aspectos gerais e históricos dos “minerais hidratados”. Em termos de estudos realizados na margem continental brasileira, resultados relativos ao cone do Amazonas foram recentemente divulgados por TANAKA et al. (2003). O uso do metano como combustível, pode apresentar um perfil menos poluente do que outros combustíveis fósseis, gerando consideravelmente menos dióxido de carbono do que o petróleo e o carvão mineral, sem componentes particulados e enxofre (PAULL & DILLON, 2001). Segundo esses mesmos autores, existem três linhas de evidências para identificação da presença de hidratos de metano: geológicas, como as propriedades físicas dos sedimentos e suas relações estratigráficas; geoquímicas, como os fluidos intersticiais; e geofísicas como a perfilagem sísmica entre outras. Segundo KENNETT et al. (2003) a desestabilização dos depósitos através de mudanças de temperatura e pressão (nível do mar) pode liberar metano (um poderoso gás no efeito estufa) na atmosfera com conseqüências climáticas drásticas denominado pelos autores como “Clathrate Gun Hypotesis”, tendo inclusive norteado novas observações nos campos da paleoceanografia, dinâmica climática, paleobotânica e ciclos biogeoquímicos. CONCLUSÕES A importância da pesquisa sobre hidratos de metano, dentro do panorama de recursos energéticos, torna o tema de grande significado, estimulando estudos a serem desenvolvidos por nações que ainda não ingressaram nesse seleto clube, que busca alternativas através de novas fontes de energia. Se por um lado à atenção voltada para os hidratos de metano, é alimentada pelo interesse como fonte alternativa de energia, aspectos ambientais têm sido avaliados nestes últimos anos. KENNETT et al. (2003) apresentaram uma hipótese alternativa para explicar o comportamento do clima, incluindo o aquecimento abrupto ocorrido nos últimos 800.000 anos. Segundo a denominada “Clathrate Gun Hypothesis”, periódicas liberações de metano a partir do degelo dos hidratos de metano, ampliaram o padrão das flutuações de temperatura, disparando o efeito estufa, que conduziu ao aumento global das temperaturas. Os autores da hipótese, contudo esperam a relutância de muitos pesquisadores. Está evidenciado, no entanto que as reservas modernas de hidratos contem grandes volumes de metano, para potencialmente desempenhar um importante papel nas mudanças climáticas globais. O navio pesqueiro “Ocean Selector”, recuperou em missão realizada em novembro de 2000, cerca de uma tonelada de fragmentos de hidrato de metano, através de uma rede de arrasto, à profundidade de 800 metros, nas cabeceiras do “Canyon Barcley”, junto a Ilha de Vancouver. O achado representa provavelmente a maior recuperação já feita de material dessa natureza, em um cenário marinho, causando enorme repercussão (SPENCE et al., 2001). A compreensão relativa à presença de hidratos no piso marinho vem crescendo gradativamente, visando promover um melhor conhecimento sobre o fluxo do metano em subsuperfície, bem como dos modelos de formação e dissociação do mesmo. Além disso, a avaliação do possível impacto do metano contido nos hidratos no clima global, só será atingida pela compreensão de como ele é liberado na coluna de água e se o gás metano pode eventualmente atingir a atmosfera. Conhecido durante algum tempo, na indústria do petróleo, como um estorvo nas tubulações de óleo e gás, onde, sob certas condições, promovia efeito similar ao do colesterol nas artérias humanas, os hidratos de metano passaram a constituir um tema atraente a partir da década de 60, em função de suas conotações de caráter econômico e ambiental. GRAVEL Hidratos de Metano: Um Interesse Crescente REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS CRUISKSHANK, M. J. & MASUTANI, S. M. Methane Hydrate Research and Development. Sea Technology: 69-74. Arlington, USA. 1999. DILLON, W. Gas (Methane) Hydrates: A New Frontier. United States Geological Survey Public Issues in Energy and Marine Geology, 2 pgs, Washington, USA. 1997. HAQ, B. 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