AVALIAÇÃO DA ASSISTÊNICA DE PRÉ-NATAL E PARTO EM SÃO LEOPOLDO, RS Autores: Margareth Schreiner Dr. Juvenal Soares Dias da Costa e-mail: [email protected] Instituição: Mestrado em Saúde Coletiva - Centro de Ciências da Saúde Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos 2 1. Justificativa Os serviços de saúde fazem parte do meio social onde vivem as pessoas, sendo um dos elementos que podem alterar a freqüência e a distribuição dos agravos à saúde, e melhorar a qualidade de vida da população. O perfil de morbidade da população deve determinar, em grande parte, o tipo, a quantidade e a distribuição de serviços colocados à disposição da coletividade, com vistas a manter ou melhorar o seu nível de saúde. Por tal razão, o conhecimento do perfil de agravos à saúde prevalentes na região, tradicionalmente tarefa do pessoal de saúde pública, é um indicador insubstituível para a provisão de serviços e de recursos, seja em termos de pessoal, seja de equipamentos, medicamentos e demais insumos usados em atividades de natureza preventiva, diagnóstica, terapêutica e de reabilitação. (Pereira, 1995) Segundo Pereira (1995), entende-se por epidemiologia nos serviços de saúde “o estudo e a avaliação, pelos métodos usados em epidemiologia, da maneira como os serviços de saúde são ou deveriam ser organizados”. Implícita está a noção de conhecer a situação, para racionalizar, planejar, acompanhar e avaliar; também, nessa conceituação inclui-se a produção de novos conhecimentos, para melhorar a prestação de serviços de saúde à população. O uso sistemático dos princípios e métodos epidemiológicos para o planejamento e avaliação dos serviços de saúde é algo relativamente novo. A partir da avaliação do valor de tratamentos específicos, o passo seguinte é a avaliação mais geral de aspectos dos serviços de saúde. O objetivo principal é o desenvolvimento de um processo racional para a escolha de prioridades e para a alocação dos escassos recursos em saúde. Por causa dos limitados recursos disponíveis para a saúde em todos os países, a escolha deve ser feita entre estratégias alternativas para a melhoria dos níveis de saúde (Beaglehole, 2001). O planejamento dos serviços de saúde é um processo para identificar objetivos chaves e escolher meios alternativos para alcançá-los. Avaliação é o processo de determinar tão sistematicamente e objetivamente quanto possível, a relevância, a efetividade, a eficiência e o impacto das ações em relação aos objetivos desejados (Beaglehole, 2001). Em todas estas atividades os epidemiologistas trabalham ao lado de uma série de especialistas e juntos fornecem, para a comunidade e para os tomadores de decisão, informações que permitirão que a escolha seja feita com base em um razoável conhecimento dos custos e dos prováveis desfechos (Beaglehole, 2001). Para Hartz (1997) a avaliação é uma atividade tão velha quanto o mundo, banal e inerente ao próprio processo de aprendizagem. Hoje a avaliação é também um conceito que está na moda, com contornos vagos e que agrupa realidades múltiplas e diversas. Segundo Castiel (1986), dentro da técnica de programação local (CENDES/OPS), a avaliação pode ser efetuada através de: 1) Produção – ou seja, a quantidade de trabalho realizado (nº de vacinações, nº de consultas médicas, etc); 2) Eficiência – que pode ser avaliada através de medidas como cobertura, custo rendimento, concentração, grau de utilização; 3) Efeito – considerado em relação ao impacto proporcionado pela ação de saúde específica (ex. aspersão de inseticidas para o controle de mosquitos transmissores do dengue). 3 Conforme Dever (apud Escrivão Jr., 1998) uma administração bem sucedida do sistema de atendimento à saúde deveria incluir as seguintes características: ser universalizada, não antepor barreiras que comprometam o atendimento, buscar continuidade no atendimento a indivíduos e famílias (que deve ser efetivo, adequado, eficiente e ter cobertura total). Deve também desempenhar seu papel junto com outros sistemas prioritários para o desenvolvimento da comunidade, gerar informações confiáveis, úteis e com garantia de confidencialidade, difundir amplamente conhecimento sobre promoção de saúde, prevenção e cura de doenças. Uma administração bem sucedida deve, finalmente, possuir mecanismos de avaliação e aprimoramento. Avaliar implica primeiro a existência de uma noção de “bom”, e esta definição nunca foi fácil. O que é um “bom” serviço de saúde? (Silver, 1992). Donabedian (1984) reconhece que a definição de boa qualidade de assistência médica difere entre os prestadores, os consumidores e a sociedade em geral, mas todos identificam tanto aspectos técnicos quanto interpessoais como importantes. Ele propõe a seguinte definição de qualidade da assistência médica: “ ... aquele tipo de assistência que se espera possa proporcionar aos pacientes o máximo e mais completo bem-estar, considerando o equilíbrio previsto entre ganhos e perdas decorrentes do processo de assistência em toda sua complexidade.” Campbell et al. (2000) definiram a qualidade do cuidado em populações através da habilidade para acessar cuidados efetivos, com bases eqüânimes e eficientes para a otimização do benefício em saúde e do bem estar para toda a população. Os dois pontos mais polêmicos na discussão sobre qualidade são as questões de acesso e custo. Será que esses itens devem constar da definição de qualidade? Apesar de ser evidente que a qualidade de um determinado serviço não prestado é zero, os autores divergem a respeito (Silver, 1992). Lee e Jones incluem acesso entre os “artigos de fé” da boa assistência médica. Já Donabedian usa três definições diferentes de qualidade, incorporando acesso em uma delas: absolutista, que parte de uma perspectiva meramente técnica; individualista, que incorpora valores do consumidor; e a definição social, na qual a distribuição dos benefícios pela população assume maior importância. Reconhece que os aspectos de quantidade e qualidade são indissociáveis e propõe um modelo “unificador de qualidade” que compreende benefícios e riscos, agregando também uma consideração adicional sobre custos, ainda que não considere o custo econômico um fator essencial para avaliar a qualidade da assistência (Silver, 1992). “Avaliação: É um processo que tenta determinar o mais sistemática e objetivamente possível a relevância, efetividade e impacto das atividades, tendo em vista seus objetivos. É uma ferramenta orientada para a ação e a aprendizagem. É um processo organizativo que visa tanto melhorar as atividades em andamento quanto planejar o futuro e orientar a tomada de decisões” (Administrative Committee on Coordination, 1984). A avaliação é freqüentemente vista como uma atividade externa, realizada sempre por qualquer outra pessoa que não seja aquela que está fazendo o trabalho objeto da avaliação ou 4 a população que dela se beneficia. Na realidade, o controle e a avaliação podem e devem ser das mais importantes atividades inerentes à gestão de serviços de saúde, permitindo tanto a detecção de qualquer insuficiência ou erro quanto a realização da meta (Silver, 1992). Contudo, segundo Goldbaum (1996), o grau de utilização da Epidemioliga, para avaliação, no Brasil, é ainda bastante incipiente e os dados coletados para essa finalidade têm servido, em geral para trabalhar aspectos financeiros e contábeis da prestação de serviços. As informações coletadas operam mais como instrumento administrativo e menos como elemento de avaliação. A própria ABRASCO (1997) reconheceu que existe uma insuficiência de estudos epidemiológicos que permitam avaliar a necessidade, a adequação e a efetividade dos serviços prestados. Afinal, a avaliação da qualidade do cuidado em saúde é uma forma de se alcançar importantes objetivos, tais como a eliminação ou redução de aberrações da prática profissional ou a melhoria da atenção onde já foi razoavelmente bem executada (O’Leary, 1988). Tradicionalmente a avaliação de serviços de saúde visa avaliar a qualidade dos serviços prestados por um médico de forma individual, através de critérios técnicoprofissionais. Mas essa perspectiva deixa de lado os problemas fundamentais de eqüidade e distribuição de bens e serviços de saúde (Silver, 1992). A eqüidade deve ser uma característica da oferta dos serviços de saúde. Ela diz respeito à igualdade de oportunidades no acesso à saúde e, como tal, é um direito de todo cidadão. Se há desigualdades no seio da sociedade, o problema tende também a existir nos serviços de que essa mesma sociedade dispõe – e os de saúde não constituem exceção à regra. Embora a eqüidade possa ser vista de diferentes perspectivas, há consenso em que deva ser enfocada em termos de acesso a bens e serviços; ou seja, para assegurar a eqüidade, o acesso das pessoas a bens e serviços de saúde de boa qualidade deve estar garantido. Assim a acessibilidade é fundamental, para que a eqüidade seja concretizada (Pereira, 1995). O sistema de avaliação de qualidade de serviços de saúde proposto por Donabedian também deriva de uma abordagem de análise de sistemas, mas é flexível e amplo nas possibilidades que oferece. Ele distingue entre as etapas de estrutura, processo e resultado ou impacto. É talvez o marco conceitual mais usado para classificar as diversas metodologias de avaliação de serviços. Segundo Hartz (1997), os objetivos oficiais de uma avaliação são de quatro tipos: Ajudar no planejamento e na elaboração de uma intervenção (objetivo estratégico); Fornecer informação para melhorar uma intervenção no seu decorrer (objetivo formativo); Determinar os efeitos de uma intervenção para decidir se ela deve ser mantida, transformada de forma importante ou interrompida (objetivo somativo); Contribuir para o progresso dos conhecimentos, para a elaboração teórica (objetivo fundamental). 5 MORTALIDADE INFANTIL A mortalidade infantil é um dos indicadores de saúde mais sensíveis às condições socioeconômicas, traduzindo as condições de vida da população. A redução da mortalidade infantil vem ocorrendo de modo consistente no Brasil desde 1940. Entre 1955 e 1965, essa redução acontece mais lentamente, o que comprova a sensibilidade desse indicador a períodos de crise estruturais. O agravamento da crise econômica na década seguinte (1965/1975), principalmente em função dos ajustes na economia, reflete-se pesadamente na sobrevivência infantil. As dimensões econômicas e institucionais da crise, naquele período, são, talvez, a principal causa da interrupção do declínio da mortalidade. Além disso, o êxodo rural e a pressão demográfica sobre os grandes centros urbanos representam um demanda adicional sobre os serviços de infra-estrutura e de atendimento público (Olinto et al., 2003). A partir de meados da década de 70, há uma retomada da queda de mortalidade, associada à expansão da rede assistencial e da infra-estrutua de saneamento básico. Outros fatores relevantes para a continuidade da redução dos níveis de mortalidade infantil e infantojuvenil, especialmente a partir dos anos 80, são os programas de saúde materno-infantil, a ampliação da oferta de serviços médico-hospitalares, as campanhas de vacinação e os programas de aleitamento materno e reidratação oral (Olinto et al., 2003). No ano de 2000, a taxa de mortalidade infantil, no Brasil, é de 33 óbitos por mil nascidos vivos, considerada média. Mesmo assim, persistem discrepâncias nos níveis regional, estadual e municipal (Olinto et al., 2003). A mortalidade infantil, no Estado do Rio Grande do Sul, situa-se ao redor de 15,1/1000 nascidos vivos, principalmente no período neonatal, sendo que o grupo das afecções originadas no período perinatal persiste como a principal responsável pelas taxas de mortalidade infantil. Na comparação das quatro últimas décadas, vê-se que a taxa de mortalidade infantil, em São Leopoldo, cai 42% entre 1970 e 1980 (de 71,7 para 41,6), chegando a 24,3 em 1991 e 15,0 no ano 2000, cujo principal componente também é representado pelo grupo das afecções originadas no período perinatal (Olinto et al., 2003). A diminuição da mortalidade infantil no Estado do Rio Grande do Sul e no Município de São Leopoldo pode ser obtida através de ações de assistência no acompanhamento de prénatal e no momento do parto. GESTAÇÃO Nascimentos e óbitos, que eram eventos essencialmente domiciliares, mudaram de arena, passando a ocorrer, predominantemente ou exclusivamente, em hospitais. Dados da Previdência Social, para o ano de 1991, apontaram para a existência de 3,1 milhões de internações no País, somente para a categoria “complicações da gravidez, parto e puerpério”, a maioria referente a parto normal ou parto por cesariana, o que constituiu a primeira causa de hospitalização, um quarto do total das internações (Ministério da Saúde, 2001). 6 A gravidez, apesar de ser processo fisiológico, produz modificações no organismo materno que o colocam no limite do patológico. Desse modo, se a gestante não for adequadamente acompanhada, o processo reprodutivo transforma-se em situação de alto risco tanto para a mãe quanto para o feto (Backett et al., 1984). No Brasil, durante o ano de 1998, a razão declarada de mortalidade materna foi de 65,8 óbitos por 100.000 nascidos vivos (Serruya et al., 2001; Laurenti et al., 1997). PRÉ-NATAL Uma assistência pré-natal adequada e sua interação com os serviços de assistência ao parto são fundamentais para a obtenção de bons resultados da gestação. Em todo o mundo, as taxas de mortalidade e de morbidade materno-infantil têm diminuído drasticamente nos últimos trinta anos, o que tem sido atribuído aos cuidados durante o pré-natal e no primeiro ano de vida. Estudos epidemiológicos têm demonstrado que mulheres com pré-natal adequado têm taxa de mortalidade materna e perinatal menores. Esse efeito está diretamente relacionado ao número de consultas e à idade gestacional do início do pré-natal. O cuidado pré-natal possibilita identificar fatores de risco, para posterior controle ao longo de toda a gestação, bem como diagnosticar precocemente complicações da gravidez (Ministério da Saúde, 2001). Fundamentalmente, os indicadores de avaliação da assistência pré-natal valorizam a captação precoce da gestante e o número de contatos com os serviços de saúde durante a gestação (Tanaka, 1995). Embora, esse indicador esteja sujeito à críticas, uma vez que não traduz as condições de processo aos quais as gestantes foram submetidas, pode ser utilizado como parâmetro inicial das avaliações situacionais. A gravidez é influenciada por múltiplos fatores, desde os de natureza biológica até as características sociais e econômicas da população, além do acesso e qualidade técnica dos serviços de saúde disponíveis para a população (Serruya et al., 2001; Faúndes et al., 1981). Nos países em desenvolvimento, de assistência médica precária, a atenção pré-natal representa, talvez, a única oportunidade para as mulheres receberem assistência médica. Visa primordialmente à preservação da saúde física e mental da grávida e identificação das alterações próprias da gravidez que possam repercutir nocivamente sobre o feto (Belfort, 1987). O pré-natal é amplamente reconhecido como um dos principais determinantes da evolução gestacional normal. Segundo o Programa Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM), do Ministério da Saúde (MS), a assistência pré-natal adequada preconiza o mínimo de seis consultas, garantindo a qualidade e o início precoce do pré-natal (Childhood, 1991). Vários estudos demonstraram que a ausência de assistência pré-natal está associada a maior taxa de mortalidade perinatal. Tem sido constatado que, ao contrário das nações desenvolvidas, onde as perdas perinatais estão relacionadas principalmente a doenças de difícil prevenção, entre estas as malformações congênitas, o deslocamente prematuro de placenta e os acidentes de cordão, nos países em desenvolvimento predominam os óbitos perinatais por afecções passíveis de prevenção ou controle por meio de adequada assistência pré-natal, tais como as síndromes hipertensivas, sífilis congênita e infecções urinárias complicadas (De Lorenzi, 1999; Tanaka, 1995). 7 A preocupação e os cuidados com os eventos que ocorrem durante a gravidez revelam o respeito à cidadania feminina, refletindo assim o grau de desenvolvimento de uma sociedade. A doença não somente tem relação causal com a situação econômica e social dos membros de determinada população, como também os cuidados médicos oferecidos refletem a estrutura desta coletividade, em particular, sua estratificação de classes, o que é claramente refletido nos serviços de saúde brasileiros (Tanaka, 1995). Ciente da importância da atenção pré-natal no resultado perinatal e na redução das taxas de mortalidade materna, o Ministério da Saúde lançou no ano de 2000 o Programa Nacional de Humanização no Pré-Natal e Nascimento, propondo assim parâmetros de desempenho e qualidade de assistência pré-natal, além de disponibilizar incentivos financeiros aos municípios que aderirem a este programa. PARTO Alguns estudos têm tentado correlacionar a incidência de parto por cesárea, segundo as condições sociais da gestante. Camano e Mattar (1983) encontraram incidência de parto por cesárea mais elevada em pacientes pagantes do que em não pagantes, o que foi confirmado por Cai et al (1998). Yazlle Rocha et al (1985) estudaram retrospectivamente 36.956 casos de partos hospitalares na cidade de Ribeirão Preto, SP, ocorridos nos anos de 1978 a 1981, período no qual se instituiu no sistema previdenciário o mesmo pagamento, tanto para o parto por via vaginal quanto por cesárea. Confirmaram a existência de um gradiente de incidência de cesáreas, ou seja, incidência maior nas pacientes de melhor nível sócioeconômico e menor naquelas de pior condição social. Esses autores afirmam que a mudança na forma de pagamento da assistência ao parto não diminui a incidência de cesáreas e sugerem que a diferença entre as modalidades assistenciais ao parto conduz a diferentes padrões de assistência, interferindo na incidência de cesáreas. Barros et al (1986) estudaram a assistência pré-natal e ao parto prestada a mais de 7 mil mulheres em Pelotas, RS, classificadas como sendo de baixo e alto risco e de alto e baixo ingresso. Assinalam que os médicos concentram seus esforços nas pacientes de baixo risco e alto ingresso, destacando a incidência de 50% de cesáreas nas pacientes particulares e de 13% nas mulheres sem seguro saúde. Faúndes & Cecatti (1991) estudaram a proporção de cesáreas entre os partos assistidos pela Previdência Social no Brasil, de 1970 a 1980. Relataram que a incidência é maior nas capitais do que nas cidades do interior, nas macro-regiões mais ricas do País e entre as famílias de renda mais elevada; e consideraram que os fatores socioculturais, institucionais, legais e a organização da assistência obstétrica podem interferir nesse processo. Gentile et al (1997) compararam os partos ocorridos em nove maternidades privadas do Rio de Janeiro, entre 1968 e 1993, e verificaram que houve aumento significativo de cesáreas, apesar de terem sido igualados os honorários médicos para o parto por cesárea e por via vaginal. Sugerem os citados autores que não é a forma de remuneração da assistência ao parto, isoladamente, que interfere no índice de cesáreas, mas sim uma série de variáveis que podem influenciar no tipo de contrato que se estabelece entre a paciente e o médico. O SUS no período de 1995 à 2000, implantou várias medidas na área de obstetrícia. Em maio de 1998, foram estabelecidos que os procedimentos de parto normal poderiam ser feitos com anestesia. Foi dado um reajuste geral do valor pago pelo parto e além disso, foi criado o Sistema de Referência para Gestação de Alto Risco, constituído por maternidades 8 que acompanham as parturientes com algum tipo de complicação (diabetes e hipertensão, por exemplo). Estes hospitais passaram a receber adicional de 25% ou 50% sobre os valores de tabela dos procedimentos realizados. Também foi incluído no sistema o parto realizado por enfermeiro obstetra. A variação do valor do parto normal, no período, foi de 162,63%, passando de R$ 114,23, em janeiro de 1995, para R$ 300,00 atualmente (Ministério da Saúde, 20001). Ao lado disso, busca-se incentivar o parto normal, porque a taxa de cesarianas no Brasil era muito alta. Foi instituído limite para percentual de cesarianas em relação aos partos normais, pela Portaria do Gabinete do Ministro nº 2.816, de 29 de maio de 1998, que estabelecia um limite máximo e um cronograma de redução de taxas de cesariana por instituição prestadora de serviços. Posteriormente, esse limite máximo passou a ser fixado pelos estados. (Ministério da Saúde, 2001). No período de agosto de 1998 a junho de 2000, foram investidos cerca de R$ 100 milhões para treinamento de médicos e enfermeiros e para aquisição de equipamentos para berçário e UTI, atingindo 256 hospitais que fazem parte do Sistema de Referência para Gestação de Alto Risco. Em junho de 2000, foi implantado o programa de Humanização da Assistência ao Parto, com a destinação de R$ 567 milhões para os seguintes custeios e investimentos: Incentivo à assistência pré-natal, para que os municípios realizem o acompanhamento do pré-natal completo e o cadastramento das gestantes; Nova sistemática de pagamento da assistência pré-natal, que visa melhorar as condições de custeio da assistência ao parto nos hospitais da rede do SUS; Organização, regulação e investimentos em assistência obstétrica e neonatal, que visa dar condições técnicas, financeiras e operacionais para incrementar a qualidade assistencial e a capacidade instalada das áreas obstétrica e neonatal de hospitais públicos e filantrópicos da rede SUS. (Ministério da Saúde, 2001). No período 1995-2000, no Brasil, ocorreu uma queda acentuada no número de partos realizados pelo SUS, da ordem de 18%. Esta queda se deu, principalmente na região Sul, com cerca de 24% de redução. A região Norte contribuiu com uma redução de 2,9%. A queda é abrupta de 1995 para 1996, com diminuição de cerca de 300.000 partos, sendo que nos outros cinco anos, a queda foi em torno de 240.000 partos. Questões como a queda da fecundidade, migração para a saúde suplementar e aumento da potência do controle e avaliação poderiam ser algumas das explicações para o fato, porém não as únicas. (Ministério da Saúde, 2001). Em relação à taxa de cesárea pelo SUS no Brasil, observamos uma redução, no período, na ordem de 26,5%, situando-se em torno de 23,8% no ano 2000. Essa queda se acentua a partir de 1998 com a entrada, em vigor, da Portaria Ministerial estabelecendo limite de cesariana por Unidade Prestadora. Posteriormente, esse limite máximo passou a ser fixado por estados e municípios. Sabe-se que, no Rio Grande do Sul, a ocorrência de partos dá-se em ambiente hospitalar, portanto a avaliação das condições de assistência, nesse momento, pode servir de subsídio na formulação de políticas de saúde específicas para o grupo materno-infantil. 9 2. Objetivos Geral: 1- Avaliar a adequação das condições do pré-natal e as características de parto das mulheres gestantes de 20 a 49 anos, nos últimos 12 meses, residentes no município de São Leopoldo/ RS. Específico: 1 – Avaliar as condições do programa pré-natal. 2- Avaliar as características e condições de parto nos últimos 12 meses, das mulheres pesquisadas. 3. Metodologia 3.1. Delineamento Será realizado um estudo transversal de base populacional com mulheres de 20 a 60 anos residentes na zona urbana de São Leopoldo/RS, que estiveram grávidas e tiveram trabalho de parto no último ano. 3.1.1. Caracterização do Município de São Leopoldo A cidade de São Leopoldo fica situada na Região do Vale do Rio dos Sinos, no Estado do Rio Grande do Sul. No último censo demográfico, tinha 193.547 habitantes, sendo que deste total, 98.781 são mulheres (51,07%). O município conta na sua estrutura de serviços públicos de saúde com um hospital geral (Hospital Centenário) e 28 postos de saúde, sendo que destes, 11 unidades realizam o pré-natal (Prefeitura de São Leopoldo, 2003). 3.2. Amostragem Foi planejado um estudo transversal de base populacional com objetivo de caracterizar as condições de saúde das mulheres residentes na zona urbana de São Leopoldo. O estudo investigará diversos desfechos, entre eles, aqueles relacionados com as condições de cuidados de pré-natal e assistência ao momento do parto. Estimou-se a amostra a partir de diferentes desfechos previstos neste projeto, escolhendo-se aquele com maior número de indivíduos. Calculou-se um tamanho de amostra que permitisse identificar uma razão de risco de 2,0, para um nível de confiança de 95,0%, de um poder estatístico de 80,0%, mantida a razão de não expostos:expostos de 1:3 segundo distribuição de classe social. Portanto, optou-se por um tamanho de amostra que permitisse estudar diabetes mellitus: 1086 pessoas. Considerando-se a necessidade de aumentar o tamanho da amostra em 10 10,0% devido a possíveis perdas e 15,0% para controlar fatores de confusão na análise dos dados, será necessário um total de 1358 pessoas. Ao se conhecer, o número de pessoas necessárias para a amostra (1358), a média de pessoas por domicílio na cidade de São Leopoldo (3,56), assim como a proporção da população mulheres na faixa etária de interesse (30,0%), estimou-se que 1.440 domicílios serão visitados (Barros e Victora, 1991). Foi realizada uma amostra por conglomerados, onde 40 setores censitários serão sorteados entre os 270 existentes na zona urbana da cidade de São Leopoldo. Em cada conglomerado será sorteado o quarteirão para iniciar a pesquisa e, a seguir, a esquina a partir da qual será identificado o domicílio onde será iniciada a coleta de dados, iniciando-se pela esquerda de quem está de costas para a casa inicial e mantendo-se o sentido anti-horário, sendo que o domicílio seguinte não será visitado (pulo), e o próximo entra na seleção. Serão visitados 36 domicílios, onde resida uma pessoa do sexo feminino na faixa etária especificada. Se ao completar o quarteirão não houver o número suficiente de casas, o entrevistador percorrerá outro quarteirão do setor, seguindo sorteio prévio. 3.3. Instrumentos Está sendo utilizado um questionário padronizado e pré codificado, e manual de instruções. 3.3.1. VARIÁVEIS Desfechos: - Adequação do pré-natal em relação à data de início e número de consultas: mês gestacional de início do pré-natal e quantidade de consultas - Local de realização do pré-natal: posto de saúde ou consultório médico particular - Local do parto: hospitalar ou domiciliar, no próprio município ou fora dele - Tipo de parto: parto normal ou cesariana. - Profissional que realizou o parto: médico ou enfermeiro - Presença do Pediatra em sala de parto: pediatra estava presente na sala no momento do parto? Variáveis independentes: Serão investigadas variáveis relacionadas à acumulação de bens materiais e anos de escolaridade para determinação da classe social (A, B, C, D ou E), segundo classificação da Associação Brasileira de Institutos de Pesquisa de Mercados (ABIPEME) (Rutter 1988). As outras variáveis socioeconômicas a serem estudadas serão renda familiar em salários mínimos e se a gestante tem trabalho remunerado. Será investigada também a presença de doenças crônicas não transmissíveis, incluindo diabetes mellitus, hipertensão arterial sistêmica e distúrbios psiquiátricos menores. Definiu-se 11 hipertensão arterial sistêmica por pressão arterial 160/95 mmHg (média de duas medidas), ou o uso atual de medicação anti-hipertensiva. Identificou-se diabetes a partir da história de diagnóstico médico prévio. Utilizou-se o Self Report Questionnaire (SRQ-20) para identificar distúrbios psiquiátricos menores, adotando-se ponto de corte 7 para as mulheres (Mari e Williams 1986). Condições demográficas (faixa etária, cor da pele e estado civil), assim como número de partos anteriores e número de filhos também serão analisados. Serão aferidos peso (kg) e altura (m) para cálculo do índice de massa corporal (IMC, calculado como kg/m2). Indivíduos com IMC variando entre 25,0 e 29,9 kg/m2 serão considerados com sobrepeso e aqueles com IMC 30 kg/m2 serão classificados como obesos (World Health Organization, 1997). 3.4. Seleção e treinamento dos entrevistadores A seleção dos entrevistadores foi feita pela comissão de professores do Curso de Mestrado em Saúde Coletiva da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos. Todos os entrevistadores serão acadêmicos da Unisinos. Os entrevistadores não serão remunerados, mas receberão certificados de participação que contará como carga horária de atividade extracurricular. Todos receberão treinamento sobre os questionários, as medidas que deverão ser aplicadas e o mapeamento dos setores. 3.5. Estudo-piloto Será realizado estudo piloto em outro setor censitário não incluído no plano amostral. O estudo piloto terá como objetivo testar os instrumentos, treinar o pessoal na coleta de dados e na codificação. O estudo piloto não ficará limitado à aplicação do questionário, uma vez que, também neste período ocorrerão os processos de codificação, entrada de dados e análise inicial. 3.6. Material Os materiais utilizados na pesquisa serão: lápis, borracha, caneta, apontador, pranchetas, pastas, papel para impressão do questionário, crachá de identificação, jalecos, bolsas, cartões de encaminhamento ao laboratório, balança, fita métrica, estetoscópio, esfigmomanômetro, estadiômetro, adipômetro, fita adesiva dupla face, lápis de maquiagem para marcação da cintura. 3.7. Processamento e análise dos dados A entrada dos dados será realizada através do Programa Epi-Info, em dupla entrada e posterior comparação, para se eliminar a probabilidade de erros de digitação. As análises uni e bivariada dos dados serão realizadas através do Programa SPSS. Nessa fase, serão calculadas as razões de prevalências , os intervalos de confiança e serão selecionadas as variáveis para a análise multivariada, através de regressão logística, de acordo com modelo hierarquizado. 12 3.8. Controle de qualidade O controle de qualidade será realizado aplicando-se questionários simplificados a 10% da amostra. A codificação e a entrada de dados, através do Programa Epi-Info, será realizada duas vezes, para diminuir a probabilidade de erros. 3.9. Aspectos éticos O instrumento de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade Federal de Medicina de Pelotas. Será garantido aos participantes, sigilo dos dados. Se qualquer anormalidade for detectada durante a aplicação dos instrumentos será sugerido ao participante que procure cuidados de saúde. 4. Divulgação dos resultados Os resultados da pesquisa serão divulgados em forma de artigo e oportunamente à comunidade que participará do estudo, para que tomem conhecimento das informações e análises. 13 5. Modelo Hierarquizado de análise para fatores preditores de Pré-parto e Parto Variáveis Demográficas Idade Cor da pele Estado Civil Variáveis Obstétricas Partos Abortos Nº de Filhos Variáveis Socioeconômicas Escolaridade Renda Classe social Trabalho remunerado Presença de doenças crônicas HAS Diabetes mellitus Distúrbios psiquiátricos menores Obesidade Adequação do Prénatal 14 6. Bibliografia Administrative Commitee of Coordination (ACC). Guilding Principles for the Desing and Use of Monitoring and Development in Rural Development Projects and Programmes. TEAD: Roma, 1984 Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (ABRASCO). A epidemiologia nos serviços de saúde. Informe Epidemiológico do SUS 1997; 6(3):7-14. Backett EM, Davies AM, Petros-Barvasian A. 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