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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL
MARIVÂNIA DE MELO MOURA
CULTURA POLÍTICA, VOTO E ELEIÇÃO EM SÃO LUÍS DO MARANHÃO:
uma análise do pleito de 2010
São Luís
2013
1
MARIVÂNIA DE MELO MOURA
CULTURA POLÍTICA, VOTO E ELEIÇÃO EM SÃO LUÍS DO MARANHÃO:
uma análise do pleito de 2010
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em
História Social do Centro de Ciências Humanas da
Universidade Federal do Maranhão como requisito parcial
para a obtenção do título de Mestre em História Social.
Orientadora: Dra. Regina Helena Martins de Faria.
São Luís
2013
2
Moura, Marivânia de Melo.
Cultura política, voto e eleição em São Luís do Maranhão: uma análise do pleito de
2010. / Marivânia de Melo Moura. – 2013.
120 f.
Impresso em computador (Fotocópia)
Orientadora: Regina Helena Martins de Faria.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Maranhão, Programa de PósGraduação em História Social, 2013.
1. Eleição – Aspecto Social – São Luís-MA 2. Cultura Política 3. Voto I. Título.
CDU: 316:324(812.1)
2
MARIVÂNIA DE MELO MOURA
CULTURA POLÍTICA, VOTO E ELEIÇÃO EM SÃO LUÍS DO MARANHÃO:
uma análise do pleito de 2010
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em
História Social do Centro de Ciências Humanas da
Universidade Federal do Maranhão como requisito parcial
para a obtenção do título de Mestre em História Social.
Aprovada em: ___/____/____
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________________
Profa. Dra. Regina Helena Martins de Faria (Orientadora)
Doutora em História
Universidade Federal do Maranhão
_____________________________________________________
1º Examinador
Universidade Federal do Maranhão
_____________________________________________________
2º Examinador
Universidade Federal do Maranhão
3
Aos meus alunos da escola pública, um dos
sujeitos mais prejudicados com as práticas
oligárquicas reinantes no Estado do Maranhão.
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AGRADECIMENTOS
A realização desse trabalho faz parte do desejo acalentado há algum tempo, de dar
continuidade à minha formação acadêmica, pois estudar sempre foi uma forma de dar sentido
ao mundo social e ao meu próprio mundo, em particular. Por isso, agradeço aos professores
do Departamento de História que se empenharam na aprovação do Programa de PósGraduação em História Social, permitindo-me participar de sua primeira turma como
mestranda. Em especial, à professora Regina Faria por aceitar a tarefa de ser minha
orientadora, sou muito grata a seus ensinamentos querida!
Também quero fazer um agradecimento especial ao professor Wagner Cabral da
Costa, que mesmo ocupado com sua tese de doutoramento aceitou o convite para ser coorientador desta pesquisa; sem suas dicas e seu arquivo documental este trabalho não teria
sido possível.
Aos professores que ministraram as aulas no mestrado, obrigada por
compartilharem suas experiências de forma simples, sem a tão detestável arrogância do
mundo acadêmico, divertir-me muito com as leituras e discussões proporcionadas pelos
doutores Alexandre Navarro, Josenildo Pereira, Maria Isabel Oliveira, Antonia Mota, Lyndon
Santos e Regina Faria.
Quero agradecer aos colegas de turma pelas discussões em sala de aula e pela
amizade construída nessa jornada de leituras, escrita e angústias divididas, em especial a
Deborah, Claúdio, Iramir, Gonçalo, Míriam e Daylana.
À minha prima Naruna Melo e à minha filha Sophia Moura, obrigada meninas,
por terem agüentado minha chatice em casa; tenho aprendido coisas muito interessantes com
essas duas adolescentes lindas.
Às minhas queridas amigas e ex-alunas (já mestras) Jeane Carla de Melo e Rita
Nascimento, que me ajudaram a montar o pré-projeto de pesquisa com o qual fui aprovada na
seleção do mestrado, obrigada queridas, vocês são ótimas professoras!
Agradeço a todos os membros da comunidade daimista Centro de Iluminação
Cristã Estrela Brilhante, com quem participei de fantásticas experiências de expansão da
consciência, sempre com muita seriedade, respeito às leis brasileiras e foco na busca
espiritual.
E a todos meus amigos e amigas, novos e antigos, que sempre estiveram na
torcida para que eu terminasse esse trabalho. Obrigada ao Cosmo, por ter colocado pessoas
muito especiais na minha jornada de aprendiz do bem viver.
5
"A história é tanto criação consciente como
repetição inconsciente".
Cornelius Castoriadis
6
RESUMO
Análise da eleição estadual de 2010, tendo como referência os jornais O Estado do
Maranhão e Jornal Pequeno, vistos como campo de lutas simbólicas e expressão de práticas
sociais por meio das quais manifestam pontos de vistas e projetos políticos distintos para o
Estado do Maranhão. Utiliza-se a categoria de cultura política para investigar motivações e
valores que nortearam o voto de professores do Liceu Maranhense a fim de explorar
elementos constitutivos da cultura política predominante em São Luís do Maranhão. Pretendese explicar a vitória do grupo Sarney na capital do Estado, vista pelas oposições como
oponente ao domínio desse grupo político.
Palavras-chave: Cultura política. Voto. Eleição.
7
RÉSUMÉ
Analyse de l'élection d'état 2010 en prenant comme référence les journaux ‘O Estado do
Maranhão’ et ‘O Jornal Pequeno’, vus comme le champ de luttes symboliques et l'expression
des pratiques sociales par lesquels s’expriment les opinions et les différents projets politiques
pour l'État du Maranhão. Nous utilisons la catégorie de la culture politique pour enquêter sur
les motivations et les valeurs qui ont orienté le vote des professeurs du ‘Liceu Maranhense’
afin d'explorer les éléments constitutifs de la culture politique qui prévaut à São Luis do
Maranhão. Nous voulons expliquer la victoire du groupe Sarney dans la capitale de l'Etat, et
comment elle est vue par l’opposition comme adversaire à la domination de ce groupe
politique.
Mots-clés: culture politique - vote - élection
8
LISTA DE FIGURAS
Figura 1
- O progresso e a revolução do Maranhão......................................................
45
Figura 2
- “Viagem caça-votos” ...................................................................................
46
Figura 3
- “A nova fase” do Maranhão .........................................................................
47
Figura 4
- Estrela da Campanha ...................................................................................
68
Figura 5
- Mapa das zonas eleitorais de São Luís (MA) ..............................................
74
Figura 6
- Captação ilícita de votos ..............................................................................
81
9
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1
- Votação para governador do Maranhão de 1982 a 2010 (% dos
candidatos mais votados por partidos) ....................................................
Gráfico 2
- Votação de Epitácio Cafeteira em São Luís no período de 1982 a 2006
(em % por cargo eletivo). ........................................................................
Gráfico 3
40
- Pesquisas para Governador do Maranhão, estimulada no 1º turno do
ano de 2010. ............................................................................................
Gráfico 12
39
- Distribuição de abstenção eleitoral no Brasil e no Maranhão no período
de 1994-2010. ..........................................................................................
Gráfico 11
38
- Votação de Flávio Dino em São Luís de 2006-2010(% dos candidatos
mais votados por partidos). .....................................................................
Gráfico 10
37
- Votação para Senador em São Luís de 1982-2010(% dos candidatos
mais votados por partidos). .....................................................................
Gráfico 9
36
- Votação de João Castelo em São Luís de 1982 a 2012 (em % por cargo
eletivo). ....................................................................................................
Gráfico 8
35
- Votação de Roseana Sarney em São Luís de 1994 a 2010 (em % por
cargo eletivo). ..........................................................................................
Gráfico 7
35
- Votação de Jackson Lago em São Luís de 1985 a 2010 (em % por
cargo eletivo). ..........................................................................................
Gráfico 6
32
- Votação para Prefeito em São Luís no período de 1985 a 2012 (% dos
candidatos por partidos). .........................................................................
Gráfico 5
31
- Votação para Governador em São Luís no período de 1982 a 2010
(candidatos mais votados por partidos). ..................................................
Gráfico 4
29
55
- Taxa de rejeição do eleitorado para o ex-governador Jackson Lago na
disputa eleitoral de 2010..........................................................................
77
10
LISTA DE QUADROS
Quadro 1
- Zonas Eleitorais de São Luís .................................................................
Quadro 2
- Convênios efetivados de forma irregular entre o governo estadual e as
75
prefeituras municipais do Maranhão .......................................................
83
Quadro 3
- Ranking do IDH dos Estados Brasileiro em 2005 ..................................
89
Quadro 4
- Dados dos professores ............................................................................
100
Quadro 5
- Voto dos docentes para governador ........................................................
101
11
LISTA DE TABELAS
Tabela 1
- Taxas de analfabetismo por faixa etária e cor no Estado Maranhão/ano
2009. ..........................................................................................................
Tabela 2
- Número de Pessoas que não sabem ler e escrever em São Luís do
Maranhão ...................................................................................................
Tabela 3
72
- Distribuição de votos por candidato a governador nos Municípios de
Imperatriz, Timon, Pedreiras, Balsas, Santa Inês e Caxias .......................
Tabela 6
72
- Distribuição de votos por candidato a governador no 2º turno das
eleições estaduais de 2006 no Município de São Luís ..............................
Tabela 5
41
- Distribuição de votos por candidato a governador no 1º turno das
eleições estaduais de 2006 no Município de São Luís ..............................
Tabela 4
41
73
- Resultado do 1º turno da eleição de 2010 das zonas eleitorais de São
Luís ............................................................................................................
76
12
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................13
1
TRAÇOS DE UMA CULTURA POLÍTICA BRASILEIRA .......................................19
1.1 Heranças culturais ............................................................................................................19
1.2 A conjuntura política do Maranhão no tempo presente ...............................................24
2
ELEIÇÕES EM SÃO LUÍS: uma análise das estatísticas ...............................................29
2.1 O grupo Sarney na última eleição ...................................................................................29
2.2 O comportamento da “Ilha Rebelde” nas eleições .........................................................34
2.3 Abstenção no Maranhão...................................................................................................40
3
A ELEIÇÃO ESTADUAL DE 2010: os principais candidatos na imprensa
escrita ..................................................................................................................................43
3.1 A retórica da campanha política .....................................................................................43
3.2 Perfil dos candidatos .........................................................................................................57
3.3 O apoio do PT (Partido dos Trabalhadores) à candidata da oligarquia: uma
nova fase política? ...............................................................................................................
65
4
A ELEIÇÃO ESTADUAL DE 2010: um confronto na imprensa ....................................69
4.1 O Estado do Maranhão x Jornal Pequeno .......................................................................69
4.2 Denúncias de crimes eleitorais no jornal oposicionista .................................................78
4.3 A “Lei do Cão” e o desencanto dos professores com Jackson L Reação da
sociedade civil aos casos de abuso de poder político e econômico ................................81
5
A ELEIÇÃO ESTADUAL DE 2010: A Cultura Política de Professores ........................85
5.1 A memória histórica do político José Sarney .................................................................86
5.2 A internalização da cultura política oligárquica ............................................................90
5.3 A “Lei do Cão” e o desencanto dos professores com Jackson Lago .............................93
5.4 O perfil dos professores entrevistados ............................................................................99
6
106
CONCLUSÃO ...................................................................................................................
.............................................................................................................................................
REFERÊNCIAS .................................................................................................................
109
APÊNDICE .........................................................................................................................
118
13
INTRODUÇÃO
O presente trabalho é uma tentativa de compreensão da eleição de 2010 a partir
das representações contidas nos jornais O Estado do Maranhão e Jornal Pequeno. Propõe-se
uma investigação acerca da cultura política de São Luís, destacando a participação de
professores do Centro de Ensino Liceu Maranhense, como atores do processo de escolha do
governante estadual. Nesse sentido, pretende-se analisar essa disputa eleitoral e apresentar
explicações para a vitória da candidata Roseana Sarney Murad na cidade de São Luís e
circunvizinhanças, locais que, em outros pleitos eleitorais, foram reduto da oposição aos
candidatos do grupo Sarney. Para analisar o resultado da eleição em questão, opera-se com o
conceito de cultura política, entendido, na perspectiva da atual história política, como um
[...] conjunto de valores, tradições, práticas e representações políticas partilhado por
determinado grupo humano, que expressa identidade coletiva e fornece leituras
comuns do passado, assim como fornece inspiração para projetos políticos
relacionados ao futuro (MOTTA, 2009, p. 28).
A respeito desse conceito, Hunt (2007) esclarece como e porque nasce uma
determinada cultura política. Sugere que depende de como as sociedades resolvem seus
problemas diante das grandes crises estruturais. Em estudo sobre a cultura política
revolucionária francesa, a autora assevera que “[...] as origens do republicanismo democrático
e revolucionário têm de ser buscadas na cultura política, onde todos os elementos da
organização política se juntam” (HUNT, 2007, p. 272). Retornando-se ao Maranhão,
compreende-se que, nesse estado, o predomínio de determinados grupos políticos relaciona-se
a regras e valores enaltecedores de uma cultura política oligárquica e clientelística.
A noção de oligarquia que aqui está sendo usada é de um poder político
concentrado nas mãos de um restrito grupo de pessoas, ligadas entre si por vínculos de sangue
ou de interesses, que gozam de privilégios particulares, servindo-se de todos os meios que o
poder pôs ao seu alcance para conservá-los, inclusive, fazendo uso da dominação
patrimonialista do Estado para favorecer economicamente os interesses particulares do grupo
(BOBBIO, 2010; CAMPANTE, 2003).
Torna-se necessário, portanto, questionar o imaginário político dessa sociedade.
De acordo com Castoriadis (2002), o imaginário social está no campo do simbólico, é obra do
imaginário anônimo coletivo, que institui um poder constituinte, ao qual se liga a noção do
político. Desse modo, a sociedade e os poderes nela constituídos são construções do
imaginário social. Para este autor, os poderes constituídos, incluindo o político, fundamentam-
14
-se não essencialmente sob coerção, pois há um mínimo de adesão, mesmo que seja de uma
parte da população. Assim, “[...] representações e imaginários misturam-se, e a sua análise
permite apreender melhor os fenômenos de legitimidade, tão determinantes para o historiador
do político quanto os mecanismos e processos de estabelecimento de uma legalidade”
(SIRINELLI, 1998, p. 416).
Desse modo, o poder político se expressa também através da dominação
simbólica, de lutas simbólicas e de representações que os indivíduos ou os grupos têm do
mundo social, classificando-o a ponto de dar sentido à realidade social, percebida através de
signos “que visam a fazer reconhecer uma maneira própria de estar no mundo, a significar um
estatuto, uma ordem, um poder” (CHARTIER, 2002, p. 169).
A temática trabalhada insere-se no que está sendo chamada história do tempo
presente. De acordo com Certeau (1982), o que interessa na investigação histórica é “a
particularidade do lugar social” de onde fala o pesquisador, suas escolhas metodológicas e sua
intenção ao produzir um texto de história. Sem a pretensão filosófica de “descobrir a
verdade”, o trabalho de pesquisa historiográfica revela a subjetividade do autor e seu modo
específico de intervir na realidade social. A escrita historiográfica, a partir dessa perspectiva,
é uma prática social, com a qual se promove uma intervenção crítica nos modelos
socioculturais existentes nas sociedades, desmascarando os poderes constituídos como
fatalidades naturais existentes desde sempre. O texto histórico é, portanto, “[...] uma
arquitetura estável de elementos, de regras e de conceitos históricos” (CERTEAU, 1982, p.
94); apresenta, através da narrativa, um discurso de conteúdo verossímil e nem sempre se
dedica a um passado remoto, podendo ser uma análise do tempo presente, do tempo em que
vive o historiador seja como cidadão, ator ou espectador. Sendo assim, a nova história do
político se constitui na vanguarda da história do presente, donde aquele que escreve a história
é testemunha e historiador ao mesmo tempo, pois está em relação direta com seu tema
(TÉTART; CHAUVEAU, 1999).
Para Sirinelli (1998, p. 78), “[...] o historiador, qualquer que seja sua especialidade
cronológica, bebe em seu presente e, longe de pensar que ‘é de nenhum tempo e, país
nenhum’, ele sabe que está ligado por múltiplas fibras a seu tempo e à sua comunidade à qual
pertence”. Os historiadores de hoje não se angustiam mais numa busca obsessiva pela dupla
objetividade/neutralidade no campo da pesquisa, pois o que conta é o profissionalismo
ancorado nas regras do método e do rigor, que devem ser levadas em consideração acerca de
todas as épocas estudadas. Na tentativa de construir este texto como uma narrativa
15
historiográfica, recorre-se às lições metodológicas do medievalista Le Goff (1999, p. 101),
que faz as seguintes recomendações para a história do tempo presente:
Ler o presente atentamente, com uma profundidade histórica suficiente e pertinente;
Manifestar-se quanto a suas fontes o espírito crítico de todos os historiadores
segundo os métodos adaptados a suas fontes;
Não se contentar em descrever e contar, mas esforçar-se para explicar;
Tentar hierarquizar, distinguir o incidente do fato significativo e importante, fazer do
acontecimento algo integrado à longa duração e a uma problemática na qual todos os
historiadores de ontem se reúnam.
Ademais, “[...] o historiador do presente está preocupado com o peso esmagador
do passado, às vezes remoto, no qual se situa o princípio de toda explicação histórica”
(MILZA; BERNSTEIN, 1999, p. 40). Entende-se, então, que a história do presente é, antes de
tudo, história, e que o historiador deve buscar conhecer as estruturas a fim de compreender
por quais processos chegou-se a uma determinada situação presente.
Nesse aspecto, interessa fazer uma análise histórica, que identifique o que
permanece e o que muda com o passar do tempo nas práticas políticas em São Luís; ver as
possíveis relações entre a conjuntura do tempo presente e as estruturas de longa e média
duração que concernem à própria formação da sociedade brasileira e suas heranças coloniais.
O fato de ter a eleição estadual de 2010 como objeto de estudo, não restringe a
análise ao efêmero, pois a cultura política praticada nessas paragens remonta a valores e
tradições arraigadas no imaginário, fruto de nossas raízes ibéricas, como assevera Holanda
(2004). No Maranhão, ainda são muito presentes as relações de amizade, os laços familiares e
os interesses particulares no trato da “coisa pública”, em que o personalismo constitui o
núcleo básico da política juntamente com o mandonismo e a herança patriarcal. Personalismo
que está evidenciado na nomeação de 161 escolas públicas com o sobrenome Sarney, segundo
matéria do jornalista Chico Otávio (2012), publicada no jornal O Globo. Essas práticas
políticas estiveram presentes no período colonial, no Império e ainda sobrevivem na
República, tornando a experiência democrática um vir a ser, uma aspiração política, no
sentido da inclusão das camadas sociais no plano político-social. A cultura política vigente,
portanto, vai além da ação política, integrando-se a uma perspectiva multidimensional,
cruzando o tempo curto do acontecimento com uma análise mais estrutural dos fenômenos
retidos no tempo.
Diante do exposto, e com base em Bédarida (1998, p. 151), afirma-se ser a função
do historiador, esclarecer os acontecimentos e fornecer elementos capazes de explicar e
compreender as diversas facetas da vida social. No entanto, neste ofício, “[...] toda busca da
16
verdade está ligada a um corpo de valores que representa a interface entre história e ética”.
Isso porque a interpretação histórica depende de um sistema de referência no qual se admite a
subjetividade do pesquisador na elaboração de suas perguntas e conjecturas.
Porém não se pode pensar a escrita da História sem uma metodologia, pois os
fatos não se impõem ao historiador, nem as fontes falam por si mesmas. Na tessitura da
História, segundo Albuquerque Júnior (2007), é preciso o suporte dos documentos, das
ferramentas oferecidas pela cultura historiográfica, dos conceitos que ajudam o historiador a
escrever sua narrativa, sua versão dos fatos. Para a concretização desse estudo, adota-se o
caminho oferecido pela análise de discurso, a partir das matérias dos jornais O Estado do
Maranhão e Jornal Pequeno, além das falas dos professores do Centro de Ensino Liceu
Maranhense. Esse viés metodológico concebe “[...] a linguagem como mediação necessária
entre o homem e a realidade natural e social. Essa mediação, que é o discurso, torna possível
tanto a permanência e a continuidade quanto o deslocamento e a transformação do homem e
da realidade em que ele vive” (ORLANDI, 2003, p. 15). Desse modo, o discurso pronunciado
ou escrito traz poderes e perigos que mal se imagina, pois, na perspectiva de Foucault (2004),
toda produção discursiva é controlada, selecionada e organizada por certo número de
procedimentos a fim de conjurar seus poderes e perigos.
Para aqueles que se dedicam ao tempo presente, “[...] ao encontro com seres de
carne e osso que são contemporâneos daquele que lhes narra as vidas” (CHARTIER, 2006, p.
48), a metodologia da historia oral oferece a possibilidade de produzir seu próprio arquivo por
meio do registro de depoimentos orais concedidos em entrevistas. Nesta pesquisa faz-se uso
de entrevistas temáticas, com o objetivo de identificar: como os professores e as professoras
do Liceu Maranhense vêem suas práticas políticas em relação à eleição de 2010; como
receberam as imagens dos candidatos representadas pelos jornais O Estado do Maranhão e
Jornal Pequeno, na época da campanha eleitoral em questão e que elementos da cultura
política teriam sido decisivos na escolha que fizeram dos candidatos. Aos docentes
escolhidos, entregou-se uma ficha de identificação (ver apêndice A), a fim de colher dados
sociográficos, antes da realização de entrevistas temáticas aberta.
A utilização da “palavra-fonte”, alerta Voldman (2006, p.37), requer uma série de
cuidados, pois “[...] a entrevista é um jogo de esconde-esconde entre o historiador e seu
interlocutor”, em que o primeiro representa “‘aquele que sabe’ ou saberá e o segundo possui a
força e a convicção ‘daquele que viveu’”. E continua ensinando:
17
[...] quando realiza entrevistas, certamente o historiador deve trabalhar segundo suas
técnicas próprias, mas também deve ter em mente dois outros procedimentos,
tomados de empréstimos a disciplinas vizinhas: por um lado, servir-se das
contribuições da sociologia na condução e na formação das pesquisas; por outro, não
negligenciar elementos de psicologia, psicossociologia e psicanálise (VOLDMAN,
2006, p. 37-38).
Nessa perspectiva dialética, foram utilizadas fontes escritas (particularmente os
dois jornais mencionados), os depoimentos orais, além de dados eleitorais referentes às
eleições em São Luís e em todo Maranhão, para avaliar que elementos da cultura política
direcionaram a ação do eleitorado diante do último daqueles processos eleitorais.
Apoiada por esse aparato teórico e metodológico, construiu-se um itinerário de
investigação no qual se analisa, no primeiro capítulo, como foram constituídos os traços de
uma cultura política brasileira, forjada pelas experiências de um passado que ainda se faz
presente nas práticas políticas e sociais. Analisa-se, nesse capítulo, a conjuntura da política
maranhense a partir de outros estudos que contemplam a situação da dominação oligárquica e
suas crises internas.
No segundo capítulo, o foco é a análise das estatísticas eleitorais referentes ao
desempenho do grupo Sarney nas últimas eleições, com destaque para o comportamento
eleitoral da cidade de São Luís, que, mesmo sendo denominada pelas oposições de “Ilha
Rebelde”, apresenta seus momentos de conservadorismo político ao eleger representantes
vinculados a uma prática política oligárquica. Verifica-se, ainda, os altos índices de abstenção
nas eleições.
No terceiro capítulo, destaca-se o modo como os três principais candidatos
daquele pleito eleitoral - Roseana Sarney, Flávio Dino e Jackson Lago - foram apresentados
ao eleitorado de São Luís por meio de dois periódicos diários de circulação local: O Estado do
Maranhão e o Jornal Pequeno. A escolha de O Estado do Maranhão justifica-se por ser este
jornal um veículo pertencente ao grupo Sarney, que tradicionalmente enaltece os candidatos
de seu grupo em detrimento dos oposicionistas. Já o Jornal Pequeno foi escolhido por seu
posicionamento de ferrenho opositor ao grupo Sarney. Estes periódicos ocupam importante
lugar social nas disputas políticas do estado, tornando-se porta-vozes de projetos políticos
distintos, indo além da simples divulgação de informações acerca dos fatos ocorridos.
Utilizando-os como fontes documentais, atenta-se às recomendações de Luca (2012, p. 140)
para
18
[...] a importância de se identificar cuidadosamente o grupo responsável pela linha
editorial, estabelecer os colaboradores mais assíduos, atentar para a escolha do título
e para os textos programáticos, que dão conta de intenções e expectativas, além de
fornecer pistas da leitura do passado e do futuro compartilhada por seus
propugnadores. Igualmente importante é inquirir sobre suas ligações cotidianas com
diferentes poderes e interesses financeiros [...].
Levando em consideração essas questões, objetiva-se apreender, no discurso
apresentado nos textos e nas imagens veiculadas nos jornais, as representações construídas de
Roseana Sarney Murad, Flávio Dino de Castro e Jackson Kepler Lago, na campanha eleitoral
para o governo estadual de 2010.
No quarto capítulo, a disputa eleitoral é apresentada como um confronto travado
na imprensa escrita. O Estado do Maranhão apresenta, na pré-campanha de 2010, a aceitação
de Roseana Sarney em São Luís, de modo a colocar em cheque a imagem da “Ilha Rebelde”,
atribuída pela oposição. Nessa seção, analisa-se como a opinião pública foi orientada por esse
veículo de comunicação a fim de provocar a aceitação da candidata governista pelos eleitores
da capital. Também neste capítulo, apresentam-se algumas práticas de clientelismo e compra
de votos na capital, denunciadas pelo Jornal Pequeno, além da reação de alguns setores da
sociedade civil a essas mesmas práticas.
No quinto capítulo, faz-se breve exposição acerca da metodologia da historia oral
e apresenta-se o resultado das entrevistas temáticas, realizadas com docentes do Centro de
Ensino Liceu Maranhense, em que se busca identificar a recepção das imagens dos três
principais candidatos que concorrem à eleição de 2010, e, diante disso, procura-se identificar
que elementos da cultura política teriam direcionado aqueles eleitores na decisão de votar
num ou noutro candidato.
A escolha dos docentes do Liceu Maranhense justifica-se pela importância
atribuída a esta tradicional instituição de ensino na educação de jovens da sociedade
maranhense. Parte-se do pressuposto de que os professores são atores sociais de grande
relevância na construção de valores dos jovens discentes, podendo influenciá-los diretamente
e às suas famílias indiretamente. Discuti-se, neste capítulo, a importância da greve dos
professores no governo Jackson Lago, em 2007, e sua repercussão no posicionamento dos
docentes em relação a esse candidato na campanha eleitoral de 2010.
19
1 TRAÇOS DE UMA CULTURA POLÍTICA BRASILEIRA
A ideia de cultura política diz respeito aos valores e práticas comuns
compartilhados por uma determinada sociedade, e revela as regras do comportamento
político, donde valores e expectativas de comportamento dão margem à ação política (HUNT,
2007). A cultura política relaciona-se intrinsecamente com a cultura geral, entendida como
“um processo acumulativo, resultante de toda a experiência histórica das gerações anteriores”
(LARAIA, 2003, p. 49).
De acordo com Berstein (1998, p. 351), há várias possibilidades de compreensão
da cultura política, dentre as quais destacamos: “leitura comum e normativa do passado; visão
institucional que traduz no plano da organização política do Estado os dados filosóficos ou
históricos precedentes; discurso em que ritos e símbolos desempenham representação visual”.
Desse modo, o historiador do político não pode abrir mão da relação entre a política e as
crenças, costumes, normas e tradições dos grupos sociais cujas ações políticas ele analisa.
1.1 Heranças culturais
Um dos primeiros estudiosos a se dedicar a essas questões no Brasil foi Sérgio
Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil, em 1936. Segundo ele, nossas raízes culturais têm
tradição secular e remontam ao processo de colonização do Brasil, no qual se fez presente os
traços da dominação1 tradicional, tais como mandonismo e patrimonialismo.
Outro autor clássico da historiografia nacional a se dedicar às práticas políticas e
suas permanências é Raymundo Faoro. Em Os Donos do Poder (1979), o autor considera ser
o aparelho político nacional controlado por uma camada social, que
[...] impera, rege e controla, em seu nome próprio, num círculo impermeável de
comando. Esta camada muda e se renova mas não representa a nação, senão, que
forçada pela lei do tempo, substitui moços por velhos, aptos por inaptos, num
processo que cunha e nobilita os recém-vindos, imprimindo-lhes os seus valores
(FAORO, 1979, p. 737).
Essa prática de dominação política tem sido uma realidade inexaurível no
Maranhão desde a formação do Estado nacional, atravessando as mudanças estruturais e
adaptando-se aos novos padrões sócio-políticos da realidade do país, sem que se altere
1
A ideia de dominação diz respeito à probabilidade de encontrar obediência para ordens específicas dentro de
um determinado grupo de pessoas (WEBER, 2000).
20
substancialmente a estrutura de mandonismo e patrimonialismo, típica dos regimes
oligárquicos, a ponto de sugerir-se que faz parte da cultura política regional esse tipo de
dominação. Mas, afinal a cultura não pode ser entendida como uma prisão perpétua. Ela é
fruto das experiências históricas das gerações anteriores, de representações do mundo, da
ordem moral e valorativa dos diferentes comportamentos sociais. Sendo assim, não pode
haver um determinismo histórico que nos condene a repetir sempre os mesmos padrões
culturais, visto que temos a capacidade de questionar nossos próprios hábitos e valores,
embora a mudança seja lenta, quase impercebível aos olhos de quem não tenha uma visão
diacrônica desse processo.
É praticamente consensual na historiografia brasileira a compreensão de que a
grande extensão da colônia portuguesa na América fez com que a Coroa Lusitana fomentasse
o poder e a independência dos senhores rurais em seus domínios, o que favoreceu a
dominação dos proprietários de terra a partir de um modelo patriarcal e patrimonialista que se
tornou um dos pilares da formação histórico-cultural da sociedade brasileira.
No cenário rural extremamente hierarquizado em que se deu a colonização da
América portuguesa, o patriarcalismo e o personalismo foram se fixando como valores
centrais da nossa cultura política; “a família colonial fornecia a ideia mais normal do poder,
da respeitabilidade, da obediência e da coesão entre os homens”, a vontade de mandar e a
disposição à obediência tornaram-se virtudes das mais apreciadas e difundidas na cultura
política brasileira. Era preciso obedecer ao rei, ao chefe patriarcal, aos valores tradicionais
ligados à posse da terra e ao sistema escravista de produção (HOLANDA, 2004).
No período colonial, os latifundiários exerciam plena autoridade sobre a estrutura
administrativa das Câmaras Municipais, que refletiam o poderio dos senhores rurais e seu
interesse no governo local. Para os chamados “homens bons”, o interesse particular
confundia-se com o interesse público na medida em que a realidade econômica, política e
social da Colônia era controlada pelos proprietários rurais (QUEIRÓZ, 1976).
Estruturava-se, assim, uma forma de dominação tradicional que marcou a
experiência política brasileira em vários aspectos. Este tipo de dominação, segundo Weber
(2000), apoia-se na crença da santidade dos poderes senhoriais, segundo a qual, o poder é
pessoal, emana da crença na dignidade do senhor e responde à lógica da fidelidade, em que o
individuo é súdito, servo e não cidadão.
Faoro (1979) entende que a dominação estava respaldada em um patrimonialismo
estamental, transplantado de Portugal para Colônia, no qual se tutelam interesses particulares,
concedendo benefícios e cargos aos privilegiados, sendo o personalismo, inspirado no
21
individualismo aristocrático, dependente das forças e virtudes pessoais do senhor, marca
profunda das estruturas mentais da cultura brasileira, ratificando a crença de que o poder
político é um direito sagrado das famílias patriarcais. Isso porque o poder local foi se
estruturando com base na existência da família patriarcal e de seus interesses particulares,
que, nesse caso, confundiam-se com a própria administração pública colonial.
De acordo com Queiróz (1976), o grupo familial não se limitava aos pais e filhos,
agregados e escravos, era muito maior, incluía filhos biológicos e políticos, de maneira a
formar um sistema parental poderoso de dominação política e econômica, que se estendeu da
Colônia à República brasileira, marcando profundamente nossa identidade político-social.
A ruptura da Colônia em relação à metrópole, no início do século XIX, pouco
alterou a estrutura do mandonismo patrimonialista no novo Estado Nacional. No Império,
eram ainda os fazendeiros e seus filhos educados nas profissões liberais quem
monopolizavam a política num inconteste domínio local e, agora, também provincial.
No que tange às mudanças político-administrativas, deu-se a subordinação das
Câmaras Municipais às Assembléias Provinciais, e isso só aumentou o poder dos senhores
rurais, pois poderiam expandir seu domínio por toda a Província, como assevera Queiróz
(1976, p. 66-67):
Ao examinar a subordinação da Câmara Municipal aos governos provinciais, não se
pode deixar de lado o fato de dever trazer a Independência inteira mudança de
personagens nos quadros administrativos, com o afastamento dos funcionários
portugueses e a sua substituição por outros brasileiros. Esta circunstância tendia a
reforçar o sentimento dos senhores rurais de que não havia separação ou diferença
entre seus interesses e o interesse público [...] Agora, ocupados muitos cargos da
administração pública por estes mesmos senhores rurais, isto é, por seus parentes e
afilhados, constituída a Assembléia de representantes deles, um novo sentimento de
poder os invadia, que não se confiava mais aos limites do município e da província,
mas que cobria todo o país, em todos os setores da vida.
Outra novidade administrativa no Império, a criação da Guarda Nacional em todos
os municípios, em 1831, contribui em muito para reforçar o poder dos mandões locais,
transformados agora em “coronéis”, legítimos chefes militares a exercerem as funções de
segurança e controle político-eleitoral em seus domínios.
A partir da década de 1840, com o processo de centralização política em
andamento no Segundo Reinado, a nomeação dos oficiais da Guarda Nacional ficou a cargo
do Ministério da Justiça e dos presidentes de província. Essa medida fomentou o
fortalecimento das lideranças regionais com trânsito na Câmara Geral e nos ministérios, assim
22
como a legitimação das práticas de clientelismo2, utilizadas pelos políticos imperiais no
âmbito das relações com o governo central. Com base nas relações clientelistas, os políticos
efetuavam, na esfera regional, a troca de nomeações, verbas e favores pelo apoio dos núcleos
de poder municipais; no âmbito nacional, os líderes regionais estabeleciam o vínculo entre a
província e o governo central, na perspectiva de ter acesso aos cargos e possíveis ajudas
financeiras (REIS, 2007).
Estudando as práticas políticas no Maranhão nesse período, Reis (2007) identifica
a formação de oligarquias políticas, a partir da década de 1840. Quanto às disputas políticas
anteriores, são caracterizadas por ele como lutas entre famílias de importantes proprietários
rurais pelo controle político da Província, tratando-se de oligarquias familiares. De acordo
com esta análise, a formação das oligarquias políticas iniciou-se, portanto, entre as décadas de
1840 e 1860,
[...] cujas funções primordiais no processo mais amplo de construção do Estado
Nacional eram a organização das disputas políticas no âmbito regional, aglutinando
as facções e permitindo o funcionamento do jogo partidário, estabelecendo, enfim, a
mediação entre a corte imperial e a província (REIS, 2007, p. 51).
O historiador inglês Richard Graham, em Clientelismo e política no Brasil do
século XIX (1997), destaca valores que nortearam as práticas clientelistas no Império
brasileiro, tais como: lealdade, fidelidade, gratidão, amizade, parentesco, relações familiares,
respeito, confiança. Esses valores estiveram presentes, sobretudo, nas disputas eleitorais,
muitas vezes decididas através da força econômica e da fraude eleitoral, práticas que ainda
são utilizadas na atual conjuntura política nacional e, em especial, no estado do Maranhão.
A abordagem da história política pelo víeis da cultura política permite observar as
permanências e rupturas que tais práticas têm atravessado na longa duração da política
brasileira, com algumas alterações, é verdade, mas sempre se reatualizando e fazendo-se
presentes de alguma forma.
Durante a chamada Republica Velha (1889-1930), a exemplo do que acontecera
no Segundo Reinado, as oligarquias exerceram de forma sistemática a mediação entre os
governos estaduais e federal. Foi a época áurea do coronelismo, segundo Leal (1975). Para
ele, não se tratava de uma mera sobrevivência do poder privado da era colonial e sim, “uma
forma peculiar de manifestação do poder privado, ou seja, uma adaptação em virtude da qual
2
Clientelismo: rede de fidelidades pessoais; uso pessoal por parte dos políticos dos recursos estatais
(MATROPAOLO, 2010, p. 177).
23
os resíduos do nosso antigo e exorbitante poder privado tem conseguido coexistir com um
regime de extensa base representativa” (LEAL, 1975, p. 20).
Na análise desse autor, o coronelismo representou a decadência do poder privado
diante do fortalecimento do Estado. Porém, a força do poder estatal ainda não se fazia
presente em todos os municípios da federação, dai a relação de compromisso entre o poder
privado decadente e o poder público que estava se fortalecendo, mas não conseguia estar
presente nos mais distantes rincões do país de forma efetiva.
Nessa perspectiva, o coronelismo constituiu-se num sistema político de caráter
nacional, baseado em barganhas entre o governo e os coronéis, que unia interesses dos
poderes municipal, estadual e da presidência da República. As oligarquias estaduais apoiavam
os coronéis, concedendo-lhes cargos públicos municipais, em troca, recebiam apoio em forma
de votos, enquanto as oligarquias estaduais hipotecavam seu apoio ao presidente da república.
Em retribuição este, garantia-lhes apoio político e outras benesses.
Analisando esse sistema de dominação política, é comum usar como sinônimos os
conceitos de coronelismo e mandonismo. Ambos são estruturas personalistas de poder, só que
o mandonismo é um conceito mais amplo que o coronelismo. Aquele remete a uma
característica da política tradicional, existente desde o início da colonização e que sobrevive
ainda hoje em regiões atrasadas, tendendo ao desaparecimento mediante o processo de
maturação da democracia (CARVALHO, 1997). Na visão de Leal (1975), o coronelismo é um
momento particular do mandonismo, aquele em que os chefes locais começariam a perder
espaço para a presença do Estado burocrático.
Outra distinção oportuna dá-se em relação aos conceitos de coronelismo e
clientelismo, uma vez que podem ser correlacionados, mas não são sinônimos. Existem
relações de barganha politico-eleitoral na prática do coronelismo, porém o fenômeno do
clientelismo é muito mais amplo que o coronelismo. Este, predominante na República Velha,
assentava-se no predomínio da estrutura agrária e rural, em que o voto é uma “doação” do
eleitor ao candidato indicado pelo coronel. O clientelismo atual mostra-se perfeitamente
compatível com as práticas da democracia liberal (FARIAS, 2000), em que a ideia de
liberdade, associada ao mercado, faz com que o eleitor se sinta “livre” para negociar o voto,
que passa a ser, portanto, uma mercadoria.
Na atual conjuntura, políticas sociais como o Programa Bolsa Família, por
exemplo, podem ser compreendidas como instrumentos de práticas clientelistas em virtude da
predominância de uma cultura política marcada por relações paternalistas de dominação, na
24
qual direitos são tratados como favores, fortalecendo assim a prática clientelista e os padrões
tradicionais de dominação (BURSZTYN; CHACON, 2011).
Não se pretende apontar aqui uma cultura política única para a realidade brasileira
e a maranhense, pois pode haver múltiplas culturas políticas no interior de uma nação
(BERSTEIN, 1998). Porém, considera-se que a identidade política brasileira é
acentuadamente marcada pelo peso dos valores tradicionais, sendo válido questionar a
viabilidade do que Holanda (2004) afirmou, na década de 1930, que haveria entre nós uma
“incompatibilidade absoluta com os ideais democráticos”.
Sobre a propagação das ideias liberais e democráticas3 há de se levar em
consideração que as mesmas são apropriadas pelas elites políticas, de maneira a garantir uma
democracia liberal extremante restrita, tornando-se um eficiente instrumento de dominação da
população. O ranço do mandonismo das antigas oligarquias tem sobrevivido no estado do
Maranhão com o apoio do clientelismo estatal, em que se negocia a concessão de benefícios
sociais (Luz para todos; Bolsa família; Minha casa, minha vida) por voto e apoio político aos
candidatos governistas. Esse cenário corrobora o “caráter farsesco da história brasileira, de
patrimonialismo disfarçado de ‘modernidade’ no que lhe interessa e desprezando sua
característica fundamental, ainda não implantada [...] o estabelecimento efetivo do Estado de
direito” (CAMPANTE, 2003, p. 186).
1.2 A conjuntura política do Maranhão no tempo presente
A experiência política do estado do Maranhão tem sido marcada pela permanência
de práticas tradicionais impregnadas de mandonismo, clientelismo e patrimonialismo no trato
da “coisa pública”. Tais práticas resultam da cultura política brasileira constituída desde os
tempos coloniais, que ainda povoam o imaginário político daqueles que vivem o tempo
presente.
O termo “experiência” aqui é tomado de empréstimo do historiador inglês
Thompson (1981, p. 189), o qual considera que
3
Liberalismo e democracia são ideologias políticas diferentes, fundidas no final do século XIX em virtude da
intensificação dos movimentos populares de inspiração socialista e comunista. A aliança
liberalismo/democracia, portanto, tem a ver com a pressão das camadas populares. Como estas não tiveram
poder de pressão no Brasil, a associação do liberalismo com a democracia e com o estabelecimento universal
de direitos e garantias fundamentais é, quando muito, uma mera promessa (CAMPANTE, 2003, p. 185).
25
“[...] as pessoas não experimentam sua própria experiência apenas em ideias, no
âmbito do pensamento. [...] Elas também experimentam sua experiência como
sentimento e lidam com esses sentimentos na cultura, como normas, obrigações
familiares e de parentesco, e reciprocidades, como valores [...].
A temática das práticas oligárquicas reinantes no Maranhão tem sido objeto de
análise de historiadores e cientistas sociais comprometidos em entender e explicar a
conjuntura política local. Em A Reinvenção do Maranhão Dinástico, Gonçalves (2000)
constata que, a partir da oligarquia promovida por José Sarney, tem-se reinventado uma
dinastia de filhos biológicos e políticos, sustentada por relações de parentesco e de alianças
políticas. Na perspectiva de Reis (2007), o termo oligarquia identifica um grupo que se
apodera das instâncias superiores do poder político regional e se reproduz pela utilização
desses postos de mando.
A oligarquia Sarney começou a articular seu mando a partir de 1965, com a
eleição de José Sarney ao governo do Estado, comprometendo-se a erradicar os “anos de
atraso” referentes ao período de mandonismo do grupo liderado pelo senador Victorino Freire
(1945-1965). Desde o episódio da Greve de 1951, que representou a rejeição da capital à
diplomação do governador Eugenio Barros, “eleito de forma fraudulenta” com apoio da
oligarquia vitorinista, são encenadas no Maranhão “campanhas de libertação” desse estado.
Aquele episódio deu inicio à representação de São Luís como Ilha Rebelde, segundo a
construção imagética das oposições.
Na análise de Costa (2009a), as elites políticas locais têm instrumentalizado o
discurso da libertação e da Ilha Rebelde a fim de legitimarem-se no “teatro do poder”. Desde
então, o estado do Maranhão tem sido palco de campanhas libertadoras. A primeira, como já
destacado, a Greve de 1951, a segunda, em 1965, com a eleição de José Sarney, e a terceira,
na eleição de Jackson Lago, em 2006, sem que se altere de fato a estrutura de dominação
oligárquica patrimonialista.
A passagem do mandonismo vitorinista para a fase de domínio de José Sarney não
representou, na análise de Costa (2004), uma ruptura histórica com as práticas oligárquicas,
pois Vitorino e Sarney, como “irmãos siameses”, são produtos do apoio do poder federal e da
utilização patrimonialista da máquina pública. Em recente entrevista concedida ao jornal Vias
de Fato, o ex-deputado federal pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), Domingos
Freitas Diniz (2012) – histórico opositor de José Sarney no Maranhão e um dos fundadores do
Partido dos Trabalhadores (PT), membro da primeira direção nacional desse partido –,
assevera que a vitória de Sarney em 1965 se dá diante do enfraquecimento de Vitorino Freire,
26
que estava rompido com o então governador Newton Belo e sofria as pressões que o Regime
Militar fazia para desarticular os partidos de sustentação do governo deposto, o PSD e o PTB.
A posse de José Sarney no Palácio dos Leões, com um discurso moralizador e
cheio de promessas salvacionistas, significou, para Costa (2002, p. 15):
[...] a incorporação do Maranhão ao projeto autoritário, excludente e repressor do
regime militar, ao seu projeto de modernização conservadora. Significou ainda uma
maior abertura ao processo de expansão do capitalismo monopolista na Amazônia, o
qual aprofundou as desigualdades sociais, acelerou o processo de concentração
fundiária, assim como a violência, a grilagem e a expulsão dos trabalhadores de suas
terras, aumentando os conflitos no campo em toda região. Por outro lado, o governo
Sarney (1966/1970) anunciava um Maranhão Novo, uma nova época de
prosperidade e modernização.
A cultura política em que a oligarquia Sarney está inserida se expressa por meio
de práticas simbólicas, como a constante repetição de palavras-chave como “progresso”,
“desenvolvimento”, “modernidade”, constitutivas da retórica de que foi ela que fundou um
“novo” Maranhão, mesmo que estes símbolos de modernidade não atinjam todos os quadros
sociais, e o Estado ainda desponte no ranking dos piores indicadores sociais do país.
Nesta perspectiva, concorda-se com Hunt (2007, p. 78) quando diz:
O exercício do poder sempre requer práticas simbólicas. Não há governo sem rituais
ou sem símbolos, por mais que possa parecer isento de mística ou mágica. Não é
possível governar sem histórias, sinais e símbolos que, de inúmeros modos tácitos
transmitem e reafirmam a legitimidade de governar.
A simbologia construída em torno de José Sarney, como político sagaz, capaz de
transitar em todos os governos na esfera federal, fundador do “Maranhão Novo”, é divulgada,
de certo modo, como uma qualidade, uma virtude transmitida à sua herdeira política, como
continuadora dessa saga de “modernidade”, que dura quase meio século na base da retórica
propagandística, divulgada pelo sistema de comunicação pertencente ao grupo. Eis um
exemplo, veiculado no jornal O Estado do Maranhão, na matéria de capa que tem o seguinte
título: “Roseana afirma: quero administrar o Maranhão que ajudei a desenvolver’”.
Depois de ressaltar os grandes projetos econômicos: Refinaria Premium da
Petrobrás; fabrica da Suzano Celulose; siderurgia em Açailândia e a Usina do
Estreito: ‘O MA voltou a crescer, voltou a se desenvolver e há muitos investimentos
vindo para nosso estado. E agora, com a descoberta da reserva de gás natural,
literalmente o Maranhão bombou. Quero continuar sendo governadora para
assegurar que esses investimentos que estão chegando sejam usados para combater a
pobreza, para melhorar a vida das pessoas e dos municípios (ROSEANA..., 20 ago.
2010, p. 3).
27
A retórica do desenvolvimento é praticamente a mesma do candidato José Sarney,
na disputa pelo governo estadual, em 1965, prometendo a redenção do Maranhão através das
riquezas naturais do Estado. Veja-se a semelhança dos discursos:
O Maranhão começa a divisar o seu grande futuro e devemos estar preparados para
esta tarefa: essa a convocação, que na qualidade de candidato lancei como tônica de
minha campanha. E não o fiz por outro motivo senão o conhecimento da imensa
riqueza potencial do nosso solo e subsolo e pela confiança na inteligência e
capacidade empreendedora de nossa gente. A nota oficial da Petrobrás distribuída ao
Brasil inteiro, dando conhecimento da ocorrência de petróleo na perfuração de São
João, município de Primeira Cruz em nosso Estado, confirmando a existência da
Bacia de Barreirinhas, a maior bacia petrolífera da América do Sul, não poderia
passar em silêncio de minha parte. Devo como candidato, a governador, com a
bandeira de construir um Estado mais limpo, com justiça social saudar a nova era do
Maranhão que vem chegando: O Maranhão de costumes políticos saneados, o
Maranhão da Boa Esperança e do petróleo que está jorrando no poço pioneiro de
São João. Com mais vibrante entusiasmo, quero congratular-me com os
maranhenses e com o Governo Federal e especialmente com meu órgão de trabalho
– a Petróbras – pelo histórico comunicado, que nos deu a inquestionável notícia da
grande riqueza. Vamos, pois, meus conterrâneos, a 3 de outubro, romper também,
com as amarras do velho Maranhão dos atrasados (sic) o novo Maranhão, o grande
Maranhão, o Maranhão do futuro que está aflorando no petróleo da bacia de
Barreirinhas e na barragem da Boa Esperança. (Telegrama do candidato José Sarney
publicado no Jornal do Dia. 17 ago.1965. p.1 apud PACHÊCO FILHO, 2001, p. 4546).
Há décadas o grupo Sarney vive prometendo a redenção do Maranhão através dos
projetos econômicos do governo federal do momento. Foi assim com os grandes projetos da
ditadura militar nos decênios de 1960 e 1970, com o neoliberalismo na fase de Fernando
Henrique Cardoso, na década de 1990, e na atual gestão do governo petista em que o discurso
da hora é a inclusão social e o combate à pobreza.
Esse tipo de dominação política caracteriza-se, como lembra Reis (2007), pelas
crises intraoligárquicas, havendo fragmentação do grupo com o surgimento de novos nomes
na disputa pelo controle da máquina pública. Aceitando essa perspectiva, diz um analista:
O personalismo sarneísta tem relações diretas e indiretas com todos os nomes [...]
[dos que o sucederam no governo do Maranhão], vejamos: Pedro Neiva de Santana,
indicado governador pelo general Médici, foi secretário de fazenda do governo
Sarney; Osvaldo da Costa Nunes Freire, indicado pelo general Geisel, como
candidato consenso para acabar com a disputa entre Sarney e Vitorino, posiciona-se
contra o grupo de José Sarney desde o início; João Castelo Ribeiro Gonçalves,
indicado pelos militares com apoio de Sarney, rompe com o sarneísmo depois do
mandato; Luís Alves Coelho Rocha, eleito com apoio de José Sarney, sua família
rompe com o grupo depois do mandato; Epitácio Afonso Pereira Cafeteira,
adversário regional em alguns momentos (1994 e 1998), hoje aliado político; Edison
Lobão, apresenta-se como aliado incondicional do grupo Sarney; Roseana Sarney
Murad, filha biológica e herdeira política; José Reinaldo Tavares, vice-governador
em dois mandatos de Roseana Sarney Murad, aliado do grupo Sarney até o
rompimento político em 2003 quando se aproxima da oposição ao grupo dominante;
Jackson Kepler Lago, apesar de representar oposição ao sarneísmo, foi apoiado por
Roseana Sarney Murad na eleição municipal de São Luís no ano de 2000; Roseana
28
Sarney Murad, assume o governo após a cassação do governador Jackson Lago pelo
Supremo Tribunal Federal em 2009 por abuso de poder político, em 2010 Roseana é
eleita em primeiro turno com grande apoio do governo federal (COUTO, 2009, p.
122-124).
Como se vê, a estrutura de dominação oligárquica segue seu curso sofrendo
algumas mudanças a partir de conflitos internos, frutos de desavenças entre seus membros,
como a que provocou a ruptura do antigo aliado do grupo Sarney, o ex-governador José
Reinaldo Tavares, a ser tratada no próximo capítulo.
Nesse contexto, pode-se dizer que a vitória do médico Jackson Lago na eleição de
2006, reeditando a “frente de libertação” do Maranhão, “foi antes fruto do racha provocado no
grupo situacionista [...] que uma alternativa criada contra os esquemas tradicionais da política
oligárquica” (REIS, 2012, p. 76). Mesmo que tenha utilizado elementos da tradição liberaldemocrática, como eleições livres, instituições livres, e tenha buscado o ideal de resistência da
“Ilha Rebelde”, o discurso da libertação serviu para manter o domínio oligárquico no
Maranhão.
29
2 ELEIÇÕES EM SÃO LUÍS: uma análise das estatísticas
2.1 O grupo Sarney na última eleição
O domínio político do grupo Sarney tem apresentado uma impressionante
capacidade de adaptação aos novos tempos em que o controle estreito do voto é mais difícil.
Mesmo assim, para o historiador maranhense Costa (1997), a oligarquia Sarney vivencia, a
partir dos anos 90, uma crise de legitimidade política relacionada ao aumento da
competitividade eleitoral, evidenciada pelo fortalecimento da oposição e pelo processo de
organização e luta dos movimentos sociais e populares. É importante ressaltar que a oposição
ao grupo Sarney divide-se em duas vertentes, uma conservadora e outra mais no âmbito
democrático-popular, representada pelos partidos de centro e de esquerda. Tais partidos não
possuem firmeza ideológica, pois se coligam com o grupo oligárquico dependendo das
circunstâncias do momento.
Para comprovar a hipótese da perda de hegemonia eleitoral do grupo Sarney no
Maranhão desde a década de 1990, vejamos o resultado das eleições a partir do processo de
abertura democrática até o ano de 2010.
Gráfico 1 – Votação para Governador do Maranhão de 1982 a 2010 (% dos candidatos mais
votados por partidos)
Fonte: TRE-MA (Arquivo do professor Wagner Cabral da Costa).
As duas primeiras eleições são ganhas com facilidade, Luís Rocha (77% dos
votos) e Epitácio Cafeteira (81% dos votos), garantem ao grupo Sarney uma hegemonia
eleitoral no Estado nos anos 1980. Quanto à aliança entre Sarney e Cafeteira, na eleição
30
majoritária de 1986, o acordo fazia parte da articulação da Aliança Democrática (a coligação
que unificou o PMDB, partido do qual Cafeteira era membro, com os dissidentes do PDS, do
qual Sarney era representante) para lançar a candidatura de Tancredo Neves à Presidência do
Brasil em 1985.
O pacto entre a Frente Liberal (antigos dissidentes do PDS) e o PMDB para
chegar à presidência da República foi bem sucedido. Foram eleitos Tancredo Neves e José
Sarney para presidente e vice-presidente da República, respectivamente. Com a morte de
Tancredo Neves, José Sarney assume como presidente do Brasil.
Em 1990, com a saída de José Sarney da Presidência da República com altos
índices de rejeição entre o eleitorado, seus opositores políticos no Estado começam a
dificultar a chegada de seu grupo ao Palácio dos Leões, sede do governo estadual. O então
candidato da oposição conservadora, João Castelo, antigo aliado do grupo Sarney, mesmo
perdendo a eleição estadual para Edison Lobão, no segundo turno, obteve vitória em São Luís
tanto no primeiro turno (42,6%) quanto no segundo turno (55,7%), demonstrando o índice de
rejeição da capital à oligarquia Sarney.
Mesmo dispondo da utilização patrimonialista da “máquina” pública estadual,
com controle sobre os Poderes Executivo (via governadores), Legislativo (maioria dos
parlamentares) e Judiciário (indicação política de juízes) e com o Sistema Mirante de
Comunicação (que detém a hegemonia da informação na maioria dos municípios
maranhenses), o grupo Sarney não ganhou a eleição de 1994 com “tranquilidade”. A
popularidade de Epitácio Cafeteira levou a decisão para o segundo turno, dando uma pequena
margem de vantagem para a candidata da oligarquia Sarney. Epitácio Cafeteira, embora não
tenha ganho a eleição estadual de 1994, teve um alto índice de preferência do eleitorado de
São Luís, comprovado no gráfico a seguir.
31
Gráfico 2 – Votação de Epitácio Cafeteira em São Luís de 1986 a 2006 (em % por cargo
eletivo)
Fonte: TRE-MA (Arquivo do professor Wagner Cabral da Costa).
Já a reeleição de Roseana Sarney Murad, em 1998, não ofereceu dificuldades para
a oligarquia, a qual, tendo o aparato da máquina pública e o apoio do governo de Fernando
Henrique Cardoso, venceu com folga Epitácio Cafeteira, fazendo uso da publicização da
saúde frágil da governadora ao fabricar a imagem da “mulher guerreira”, que enfrenta com
coragem e confiança as dificuldades e os desafios da vida, imagem analisada por Gonçalves
(2008). Essa eleição foi marcada por uma prática muito comum na cultura política
oligárquica, a cooptação de setores historicamente identificados com a esquerda para apoiar a
candidatura de Roseana Sarney, no caso, o PC do B (Partido Comunista do Brasil) e o PSB
(Partido Social Brasileiro), indicando a falta de firmeza ideológica dos partidos políticos.
A popularidade alavancada pela governadora Roseana Sarney quebra, pela
primeira vez, a resistência da “Ilha Rebelde” ao seu grupo político, sendo a mais votada em
São Luís para o governo do Estado, mesmo que não tenha alcançado os 50% dos votos, como
mostra o gráfico abaixo.
32
Gráfico 3 – Votação para Governador em São Luís de 1982 a 2010 (candidatos mais votados
/ partidos)
Fonte: TRE-MA (Arquivo do professor Wagner Cabral da Costa).
Em 2002, embalada pela imagem positiva de Roseana Sarney Murad, a oligarquia
sonhou em aterrissar novamente no Palácio do Planalto com a pré-candidatura da então
governadora à Presidência da República pelo PFL. O projeto foi abortado pelos escândalos
advindos do caso Lunus, operação da Polícia Federal que invadiu a empresa Lunus de
propriedade da governadora e de seu cônjuge Jorge Murad, na qual foram apreendidos R$
1,34 milhão de reais e documentos que ligavam a empresa do casal ao desvio de verbas da
Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM). Esse episódio causou a
desistência da pré-candidatura à Presidência de Roseana Sarney Murad, que precisou se
conformar com uma vaga no Senado Federal. Naquele ano, o governo do Estado foi assumido
por mais um filho político da oligarquia Sarney, José Reinaldo Tavares.
Como já mencionado, as crises intra-oligárquicas constituem-se uma característica
desse tipo de dominação política. Repetiram-se mais uma vez com a dissidência do
governador José Reinaldo Tavares. Uma das explicações para essa ruptura aponta o
desentendimento dentro do próprio grupo acerca da indicação do nome para a sucessão
estadual de 2006. José Reinaldo Tavares não teria concordado com a indicação do nome da
então senadora Roseana Sarney Murad, preferindo o nome de Sarney Filho ou Edison Lobão,
dentre outros integrantes do grupo. De acordo com Costa (2009c, p. 97),
[...] pode-se afirmar que José Reinaldo Tavares não podia, não sabia e nem queria
romper com a estrutura de poder existente no Maranhão, pois forjado como um
quadro técnico do grupo Sarney desde os anos 1960 e educado na cultura política
patrimonialista, seu horizonte era limitado, se mantendo preso a uma reestruturação
do poder político.
33
Desse modo, a derrota de Roseana Sarney Murad para Jackson Kepler Lago, em
2006, não representou o fim do mando oligárquico no Maranhão, uma vez que a lógica
patrimonialista foi um dos elementos constitutivos daquele pleito eleitoral. Tratou-se, ainda
segundo Costa (2009c), de um processo de reestruturação do domínio oligárquico de poder,
formado por outro grupo político, comandado pelo PDT e PSDB, que aglutinou o
descontentamento das oposições ao grupo dominante e dos vários movimentos sociais
marginalizados pelas décadas de hegemonia do grupo Sarney. Repetiu-se o mesmo
estratagema utilizado em 1965 para eleger José Sarney governador do Estado. A história se
repetiu, mesmo sendo como farsa (MARX, 2008). A reinvenção das oposições coligadas
alimentou mais uma vez o discurso da “cultura política da libertação”, através da reunião de
diversos partidos políticos (PDT/PSDB/PT/PSB/PCdoB) no segundo turno, fazendo uso de
relações patrimonialistas e clientelistas com as prefeituras municipais, por meio de assinatura
de inúmeros convênios com caráter eleitoreiro, que garantiram a vitória do candidato da
oposição, mas isso não foi suficiente para por fim à estrutura oligárquica. Assim, concorda-se
com Reis (2012), para quem Jackson Lago foi eleito por dentro da estrutura oligárquica e dela
fez uso para repetir o mesmo padrão de dominação tradicional: utilização da máquina
governamental, nepotismo, distribuição de cargos entre aliados, corrupção, insensibilidade
diante de reivindicações trabalhistas. Possivelmente tudo isso provocou o desencanto do
eleitorado em relação a sua candidatura nas eleições de 2010.
O grupo Sarney não aceitou a derrota nas urnas e acusou o governador Jackson
Lago de ter cometido abuso de poder político e econômico durante a campanha eleitoral de
2006. Usando suas relações na esfera do poder federal, conseguiu agilizar a votação no
Tribunal Superior Eleitoral e cassou o mandato do opositor.
No entanto, o uso e abuso da máquina governamental por aqueles que estão no
poder é prática política corriqueira no estado do Maranhão, em tempos de campanha eleitoral.
O fato de Jackson Lago ter se beneficiado dos convênios realizados pelo governador José
Reinaldo Tavares, com as prefeituras, não é uma exceção, mas a regra, tratando-se dos
candidatos que são apoiados por quem está à frente do governo. Nas eleições de 2010, a
candidata situacionista também foi acusada de ter recorrido aos mesmos mecanismos de
abuso de poder político e econômico, favorecida pelo poderio político que seu grupo
desfrutava nas esferas de poder estadual e nacional.
34
2.2 O comportamento da “Ilha Rebelde” nas eleições
Em São Luís do Maranhão há uma tradição cultivada de que a cidade não se curva
ao domínio de grupos oligárquicos. O episódio que fundou essa ideia foi a Greve de 1951, o
protesto das Oposições Coligadas contra a posse do governador Eugênio Barros.
De acordo com a análise de Costa (2006, p.96-97),
Vários epítetos foram utilizados no decorrer do processo político para representar a
ilha de São Luís e o próprio movimento das oposições – tais como Ilha Heróica,
Ilha Indomável, Ilha Insubmissa -, contudo, a ideia imagem que prevaleceu até os
nossos dias foi a de Ilha Rebelde, breve instante de cristalização no interior do
magma formador dos imaginários sociais (grifo do autor).
As oposições ao domínio oligárquico, em São Luís, têm instrumentalizado essa
imagem de rebeldia da capital maranhense para alavancar movimentos políticos, buscando
promover algumas mudanças na sociedade. Durante o processo de redemocratização política,
ocorrido no final dos anos de 1970 e começo da década de 1980, vários movimentos com este
objetivo tomaram conta da cidade de São Luís, tais como:
Movimento estudantil e a greve pela meia passagem; o Movimento de Oposição pra
Valer, organizado no seio do MDB autêntico; a atuação de setores progressistas da
Igreja Católica, especialmente a Pastoral da Juventude; Movimento contra a
Carestia; atuação da entidade de apoio Sociedade dos Direitos Humanos e a seção
estadual do Comitê Brasileiro pela Anistia (BORGES, 2008, p. 47).
Desses movimentos, a luta dos estudantes pela meia passagem, cuja culminância
ocorreu com a Greve de 1979, representou um reforço significativo na construção imagética
da Ilha Rebelde. Este episódio contou com o apoio de setores da população, descontentes com
o terceiro aumento do ano na tarifa dos transportes coletivos, sancionado pelo prefeito Mauro
Fecury (BORGES, 2008). O movimento foi tratado com grande repressão e violência por
parte do então governador, João Castelo Ribeiro Gonçalves (PDS- Partido Democrático
Social), naquela época aliado de José Sarney.
É essa tradição histórica que alimenta a resistência da população de São Luís ao
domínio das oligarquias políticas, sendo que tal resistência depende muito da conjuntura
política do momento, sobretudo no que diz respeito às eleições majoritárias. Quanto às
eleições municipais, nenhum candidato apoiado pelo grupo Sarney foi eleito na capital, como
pode-se comprovar no gráfico abaixo.
35
Gráfico 4 – Votação para Prefeito de São Luís de 1985 a 2012 (% dos candidatos mais
votados por partidos)
Fonte: TRE-MA (Arquivo do professor Wagner Cabral da Costa).
Na primeira eleição direta para prefeitos das capitais, em 1985, Luís Rocha era o
governador do Estado e José Sarney presidente da República, nem assim o grupo conseguiu
eleger seu candidato, Jaime Santana. Quem ganhou a eleição foi Gardênia Ribeiro Gonçalves,
esposa de João Castelo, que já havia rompido com o grupo Sarney.
Gráfico 5 – Votação de Jackson Lago em São Luís de 1985 a 2010 (em % por cargo eletivo)
Fonte: TRE-MA (Arquivo do professor Wagner Cabral da Costa).
36
O cenário das eleições municipais foi, durante décadas, campo de disputa de
grupos de oposição à oligarquia Sarney, liderados por João Castelo e Jackson Lago, este,
eleito três vezes prefeito da capital como mostra o gráfico acima.
Considerado uma importante liderança política das oposições democráticas na
capital, o político Jackson Lago teve uma impressionante queda nas intenções de voto do pela
segunda vez uma vantagem nesse eleitorado, de modo que podemos afirmar que o caráter de
“rebeldia” da Ilha depende das circunstâncias conjunturais. Veja-se, agora, a votação de
Roseana Sarney em São Luís durante sua carreira política.
Gráfico 6 – Votação de Roseana Sarney em São Luís de 1994 a 2010 (em % por cargo
eletivo).
Fonte: TRE-MA (Arquivo do professor Wagner Cabral da Costa).
Contando com toda estrutura do domínio oligárquico, Roseana Sarney foi eleita
deputada federal mais votada no Maranhão, em 1990, sendo a terceira colocada na capital. No
seu primeiro mandato, como governadora do Estado, a cultura popular foi utilizada como
forte marketing político visando à renovação da imagem de seu grupo. Em 1996, há uma
priorização de ações do governo nessa área. A partir de 1997, a Secretária de Cultura do
Estado passa a contar com verbas regulares para os festejos juninos (NOGUEIRA, 2005).
No ano da eleição da reeleição da governadora Roseana Sarney, 1998, o Estado
passa a ser o patrocinador oficial dos festejos juninos, de modo, que se pode afirmar:
37
A institucionalização da cultura popular neutraliza a crítica e dá vazão ao espetáculo
voltado para o show e o prazer das massas, elevando a destaque a governadora e as
manifestações folclóricas e seus atores, numa sequência de produção de
acontecimentos que se sucedem com o pré-São João, os festejos Juninos, o Natal e o
Carnaval (NOGUEIRA, 2005, p. 10)
Com o manejo da cultura popular e de outras atividades artísticas, através da
liberação de verbas públicas, o grupo político dominante consegue obter certo grau de
aceitação na capital. Mesmo cultivando o imaginário social da “Ilha Rebelde”, São Luís tem
seus momentos de conservadorismo nas eleições, pois a capital não escapa das práticas da
cultura política oligárquica. Pode-se supor que haja um continuum entre uma cultura política
liberal democrática, inspirada nos ideais de liberdade, igualdade e participação popular e, por
outro lado, haja uma prática política em que predominam o empreguismo, o favoritismo, o
personalismo, típicos da cultura política oligárquica.
Como exemplo desse conservadorismo político pode-se, fazer referência também
aos índices de popularidade do político João Castelo, que mesmo tendo sua carreira iniciada
sob os auspícios da Ditadura Militar, tendo sido, inclusive, o governador a autorizar a violenta
repressão aos manifestantes na histórica luta pelo direito à meia passagem, em 1979, teve a
preferência de parte do eleitorado da cidade nas eleições em que disputou. Veja-se seu
desempenho eleitoral.
Gráfico 7 – Votação de João Castelo em São Luís de 1982 a 2012 (em % por cargo eletivo)
Fonte: TRE-MA (Arquivo do professor Wagner Cabral da Costa).
As imagens sobre a cidade vão sendo construídas e reconstruídas constantemente,
pode-se perceber que há uma São Luís progressista e outra conservadora. Nas eleições para o
Senado, por exemplo, a partir dos anos de 1990, a cidade tende a votar nos representantes das
38
oposições, seja a oposição conservadora (representada por João Castelo e Epitácio Cafeteira),
seja a oposição à esquerda (Haroldo Sabóia e Bira do Pindaré), com exceção do último pleito,
em que foram mais votados os candidatos ligados à oligarquia Sarney (Edison Lobão e João
Alberto), como mostra o gráfico seguinte.
Gráfico 8 – Votação para Senador em São Luís de 1982 a 2010 (% dos candidatos mais
votados por partidos)
Fonte: TRE-MA (Arquivo do professor Wagner Cabral da Costa).
Nos tempos recentes, no âmbito da oposição à esquerda, surge no cenário político
maranhense uma nova liderança, o ex-juiz federal Flávio Dino de Castro e Costa, que
concorreu a uma vaga na Câmara Federal com apoio do ex-governador José Reinaldo Tavares
e outras lideranças conservadoras do Estado. A campanha desse político apresentou diferentes
estratégias de representação em 2006. Veja-se.
A primeira diz respeito a um tipo de apresentação do candidato que traz benefícios
para uma determinada ‘região’ e assim estabelece o vínculo de identidade com os
eleitores e a comunidade [...] Uma segunda modalidade se referiu à campanha
voltada para a identidade profissional, no caso, o mundo do direito. Aqui a
campanha de Flávio Dino é endereçada aos eleitores da ‘comunidade jurídica
maranhense’. A terceira modalidade de campanha se relacionou ao chamado ‘voto
ideológico’, caracterizado como ‘voto de opinião’, originário da ‘classe média’ dos
centros urbanos do Estado, principalmente de São Luís (BARROS FILHO, 2008,
p. 189).
A imagem política de Flávio Dino transita tanto entre aspectos da cultura política
oligárquica, quanto da cultura política liberal democrática. Sua base eleitoral, construída na
39
cidade de Caxias, com apoio do político Humberto Coutinho, o aproxima das práticas
tradicionais da política maranhense, a exemplo da mediação entre os poderes locais e a esfera
federal de governo, base da sustentação oligárquica. Em se tratando do eleitorado de São Luís,
a imagem desse político é associada ao campo jurídico e ao voto consciente, livre das amarras
da política clientelística e associado à ideia de justiça social. Veja-se o desempenho eleitoral
de Flávio Dino nas campanhas eleitorais que disputou.
Gráfico 9 – Votação de Flávio Dino em São Luís em 2006 e 2010 (em % por cargo eletivo)
Fonte: TRE-MA (Arquivo do professor Wagner Cabral da Costa).
Na eleição de 2006, Flávio Dino foi o quarto candidato mais votado em todo
Maranhão. Durante seu mandato foi eleito, pelo site Congresso em Foco, um dos melhores
parlamentares do país, por quatro anos consecutivos. A boa avaliação de sua atuação na
Câmara Federal o habilitou a disputar a prefeitura de São Luís, em 2008, perdendo a disputa
no segundo turno para o político João Castelo. Em 2010, na reta final da campanha para o
governo do Estado, obteve um bom desempenho nas intenções de voto, alcançando o segundo
lugar na disputa eleitoral.
40
2.3 Abstenção no Maranhão
O não comparecimento do eleitor ao processo eleitoral é um fenômeno mundial.
Nos regimes democráticos, a média gira em torno de 20% (PASQUINO, 2010). No estado do
Maranhão a abstenção do eleitorado é bem elevada, ultrapassando tanto a escala mundial
quanto a nacional, como demonstra o gráfico abaixo.
Gráfico 10 – Abstenção eleitoral no Brasil e no Maranhão (1994-2010)
Fonte: TSE, 2010.
O conceito de eleitor no Brasil é uma construção jurídico-política, que estabelece
requisitos a serem preenchidos para que se possa participar do processo de escolha de
representantes políticos. O “eleitor potencial” é aquele que deve se alistar, maior de 18 anos e
alfabetizado, e o que pode alistar-se, os jovens entre 16 a 17, os maiores de 70 anos e os
analfabetos (BARRETO, 2008).
Acerca dos eleitores, que estando aptos à participação não se fazem presentes no
pleito, é possível levantar-se algumas explicações, nenhuma delas conclusivas, pois são
apenas conjecturas na busca de compreender o fenômeno da ausência deliberada dos votantes.
Pode-se apontar a questão da vulnerabilidade social do eleitorado como um dos
motivos para a ausência nos dias de pleito. A falta de recursos também dificulta a participação
na vida pública. A baixa escolaridade é outro importante motivo dessa marginalização, uma
41
vez que os índices de analfabetismo são bastante elevados em todo o Estado, segundo os
dados apresentados a seguir.
Tabela 1 – Taxas de analfabetismo etária e cor no Estado do Maranhão – 2009.
Faixa etária e cor
Porcentagem
15 anos ou mais de idade – cor branca
15,5%
15 anos ou de mais idade – cor preta
20,1%
15 anos ou de mais idade – cor parda
20,0%
Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional de Saúde Escolar, 2009.
Em São Luís, o índice de pessoas que não sabem ler e escrever é relevante, o que
contradiz o mito da Atenas Brasileira, construído no século XIX, em referência à produção
cultural da elite escravocrata, mito cultivado ainda hoje. Veja-se o que informa a esse respeito
o censo de 2010 os dados abaixo.
Tabela 2 – Número de pessoas que não sabem ler e escrever em São Luís – 2010.
Faixa etária
Total
Porcentagem
Grupos de idade de 15 anos ou mais
36.158
4,7%
Grupos de idade de 15 a 24 anos
2.776
1,3%
Grupos de idade de 25 a 39 anos
7.257
2.6%
Grupos de idade de 40 a 59 anos
12.652
6,1%
Grupos de idade de 60 anos ou mais
13.473
17,3%
Fonte: IBGE, Censo Demográfico, 2010.
Ainda em se tratando de vulnerabilidade social, o baixo nível de renda da
população pode atuar como fator desestimulador da participação política, uma vez que os
indivíduos sentem-se marginalizados da vida pública em geral. Na capital do estado do
Maranhão, é crescente o número de famílias nessa situação e, por isso, são dependentes de
programas sociais, como o Programa Bolsa Família, do Governo Federal. Em 2010, a
transferência de renda atingiu um total de 79.929 famílias, sendo o repasse acumulado até o
mês de dezembro no valor de R$ 92.599.854, 00, segundo as informações do Ministério de
Desenvolvimento Social (2012).
42
Outra variável para explicar o abstencionismo na eleição de 2010 pode ser
associada à falta de mobilização e motivação do eleitorado, uma vez que a participação varia
em função do momento de cada conjuntura política (BARRETO, 2008). Em 2006, por
exemplo, como o grupo Sarney pela primeira vez não contava com a estrutura da máquina
pública a seu favor, possibilitando, assim, que o candidato que lhe fazia oposição se
articulasse com o apoio do governador em exercício, a abstenção diminui, ficando em 20,8%
no primeiro turno e 24,2% no segundo turno, próximo da média mundial.
Não há, portanto, um padrão único para análise do fenômeno da abstenção
eleitoral nos regimes democráticos. Entre os americanos, os percentuais de participação são
mais elevados nas eleições presidenciais. Na França, a participação do eleitor é mais relevante
nas decisões de segundo turno, quando o nível de competitividade aumenta (PASQUINO,
2010). No Maranhão e em todo o Brasil, a participação do eleitor diminui no segundo turno
das eleições majoritárias. Na última eleição municipal, realizada em 2012, constatou-se que o
alto índice de abstenção tem relação com a falta de atualização dos cadastros eleitorais, já que
acumulam nomes de eleitores falecidos e\ou transferidos de domicílio eleitoral sem que a
Justiça Eleitoral seja informada. Em São Luís, por exemplo, novos cadastros não eram
realizados desde 1986 (ARRUDA, 2012).
Porém, uma coisa é certa, o abstencionismo representa o desencanto com a
política tradicional, sobretudo no Maranhão (campeão nacional de abstenção eleitoral), onde a
estrutura de dominação oligárquica se petrificou ao longo dos tempos, de modo que este
fenômeno pode provocar a deslegitimação dos governantes, da classe política e até do sistema
democrático, pois, se democracia significa, entre outras coisas, a participação dos cidadãos,
uma participação insuficiente debilita-a (PASQUINO, 2010).
43
3 A ELEIÇÃO ESTADUAL DE 2010: os principais candidatos na imprensa escrita
Ao escrever sobre a construção da imagem do rei francês Luís XIV, Burke (1994)
analisou as tentativas de moldar ou manipular a opinião pública com o uso da propaganda (em
pleno século XVII), para exaltar os rituais que cercam o poder real (através da pintura,
escultura, teatro, música), além de outras técnicas de persuasão para legitimar o poder
absoluto do rei. Atualmente, são até mais refinadas as estratégias utilizadas para fabricar
imagens e manipular informações. Ao usar o termo “fabricação”, Burke (1994, p. 22) não quis
dizer que a imagem desse rei francês tenha parecido artificial em relação a dos outros
monarcas. Como afirma o autor, “[...] todos nós construímos a nós mesmos. Luís só foi
excepcional no auxílio que recebeu nesse trabalho de construção”.
3.1 A retórica da campanha política
Nos dias de hoje, conta-se com sofisticadas e eficientes formas de fabricação de
imagens, que manipulam elementos do imaginário social, contribuindo para preservar certas
práticas políticas tradicionais na sociedade brasileira. No Maranhão, a família Sarney é dona
do maior sistema de comunicação do Estado. Controla a retransmissora da TV Globo e o
jornal de maior circulação, O Estado do Maranhão. Estima-se que o clã e aliados controlem
cerca de 150 jornais e emissoras de rádio e tevê, que cobrem mais de 80% do território
maranhense (LÍRIO, 2005, p. 31). O suporte tecnológico disponível lhe facilita uma eficiente
divulgação de valores e crenças. As informações passadas de forma contínua, diversas vezes
por dia, são um instrumento eficiente para a fabricação da imagem dos políticos ligados a essa
hegemonia midiática, que constrói verdades e naturaliza relações de dominação e
expropriação, como se poderá ver mais adiante, neste capítulo.
Analisa-se, portanto, as matérias de O Estado do Maranhão e do Jornal Pequeno
como idealizadoras e divulgadoras de imagens concernentes aos principais candidatos do
pleito eleitoral de 2010. A escolha da mídia impressa como objeto de estudo deve-se ao
entendimento de que a imprensa pode ser um
instrumento de manipulação de interesses e de intervenção na vida social; nega-se,
pois, aqui, aquelas perspectivas que a tomam como mero ‘veículo de informações’,
transmissor imparcial e neutro dos acontecimentos, nível isolado da realidade
político-social na qual se insere (CAPELATO; PRADO apud LUCA, 2012, p.118).
44
Parte-se da concepção de que, nos meios de comunicação, constrói-se carismas,
competências e eficiência, os quais, para o senso comum são inerentes e incontestáveis a uma
determinada personagem. Ter o controle desses meios de comunicação resulta na
possibilidade de direção, de comando da sociedade por um determinado grupo, que faz uso da
mídia para impor regras, padronizar hábitos e constituir normas. Há até quem afirme que “[...]
os meios de comunicação se transformaram em novos órgãos de poder, em órgãos políticopartidários, e é por isso que eles precisam recriar a realidade na qual exercem esse poder, e
para recriar a realidade precisam manipular as informações” (ABRANO apud COUTO, 2009,
p. 26).
Porém, a ideia de “coisa” fabricada, artificial, corre o risco de ser desafiada,
desacreditada. É nesse aspecto que se acredita que os imaginários estabelecidos possam ser
questionados, desmantelados e reconstruídos, já que não são estruturas petrificadas e
congeladas no tempo e no espaço. Os poderes constituídos estão sempre sendo questionados,
e é exatamente em épocas de crise que se intensifica a produção de imaginários sociais
concorrentes e antagonistas, é nessa ocasião que as “[...] representações de uma nova
legitimidade e de um futuro diferente proliferam e ganham difusão e agressividade”
(BACZKO, 1985, p. 15).
Na disputa eleitoral travada no Maranhão em 2010, cabe ao jornal O Estado do
Maranhão a fabricação da legitimidade da candidatura da governadora Roseana Sarney
Murad, (re) construindo e manipulando o imaginário político em torno do grupo Sarney. Esse
periódico, pertencente à família da governadora, possui “liderança incontestável” e o maior
número de leitores dentre todos os jornais com circulação diária na grande São Luís, e foi um
dos precursores no uso da cor em todo Norte e Nordeste, “o que aumentou o volume de
vendas avulsas do jornal”, segundo consta em sua página na internet, onde é apresentado
como “um órgão a serviço da verdade” (HISTÓRICO, 2012).
O Jornal Pequeno, por sua vez, apresenta-se na internet como um periódico “de
tamanho restrito e feição gráfica modestíssima”, defensor da “liberdade, dos anseios e da
vontade popular” (HISTÓRIA, 2012). Na condição de jornal oposicionista, busca desconstruir
o discurso do periódico situacionista e apoia as candidaturas de Jackson Lago e Flávio Dino.
O jornal O Estado do Maranhão já inicia o ano de 2010 em ritmo de campanha
pela reeleição da governadora Roseana Sarney Murad, estampando em suas páginas os
empreendimentos financiados pelo governo federal para o Maranhão e as promessas de
redenção para os graves problemas sociais do Estado, que se arrastariam desde o começo do
século XX. A fotografia a seguir, por exemplo, é matéria de capa da edição de sexta feira, 15
45
de janeiro de 2010, noticiando o início da realização da terraplanagem para a construção da
obra da refinaria da Petrobrás, assunto que tem grande destaque nas páginas internas, nas
sessões de política e economia. Dessa forma, o jornal fazia campanha pela eleição da
candidata do presidente Lula à presidência da República e pela reeleição da governadora
Roseana. É importante lembrar que se está ainda em janeiro de 2010 e a data oficial para o
início da campanha eleitoral é o dia 5 de junho desse ano. As presenças do presidente Lula e
da ministra da Casa Civil e candidata ao Palácio do Planalto, Dilma Roussef, reforçam o
prestígio da governadora junto ao governo federal. A afirmação de que a refinaria faria uma
“revolução” no Maranhão, gerando 150 mil empregos diretos e indiretos, consolida a visão de
ser o grupo Sarney capaz de trazer o “desenvolvimento” e o “progresso” para o Maranhão.
Figura 1 - O progresso e a revolução do Maranhão
Fonte: INICIADA..., 15 jan. 2010.
A imagem do trator simbolizando o progresso trazido pelas obras financiadas pelo
governo federal é recorrente na trajetória da oligarquia Sarney. A disposição das personagens
para fazer a foto não é à toa. Reflete a intenção de mostrar ao público leitor que há uma
intrínseca relação entre o governo federal e a mandatária local, que essa relação será mantida
com a reeleição da governadora Roseana Sarney e a eleição da candidata do Presidente Lula,
que aparece entre a governadora e o ministro Edison Lobão, aliado fiel da oligarquia Sarney.
A matéria de capa do Jornal Pequeno (Figura 2) publicado numa edição de
domingo, acerca do mesmo fato, utiliza a mesma foto, num ângulo panorâmico, mas enfatiza
46
o caráter eleitoreiro da visita. O artigo é do jornalista Oswaldo Viviani, que destaca que o
presidente Lula faz a segunda viagem ao Maranhão em pouco mais de um mês, com intuito de
propagar a realização de obras federais para divulgar as candidaturas de Roseana Sarney e
Dilma Rousseff.
Figura 2 - “Viagem caça-votos”
Fonte: VIVIANI, 17 jan. 2010.
Mais uma observação é pertinente na comparação das notícias apresentadas
acima. A qualidade gráfica de O Estado do Maranhão, fruto do lugar social de seus
proprietários, deixa mais atraente o visual das informações que veicula, podendo torná-las
mais convincentes aos olhos do grande público. Já o Jornal Pequeno, dispondo de menores
recursos técnicos e financeiros, não tem uma aparência chamativa e procura compensar com a
força dos ataques o menor apelo visual.
No mês de fevereiro de 2010, este periódico destaca que um dos motivos que
levou à cassação do governador Jackson Lago, no ano anterior, foi a acusação de propaganda
antecipada na ocasião em que o então governador José Reinaldo Tavares anuncia a
candidatura do médico Jackson Lago, no município de Codó, três meses antes do início oficial
da campanha. Vejam-se trechos desse discurso, para relembrar o caso:
O doutor Jackson Lago é um homem lutador, médico. Foi prefeito três vezes em São
Luís é um homem credenciado. Nós temos que acabar com esse negócio de uma
família mandar no Maranhão, gente [...] Nós estamos trazendo essa parceria [...],
com alguns milhões de reais. E digo para vocês que vou fazer ainda muito, mas os
nossos candidatos – ou o Vidigal ou o Jackson – vão continuar e vão fazer ainda
47
mais do que eu fiz [...] Vocês vão ter aqui a condição de escolher entre dois homens
do maior gabarito desse Estado. Um é o doutor Jackson Lago [...]. O outro é nosso
amigo de infância Edson Vidigal (TSE..., 1 fev. 2010).
Para o periódico da oposição, em 2010 o presidente Lula apresenta suas
candidatas Dilma Rousseff e Roseana Sarney do mesmo modo que José Reinaldo Tavares
apresentou Jackson Lago em 2006. Ainda sobre a repercussão da vinda do presidente Lula ao
Maranhão para dar início à obra de terraplanagem no município de Bacabeira, visando à
construção da refinaria da Petrobrás, o jornal O Estado do Maranhão (Figura 3), do dia 16 de
janeiro de 2010, destaca que este empreendimento será uma “nova fase da história do
Maranhão”. Nas palavras do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, será uma “segunda
revolução do Maranhão, considerando que a primeira revolução do Maranhão foi há mais de
40 anos, quando José Sarney assumiu o governo do Estado.
Figura 3 - “A nova fase” do Maranhão
Fonte: LULA..., 16 jan. 2010.
Nesta imagem, a candidata à reeleição aparece numa postura de líder carismática,
receptiva, de braços abertos, pronta para receber a todos. Desde o mandato do governador
José Sarney, com o slogan Maranhão Novo, até os primeiros mandatos de sua filha Roseana
Sarney Murad, apresentados como Novo Tempo, o grupo Sarney procura associar suas
administrações com a ideia de que traz “modernização” e “prosperidade” para o Maranhão.
No governo de José Sarney, as bandeiras eram o Porto do Itaqui, a Barragem do Bacanga, a
48
Hidrelétrica de Boa Esperança, entre outros. Nas administrações do final dos anos 1970 e nos
anos de 1980, a esperança de progresso era a instalação de grandes projetos, como o Programa
Grande Carajás (com destaque para a ferrovia da Vale do Rio Doce) e a multinacional
ALUMAR. Em 2010, o discurso do progresso e da salvação do Maranhão alardeia a
construção da refinaria Premium, da Petrobrás.
O ex-presidente José Sarney se utiliza de seu jornal para rebater as críticas ao seu
mando político, em particular aquelas que o relacionam aos péssimos indicadores sociais do
Maranhão. Às vésperas das eleições, manifestou-se anunciando a vitória de sua filha. Veja-se.
[...] estamos passando por um novo momento de virada como já aconteceu em outras
épocas, mas com a diferença que desta vez os olhos do desenvolvimento estão
voltados para o Norte e Nordeste. Temos a refinaria, temos a descoberta de recursos
naturais como o gás e o petróleo. Esse é o momento do Maranhão e nada melhor
do que continuar com um governo que está dando certo. E esse governo é o de
Roseana, que em menos de um ano e meio no comando do Estado já trabalhou
com o presidente Lula para trazer o desenvolvimento para o nosso Maranhão.
É por isso que digo que a vitória da governadora é certa’, afirmou o senador
(SARNEY, 28 set. 2010, p. 3, grifou-se).
Analisando a fala do senador José Sarney, pode-se ver que ele busca revestir sua
filha Roseana Sarney Murad com dois importantes princípios de legitimidade – a dominação
tradicional e a dominação carismática –, que se encontram combinados. Dominação
tradicional, porque baseada na crença de uma autoridade pré-existente, autoridade pessoal
pelo status herdado; dominação carismática porque inspirada no heroísmo, no caso aqui
destacado, a façanha da governadora, “[...] que em menos de um ano e meio no comando do
Estado já trabalhou para trazer o desenvolvimento para o Maranhão”.
Segundo Bendix (1996, p. 238), a “[...] liderança carismática é especialmente
requisitada nos períodos de crise, embora, ocorra também nos sistemas de dominação
permanente, produto da crise e do entusiasmo”. Não se pretende com esse conceito weberiano
afirmar que a governadora Roseana Sarney Murad seja portadora de dom, poderes mágicos ou
missão divina, mas destacar como O Estado do Maranhão procura cultivar uma imagem
carismática dela no imaginário social dos leitores, possíveis eleitores.
O jornal exibe sempre aparições da governadora visitando municípios,
inaugurando obras públicas em grandes festividades e, sobretudo, confirmando o apoio do
presidente Lula à sua gestão. E destaca falas em que ela anuncia que seu “[...] governo
trabalha para garantir mais qualidade de vida com obras de saúde, infraestrutura, educação,
trabalho e renda para a população” (ROSEANA..., 6 maio 2010, p. 3).
49
As visitas constantes aos municípios são uma estratégia adotada por ela em seus
dois mandatos anteriores (1995 - 1998; 1999 - 2002). Segundo Gonçalves (2008, p. 144), o
governo itinerante é “[...] uma possibilidade no jogo político para congregar forças políticas
nos municípios do Estado e arregimentar mão de obra específica para esse trabalho, através do
apoio explícito dos prefeitos e políticos aliados dos municípios do Maranhão”.
Dessa maneira, o grupo Sarney se utiliza de um “clientelismo moderno”, exercido
por políticos profissionais, o qual, à semelhança de práticas clientelistas tradicionais, tem
como resultado não uma forma de consenso institucionalizado, mas uma rede de fidelidades
pessoais
entre
os
políticos
que
lhes
possibilita
dispor
dos
recursos
estatais
(MASTROPAOLO, 2010).
Numa edição de O Estado do Maranhão, antes do período permitido para a
campanha eleitoral desse ano, o jornal noticiava que
[...] nesse governo itinerante Roseana vai costurando apoio político dos prefeitos à
sua reeleição [...] durante uma semana, ela visitou obras nos municípios com
recursos estaduais e ouviu das lideranças locais novas reivindicações que serão
analisadas pelo governo federal [...] (ROSEANA..., 8 maio 2010).
Ao passar pelo município de Barra do Corda, Rigo Teles, deputado pelo PV
(Partido Verde) e aliado da governadora faz a seguinte declaração: “Quando eu estou aliado,
estou mesmo. Não há um prefeito que me apoie e que não apoie a governadora. Todos foram
confirmar a aliança com Roseana” (ROSEANA.., 8 maio 2010, p. 3). A fala do parlamentar
caracteriza perfeitamente a relação clientelística estabelecida entre ele e os prefeitos de sua
região em relação ao “apoio” ao governo estadual. Com discursos desse tipo, o jornal quer
convencer seus leitores de que a liderança da governadora é inconteste a ponto de obter apoio
de quase todos os municípios do estado, ou seja, que é legítima sua dominação, seu lugar no
poder. Tais procedimentos, como diz Charaudeau (2008, p. 63), comprovam que
[...] o discurso midiático encontra-se entre um enfoque de cooptação, que o leva a
dramatizar a narrativa dos acontecimentos para ganhar a fidelidade de seu público, e
um enfoque de credibilidade, que o leva a capturar o que está escondido sob as
declarações dos políticos para justificar seu lugar na construção da opinião pública.
O Estado do Maranhão visa promover, em curto prazo, a crença na popularidade
de sua candidata. Muitos de seus argumentos indicam a realização de práticas
patrimonialistas, elemento presente há muito na cultura política do nosso país. No dia 4 de
junho de 2010 é divulgado que “Roseana conquista o apoio de prefeitos de oposição no
Maranhão: PDT, PSDB, PSB e até do PC do B”. Essa notícia procura mostrar que não há
50
oposição ao seu governo e à sua reeleição, pois prefeitos dos principais partidos da oposição
estão apoiando a governadora. Logo, sua reeleição é legítima. Para enfatizar o peso dessa
notícia, recorre-se a uma reflexão de Charaudeau (2008, p. 67): “[...] a legitimidade é o
resultado de um reconhecimento, pelos outros, daquilo que dá poder a alguém de fazer ou
dizer em nome de um estatuto (ser reconhecido em função de um cargo institucional), em
nome de um saber, em nome de um saber fazer [...]”.
Sobre o apoio dos prefeitos à candidatura oficial, matérias do Jornal Pequeno
alertam que se trata de “assédio moral”, por meio de convênios firmados entre o governo e as
prefeituras municipais. Um artigo do deputado federal Domingos Dutra (PT) afirma:
[...] é chantagem mesmo. É o preço que Roseana está pagando pela submissão dos
prefeitos. Essa chantagem é uma prática da oligarquia Sarney ao longo de toda
existência [...] Onde está a Justiça Eleitoral, o Ministério Público, que não fazem
nada contra isso? (PARA OPOSIÇÃO..., 27 jun. 2010, p. 3).
Em várias matérias de capa, O Estado do Maranhão anuncia os números das
verbas conseguidas pelo governo estadual junto ao governo federal, demonstrando assim a
capacidade da gestão da governadora em trazer recursos necessários ao crescimento e
desenvolvimento da região. É o governo do “Maranhão - de volta ao trabalho”, slogan da
administração de Roseana Sarney quando assumiu após a cassação de Jackson Lago,
anunciando à população que sua gestão é melhor do que a anterior. Porém, para o Jornal
Pequeno (OPOSIÇÃO..., 19 set. 2010, p. 3), a governadora “[...] promove-se às custas da
máquina do estado, em grave violação ao princípio da impessoalidade, base da administração
pública [...]”. Acusações dessa natureza motivaram a coligação “Muda Maranhão” – formada
pelos partidos PC do B (Partido Comunista do Brasil), PSB (Partido Socialista Brasileiro) e
PPS (Partido Popular Socialista) com Flávio Dino como candidato ao governo – a formular
uma representação junto ao Tribunal Regional Eleitoral contra a candidata Roseana Sarney,
com base em denúncia de abuso de poder político.
Desde o período que antecede a campanha autorizada pela Justiça Eleitoral, o
jornal situacionista procura deslegitimar a candidatura do médico Jackson Lago, ao pleito de
2010, seja destacando a aliança do PDT (Partido Democrático Trabalhista) ao PSDB (Partido
da Social Democracia Brasileiro), atrelando o nome do ex-governador ao do candidato José
Serra, seja explorando a cassação de Jackson Lago pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ou
alardeando o problema de saúde de seu oponente, como demonstra o artigo de Marco Aurélio
D’Eça (7 maio 2010, p. 3):
51
O ex-governador disputou as eleições municipais de 1996 e 2000 e as estaduais de
2002 e 2006, sempre sob suspeita de estar doente e sempre negando a informação.
Ele só tocou no assunto, mesmo assim de forma superficial, após deixar o governo
em 2009, cassado pela justiça eleitoral.
O argumento discursivo do periódico faz uso de dois campos de saber para por em
cheque as condições de Jackson Lago em concorrer ao governo do Estado: impedimento
médico, a doença do candidato; impedimento jurídico, a possível impugnação de sua
candidatura por ser considerado candidato “ficha suja” (referência à Lei da Ficha Limpa ou
Lei Complementar nº 135 de 2010, que prevê a inelegibilidade de políticos com histórico de
condenações eleitorais).
Do mesmo modo, o jornal do grupo dominante aposta na desqualificação do
candidato do PC do B, como demonstra o trecho a seguir:
O deputado federal Flávio (PC do B), candidato da coligação ‘Muda Maranhão’ que
tem o PSB do ex-governador José Reinaldo Tavares como aliado político e eleitoral,
sofreu oscilações para mais e para menos, mas não o tirou da terceira posição,
segundo as pesquisas Escutec e Ibope. O candidato do PC do B perde muito na
maioria das regiões, tendo bom desempenho apenas em São Luís, onde consegue
ultrapassar Jackson Lago e se colocar como segundo nome na preferência do
eleitorado. Na avaliação dos políticos envolvidos no processo eleitoral, essa posição
se deve à sua participação recente na eleição para prefeito de São Luís, em que foi
para o segundo turno e ficou em segundo lugar (CAMPANHA..., 12 set. 2010, p. 3).
A ênfase na aliança política de Flávio Dino com José Reinaldo Tavares,
certamente aposta no possível descrédito em que o ex-governador estaria após ter sido preso
pela Polícia Federal, em 20074, acusado de integrar esquema de fraudes em licitações
ocorridas em seu governo, que desviara recursos públicos para “estradas fantasmas”, que não
teriam sido construídas. Outra mensagem do texto é de que o candidato não tem bom
desempenho em grande parte do Estado, mas apenas na capital porque concorreu à prefeitura
de São Luís em 2008.
Aqui, não cabe especular se as colocações expressas nessa matéria jornalística têm
ou não fundamento, pois, como afirma Charaudeau (2008, p. 84), o discurso político é uma
mistura do logos, do ethos e do pathos, de modo a promover uma encenação que oscila entre a
ordem da razão e da paixão: “[...] as mídias compreendem bem que o mundo da política tem
necessidade de dramaturgia, e que essa dramaturgia consiste, para uma grande parte, em
guerra de imagens para conquistar imaginários sociais”.
4
Operação Navalha – realizada pela PF em nove estados – (PE, AL, BA, SE, PI, MA, GO, MT, SP) e no DF. O
objetivo foi desmontar um esquema de fraude em licitações e desvio de recursos públicos do Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC) e do programa Luz para todos (PF PRENDE..., 2007).
52
Enquanto O Estado do Maranhão fabrica uma imagem de legitimidade da
governadora Roseana Sarney Murad, o Jornal Pequeno atua como um contrapoder diante das
estratégias de convencimento e persuasão do jornal governista. Na edição de 3 de janeiro de
2010, o editorial é um texto intitulado “Previsões para 2010”, assinado pelo deputado federal
Roberto Rocha, filho do ex-governador Luís Rocha e oposicionista ao grupo Sarney:
O Maranhão vai dar um salto de qualidade e desenvolvimento, pelo menos na
propaganda do governo, e quem puder, sugiro que se mude para dentro da
publicidade governamental, onde o Maranhão é rico e próspero, o povo tem trabalho
e o ano inteiro todos os governantes vivem rindo [...] A refinaria de Bacabeira será
anunciada pela trigésima vez como a redenção do Estado. Vai sobrar emprego, pelo
menos na propaganda do governo. Sugiro que se crie o Dia da Redenção do
Maranhão, declarando feriado estadual [...] (ROCHA, 3 jan. 2010, p. 3).
Em tom de ironia, o texto ridiculariza a imagem defendida pelo governo de
Roseana Sarney Murad ao repetir o discurso de desenvolvimento e progresso, utilizado pela
oligarquia Sarney para justificar seu domínio no Maranhão.
Além de utilizar ironia para se referir aos anúncios do governo, o Jornal Pequeno
estampa em suas páginas escândalos envolvendo a família Sarney no cenário da política
nacional, a exemplo do caso dos atos secretos do Senado Federal, nos quais o presidente do
Senado José Sarney foi personagem de destaque:
[...] o generoso guarda-chuva sarneysista aberto em Brasília abriga gente que, na
maioria dos casos, sequer mora na capital do país [...] O Jornal Pequeno divulga a
lista das pessoas no esquema dos atos secretos do Senado: 1- Amaury de Jesus
Machado (espécie de mordomo de Roseana Sarney) – salário de R$ 12, mil mensais,
cumpre expediente na mansão de Roseana no Lago Sul de Brasília; 2 – Rosângela
Terezinha Michels Gonçalves – (ex-miss, foi namorada do superintendente do
Sistema Mirante, Fernando Sarney, com quem tem um filho), cargo comissionado
(secretária parlamentar,) salário R$ 7.600, substitui o filho João Fernando Michels
Gonçalves no gabinete de Epitácio Cafeteira; 3 – Nathalee Rondeau Cavalcanti Silva
filha do ex- ministro de Minas e Energia Silas Rondeau – assistente parlamentar, R$
2,5 mil; 4 – Juliane Nunes Escórcio Lima e Alba Leide Nunes Lima- (filha e mulher
de Francisco Escórcio), Juliane – assistente parlamentar no gabinete de Mauro
Fecury e Alba no gabinete do próprio Sarney, como assistente parlamentar [...]
(PEQUENO..., 6 jan. 2010, p. 7).
A matéria acima citada exemplifica um dos mais recentes casos de práticas de
nepotismo ainda reinantes no país, demonstrando que aqui não se concretizou plenamente o
aparato do Estado Burocrático de acepção weberiana, tornando válida para o Maranhão do
século XXI a análise feita por Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil. Para esse
autor, no Brasil, o que importa são as relações sociais inspiradas na família patriarcal,
53
[...] em que a própria gestão política apresenta-se como assunto de seu interesse
particular; as funções, os empregos e os benefícios que deles aufere relacionam-se a
direitos pessoais [...] e não a interesses objetivos, como sucede no verdadeiro Estado
Burocrático, em que prevalecem a especialização das funções e o esforço para se
assegurarem garantias jurídicas aos cidadãos (HOLANDA, 2004, p. 146).
Pode-se dizer, portanto, que a cultura política do Brasil ainda mantém muito das
normas, crenças e valores políticos constituídos em tempos passados. Os laços familiares, as
relações de clientelismo ou a recompensa da lealdade partidária são muito fortes; a
democracia despersonalizada é um vir-a-ser longe do alcance dos cidadãos comuns.
A experiência política no estado do Maranhão recorre às práticas de clientelismo
como se fossem naturalizadas, como se o favorecimento de amigos, parentes e
correligionários fosse um direito inquestionável de quem está no poder. Tais práticas são uma
herança cultural herdada das raízes luso-espanholas da sociedade brasileira, de acordo com a
tese defendida por Holanda (2004) e partilhada por muitos outros autores, como Graham
(1997, p. 271), que as coloca na gênese da história pátria:
[...] o mais antigo relato da descoberta do Brasil, escrito como carta ao rei português
por Pero Vaz de Caminha em 1500, terminava com um rogo de clemência em favor
de seu genro. Esse pedido foi a marca de nascença da política brasileira, e a troca de
apadrinhamento por serviços e lealdade continua sendo um sinal visível até nossos
dias.
Mas a prática do clientelismo não é uma exclusividade do Maranhão, embora
nesse estado tenha uma sobrevivência mais forte devido a uma série de questões
socioeconômicas e culturais. Enquanto O Estado do Maranhão silencia diante das denúncias
referentes aos integrantes do grupo Sarney ou as coloca como perseguição dos opositores, o
Jornal Pequeno se encarrega de ser o porta-voz desses escândalos, como na seguinte matéria:
O jornal francês ‘Le Monde’, que circula nesta quarta-feira (13) publica uma
reportagem que trata sobre a corrupção na América Latina. O título da matéria é ‘As
esquerdas da América Latina confrontadas com a corrupção’. O presidente do
Senado, José Sarney foi flagrado com a mão na botija em alguns casos de corrupção,
de empregos fictícios, e de outras ‘indelicadezas’[...]. O ‘Le Monde’ acrescenta que
o presidente Lula salvaguardou o senador da coalizão governamental, ‘mesmo ele
representando o que há de pior na classe política brasileira’ (‘LE MONDE’..., 13
jan. 2010, p. 3).
A participação do presidente Lula na campanha eleitoral de 2010 foi um
importante trunfo político utilizado pela oligarquia Sarney para legitimar a candidatura da
governadora Roseana Sarney Murad à reeleição ao Palácio dos Leões. O uso dos programas
sociais do governo federal, nomeados como Viva Luz, Viva Água, Viva Gente, Leite é Vida,
entre outros, constitui-se em importante moeda de troca junto ao eleitorado mais humilde,
54
numa reatualização do clientelismo. Na perspectiva de José Sarney, Roseana Sarney Murad é
a melhor opção nas eleições de 2010 porque tem “[...] a competência na administração do
estado e a amizade com o presidente Lula e com a candidata à Presidência da República,
Dilma Roussef” (SARNEY, 28 set. 2010, p. 3).
No dia do escrutínio eleitoral, a Coluna do Sarney, em O Estado do Maranhão,
traz um artigo, do qual se transcreve alguns trechos:
Ela merece ficar
[...] Nós do Maranhão vivemos, hoje, uma das eleições mais importantes de nossa
democracia. Perdemos o bonde de nossa história na República, na Revolução de
30, no desenvolvimentismo que aqui não passou. Agora não podemos deixar
passar essa grande mudança de rumo, a maior de todas que tivemos... Roseana
fez excelente trabalho. Agora com a mudança do Brasil com Lula e Dilma não
vamos perder mais uma vez o bonde da história. Roseana está entrosada com
Dilma, já trabalharam juntas e vão fazer um grande governo [...] é a hora de
aproveitar nossos prestígios, Roseana, Lobão, João Alberto e eu, todos nós da
bancada federal para darmos o grande salto. O petróleo vem aí, as plataformas já
estão perfurando no mar. Tudo nos enche de euforia. O nosso povo deve nos ajudar
com uma grande votação. Ela merece ficar, com sua ajuda, seu voto, seu apoio
(SARNEY, 3 out. 2010, p. 1, grifou-se).
Nesse discurso dramático e apelativo, José Sarney explica, num claro ato falho5 ,o
caráter patrimonialista, personalista e clientelista de sua dominação ao dizer “é a hora de
aproveitar nossos prestígios”, afinal, quem se beneficia dessa estrutura de dominação são
aqueles que partilham diretamente do poder.
Enquanto O Estado do Maranhão assume uma postura pró-Roseana Sarney e
contrário às candidaturas Jackson Lago e Flávio Dino na campanha, o Jornal Pequeno assume
postura inversa, combatendo a oligarquia Sarney e defendendo os candidatos da oposição.
O ex-governador Jackson Lago, em artigo publicado no dia 6 de fevereiro de
2010, cujo título é “Unidade já”, expressa o desejo de reeditar a união das oposições
realizadas em 2006. Veja seu argumento.
[...] As oposições reunidas já demonstraram que é possível derrotar o poder
oligárquico. E o caminho para isso é o caminho da unidade, da conjugação de
esforços, da união de forças. Nenhum de nós é maior que todos nós juntos. O povo
sabe disso e exige que nós da oposição estejamos unidos e solidários entre nós.
Desde o ano passado, quando começaram as discussões sobre os caminhos de 2010,
venho defendendo a unidade oposicionista. O nome que representará é
conseqüência. Será o nome indicado pela própria população, através de consultas a
ela por meio de pesquisas de opinião pública (LAGO, 6 fev. 2010, p.3).
5
Ato falho: “lapsos de linguagem, exprimem impulsos e intenções que devem ficar ocultos à própria
consciência, ou emanam justamente dos desejos reprimidos [...] através deles o homem trai, em regra, os mais
íntimos segredos” (FREUD, 1997).
55
O ex-governador tinha esperanças de que sua candidatura fosse aceita pelos
representantes das oposições, uma vez que seu nome aparecia em segundo lugar nas pesquisas
de intenção de voto, como demonstra o gráfico a seguir.
Gráfico 11 – Pesquisas para Governador do Maranhão, estimulada no 1º turno do ano de
2010.
Fonte: TRE-MA (Arquivo do professor Wagner Cabral da Costa).
Na tentativa de construção de uma candidatura de oposição capaz de enfrentar a
força e o poderio da oligarquia Sarney, o Jornal Pequeno começa a anunciar a articulação dos
grupos que poderiam lançar nomes à disputa de 2010. Vejam-se as possibilidades anunciadas:
Lideranças dos principais partidos de oposição, reunidas em São Luís para festejar
os 30 anos de fundação do PT, firmaram ontem a noite o esboço de um pacto para
enfrentar o grupo Sarney [...] Falando na condição de representante do PDT, o
economista Cândido Lima observou a necessidade de união dos partidos de
oposição, dizendo que desde já devem ser construídas alianças para assegurar
avanços nas políticas sociais iniciadas pela gestão do ex-governador Jackson Lago
[...] Em seu pronunciamento, o presidente da Assembléia Legislativa deputado
Marcelo Tavares, também defendeu a unidade das forças de oposição, dizendo que
chegou a hora da luta pela redenção final do povo maranhense [...] Flávio Dino
pregou a importância da eleição da ministra Dilma como sucessora do presidente
56
Lula: ‘Temos agora a obrigação de manter o Brasil no rumo certo. Porque é isso que
o Brasil e o mundo esperam de nós’, declarou o deputado, chamando as demais
lideranças para o compromisso de consolidar a unidade do campo democrático e
popular no Maranhão (NA CELEBRAÇÃO..., 11 fev. 2010, p. 3).
Enquanto o representante do PDT, Cândido Lima, ratifica o nome de Jackson
Lago como candidato das oposições, Marcelo Tavares (PSB) e Flávio Dino (PC do B)
parecem não conjugar da mesma intenção. Tavares, então presidente da Assembléia
Legislativa, evoca a cultura política da libertação pela “redenção final do povo maranhense”,
sem citar nomes, enquanto Flávio Dino apega-se ao projeto de reeleição da candidatura do PT
à presidência da República, ratificando um dos elementos da dominação oligárquica, que é o
incondicional apoio do governo federal.
No mês de junho, é publicada notícia sobre a homologação da candidatura de
Flávio Dino. É assim que o Jornal Pequeno (2010) refere-se a esse fato: “a candidatura de
Flávio Dino é a expressão do sentimento de mudança que está disseminado em todo
Maranhão”. Nas edições de julho noticia mais de uma vez, as dificuldades de Jackson Lago
em legitimar sua candidatura junto à Justiça Eleitoral por conta da Lei da Ficha Limpa (Lei
Complementar nº 135 de 2010).
A partir de agosto, com o crescimento de Flávio Dino nas pesquisas de intenção
de voto, este candidato passa a ocupar lugar de destaque nas páginas do jornal de oposição ao
grupo Sarney e assume uma imagem de “honestidade” e de “luta pelos menos favorecidos”,
como se pode observar por suas próprias palavras:
Nunca ninguém viu meu nome envolvido em denúncias de corrupção. Nunca
ninguém me viu acusado de roubar dinheiro do povo. E posso garantir que essa
honestidade vai permear todo o meu governo. Vou continuar trabalhando pelo povo
e olhando para o povo como fiz em toda minha carreira [...] Eu fui juiz por dez anos,
mas deixei de julgar para ser julgado. É a minha história que eu coloco agora à
disposição do povo do Maranhão. Uma história de honestidade e de luta pelos
menos favorecidos (A MUDANÇA..., 24 ago. 2010).
Ao se colocar como tendo reputação ilibada, o candidato do PC do B atingia de uma vez
só os demais concorrentes. Jackson Lago e Roseana Sarney tiveram questões a acertar com a Justiça
Eleitoral até ás vésperas das eleições. Flávio Dino era a própria personificação da Justiça, apresentada
nas imagens veiculadas pelo Jornal Pequeno.
57
3.2 Perfil dos candidatos
Esse é o título da matéria de O Estado do Maranhão, de 3 de outubro de 2010, dia
da eleição aqui analisada, apresentando os candidatos ao cargo de governador do estado. Os
cinco concorrentes foram assim retratados no jornal situacionista:
Roseana Sarney
Roseana Sarney nasceu em São Luís e formou-se em Sociologia pela Universidade
de Brasília (UnB). Investindo na qualificação profissional, cursou mestrado em
Ciências Políticas na Suíça. Em 1984, atuou como assessora política na campanha
das “Diretas Já”, que culminou com a eleição de Tancredo Neves e José Sarney para
presidente e vice-presidente da República e marcou o fim do período de ditadura
militar no Brasil. Em 1990, foi eleita a deputada federal mais votada do Maranhão.
Em 1992, foi apontada como a "musa do impeachment" por coordenar as
articulações no Congresso que culminaram com o afastamento do ex-presidente
Fernando Collor de Mello. Em 1994, Roseana foi eleita a primeira governadora do
Maranhão e em 1998 foi a primeira mulher reeleita governadora no Brasil, com 66%
dos votos. Ao fim de seu segundo mandato de governadora, em 2002, elegeu-se
senadora pelo Maranhão. Em 2006, disputou o governo e ficou em segundo lugar no
pleito com diferença de 2% dos votos. De volta ao Senado, em 2007, foi líder do
Governo Lula no Congresso. Com a cassação pela Justiça, em abril de 2009, do
então governador Jackson Lago, assumiu o Governo do Maranhão.
Jackson Kepler Lago
Jackson Kepler Lago nasceu em Pedreiras, em 1934. Formou-se em Medicina no
Rio de Janeiro e iniciou sua vida política na década de 60, pelo antigo MDB, então
partido de resistência ao regime militar. Em 1979, junto com Leonel Brizola, foi um
dos fundadores do PDT. Em 1974, foi eleito deputado estadual e prefeito de São
Luís por três mandatos: 1989-1992, 1997-2000 e 2001-2002. Candidatou-se ao
governo em 1994 e 2002, mas foi em 2006 que foi eleito governador, com 51,82%
dos votos contra 48,18% da segunda colocada Roseana Sarney. Em 16 de abril de
2009, teve o mandato cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em 2010,
Jackson Lago, mais uma vez, se candidata ao Governo do Estado.
Flávio Dino
Flávio Dino é deputado federal, candidato ao Governo do Maranhão pela Coligação
Muda Maranhão (PCdoB/PSB/PPS). É maranhense de São Luís, casado e pai de
dois filhos. É professor universitário desde 1993, é advogado e está, atualmente, no
seu primeiro mandato como deputado federal. Foi professor da Faculdade de Direito
da Universidade de Brasília (UnB) entre os anos de 2001-2006. É candidato ao
Governo do Maranhão e em 2008 disputou a Prefeitura de São Luís. Flávio Dino foi
secretário da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MA, no período de 1991 a
1993; juiz federal, Maranhão e Distrito Federal (1994-2006); juiz convocado do
Tribunal Regional Federal da 1ª Região (2004-2005); juiz do Tribunal Regional
Eleitoral do Maranhão (1995-1997). Na Câmara Federal é membro da Comissão de
Constituição e Justiça de Cidadania. Flávio Dino é autor de vários livros e artigos
jurídicos.
Marcos Silva
Marcos Silva é trabalhador urbanitário concursado da Companhia de Saneamento
Ambiental (CAEMA) no cargo de operador de elevatória desde 2007. Ex-militante
do Sindicato dos Trabalhadores em Indústria de Laticínios e Carnes. Durante 10
anos trabalhando como autônomo, ajudou a organizar desempregados e sem tetos na
capital São Luís. Já participou da direção da CUT-MA, mas rompeu com a entidade
junto com diversos militantes sindicais para construir a Conlutas em 2003. Sua
candidatura defende um governo da classe trabalhadora, que implemente as
58
necessárias mudanças na estrutura econômica, política e social, abrindo caminho
para uma transição socialista. Visa mostrar que não há saída para os trabalhadores
nos limites do sistema capitalista.
Saulo Arcangeli
O candidato do PSOL Saulo Arcangeli, 38 anos, é formado em Ciências da
Computação. Trabalhou na área administrativa do Hospital do Ipem e como
programador de computador na Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
Atualmente é analista de informática do Ministério Público da União (MPU),
militante do movimento sindical e professor do Departamento de Matemática e
Informática da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). Iniciou sua militância
no movimento estudantil, sendo um dos coordenadores do DCE/UFMA. Foi
fundador do PSOL/MA, primeiro presidente estadual do partido de 2005 a 2007 e,
atualmente, é presidente do Diretório Municipal de São Luís. Hoje, está licenciado
dos cargos da Secretaria Executiva Nacional da Central Sindical e Popular Conlutas e de Coordenador Geral da Federação Nacional dos Trabalhadores no
Judiciário Federal e MPU – Fenajufe e do Sintrajufe/MA. (SEIS, 3 out. 2010).
A descrição do perfil de cada candidato tráz elementos enfatizados por eles
próprios nos seus discursos de campanha, e permite-se vislumbrar muitos outros elementos
utilizados por eles e por seus apoiadores na construção de suas imagens ou na desconstrução
da de seus oponentes.
Em estudo sobre a construção da imagem política de Roseana Sarney Murad,
Gonçalves (2008) analisou os períodos referentes à campanha por uma vaga na Câmara
Federal em 1990, à corrida ao governo do estado em 1994 e a reeleição de 1998. Em cada
campanha é enfatizada uma imagem especifica, fabricada e divulgada nas páginas do jornal O
Estado do Maranhão. No ano de sua aparição na política partidária, em 1990, a imagem mais
forte é a da socióloga, filha do ex-presidente José Sarney, preparada para assumir funções
públicas tanto pelo título adquirido em uma instituição reconhecida, como pela herança
genética e política. Em 1994, a “preparação” da candidata é atribuída às suas funções
parlamentares no Congresso, sobretudo, o título adquirido como “musa do impeachement”
que resultou na cassação do presidente Collor de Melo. Em 1998, ano da primeira reeleição, a
governadora se encontrava convalescente de uma enfermidade que a afastou fisicamente da
campanha, e que permitiu fortalecer a imagem de mulher “guerreira”, capaz de enfrentar todas
as dificuldades com grande força e coragem.
Já a carreira política do médico Jackson Kepler Lago se inicia no contexto de luta
contra o Regime Militar ao lado de lideranças nacionais, como Leonel Brizola, com quem
fundou o PDT, em 1979. Deputado estadual e prefeito de São Luís por três vezes, Jackson
Lago concorreu duas vezes ao governo do estado (1994 e 2002), sem obter vitória, somente
obtendo êxito em 2006 com a formação da “Frente de Libertação do Maranhão”, em que o
PDT e os demais partidos de oposição ao grupo Sarney “foram os grandes condutores da
59
vitória do povo maranhense”, na qual Jackson Lago é convertido em “herói da libertação do
Maranhão” (MOREIRA, 2007). Sobre essa representação ligada ao político Jackson Lago,
Costa (2009c) assevera que o discurso da libertação é recorrente na história das oligarquias
maranhenses. Foi usado na década de 1950, contra a oligarquia de Vitorino Freire, e na
eleição de José Sarney em 1965. A vitória do médico pedetista em 2006 seria, então, a terceira
libertação do estado do Maranhão. Porém, para esse historiador e analista político, tal
episódio não significou o “[...] fim da oligarquia Sarney”, mas um “processo de reestruturação
da estrutura oligárquica de poder semelhante ao ocorrido em meados de 1960, com a ascensão
de Sarney sob a tutela militar” (COSTA, 2009c, p. 98).
Em períodos de campanha eleitoral, a confrontação no campo da política torna-se
uma guerra entre forças antagônicas, na qual todos os golpes são permitidos, desde a omissão
de informações à desqualificação dos concorrentes, são armas da disputa que ambos os jornais
se permitem acionar. O Estado do Maranhão, enquanto enaltece sua heroína, aproveita suas
páginas para desacreditar seus concorrentes diante dos leitores. Nos primeiros meses do ano
de 2010, o alvo preferido é o ex-governador Jackson Lago, segundo colocado nas pesquisas
de intenção de votos até meados do mês de agosto. Esse candidato foi execrado inúmeras
vezes por conta da cassação de seu mandato pelo TSE e acusado de atrapalhar o progresso e
desenvolvimento do Maranhão, como atesta a seguinte matéria:
O Maranhão correu o risco de perder a refinaria da Petrobrás por absoluto
desinteresse do governo Jackson [...] correu risco também de perder a Suzano. A
fábrica de celulose, que dará mais de 10 mil empregos na região de Imperatriz, não
teve suas demandas atendidas à época e o seu projeto já focava os estados do Pará e
Tocantins. As negociações foram reabertas por Roseana e o investimento já está
assegurado, com obras em andamento (DOCUMENTO..., 2 set. 2010, p. 3).
Em outra matéria, o candidato Jackson Kepler Lago, do PDT, é associado à
candidatura nacional de José Serra, do PSDB, e ao “projeto neoliberal” deste partido: “Eleitor
poderá agora escolher de um lado o projeto de poder do PSDB defendido pelo PDT, do outro,
a aliança Roseana/Dilma/Lula, representado por Dilma Rousseff” (DEFINIÇÃO..., 10 maio
2010, p. 3). Segundo aquele jornal, são três as opções para o eleitor: 1 Jackson/Serra/Fernando Henrique Cardoso; 2 - Roseana/Dilma/Lula; 3 - Dissidentes dos dois
lados agrupados à candidatura de Flávio Dino. A opção do eleitor por Lula/Roseana/ Dilma é
retratada como a maneira de garantir para o povo do Maranhão os programas Bolsa Família,
Luz
para
Todos
e
Minha
Casa,
Minha
Vida.
Enquanto
a
opção
política
Jackson/Serra/Fernando Henrique Cardoso é associada ao ideário do Estado mínimo, redução
de gastos com programas sociais. Pelo exposto, o jornal oficial da oligarquia omite sua
60
própria ligação com o “projeto neoliberal”, que agora demoniza como se fosse a origem de
todo mal da sociedade brasileira.
Porém, nos governos anteriores de Roseana Sarney Murad, as promessas de
desenvolvimento e progresso eram associadas à gestão do presidente Fernando Henrique
Cardoso. Nas campanhas de 1994 e 1998, Roseana Sarney Murad fora eleita com o apoio do
projeto político que agora demoniza. Vejamos a carta de apoio que Fernando Henrique lhe
escreveu em 1994:
Brasília, 10 de novembro de 1994.
Roseana,
Concordo com você quanto ao fato de que o Maranhão é, hoje, um dos mais viáveis
Estados do País.
Desejo ajudar o Maranhão e, por isso, peço ao povo maranhense que me ajude a
ajudar o Estado, votando em você para governadora.
Sua eleição significa que teremos um excelente clima de trabalho. Conheço você, sei
de sua competência, do seu trabalho, da sua experiência, da sua determinação. O
povo maranhense saberá reconhecer essas qualidades com sua eleição.
Receba o abraço amigo e solidário do Fernando Henrique Cardoso (O ESTADO DO
MARANHÃO, 11 nov. 1994 apud GONÇALVES, 2008, p. 308).
Na campanha de 1998, quando a governadora concorria à reeleição, convalescente
numa cama de hospital em São Paulo, o jornal de sua família noticiava a preocupação do
presidente Fernando Henrique Cardoso com seu estado de saúde, como mostra o seguinte
trecho da matéria: “[...] Fernando Henrique telefonava quase diariamente para o INCOR,
pediu à esposa, dona Ruth, que a visitasse por duas vezes, e ele próprio foi a São Paulo para
uma visita especial” (O ESTADO DO MARANHÃO, 1998 apud GONÇALVES, 2008, p.
202).
Pode-se afirmar, portanto, que a oligarquia do grupo Sarney no Maranhão é capaz
de qualquer estratégia discursiva para compor aliança com o governo federal e assim, garantir
as benesses governistas que sustentam o mandonismo desde a formação do Estado nacional.
Na campanha eleitoral de 2006 para o governo estadual, a imagem de Roseana
Sarney incorpora a proximidade com o então presidente Lula, procurando capitalizar a
popularidade dele para renovar a feição do domínio do seu grupo político através da
“vermelhização” da oligarquia, ou seja, apropriando-se da simbologia da cor vermelha,
tradicionalmente utilizada pela esquerda, para reinventar o mando oligárquico. A novidade do
pleito de 2010 foi a oficialização do apoio político do PT à candidata da oligarquia Sarney,
em meio a uma série de protestos de petistas históricos, contrários a esse “pacto de
governabilidade” assumido entre o diretório nacional do PT e o grupo dominante da política
estadual. Esse acordo deu, à governadora Roseana Sarney Murad, uma nova imagem pública
61
atrelada ao partido político do presidente Lula, que durante muitos anos teve significativo
papel no meio da esquerda no Brasil. O jornal situacionista fez questão de propagar:
Para Roseana Sarney, a aliança PT/PMDB é um momento histórico para o
Maranhão. ‘Juntos poderemos fazer uma revolução neste estado’, afirma a
governadora [...] A governadora Roseana Sarney sempre sonhou com a aliança com
o PT. Segundo ela, pela sua própria história política, muito próxima da de Lula. Em
1989, Roseana apoiou a candidatura de Lula à Presidência contra o candidato
da elite paulista, Fernando Collor de Mello. ‘Em 1992, eu fui coordenadora do
processo de impeachment do Collor e participei de muitos atos ao lado de Lula
e do PT’, acrescentou ela (PT.., 17 maio 2010, p. 3, grifou-se).
Na elaboração de uma nova identidade, a estratégia discursiva utilizada por este
grupo oligárquico, em seu jornal, faz uso da ideia de “revolução” - palavra-símbolo dos
movimentos de esquerda - para dar prosseguimento às práticas patrimonialistas. Na mesma
edição de O Estado do Maranhão que trouxe a matéria transcrita acima, outra reportagem dá
voz à declaração da governadora, em relação aos integrantes do PT: “Queremos uma aliança
em pé de igualdade. Eu não tenho vergonha de vocês e vocês não têm que ter vergonha de
mim” (PT..., 17 maio 2010, p. 3). No dia 13 de junho, o jornalista D’Eça (2010) publica a
construção da trajetória de José Sarney e de Roseana Sarney Murad junto à esquerda.
É a segunda vez que a governadora Roseana Sarney terá um partido de esquerda em
sua coligação e no seu governo. Além do PT, o próprio PC do B – que hoje tem
como candidato o deputado federal Flávio Dino – já apoiou Roseana. Tanto que, nos
dois primeiros mandatos, ocupou importantes cargos relacionados à política agrária
no Maranhão. A relação de Roseana Sarney com a esquerda vem desde a época em
que foi assessora do pai, José Sarney, na Presidência da República. O PC do B,
inclusive, assim como outros partidos de esquerda, saíram da clandestinidade por ato
político do então presidente. Por conta do gesto, Sarney tem hoje o reconhecimento
e o apoio nacional das principais lideranças comunistas, como o senador Ignácio
Arruda (CE), e o presidente da legenda, Renato Rabelo, que chegaram a cogitar a
presença do PC do B maranhense, juntamente com o PT, no palanque do PMDB. Ao
eleger-se deputada federal em 1990, Roseana estreitou os laços de amizade com
petistas importantes, com o ex-ministro José Dirceu e o deputado José Genoíno.
Com eles, teve atuação importante no episódio que resultou no impeachment do
presidente Fernando Collor de Mello (PRN). Eleita governadora em 1994, iniciou
um processo de avanço na política administrativa e nas relações políticas, que
culminaram no apoio do PC do B e no reconhecimento de lideranças de esquerdas
no Maranhão como os ex-deputados Luiz Vila Nova, Juarez Medeiros, dentre
outros. O próprio Domingos Dutra, hoje o principal adversário da aliança
PT/PMDB, reconheceu, em meados dos anos 90, que o esforço do governo Roseana
na política agrária era difícil atacar (D’EÇA, 13 jun. 2010, grifou-se).
No enunciado em que é dito que os petistas não devem ter vergonha do apoio à
Roseana Sarney fica evidenciado o estranhamento da aliança PT/PMDB no Maranhão,
mostrando como a linguagem é afetada pela ideologia e como a ideologia se manifesta na
língua, de modo que “o sujeito discursivo funciona pelo inconsciente” (ORLANDI, 2003). No
62
texto do jornalista D’Eça, o PC do B é citado quatro vezes: a primeira, para dizer que esta
agremiação já apoiou o governo de Roseana Sarney em outra ocasião; a segunda, para lembrar
que a legalidade do partido tem a ver com ato do ex-presidente José Sarney; a terceira faz
referência a um possível apoio dos comunistas no pleito de 2010 e a quarta, para rememorar o
apoio de lideranças locais de esquerda ao governo de Roseana Sarney. Por que esse interesse
em associar a imagem da governadora como candidata à “esquerda”, qual o ganho político
eleitoreiro dessa estratégia?
Segundo Bobbio (1995), os conceitos de “direita” e “esquerda” têm um sentido
histórico-descritivo e axiológico, em que a “direita” se associa ao modelo liberal democrático,
mas com restrições de igualdade, sendo a “esquerda” mais propensa aos movimentos
igualitários e libertários. Por conta disso, nenhum político hoje se reconhece pertencente à
direita, como destaca Bucci (2012), “[...] os antigos caciques, como José Sarney, acharam
melhor sair de mudança, transmigrar para a esquerda, apoiar o governo Lula”. No embate da
disputa eleitoral maranhense em 2010, esse discurso se mostrou presente nos jornais,
sobretudo a respeito de quem teria histórica e moralmente a legitimidade de contar com o
apoio político do PT.
O candidato Flávio Dino – que durante sua trajetória no movimento estudantil
teve ligações com o PT, chegando a coordenar a campanha à presidência de Lula, em São
Luís, em 1989, e a ocupar a vice-presidência do Diretório Municipal do PT em 1990
(BARROS FILHO, 2008) – é apresentado no começo do ano de 2010, nas páginas do Jornal
Pequeno, como o candidato com mais apoio do PT. Na coluna semanal que mantinha e ainda
mantém nesse jornal, Dino afirma, no início de 2010: “Temos uma longa relação com o PT,
enquanto partido político, já que o PC do B e o PT estão juntos desde 1989 nas disputas
nacionais, mas também pessoalmente, pois fui do PT e lá tenho muitos companheiros e
amigos” (FLÁVIO..., 5 fev. 2010, p. 3). Em outro artigo, ele procura mostrar que também tem
proximidade com o presidente Lula:
PT 30 anos, Maria Aragão 100 anos
[...] É assim que encaramos o PT: um grande aliado do nosso partido e das boas lutas
sociais. Juntos disputamos e perdemos as eleições presidenciais de 1989, 1994 e
1998. Sofremos nas derrotas, aprendemos com elas, juntos. Desde 2002,
enfrentamos de mãos dadas o imenso desafio de governar o Brasil. Sob a liderança
do presidente Lula, fundador do PT, mostramos que é possível um novo projeto
nacional de desenvolvimento, cuja marca tem sido a ampliação de direitos sociais,
como políticas públicas voltadas para aqueles que sempre foram esquecidos pelas
forças do atraso. O governo Lula mostrou que outro Brasil é possível, e que a
esperança nunca deve sucumbir diante do medo, da opressão, da submissão, do
discurso do pragmatismo [...] (NA CELEBRAÇÃO..., 11 fev. 2010, p. 3).
63
Na disputa pelo imaginário político de esquerda, é travada uma batalha entre o
candidato comunista e a candidata da oligarquia Sarney para mostrar ao leitor/eleitor quem é
mais capacitado para dispor do apoio do presidente Lula. Para Singer (2002), no Brasil a
localização à esquerda está vinculada às lutas sociais que visam promover transformações na
sociedade em direção da igualdade, contestando a ação do Estado na sua função repressiva em
relação aos movimentos sociais. Em entrevistas concedidas recentemente a Barros Filho
(2008), pessoas da família do candidato Flávio Dino se autodefiniram integradas a concepções
políticas de esquerda. Seu pai, Sálvio Dino, foi preso e teve os direitos políticos cassados
pelos governos militares, acusado de ser comunista.
Na campanha de 2010, inicialmente o combate de Flávio Dino à oligarquia Sarney
é feito de forma indireta, “em nome da renovação na política” (FLÁVIO..., 1 jul. 2010, p. 3).
É somente a partir do momento em que ele cresce nas intenções de voto, entre o final de
agosto e o começo de setembro de 2010, que intensifica um discurso mais diretivo contra a
candidata da oligarquia. Recorre à imagem-símbolo de “probidade” e “confiança” em
contraposição aos escândalos que envolvem a família Sarney.
Diante do crescimento de sua candidatura, Flávio Dino assume uma postura mais
aguerrida na disputa eleitoral não apenas contra a governadora Roseana Sarney, mas também
contra a do médico Jackson Lago, pois ambos esperavam decisão da Justiça para concorrer ao
pleito de 2010:
Sou o único candidato completamente ficha limpa, porque não respondo a nenhum
processo na justiça. Nunca menti, nunca enganei e nunca roubei. O povo pode
depositar em mim o seu voto de confiança, e é por isso que a minha candidatura
cresce [...] A governadora discursa e diz que vai fazer uma revolução no Maranhão.
O que nós devemos nos perguntar é porque ela não fez antes, se ela já contabiliza
dez anos no governo do Estado [...] O Brasil todo acompanha as eleições do
Maranhão. Isso porque eles querem saber se é dessa vez que vai cair a última
oligarquia do Brasil: o grupo do atraso, do passado e da escuridão [...] (FLÁVIO...,
21 set. 2010, p. 3).
Naquele ano eleitoral, batalhas são travadas em diversos tribunais do Brasil para
validar candidaturas ameaçadas pela Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar nº 135). No
Maranhão, as candidaturas de Roseana Sarney e Jackson Lago constavam na lista de
impugnação do Tribunal Superior Eleitoral. Ela fora condenada pelo Tribunal de Justiça do
Maranhão, em 2009, por batizar logradouros públicos com seu próprio nome e por ser ré em
processos que tramitam na Justiça Federal6. O ex-governador Jackson Lago corria o risco de
6
Processo nº 2009.34.00021663-8, nova numeração: 21534-05.2009.4.01.3400 – ação impetrada em junho de
2009 pelo advogado Jorge Alberto Beux. Figuram como réus, além de Roseana, seu mordomo Amaury de
64
não participar da disputa eleitoral por ser considerado “ficha suja”. Seus advogados
argumentaram que a Lei da Ficha Limpa não pode atuar retroativamente, prejudicando o
candidato. As duas candidaturas são aprovadas pelo TRE-MA e a questão vai parar no TSE,
que somente às vésperas da eleição as ratificada, como mostram notas divulgadas na imprensa
local:
[...] os ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) liberaram ontem (30/09), por
4 a 3, o registro de candidatura do ex-governador do Maranhão Jackson Lago (PDT).
O Ministério Público do Estado pode recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF)
(TSE.., 1 out. 2010, p. 3, grifo nosso).
O TSE deferiu ontem à tarde, por 6 votos a 1, o registro da candidatura da
governadora Roseana Sarney. Com a decisão, a Corte mandou para o espaço o
factóide criado pelo ex-deputado Aderson Lago contra a candidata do PMDB. Na
verdade, Lago primo impugnou a candidatura de Roseana apenas para gerar notícias.
Mas errou na dose e acabou frustrado (ESCUTEC..., 2 out. 2010, p. 3, grifo nosso).
O Estado do Maranhão usa a notícia da ratificação da candidatura do médico
Jackson Lago para atacar o candidato Flávio Dino, por meio da seguinte nota: “[...] Fracasso –
A confirmação, ontem, pelo TSE, do registro da candidatura do pedetista Jackson Lago, teve
o poder de uma forte ducha de água fria nos projetos de Flávio Dino” (ESTADO..., 1 out.
2010, p. 3).
A primeira pesquisa do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística
(IBOPE) mostra o candidato da coligação “O Povo é Maior” (PDT, PSDB) em segundo lugar:
“Roseana Sarney – 47%; Jackson Lago – 25 %; Flávio Dino – 13%” (IBOPE.., 28 ago. 2010,
p. 3). Na segunda consulta do IBOPE, “Roseana Sarney manteve-se estável, variando apenas
dentro da margem de erro. Ela tinha 47% e agora tem 46%. Jackson Lago perdeu quatro
pontos – tinha 25% e agora tem 21%. O candidato do PC do B, Flávio Dino, cresceu de 13%
para 21%” (IBOPE..., 18 set. 2010, p. 3).
O crescimento do candidato comunista na campanha faz com que O Estado do
Maranhão mude o foco de seus ataques, tornando-o seu maior alvo. A principal crítica
direciona-se aos apoios políticos que ele estava recebendo:
Flávio Dino não quer divulgar seus aliados: Em uma festa fechada, em Caxias, o
candidato ao governo do Estado Flávio Dino, PC do B, foi filmado dizendo que
tinha orgulho de ser parceiro político do prefeito da cidade, Humberto Coutinho
(PDT), e do ex-governador José Reinaldo Tavares (PSB) (FLÁVIO..., 29 set. 2010,
p. 2).
Jesus Machado, conhecido com ‘Secreta’, e a União reivindica a devolução ao erário. Caso Usimar – Processo
nº 2001.37.00.008085-6, nova numeração: 8018-66.2001.4.01.370. Esse processo resultou da investigação da
Polícia Federal e do Ministério Público Federal sobre o desvio de R$ 44,2 milhões da extinta SUDAM para
uma indústria de autopeças, USIMAR, que nunca foi constituída (JULIÃO..., 29 set. 2010, p. 3).
65
No interdiscurso desse texto, vê-se a intenção de anunciar que aquele que é
apresentado como “a renovação na política” tem fortes ligações com políticos de tradição
patrimonialista e clientelística.
Enquanto promove a deslegitimação dos oponentes de Roseana Sarney, O Estado
do Maranhão afirma que ela promete “[...] fazer a campanha mais limpa da história do
Maranhão” (ROSEANA..., 25 jun. 2010, p. 3), e a associa à cor vermelha da esquerda. O
criador da versão “vermelha” da herdeira da oligarquia é o marqueteiro Duda Mendonça, que
utiliza a cor símbolo do Partido dos Trabalhadores nas bandeiras de campanha de Roseana
Sarney tanto na eleição de 2006 quanto na de 2010, construindo uma imagem renovada da
oligarquia a partir da popularidade do presidente Lula. A substituição da estrela do PT pelo
número 15 do PMDB, nas bandeiras da campanha da candidata situacionista, visa anunciar
aos eleitores o “prestígio”, a “competência” e o “merecimento” de Roseana Sarney junto ao
governo federal, ressaltando assim sua capacidade de realizar a mediação de interesses entre
as esferas de poder estadual e central.
Os discursos dos jornais assumem um mecanismo de exercício de poder, que se
faz presente nas informações, na perspectiva de persuasão e convencimento, pouco
importando se o enunciado é sincero ou não. De acordo com Barthes (1978, p. 11), “[...] o
poder está presente nos mais finos mecanismos do intercâmbio social [...] até mesmo nos
impulsos liberadores que tentam contestá-lo [...]”. Assim, do ponto de vista da linguagem, os
dois periódicos são “lugares diferentes de fala”, onde se anunciam projetos políticos que
visam convencer seu público leitor. O Estado do Maranhão representa a força política,
econômica e midiática do grupo oligárquico que domina o Estado há quase meio século,
utilizando-se dos mecanismos da cultura política oligárquica, patrimonialista e clientelista
para se manter no poder. O Jornal Pequeno e sua postura oposicionista é uma voz
discordante, a qual, no plano discursivo, aproxima-se de uma cultura política liberal de defesa
dos interesses coletivos e das liberdades democráticas, defendendo seus interesses e pontos de
vista.
3.3 O apoio do PT (Partido dos Trabalhadores) à candidata da oligarquia: uma nova fase
política?
No tempo do Império, no século XIX, os partidos políticos eram uma associação
de indivíduos unidos por laços pessoais, com identificação ideológica pouco consistente, cujo
interesse maior era angariar prestígio e benefícios junto aos Gabinetes Ministeriais. De acordo
66
com Graham (1997, p. 220), “[...] quando um partido conquistava o poder, raras vezes fixavase a seu programa pré-anunciado [...] Dever político não tinha nada a ver com programa, mas
com lealdade, e em última instância a lealdade pessoal”. Pode-se imaginar que essas práticas
tivessem sido abandonadas com a implantação da República no Brasil, mas a permanência
dessa cultura política impregna as estruturas do Estado Republicano até o presente.
Determina, inclusive, a experiência política do Maranhão, marcada profundamente por
estruturas oligárquicas que se sustentam na relação entre os poderes local, estadual e da
União, donde “[...] o verdadeiro centro da política maranhense, o palco onde os lances
decisivos se efetivam, sempre esteve fora: no Rio de Janeiro nos tempos de Urbano Santos e
Vitorino Freire; em Brasília, nos tempos de José Sarney” (REIS, 2012, p. 65).
Podemos afirmar que, no pleito de 2010, um dos elementos que dá sustentação à
oligarquia, no plano do discurso, é a roupagem esquerdizante adotada pela governadora
Roseana Sarney por meio das relações com o então presidente Luís Inácio da Silva. O indício
mais forte dessa sustentação política foi a determinação do diretório nacional do Partido dos
Trabalhadores para cancelar o apoio do diretório regional à candidatura do deputado federal
Flávio Dino, passando a apoiar a candidata da oligarquia Sarney. Esse fato gerou protestos de
petistas que historicamente se posicionaram contra as práticas oligárquicas no estado, e
contrariou a orientação do partido nos primeiros tempos, tanto na esfera nacional quanto na
estadual, quando a sigla do PT esteve associada aos movimentos sindicais, estudantis e
sociais.
No Maranhão, segundo Borges (2008, p. 47), dentre os movimentos e
organizações que podem ser relacionados com a criação do PT, por estarem sendo gestados no
mesmo contexto, estão:
[...] o Movimento Estudantil e a greve pela meia passagem, em 1979; o Movimento
de Oposição pra Valer, organizado no seio do MDB autêntico; a atuação de setores
progressistas da Igreja Católica, especialmente a Pastoral da Juventude; Movimento
contra a Carestia; atuação da entidade de apoio Sociedade Maranhense de Defesa
dos Direitos Humanos e a seção estadual do Comitê Brasileiro pela Anistia.
A conjuntura nacional da gênese do Partido dos Trabalhadores está associada ao
processo de redemocratização, ocorrido no final dos anos de 1970, mais precisamente à
reforma partidária ocorrida em 1979, que impôs o fim do bipartidarismo da ARENA (Aliança
Renovadora Nacional - apoiava a ditadura militar) e do MDB (Movimento Democrático
Brasileiro - a oposição consentida pelos militares). Da ARENA surgiu outra agremiação de
caráter conservador, o PDS (Partido Democrático Social). Do MDB surgiram forças mais à
67
esquerda, como o PDT (Partido Democrático Trabalhista), o PMDB (Partido do Movimento
Democrático Brasileiro), o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) e o PT.
A chegada do PT ao governo federal, em 2002, tem relação direta com fracasso
social do neoliberalismo do PSDB – partido fundado em 1988, como dissidência à esquerda
do PMDB, ligado inicialmente com o programa da social democracia européia – nos dois
governos do presidente Fernando Henrique Cardoso. Atualmente o PT transita
confortavelmente entre a direita e a esquerda brasileiras. Usufrui das credenciais dos anos de
militância nos movimentos sociais, tem a confiança dos mais ricos por não tomar medidas
contra as grandes fortunas e o aval dos setores de baixa renda, por promover uma reforma
social sem rupturas com a ordem estabelecida, recorrendo a programas de redistribuição de
renda (SECCO, 2012).
Essa posição do PT, mais à direita, facilita a aproximação com setores políticos
conservadores, como o representado pelo grupo Sarney no Maranhão, sendo uma interessante
estratégia de reprodução política dessa oligarquia em um momento de crise de legitimidade.
Os principais nomes da articulação entre o PT local e a oligarquia foram o presidente estadual
do partido, Raimundo Monteiro, e o ex-deputado Washington Oliveira, atual vice governador,
que alegremente ladeiam Roseana na capa de O Estado do Maranhão, após a decisão do
Diretório Nacional do PT de anular o encontro estadual do partido que havia definido, em
março de 2010, o apoio à coligação integrada pelo PC do B, do deputado federal Flávio Dino
(Figura 4).
De nada adiantaram os protestos do grupo petista formado pelo deputado federal
Domingos Dutra, pelo histórico líder camponês Manoel da Conceição, pelo deputado estadual
Bira do Pindaré, pelo jornalista Franklin Douglas, entre outros, contrário à aliança com a
oligarquia Sarney. O Diretório Nacional justificou a aliança com os seguintes argumentos:
Documento: Resolução DN 10/06/2010 – Política de Alianças no Maranhão
Considerando as diretrizes estabelecidas no 4º Congresso Nacional do PT que
definiu como objetivo principal de 2010 a vitória na eleição presidencial, com a
candidatura da companheira Dilma Rousseff, para dar continuidade aos avanços
do projeto democrático e popular liderado pelo Presidente Lula. Considerando
que o 4º Congresso estabeleceu, ainda a respeito das eleições estaduais, que é de
competência da direção nacional a deliberação, em última instância, sobre as
questões de tática nos Estados; Considerando a importância do PMDB na eleição na
base aliada do nosso governo e na composição da coligação eleitoral nacional para
as eleições de 2010; O Diretório Nacional Resolve: 1 – Aprovar a coligação do
PMDB no Estado do Maranhão à candidata ao governo do Estado, Roseana Sarney
Murad; 2 – Determinar à Comissão Executiva Estadual do PT do Maranhão para a
escolha de candidatos e aprovação às próximas eleições gerais, a observância das
diretrizes estabelecidas na presente resolução, em consonância às normas legais,
bem como às normas estatutárias definidas no Capítulo I do Título V do Estatuto do
PT.
68
Brasília, 11 de junho de 2010. Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores
(CONFIRMADA..., 12 jun. 2010, p. 3, grifou-se).
FIGURA 4: Estrela da campanha
Fonte: PT, 13 JUN. 2010
Em nome de um pragmatismo político eleitoral, Roseana Sarney havia trocado o
PFL pelo PMDB no ano de 2009, para poder contar com o apoio do presidente Lula naquele
ano eleitoral. Estrategicamente, a oligarquia Sarney vincula-se ao personalismo do presidente
Lula e ao seu programa de combate à desigualdade social e à pobreza sem alterar a ordem
política constituída. Não é a toa que Roseana Sarney Murad declarou durante campanha:
“Aprendi muito com Lula, este nordestino metalúrgico que venceu na vida. Eu tenho orgulho
de estar ao seu lado” (ROSEANA..., 25 jun. 2010, p. 3). Mais uma vez a oligarquia utiliza-se
da cooptação política para reproduzir suas estratégias de dominação no Maranhão.
De acordo com Singer (2009), o voto em Lula a partir do segundo mandato (2006)
não representa o voto de opção ideológica, seria fruto da despolitização do eleitorado,
seduzido pela manutenção da estabilidade econômica e pela ação distributiva do Estado, a
exemplo do Bolsa Família, destinado em maior proporção às regiões e aos municípios de
menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). O autor denomina esse fenômeno de
69
Lulismo, pois representa uma nova configuração ideológica com elementos que misturam as
categorias esquerda e direita numa prática de combate à desigualdade dentro da ordem.
70
4 A ELEIÇÃO ESTADUAL DE 2010: um confronto na imprensa
Os periódicos impressos sempre fizeram parte da vida política brasileira,
constituindo-se em instrumento de luta política, dando margem a um jornalismo partidário
interessado em influenciar a opinião pública, na perspectiva de transformar algumas
demandas setoriais numa vontade geral (MOREL, 2012).
Mesmo com a transformação de uma imprensa artesanal numa produção
empresarial, inspirada na ideia de que “o jornal cumpre a nobre função de informar o leitor o
que se passou, com o rigoroso respeito à ‘verdade dos fatos’, [...] os jornais não deixaram de
se constituir em espaço de luta simbólica, por meio do qual diferentes segmentos digladiam-se
em prol de seus interesses e interpretações sobre o mundo” (LUCA, 2012, p. 153).
4.1 O Estado do Maranhão x Jornal Pequeno
Ao se analisar os posicionamentos expressos nos periódicos O Estado do
Maranhão e Jornal Pequeno, acerca da campanha eleitoral, verificou-se a intenção de ambos
influenciarem a opinião dos leitores na disputa eleitoral ao governo do Maranhão, de maneira
que há, sim, uma intencionalidade na veiculação de determinadas notícias, há, sim, o interesse
de convencer e persuadir o leitor a respeito de determinados pontos de vista. No entanto, até
que ponto é possível a manipulação, o condicionamento da opinião pública?
Para o historiador Becker (2003, p. 192, 193), “pode-se definir a manipulação
como uma tentativa de provocar de maneira artificial uma reação da opinião pública,
divulgando uma notícia falsa”, porém tal estratégia só se mostra eficiente quando “acompanha
as tendências profundas da opinião pública”. Quanto ao condicionamento, o referido
historiador estabelece dois níveis específicos: curto prazo – resultado da propaganda,
conscientemente organizada de maneira obsessiva; longo prazo – convicções ideológicas
enraizadas no inconsciente de forma profunda.
Em estudo sobre a trajetória do político José Sarney, Pachêco Filho (2001) destaca
o papel dos jornais na “construção midiática” da candidatura desse político na campanha ao
governo estadual do ano de 1965. Naquela ocasião, quase todos os periódicos da capital
maranhense apoiaram e divulgaram a candidatura intitulada “Libertação do Maranhão”, em
referência ao jugo mandonista do senador Victorino Freire. A derrota da oligarquia vitorinista
deveu-se, entre outros fatores, ao golpe civil-militar deflagrado em 1964, mas a propaganda
em torno da candidatura Sarney foi uma eficiente estratégia de construção imagética de um
71
Maranhão “moderno”, de modo a cristalizar no imaginário político, social e cultural dos
maranhenses a retórica do desenvolvimento industrial, do progresso e modernização atrelados
à figura política de José Sarney, discurso inúmeras vezes reinventado nas décadas seguintes
no decorrer das campanhas eleitorais do novo grupo oligárquico que se constituiu,
capitaneado por esse político.
A administração de José Sarney como governador do Maranhão foi marcada por
grandes obras financiadas com recursos do governo federal, dentre as quais destacam-se:
asfaltamento da estrada São Luís-Teresina, construção de estradas ligando o Nordeste à
Amazônia (BR 135, BR 316 e a rodovia Belém-Brasília); hidrelétrica Boa Esperança; Porto
do Itaqui (SOUSA, 2009).
Por conta disso, é notório que no estado do Maranhão haja uma campanha
permanente de enaltecimento do grupo Sarney, divulgada nos veículos de comunicação
controlados por este grupo e visualizada, sobretudo, na escolha dos nomes para prédios
públicos. Como já foi dito, até pouco tempo havia 161 escolas estaduais batizadas com o
sobrenome Sarney, segundo pesquisa do jornalista Chico Otávio (2012). Esse é um modo,
uma tentativa de naturalizar esse domínio oligárquico.
Durante a campanha de 2010 observou-se como o jornal O Estado do Maranhão,
buscou orientar a opinião pública em favor da candidatura de Roseana Sarney Murad. Em
relação a São Luís, houve a intenção de dissociá-la da imagem de rebeldia dessa cidade. As
matérias de capa do periódico sempre destacavam como a candidata governista era bem quista
na capital, como no trecho a seguir:
A governadora Roseana Sarney demonstrou sua popularidade em São Luís no fim de
semana. Estando ou não presente nos eventos, a simples menção do seu nome como
candidata levou milhares de simpatizantes ao delírio nos eventos realizados pelos
seus aliados (LUDOVICENSES, 10 ago. 2010, p. 2).
Esta alocução na primeira página do periódico reporta-se à declaração de apoio de
líderes comunitários à campanha de reeleição da governadora, atribuindo-lhe tamanho
“carisma”, que não haveria a necessidade de ela fazer-se presente nos eventos. Só precisava
ter seu nome mencionado e todos a ovacionavam. Nesse caso, a intenção da matéria vai além
da simples informação, há uma explícita intenção de condicionar a opinião do leitor. Como
instrumento de luta política, o jornal reverbera o poder do grupo político-econômico que
representa e, ao utilizar a palavra impressa, faz uso do poder da linguagem para promover a
aquiescência de seu público, buscando assim o reconhecimento e a legitimação do domínio do
referido grupo, como algo natural e incontestável.
72
Por isso é importante lembrar o que Baczko (1985, p. 314) ensina: “Aquilo que o
mass media fabricam e emitem, para além das informações centradas na atualidade, são os
imaginários sociais: as representações globais da vida social, dos seus agentes, instâncias e
autoridades, as imagens dos chefes [...]”.
Não é por acaso que os grupos oligárquicos controlam importantes canais
midiáticos no Brasil desde a inauguração da imprensa, no século XIX. Tal controle tornou-se
hegemônico, sobretudo, durante a concessão da radiodifusão ocorrida no governo do então
presidente da República José Sarney, em 1985, o que garantiu o controle da informação na
mão de poucos grupos empresariais no Nordeste brasileiro, com destaque para a família
Sarney, no Maranhão; a família Magalhães, na Bahia; a família Collor, em Alagoas.
De acordo com Mendonça e Rebouças (2009, p. 6), “as concessões foram
utilizadas como moeda de troca em torno das votações do quinto ano de mandato do
presidente Sarney e do presidencialismo como sistema de governo”.Tal barganha evidenciou
o auto-favorecimento na distribuição das outorgas de rádio e televisão, que no Brasil são
concedidas pelo governo.
No que tange ao Maranhão, observa-se uma tentativa, por parte da mídia
controlada pelo grupo Sarney, de transferência do carisma do líder oligárquico à sua herdeira
política, em que pese à constante crise política observada quando da indicação dos sucessores
ao governo estadual, na qual Roseana Sarney tem assumido, nos últimos tempos, a “missão”
de dar continuidade ao domínio do grupo. O papel dos seus meios de comunicação é dar
sustentação ao carisma fabricado e sustentado com base, entre outros artifícios, na retórica de
desenvolvimentismo e do progresso para o Estado, em especial para a capital São Luís, palco
de uma intensa campanha do jornal O Estado do Maranhão no sentido da aceitação do grupo
em São Luís, como se pode ver numa matéria sobre a pesquisa de intenção de votos, realizada
no mês de agosto de 2010, com a seguinte manchete: “Pesquisa Escutec indica que Roseana
poderá ter maior votação em São Luís”.
Roseana Sarney manteve o prestígio eleitoral em São Luís nas eleições de 2006,
mesmo diante da violenta campanha de destruição da sua imagem, perpetrada por
José Reinaldo. A então candidata, que havia vencido no primeiro turno, obteve cerca
de 30% dos votos dos ludovicenses no segundo turno, mas não consegui vencer o
patamar de 25% em Imperatriz (PESQUISA ESCUTEC, 1 ago. 2010, p. 2).
Compare-se, agora, os números da eleição de 2006 com o que é dito pelo jornal
(Tabelas 3 e 4).
73
Tabela 3 - Distribuição de votos por candidato a governador no 1º turno das eleições
estaduais de 2006 no Município de São Luís.
Candidato
Partido
Votação
Porcentagem
PSDB
10.871
2,357
PSD
830
0,180
Carlos Saturnino Filho
PSOL
3.480
0,755
Edson Carvalho Vidigal
PSB
58.391
12,661
Jackson Kepler Lago
PDT
233.323
50,590
PRONA
5.512
1,195
PFL
148.794
32,262
Aderson de Carvalho Lago
Antonio Augusto Silva Aragão
João Melo Sousa Bentivi
Roseana Sarney Murad
Fonte: TRE-MA, 2006.
Tabela 4 - Distribuição de votos por candidato a governador no 2º turno das eleições
estaduais de 2006 no Município de São Luís.
Candidato
Partido
Votação
Porcentagem
Jackson Kleper Lago
PDT
311.634
66,598
Roseana Sarney Murad
PFL
156.299
33,402
Fonte: TRE-MA, 2006.
Tanto no pleito de 2002 quanto no de 2006, os candidatos da oligarquia Sarney
foram derrotados na capital São Luís. Na eleição de 2002, José Reinaldo Tavares, embora
tenha garantido a vitória no primeiro turno com 51,055% dos votos válidos, perdeu a eleição
na capital para o médico Jackson Lago, que obteve 56, 372% (TSE, 2002). Mesmo perdendo a
eleição em 2006, Roseana Sarney obteve quase um terço dos votos em São Luís,
demonstrando seu prestígio na capital como afirma o jornal O Estado do Maranhão. A
campanha do jornal na disputa de 2010 a favor da candidata governista visa também diminuir
a rejeição de seu nome no colégio eleitoral de Imperatriz, o segundo maior do estado, depois
da capital, como se pode ver na matéria:
As pesquisas Escutec mostram uma Roseana vencedora [...] em todas as regiões do
Maranhão. E com um dado muito favorável ao seu projeto eleitoral: tem larga
vantagem em São Luís e liderança na região sul, que inclui o colégio de Imperatriz,
onde não obteve bom resultado nas eleições de 2006 (AS PESQUISAS, 9 set. 2010,
p.3, grifou-se).
O resultado da eleição desmente o divulgado do jornal quanto à vantagem da
candidatura da governadora à reeleição, em Imperatriz, em 2010, visto que o candidato do
74
PDT obteve 73, 63% dos votos nesse município contra 14, 48% da candidata do PMDB
(TRE-MA, 2010). Em virtude da poderosa estrutura midiática, do poderio econômico e
político a seu favor, a governadora obteve sucesso em quase todas as regiões na eleição de
2010, inclusive em São Luís. As únicas exceções foram os municípios de Imperatriz, Timon,
Pinheiro e Pedreiras, nos quais o candidato do PDT obteve maior percentual de votos, além
dos municípios de Balsas, Santa Inês e Caxias, onde Flávio Dino obteve vantagem, como se
pode ver na tabela a seguir:
Tabela 5 - Distribuição de votos por candidato a governador nos Municípios de Imperatriz,
Timon, Pedreiras, Balsas, Santa Inês e Caxias
Município
Jackson Lago (PDT)
Roseana Sarney (PMDB)
Flávio Dino (PC do B)
Imperatriz
86.442 (73,637%)
16.997 (14,487%)
13.497 (11,5%)
Timon
30.806 (44,3%)
29.366 (42,23%)
9.042 (13%)
Pinheiro
15.573 (44,76%)
13.725 (39,45%)
5.358 (15,45)
Pedreiras
8.378 (42,55%)
7.158 (36,35%)
4.82 (20,73%)
Balsas
5.197 (14,486%)
13.056 (36,392%)
17.548 (48,913%)
Santa Inês
3.415 (8,96%)
16.426 (44,31%)
18.166 (47.67%)
Caxias
6.114 (9.21%)
29.426 (44,31%)
30.308 (45,63%
Fonte: TRE – MA, 2010.
De acordo com Becker (2003, p. 198), “uma eleição é um fenômeno complexo
resultado de uma variedade de fatores, dos quais aqueles ligados à ‘longa duração’ tem muitas
vezes tanta ou mais importância que os relacionados à conjuntura”. Quanto à ideia de longa
duração, neste caso, entende-se que a permanência das práticas políticas atreladas ao modelo
de dominação oligárquica, a valoração das trocas clientelares, a captação ilícita de votos, o
uso patrimonial da máquina pública são recursos que garantem a permanência de um mesmo
tipo de mandonismo político, o qual é visto como natural e está sedimentado no imaginário
coletivo.
A reeleição da representante da oligarquia Sarney, obtendo apoio da maioria das
zonas eleitorais de São Luís, demonstrou o quanto o jornal O Estado do Maranhão foi
eficiente em sua estratégia de forjar a opinião pública. Porém, tal eficiência só foi possível
porque a opinião pública da capital mostrou-se favorável às práticas da cultura política
oligárquica.
75
Veja-se, a seguir, o mapa das zonas eleitorais da capital de suas respectivas
descrição e número de eleitores.
Figura 5 – Mapa das zonas eleitorais de São Luís (MA)
Fonte: TRE – MA 2010 (Arquivo do professor Wagner Cabral da Costa).
76
Quadro 1 - Zonas Eleitorais de São Luís
Zona
Áreas / Bairros
Eleitorado
1ª
Centro / Madre Deus / Canto da Fabril
55.295
2ª
Monte Castelo / João Paulo / Filipinho / Fátima / Coroado / Sacavém
53.840
3ª
Monte Castelo / Camboa / Liberdade / Alemanha / Ivar Saldanha /
Caratatiua / João Paulo / Jordoa / Outeiro da Cruz (Filipinho) /
57.145
10ª
Ipase / Maranhão Novo / Bequimão / Rio Anil / Angelim / Vila
Palmeira / Anil / Aurora / Radional / Santo Antonio / Cruzeiro do
Anil / João de Deus / Vila Lobão / Santa Cruz / Cohab Anil III / Vila
Isabel Cafeteira / Santa Bárbara / São Cristóvão / Cidade Operária /
Rio Grande / São Bernardo / São Raimundo / Jardim América / Santa
Clara / Vila Cascavel / Cidade Olímpica / Vila Janaína / Estiva /
Quebra-Pote / Tibiri / Itapera / Tajaçoaba / Tajipuru / Vila Magril
101.033
76ª
São Francisco / Renascença / Cohafuma / Vinhais / Recanto dos
Vinhais / Cohama / Vicente Fialho / Cohaserma
65.127
88ª
Turu / Olho d'água / Divinéia / Sol e Mar / Vila Luizão / Cohatrac /
Cohab Anil / Forquilha
73.114
89ª
Santa Bárbara / Rio Grande / São Bernardo / São Raimundo / São
Cristóvão / Jardim São Cristóvão / Cidade Olímpica / Cidade
Operária / Jardim América / Vila Janaína / Santa Clara / Vila
Cascavel / Estiva / Quebra-Pote / Tibiri / Itapera / Tajaçoaba /
Tajipuru / Vila Magril
103.219
90ª
Parque Timbiras / Coheb / Sacavém / Coroadinho / Ilha de TauáMirim / Vila Esperança / Maracanã / Pedrinhas / Estiva / Vila Itamar /
Vila Maranhão / Coqueiro / Porto Grande / Vila Nova República /
Rio Grande / Bom Jesus / Vila dos Frades
60.736
91ª
Vila Bacanga / Fumacê / Anjo da Guarda / Vila Nova / Bonfim / Sá
Viana / Vila Embratel / Vila Isabel / Vila Mauro Fecury / Vila São
Luís / Cidade Nova / Alto da Esperança / São Raimundo
67.405
TOTAL
636.914
Fonte: TRE-MA, 2010.
Veja-se, também, o resultado do 1º turno da eleição de 2010 nessas zonas
eleitorais.
77
Zonas
1a
2a
3a
10a
76a
88a
89a
90a
91a
TOTAL
Roseana
Sarney
21.091
50,9%
19.308
47,42%
20.661
47,36%
33.570
42,24%
21.035
39,54%
24.538
40,46%
34.698
41,78%
19.471
42,56%
21.419
41,91%
215.791
43,24%
Flávio
Dino
12.859 14.161
31,03% 34,78%
13.941
31,96%
30.286
38,11%
23.041
43,32%
24.495
40,38%
31.302
37,69%
18.284
39,96%
21.067
41,22%
189.436
37,96%
Jackson
Lago
6.020
5.843
14,53% 14,35%
7.294
16,72%
12.718
16%
7.680
14,44%
9.581
15,8%
13.975
16,83%
6.817
14,9%
7.180
14,05%
77.108
15,45%
Marcos
Silva
826
1,99%
826
2,03%
1.101
2,52%
1.741
2,19%
760
1,43%
1.148
1,89%
2.128
2,56%
777
1,7%
954
1,87%
10.261
2,06%
Saulo
Arcangeli
591
1,43%
535
1,31%
582
1,33%
1.093
1,38%
651
1,22%
846
1,39%
896
1,08%
365
0,8%
437
0,86%
5.996
1,2%
Josivaldo
Corrêa
Tabela 6 – Resultado do 1º turno da eleição de 2010 das zonas eleitorais de São Luís
51
0,12%
47
0,12%
47
0,11%
68
0,09%
26
0,05%
47
0,08%
45
0,05%
39
0,09%
50
0,1%
420
0,08%
TOTAL
41.438
40.720
43.626
79.476
53.193
60.655
83.044
45.753
51.107
499.012
Fonte: TSE, 2010.
Roseana Sarney obteve o maior percentual de votos na primeira zona eleitoral.
Esta abrange a Madre de Deus, “bairro representativo da diversidade cultural do Estado e
reduto de, pelo menos, 30 diferentes tipos de brincadeiras artísticas, culturais e religiosas
(NOGUEIRA, 2005, p. 12), que são financiadas pelo tesouro estadual, transformando-se em
marketing político, promovendo uma visibilidade midiática da governadora. Nesse espaço da
cidade, Roseana Sarney é vista como “protetora e provedora das manifestações da cultura
popular do Maranhão”, reforçando, desse modo, uma relação de dependência entre os
representantes da cultura popular e a detentora do mandato político. Nessa mesma zona
eleitoral, foram denunciadas várias irregularidades relacionadas à compra de votos por
políticos pertencentes à coligação da governadora reeleita, como se pode conferir mais
adiante.
78
A única zona eleitoral da capital em que Flávio Dino, o segundo colocado, obteve
uma pequena vantagem em relação à governadora reeleita foi a76ª, que compreende os bairros
do São Francisco, Renascença, Cohafuma, Vinhais, Recanto dos Vinhais, Cohama, Vicente
Fialho e Cohafuma Essa zona congrega um eleitorado de classe média e de maior
escolarização, com acesso a outras informações, além dos meios de comunicação do grupo
dominante e por isso, esteja mais propenso ao chamado voto plebiscitário, em que a disputa
eleitoral fica polarizada entre a candidata da oligarquia e a nova oposição.
No pleito de 2006, o candidato Jackson Kepler Lago obteve a maioria dos votos
em todas estas zonas eleitorais de São Luís tanto no primeiro, quanto no segundo turno. O que
houve de um pleito para o outro? Seu fraco desempenho nas urnas da capital, nas eleições de
2010, deveu-se, entre outras razões, à forte campanha midiática contra seu governo, à greve
da categoria de professores da rede pública que se arrastou durante meses (será abordada no
próximo capítulo), aos escândalos de corrupção envolvendo parentes do governador e ao
processo de cassação por abuso de poder político e econômico que desgastou sua imagem de
candidato apto a concorrer ao pleito de 2010, fato demasiadamente explorado na campanha
pelo jornal O Estado do Maranhão. Todos esses fatores contribuíram para a grande rejeição
do eleitorado ao nome do ex-governador Jackson Lago nessa disputa. Veja-se, a partir do
gráfico abaixo, o alto índice de rejeição desse candidato.
Gráfico 12 – Taxa de rejeição do eleitorado para o ex-governador Jackson Lago na disputa
eleitoral de 2010
Fonte: TRE-MA (Arquivo do professor Wagner Cabral da Costa).
79
Observa-se que a governadora Roseana Sarney apresentava também um
considerável índice de rejeição. No entanto, dispunha dos mecanismos inerentes à dominação
oligárquica, tais como: poder político, econômico e midiático, uso da máquina pública, apoio
do governo federal, além de relações privilegiados no Judiciário. Pôde, então, ser reeleita para
comandar pela quarta vez o estado do Maranhão.
4.2 Denúncias de crimes eleitorais no jornal oposicionista
As práticas sociais predominantes em tempo de disputas eleitorais são inspiradas
na concepção de que as eleições são sempre decididas por quem tem mais poder econômico e
político a seu dispor, uma vez que os velhos recursos de compra de voto, aliciamento do
eleitor e distribuição de benesses aos aliados são regras que fazem parte de uma cultura
política enraizada na consciência da maioria do eleitorado maranhense.
Na arena da luta política travada entre o periódico situacionista e o oposicionista,
coube ao Jornal Pequeno o papel de denunciar a existência da prática de crimes eleitorais
atribuídos ao grupo da governadora Roseana Sarney, como a notícia divulgada no dia 22 de
setembro de 2010:
Na manhã de ontem, atendendo a uma requisição do Ministério Público Eleitoral do
Maranhão, policiais federais se deslocaram até a um imóvel na rua Tadeu Pálacio,
S/N – área do Recanto dos Vinhais, para apurar denúncia de que ali estariam sendo
feitas consultas médicas gratuitas supostamente em troca de votos para os
candidatos Roseana Sarney, Ricardo Murad, Luciano Moreira e Manoel Ribeiro [...]
A Polícia Federal efetuou a prisão da proprietária do imóvel e de uma mulher que
estava sendo atendida no momento da operação policial. Com a dona da casa, foram
encontradas duas carteiras de Trabalho e Previdência Social com a foto dela e nomes
de outras pessoas, além de títulos eleitorais (POLÍCIA FEDERAL, 22 set. 2010, p.
3).
A médica presente na cena descrita era Silvana Teixeira, filha do ex-deputado
estadual Theophistes Teixeira, casada com um primo de Roseana Sarney, o ex-vereador e expresidente da Câmara de São Luís, Deco Soares, filho do tabelião Tito Soares e de Conceição
Sarney Soares, esta, irmã do senador José Sarney. Mesmo com toda essa rede de parentesco
comprovada e das evidências encontradas, a governadora declarou não ter nada a ver com o
episódio. O periódico pertencente ao grupo Sarney não faz nenhuma menção ao caso e sua
manchete de capa, no mesmo dia em que o Jornal Pequeno faz a denúncia, anuncia a quarta
pesquisa de opinião de voto em que sua candidata é a opção preferida do eleitorado.
Outra importante denúncia publicada também no mês de setembro diz respeito à
utilização do efetivo militar do Estado para fazer segurança de apadrinhados políticos da
80
governadora Roseana Sarney. O coronel Francisco Melo da Silva afirma, em carta enviada ao
Jornal Pequeno, que a família Lobão fazia uso de policiais militares para serviços
particulares. Eis a carta-denúncia enviada ao jornal.
Mais uma imoralidade ocorre no serviço público estadual. Um cabo da Polícia
Militar do Estado do Maranhão trabalha há mais de um ano como motorista para
uma empresa privada, com sede em Imperatriz. O policial é o cabo Marinho e seu
chefe é o empresário Luciano Lobão, proprietário da empresa Haitec. Este não é o
único caso. Pasmem! O coronel Caetano, que está classificado no Gabinete Militar
da governadora - cujo chefe é de posto inferior ao seu - trabalha para o senador
Lobão. Isso não é permitido, porque o artigo 1º, da Lei 8.507/2006, diz que os exgovernadores tem direito a uma segurança pessoal no período correspondente ao que
estiveram no exercício do mandato. O senador Lobão deixou o Palácio dos Leões
em 1994. O coronel e outro PM não têm atividades nem no Gabinete Militar nem na
PMMA, mas sim em empreendimentos da família do senador. Tornou-se um hábito
reprovável neste governo, pessoas que não têm nenhum vínculo com a
administração pública do Estado ou exercem qualquer atividade de risco,
desfrutarem de privilégios de terem policiais militares trabalhando em atividade
particular, com custas para o Estado, em detrimento do serviço público. Enquanto
isso, vários municípios maranhenses, como Serrano do Maranhão, Cedral, Bacuri e
tantos outros, têm apenas dois policiais militares para darem segurança a milhares de
pessoas. Se isso não for uma imoralidade para a administração pública, pelo menos é
uma vergonha para aqueles que juram de pés juntos defenderem os interesses do
Estado e de seu povo. Hoje, o Gabinete Militar da governadora abriga mais do que
seu efetivo previsto na legislação estadual, exatamente para atender a seus
correligionários políticos.Enquanto a governadora disponibiliza policiais militares
para a atividade particular de seus aliados, os índices de criminalidade só aumentam
em todo o Estado, embora sua propaganda insista em mostrar o contrário. Mas,
como dizem os matemáticos, “os números não mentem jamais”. Ou como ensina o
ditado popular: “a mentira só dura enquanto a verdade não chega”. Como se
observa, neste governo acontece de tudo. Até mesmo desrespeitar uma decisão
da Corte da Justiça do Estado. No dia 25 de agosto do corrente ano, o TJMA,
por unanimidade de votos do Pleno, tornou nulo o ato da governadora que me
exonerou do mandato de Conselheiro do Cetran, me concedendo o direito
pleiteado, mas até a presente data a governadora não cumpriu a decisão do
Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Aqui é assim. Eles fazem tudo e
desrespeitam a todos, não cumprem a Lei e tampouco os princípios constitucionais
da administração pública, e, ainda se acham no direito de dizerem que tudo é por
conta da política. Nada disso, pois não sou candidato a nada, até a Lei me proíbe a
filiação partidária na atividade policial militar. Agora, o que a Lei não me proíbe,
aliás ela me assegura, como um direito fundamental é o direito de participação na
vida política do Estado, o que estou exatamente fazendo como cidadão. Não é pelo
fato de ser funcionário público estadual que devo me calar diante dos fatos ilegais
praticados por aqueles que tem por dever de ofício zelar pela coisa pública.
Finalmente ou infelizmente já dizia Kant: “As coisas têm preços e o ser humano tem
dignidade”. Portanto, todo ser humano é digno de ter as informações necessárias
para sua convivência em sociedade. Aliás, a dignidade de pessoa humana é mais do
que um direito, é um atributo (GOVERNADORA, 26 set. 2010, p. 3, grifou-se).
Pelo teor da carta, o coronel denunciante fora exonerado do cargo de conselheiro
do Conselho Estadual de Trânsito (CETRAN) e, só então, resolveu tornar público o fato de
policiais militares estarem fazendo a segurança de apadrinhados da governadora Roseana
Sarney. Mas não interessam as motivações da denúncia e sim o seu conteúdo.
81
Numa realidade marcada pelo patrimonialismo, em que predominam as relações
pessoais, o Estado torna-se uma extensão da casa, da família, dos amigos. Os governantes
agem com base na “cordialidade”, como defende Holanda (2004). No sentido etimológico, a
palavra cordial é relativa ao coração, às preferências subjetivas, em que os correligionários
são tratados com grande benevolência, em prejuízo dos interesses da coletividade. Tal
cordialidade, de “fundo emotivo transbordante”, é capaz de fazer uso da inimizade e de
hostilidade em se tratando de adversários políticos, a ponto de se garantir proteção aos amigos
e perseguição aos inimigos com a mesma diligência.
Às vésperas do pleito, outra denúncia. O periódico oposicionista publica matéria
com o seguinte título: Coligação de Roseana distribui combustível no posto Araçagy. Quem
anunciou esse caso de abuso de poder econômico foi a coligação “O Povo é Maior”, que
apoiava o candidato Jackson Lago. De acordo com a publicação, mais de cem veículos faziam
fila para abastecer nesse posto, localizado em de São José de Ribamar, município onde, não
por acaso, Roseana Sarney obteve 53,5% dos votos, enquanto no pleito de 2006 obtivera
apenas 37,9% da preferência do eleitorado (TRE, 2006, 2010).
Outro forte indício de que houve abuso de poder econômico na eleição de 2010
aconteceu no centro da cidade de São Luís, gerando a denúncia de que eleitores tiveram suas
contas de água, luz e telefone pagas em troca de votos a candidatos pertencentes à coligação
da governadora Roseana Sarney. O episódio foi narrado, da seguinte maneira, pelo jornalista
Oswaldo Viviane, nas páginas do Jornal Pequeno:
A pedido do Ministério Público Eleitoral do Maranhão, a Polícia Federal está
investigando um suposto pagamento de contas de luz, água e telefone de pessoas
pobres em troca de votos em candidatos da coligação ‘O Maranhão não pode parar’
[...] o dono da lotérica aceitou falar ontem com o Jornal Pequeno, e confirmou o
caso. Seu nome não vai ser divulgado para não atrapalhar as investigações. Ele
informou que, por ocasião do pagamento da segunda remessa, o dinheiro que a
pessoa – um rapaz - trazia (R$ 10 mil) não foi suficiente. Então, ele foi buscar mais
R$ 10 mil. Mesmo assim o dinheiro não deu. “Ai, ele deixou um calhamaço de
contas aqui na casa lotérica e disse que ia pegar mais dinheiro, mas quando voltou
foi só para levar as contas”, disse o proprietário. Segundo ele, o rapaz ficou
desconfiado porque no momento em que somava os valores das contas, no
escritório, surgiu na sala uma repórter do jornal Folha de São Paulo (Elvira Lobato),
que investiga o caso. A repórter aproveitou a ausência do rapaz para conferir os
dados e fotografar contas e endereços de alguns dos moradores do Bairro do Lira,
ela chegou a suas casas. Confirmou que nessas residências e em várias outras do
bairro havia cartazes de Roseana Sarney e de Ricardo Murad (POLÍCIA
FEDERAL..., 3 out. 2010, p. 3).
Esta área pertence à Primeira Zona eleitoral, onde Roseana Sarney obteve o
melhor resultado eleitoral em São Luís. As imagens das contas de luz e da residência de um
dos beneficiados, divulgadas pela jornalista da Folha de São Paulo, são essas.
82
Figura 6 - Captação ilícita de votos
Fonte: Jornal Pequeno, 3 out. 2010.
Enquanto esteve em São Luís para investigar o caso, a jornalista Elvira Lobato foi
alvo de alguns constrangimentos, teve sua foto e número de telefone celular publicados no
blog do jornalista Aldenísio Décio Leite Sá, ligado ao grupo da governadora Roseana Sarney.
Segundo relatou ao Jornal Pequeno (2010), ela passou a receber mensagens ofensivas em seu
celular, tais como: “Você envergonha a classe”, “Bandida, deixe o Maranhão em paz!”
(BLOGUEIRO, 3 out. 2010).
Nesse tempo de disputa eleitoral, os jornais constituem-se num campo de luta
simbólica e de expressão das práticas sociais. No município de São Luís, os leitores/eleitores
são receptores de visões de mundo distintas, marcadas pela visão do jornal governista, que
manipula a opinião pública em favor de seus interesses oligárquicos, ou por visões
oposicionistas, como a expressa pelo Jornal Pequeno, que tenta condicionar os leitores a uma
perspectiva mais republicana de gerência da coisa pública.
4.3 Reação da sociedade civil aos casos de abuso de poder político e econômico
Embora as práticas relacionadas a uma cultura oligárquica sejam muito forte na
capital do estado do Maranhão, estas não são consensual, uma vez que a dinâmica das
relações sociais é permeada pela correlação de forças antagônicas. Por isso, destaca-se a
83
tentativa de setores da sociedade civil7 maranhense em coibir práticas abusivas cometidas
pela estrutura de poder patrimonial no ano eleitoral de 2010. Com este fim realizou-se no dia
20 de setembro, na sede da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Maranhão, uma
reunião para discutir ações a serem desenvolvidas pelo Movimento de Combate à Corrupção
Eleitoral, na qual estiveram presentes as seguintes entidades sociais: Cáritas Brasileira
Regional Maranhão; Conferência Nacional dos Bispos do Brasil; Observatório Social de São
Luís; Associação do Ministério Público do Estado do Maranhão; Associação dos Magistrados
do Maranhão (ENTIDADES, 21 set. 2010).
O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral foi instituído no período eleitoral
de 2002, como movimento nacional, resultado da Campanha da Fraternidade de 1996,
“Fraternidade e Política”, dando origem à Lei 9840/99, “Lei da Compra de Votos”, de
iniciativa popular, que permite a cassação de registros e diplomas eleitorais daqueles que
desvirtuam o exercício da cidadania através de práticas irregulares de captação de votos
(SUBSÍDIO..., 2010). Como se vê, a existência de uma lei de combate à compra de votos é
recente em nosso país e ainda não se cristalizou no imaginário político nacional, carecendo de
um tempo de maturação para que possa se sedimentar nas consciências individuais e
coletivas.
Contribui
para
esse
processo
de
maturação
político-democrático
a
mobilização/organização da sociedade civil, no intuito de questionar as práticas oligárquicas
petrificadas ao longo dos tempos, pois, “a sociedade civil representa o lugar onde se formam,
especialmente nos períodos de crise institucional, os poderes de fato que tendem a obter uma
legitimidade própria [...] o lugar onde, em outras palavras, desenvolvem-se os processos de
deslegitimação e de relegitimação” (BOBBIO, 2011, p. 37).
Nesta perspectiva, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a Associação de
Saúde da Periferia do Maranhão (ASP) e a Cáritas Brasileira Regional Maranhão promoveram
ação jurídica em desfavor da governadora Roseana Sarney Murad por abuso de poder,
captação ilícita de sufrágio, gastos ilícitos de campanha e fraude eleitoral cometidos no pleito
de 2010.
Por abuso de poder político, fora constatada a celebração de inúmeros convênios
com as prefeituras municipais às vésperas do período eleitoral, em desrespeito à norma da
moralidade administrativa, como consta da petição protocolada na Procuradoria Regional
7
Entende-se por sociedade civil, “grupos sociais independentes do Estado e que como tais limitam e restringem
a esfera do poder político” (BOBBIO, 2011).
84
Eleitoral do Estado do Maranhão por aquelas entidades. Os convênios mencionados na
petição, que teriam sido efetivados de forma irregular, entre o governo estadual e as
prefeituras municipais aliadas são mais de quinhentos, havendo no documento a listagem dos
que constam no quadro a seguir:
Quadro 2 – Convênios efetivados de forma irregular entre o governo estadual e as prefeituras
municipais do Maranhão
Convenente
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
11.
12.
13.
14.
15.
16.
17.
18.
19.
20.
21.
22.
23.
24.
25.
26.
27.
28.
29.
30.
31.
32.
33.
34.
35.
36.
37.
38.
39.
40.
41.
42.
43.
44.
45.
46.
Prefeitura Municipal de Governador Edson Lobão
Prefeitura Municipal de Bacabal
Prefeitura Municipal de Presidente Dutra
Prefeitura Municipal de Lagoa do Mato
Prefeitura Municipal de Guimarães
Prefeitura Municipal de Santa Inês
Prefeitura Municipal de Governador Nunes Freire
Prefeitura Municipal de Barra do Corda
Prefeitura Municipal de Igarapé Grande
Prefeitura Municipal de Lago dos Rodrigues
Prefeitura Municipal de Itapecuru-Mirim
Prefeitura Municipal de Poção de Pedra
Prefeitura Municipal de Lajeado Novo
Prefeitura Municipal de Loreto
Prefeitura Municipal de Paraibano
Prefeitura Municipal de Mata Roma
Prefeitura Municipal de Parnarama
Prefeitura Municipal de Pedreiras
Prefeitura Municipal de Pinheiro
Prefeitura Municipal de Pirapemas
Prefeitura Municipal de Santa Quitéria
Prefeitura Municipal de Rosário
Prefeitura Municipal de São José de Ribamar
Prefeitura Municipal de Passagem Franca
Prefeitura Municipal de Miranda do Norte
Prefeitura Municipal de Magalhães de Almeida
Prefeitura Municipal de Coelho Neto
Prefeitura Municipal de Paço do Lumiar
Prefeitura Municipal de Governador Newton Bello
Prefeitura Municipal de Paulo Ramos
Prefeitura Municipal de Zé Doca
Prefeitura Municipal de Vitória do Mearim
Prefeitura Municipal de Dom Pedro
Prefeitura Municipal de João Lisboa
Prefeitura Municipal de São Luiz Gonzaga
Prefeitura Mun. de São Raimundo das Mangabeiras
Prefeitura Municipal de São Mateus
Prefeitura Municipal de São Pedro da Água Branca
Prefeitura Municipal de Lago da Pedra
Prefeitura Municipal de Pastos Bons
Prefeitura Municipal de Timon
Prefeitura Municipal de Codó
Prefeitura Municipal de Duque Bacelar
Prefeitura Municipal de Timbiras
Prefeitura Municipal de Gonçalves Dias
Prefeitura Municipal de Urbano Santos
Nº de
convênios
celebrados
4
5
6
11
3
15
4
6
6
5
9
4
7
8
7
9
8
6
9
6
2
8
3
9
8
11
23
3
5
8
5
6
13
3
5
3
3
9
10
8
11
9
10
5
6
4
Período de liberação
dos recursos
10.05 a 30.06.10
10.05 a 14.09.10
11.05 a 01.07.10
24.06 a 17.08.10
24.06 a 01.07.10
02.02 a 21.09.10
23.06 a 30.06.10
30.06 a 11.08.10
24.02 a 11.08.10
11.05 a 30.06.10
19.04 a 28.09.10
17.06 a 01.07.10
07.05 a 24.06.10
25.05 a 14.09.10
24.05 a 01.07.10
07.06 a 29.09.10
19.04 a 29.09.10
24.05 a 01.07.10
12.02 a 30.06.10
04.02 a 29.09.10
05.02 a 11.08.10
24.02 a 21.09.10
14.04 a 30.06.10
09.06 a 21.09.10
28.04 a 01.07.10
09.06 a 16.08.10
30.03 a 28.09.10
11.05 a 01.07.10
09.06 a 01.07.10
17.05 a 28.09.10
04.06 a 16.08.10
24.06 a 14.09.10
24.04 a 29.09.10
22.06 a 30.06.10
16.04 a 10.08.10
23.06.10
23.06 a 29.09.10
09.06 a 30.09.10
20.05 a 16.09.10
30.03 a 16.08.10
23.06 a 01.09.10
22.06 a 24.09.10
23.06 a 29.09.10
23.06 a 29.09.10
24.06 a 13.08.10
21.06 a 02.07.10
Total de recursos
recebidos em R$
680.000,00
2.727.396,66
725.000,00
3.419.823,80
445.284,00
3.146.521,23
275.000,00
2.430.251,90
1.528.675,19
644.854,76
2.688.540,00
703.498,22
1.012.450,00
627.500,00
1.316.000,00
4.121.666,68
3.491.116,68
1.898.015,00
2.618.687,50
865.257,60
3.000.000,00
2.397.000,00
6.125.000,00
3.527.743,90
2.912.877,21
2.905.000,00
11.737.406,31
1.694.201,68
989.250,30
1.552.325,20
1.990.638,16
2.032.790,19
6.206.104,03
1.299.996,67
1.850.000,00
1.230.000,00
1.620.000,00
2.025.325,20
3.811.746,86
2.25.842,67
3.176.752,55
3.898.971,58
1.870.668,32
1.890.000,00
719.428,58
1.230.000,00
85
47. Prefeitura Municipal de Sta. Filomena do Maranhão
48. Prefeitura Municipal de Estreito
7
3
18.06 a 21.07.10
18.06 a 29.09.10
1.662.500,00
1.408.333,32
Fonte: ASSELIN, 2010.
Segundo o advogado responsável pela ação, o Pe. Victor Asselin, num período de
menos de 48 horas, os convênios foram assinados e publicados no Diário Oficial; foi feito o
empenho do valor, emitida a ordem bancária e creditado o dinheiro nas contas dos
municípios, que efetuaram saques diretamente “na boca do caixa”. De acordo com a petição,
tais convênios não objetivaram promover um fim público, mas somente cooptar lideranças
municipais a apoiar a reeleição da governadora Roseana Sarney, uma vez que as obras para as
quais o montante era liberado não haviam sido iniciadas até o dia 05 de julho de 2010. No
total foi liberado mais de um bilhão de reais a prefeituras, associações de moradores,
organizações não governamentais (ONG’s) e associações de classe.
É ainda atribuída à governadora Roseana Sarney, a utilização do programa social
Viva Casa durante a campanha eleitoral para angariar prestígio junto ao eleitorado, além de
usar a máquina pública para promoção pessoal ao utilizar a expressão “Governo do Maranhão
– De volta ao trabalho” como logomarca ao assumir o governo em 19 de abril de 2009 após
decisão do TSE de cassar o mandato do governador Jackson Lago, acusado de cometer
irregularidades muito parecidas com as que são denunciadas pelas entidades sociais.
Também foi denunciado, na emblemática eleição de 2010 para o governo
estadual, evidências de fraude eleitoral, com manipulação do sistema eletrônico de votação.
Com base na análise dos boletins das urnas, verificou-se um grande número de votos inseridos
após o horário das 17 h, chegando a verificar-se que algumas urnas ficaram abertas até após as
20h, sendo inseridos nesse horário 18.719 votos, dos quais 67,21% eram destinados à
governadora Roseana Sarney.
86
5 A ELEIÇÃO ESTADUAL DE 2010: A Cultura Política de Professores
O desejo de investigar que valores e crenças norteiam as intenções de voto nasceu
de uma intensa discussão na sala dos professores do Liceu Maranhense, no dia seguinte ao
resultado do pleito da eleição estadual de 2010. Alguns professores questionavam por que a
governadora fora reeleita, sobretudo, quais motivos teriam levado as zonas eleitorais da
capital a garantir a vitória da oligarquia Sarney naquele pleito. Como parte do corpo docente
daquela escola, naquele ano, percebeu-se que alguns professores que declarara seu voto à
Roseana Sarney o faziam com certo constrangimento, até mesmo com um sentimento de
vergonha, alguns tentando se desculpar diante dos colegas. Desse episódio, veio a ideia de
investigar o imaginário político da capital maranhense a partir da participação daqueles atores
sociais, homens e mulheres que se expressam através de imagens e discursos, práticas e
sistemas de representação. A idéia de representação é aqui empregada, conforme já foi dito,
como compreensão do mundo social, exibição do ser social ou do poder político, com a qual
os indivíduos, os grupos, os poderes constroem e propõem uma imagem de si mesmos e da
sociedade (CHARTIER, 2002).
Optou-se, então, por ouvir alguns docentes do Liceu Maranhense, acerca do pleito
de 2010. E, com base nos seus depoimentos, procurar identificar ideias, crenças e valores que
norteiaram suas escolhas naquela eleição. De acordo com Garrido (1992/1993, p. 34), “as
fontes orais estão na base da mais antiga e da mais recente forma de fazer história”,
possibilitando, assim, não só incorporar indivíduos comuns na construção historiográfica, mas
também conhecer e compreender situações insuficientemente estudadas.
A intenção inicial era de entrevistar, no mínimo, dez professores. Porém, notando-se que as respostas começaram a ficar parecidas restringiu-se a apenas oito entrevistas.
Foram ouvidos seis professores e duas professoras, que serão mencionados com nomes
fictícios a fim de preservar suas identidades. A faixa etária dos entrevistados está assim
distribuída: três deles entre 31 a 40 anos; dois entre 41 a 50 anos; dois entre 51 e 60 anos; um
acima de 61 anos.
O fato de a autora desta dissertação pertencer à categoria profissional dos
entrevistados facilitou a abordagem aos colegas, embora alguns tenham demonstrado
desconfiança em relação à temática, e, por conta disso, tenham se recusado a participar da
pesquisa. De modo geral, a relação entrevistadora e entrevistados deu-se de forma tranquila,
embora no começo da gravação todos tenham tido uma postura mais tensa, preocupados com
a elaboração de um discurso que tivesse uma lógica, uma coerência. De acordo com
87
Montenegro (1993, p.56-58), “essa postura de muitos entrevistados pode ser associada à
preocupação em evitar que o caráter contraditório e fragmentado da memória (e em última
instância das experiências interiorizadas) se torne do conhecimento público”. Ainda de acordo
com o autor citado, o que faz alguém registrar determinados acontecimentos, fatos e detalhes
diz respeito à cultura, ao inconsciente, à história individual e coletiva de cada um.
5.1 A memória histórica do político José Sarney
Seguindo a reflexão de Pollak (1992), pode-se afirmar que a memória não é
exclusivamente um fenômeno individual, estritamente íntimo, próprio da pessoa. Mas algo
construído coletivamente como fenômeno social, passível de flutuações, transformações,
mudanças constantes. O entendimento da memória como fenômeno social e coletivo é
atribuído ao estudo sociológico de Maurice Halbawachs (2006, p. 69), para quem “a sucessão
de lembranças, mesmo as mais pessoais, sempre se explica pelas mudanças que se produzem
em nossas relações com os diversos ambientes coletivos”.
Na fala dos professores e professoras entrevistados, essa relação dialética entre
memória individual e memória coletiva é bem significativa, sobretudo, a respeito da memória
histórica construída em torno da imagem do político José Sarney. Entende-se por memória
histórica, segundo Halbawachs (1992), a sequência de eventos cuja lembrança é conservada
nos livros e ensinada nas escolas, é portanto, uma memória organizada segundo critérios
metodológicos, políticos, inerente à operação historiográfica.
A professora Lindalva tinha dezoito anos em 1966, ano em que o então
governador José Sarney tomou posse no governo estadual do Maranhão. Ao se referir à
lembrança dessa época afirma:
As pessoas falam muito do Sarney, etc e tal, mas nós sabemos que essa credibilidade
que as pessoas antigas têm, tem um fundo de verdade. Quando ele sai da política do
mentor dele, o Victorino Freire, que ele é governador pela primeira vez no
Maranhão [...] a gente sabe que ele transformou o Maranhão, ele trouxe muita coisa
ele renovou, modernizou [...] (Entrevista realizada em 12 abr. 2012).
Essa memória histórica sobre a figura do ex-governador do Maranhão José Sarney
é cultivada pela historiografia tradicional, que o apresentada como ruptura em relação ao
período político anterior, como bem expressa este discurso sobre a campanha eleitoral de
1965 e o governo de José Sarney (1966-1970):
88
Usando com habilidade e competência os veículos de comunicação, especialmente
nos centros urbanos, a mensagem de renovação, modernização, mudanças e
desenvolvimento varria o Estado inteiro, como um poderoso vento de liberdade,
levando de roldão todos quantos tentaram opor-se à sua candidatura [...] o
vitorinismo, como sistema de prática política e administrativa, estava
definitivamente aniquilado no Maranhão inteiro. O seu criador, Vitorino de Brito
Freire [...] faleceu, no Rio de Janeiro, a 27 de agosto de 1977, onze anos depois da
posse de José Sarney, quando o Maranhão retomava o caminho do desenvolvimento
econômico e social e abria novas perspectivas para ultrapassar o atraso cultural e
político (BUZAR, 1998, p. 497-499).
Tal interpretação, repetida tantas vezes, torna-se memória histórica e, ao mesmo
tempo, memória coletiva, permanecendo no imaginário do grupo social que a tem, sendo
transmitida às gerações mais jovens.
Na fala da professora Lindalva, quando afirma: “nós sabemos que essa
credibilidade que as pessoas antigas têm, tem um pouco de verdade”, há uma tentativa de
transferir a crença na credibilidade existente na figura de José Sarney às “pessoas antigas”, ou
seja, a professora transfere a outrem uma credibilidade e admiração, que ela mesma nutre a
essa personagem da história política maranhense. A mesma credibilidade e admiração foi
expressada pelo professor Francisco, de 37 anos, que, embora não tenha vivenciado a época
do governo Sarney (1966-1970), reproduz um
discurso parecido. Veja-se: “Porque no
começo, Sarney, pelo menos eu encontro gente assim daquela época [...] alguém que viveu
aquela época, até hoje diz que o melhor governador do Estado foi Sarney, naquele tempo”
(Entrevista realizada em 11 mar. 2012).
Essa fala expressa um processo de socialização política, no qual ocorre um
fenômeno de projeção ou de identificação com determinado passado, tão forte que podemos
falar numa memória quase herdada (POLLAK, 1992). Nas entrevistas realizadas, somente
dois docentes não expressaram essa identificação com a referida imagem do governo Sarney.
Tanto a memória individual quanto a memória coletiva são organizadas de modo
que, “o que a memória individual grava, exclui, relembra, é evidentemente o resultado de um
verdadeiro trabalho de organização” (POLLAK, 1992, p. 204). Sendo assim, pode-se
asseverar que o imaginário político maranhense é fortemente marcado pela lembrança das
“grandes obras” perpetradas pela gestão do ex-governador José Sarney, e mesmo uma
categoria de profissionais como os professores se deixam enredar pelo discurso de
“desenvolvimento” e “progresso”, construído pela oligarquia Sarney a partir dos anos de seu
domínio político.
Esse discurso modernizador presente no depoimento de Lindalva, quando a
mesma diz: “ele transformou o Maranhão, ele trouxe muita coisa, ele renovou, modernizou
89
(Entrevista realizada em 12 abr. 2012), faz menção às obras financiadas pelo Regime Militar,
tais como os empreendimentos que transformaram o Estado num pólo exportador de alumínio,
minérios, ferro-gusa. Opção por um modelo de desenvolvimento e expansão capitalista
favorecedor do grande capital nacional e estrangeiro sob o patrocínio do Estado.
Seguindo a linha de análise de Montenegro (2001, p.15, 16), “todo programa
político esta associado à reconstrução do passado [...] é sempre a partir de como se institui o
passado que são criadas as condições imaginárias para definições dos projetos políticos”.
Nesse caso, podemos supor que a gestão do ex-governador José Sarney (1966-1970) tornou-se
um marco importante na invenção do Maranhão Contemporâneo, tornando-se um modelo de
referência a seu grupo político na manutenção do domínio oligárquico.
Um único professor a fazer uma análise mais crítica a respeito da imagem do
governo Sarney foi José, professor de filosofia, que assim se manifestou sobre as
conseqüências da política oligárquica:
O Sarney no Maranhão é uma espécie de mito, as pessoas admiram como se ele
fosse genial, observe o nível nosso de achar genialidade no gênio do mal! Porque
nós somos incapazes de mudar nossa própria realidade, então nós achamos genial
aquilo que o sujeito faz, ainda que essa genialidade seja para a maldade e nós
paguemos por isso. Então, são várias as pessoas ditas esclarecidas que tem essa
admiração, uma certa veneração pelo Sarney, inclusive no seio de setores ditos de
esquerda (Entrevista realizada em 5 set. 2012).
O que se observa é que a memória constitui um objeto de disputa importante. O
grupo político dominante acaba por fazer um “enquadramento da memória”, como diz Pollak
(1992), a fim de privilegiar sua interpretação a respeito dos acontecimentos, possibilitando
que “a memória coletiva ou individual, ao reelaborar o real, adquire uma dimensão em uma
certa construção imaginária e nos efeitos que essa representação provoca social e
individualmente (MONTENEGRO, 2001, p. 201).
Ao chamar o senador José Sarney de “gênio do mal”, o docente possivelmente
tem em mente as conseqüências sociais das práticas políticas oligárquicas para o conjunto da
população, uma vez que o Maranhão ocupa a penúltima posição no ranking que mede o índice
de desenvolvimento humano dentre os estados da federação brasileira, como mostra o quadro
abaixo.
90
Quadro 3 – Ranking do IDH dos Estados Brasileiro em 2005
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
Distrito Federal
Santa Catarina
São Paulo
Rio de Janeiro
Rio Grande do Sul
Paraná
Espírito Santo
Mato Grosso do Sul
Goiás
Minas Gerais
Mato Grosso
Amapá
Amazonas
Rondônia
Tocantins
Pará
Acre
Roraima
Bahia
Sergipe
Rio Grande do Norte
Ceará
Pernambuco
Paraíba
Piauí
Maranhão
Alagoas
0,874
0,840
0,833
0,832
0,832
0,820
0,802
0,802
0,800
0,800
0,796
0,780
0,780
0,776
0,756
0,755
0,751
0,750
0,742
0,742
0,738
0,723
0,718
0,718
0,703
0,683
0,677
Fonte: PNUD, 2008.
Ao responder o que pensava sobre a experiência política maranhense ao longo do
tempo, esse mesmo docente respondeu:
Olha, a prática política do Maranhão nesses últimos 50 anos não mudou em nada, só
aprofundou aquelas práticas nocivas à democracia, ao respeito às regras, porque aqui
as regras quem determina é quem está no poder. E isso, se a gente comparar o
período do Sarney ao período vitorinista a gente vai perceber que só houve um
aprimoramento das práticas. O Vitorino era mais troglodita e não escondia isso, o
outro é tão troglodita quanto, só que ele disfarça isso muito bem sob os auspícios da
literatura [...] só que usando o fardão da ABL, ele é bem sutil nessas coisas, só que é
uma sutileza que arrebenta o Estado, se você for ver a parte da grilagem [...] as terras
nossas foram loteadas e entregues aos grandes grupos nacionais [...] o Maranhão, eu
estou dizendo porque vivi no interior, produzia arroz e exportava para o Nordeste
todo, para boa parte do Sudeste, hoje o arroz que nós consumimos vem de onde?
Produzíamos feijão, milho, nada disso se produz mais. Produz soja, carvão, nossa
área verde dando lugar à soja e ao gado! (Entrevista realizada em 5 set. 2012).
O discurso desse professor coaduna-se com as análises realizadas por estudiosos
que se distanciam da versão oficiosa que cristalizou o discurso de que Sarney colocou o
Maranhão no “caminho do desenvolvimento econômico e social” (BUZAR, 1998). Como
91
exemplo, cita-se o estudo de Gonçalves (2000, p. 183), para quem a Lei nº 2. 979/79,
conhecida como Lei de Terras do governo Sarney, deu posse legal de milhares de hectares a
grandes empresas que se alojaram em terras maranhenses de modo a promover a expansão do
agronegócio e do latifúndio, a devastação ambiental e a falta de incentivo à agricultura
familiar.
Ao abordar a questão agrária, o professor José diz conhecer a situação da
agricultura com o seguinte argumento: “vivi no interior”. Seus pais eram lavradores e essa
experiência, de certa forma, marcou a memória desse docente, pois ele viu muitos lavradores
deixando o interior do Maranhão por falta de perspectivas de sobrevivência no campo. A
referência à relação do senador Sarney com a literatura, importante capital cultural na
construção da imagem pública desse político, na visão do docente é parte de uma estratégia de
dominação simbólica que suaviza a imagem de oligarca desse líder político.
Porém, essa versão da “modernização” oligárquica é restrita a um grupo de
pessoas, como o professor de filosofia, que dos oito entrevistados foi o único a lembrar dessa
triste realidade da sociedade maranhense.
Para Eagleton (1997, p. 13), “o opressor mais eficiente é aquele que persuade seus
subalternos a amar, desejar e identificar-se com seu poder”, a dominação mais eficiente é
aquela em que os que estão submetidos passam a julgar seu próprio comportamento pelos
critérios de seus governantes. Assim, conjectura-se que haja uma cultura oligárquica
introjetada no cotidiano das práticas sociais maranhenses.
5.2 A internalização da cultura política oligárquica
“Há duas gerações de maranhenses que não
conhecem a liberdade política, nasceram sob o
domínio do ‘vitorinismo’ e provavelmente
morreram ou morrerão sob o domínio do
sarneysmo”. (PACHECO FILHO, 2001).
No Maranhão tem sido assim, o processo de socialização política é fortemente
estruturado na crença de que as práticas políticas consistem no domínio de um grupo
específico que se utiliza dos recursos estatais para favorecer seus próprios interesses e de seus
protegidos.
O paradoxal dessa realidade “consiste no fato do homem ser capaz de produzir um
mundo que em seguida experimenta como algo diferente de um produto humano (BERGER;
LUCKMAN, 2007, p. 87), como se a realidade social e histórica fosse uma fatalidade, uma
92
condenação imposta pelos deuses, da ordem do sagrado. Uma sociedade para ser autônoma,
deve ser capaz de questionar suas leis, seus costumes, suas práticas políticas, do mesmo
modo, que o indivíduo para conquistar sua autonomia, deve instaurar outra relação entre seu
inconsciente e seu passado, como forma de superação de si mesmo (CASTORIADIS, 2002).
A maioria dos professores, que participaram desta pesquisa, mostraram certa
resignação quanto ao tipo de dominação política existente na sociedade, como se tal realidade
fosse naturalizada, fizesse parte da “tradição” presente nas estruturas morais e sociais,
incorporadas na atividade social diária dos indivíduos.
Ao falar de suas lembranças do município em que nasceu, a professora Lindalva
relatou, como se fosse um processo “natural”, o que ocorre em terras maranhenses desde a
formação do Estado Nacional até os dias de hoje.
O nome [do município] foi dado em homenagem a meu pai, [...], se pegar os livros
dos municípios, IBGE, na Biblioteca Pública, tu vai ver que a história do[
município] é misturada à história de meu pai, o nome [do município] é porque meu
pai era chamado [assim], então foi dado em homenagem a ele. O primeiro grupo,
estabelecido de ensino comum, que foi um grupo escolar foi o nome do meu irmão
mais velho [...] foi ele que construiu a casa, o primeiro sobrado, que foi a primeira
casa de mais de um andar de toda região, tem a casa de pedra dos meus pais, foram
eles que construíram o primeiro mercado público do [município], foi construído por
eles, então foi dado em homenagem a ele, meu pai foi o fundador da cidade [...] tem
uma escola muito linda que inauguraram há dois anos atrás, a mais moderna de lá,
linda a escola, uma estrutura linda! Que deram o nome dele, nós fomos para a
inauguração, e eu que puxei o laço, aquelas coisas todas, foi chique, ah, foi bom! [...]
O primeiro prefeito foi o meu irmão [...], ele era político, [...], os filhos dele foram
prefeitos, vereadores. Depois foi o [...], que é meu sobrinho, a mulher dele foi não
sei quantas vezes, foi até deputada também, e hoje quem ta lá é um representante
dela [...], um candidato dela que ganhou e agora já vai ser [ela] de novo, que é
esposa do meu sobrinho, que vai ser candidata. Se você for fazer uma análise da vida
[do município], ou é da família, ou é descendente ou é agregado (Entrevista
realizada em 12 abr. 2012).
Na perspectiva de Hunt (2007), a política é moldada pela cultura. No caso da
cultura política oligárquica, as crenças, os ideias, as normas e as tradições que dão significado
à vida política maranhense são fundadas no personalismo, no patrimonialismo e na
perpetuação de um grupo familiar/político no controle da máquina pública, como demonstra a
fala dessa docente do Liceu Maranhense. O republicanismo democrático não faz parte dos
valores e costumes da grande maioria da população maranhense. O velho hábito de nomeação
dos prédios públicos com o nome dos governantes representa uma faceta da dominação
oligárquica que se exerce de maneira sutil, eficiente, capaz de mostrar a todos, de forma
simbólica, quem é que manda, quem exerce o poder político.
Segundo Chartier (2002), esta estratégia de dominação simbólica tem como
objetivo “o ordenamento do mundo social” capaz de produzir, “sem apelo a nenhuma
93
violência, a obediência e a submissão” dos indivíduos perante o poderio de um determinado
grupo social.
Uma das perguntas feitas aos professores foi como eles abordavam os temas
políticos na sala de aula. Veja-se as respostas dadas por Francisco e João, os professores de
geografia entrevistados:
Eu acho que falar de política é necessário, mas assim, falar no sentido de despertar o
senso crítico, não a crítica pela crítica, jamais fiz isso, ir para a sala de aula falar mal
da família Sarney, da família Jackson Lago. Não, eu acho que o caminho não é esse,
mas falar da política verdadeira, da necessidade de você se posicionar, de você
votar, de você tentar mudança, acho que isso é necessário e isso eu faço em minhas
aulas [...] eu não fiz muito comentário desse eleição na sala de aula porque a gente
tem praticamente os mesmos personagens, né? Você vê surgindo aí o Flávio Dino, e
algum outro a mais, mas você vê que os personagens são praticamente os mesmos
[...] eu não tive oportunidade, talvez por falta de interesse mesmo, de fazer
comentários mais aprofundados acerca dessa eleição (Entrevista realizada em 6
ago. 2012, grifo-se).
A minha disciplina, ela nos dar esse suporte, para você ta buscando sempre a política
como solução para esses problemas, então nós abordamos o seguinte, citamos
partidos políticos, mas não defendemos partidos políticos. O que se faz? Tenta-se
mostrar que o ser humano por si só é um ser político, aquele que decide, aquele que
discursa, necessariamente você não precisa ter atrelamento a um partido para ser
político, o ser humano tem esse dom de ser político por nascença, e eu abordo o
seguinte, criticando o que tem sido feito, mas não dizendo que é por ‘A’, por ‘B’,
por ‘C’. Mas criticando o que tem sido feito e mostrando que poderia ser feito mais,
ser de fato alguém preocupado com as condições sociais, com as condições
econômicas, ta certo? Então nós criticamos o sistema, digamos que há vinte anos
atrás, o Maranhão está melhor do que a vinte anos, São Luís está melhor. Não
criticamos ideologias, não criticamos partidos. Nós falamos muito isso, o Brasil hoje
está melhor do que há vinte anos atrás, então, o mérito se dar ao processo evolutivo
de tudo, o que acontece hoje. Hoje eu estou melhor do que meu pai, meu pai tava
melhor do que meu avô, então é uma evolução normal, gradativa, ta certo? Não
devemos dizer que o Brasil tá melhor em função dos atuais gestores, é um processo
evolutivo, e melhorou de fato (Entrevista realizada em 4 jun. 2012, grifo nosso).
De modo geral, a significação mais comum do termo política é de “arte ou ciência
do governo”, como a utiliza o cientista político Norberto Bobbio (2010, p. 958), para quem
Toda história da filosofia política está repleta de definições normativas, a começar
pela aristotélica: como é bem conhecido, Aristotéles afirma que o fim da política não
é viver, mas viver bem. Mas em que consiste uma vida boa? Como é que ela se
distingue de uma vida má? E, se uma classe política oprime os seus súditos,
condenando-os a uma vida sofrida e infeliz, será que não faz Política, será se o poder
que ela exerce não é um poder político?
A resposta do professor João expressa uma visão de que a política é necessária
para a organização social, é uma espécie de “dom” que acompanha os homens desde o
nascimento, sem que isso os desperte para os conflitos sociais, já que, a sociedade se ajusta
pelo “processo evolutivo de tudo”. Essa compreensão talvez se explique pela resignação com
94
a sua realidade, a sua prática educacional, como ato de fala, como exercício retórico e ato
performativo, represente um anseio de perenidade em relação à ordem estabelecida
(GOLDENBERG, 2006).
Nas palavras de Castoriadis (2002, p. 73),
uma sociedade autônoma, uma sociedade verdadeiramente democrática, é uma
sociedade que questiona qualquer sentido pré-dado, e na qual, por isso mesmo, está
liberada à criação de novas significações. E, numa tal sociedade, cada indivíduo é
livre para criar o sentido que quiser (e puder).
Esse projeto de autonomia individual e coletivo, defendido pelo autor, passa
necessariamente pela educação, aposta na criação de um sujeito imaginador e reflexivo, capaz
de imaginar outra realidade possível. Ao ver as mudanças sociais como um mero processo
evolutivo, o docente não exerce o papel transformador que poderia ter.
6.3 A “Lei do Cão” e o desencanto dos professores com Jackson Lago
A julgar pela fala de Antonio, outro docente entrevistado, a eleição do governador
Jackson Lago, em 2006, contou com a colaboração de grande parte da categoria de
professores da rede pública estadual, contagiados pela vontade de romper com os anos da
oligarquia Sarney. Esse docente comentou: “carreguei bandeira no meu carro, tinha adesivo,
algo espontâneo [...] nunca fui partidário, mas tive aquela esperança, assim como tinha o
adesivo do Lula, tinha o adesivo do Jackson Lago, eu acreditava, tinha esperança de
mudança” (Entrevista realizada em 5 nov. 2012).
A esperança de mudança é um dos elementos da “cultura política da libertação”
propagada no Maranhão desde o cenário político dos anos de 1950, como defende Costa
(2009a). Tal cultura política libertadora carrega os ideais liberais democráticos como bandeira
de luta contra o governo oligárquico de plantão.
Em linhas gerais, a eleição de 2006 representou a disputa de duas facções
oligárquicas pelo controle da máquina pública (COSTA, 2009b). Uma facção formada pela
oligarquia Sarney, com fortes laços junto ao governo federal, sua base de sustentação. A
outra, em gestação, representada pelo ex-governador José Reinaldo Tavares, antigo aliado do
grupo Sarney, agora na oposição, apoiando a candidatura do médico pedetista Jackson Lago,
figura importante no cenário político maranhense no âmbito da oposição ao Regime Militar.
Sendo um histórico representante dos anseios das demandas democráticas
(participação popular, ampliação de direitos, controle social, combate à corrupção), a
95
candidatura Jackson Lago representou, pelo menos no plano discursivo, a possibilidade de um
governo “democrático e popular”. Tal perspectiva mostrou-se totalmente frustrada diante das
atitudes do seu governo, ao repetir as mesmas práticas clientelistas e patrimonialistas, que
configuraram o modus operandi do grupo oligárquico alijado do poder no pleito de 2006.
Para os professores da rede pública estadual, a medida do novo governo que mais
causou descontentamento foi a mudança na política salarial, as transformar os salários dos
servidores em subsídio, sem consultá-los. O subsídio é uma forma de retribuição pecuniária
prevista na Constituição Federal, no artigo 39, parágrafo 4º. Podem recebê-lo:
O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os
Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio
fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional,
abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória (BRASIL,
1988, p. 45).
Através da Lei estadual nº 8.592, de 2007, o governo Jackson Lago quis impor a
todo o funcionalismo público estadual o pagamento dos salários através do subsídio. A
intransigência do governo levou os professores a declararem uma greve, que durou 87 dias,
contra a “Lei do Cão”, como ficou conhecida a referida lei. A greve, nas palavras do professor
Antonio, foi difícil de ser construída porque a maioria dos docentes não entendia as
conseqüências da Lei e o Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública no Estado do
Maranhão (SINPROESSEMA) era da base de apoio do governo.
Olha, a greve de 2007 foi uma greve difícil de ser construída, de ser montada porque
todas as greves anteriores, que eu participei, que a classe participou era para
reivindicar algo mais concreto como melhoria salarial, como reposição de perdas
[...]. Mas a greve específica de 2007 foi um objeto um pouco abstrato e meio que
incompreensivo na cabeça de grande parte da nossa classe, que era a questão do
subsídio [...]. O que era o subsídio, quais eram as conseqüências, quais eram as
perdas que por ventura poderiam ter? E a gente entendia naquele momento, que a
forma de subsídio é uma forma específica para determinadas carreiras, como
ministros, juízes, pessoas que têm certas vantagens que compõem aquele benefício
mensal, os proventos. Mas, no caso de uma classe trabalhadora, com pouca
valorização, certamente que viriam perdas futuras, né? Pessoas que estavam por se
aposentar, uma vez tendo contribuído a vida toda, estavam com medo de perder
benefícios [...] e vendo este tipo de sofrimento, as pessoas nessa situação, a gente
teve que parar, refletir, analisar, e tentar dar um basta naquilo tudo, né? Mobilizar a
categoria, mas volto a dizer, muito difícil! A gente percebia pessoas idosas
preocupadas com o que iria acontecer, e nós tentamos de todo modo abrir um canal
de diálogo com o então governador Jackson Lago para que a gente pudesse fazer um
bom combate, uma boa discussão, retornar à situação inicial, para que voltássemos o
que era, e aí sim, apresentar as suas justificativas, os seus porquês, lembro-me que
algumas vezes ele chegou a dizer que era para o bem da categoria, que a Lei do
Subsídio queria pegar os peixes grandes, os altos salários, mas nós não nos
enquadrávamos nessa situação, uma vez que historicamente temos sido uma classe
desvalorizada, desfavorecida e com pouco valor dado pelos nossos governantes!
(Entrevista realizada em 5 nov. 2012).
96
As preocupações elencadas pelo professor tinham suas razões, uma vez que as
desvantagens do subsídio superavam as suas vantagens para essa categoria profissional. Como
vantagem, a Lei 8.982/2007 poderia ter incorporado a gratificação ao salário base dos
professores, o qual, à época, era de R$ 589,14 e a gratificação de R$ 765,88. Porém, os
professores perderiam a possibilidade de implantação de adicionais de localidade inóspita, de
periculosidade, insalubridade, de risco, além do pagamento de adicional de serviço
extraordinário, a hora extra. Sem falar que as carreiras que recebem por subsídio, em geral,
possuem limitações de quantidade de vagas em cada faixa salarial, condicionando a promoção
à existência de vaga, o que certamente dificultaria as progressões, pois, nesse caso, para
atingir o teto da carreira o servidor teria que esperar a aposentadoria de outro. Outra questão a
preocupar os docentes era quanto ao reajuste dos salários, que geralmente é feito de acordo
com o salário mínimo. Com a implantação do subsidio, não havia garantias de reajustes
periódicos (SUBSÍDIO..., 2010).
O que tornou emblemática a greve de 2007, foi o fato de o governador Jackson
Lago ter sido eleito com o apoio de grande parte desses profissionais, e a forma autoritária
com que os professores foram tratados, com corte de ponto, desconto nos salários, ameaça de
demissão, substituição dos docentes em greve por professores contratados. Tais medidas
enfraqueceram demasiadamente a imagem do governo que havia prometido libertar o
Maranhão do jugo e da opressão da oligarquia Sarney.
Esta, por sua vez, soube instrumentalizar a seu favor a inoperância do governo
Jackson Lago, em lidar com a insatisfação dos professores grevistas. De uma hora para outra,
o Sistema Mirante de Comunicação (rádio, TV e jornal) passou a apoiar a greve e o principal
partido controlado no Maranhão pela oligarquia, o PMDB, assumiu a defesa dos direitos dos
trabalhadores, entrando com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) no Superior
Tribunal de Justiça (STJ), onde a “Lei do Cão” foi finalmente revogada (COSTA, 2009b).
Esse episódio ficou tão marcado na memória dos docentes que, nas entrevistas
sobre a eleição de 2010, muitos confundiam-na com o pleito de 2006. A imagem registrada
sobre o governo Jackson Lago pode ser assim representada na fala da docente Maria, de
língua portuguesa: “foi doloroso em todos os aspectos, primeiro, a greve nos atingiu
diretamente, e segundo, a cassação [...] não sei se foi injusto, para mim eu tenho uma
decepção ver alguém que eu acreditei, que eu apostei num mar de lamas” (Entrevista realizada
em 30 abr. 2012).
Dos oitos professores entrevistados, seis votaram em Jackson Lago em 2006,
desses seis, só um repetiu o voto no mesmo candidato em 2010. O único professor a votar em
97
Jackson Lago em 2010 havia sido militante do PDT e, depois, do PT, bases aliadas do
governo deposto em 2009 pelo TSE. Quanto às motivações que levam à escolha dos
candidatos, percebe-se que as relações de amizade com o candidato escolhido e o prestígio
deste com o governo federal foram as mais significativas, além do desencanto com as
promessas de mudanças do governo Jackson. A questão das ideias políticas é o menos
significativo em tais motivações dos votantes.
Um dos docentes de geografia, por exemplo, votou em Jackson Lago em 2006
“porque a esposa era Jackson Lago”. Em 2010, votou no candidato do PCB, Josivaldo Correa,
porque, entre outras questões, foram colegas na universidade, como explica o professor:
O Josivaldo foi aluno da UFMA e foi meu colega de turma desde o primeiro período
até o período da formatura, ele é geógrafo e professor do Estado e do município de
São José de Ribamar, mora até hoje em Ribamar, por essa proximidade e pela
amizade acabei votando com ele [...] ele sempre foi uma pessoa atuante na política,
nos movimentos sociais, nos movimentos de bairro, no movimento da UFMA
(Entrevista realizada em 4 jun. 2012).
Apesar de mencionar a atuação política do candidato e sua participação nos
movimentos sociais, a fala do professor é enfática em afirmar os laços de proximidade e
amizade que acabam determinando sua opção pelo candidato do PCB. Isso reforça o que
afirma Orlandi (2003, p. 20): “o sujeito de linguagem é descentrado, pois é afetado pelo real
da língua e também pelo real da história, não tendo o controle sobre o modo como elas o
afetam. Isso redunda em dizer que o sujeito discursivo funciona pelo inconsciente e pela
ideologia”.
Ideologia, vista como o conjunto de ideias que orienta determinados grupos
políticos e instiga à luta pela conquista do poder, relaciona-se com a idéia de cultura política.
De acordo com Motta (2009, p. 27-28):
Pode-se até dizer que muitas das culturas políticas consistentes possuem ideologias,
entendidas como um sistema de ideias que constitui seu cerne. Mas é importante não
resumir uma coisa à outra, e perceber que a cultura política transcende e vai além da
ideologia, ao mobilizar sentimentos (paixões, esperanças, medos), valores (moral,
honra, solidariedade), representações (mitos, heróis) e ao evocar a fidelidade a
tradições (família, nação, lideres).
Entende-se, portanto, porque as questões pessoais na cultura política do Maranhão
sejam um importante elemento definidor das relações entre os sujeitos sociais e seus
representantes políticos.
Veja-se agora o caso da professora Lindalva, eleitora de Roseana Sarney em 1994,
1998, quando a representante da oligarquia Sarney foi eleita e reeleita governadora estadual.
98
Em 2006 a professora votou em Jackson Lago, mas em 2010 voltou a depositar sua confiança
na candidata do grupo Sarney.
Nós tivemos uma discussão na reunião que nós fomos. Nós fazemos uma reunião em
família que é uma vez por mês, nós nos juntamos, a gente faz um lanche, todo
mundo conversa, faz uma oração. [...] E nessa reunião, nós discutimos muito [...]
uma tia que é procuradora, falou que dessa vez ela ia dar um voto para
Roseana pela primeira vez porque as dificuldades da gente ir [ao município em que
nasceu], com aquelas estradas horrorosas. Quando ela imagina que ela pega o carro
dela agora e vai, parece um tapete a estrada! Aquilo tudo para a gente dela, para os
agricultores, as pessoas que moram naquela cidade que ela amava, que ela via a
felicidade deles com aquela estrada. Então dessa vez ela ia votar [...] aí eu disse que
dessa vez eu também iria votar [...] e também pelo jeito que estava encadeada a
questão política, a Dilma Roussef lá em cima, o pai dela lá em cima, então se ela
ficar aqui, vai ter tudo para melhorar isso aqui. Se eles quiserem fazer de acordo
com que ela promete, que a gente não acredita tanto, eu acho que vai ser a chance
que ela tem de resgatar muita coisa [...] As pessoas falam muito do Sarney, etc. e tal,
mas nós sabemos que essa credibilidade que as pessoas antigas têm, tem um fundo
de verdade [...] a gente sabe que ele transformou o Maranhão, ele trouxe muita coisa,
ele renovou, modernizou. [...] E eu pensei assim, eu vou votar nela agora justamente
porque ela tem todas as chances de fazer um bom governo (Entrevista realizada em
12 abr. 2012, grifo nosso).
Pelo discurso apresentado, há uma intenção de acentuar que sua família não é
adepta incondicional da oligarquia Sarney. Mas “o inconsciente não se deixa trair” (RICCI,
2005), e em outro momento da entrevista havia dito que votou em Roseana Sarney em 1994 e
1998. Agora, julgava que a candidata iria “resgatar” o clima de euforia desenvolvimentista
vivenciado nos anos de 1960, quando da posse de José Sarney no Palácio dos Leões, imagem
constantemente explorada pelo jornal O Estado do Maranhão, na campanha de 2010, ao
anunciar que os “grandes empreendimentos” financiados pelo governo federal voltariam,
sobretudo, com a aliança com a então candidata Dilma Rousseff, com destaque para a
instalação da refinaria da Petrobrás.
Em outra entrevista, há uma clara contradição. O professor Francisco afirma que
as práticas oligárquicas prejudicam o estado:
Nós, no Maranhão, temos uma marca antiga, que é exatamente a marca da oligarquia
[...] que há muitos anos, já há algumas décadas vem sendo colocada em prática em
nosso Estado e a gente tem percebido que talvez por conta desse predomínio, dessa
dominação o Estado não tenha conseguido avançar tanto quanto poderia, a prova
disso é que a gente vê o Maranhão aí como uma das unidades da federação brasileira
de menor poder aquisitivo, uma das unidades da federação brasileira de menor poder
aquisitivo, uma das mais pobres na realidade [...] (Entrevista realizada em 6 ago.
2012).
Porém, ao ser perguntado, em quem votou para governador em 2006, o mesmo
professor respondeu:
99
(risos) ai, ai, ai, eu acho, não tenho certeza [...] mas eu tenho a impressão que votei
para Roseana, eu tenho a impressão, não tenho certeza, mas eu lembro que teve um
período desse ai que eu votei para Roseana, e não está muito distante não. Acho que
foi essa eleição, eu votei para ela, que contradição, né? (Entrevista realizada em 6
ago. 2012).
Assim como na clínica psicanalítica, não basta uma explicação racional do
problema enfrentado para que o analisando mude suas atitudes, o entendimento sobre os
malefícios provocados pelas práticas oligárquicas não basta para que o sujeito modifique seus
atos e deixe de reproduzir os valores de uma cultura política oligárquica.
Outro trecho da fala da professora Lindalva resume bem o que seja a cultura
política oligárquica:
Infelizmente nós, brasileiros, não somos politizados, a gente, a maioria defende seus
interesses, eles votam porque alguém deu emprego, porque alguém é bonito, por
alguma promessa que foi feita, que vai pagar a luz, vai pagar a água, porque é amigo
não sei de quem, né? (Entrevista realizada em 12 abr. 2012).
Apesar de usar o pronome na primeira pessoa do plural, “nós”, para afirmar a falta
de formação política da maioria da população, quando se refere às motivações do voto o
pronome utilizado é “eles”, na terceira pessoa do plural, para comunicar que são os outros que
se utilizam das práticas oligárquicas. Isso porque não é comum assumir, que a cultura do
favor, do paternalismo, das relações clientelistas e personalistas façam parte das práticas
político sociais de um segmento da classe média, como os professores do Ensino Médio.
No entanto, é voz corrente ser uma prática das campanhas eleitorais no estado do
Maranhão, a compra de votos. Em 2010, essa “tradição” teria sido celebrada de forma abusiva
e explícita por parte da candidata da oligarquia Sarney, como comentou Antonio, um dos
docentes entrevistados:
[...] a compra de votos foi descarada, a compra de vereadores, sobretudo em São
Luís. Tínhamos 21 vereadores, e ela chegou a ter 16 dos vereadores nas mãos, então
é algo assim muito grave! Não se comprou o voto, comprou-se aquele que tem o
voto, as lideranças, aquele que caminha, aquele que leva um cano, aquele que fura o
poço, os ditos vereadores comunitários (Entrevista realizada em 10 out. 2012).
É importante esse comentário para mostrar que, apesar do controle da informação
exercido pelos canais de mídia do grupo dominante, esta não é a única voz, há sempre a
possibilidade de refutar as “informações” veiculadas pela mídia oficiosa.
Mas, enquanto todos os cidadãos maranhenses tomaram conhecimento do
processo de cassação do ex-governador Jackson Lago, por ter sido um episódio
espetacularizado de todas as formas pelas mídias local e nacional, pouco se fala do processo
100
em tramitação para a cassação da governadora Roseana Sarney, acusada de cometer os
mesmos abusos político e econômico pelos quais o ex-governador foi acusado, julgado e
condenado.
Dos docentes entrevistados, seis sabiam da existência do processo que tramita no
Tribunal Superior Eleitoral, pedindo a cassação da governadora eleita em 2010, mas não
acompanhavam a tramitação; um não sabia da existência do processo, e achava que não exista
nenhuma acusação à governadora; e somente um professor tinha informações mais detalhadas
sobre essa questão.
5.4 O perfil dos professores entrevistados
Os professores do Liceu Maranhense cultivam certo orgulho de pertencerem a esta
instituição escolar em virtude da memória histórica desse estabelecimento de ensino, fundado
em 1838, como uma das mais importantes escolas secundárias brasileiras, cujo modelo foi
inspirado no Colégio D. Pedro II, o Liceu da Corte. Como parte da rede pública estadual de
ensino do Maranhão, atualmente o Liceu tem a melhor estrutura física dentre as demais
escolas, com a seguinte composição: 20 salas de aulas (com ar refrigerado); salas da direção,
de reunião, da coordenação, da secretaria, dos professores, de artes e da secretária do diretor;
laboratórios de física, química, matemática, biologia e de artes visuais; biblioteca; cantina;
núcleo de informática; quadra coberta; 11 banheiros; cantina e herbário.
Não há concurso público específico para esta escola, oficialmente não há distinção
entre os docentes da rede estadual, mas os professores liceístas gostam de dizer que fazem
parte da “elite da escola pública” do Maranhão. Nesse sentido, cultiva-se um imaginário de
glória e esplendor vivenciado no período Imperial, época de grande evidência da produção
cultural maranhense. Sendo o Liceu a escola dos filhos da elite agrária e escravista, com um
professorado composto pelos nomes mais ilustres da intelectualidade maranhense, a exemplo,
de Francisco Sotero dos Reis, homem de família abastada, um dos primeiros maranhenses a
estudar em Coimbra, catedrático de Latim (MONDEGO, 2005)
Por conta dessa memória histórica e do fato de a autora desta dissertação ter
ministrado aulas de história nessa instituição, entre os anos de 2007 a 2010, esta escola foi
escolhida como lócus para se observar práticas da cultura política vigente na cidade de São
Luís do Maranhão, uma vez que o espaço da escola representa também o espaço das
correlações de forças vigentes na sociedade.
101
Atualmente, o Liceu Maranhense atende aos filhos da classe média baixa da
capital que vislumbram ingressar no ensino público universitário através do Exame Nacional
do Ensino Médio (ENEM) e do Programa Universidade para Todos (PROUNI), ambos do
governo federal, sendo o segundo a concessão de bolsas integrais e parciais aos alunos de
escolas públicas em instituições privadas de ensino superior. O corpo docente é formado por
professores concursados, que, geralmente, possuem mais de uma nomeação e, por isso, às
vezes trabalham também em outra escola da rede de ensino público. Os entrevistados
representam um perfil de classe média, têm formação cristã e, alguns, possuem cursos de pós
graduação, como mostra o quadro abaixo.
Quadro 4 - Dados dos professores
Nome
Residência
Graduação
Curso
Pós-Graduação
UFMG (Lato sensu)
Religião
Lindalva
Recanto dos Vinhais
UFMA
História
Francisco
Maiobão
UFMA
Geografia
Católica
Maria
São Francisco
UFMA
Letras
Católica
Raimundo
Sol e Mar
UFMA
Química
José
Renascença
UFMA
Filosofia
Católica
Luis
Maranhão Novo
UFMA
História
Kardescista
Antônio
Vivendas do Turu
UFMA
Matemática
João
Cohab
UFMA
Geografia
UFMA(Lato sensu)
FAMA (Lato sensu)
Católica
Protestante
Católica
Católica
Fonte: Entrevistas concedidas à autora em 2012.
Em estudo sobre “A decisão do voto nas eleições presidenciais brasileiras”,
Carreirão (2002) sustenta a tese de que os principais fatores considerados pelos eleitores são
certas imagens políticas que os votantes têm dos candidatos e partidos (sejam relacionadas às
dimensões de esquerda e direita, sejam relacionadas aos interesses que eles defendem), assim
como avaliação de desempenho administrativo e a avaliação que fazem de certos atributos
pessoais dos candidatos. Para esse analista, as formas como os eleitores votam variam muito,
de acordo com a escolaridade, mas, de modo geral, não há um “eleitor altamente informado e
que vota ideologicamente no partido cujas posições políticas mais se aproximem das suas”.
Veja-se como foi o voto dos entrevistados nas últimas eleições para o governo estadual, de
acordo com o quadro abaixo.
102
Quadro 5 - Voto dos docentes para governador
Nome
2010
Lindalva
Roseana Sarney (PMDB)
Francisco
Marcos Silva (PSTU)
Maria
Saulo Arcangeli (Psol)
Raimundo
Roseana Sarney (PMDB)
José
2006
2002
Jackson Lago (PDT)
Jackson Lago (PDT)
Jackson Lago (PDT) 1º turno
Roseana Sarney (PMDB) 2º turno
Roseana Sarney (PMDB)
1º e 2º turnos
Carlos Saturnino (Psol) 1º turno
Jackson Lago (PDT) 2º turno
Roseana Sarney (PMDB)
1º e 2º turnos
Jackson Lago (PDT) 1º e 2º turnos
Luis
Voto nulo
Jackson Lago (PDT) 1º e 2º turnos
Jackson Lago (PDT)
Antônio
Marcos Silva (PSTU)
Jackson Lago (PDT) 1º e 2º turnos
Jackson Lago (PDT)
João
Josivaldo Correa (PCB)
Jackson Lago (PDT) 1º e 2º turnos
Jackson Lago (PDT)
José Reinaldo Tavares (PFL)
Francisco Chagas (PSTU)
Voto nulo
Raimundo Monteiro (PT)
Fonte: Entrevista concedida à autora em 2012.
De acordo com o quadro, na eleição de 2002, Lindalva votou em Jackson Lago,
durante a entrevista disse ter votado nesse candidato, por conta de um vizinho que trabalhava
com o médico do PDT e a convenceu. Nota-se que as relações pessoais representam um dos
elementos que direciona o voto numa cultura política do tipo oligárquica. Na eleição de 2006,
esta docente votou em Jackson Lago no primeiro turno, pois, segundo relatou, estava
descontente com a política salarial promovida pelos governos da oligarquia Sarney. Porém, no
segundo turno, acabou votando mesmo em Roseana Sarney, prevalecendo o voto na
“tradição” oligárquica. Em 2010, alegando a questão da continuidade optou pela reeleição da
governadora Roseana Sarney por acreditar que o apoio do governo federal poderia “resgatar
muita coisa”, veja-se o seu argumento:
[...] a Dilma Roussef lá em cima, o pai dela lá em cima, então se ela ficar aqui vai
melhorar isso aqui, vai ter tudo para melhorar isso aqui. Se eles quiserem fazer de
acordo com o que ela promete, que a gente não acredita tanto, eu acho que vai ser a
chance que ela tem de resgatar muita coisa [...] (LINDALVA, 12 abr. 2012).
Nesse caso, não parece que a questão do desempenho administrativo apontado por
Carreirão (2002), na análise das eleições presidenciais, tenha alguma influência nesse tipo de
voto, pois a governadora Roseana Sarney já havia ocupado o governo estadual três vezes. E a
professora, mesmo “não acreditando tanto” resolveu dar mais um voto de confiança para a
candidata do grupo Sarney, pois com o apoio de Dilma Roussef, de Lula, com seu pai, José
Sarney, na Presidência do Senado Federal, acreditou que a candidata da oligarquia Sarney,
103
mesmo já tento governando o Estado outras vezes, dessa vez faria mesmo o melhor governo
de sua vida, como anunciava em sua propaganda eleitoral.
Na campanha de reeleição da governadora, uma das mídias utilizadas, o jornal O
Estado do Maranhão, veiculava cotidianamente que a governadora faria o melhor governo de
sua vida, pois, dentre outras razões, era a única candidata na disputa eleitoral a dispor do
apoio irrestrito do governo federal petista. Nas entrevistas constatou-se que o jornal impresso
mais lido entre os professores é O Estado do Maranhão.
Pode-se ver, também que alguns eleitores não apresentam uma constância
ideológica na hora de decidir o voto. Este é o caso do professor Francisco, eleitor da
oligarquia Sarney em 2006 e 2002, que optou pelo candidato do PSTU em 2010. O voto desse
docente representa o eleitor sem consistência ideológica, que decide o voto por questões
emocionais. Ele relatou, na entrevista, que achava o programa desse partido criativo,
divertido.
A personalização da política é outro traço muito forte na cultura política
predominante no Maranhão, onde o peso das relações familiares e a tradição de mando de um
determinado grupo fazem com que seja estabelecida uma espécie de fidelidade política como
a expressa pelo professor Raimundo. Em sua entrevista afirmou que era preferível votar no
grupo Sarney porque este havia trazido grandes projetos econômicos para o Estado. Disse,
ainda, não estar arrependido de ter votado na governadora, e que Roseana Sarney sempre terá
o seu voto, quando concorrer a uma eleição.
As práticas políticas em São Luís, portanto, transitam num continuum entre a
cultura política oligárquica e a cultura política liberal democrática, esta embasada na ideia de
libertação do Maranhão do domínio oligárquico. Os votantes contrários ao grupo Sarney, de
alguma forma, expressam essa “cultura política da libertação”. Um exemplo é o professor
Antônio, que votou em Jackson Lago em 2006. E só não repetiu o voto no candidato do PDT,
em 2010, por conta do desencanto com esse governo em virtude da greve dos docentes da
rede pública estadual, em 2007, mas afirmou que, se tivesse havido segundo turno no
Maranhão, não teria votado em Roseana Sarney. Ao ser perguntado o que achava da
participação do ex-presidente Lula na campanha disse:
Olha, o Lula, a figura do Lula tem vários momentos, eu na minha adolescência, um
pouco mais de juventude, querendo também que o país tivesse aquela coisa de um
trabalhador chegar ao poder, então fiz parte também da bandeira de defesa, e até
meados do segundo mandato ainda acreditava muito no governo Lula, mas muito de
nós nos decepcionamos, uma vez que pessoas que num passado histórico eram
adversários políticos com um histórico de usurpação do dinheiro público e também
de alguns nichos políticos de caciques políticos, que muitos, ou quase todos ele
104
colocou debaixo do braço, inclusive o guerreiro Sarney. E a nossa governadora, que
outrora era uma adversária ferrenha, e que as críticas eram visíveis e bastantes
acaloradas, a gente percebeu que esse discurso ficou no vazio, esqueceu-se, passouse uma borracha. E aí vem defendendo, a melhor governadora. Então, a gente se
decepciona um pouco com essas coisas, claro que tinha um pouco de mágoa do
outro governador, mas tinha outras opções também, não queríamos a Roseana, não
queríamos o Jackson por alguns motivos... Não falo por mim, falo pela categoria
nesse aspecto, que a categoria pode ter pensado que não era o melhor porque pela
experiência que teve, mas tinha outras opções. Então, a gente avalia que foi um
retrocesso, sobretudo na nossa capital onde ela conseguiu ganhar. Então a gente fica
questionando, a Ilha que era rebelde acabou transferindo para Imperatriz o título de
rebelde (Entrevista realizada em 10 out. 2012).
O discurso de Antônio condiz com o perfil do eleitor que deixou de votar no PT a
partir do segundo mandato do presidente Lula, em função das alianças dessa agremiação com
partidos de centro direita e com caciques políticos, além dos escândalos de corrupção
envolvendo políticos petistas. Alegou que a mágoa em relação ao governo Jackson Lago,
devido à greve de 2007, foi um dos motivos de os colegas não terem votado nesse candidato e
que,“a Ilha que era rebelde”, acabou perdendo o título para Imperatriz. Mas, mesmo com toda
a decepção dos docentes em relação ao governo Jackson Lago, somente dois professores
votaram na candidata da oligarquia. Quanto à ideia de Ilha Rebelde, em outras situações São
Luís já apresentara sinais de certo conservadorismo político, como na eleição da governadora
Roseana Sarney, em 1998, em que obteve 47,7% dos votos na capital (TRE, 1998).
Observou-se, ainda, nas entrevistas que os professores que mantinham certa
constância de votação em Jackson Lago, votaram em outros representantes da oposição ao
grupo Sarney, ou optaram pelo voto nulo, como fez Luis:
Eu voto desde 1994, eu tirei meu título aos 17 anos para votar. Na época eu votei
em Brizola e votei em Jackson aqui, ele era candidato a governador. [...] Agora, eu
vou te dizer, ser franco. Naquela eleição (2010), eu anulei o meu voto pela primeira
vez. Eu tava desiludido, não estava satisfeito com os candidatos [...] Então, eu estava
desiludido com o candidato, com o Jackson [...] eu trabalho aqui nessa escola desde
2002, ta fazendo dez anos, então foi o único momento [...] a greve que mais durou e
só foi resolvida na Justiça [...] Chegou professor aqui nessa escola, na época, para
me substituir , eu tava na greve, não só eu, como outros colegas nossos. E nesse
momento, o Jackson era governador, o Flávio Dino também não nos apoiou [...]
Então eu tava desiludido e não quis participar daquele processo (Entrevista realizada
em 5 ago. 2012).
Outra constatação, o voto que representa uma “identificação ideológica” é pouco
estruturado do ponto de vista das ideias políticas. É o caso da professora Maria que tem um
histórico de votação nos partidos de esquerda. Na eleição de 2006, para governador do
Maranhão, votou no candidato do PSOL, Carlos Saturnino, no primeiro turno, e em Jackson
Lago, no segundo turno. No pleito de 2010, votou novamente no candidato do PSOL (Saulo
Arcangeli) para o governo estadual. Ao ser questionada por que votava nos candidatos do
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PSOL, a professora disse ter simpatia pelas propostas desse partido e revelou que não votaria
em Roseana Sarney, se tivesse havido segundo turno, afirmando:
Não sou daqueles que tem ódio da família Sarney, mas acho que quando fica restrito
a um só grupo é prejudicial para a sociedade, porque passa a ser um domínio em
todas as esferas, não votaria para não se perpetuarem no poder, mas já se
perpetuaram no poder! (Entrevista realizada em 5 ago. 2010).
Esse tipo de voto não garante que o eleitor tenha conhecimento das concepções
políticas representadas pelos partidos. De acordo com o relato dessa docente, seu desejo é que
haja alternância de poder no Estado, que não perdure o domínio de um único grupo político,
ou seja, suas ideias expressam uma cultura política liberal democrática.
Dos oito docentes entrevistados, nenhum votou no candidato Flávio Dino. A
professora Maria o mencionou em sua fala dizendo: “eu acho que ele é mais interessante no
Legislativo [...] para a sociedade é melhor ter o Flávio no Legislativo porque é um homem
que conhece que as leis são falhas, e no Legislativo poderia fazer leis mais justas”.
A fala dessa docente reflete uma das imagens divulgadas pelo Jornal Pequeno a
respeito de Flávio Dino, de ser este candidato uma espécie de personificação da Justiça. Desse
modo, mesmo tendo um currículo que o tornava um candidato apto a concorrer naquela
eleição (2010), Flávio Dino parece não ter conseguido imprimir confiança na intenção de voto
dos professores do Liceu. Veja-se o depoimento do professor Francisco.
Embora a gente tenha o Flávio Dino, candidato altamente qualificado, mas eu não
senti confiança, eu não senti confiança nesse candidato. Até porque ele tava atrelado
a Jackson Lago. Quando ele viu o barco do Jackson Lago afundando, aí parece que
ele tava contra, parece que tava a favor, ficou no meio termo, ele perdeu muito
comigo [...] Eu acho que o Flávio Dino ainda não está preparado para ser governador
do Estado [...] Eu acho que ele ainda vai ser [...] Eu acho que o Flávio Dino será o
novo Sarney. (Entrevista realizada em 11 de mar. 2012)
De acordo com este professor, que vota em Roseana Sarney sempre que esta
concorre a um cargo eletivo, a rejeição a Flávio Dino se explica pela proximidade dele com
Jackson Lago no início da campanha eleitoral e era forte, entre os docentes, a lembrança da
forma como o governo Jackson tratou os professores no episódio da greve de 2007. Ao
afirmar que “Flávio Dino será o novo Sarney”, o professor Francisco aposta na manutenção
das práticas oligárquicas mesmo com a derrota do grupo político dominante, como se esta
condição fosse um trágico destino para o estado do Maranhão.
Diante do perfil dos professores que fizeram parte desta pesquisa, pode-se dizer
que o conjunto de elementos que definiram o voto na eleição de 2010, na capital do
Maranhão, foi composto por uma memória histórica atrelada à imagem de José Sarney como
106
construtor do Maranhão moderno, memória diariamente alimentada pelos canais de mídia
pertencentes à oligarquia Sarney, com destaque para O Estado do Maranhão, o jornal mais
lido pelos professores entrevistados. Outro elemento importante diz respeito à experiência
social dos indivíduos, sobretudo, aquela relativa às práticas de uma cultura oligárquica,
introjetada no inconsciente dos cidadãos como se fosse naturalizada. Um exemplo disso é a
quase ausência das denúncias dos crimes eleitorais nas entrevistas, somente dois docentes
mencionaram haver práticas abusivas no pleito de 2010.
107
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
“A cultura política, como a própria cultura, se inscreve no quadro das
normas e dos valores que determinam a representação que uma sociedade
faz de si mesma, do seu passado, do seu futuro”. (BERSTEIN, 1998, p. 353).
A prática política vivenciada no estado do Maranhão, desde a formação do Estado
Nacional, relaciona-se ao domínio de grupos políticos que se apropriam do aparelho estatal
em proveito de seus próprios interesses e de seus apaniguados. No processo de socialização
política dos maranhenses, o apadrinhamento, a troca de favores, a perseguição aos adversários
e a apropriação dos recursos públicos fazem parte das normas e valores da maioria da
população. Nem mesmo a capital do estado, a cidade de São Luís, escapa dessas práticas
nocivas ao espírito público.
Num processo político dessa natureza, em que um determinado grupo se apropria
dos poderes político, econômico e midiático, estabelecendo praticamente as regras eleitorais,
torna-se quase impossível à oposição tornar-se vitoriosa. Assim, “mesmo que alguém alegue
haver eleições nas quais a oposição pode concorrer, não se pode falar seriamente em
democracia. É de oligarquia que se trata” (COUTO, 2010, p. 11).
A vitória da candidatura “O MARANHÃO NÃO PODE PARAR”, representada
pela governadora Roseana Sarney, deveu-se aos artifícios de desvirtuamento da organização
político democrática, uma vez que o grupo oligárquico lança mão de sua capacidade
organizacional para ganhar as eleições, mesmo que para isso tenha que recorrer a meios
ilegítimos, como, por exemplo, ao uso do poder político e econômico para garantir apoio de
lideranças políticas em todo Estado, manipulação da opinião pública, uso dos programas
sociais do governo federal como moeda de troca junto ao eleitorado mais vulnerável
socialmente, compras de votos comprovadas com farta prova documental e ainda não
apuradas em virtudes das fortes relações do grupo oligárquico com membros do Judiciário do
Maranhão e das instâncias federais.
O grupo Sarney, mesmo perdendo a hegemonia eleitoral nas últimas eleições,
devido ao aumento da competitividade eleitoral, das crises intraoligárquicas, do
fortalecimento das oposições e do processo de organização dos movimentos populares e
sociais, tem conseguido manter-se no poder estadual amparado pela estrutura de apoio do
governo federal e das velhas práticas do patrimonialismo e clientelismo, bases da cultura
política oligárquica.
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Desse modo, temos a institucionalização das práticas oligárquicas em todo o
estado do Maranhão, inclusive na cidade de São Luís, onde a governadora Roseana Sarney
obteve, no pleito de 2010, uma pequena vantagem de votos em relação aos candidatos da
oposição. Apesar da memória histórica construída pelas oposições e movimentos sociais em
torno da rebeldia da Ilha de São Luís, a cidade apresenta certo conservadorismo ao eleger
representantes políticos com tradição oligárquica. Na eleição de 2010, além do desencanto do
eleitorado em relação ao governo Jackson Lago, há que se reconhecer que existe uma
memória histórica positivada em torno da imagem do político José Sarney, que é enaltecida
diariamente por seus veículos de comunicação como o criador do Maranhão moderno.
A campanha eleitoral de 2010 foi uma verdadeira guerra entre os jornais O Estado
do Maranhão e Jornal Pequeno. O primeiro, manipulando informações a respeito da
popularidade de Roseana Sarney na capital, na perspectiva de combater a conhecida rebeldia
da cidade aos representantes do grupo Sarney. O segundo, como principal periódico da
oposição, tentava condicionar seus leitores a embarcar em mais uma edição da “libertação do
Maranhão”. Esses jornais representaram, no campo da luta simbólica, as práticas sociais
existentes no Estado.
Quanto às motivações para o voto dos docentes que participaram dessa pesquisa,
constatou-se que as relações de amizade, as questões pessoais e o prestígio do candidato junto
ao governo federal são elementos definidores das relações entre os sujeitos sociais e seus
representantes políticos. Pode-se afirmar, então, que a cultura política predominante em São
Luís do Maranhão agrega elementos que transitam em variados tempos históricos,
assentando-se, sobretudo, nos seguintes valores: lealdade, fidelidade, gratidão, amizade,
parentesco, relações familiares, respeito, confiança.
Nesse contexto, pode-se dizer que o Estado, ao invés de seguir o modelo
burocrático x racional defendido por Weber (2000), permanece sendo visto como uma
extensão da casa, da família, dos amigos. E que predomina o espírito do “homem cordial” do
qual nos fala Sérgio Buarque de Holanda (2004), do homem que age movido pelas
preferências subjetivas, que age com o coração, protegendo os amigos e perseguindo os
inimigos políticos com a mesma presteza.
Dos oito professores que participaram dessa pesquisa, somente dois votaram em
Roseana Sarney, no pleito de 2010, o que corrobora a idéia de que o grupo da governadora
passa por um grande desgaste junto ao eleitorado. No entanto, de acordo com as entrevistas
realizadas, há uma crença de que as práticas oligárquicas continuem a vigorar no estado do
Maranhão, mesmo sem a presença do grupo Sarney. Isso porque, tal cultura política
109
oligárquica faz parte das práticas e valores não só dos políticos em época de disputas
eleitorais, mas definem as regras das relações sociais que atravessam o cotidiano de grande
parte da população maranhense.
110
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119
APÊNDICE A - Ficha de identificação do entrevistado
NOME COMPLETO: _______________________________________________________
LOCAL E DATA DO NASCIMENTO: _________________________________________
____/____/______
PROFISSÃO: _______________________________________________________________
PROFISSÃO DOS PAIS:
PAI: ______________________________________________________________________
MÃE: _____________________________________________________________________
LOCAL DE NASCIMENTO DOS PAIS:
PAI: ______________________________________________________________________
MÃE: _____________________________________________________________________
CÔNJUGE
LOCAL DE NASCIMENTO: __________________________________________________
ESCOLARIDADE: ___________________________________________________________
PROFISSÃO: _______________________________________________________________
LOCAL DE TRABALHO: _____________________________________________________
FORMAÇÃO ESCOLAR:
FUNDAMENTAL:___________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
ENSINO MÉDIO: ____________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
CURSO SUPERIOR: ________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
PÓS-GRADUAÇÃO: _________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
120
EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL ( LOCAIS ONDE TRABALHOU):
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
ENDEREÇO ATUAL: TELEFONE DE CONTATO
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
ENDEREÇOS ANTERIORES:
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
RELIGIÃO:________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
JORNAIS IMPRESSOS LIDOS: ______________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
PROGRAMAS DE TV PREFERIDOS: _________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
121
COMO SE INFORMA ACERCA DA POLÍTICA LOCAL, NACIONAL E MUNDIAL:
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
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- Mestrado de História - Universidade Federal do Maranhão