0 UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL MARIVÂNIA DE MELO MOURA CULTURA POLÍTICA, VOTO E ELEIÇÃO EM SÃO LUÍS DO MARANHÃO: uma análise do pleito de 2010 São Luís 2013 1 MARIVÂNIA DE MELO MOURA CULTURA POLÍTICA, VOTO E ELEIÇÃO EM SÃO LUÍS DO MARANHÃO: uma análise do pleito de 2010 Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em História Social do Centro de Ciências Humanas da Universidade Federal do Maranhão como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em História Social. Orientadora: Dra. Regina Helena Martins de Faria. São Luís 2013 2 Moura, Marivânia de Melo. Cultura política, voto e eleição em São Luís do Maranhão: uma análise do pleito de 2010. / Marivânia de Melo Moura. – 2013. 120 f. Impresso em computador (Fotocópia) Orientadora: Regina Helena Martins de Faria. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Maranhão, Programa de PósGraduação em História Social, 2013. 1. Eleição – Aspecto Social – São Luís-MA 2. Cultura Política 3. Voto I. Título. CDU: 316:324(812.1) 2 MARIVÂNIA DE MELO MOURA CULTURA POLÍTICA, VOTO E ELEIÇÃO EM SÃO LUÍS DO MARANHÃO: uma análise do pleito de 2010 Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em História Social do Centro de Ciências Humanas da Universidade Federal do Maranhão como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em História Social. Aprovada em: ___/____/____ BANCA EXAMINADORA _____________________________________________________ Profa. Dra. Regina Helena Martins de Faria (Orientadora) Doutora em História Universidade Federal do Maranhão _____________________________________________________ 1º Examinador Universidade Federal do Maranhão _____________________________________________________ 2º Examinador Universidade Federal do Maranhão 3 Aos meus alunos da escola pública, um dos sujeitos mais prejudicados com as práticas oligárquicas reinantes no Estado do Maranhão. 4 AGRADECIMENTOS A realização desse trabalho faz parte do desejo acalentado há algum tempo, de dar continuidade à minha formação acadêmica, pois estudar sempre foi uma forma de dar sentido ao mundo social e ao meu próprio mundo, em particular. Por isso, agradeço aos professores do Departamento de História que se empenharam na aprovação do Programa de PósGraduação em História Social, permitindo-me participar de sua primeira turma como mestranda. Em especial, à professora Regina Faria por aceitar a tarefa de ser minha orientadora, sou muito grata a seus ensinamentos querida! Também quero fazer um agradecimento especial ao professor Wagner Cabral da Costa, que mesmo ocupado com sua tese de doutoramento aceitou o convite para ser coorientador desta pesquisa; sem suas dicas e seu arquivo documental este trabalho não teria sido possível. Aos professores que ministraram as aulas no mestrado, obrigada por compartilharem suas experiências de forma simples, sem a tão detestável arrogância do mundo acadêmico, divertir-me muito com as leituras e discussões proporcionadas pelos doutores Alexandre Navarro, Josenildo Pereira, Maria Isabel Oliveira, Antonia Mota, Lyndon Santos e Regina Faria. Quero agradecer aos colegas de turma pelas discussões em sala de aula e pela amizade construída nessa jornada de leituras, escrita e angústias divididas, em especial a Deborah, Claúdio, Iramir, Gonçalo, Míriam e Daylana. À minha prima Naruna Melo e à minha filha Sophia Moura, obrigada meninas, por terem agüentado minha chatice em casa; tenho aprendido coisas muito interessantes com essas duas adolescentes lindas. Às minhas queridas amigas e ex-alunas (já mestras) Jeane Carla de Melo e Rita Nascimento, que me ajudaram a montar o pré-projeto de pesquisa com o qual fui aprovada na seleção do mestrado, obrigada queridas, vocês são ótimas professoras! Agradeço a todos os membros da comunidade daimista Centro de Iluminação Cristã Estrela Brilhante, com quem participei de fantásticas experiências de expansão da consciência, sempre com muita seriedade, respeito às leis brasileiras e foco na busca espiritual. E a todos meus amigos e amigas, novos e antigos, que sempre estiveram na torcida para que eu terminasse esse trabalho. Obrigada ao Cosmo, por ter colocado pessoas muito especiais na minha jornada de aprendiz do bem viver. 5 "A história é tanto criação consciente como repetição inconsciente". Cornelius Castoriadis 6 RESUMO Análise da eleição estadual de 2010, tendo como referência os jornais O Estado do Maranhão e Jornal Pequeno, vistos como campo de lutas simbólicas e expressão de práticas sociais por meio das quais manifestam pontos de vistas e projetos políticos distintos para o Estado do Maranhão. Utiliza-se a categoria de cultura política para investigar motivações e valores que nortearam o voto de professores do Liceu Maranhense a fim de explorar elementos constitutivos da cultura política predominante em São Luís do Maranhão. Pretendese explicar a vitória do grupo Sarney na capital do Estado, vista pelas oposições como oponente ao domínio desse grupo político. Palavras-chave: Cultura política. Voto. Eleição. 7 RÉSUMÉ Analyse de l'élection d'état 2010 en prenant comme référence les journaux ‘O Estado do Maranhão’ et ‘O Jornal Pequeno’, vus comme le champ de luttes symboliques et l'expression des pratiques sociales par lesquels s’expriment les opinions et les différents projets politiques pour l'État du Maranhão. Nous utilisons la catégorie de la culture politique pour enquêter sur les motivations et les valeurs qui ont orienté le vote des professeurs du ‘Liceu Maranhense’ afin d'explorer les éléments constitutifs de la culture politique qui prévaut à São Luis do Maranhão. Nous voulons expliquer la victoire du groupe Sarney dans la capitale de l'Etat, et comment elle est vue par l’opposition comme adversaire à la domination de ce groupe politique. Mots-clés: culture politique - vote - élection 8 LISTA DE FIGURAS Figura 1 - O progresso e a revolução do Maranhão...................................................... 45 Figura 2 - “Viagem caça-votos” ................................................................................... 46 Figura 3 - “A nova fase” do Maranhão ......................................................................... 47 Figura 4 - Estrela da Campanha ................................................................................... 68 Figura 5 - Mapa das zonas eleitorais de São Luís (MA) .............................................. 74 Figura 6 - Captação ilícita de votos .............................................................................. 81 9 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 - Votação para governador do Maranhão de 1982 a 2010 (% dos candidatos mais votados por partidos) .................................................... Gráfico 2 - Votação de Epitácio Cafeteira em São Luís no período de 1982 a 2006 (em % por cargo eletivo). ........................................................................ Gráfico 3 40 - Pesquisas para Governador do Maranhão, estimulada no 1º turno do ano de 2010. ............................................................................................ Gráfico 12 39 - Distribuição de abstenção eleitoral no Brasil e no Maranhão no período de 1994-2010. .......................................................................................... Gráfico 11 38 - Votação de Flávio Dino em São Luís de 2006-2010(% dos candidatos mais votados por partidos). ..................................................................... Gráfico 10 37 - Votação para Senador em São Luís de 1982-2010(% dos candidatos mais votados por partidos). ..................................................................... Gráfico 9 36 - Votação de João Castelo em São Luís de 1982 a 2012 (em % por cargo eletivo). .................................................................................................... Gráfico 8 35 - Votação de Roseana Sarney em São Luís de 1994 a 2010 (em % por cargo eletivo). .......................................................................................... Gráfico 7 35 - Votação de Jackson Lago em São Luís de 1985 a 2010 (em % por cargo eletivo). .......................................................................................... Gráfico 6 32 - Votação para Prefeito em São Luís no período de 1985 a 2012 (% dos candidatos por partidos). ......................................................................... Gráfico 5 31 - Votação para Governador em São Luís no período de 1982 a 2010 (candidatos mais votados por partidos). .................................................. Gráfico 4 29 55 - Taxa de rejeição do eleitorado para o ex-governador Jackson Lago na disputa eleitoral de 2010.......................................................................... 77 10 LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Zonas Eleitorais de São Luís ................................................................. Quadro 2 - Convênios efetivados de forma irregular entre o governo estadual e as 75 prefeituras municipais do Maranhão ....................................................... 83 Quadro 3 - Ranking do IDH dos Estados Brasileiro em 2005 .................................. 89 Quadro 4 - Dados dos professores ............................................................................ 100 Quadro 5 - Voto dos docentes para governador ........................................................ 101 11 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Taxas de analfabetismo por faixa etária e cor no Estado Maranhão/ano 2009. .......................................................................................................... Tabela 2 - Número de Pessoas que não sabem ler e escrever em São Luís do Maranhão ................................................................................................... Tabela 3 72 - Distribuição de votos por candidato a governador nos Municípios de Imperatriz, Timon, Pedreiras, Balsas, Santa Inês e Caxias ....................... Tabela 6 72 - Distribuição de votos por candidato a governador no 2º turno das eleições estaduais de 2006 no Município de São Luís .............................. Tabela 5 41 - Distribuição de votos por candidato a governador no 1º turno das eleições estaduais de 2006 no Município de São Luís .............................. Tabela 4 41 73 - Resultado do 1º turno da eleição de 2010 das zonas eleitorais de São Luís ............................................................................................................ 76 12 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .................................................................................................................13 1 TRAÇOS DE UMA CULTURA POLÍTICA BRASILEIRA .......................................19 1.1 Heranças culturais ............................................................................................................19 1.2 A conjuntura política do Maranhão no tempo presente ...............................................24 2 ELEIÇÕES EM SÃO LUÍS: uma análise das estatísticas ...............................................29 2.1 O grupo Sarney na última eleição ...................................................................................29 2.2 O comportamento da “Ilha Rebelde” nas eleições .........................................................34 2.3 Abstenção no Maranhão...................................................................................................40 3 A ELEIÇÃO ESTADUAL DE 2010: os principais candidatos na imprensa escrita ..................................................................................................................................43 3.1 A retórica da campanha política .....................................................................................43 3.2 Perfil dos candidatos .........................................................................................................57 3.3 O apoio do PT (Partido dos Trabalhadores) à candidata da oligarquia: uma nova fase política? ............................................................................................................... 65 4 A ELEIÇÃO ESTADUAL DE 2010: um confronto na imprensa ....................................69 4.1 O Estado do Maranhão x Jornal Pequeno .......................................................................69 4.2 Denúncias de crimes eleitorais no jornal oposicionista .................................................78 4.3 A “Lei do Cão” e o desencanto dos professores com Jackson L Reação da sociedade civil aos casos de abuso de poder político e econômico ................................81 5 A ELEIÇÃO ESTADUAL DE 2010: A Cultura Política de Professores ........................85 5.1 A memória histórica do político José Sarney .................................................................86 5.2 A internalização da cultura política oligárquica ............................................................90 5.3 A “Lei do Cão” e o desencanto dos professores com Jackson Lago .............................93 5.4 O perfil dos professores entrevistados ............................................................................99 6 106 CONCLUSÃO ................................................................................................................... ............................................................................................................................................. REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 109 APÊNDICE ......................................................................................................................... 118 13 INTRODUÇÃO O presente trabalho é uma tentativa de compreensão da eleição de 2010 a partir das representações contidas nos jornais O Estado do Maranhão e Jornal Pequeno. Propõe-se uma investigação acerca da cultura política de São Luís, destacando a participação de professores do Centro de Ensino Liceu Maranhense, como atores do processo de escolha do governante estadual. Nesse sentido, pretende-se analisar essa disputa eleitoral e apresentar explicações para a vitória da candidata Roseana Sarney Murad na cidade de São Luís e circunvizinhanças, locais que, em outros pleitos eleitorais, foram reduto da oposição aos candidatos do grupo Sarney. Para analisar o resultado da eleição em questão, opera-se com o conceito de cultura política, entendido, na perspectiva da atual história política, como um [...] conjunto de valores, tradições, práticas e representações políticas partilhado por determinado grupo humano, que expressa identidade coletiva e fornece leituras comuns do passado, assim como fornece inspiração para projetos políticos relacionados ao futuro (MOTTA, 2009, p. 28). A respeito desse conceito, Hunt (2007) esclarece como e porque nasce uma determinada cultura política. Sugere que depende de como as sociedades resolvem seus problemas diante das grandes crises estruturais. Em estudo sobre a cultura política revolucionária francesa, a autora assevera que “[...] as origens do republicanismo democrático e revolucionário têm de ser buscadas na cultura política, onde todos os elementos da organização política se juntam” (HUNT, 2007, p. 272). Retornando-se ao Maranhão, compreende-se que, nesse estado, o predomínio de determinados grupos políticos relaciona-se a regras e valores enaltecedores de uma cultura política oligárquica e clientelística. A noção de oligarquia que aqui está sendo usada é de um poder político concentrado nas mãos de um restrito grupo de pessoas, ligadas entre si por vínculos de sangue ou de interesses, que gozam de privilégios particulares, servindo-se de todos os meios que o poder pôs ao seu alcance para conservá-los, inclusive, fazendo uso da dominação patrimonialista do Estado para favorecer economicamente os interesses particulares do grupo (BOBBIO, 2010; CAMPANTE, 2003). Torna-se necessário, portanto, questionar o imaginário político dessa sociedade. De acordo com Castoriadis (2002), o imaginário social está no campo do simbólico, é obra do imaginário anônimo coletivo, que institui um poder constituinte, ao qual se liga a noção do político. Desse modo, a sociedade e os poderes nela constituídos são construções do imaginário social. Para este autor, os poderes constituídos, incluindo o político, fundamentam- 14 -se não essencialmente sob coerção, pois há um mínimo de adesão, mesmo que seja de uma parte da população. Assim, “[...] representações e imaginários misturam-se, e a sua análise permite apreender melhor os fenômenos de legitimidade, tão determinantes para o historiador do político quanto os mecanismos e processos de estabelecimento de uma legalidade” (SIRINELLI, 1998, p. 416). Desse modo, o poder político se expressa também através da dominação simbólica, de lutas simbólicas e de representações que os indivíduos ou os grupos têm do mundo social, classificando-o a ponto de dar sentido à realidade social, percebida através de signos “que visam a fazer reconhecer uma maneira própria de estar no mundo, a significar um estatuto, uma ordem, um poder” (CHARTIER, 2002, p. 169). A temática trabalhada insere-se no que está sendo chamada história do tempo presente. De acordo com Certeau (1982), o que interessa na investigação histórica é “a particularidade do lugar social” de onde fala o pesquisador, suas escolhas metodológicas e sua intenção ao produzir um texto de história. Sem a pretensão filosófica de “descobrir a verdade”, o trabalho de pesquisa historiográfica revela a subjetividade do autor e seu modo específico de intervir na realidade social. A escrita historiográfica, a partir dessa perspectiva, é uma prática social, com a qual se promove uma intervenção crítica nos modelos socioculturais existentes nas sociedades, desmascarando os poderes constituídos como fatalidades naturais existentes desde sempre. O texto histórico é, portanto, “[...] uma arquitetura estável de elementos, de regras e de conceitos históricos” (CERTEAU, 1982, p. 94); apresenta, através da narrativa, um discurso de conteúdo verossímil e nem sempre se dedica a um passado remoto, podendo ser uma análise do tempo presente, do tempo em que vive o historiador seja como cidadão, ator ou espectador. Sendo assim, a nova história do político se constitui na vanguarda da história do presente, donde aquele que escreve a história é testemunha e historiador ao mesmo tempo, pois está em relação direta com seu tema (TÉTART; CHAUVEAU, 1999). Para Sirinelli (1998, p. 78), “[...] o historiador, qualquer que seja sua especialidade cronológica, bebe em seu presente e, longe de pensar que ‘é de nenhum tempo e, país nenhum’, ele sabe que está ligado por múltiplas fibras a seu tempo e à sua comunidade à qual pertence”. Os historiadores de hoje não se angustiam mais numa busca obsessiva pela dupla objetividade/neutralidade no campo da pesquisa, pois o que conta é o profissionalismo ancorado nas regras do método e do rigor, que devem ser levadas em consideração acerca de todas as épocas estudadas. Na tentativa de construir este texto como uma narrativa 15 historiográfica, recorre-se às lições metodológicas do medievalista Le Goff (1999, p. 101), que faz as seguintes recomendações para a história do tempo presente: Ler o presente atentamente, com uma profundidade histórica suficiente e pertinente; Manifestar-se quanto a suas fontes o espírito crítico de todos os historiadores segundo os métodos adaptados a suas fontes; Não se contentar em descrever e contar, mas esforçar-se para explicar; Tentar hierarquizar, distinguir o incidente do fato significativo e importante, fazer do acontecimento algo integrado à longa duração e a uma problemática na qual todos os historiadores de ontem se reúnam. Ademais, “[...] o historiador do presente está preocupado com o peso esmagador do passado, às vezes remoto, no qual se situa o princípio de toda explicação histórica” (MILZA; BERNSTEIN, 1999, p. 40). Entende-se, então, que a história do presente é, antes de tudo, história, e que o historiador deve buscar conhecer as estruturas a fim de compreender por quais processos chegou-se a uma determinada situação presente. Nesse aspecto, interessa fazer uma análise histórica, que identifique o que permanece e o que muda com o passar do tempo nas práticas políticas em São Luís; ver as possíveis relações entre a conjuntura do tempo presente e as estruturas de longa e média duração que concernem à própria formação da sociedade brasileira e suas heranças coloniais. O fato de ter a eleição estadual de 2010 como objeto de estudo, não restringe a análise ao efêmero, pois a cultura política praticada nessas paragens remonta a valores e tradições arraigadas no imaginário, fruto de nossas raízes ibéricas, como assevera Holanda (2004). No Maranhão, ainda são muito presentes as relações de amizade, os laços familiares e os interesses particulares no trato da “coisa pública”, em que o personalismo constitui o núcleo básico da política juntamente com o mandonismo e a herança patriarcal. Personalismo que está evidenciado na nomeação de 161 escolas públicas com o sobrenome Sarney, segundo matéria do jornalista Chico Otávio (2012), publicada no jornal O Globo. Essas práticas políticas estiveram presentes no período colonial, no Império e ainda sobrevivem na República, tornando a experiência democrática um vir a ser, uma aspiração política, no sentido da inclusão das camadas sociais no plano político-social. A cultura política vigente, portanto, vai além da ação política, integrando-se a uma perspectiva multidimensional, cruzando o tempo curto do acontecimento com uma análise mais estrutural dos fenômenos retidos no tempo. Diante do exposto, e com base em Bédarida (1998, p. 151), afirma-se ser a função do historiador, esclarecer os acontecimentos e fornecer elementos capazes de explicar e compreender as diversas facetas da vida social. No entanto, neste ofício, “[...] toda busca da 16 verdade está ligada a um corpo de valores que representa a interface entre história e ética”. Isso porque a interpretação histórica depende de um sistema de referência no qual se admite a subjetividade do pesquisador na elaboração de suas perguntas e conjecturas. Porém não se pode pensar a escrita da História sem uma metodologia, pois os fatos não se impõem ao historiador, nem as fontes falam por si mesmas. Na tessitura da História, segundo Albuquerque Júnior (2007), é preciso o suporte dos documentos, das ferramentas oferecidas pela cultura historiográfica, dos conceitos que ajudam o historiador a escrever sua narrativa, sua versão dos fatos. Para a concretização desse estudo, adota-se o caminho oferecido pela análise de discurso, a partir das matérias dos jornais O Estado do Maranhão e Jornal Pequeno, além das falas dos professores do Centro de Ensino Liceu Maranhense. Esse viés metodológico concebe “[...] a linguagem como mediação necessária entre o homem e a realidade natural e social. Essa mediação, que é o discurso, torna possível tanto a permanência e a continuidade quanto o deslocamento e a transformação do homem e da realidade em que ele vive” (ORLANDI, 2003, p. 15). Desse modo, o discurso pronunciado ou escrito traz poderes e perigos que mal se imagina, pois, na perspectiva de Foucault (2004), toda produção discursiva é controlada, selecionada e organizada por certo número de procedimentos a fim de conjurar seus poderes e perigos. Para aqueles que se dedicam ao tempo presente, “[...] ao encontro com seres de carne e osso que são contemporâneos daquele que lhes narra as vidas” (CHARTIER, 2006, p. 48), a metodologia da historia oral oferece a possibilidade de produzir seu próprio arquivo por meio do registro de depoimentos orais concedidos em entrevistas. Nesta pesquisa faz-se uso de entrevistas temáticas, com o objetivo de identificar: como os professores e as professoras do Liceu Maranhense vêem suas práticas políticas em relação à eleição de 2010; como receberam as imagens dos candidatos representadas pelos jornais O Estado do Maranhão e Jornal Pequeno, na época da campanha eleitoral em questão e que elementos da cultura política teriam sido decisivos na escolha que fizeram dos candidatos. Aos docentes escolhidos, entregou-se uma ficha de identificação (ver apêndice A), a fim de colher dados sociográficos, antes da realização de entrevistas temáticas aberta. A utilização da “palavra-fonte”, alerta Voldman (2006, p.37), requer uma série de cuidados, pois “[...] a entrevista é um jogo de esconde-esconde entre o historiador e seu interlocutor”, em que o primeiro representa “‘aquele que sabe’ ou saberá e o segundo possui a força e a convicção ‘daquele que viveu’”. E continua ensinando: 17 [...] quando realiza entrevistas, certamente o historiador deve trabalhar segundo suas técnicas próprias, mas também deve ter em mente dois outros procedimentos, tomados de empréstimos a disciplinas vizinhas: por um lado, servir-se das contribuições da sociologia na condução e na formação das pesquisas; por outro, não negligenciar elementos de psicologia, psicossociologia e psicanálise (VOLDMAN, 2006, p. 37-38). Nessa perspectiva dialética, foram utilizadas fontes escritas (particularmente os dois jornais mencionados), os depoimentos orais, além de dados eleitorais referentes às eleições em São Luís e em todo Maranhão, para avaliar que elementos da cultura política direcionaram a ação do eleitorado diante do último daqueles processos eleitorais. Apoiada por esse aparato teórico e metodológico, construiu-se um itinerário de investigação no qual se analisa, no primeiro capítulo, como foram constituídos os traços de uma cultura política brasileira, forjada pelas experiências de um passado que ainda se faz presente nas práticas políticas e sociais. Analisa-se, nesse capítulo, a conjuntura da política maranhense a partir de outros estudos que contemplam a situação da dominação oligárquica e suas crises internas. No segundo capítulo, o foco é a análise das estatísticas eleitorais referentes ao desempenho do grupo Sarney nas últimas eleições, com destaque para o comportamento eleitoral da cidade de São Luís, que, mesmo sendo denominada pelas oposições de “Ilha Rebelde”, apresenta seus momentos de conservadorismo político ao eleger representantes vinculados a uma prática política oligárquica. Verifica-se, ainda, os altos índices de abstenção nas eleições. No terceiro capítulo, destaca-se o modo como os três principais candidatos daquele pleito eleitoral - Roseana Sarney, Flávio Dino e Jackson Lago - foram apresentados ao eleitorado de São Luís por meio de dois periódicos diários de circulação local: O Estado do Maranhão e o Jornal Pequeno. A escolha de O Estado do Maranhão justifica-se por ser este jornal um veículo pertencente ao grupo Sarney, que tradicionalmente enaltece os candidatos de seu grupo em detrimento dos oposicionistas. Já o Jornal Pequeno foi escolhido por seu posicionamento de ferrenho opositor ao grupo Sarney. Estes periódicos ocupam importante lugar social nas disputas políticas do estado, tornando-se porta-vozes de projetos políticos distintos, indo além da simples divulgação de informações acerca dos fatos ocorridos. Utilizando-os como fontes documentais, atenta-se às recomendações de Luca (2012, p. 140) para 18 [...] a importância de se identificar cuidadosamente o grupo responsável pela linha editorial, estabelecer os colaboradores mais assíduos, atentar para a escolha do título e para os textos programáticos, que dão conta de intenções e expectativas, além de fornecer pistas da leitura do passado e do futuro compartilhada por seus propugnadores. Igualmente importante é inquirir sobre suas ligações cotidianas com diferentes poderes e interesses financeiros [...]. Levando em consideração essas questões, objetiva-se apreender, no discurso apresentado nos textos e nas imagens veiculadas nos jornais, as representações construídas de Roseana Sarney Murad, Flávio Dino de Castro e Jackson Kepler Lago, na campanha eleitoral para o governo estadual de 2010. No quarto capítulo, a disputa eleitoral é apresentada como um confronto travado na imprensa escrita. O Estado do Maranhão apresenta, na pré-campanha de 2010, a aceitação de Roseana Sarney em São Luís, de modo a colocar em cheque a imagem da “Ilha Rebelde”, atribuída pela oposição. Nessa seção, analisa-se como a opinião pública foi orientada por esse veículo de comunicação a fim de provocar a aceitação da candidata governista pelos eleitores da capital. Também neste capítulo, apresentam-se algumas práticas de clientelismo e compra de votos na capital, denunciadas pelo Jornal Pequeno, além da reação de alguns setores da sociedade civil a essas mesmas práticas. No quinto capítulo, faz-se breve exposição acerca da metodologia da historia oral e apresenta-se o resultado das entrevistas temáticas, realizadas com docentes do Centro de Ensino Liceu Maranhense, em que se busca identificar a recepção das imagens dos três principais candidatos que concorrem à eleição de 2010, e, diante disso, procura-se identificar que elementos da cultura política teriam direcionado aqueles eleitores na decisão de votar num ou noutro candidato. A escolha dos docentes do Liceu Maranhense justifica-se pela importância atribuída a esta tradicional instituição de ensino na educação de jovens da sociedade maranhense. Parte-se do pressuposto de que os professores são atores sociais de grande relevância na construção de valores dos jovens discentes, podendo influenciá-los diretamente e às suas famílias indiretamente. Discuti-se, neste capítulo, a importância da greve dos professores no governo Jackson Lago, em 2007, e sua repercussão no posicionamento dos docentes em relação a esse candidato na campanha eleitoral de 2010. 19 1 TRAÇOS DE UMA CULTURA POLÍTICA BRASILEIRA A ideia de cultura política diz respeito aos valores e práticas comuns compartilhados por uma determinada sociedade, e revela as regras do comportamento político, donde valores e expectativas de comportamento dão margem à ação política (HUNT, 2007). A cultura política relaciona-se intrinsecamente com a cultura geral, entendida como “um processo acumulativo, resultante de toda a experiência histórica das gerações anteriores” (LARAIA, 2003, p. 49). De acordo com Berstein (1998, p. 351), há várias possibilidades de compreensão da cultura política, dentre as quais destacamos: “leitura comum e normativa do passado; visão institucional que traduz no plano da organização política do Estado os dados filosóficos ou históricos precedentes; discurso em que ritos e símbolos desempenham representação visual”. Desse modo, o historiador do político não pode abrir mão da relação entre a política e as crenças, costumes, normas e tradições dos grupos sociais cujas ações políticas ele analisa. 1.1 Heranças culturais Um dos primeiros estudiosos a se dedicar a essas questões no Brasil foi Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil, em 1936. Segundo ele, nossas raízes culturais têm tradição secular e remontam ao processo de colonização do Brasil, no qual se fez presente os traços da dominação1 tradicional, tais como mandonismo e patrimonialismo. Outro autor clássico da historiografia nacional a se dedicar às práticas políticas e suas permanências é Raymundo Faoro. Em Os Donos do Poder (1979), o autor considera ser o aparelho político nacional controlado por uma camada social, que [...] impera, rege e controla, em seu nome próprio, num círculo impermeável de comando. Esta camada muda e se renova mas não representa a nação, senão, que forçada pela lei do tempo, substitui moços por velhos, aptos por inaptos, num processo que cunha e nobilita os recém-vindos, imprimindo-lhes os seus valores (FAORO, 1979, p. 737). Essa prática de dominação política tem sido uma realidade inexaurível no Maranhão desde a formação do Estado nacional, atravessando as mudanças estruturais e adaptando-se aos novos padrões sócio-políticos da realidade do país, sem que se altere 1 A ideia de dominação diz respeito à probabilidade de encontrar obediência para ordens específicas dentro de um determinado grupo de pessoas (WEBER, 2000). 20 substancialmente a estrutura de mandonismo e patrimonialismo, típica dos regimes oligárquicos, a ponto de sugerir-se que faz parte da cultura política regional esse tipo de dominação. Mas, afinal a cultura não pode ser entendida como uma prisão perpétua. Ela é fruto das experiências históricas das gerações anteriores, de representações do mundo, da ordem moral e valorativa dos diferentes comportamentos sociais. Sendo assim, não pode haver um determinismo histórico que nos condene a repetir sempre os mesmos padrões culturais, visto que temos a capacidade de questionar nossos próprios hábitos e valores, embora a mudança seja lenta, quase impercebível aos olhos de quem não tenha uma visão diacrônica desse processo. É praticamente consensual na historiografia brasileira a compreensão de que a grande extensão da colônia portuguesa na América fez com que a Coroa Lusitana fomentasse o poder e a independência dos senhores rurais em seus domínios, o que favoreceu a dominação dos proprietários de terra a partir de um modelo patriarcal e patrimonialista que se tornou um dos pilares da formação histórico-cultural da sociedade brasileira. No cenário rural extremamente hierarquizado em que se deu a colonização da América portuguesa, o patriarcalismo e o personalismo foram se fixando como valores centrais da nossa cultura política; “a família colonial fornecia a ideia mais normal do poder, da respeitabilidade, da obediência e da coesão entre os homens”, a vontade de mandar e a disposição à obediência tornaram-se virtudes das mais apreciadas e difundidas na cultura política brasileira. Era preciso obedecer ao rei, ao chefe patriarcal, aos valores tradicionais ligados à posse da terra e ao sistema escravista de produção (HOLANDA, 2004). No período colonial, os latifundiários exerciam plena autoridade sobre a estrutura administrativa das Câmaras Municipais, que refletiam o poderio dos senhores rurais e seu interesse no governo local. Para os chamados “homens bons”, o interesse particular confundia-se com o interesse público na medida em que a realidade econômica, política e social da Colônia era controlada pelos proprietários rurais (QUEIRÓZ, 1976). Estruturava-se, assim, uma forma de dominação tradicional que marcou a experiência política brasileira em vários aspectos. Este tipo de dominação, segundo Weber (2000), apoia-se na crença da santidade dos poderes senhoriais, segundo a qual, o poder é pessoal, emana da crença na dignidade do senhor e responde à lógica da fidelidade, em que o individuo é súdito, servo e não cidadão. Faoro (1979) entende que a dominação estava respaldada em um patrimonialismo estamental, transplantado de Portugal para Colônia, no qual se tutelam interesses particulares, concedendo benefícios e cargos aos privilegiados, sendo o personalismo, inspirado no 21 individualismo aristocrático, dependente das forças e virtudes pessoais do senhor, marca profunda das estruturas mentais da cultura brasileira, ratificando a crença de que o poder político é um direito sagrado das famílias patriarcais. Isso porque o poder local foi se estruturando com base na existência da família patriarcal e de seus interesses particulares, que, nesse caso, confundiam-se com a própria administração pública colonial. De acordo com Queiróz (1976), o grupo familial não se limitava aos pais e filhos, agregados e escravos, era muito maior, incluía filhos biológicos e políticos, de maneira a formar um sistema parental poderoso de dominação política e econômica, que se estendeu da Colônia à República brasileira, marcando profundamente nossa identidade político-social. A ruptura da Colônia em relação à metrópole, no início do século XIX, pouco alterou a estrutura do mandonismo patrimonialista no novo Estado Nacional. No Império, eram ainda os fazendeiros e seus filhos educados nas profissões liberais quem monopolizavam a política num inconteste domínio local e, agora, também provincial. No que tange às mudanças político-administrativas, deu-se a subordinação das Câmaras Municipais às Assembléias Provinciais, e isso só aumentou o poder dos senhores rurais, pois poderiam expandir seu domínio por toda a Província, como assevera Queiróz (1976, p. 66-67): Ao examinar a subordinação da Câmara Municipal aos governos provinciais, não se pode deixar de lado o fato de dever trazer a Independência inteira mudança de personagens nos quadros administrativos, com o afastamento dos funcionários portugueses e a sua substituição por outros brasileiros. Esta circunstância tendia a reforçar o sentimento dos senhores rurais de que não havia separação ou diferença entre seus interesses e o interesse público [...] Agora, ocupados muitos cargos da administração pública por estes mesmos senhores rurais, isto é, por seus parentes e afilhados, constituída a Assembléia de representantes deles, um novo sentimento de poder os invadia, que não se confiava mais aos limites do município e da província, mas que cobria todo o país, em todos os setores da vida. Outra novidade administrativa no Império, a criação da Guarda Nacional em todos os municípios, em 1831, contribui em muito para reforçar o poder dos mandões locais, transformados agora em “coronéis”, legítimos chefes militares a exercerem as funções de segurança e controle político-eleitoral em seus domínios. A partir da década de 1840, com o processo de centralização política em andamento no Segundo Reinado, a nomeação dos oficiais da Guarda Nacional ficou a cargo do Ministério da Justiça e dos presidentes de província. Essa medida fomentou o fortalecimento das lideranças regionais com trânsito na Câmara Geral e nos ministérios, assim 22 como a legitimação das práticas de clientelismo2, utilizadas pelos políticos imperiais no âmbito das relações com o governo central. Com base nas relações clientelistas, os políticos efetuavam, na esfera regional, a troca de nomeações, verbas e favores pelo apoio dos núcleos de poder municipais; no âmbito nacional, os líderes regionais estabeleciam o vínculo entre a província e o governo central, na perspectiva de ter acesso aos cargos e possíveis ajudas financeiras (REIS, 2007). Estudando as práticas políticas no Maranhão nesse período, Reis (2007) identifica a formação de oligarquias políticas, a partir da década de 1840. Quanto às disputas políticas anteriores, são caracterizadas por ele como lutas entre famílias de importantes proprietários rurais pelo controle político da Província, tratando-se de oligarquias familiares. De acordo com esta análise, a formação das oligarquias políticas iniciou-se, portanto, entre as décadas de 1840 e 1860, [...] cujas funções primordiais no processo mais amplo de construção do Estado Nacional eram a organização das disputas políticas no âmbito regional, aglutinando as facções e permitindo o funcionamento do jogo partidário, estabelecendo, enfim, a mediação entre a corte imperial e a província (REIS, 2007, p. 51). O historiador inglês Richard Graham, em Clientelismo e política no Brasil do século XIX (1997), destaca valores que nortearam as práticas clientelistas no Império brasileiro, tais como: lealdade, fidelidade, gratidão, amizade, parentesco, relações familiares, respeito, confiança. Esses valores estiveram presentes, sobretudo, nas disputas eleitorais, muitas vezes decididas através da força econômica e da fraude eleitoral, práticas que ainda são utilizadas na atual conjuntura política nacional e, em especial, no estado do Maranhão. A abordagem da história política pelo víeis da cultura política permite observar as permanências e rupturas que tais práticas têm atravessado na longa duração da política brasileira, com algumas alterações, é verdade, mas sempre se reatualizando e fazendo-se presentes de alguma forma. Durante a chamada Republica Velha (1889-1930), a exemplo do que acontecera no Segundo Reinado, as oligarquias exerceram de forma sistemática a mediação entre os governos estaduais e federal. Foi a época áurea do coronelismo, segundo Leal (1975). Para ele, não se tratava de uma mera sobrevivência do poder privado da era colonial e sim, “uma forma peculiar de manifestação do poder privado, ou seja, uma adaptação em virtude da qual 2 Clientelismo: rede de fidelidades pessoais; uso pessoal por parte dos políticos dos recursos estatais (MATROPAOLO, 2010, p. 177). 23 os resíduos do nosso antigo e exorbitante poder privado tem conseguido coexistir com um regime de extensa base representativa” (LEAL, 1975, p. 20). Na análise desse autor, o coronelismo representou a decadência do poder privado diante do fortalecimento do Estado. Porém, a força do poder estatal ainda não se fazia presente em todos os municípios da federação, dai a relação de compromisso entre o poder privado decadente e o poder público que estava se fortalecendo, mas não conseguia estar presente nos mais distantes rincões do país de forma efetiva. Nessa perspectiva, o coronelismo constituiu-se num sistema político de caráter nacional, baseado em barganhas entre o governo e os coronéis, que unia interesses dos poderes municipal, estadual e da presidência da República. As oligarquias estaduais apoiavam os coronéis, concedendo-lhes cargos públicos municipais, em troca, recebiam apoio em forma de votos, enquanto as oligarquias estaduais hipotecavam seu apoio ao presidente da república. Em retribuição este, garantia-lhes apoio político e outras benesses. Analisando esse sistema de dominação política, é comum usar como sinônimos os conceitos de coronelismo e mandonismo. Ambos são estruturas personalistas de poder, só que o mandonismo é um conceito mais amplo que o coronelismo. Aquele remete a uma característica da política tradicional, existente desde o início da colonização e que sobrevive ainda hoje em regiões atrasadas, tendendo ao desaparecimento mediante o processo de maturação da democracia (CARVALHO, 1997). Na visão de Leal (1975), o coronelismo é um momento particular do mandonismo, aquele em que os chefes locais começariam a perder espaço para a presença do Estado burocrático. Outra distinção oportuna dá-se em relação aos conceitos de coronelismo e clientelismo, uma vez que podem ser correlacionados, mas não são sinônimos. Existem relações de barganha politico-eleitoral na prática do coronelismo, porém o fenômeno do clientelismo é muito mais amplo que o coronelismo. Este, predominante na República Velha, assentava-se no predomínio da estrutura agrária e rural, em que o voto é uma “doação” do eleitor ao candidato indicado pelo coronel. O clientelismo atual mostra-se perfeitamente compatível com as práticas da democracia liberal (FARIAS, 2000), em que a ideia de liberdade, associada ao mercado, faz com que o eleitor se sinta “livre” para negociar o voto, que passa a ser, portanto, uma mercadoria. Na atual conjuntura, políticas sociais como o Programa Bolsa Família, por exemplo, podem ser compreendidas como instrumentos de práticas clientelistas em virtude da predominância de uma cultura política marcada por relações paternalistas de dominação, na 24 qual direitos são tratados como favores, fortalecendo assim a prática clientelista e os padrões tradicionais de dominação (BURSZTYN; CHACON, 2011). Não se pretende apontar aqui uma cultura política única para a realidade brasileira e a maranhense, pois pode haver múltiplas culturas políticas no interior de uma nação (BERSTEIN, 1998). Porém, considera-se que a identidade política brasileira é acentuadamente marcada pelo peso dos valores tradicionais, sendo válido questionar a viabilidade do que Holanda (2004) afirmou, na década de 1930, que haveria entre nós uma “incompatibilidade absoluta com os ideais democráticos”. Sobre a propagação das ideias liberais e democráticas3 há de se levar em consideração que as mesmas são apropriadas pelas elites políticas, de maneira a garantir uma democracia liberal extremante restrita, tornando-se um eficiente instrumento de dominação da população. O ranço do mandonismo das antigas oligarquias tem sobrevivido no estado do Maranhão com o apoio do clientelismo estatal, em que se negocia a concessão de benefícios sociais (Luz para todos; Bolsa família; Minha casa, minha vida) por voto e apoio político aos candidatos governistas. Esse cenário corrobora o “caráter farsesco da história brasileira, de patrimonialismo disfarçado de ‘modernidade’ no que lhe interessa e desprezando sua característica fundamental, ainda não implantada [...] o estabelecimento efetivo do Estado de direito” (CAMPANTE, 2003, p. 186). 1.2 A conjuntura política do Maranhão no tempo presente A experiência política do estado do Maranhão tem sido marcada pela permanência de práticas tradicionais impregnadas de mandonismo, clientelismo e patrimonialismo no trato da “coisa pública”. Tais práticas resultam da cultura política brasileira constituída desde os tempos coloniais, que ainda povoam o imaginário político daqueles que vivem o tempo presente. O termo “experiência” aqui é tomado de empréstimo do historiador inglês Thompson (1981, p. 189), o qual considera que 3 Liberalismo e democracia são ideologias políticas diferentes, fundidas no final do século XIX em virtude da intensificação dos movimentos populares de inspiração socialista e comunista. A aliança liberalismo/democracia, portanto, tem a ver com a pressão das camadas populares. Como estas não tiveram poder de pressão no Brasil, a associação do liberalismo com a democracia e com o estabelecimento universal de direitos e garantias fundamentais é, quando muito, uma mera promessa (CAMPANTE, 2003, p. 185). 25 “[...] as pessoas não experimentam sua própria experiência apenas em ideias, no âmbito do pensamento. [...] Elas também experimentam sua experiência como sentimento e lidam com esses sentimentos na cultura, como normas, obrigações familiares e de parentesco, e reciprocidades, como valores [...]. A temática das práticas oligárquicas reinantes no Maranhão tem sido objeto de análise de historiadores e cientistas sociais comprometidos em entender e explicar a conjuntura política local. Em A Reinvenção do Maranhão Dinástico, Gonçalves (2000) constata que, a partir da oligarquia promovida por José Sarney, tem-se reinventado uma dinastia de filhos biológicos e políticos, sustentada por relações de parentesco e de alianças políticas. Na perspectiva de Reis (2007), o termo oligarquia identifica um grupo que se apodera das instâncias superiores do poder político regional e se reproduz pela utilização desses postos de mando. A oligarquia Sarney começou a articular seu mando a partir de 1965, com a eleição de José Sarney ao governo do Estado, comprometendo-se a erradicar os “anos de atraso” referentes ao período de mandonismo do grupo liderado pelo senador Victorino Freire (1945-1965). Desde o episódio da Greve de 1951, que representou a rejeição da capital à diplomação do governador Eugenio Barros, “eleito de forma fraudulenta” com apoio da oligarquia vitorinista, são encenadas no Maranhão “campanhas de libertação” desse estado. Aquele episódio deu inicio à representação de São Luís como Ilha Rebelde, segundo a construção imagética das oposições. Na análise de Costa (2009a), as elites políticas locais têm instrumentalizado o discurso da libertação e da Ilha Rebelde a fim de legitimarem-se no “teatro do poder”. Desde então, o estado do Maranhão tem sido palco de campanhas libertadoras. A primeira, como já destacado, a Greve de 1951, a segunda, em 1965, com a eleição de José Sarney, e a terceira, na eleição de Jackson Lago, em 2006, sem que se altere de fato a estrutura de dominação oligárquica patrimonialista. A passagem do mandonismo vitorinista para a fase de domínio de José Sarney não representou, na análise de Costa (2004), uma ruptura histórica com as práticas oligárquicas, pois Vitorino e Sarney, como “irmãos siameses”, são produtos do apoio do poder federal e da utilização patrimonialista da máquina pública. Em recente entrevista concedida ao jornal Vias de Fato, o ex-deputado federal pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), Domingos Freitas Diniz (2012) – histórico opositor de José Sarney no Maranhão e um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT), membro da primeira direção nacional desse partido –, assevera que a vitória de Sarney em 1965 se dá diante do enfraquecimento de Vitorino Freire, 26 que estava rompido com o então governador Newton Belo e sofria as pressões que o Regime Militar fazia para desarticular os partidos de sustentação do governo deposto, o PSD e o PTB. A posse de José Sarney no Palácio dos Leões, com um discurso moralizador e cheio de promessas salvacionistas, significou, para Costa (2002, p. 15): [...] a incorporação do Maranhão ao projeto autoritário, excludente e repressor do regime militar, ao seu projeto de modernização conservadora. Significou ainda uma maior abertura ao processo de expansão do capitalismo monopolista na Amazônia, o qual aprofundou as desigualdades sociais, acelerou o processo de concentração fundiária, assim como a violência, a grilagem e a expulsão dos trabalhadores de suas terras, aumentando os conflitos no campo em toda região. Por outro lado, o governo Sarney (1966/1970) anunciava um Maranhão Novo, uma nova época de prosperidade e modernização. A cultura política em que a oligarquia Sarney está inserida se expressa por meio de práticas simbólicas, como a constante repetição de palavras-chave como “progresso”, “desenvolvimento”, “modernidade”, constitutivas da retórica de que foi ela que fundou um “novo” Maranhão, mesmo que estes símbolos de modernidade não atinjam todos os quadros sociais, e o Estado ainda desponte no ranking dos piores indicadores sociais do país. Nesta perspectiva, concorda-se com Hunt (2007, p. 78) quando diz: O exercício do poder sempre requer práticas simbólicas. Não há governo sem rituais ou sem símbolos, por mais que possa parecer isento de mística ou mágica. Não é possível governar sem histórias, sinais e símbolos que, de inúmeros modos tácitos transmitem e reafirmam a legitimidade de governar. A simbologia construída em torno de José Sarney, como político sagaz, capaz de transitar em todos os governos na esfera federal, fundador do “Maranhão Novo”, é divulgada, de certo modo, como uma qualidade, uma virtude transmitida à sua herdeira política, como continuadora dessa saga de “modernidade”, que dura quase meio século na base da retórica propagandística, divulgada pelo sistema de comunicação pertencente ao grupo. Eis um exemplo, veiculado no jornal O Estado do Maranhão, na matéria de capa que tem o seguinte título: “Roseana afirma: quero administrar o Maranhão que ajudei a desenvolver’”. Depois de ressaltar os grandes projetos econômicos: Refinaria Premium da Petrobrás; fabrica da Suzano Celulose; siderurgia em Açailândia e a Usina do Estreito: ‘O MA voltou a crescer, voltou a se desenvolver e há muitos investimentos vindo para nosso estado. E agora, com a descoberta da reserva de gás natural, literalmente o Maranhão bombou. Quero continuar sendo governadora para assegurar que esses investimentos que estão chegando sejam usados para combater a pobreza, para melhorar a vida das pessoas e dos municípios (ROSEANA..., 20 ago. 2010, p. 3). 27 A retórica do desenvolvimento é praticamente a mesma do candidato José Sarney, na disputa pelo governo estadual, em 1965, prometendo a redenção do Maranhão através das riquezas naturais do Estado. Veja-se a semelhança dos discursos: O Maranhão começa a divisar o seu grande futuro e devemos estar preparados para esta tarefa: essa a convocação, que na qualidade de candidato lancei como tônica de minha campanha. E não o fiz por outro motivo senão o conhecimento da imensa riqueza potencial do nosso solo e subsolo e pela confiança na inteligência e capacidade empreendedora de nossa gente. A nota oficial da Petrobrás distribuída ao Brasil inteiro, dando conhecimento da ocorrência de petróleo na perfuração de São João, município de Primeira Cruz em nosso Estado, confirmando a existência da Bacia de Barreirinhas, a maior bacia petrolífera da América do Sul, não poderia passar em silêncio de minha parte. Devo como candidato, a governador, com a bandeira de construir um Estado mais limpo, com justiça social saudar a nova era do Maranhão que vem chegando: O Maranhão de costumes políticos saneados, o Maranhão da Boa Esperança e do petróleo que está jorrando no poço pioneiro de São João. Com mais vibrante entusiasmo, quero congratular-me com os maranhenses e com o Governo Federal e especialmente com meu órgão de trabalho – a Petróbras – pelo histórico comunicado, que nos deu a inquestionável notícia da grande riqueza. Vamos, pois, meus conterrâneos, a 3 de outubro, romper também, com as amarras do velho Maranhão dos atrasados (sic) o novo Maranhão, o grande Maranhão, o Maranhão do futuro que está aflorando no petróleo da bacia de Barreirinhas e na barragem da Boa Esperança. (Telegrama do candidato José Sarney publicado no Jornal do Dia. 17 ago.1965. p.1 apud PACHÊCO FILHO, 2001, p. 4546). Há décadas o grupo Sarney vive prometendo a redenção do Maranhão através dos projetos econômicos do governo federal do momento. Foi assim com os grandes projetos da ditadura militar nos decênios de 1960 e 1970, com o neoliberalismo na fase de Fernando Henrique Cardoso, na década de 1990, e na atual gestão do governo petista em que o discurso da hora é a inclusão social e o combate à pobreza. Esse tipo de dominação política caracteriza-se, como lembra Reis (2007), pelas crises intraoligárquicas, havendo fragmentação do grupo com o surgimento de novos nomes na disputa pelo controle da máquina pública. Aceitando essa perspectiva, diz um analista: O personalismo sarneísta tem relações diretas e indiretas com todos os nomes [...] [dos que o sucederam no governo do Maranhão], vejamos: Pedro Neiva de Santana, indicado governador pelo general Médici, foi secretário de fazenda do governo Sarney; Osvaldo da Costa Nunes Freire, indicado pelo general Geisel, como candidato consenso para acabar com a disputa entre Sarney e Vitorino, posiciona-se contra o grupo de José Sarney desde o início; João Castelo Ribeiro Gonçalves, indicado pelos militares com apoio de Sarney, rompe com o sarneísmo depois do mandato; Luís Alves Coelho Rocha, eleito com apoio de José Sarney, sua família rompe com o grupo depois do mandato; Epitácio Afonso Pereira Cafeteira, adversário regional em alguns momentos (1994 e 1998), hoje aliado político; Edison Lobão, apresenta-se como aliado incondicional do grupo Sarney; Roseana Sarney Murad, filha biológica e herdeira política; José Reinaldo Tavares, vice-governador em dois mandatos de Roseana Sarney Murad, aliado do grupo Sarney até o rompimento político em 2003 quando se aproxima da oposição ao grupo dominante; Jackson Kepler Lago, apesar de representar oposição ao sarneísmo, foi apoiado por Roseana Sarney Murad na eleição municipal de São Luís no ano de 2000; Roseana 28 Sarney Murad, assume o governo após a cassação do governador Jackson Lago pelo Supremo Tribunal Federal em 2009 por abuso de poder político, em 2010 Roseana é eleita em primeiro turno com grande apoio do governo federal (COUTO, 2009, p. 122-124). Como se vê, a estrutura de dominação oligárquica segue seu curso sofrendo algumas mudanças a partir de conflitos internos, frutos de desavenças entre seus membros, como a que provocou a ruptura do antigo aliado do grupo Sarney, o ex-governador José Reinaldo Tavares, a ser tratada no próximo capítulo. Nesse contexto, pode-se dizer que a vitória do médico Jackson Lago na eleição de 2006, reeditando a “frente de libertação” do Maranhão, “foi antes fruto do racha provocado no grupo situacionista [...] que uma alternativa criada contra os esquemas tradicionais da política oligárquica” (REIS, 2012, p. 76). Mesmo que tenha utilizado elementos da tradição liberaldemocrática, como eleições livres, instituições livres, e tenha buscado o ideal de resistência da “Ilha Rebelde”, o discurso da libertação serviu para manter o domínio oligárquico no Maranhão. 29 2 ELEIÇÕES EM SÃO LUÍS: uma análise das estatísticas 2.1 O grupo Sarney na última eleição O domínio político do grupo Sarney tem apresentado uma impressionante capacidade de adaptação aos novos tempos em que o controle estreito do voto é mais difícil. Mesmo assim, para o historiador maranhense Costa (1997), a oligarquia Sarney vivencia, a partir dos anos 90, uma crise de legitimidade política relacionada ao aumento da competitividade eleitoral, evidenciada pelo fortalecimento da oposição e pelo processo de organização e luta dos movimentos sociais e populares. É importante ressaltar que a oposição ao grupo Sarney divide-se em duas vertentes, uma conservadora e outra mais no âmbito democrático-popular, representada pelos partidos de centro e de esquerda. Tais partidos não possuem firmeza ideológica, pois se coligam com o grupo oligárquico dependendo das circunstâncias do momento. Para comprovar a hipótese da perda de hegemonia eleitoral do grupo Sarney no Maranhão desde a década de 1990, vejamos o resultado das eleições a partir do processo de abertura democrática até o ano de 2010. Gráfico 1 – Votação para Governador do Maranhão de 1982 a 2010 (% dos candidatos mais votados por partidos) Fonte: TRE-MA (Arquivo do professor Wagner Cabral da Costa). As duas primeiras eleições são ganhas com facilidade, Luís Rocha (77% dos votos) e Epitácio Cafeteira (81% dos votos), garantem ao grupo Sarney uma hegemonia eleitoral no Estado nos anos 1980. Quanto à aliança entre Sarney e Cafeteira, na eleição 30 majoritária de 1986, o acordo fazia parte da articulação da Aliança Democrática (a coligação que unificou o PMDB, partido do qual Cafeteira era membro, com os dissidentes do PDS, do qual Sarney era representante) para lançar a candidatura de Tancredo Neves à Presidência do Brasil em 1985. O pacto entre a Frente Liberal (antigos dissidentes do PDS) e o PMDB para chegar à presidência da República foi bem sucedido. Foram eleitos Tancredo Neves e José Sarney para presidente e vice-presidente da República, respectivamente. Com a morte de Tancredo Neves, José Sarney assume como presidente do Brasil. Em 1990, com a saída de José Sarney da Presidência da República com altos índices de rejeição entre o eleitorado, seus opositores políticos no Estado começam a dificultar a chegada de seu grupo ao Palácio dos Leões, sede do governo estadual. O então candidato da oposição conservadora, João Castelo, antigo aliado do grupo Sarney, mesmo perdendo a eleição estadual para Edison Lobão, no segundo turno, obteve vitória em São Luís tanto no primeiro turno (42,6%) quanto no segundo turno (55,7%), demonstrando o índice de rejeição da capital à oligarquia Sarney. Mesmo dispondo da utilização patrimonialista da “máquina” pública estadual, com controle sobre os Poderes Executivo (via governadores), Legislativo (maioria dos parlamentares) e Judiciário (indicação política de juízes) e com o Sistema Mirante de Comunicação (que detém a hegemonia da informação na maioria dos municípios maranhenses), o grupo Sarney não ganhou a eleição de 1994 com “tranquilidade”. A popularidade de Epitácio Cafeteira levou a decisão para o segundo turno, dando uma pequena margem de vantagem para a candidata da oligarquia Sarney. Epitácio Cafeteira, embora não tenha ganho a eleição estadual de 1994, teve um alto índice de preferência do eleitorado de São Luís, comprovado no gráfico a seguir. 31 Gráfico 2 – Votação de Epitácio Cafeteira em São Luís de 1986 a 2006 (em % por cargo eletivo) Fonte: TRE-MA (Arquivo do professor Wagner Cabral da Costa). Já a reeleição de Roseana Sarney Murad, em 1998, não ofereceu dificuldades para a oligarquia, a qual, tendo o aparato da máquina pública e o apoio do governo de Fernando Henrique Cardoso, venceu com folga Epitácio Cafeteira, fazendo uso da publicização da saúde frágil da governadora ao fabricar a imagem da “mulher guerreira”, que enfrenta com coragem e confiança as dificuldades e os desafios da vida, imagem analisada por Gonçalves (2008). Essa eleição foi marcada por uma prática muito comum na cultura política oligárquica, a cooptação de setores historicamente identificados com a esquerda para apoiar a candidatura de Roseana Sarney, no caso, o PC do B (Partido Comunista do Brasil) e o PSB (Partido Social Brasileiro), indicando a falta de firmeza ideológica dos partidos políticos. A popularidade alavancada pela governadora Roseana Sarney quebra, pela primeira vez, a resistência da “Ilha Rebelde” ao seu grupo político, sendo a mais votada em São Luís para o governo do Estado, mesmo que não tenha alcançado os 50% dos votos, como mostra o gráfico abaixo. 32 Gráfico 3 – Votação para Governador em São Luís de 1982 a 2010 (candidatos mais votados / partidos) Fonte: TRE-MA (Arquivo do professor Wagner Cabral da Costa). Em 2002, embalada pela imagem positiva de Roseana Sarney Murad, a oligarquia sonhou em aterrissar novamente no Palácio do Planalto com a pré-candidatura da então governadora à Presidência da República pelo PFL. O projeto foi abortado pelos escândalos advindos do caso Lunus, operação da Polícia Federal que invadiu a empresa Lunus de propriedade da governadora e de seu cônjuge Jorge Murad, na qual foram apreendidos R$ 1,34 milhão de reais e documentos que ligavam a empresa do casal ao desvio de verbas da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM). Esse episódio causou a desistência da pré-candidatura à Presidência de Roseana Sarney Murad, que precisou se conformar com uma vaga no Senado Federal. Naquele ano, o governo do Estado foi assumido por mais um filho político da oligarquia Sarney, José Reinaldo Tavares. Como já mencionado, as crises intra-oligárquicas constituem-se uma característica desse tipo de dominação política. Repetiram-se mais uma vez com a dissidência do governador José Reinaldo Tavares. Uma das explicações para essa ruptura aponta o desentendimento dentro do próprio grupo acerca da indicação do nome para a sucessão estadual de 2006. José Reinaldo Tavares não teria concordado com a indicação do nome da então senadora Roseana Sarney Murad, preferindo o nome de Sarney Filho ou Edison Lobão, dentre outros integrantes do grupo. De acordo com Costa (2009c, p. 97), [...] pode-se afirmar que José Reinaldo Tavares não podia, não sabia e nem queria romper com a estrutura de poder existente no Maranhão, pois forjado como um quadro técnico do grupo Sarney desde os anos 1960 e educado na cultura política patrimonialista, seu horizonte era limitado, se mantendo preso a uma reestruturação do poder político. 33 Desse modo, a derrota de Roseana Sarney Murad para Jackson Kepler Lago, em 2006, não representou o fim do mando oligárquico no Maranhão, uma vez que a lógica patrimonialista foi um dos elementos constitutivos daquele pleito eleitoral. Tratou-se, ainda segundo Costa (2009c), de um processo de reestruturação do domínio oligárquico de poder, formado por outro grupo político, comandado pelo PDT e PSDB, que aglutinou o descontentamento das oposições ao grupo dominante e dos vários movimentos sociais marginalizados pelas décadas de hegemonia do grupo Sarney. Repetiu-se o mesmo estratagema utilizado em 1965 para eleger José Sarney governador do Estado. A história se repetiu, mesmo sendo como farsa (MARX, 2008). A reinvenção das oposições coligadas alimentou mais uma vez o discurso da “cultura política da libertação”, através da reunião de diversos partidos políticos (PDT/PSDB/PT/PSB/PCdoB) no segundo turno, fazendo uso de relações patrimonialistas e clientelistas com as prefeituras municipais, por meio de assinatura de inúmeros convênios com caráter eleitoreiro, que garantiram a vitória do candidato da oposição, mas isso não foi suficiente para por fim à estrutura oligárquica. Assim, concorda-se com Reis (2012), para quem Jackson Lago foi eleito por dentro da estrutura oligárquica e dela fez uso para repetir o mesmo padrão de dominação tradicional: utilização da máquina governamental, nepotismo, distribuição de cargos entre aliados, corrupção, insensibilidade diante de reivindicações trabalhistas. Possivelmente tudo isso provocou o desencanto do eleitorado em relação a sua candidatura nas eleições de 2010. O grupo Sarney não aceitou a derrota nas urnas e acusou o governador Jackson Lago de ter cometido abuso de poder político e econômico durante a campanha eleitoral de 2006. Usando suas relações na esfera do poder federal, conseguiu agilizar a votação no Tribunal Superior Eleitoral e cassou o mandato do opositor. No entanto, o uso e abuso da máquina governamental por aqueles que estão no poder é prática política corriqueira no estado do Maranhão, em tempos de campanha eleitoral. O fato de Jackson Lago ter se beneficiado dos convênios realizados pelo governador José Reinaldo Tavares, com as prefeituras, não é uma exceção, mas a regra, tratando-se dos candidatos que são apoiados por quem está à frente do governo. Nas eleições de 2010, a candidata situacionista também foi acusada de ter recorrido aos mesmos mecanismos de abuso de poder político e econômico, favorecida pelo poderio político que seu grupo desfrutava nas esferas de poder estadual e nacional. 34 2.2 O comportamento da “Ilha Rebelde” nas eleições Em São Luís do Maranhão há uma tradição cultivada de que a cidade não se curva ao domínio de grupos oligárquicos. O episódio que fundou essa ideia foi a Greve de 1951, o protesto das Oposições Coligadas contra a posse do governador Eugênio Barros. De acordo com a análise de Costa (2006, p.96-97), Vários epítetos foram utilizados no decorrer do processo político para representar a ilha de São Luís e o próprio movimento das oposições – tais como Ilha Heróica, Ilha Indomável, Ilha Insubmissa -, contudo, a ideia imagem que prevaleceu até os nossos dias foi a de Ilha Rebelde, breve instante de cristalização no interior do magma formador dos imaginários sociais (grifo do autor). As oposições ao domínio oligárquico, em São Luís, têm instrumentalizado essa imagem de rebeldia da capital maranhense para alavancar movimentos políticos, buscando promover algumas mudanças na sociedade. Durante o processo de redemocratização política, ocorrido no final dos anos de 1970 e começo da década de 1980, vários movimentos com este objetivo tomaram conta da cidade de São Luís, tais como: Movimento estudantil e a greve pela meia passagem; o Movimento de Oposição pra Valer, organizado no seio do MDB autêntico; a atuação de setores progressistas da Igreja Católica, especialmente a Pastoral da Juventude; Movimento contra a Carestia; atuação da entidade de apoio Sociedade dos Direitos Humanos e a seção estadual do Comitê Brasileiro pela Anistia (BORGES, 2008, p. 47). Desses movimentos, a luta dos estudantes pela meia passagem, cuja culminância ocorreu com a Greve de 1979, representou um reforço significativo na construção imagética da Ilha Rebelde. Este episódio contou com o apoio de setores da população, descontentes com o terceiro aumento do ano na tarifa dos transportes coletivos, sancionado pelo prefeito Mauro Fecury (BORGES, 2008). O movimento foi tratado com grande repressão e violência por parte do então governador, João Castelo Ribeiro Gonçalves (PDS- Partido Democrático Social), naquela época aliado de José Sarney. É essa tradição histórica que alimenta a resistência da população de São Luís ao domínio das oligarquias políticas, sendo que tal resistência depende muito da conjuntura política do momento, sobretudo no que diz respeito às eleições majoritárias. Quanto às eleições municipais, nenhum candidato apoiado pelo grupo Sarney foi eleito na capital, como pode-se comprovar no gráfico abaixo. 35 Gráfico 4 – Votação para Prefeito de São Luís de 1985 a 2012 (% dos candidatos mais votados por partidos) Fonte: TRE-MA (Arquivo do professor Wagner Cabral da Costa). Na primeira eleição direta para prefeitos das capitais, em 1985, Luís Rocha era o governador do Estado e José Sarney presidente da República, nem assim o grupo conseguiu eleger seu candidato, Jaime Santana. Quem ganhou a eleição foi Gardênia Ribeiro Gonçalves, esposa de João Castelo, que já havia rompido com o grupo Sarney. Gráfico 5 – Votação de Jackson Lago em São Luís de 1985 a 2010 (em % por cargo eletivo) Fonte: TRE-MA (Arquivo do professor Wagner Cabral da Costa). 36 O cenário das eleições municipais foi, durante décadas, campo de disputa de grupos de oposição à oligarquia Sarney, liderados por João Castelo e Jackson Lago, este, eleito três vezes prefeito da capital como mostra o gráfico acima. Considerado uma importante liderança política das oposições democráticas na capital, o político Jackson Lago teve uma impressionante queda nas intenções de voto do pela segunda vez uma vantagem nesse eleitorado, de modo que podemos afirmar que o caráter de “rebeldia” da Ilha depende das circunstâncias conjunturais. Veja-se, agora, a votação de Roseana Sarney em São Luís durante sua carreira política. Gráfico 6 – Votação de Roseana Sarney em São Luís de 1994 a 2010 (em % por cargo eletivo). Fonte: TRE-MA (Arquivo do professor Wagner Cabral da Costa). Contando com toda estrutura do domínio oligárquico, Roseana Sarney foi eleita deputada federal mais votada no Maranhão, em 1990, sendo a terceira colocada na capital. No seu primeiro mandato, como governadora do Estado, a cultura popular foi utilizada como forte marketing político visando à renovação da imagem de seu grupo. Em 1996, há uma priorização de ações do governo nessa área. A partir de 1997, a Secretária de Cultura do Estado passa a contar com verbas regulares para os festejos juninos (NOGUEIRA, 2005). No ano da eleição da reeleição da governadora Roseana Sarney, 1998, o Estado passa a ser o patrocinador oficial dos festejos juninos, de modo, que se pode afirmar: 37 A institucionalização da cultura popular neutraliza a crítica e dá vazão ao espetáculo voltado para o show e o prazer das massas, elevando a destaque a governadora e as manifestações folclóricas e seus atores, numa sequência de produção de acontecimentos que se sucedem com o pré-São João, os festejos Juninos, o Natal e o Carnaval (NOGUEIRA, 2005, p. 10) Com o manejo da cultura popular e de outras atividades artísticas, através da liberação de verbas públicas, o grupo político dominante consegue obter certo grau de aceitação na capital. Mesmo cultivando o imaginário social da “Ilha Rebelde”, São Luís tem seus momentos de conservadorismo nas eleições, pois a capital não escapa das práticas da cultura política oligárquica. Pode-se supor que haja um continuum entre uma cultura política liberal democrática, inspirada nos ideais de liberdade, igualdade e participação popular e, por outro lado, haja uma prática política em que predominam o empreguismo, o favoritismo, o personalismo, típicos da cultura política oligárquica. Como exemplo desse conservadorismo político pode-se, fazer referência também aos índices de popularidade do político João Castelo, que mesmo tendo sua carreira iniciada sob os auspícios da Ditadura Militar, tendo sido, inclusive, o governador a autorizar a violenta repressão aos manifestantes na histórica luta pelo direito à meia passagem, em 1979, teve a preferência de parte do eleitorado da cidade nas eleições em que disputou. Veja-se seu desempenho eleitoral. Gráfico 7 – Votação de João Castelo em São Luís de 1982 a 2012 (em % por cargo eletivo) Fonte: TRE-MA (Arquivo do professor Wagner Cabral da Costa). As imagens sobre a cidade vão sendo construídas e reconstruídas constantemente, pode-se perceber que há uma São Luís progressista e outra conservadora. Nas eleições para o Senado, por exemplo, a partir dos anos de 1990, a cidade tende a votar nos representantes das 38 oposições, seja a oposição conservadora (representada por João Castelo e Epitácio Cafeteira), seja a oposição à esquerda (Haroldo Sabóia e Bira do Pindaré), com exceção do último pleito, em que foram mais votados os candidatos ligados à oligarquia Sarney (Edison Lobão e João Alberto), como mostra o gráfico seguinte. Gráfico 8 – Votação para Senador em São Luís de 1982 a 2010 (% dos candidatos mais votados por partidos) Fonte: TRE-MA (Arquivo do professor Wagner Cabral da Costa). Nos tempos recentes, no âmbito da oposição à esquerda, surge no cenário político maranhense uma nova liderança, o ex-juiz federal Flávio Dino de Castro e Costa, que concorreu a uma vaga na Câmara Federal com apoio do ex-governador José Reinaldo Tavares e outras lideranças conservadoras do Estado. A campanha desse político apresentou diferentes estratégias de representação em 2006. Veja-se. A primeira diz respeito a um tipo de apresentação do candidato que traz benefícios para uma determinada ‘região’ e assim estabelece o vínculo de identidade com os eleitores e a comunidade [...] Uma segunda modalidade se referiu à campanha voltada para a identidade profissional, no caso, o mundo do direito. Aqui a campanha de Flávio Dino é endereçada aos eleitores da ‘comunidade jurídica maranhense’. A terceira modalidade de campanha se relacionou ao chamado ‘voto ideológico’, caracterizado como ‘voto de opinião’, originário da ‘classe média’ dos centros urbanos do Estado, principalmente de São Luís (BARROS FILHO, 2008, p. 189). A imagem política de Flávio Dino transita tanto entre aspectos da cultura política oligárquica, quanto da cultura política liberal democrática. Sua base eleitoral, construída na 39 cidade de Caxias, com apoio do político Humberto Coutinho, o aproxima das práticas tradicionais da política maranhense, a exemplo da mediação entre os poderes locais e a esfera federal de governo, base da sustentação oligárquica. Em se tratando do eleitorado de São Luís, a imagem desse político é associada ao campo jurídico e ao voto consciente, livre das amarras da política clientelística e associado à ideia de justiça social. Veja-se o desempenho eleitoral de Flávio Dino nas campanhas eleitorais que disputou. Gráfico 9 – Votação de Flávio Dino em São Luís em 2006 e 2010 (em % por cargo eletivo) Fonte: TRE-MA (Arquivo do professor Wagner Cabral da Costa). Na eleição de 2006, Flávio Dino foi o quarto candidato mais votado em todo Maranhão. Durante seu mandato foi eleito, pelo site Congresso em Foco, um dos melhores parlamentares do país, por quatro anos consecutivos. A boa avaliação de sua atuação na Câmara Federal o habilitou a disputar a prefeitura de São Luís, em 2008, perdendo a disputa no segundo turno para o político João Castelo. Em 2010, na reta final da campanha para o governo do Estado, obteve um bom desempenho nas intenções de voto, alcançando o segundo lugar na disputa eleitoral. 40 2.3 Abstenção no Maranhão O não comparecimento do eleitor ao processo eleitoral é um fenômeno mundial. Nos regimes democráticos, a média gira em torno de 20% (PASQUINO, 2010). No estado do Maranhão a abstenção do eleitorado é bem elevada, ultrapassando tanto a escala mundial quanto a nacional, como demonstra o gráfico abaixo. Gráfico 10 – Abstenção eleitoral no Brasil e no Maranhão (1994-2010) Fonte: TSE, 2010. O conceito de eleitor no Brasil é uma construção jurídico-política, que estabelece requisitos a serem preenchidos para que se possa participar do processo de escolha de representantes políticos. O “eleitor potencial” é aquele que deve se alistar, maior de 18 anos e alfabetizado, e o que pode alistar-se, os jovens entre 16 a 17, os maiores de 70 anos e os analfabetos (BARRETO, 2008). Acerca dos eleitores, que estando aptos à participação não se fazem presentes no pleito, é possível levantar-se algumas explicações, nenhuma delas conclusivas, pois são apenas conjecturas na busca de compreender o fenômeno da ausência deliberada dos votantes. Pode-se apontar a questão da vulnerabilidade social do eleitorado como um dos motivos para a ausência nos dias de pleito. A falta de recursos também dificulta a participação na vida pública. A baixa escolaridade é outro importante motivo dessa marginalização, uma 41 vez que os índices de analfabetismo são bastante elevados em todo o Estado, segundo os dados apresentados a seguir. Tabela 1 – Taxas de analfabetismo etária e cor no Estado do Maranhão – 2009. Faixa etária e cor Porcentagem 15 anos ou mais de idade – cor branca 15,5% 15 anos ou de mais idade – cor preta 20,1% 15 anos ou de mais idade – cor parda 20,0% Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional de Saúde Escolar, 2009. Em São Luís, o índice de pessoas que não sabem ler e escrever é relevante, o que contradiz o mito da Atenas Brasileira, construído no século XIX, em referência à produção cultural da elite escravocrata, mito cultivado ainda hoje. Veja-se o que informa a esse respeito o censo de 2010 os dados abaixo. Tabela 2 – Número de pessoas que não sabem ler e escrever em São Luís – 2010. Faixa etária Total Porcentagem Grupos de idade de 15 anos ou mais 36.158 4,7% Grupos de idade de 15 a 24 anos 2.776 1,3% Grupos de idade de 25 a 39 anos 7.257 2.6% Grupos de idade de 40 a 59 anos 12.652 6,1% Grupos de idade de 60 anos ou mais 13.473 17,3% Fonte: IBGE, Censo Demográfico, 2010. Ainda em se tratando de vulnerabilidade social, o baixo nível de renda da população pode atuar como fator desestimulador da participação política, uma vez que os indivíduos sentem-se marginalizados da vida pública em geral. Na capital do estado do Maranhão, é crescente o número de famílias nessa situação e, por isso, são dependentes de programas sociais, como o Programa Bolsa Família, do Governo Federal. Em 2010, a transferência de renda atingiu um total de 79.929 famílias, sendo o repasse acumulado até o mês de dezembro no valor de R$ 92.599.854, 00, segundo as informações do Ministério de Desenvolvimento Social (2012). 42 Outra variável para explicar o abstencionismo na eleição de 2010 pode ser associada à falta de mobilização e motivação do eleitorado, uma vez que a participação varia em função do momento de cada conjuntura política (BARRETO, 2008). Em 2006, por exemplo, como o grupo Sarney pela primeira vez não contava com a estrutura da máquina pública a seu favor, possibilitando, assim, que o candidato que lhe fazia oposição se articulasse com o apoio do governador em exercício, a abstenção diminui, ficando em 20,8% no primeiro turno e 24,2% no segundo turno, próximo da média mundial. Não há, portanto, um padrão único para análise do fenômeno da abstenção eleitoral nos regimes democráticos. Entre os americanos, os percentuais de participação são mais elevados nas eleições presidenciais. Na França, a participação do eleitor é mais relevante nas decisões de segundo turno, quando o nível de competitividade aumenta (PASQUINO, 2010). No Maranhão e em todo o Brasil, a participação do eleitor diminui no segundo turno das eleições majoritárias. Na última eleição municipal, realizada em 2012, constatou-se que o alto índice de abstenção tem relação com a falta de atualização dos cadastros eleitorais, já que acumulam nomes de eleitores falecidos e\ou transferidos de domicílio eleitoral sem que a Justiça Eleitoral seja informada. Em São Luís, por exemplo, novos cadastros não eram realizados desde 1986 (ARRUDA, 2012). Porém, uma coisa é certa, o abstencionismo representa o desencanto com a política tradicional, sobretudo no Maranhão (campeão nacional de abstenção eleitoral), onde a estrutura de dominação oligárquica se petrificou ao longo dos tempos, de modo que este fenômeno pode provocar a deslegitimação dos governantes, da classe política e até do sistema democrático, pois, se democracia significa, entre outras coisas, a participação dos cidadãos, uma participação insuficiente debilita-a (PASQUINO, 2010). 43 3 A ELEIÇÃO ESTADUAL DE 2010: os principais candidatos na imprensa escrita Ao escrever sobre a construção da imagem do rei francês Luís XIV, Burke (1994) analisou as tentativas de moldar ou manipular a opinião pública com o uso da propaganda (em pleno século XVII), para exaltar os rituais que cercam o poder real (através da pintura, escultura, teatro, música), além de outras técnicas de persuasão para legitimar o poder absoluto do rei. Atualmente, são até mais refinadas as estratégias utilizadas para fabricar imagens e manipular informações. Ao usar o termo “fabricação”, Burke (1994, p. 22) não quis dizer que a imagem desse rei francês tenha parecido artificial em relação a dos outros monarcas. Como afirma o autor, “[...] todos nós construímos a nós mesmos. Luís só foi excepcional no auxílio que recebeu nesse trabalho de construção”. 3.1 A retórica da campanha política Nos dias de hoje, conta-se com sofisticadas e eficientes formas de fabricação de imagens, que manipulam elementos do imaginário social, contribuindo para preservar certas práticas políticas tradicionais na sociedade brasileira. No Maranhão, a família Sarney é dona do maior sistema de comunicação do Estado. Controla a retransmissora da TV Globo e o jornal de maior circulação, O Estado do Maranhão. Estima-se que o clã e aliados controlem cerca de 150 jornais e emissoras de rádio e tevê, que cobrem mais de 80% do território maranhense (LÍRIO, 2005, p. 31). O suporte tecnológico disponível lhe facilita uma eficiente divulgação de valores e crenças. As informações passadas de forma contínua, diversas vezes por dia, são um instrumento eficiente para a fabricação da imagem dos políticos ligados a essa hegemonia midiática, que constrói verdades e naturaliza relações de dominação e expropriação, como se poderá ver mais adiante, neste capítulo. Analisa-se, portanto, as matérias de O Estado do Maranhão e do Jornal Pequeno como idealizadoras e divulgadoras de imagens concernentes aos principais candidatos do pleito eleitoral de 2010. A escolha da mídia impressa como objeto de estudo deve-se ao entendimento de que a imprensa pode ser um instrumento de manipulação de interesses e de intervenção na vida social; nega-se, pois, aqui, aquelas perspectivas que a tomam como mero ‘veículo de informações’, transmissor imparcial e neutro dos acontecimentos, nível isolado da realidade político-social na qual se insere (CAPELATO; PRADO apud LUCA, 2012, p.118). 44 Parte-se da concepção de que, nos meios de comunicação, constrói-se carismas, competências e eficiência, os quais, para o senso comum são inerentes e incontestáveis a uma determinada personagem. Ter o controle desses meios de comunicação resulta na possibilidade de direção, de comando da sociedade por um determinado grupo, que faz uso da mídia para impor regras, padronizar hábitos e constituir normas. Há até quem afirme que “[...] os meios de comunicação se transformaram em novos órgãos de poder, em órgãos políticopartidários, e é por isso que eles precisam recriar a realidade na qual exercem esse poder, e para recriar a realidade precisam manipular as informações” (ABRANO apud COUTO, 2009, p. 26). Porém, a ideia de “coisa” fabricada, artificial, corre o risco de ser desafiada, desacreditada. É nesse aspecto que se acredita que os imaginários estabelecidos possam ser questionados, desmantelados e reconstruídos, já que não são estruturas petrificadas e congeladas no tempo e no espaço. Os poderes constituídos estão sempre sendo questionados, e é exatamente em épocas de crise que se intensifica a produção de imaginários sociais concorrentes e antagonistas, é nessa ocasião que as “[...] representações de uma nova legitimidade e de um futuro diferente proliferam e ganham difusão e agressividade” (BACZKO, 1985, p. 15). Na disputa eleitoral travada no Maranhão em 2010, cabe ao jornal O Estado do Maranhão a fabricação da legitimidade da candidatura da governadora Roseana Sarney Murad, (re) construindo e manipulando o imaginário político em torno do grupo Sarney. Esse periódico, pertencente à família da governadora, possui “liderança incontestável” e o maior número de leitores dentre todos os jornais com circulação diária na grande São Luís, e foi um dos precursores no uso da cor em todo Norte e Nordeste, “o que aumentou o volume de vendas avulsas do jornal”, segundo consta em sua página na internet, onde é apresentado como “um órgão a serviço da verdade” (HISTÓRICO, 2012). O Jornal Pequeno, por sua vez, apresenta-se na internet como um periódico “de tamanho restrito e feição gráfica modestíssima”, defensor da “liberdade, dos anseios e da vontade popular” (HISTÓRIA, 2012). Na condição de jornal oposicionista, busca desconstruir o discurso do periódico situacionista e apoia as candidaturas de Jackson Lago e Flávio Dino. O jornal O Estado do Maranhão já inicia o ano de 2010 em ritmo de campanha pela reeleição da governadora Roseana Sarney Murad, estampando em suas páginas os empreendimentos financiados pelo governo federal para o Maranhão e as promessas de redenção para os graves problemas sociais do Estado, que se arrastariam desde o começo do século XX. A fotografia a seguir, por exemplo, é matéria de capa da edição de sexta feira, 15 45 de janeiro de 2010, noticiando o início da realização da terraplanagem para a construção da obra da refinaria da Petrobrás, assunto que tem grande destaque nas páginas internas, nas sessões de política e economia. Dessa forma, o jornal fazia campanha pela eleição da candidata do presidente Lula à presidência da República e pela reeleição da governadora Roseana. É importante lembrar que se está ainda em janeiro de 2010 e a data oficial para o início da campanha eleitoral é o dia 5 de junho desse ano. As presenças do presidente Lula e da ministra da Casa Civil e candidata ao Palácio do Planalto, Dilma Roussef, reforçam o prestígio da governadora junto ao governo federal. A afirmação de que a refinaria faria uma “revolução” no Maranhão, gerando 150 mil empregos diretos e indiretos, consolida a visão de ser o grupo Sarney capaz de trazer o “desenvolvimento” e o “progresso” para o Maranhão. Figura 1 - O progresso e a revolução do Maranhão Fonte: INICIADA..., 15 jan. 2010. A imagem do trator simbolizando o progresso trazido pelas obras financiadas pelo governo federal é recorrente na trajetória da oligarquia Sarney. A disposição das personagens para fazer a foto não é à toa. Reflete a intenção de mostrar ao público leitor que há uma intrínseca relação entre o governo federal e a mandatária local, que essa relação será mantida com a reeleição da governadora Roseana Sarney e a eleição da candidata do Presidente Lula, que aparece entre a governadora e o ministro Edison Lobão, aliado fiel da oligarquia Sarney. A matéria de capa do Jornal Pequeno (Figura 2) publicado numa edição de domingo, acerca do mesmo fato, utiliza a mesma foto, num ângulo panorâmico, mas enfatiza 46 o caráter eleitoreiro da visita. O artigo é do jornalista Oswaldo Viviani, que destaca que o presidente Lula faz a segunda viagem ao Maranhão em pouco mais de um mês, com intuito de propagar a realização de obras federais para divulgar as candidaturas de Roseana Sarney e Dilma Rousseff. Figura 2 - “Viagem caça-votos” Fonte: VIVIANI, 17 jan. 2010. Mais uma observação é pertinente na comparação das notícias apresentadas acima. A qualidade gráfica de O Estado do Maranhão, fruto do lugar social de seus proprietários, deixa mais atraente o visual das informações que veicula, podendo torná-las mais convincentes aos olhos do grande público. Já o Jornal Pequeno, dispondo de menores recursos técnicos e financeiros, não tem uma aparência chamativa e procura compensar com a força dos ataques o menor apelo visual. No mês de fevereiro de 2010, este periódico destaca que um dos motivos que levou à cassação do governador Jackson Lago, no ano anterior, foi a acusação de propaganda antecipada na ocasião em que o então governador José Reinaldo Tavares anuncia a candidatura do médico Jackson Lago, no município de Codó, três meses antes do início oficial da campanha. Vejam-se trechos desse discurso, para relembrar o caso: O doutor Jackson Lago é um homem lutador, médico. Foi prefeito três vezes em São Luís é um homem credenciado. Nós temos que acabar com esse negócio de uma família mandar no Maranhão, gente [...] Nós estamos trazendo essa parceria [...], com alguns milhões de reais. E digo para vocês que vou fazer ainda muito, mas os nossos candidatos – ou o Vidigal ou o Jackson – vão continuar e vão fazer ainda 47 mais do que eu fiz [...] Vocês vão ter aqui a condição de escolher entre dois homens do maior gabarito desse Estado. Um é o doutor Jackson Lago [...]. O outro é nosso amigo de infância Edson Vidigal (TSE..., 1 fev. 2010). Para o periódico da oposição, em 2010 o presidente Lula apresenta suas candidatas Dilma Rousseff e Roseana Sarney do mesmo modo que José Reinaldo Tavares apresentou Jackson Lago em 2006. Ainda sobre a repercussão da vinda do presidente Lula ao Maranhão para dar início à obra de terraplanagem no município de Bacabeira, visando à construção da refinaria da Petrobrás, o jornal O Estado do Maranhão (Figura 3), do dia 16 de janeiro de 2010, destaca que este empreendimento será uma “nova fase da história do Maranhão”. Nas palavras do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, será uma “segunda revolução do Maranhão, considerando que a primeira revolução do Maranhão foi há mais de 40 anos, quando José Sarney assumiu o governo do Estado. Figura 3 - “A nova fase” do Maranhão Fonte: LULA..., 16 jan. 2010. Nesta imagem, a candidata à reeleição aparece numa postura de líder carismática, receptiva, de braços abertos, pronta para receber a todos. Desde o mandato do governador José Sarney, com o slogan Maranhão Novo, até os primeiros mandatos de sua filha Roseana Sarney Murad, apresentados como Novo Tempo, o grupo Sarney procura associar suas administrações com a ideia de que traz “modernização” e “prosperidade” para o Maranhão. No governo de José Sarney, as bandeiras eram o Porto do Itaqui, a Barragem do Bacanga, a 48 Hidrelétrica de Boa Esperança, entre outros. Nas administrações do final dos anos 1970 e nos anos de 1980, a esperança de progresso era a instalação de grandes projetos, como o Programa Grande Carajás (com destaque para a ferrovia da Vale do Rio Doce) e a multinacional ALUMAR. Em 2010, o discurso do progresso e da salvação do Maranhão alardeia a construção da refinaria Premium, da Petrobrás. O ex-presidente José Sarney se utiliza de seu jornal para rebater as críticas ao seu mando político, em particular aquelas que o relacionam aos péssimos indicadores sociais do Maranhão. Às vésperas das eleições, manifestou-se anunciando a vitória de sua filha. Veja-se. [...] estamos passando por um novo momento de virada como já aconteceu em outras épocas, mas com a diferença que desta vez os olhos do desenvolvimento estão voltados para o Norte e Nordeste. Temos a refinaria, temos a descoberta de recursos naturais como o gás e o petróleo. Esse é o momento do Maranhão e nada melhor do que continuar com um governo que está dando certo. E esse governo é o de Roseana, que em menos de um ano e meio no comando do Estado já trabalhou com o presidente Lula para trazer o desenvolvimento para o nosso Maranhão. É por isso que digo que a vitória da governadora é certa’, afirmou o senador (SARNEY, 28 set. 2010, p. 3, grifou-se). Analisando a fala do senador José Sarney, pode-se ver que ele busca revestir sua filha Roseana Sarney Murad com dois importantes princípios de legitimidade – a dominação tradicional e a dominação carismática –, que se encontram combinados. Dominação tradicional, porque baseada na crença de uma autoridade pré-existente, autoridade pessoal pelo status herdado; dominação carismática porque inspirada no heroísmo, no caso aqui destacado, a façanha da governadora, “[...] que em menos de um ano e meio no comando do Estado já trabalhou para trazer o desenvolvimento para o Maranhão”. Segundo Bendix (1996, p. 238), a “[...] liderança carismática é especialmente requisitada nos períodos de crise, embora, ocorra também nos sistemas de dominação permanente, produto da crise e do entusiasmo”. Não se pretende com esse conceito weberiano afirmar que a governadora Roseana Sarney Murad seja portadora de dom, poderes mágicos ou missão divina, mas destacar como O Estado do Maranhão procura cultivar uma imagem carismática dela no imaginário social dos leitores, possíveis eleitores. O jornal exibe sempre aparições da governadora visitando municípios, inaugurando obras públicas em grandes festividades e, sobretudo, confirmando o apoio do presidente Lula à sua gestão. E destaca falas em que ela anuncia que seu “[...] governo trabalha para garantir mais qualidade de vida com obras de saúde, infraestrutura, educação, trabalho e renda para a população” (ROSEANA..., 6 maio 2010, p. 3). 49 As visitas constantes aos municípios são uma estratégia adotada por ela em seus dois mandatos anteriores (1995 - 1998; 1999 - 2002). Segundo Gonçalves (2008, p. 144), o governo itinerante é “[...] uma possibilidade no jogo político para congregar forças políticas nos municípios do Estado e arregimentar mão de obra específica para esse trabalho, através do apoio explícito dos prefeitos e políticos aliados dos municípios do Maranhão”. Dessa maneira, o grupo Sarney se utiliza de um “clientelismo moderno”, exercido por políticos profissionais, o qual, à semelhança de práticas clientelistas tradicionais, tem como resultado não uma forma de consenso institucionalizado, mas uma rede de fidelidades pessoais entre os políticos que lhes possibilita dispor dos recursos estatais (MASTROPAOLO, 2010). Numa edição de O Estado do Maranhão, antes do período permitido para a campanha eleitoral desse ano, o jornal noticiava que [...] nesse governo itinerante Roseana vai costurando apoio político dos prefeitos à sua reeleição [...] durante uma semana, ela visitou obras nos municípios com recursos estaduais e ouviu das lideranças locais novas reivindicações que serão analisadas pelo governo federal [...] (ROSEANA..., 8 maio 2010). Ao passar pelo município de Barra do Corda, Rigo Teles, deputado pelo PV (Partido Verde) e aliado da governadora faz a seguinte declaração: “Quando eu estou aliado, estou mesmo. Não há um prefeito que me apoie e que não apoie a governadora. Todos foram confirmar a aliança com Roseana” (ROSEANA.., 8 maio 2010, p. 3). A fala do parlamentar caracteriza perfeitamente a relação clientelística estabelecida entre ele e os prefeitos de sua região em relação ao “apoio” ao governo estadual. Com discursos desse tipo, o jornal quer convencer seus leitores de que a liderança da governadora é inconteste a ponto de obter apoio de quase todos os municípios do estado, ou seja, que é legítima sua dominação, seu lugar no poder. Tais procedimentos, como diz Charaudeau (2008, p. 63), comprovam que [...] o discurso midiático encontra-se entre um enfoque de cooptação, que o leva a dramatizar a narrativa dos acontecimentos para ganhar a fidelidade de seu público, e um enfoque de credibilidade, que o leva a capturar o que está escondido sob as declarações dos políticos para justificar seu lugar na construção da opinião pública. O Estado do Maranhão visa promover, em curto prazo, a crença na popularidade de sua candidata. Muitos de seus argumentos indicam a realização de práticas patrimonialistas, elemento presente há muito na cultura política do nosso país. No dia 4 de junho de 2010 é divulgado que “Roseana conquista o apoio de prefeitos de oposição no Maranhão: PDT, PSDB, PSB e até do PC do B”. Essa notícia procura mostrar que não há 50 oposição ao seu governo e à sua reeleição, pois prefeitos dos principais partidos da oposição estão apoiando a governadora. Logo, sua reeleição é legítima. Para enfatizar o peso dessa notícia, recorre-se a uma reflexão de Charaudeau (2008, p. 67): “[...] a legitimidade é o resultado de um reconhecimento, pelos outros, daquilo que dá poder a alguém de fazer ou dizer em nome de um estatuto (ser reconhecido em função de um cargo institucional), em nome de um saber, em nome de um saber fazer [...]”. Sobre o apoio dos prefeitos à candidatura oficial, matérias do Jornal Pequeno alertam que se trata de “assédio moral”, por meio de convênios firmados entre o governo e as prefeituras municipais. Um artigo do deputado federal Domingos Dutra (PT) afirma: [...] é chantagem mesmo. É o preço que Roseana está pagando pela submissão dos prefeitos. Essa chantagem é uma prática da oligarquia Sarney ao longo de toda existência [...] Onde está a Justiça Eleitoral, o Ministério Público, que não fazem nada contra isso? (PARA OPOSIÇÃO..., 27 jun. 2010, p. 3). Em várias matérias de capa, O Estado do Maranhão anuncia os números das verbas conseguidas pelo governo estadual junto ao governo federal, demonstrando assim a capacidade da gestão da governadora em trazer recursos necessários ao crescimento e desenvolvimento da região. É o governo do “Maranhão - de volta ao trabalho”, slogan da administração de Roseana Sarney quando assumiu após a cassação de Jackson Lago, anunciando à população que sua gestão é melhor do que a anterior. Porém, para o Jornal Pequeno (OPOSIÇÃO..., 19 set. 2010, p. 3), a governadora “[...] promove-se às custas da máquina do estado, em grave violação ao princípio da impessoalidade, base da administração pública [...]”. Acusações dessa natureza motivaram a coligação “Muda Maranhão” – formada pelos partidos PC do B (Partido Comunista do Brasil), PSB (Partido Socialista Brasileiro) e PPS (Partido Popular Socialista) com Flávio Dino como candidato ao governo – a formular uma representação junto ao Tribunal Regional Eleitoral contra a candidata Roseana Sarney, com base em denúncia de abuso de poder político. Desde o período que antecede a campanha autorizada pela Justiça Eleitoral, o jornal situacionista procura deslegitimar a candidatura do médico Jackson Lago, ao pleito de 2010, seja destacando a aliança do PDT (Partido Democrático Trabalhista) ao PSDB (Partido da Social Democracia Brasileiro), atrelando o nome do ex-governador ao do candidato José Serra, seja explorando a cassação de Jackson Lago pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ou alardeando o problema de saúde de seu oponente, como demonstra o artigo de Marco Aurélio D’Eça (7 maio 2010, p. 3): 51 O ex-governador disputou as eleições municipais de 1996 e 2000 e as estaduais de 2002 e 2006, sempre sob suspeita de estar doente e sempre negando a informação. Ele só tocou no assunto, mesmo assim de forma superficial, após deixar o governo em 2009, cassado pela justiça eleitoral. O argumento discursivo do periódico faz uso de dois campos de saber para por em cheque as condições de Jackson Lago em concorrer ao governo do Estado: impedimento médico, a doença do candidato; impedimento jurídico, a possível impugnação de sua candidatura por ser considerado candidato “ficha suja” (referência à Lei da Ficha Limpa ou Lei Complementar nº 135 de 2010, que prevê a inelegibilidade de políticos com histórico de condenações eleitorais). Do mesmo modo, o jornal do grupo dominante aposta na desqualificação do candidato do PC do B, como demonstra o trecho a seguir: O deputado federal Flávio (PC do B), candidato da coligação ‘Muda Maranhão’ que tem o PSB do ex-governador José Reinaldo Tavares como aliado político e eleitoral, sofreu oscilações para mais e para menos, mas não o tirou da terceira posição, segundo as pesquisas Escutec e Ibope. O candidato do PC do B perde muito na maioria das regiões, tendo bom desempenho apenas em São Luís, onde consegue ultrapassar Jackson Lago e se colocar como segundo nome na preferência do eleitorado. Na avaliação dos políticos envolvidos no processo eleitoral, essa posição se deve à sua participação recente na eleição para prefeito de São Luís, em que foi para o segundo turno e ficou em segundo lugar (CAMPANHA..., 12 set. 2010, p. 3). A ênfase na aliança política de Flávio Dino com José Reinaldo Tavares, certamente aposta no possível descrédito em que o ex-governador estaria após ter sido preso pela Polícia Federal, em 20074, acusado de integrar esquema de fraudes em licitações ocorridas em seu governo, que desviara recursos públicos para “estradas fantasmas”, que não teriam sido construídas. Outra mensagem do texto é de que o candidato não tem bom desempenho em grande parte do Estado, mas apenas na capital porque concorreu à prefeitura de São Luís em 2008. Aqui, não cabe especular se as colocações expressas nessa matéria jornalística têm ou não fundamento, pois, como afirma Charaudeau (2008, p. 84), o discurso político é uma mistura do logos, do ethos e do pathos, de modo a promover uma encenação que oscila entre a ordem da razão e da paixão: “[...] as mídias compreendem bem que o mundo da política tem necessidade de dramaturgia, e que essa dramaturgia consiste, para uma grande parte, em guerra de imagens para conquistar imaginários sociais”. 4 Operação Navalha – realizada pela PF em nove estados – (PE, AL, BA, SE, PI, MA, GO, MT, SP) e no DF. O objetivo foi desmontar um esquema de fraude em licitações e desvio de recursos públicos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e do programa Luz para todos (PF PRENDE..., 2007). 52 Enquanto O Estado do Maranhão fabrica uma imagem de legitimidade da governadora Roseana Sarney Murad, o Jornal Pequeno atua como um contrapoder diante das estratégias de convencimento e persuasão do jornal governista. Na edição de 3 de janeiro de 2010, o editorial é um texto intitulado “Previsões para 2010”, assinado pelo deputado federal Roberto Rocha, filho do ex-governador Luís Rocha e oposicionista ao grupo Sarney: O Maranhão vai dar um salto de qualidade e desenvolvimento, pelo menos na propaganda do governo, e quem puder, sugiro que se mude para dentro da publicidade governamental, onde o Maranhão é rico e próspero, o povo tem trabalho e o ano inteiro todos os governantes vivem rindo [...] A refinaria de Bacabeira será anunciada pela trigésima vez como a redenção do Estado. Vai sobrar emprego, pelo menos na propaganda do governo. Sugiro que se crie o Dia da Redenção do Maranhão, declarando feriado estadual [...] (ROCHA, 3 jan. 2010, p. 3). Em tom de ironia, o texto ridiculariza a imagem defendida pelo governo de Roseana Sarney Murad ao repetir o discurso de desenvolvimento e progresso, utilizado pela oligarquia Sarney para justificar seu domínio no Maranhão. Além de utilizar ironia para se referir aos anúncios do governo, o Jornal Pequeno estampa em suas páginas escândalos envolvendo a família Sarney no cenário da política nacional, a exemplo do caso dos atos secretos do Senado Federal, nos quais o presidente do Senado José Sarney foi personagem de destaque: [...] o generoso guarda-chuva sarneysista aberto em Brasília abriga gente que, na maioria dos casos, sequer mora na capital do país [...] O Jornal Pequeno divulga a lista das pessoas no esquema dos atos secretos do Senado: 1- Amaury de Jesus Machado (espécie de mordomo de Roseana Sarney) – salário de R$ 12, mil mensais, cumpre expediente na mansão de Roseana no Lago Sul de Brasília; 2 – Rosângela Terezinha Michels Gonçalves – (ex-miss, foi namorada do superintendente do Sistema Mirante, Fernando Sarney, com quem tem um filho), cargo comissionado (secretária parlamentar,) salário R$ 7.600, substitui o filho João Fernando Michels Gonçalves no gabinete de Epitácio Cafeteira; 3 – Nathalee Rondeau Cavalcanti Silva filha do ex- ministro de Minas e Energia Silas Rondeau – assistente parlamentar, R$ 2,5 mil; 4 – Juliane Nunes Escórcio Lima e Alba Leide Nunes Lima- (filha e mulher de Francisco Escórcio), Juliane – assistente parlamentar no gabinete de Mauro Fecury e Alba no gabinete do próprio Sarney, como assistente parlamentar [...] (PEQUENO..., 6 jan. 2010, p. 7). A matéria acima citada exemplifica um dos mais recentes casos de práticas de nepotismo ainda reinantes no país, demonstrando que aqui não se concretizou plenamente o aparato do Estado Burocrático de acepção weberiana, tornando válida para o Maranhão do século XXI a análise feita por Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil. Para esse autor, no Brasil, o que importa são as relações sociais inspiradas na família patriarcal, 53 [...] em que a própria gestão política apresenta-se como assunto de seu interesse particular; as funções, os empregos e os benefícios que deles aufere relacionam-se a direitos pessoais [...] e não a interesses objetivos, como sucede no verdadeiro Estado Burocrático, em que prevalecem a especialização das funções e o esforço para se assegurarem garantias jurídicas aos cidadãos (HOLANDA, 2004, p. 146). Pode-se dizer, portanto, que a cultura política do Brasil ainda mantém muito das normas, crenças e valores políticos constituídos em tempos passados. Os laços familiares, as relações de clientelismo ou a recompensa da lealdade partidária são muito fortes; a democracia despersonalizada é um vir-a-ser longe do alcance dos cidadãos comuns. A experiência política no estado do Maranhão recorre às práticas de clientelismo como se fossem naturalizadas, como se o favorecimento de amigos, parentes e correligionários fosse um direito inquestionável de quem está no poder. Tais práticas são uma herança cultural herdada das raízes luso-espanholas da sociedade brasileira, de acordo com a tese defendida por Holanda (2004) e partilhada por muitos outros autores, como Graham (1997, p. 271), que as coloca na gênese da história pátria: [...] o mais antigo relato da descoberta do Brasil, escrito como carta ao rei português por Pero Vaz de Caminha em 1500, terminava com um rogo de clemência em favor de seu genro. Esse pedido foi a marca de nascença da política brasileira, e a troca de apadrinhamento por serviços e lealdade continua sendo um sinal visível até nossos dias. Mas a prática do clientelismo não é uma exclusividade do Maranhão, embora nesse estado tenha uma sobrevivência mais forte devido a uma série de questões socioeconômicas e culturais. Enquanto O Estado do Maranhão silencia diante das denúncias referentes aos integrantes do grupo Sarney ou as coloca como perseguição dos opositores, o Jornal Pequeno se encarrega de ser o porta-voz desses escândalos, como na seguinte matéria: O jornal francês ‘Le Monde’, que circula nesta quarta-feira (13) publica uma reportagem que trata sobre a corrupção na América Latina. O título da matéria é ‘As esquerdas da América Latina confrontadas com a corrupção’. O presidente do Senado, José Sarney foi flagrado com a mão na botija em alguns casos de corrupção, de empregos fictícios, e de outras ‘indelicadezas’[...]. O ‘Le Monde’ acrescenta que o presidente Lula salvaguardou o senador da coalizão governamental, ‘mesmo ele representando o que há de pior na classe política brasileira’ (‘LE MONDE’..., 13 jan. 2010, p. 3). A participação do presidente Lula na campanha eleitoral de 2010 foi um importante trunfo político utilizado pela oligarquia Sarney para legitimar a candidatura da governadora Roseana Sarney Murad à reeleição ao Palácio dos Leões. O uso dos programas sociais do governo federal, nomeados como Viva Luz, Viva Água, Viva Gente, Leite é Vida, entre outros, constitui-se em importante moeda de troca junto ao eleitorado mais humilde, 54 numa reatualização do clientelismo. Na perspectiva de José Sarney, Roseana Sarney Murad é a melhor opção nas eleições de 2010 porque tem “[...] a competência na administração do estado e a amizade com o presidente Lula e com a candidata à Presidência da República, Dilma Roussef” (SARNEY, 28 set. 2010, p. 3). No dia do escrutínio eleitoral, a Coluna do Sarney, em O Estado do Maranhão, traz um artigo, do qual se transcreve alguns trechos: Ela merece ficar [...] Nós do Maranhão vivemos, hoje, uma das eleições mais importantes de nossa democracia. Perdemos o bonde de nossa história na República, na Revolução de 30, no desenvolvimentismo que aqui não passou. Agora não podemos deixar passar essa grande mudança de rumo, a maior de todas que tivemos... Roseana fez excelente trabalho. Agora com a mudança do Brasil com Lula e Dilma não vamos perder mais uma vez o bonde da história. Roseana está entrosada com Dilma, já trabalharam juntas e vão fazer um grande governo [...] é a hora de aproveitar nossos prestígios, Roseana, Lobão, João Alberto e eu, todos nós da bancada federal para darmos o grande salto. O petróleo vem aí, as plataformas já estão perfurando no mar. Tudo nos enche de euforia. O nosso povo deve nos ajudar com uma grande votação. Ela merece ficar, com sua ajuda, seu voto, seu apoio (SARNEY, 3 out. 2010, p. 1, grifou-se). Nesse discurso dramático e apelativo, José Sarney explica, num claro ato falho5 ,o caráter patrimonialista, personalista e clientelista de sua dominação ao dizer “é a hora de aproveitar nossos prestígios”, afinal, quem se beneficia dessa estrutura de dominação são aqueles que partilham diretamente do poder. Enquanto O Estado do Maranhão assume uma postura pró-Roseana Sarney e contrário às candidaturas Jackson Lago e Flávio Dino na campanha, o Jornal Pequeno assume postura inversa, combatendo a oligarquia Sarney e defendendo os candidatos da oposição. O ex-governador Jackson Lago, em artigo publicado no dia 6 de fevereiro de 2010, cujo título é “Unidade já”, expressa o desejo de reeditar a união das oposições realizadas em 2006. Veja seu argumento. [...] As oposições reunidas já demonstraram que é possível derrotar o poder oligárquico. E o caminho para isso é o caminho da unidade, da conjugação de esforços, da união de forças. Nenhum de nós é maior que todos nós juntos. O povo sabe disso e exige que nós da oposição estejamos unidos e solidários entre nós. Desde o ano passado, quando começaram as discussões sobre os caminhos de 2010, venho defendendo a unidade oposicionista. O nome que representará é conseqüência. Será o nome indicado pela própria população, através de consultas a ela por meio de pesquisas de opinião pública (LAGO, 6 fev. 2010, p.3). 5 Ato falho: “lapsos de linguagem, exprimem impulsos e intenções que devem ficar ocultos à própria consciência, ou emanam justamente dos desejos reprimidos [...] através deles o homem trai, em regra, os mais íntimos segredos” (FREUD, 1997). 55 O ex-governador tinha esperanças de que sua candidatura fosse aceita pelos representantes das oposições, uma vez que seu nome aparecia em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto, como demonstra o gráfico a seguir. Gráfico 11 – Pesquisas para Governador do Maranhão, estimulada no 1º turno do ano de 2010. Fonte: TRE-MA (Arquivo do professor Wagner Cabral da Costa). Na tentativa de construção de uma candidatura de oposição capaz de enfrentar a força e o poderio da oligarquia Sarney, o Jornal Pequeno começa a anunciar a articulação dos grupos que poderiam lançar nomes à disputa de 2010. Vejam-se as possibilidades anunciadas: Lideranças dos principais partidos de oposição, reunidas em São Luís para festejar os 30 anos de fundação do PT, firmaram ontem a noite o esboço de um pacto para enfrentar o grupo Sarney [...] Falando na condição de representante do PDT, o economista Cândido Lima observou a necessidade de união dos partidos de oposição, dizendo que desde já devem ser construídas alianças para assegurar avanços nas políticas sociais iniciadas pela gestão do ex-governador Jackson Lago [...] Em seu pronunciamento, o presidente da Assembléia Legislativa deputado Marcelo Tavares, também defendeu a unidade das forças de oposição, dizendo que chegou a hora da luta pela redenção final do povo maranhense [...] Flávio Dino pregou a importância da eleição da ministra Dilma como sucessora do presidente 56 Lula: ‘Temos agora a obrigação de manter o Brasil no rumo certo. Porque é isso que o Brasil e o mundo esperam de nós’, declarou o deputado, chamando as demais lideranças para o compromisso de consolidar a unidade do campo democrático e popular no Maranhão (NA CELEBRAÇÃO..., 11 fev. 2010, p. 3). Enquanto o representante do PDT, Cândido Lima, ratifica o nome de Jackson Lago como candidato das oposições, Marcelo Tavares (PSB) e Flávio Dino (PC do B) parecem não conjugar da mesma intenção. Tavares, então presidente da Assembléia Legislativa, evoca a cultura política da libertação pela “redenção final do povo maranhense”, sem citar nomes, enquanto Flávio Dino apega-se ao projeto de reeleição da candidatura do PT à presidência da República, ratificando um dos elementos da dominação oligárquica, que é o incondicional apoio do governo federal. No mês de junho, é publicada notícia sobre a homologação da candidatura de Flávio Dino. É assim que o Jornal Pequeno (2010) refere-se a esse fato: “a candidatura de Flávio Dino é a expressão do sentimento de mudança que está disseminado em todo Maranhão”. Nas edições de julho noticia mais de uma vez, as dificuldades de Jackson Lago em legitimar sua candidatura junto à Justiça Eleitoral por conta da Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar nº 135 de 2010). A partir de agosto, com o crescimento de Flávio Dino nas pesquisas de intenção de voto, este candidato passa a ocupar lugar de destaque nas páginas do jornal de oposição ao grupo Sarney e assume uma imagem de “honestidade” e de “luta pelos menos favorecidos”, como se pode observar por suas próprias palavras: Nunca ninguém viu meu nome envolvido em denúncias de corrupção. Nunca ninguém me viu acusado de roubar dinheiro do povo. E posso garantir que essa honestidade vai permear todo o meu governo. Vou continuar trabalhando pelo povo e olhando para o povo como fiz em toda minha carreira [...] Eu fui juiz por dez anos, mas deixei de julgar para ser julgado. É a minha história que eu coloco agora à disposição do povo do Maranhão. Uma história de honestidade e de luta pelos menos favorecidos (A MUDANÇA..., 24 ago. 2010). Ao se colocar como tendo reputação ilibada, o candidato do PC do B atingia de uma vez só os demais concorrentes. Jackson Lago e Roseana Sarney tiveram questões a acertar com a Justiça Eleitoral até ás vésperas das eleições. Flávio Dino era a própria personificação da Justiça, apresentada nas imagens veiculadas pelo Jornal Pequeno. 57 3.2 Perfil dos candidatos Esse é o título da matéria de O Estado do Maranhão, de 3 de outubro de 2010, dia da eleição aqui analisada, apresentando os candidatos ao cargo de governador do estado. Os cinco concorrentes foram assim retratados no jornal situacionista: Roseana Sarney Roseana Sarney nasceu em São Luís e formou-se em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB). Investindo na qualificação profissional, cursou mestrado em Ciências Políticas na Suíça. Em 1984, atuou como assessora política na campanha das “Diretas Já”, que culminou com a eleição de Tancredo Neves e José Sarney para presidente e vice-presidente da República e marcou o fim do período de ditadura militar no Brasil. Em 1990, foi eleita a deputada federal mais votada do Maranhão. Em 1992, foi apontada como a "musa do impeachment" por coordenar as articulações no Congresso que culminaram com o afastamento do ex-presidente Fernando Collor de Mello. Em 1994, Roseana foi eleita a primeira governadora do Maranhão e em 1998 foi a primeira mulher reeleita governadora no Brasil, com 66% dos votos. Ao fim de seu segundo mandato de governadora, em 2002, elegeu-se senadora pelo Maranhão. Em 2006, disputou o governo e ficou em segundo lugar no pleito com diferença de 2% dos votos. De volta ao Senado, em 2007, foi líder do Governo Lula no Congresso. Com a cassação pela Justiça, em abril de 2009, do então governador Jackson Lago, assumiu o Governo do Maranhão. Jackson Kepler Lago Jackson Kepler Lago nasceu em Pedreiras, em 1934. Formou-se em Medicina no Rio de Janeiro e iniciou sua vida política na década de 60, pelo antigo MDB, então partido de resistência ao regime militar. Em 1979, junto com Leonel Brizola, foi um dos fundadores do PDT. Em 1974, foi eleito deputado estadual e prefeito de São Luís por três mandatos: 1989-1992, 1997-2000 e 2001-2002. Candidatou-se ao governo em 1994 e 2002, mas foi em 2006 que foi eleito governador, com 51,82% dos votos contra 48,18% da segunda colocada Roseana Sarney. Em 16 de abril de 2009, teve o mandato cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em 2010, Jackson Lago, mais uma vez, se candidata ao Governo do Estado. Flávio Dino Flávio Dino é deputado federal, candidato ao Governo do Maranhão pela Coligação Muda Maranhão (PCdoB/PSB/PPS). É maranhense de São Luís, casado e pai de dois filhos. É professor universitário desde 1993, é advogado e está, atualmente, no seu primeiro mandato como deputado federal. Foi professor da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB) entre os anos de 2001-2006. É candidato ao Governo do Maranhão e em 2008 disputou a Prefeitura de São Luís. Flávio Dino foi secretário da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MA, no período de 1991 a 1993; juiz federal, Maranhão e Distrito Federal (1994-2006); juiz convocado do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (2004-2005); juiz do Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão (1995-1997). Na Câmara Federal é membro da Comissão de Constituição e Justiça de Cidadania. Flávio Dino é autor de vários livros e artigos jurídicos. Marcos Silva Marcos Silva é trabalhador urbanitário concursado da Companhia de Saneamento Ambiental (CAEMA) no cargo de operador de elevatória desde 2007. Ex-militante do Sindicato dos Trabalhadores em Indústria de Laticínios e Carnes. Durante 10 anos trabalhando como autônomo, ajudou a organizar desempregados e sem tetos na capital São Luís. Já participou da direção da CUT-MA, mas rompeu com a entidade junto com diversos militantes sindicais para construir a Conlutas em 2003. Sua candidatura defende um governo da classe trabalhadora, que implemente as 58 necessárias mudanças na estrutura econômica, política e social, abrindo caminho para uma transição socialista. Visa mostrar que não há saída para os trabalhadores nos limites do sistema capitalista. Saulo Arcangeli O candidato do PSOL Saulo Arcangeli, 38 anos, é formado em Ciências da Computação. Trabalhou na área administrativa do Hospital do Ipem e como programador de computador na Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Atualmente é analista de informática do Ministério Público da União (MPU), militante do movimento sindical e professor do Departamento de Matemática e Informática da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). Iniciou sua militância no movimento estudantil, sendo um dos coordenadores do DCE/UFMA. Foi fundador do PSOL/MA, primeiro presidente estadual do partido de 2005 a 2007 e, atualmente, é presidente do Diretório Municipal de São Luís. Hoje, está licenciado dos cargos da Secretaria Executiva Nacional da Central Sindical e Popular Conlutas e de Coordenador Geral da Federação Nacional dos Trabalhadores no Judiciário Federal e MPU – Fenajufe e do Sintrajufe/MA. (SEIS, 3 out. 2010). A descrição do perfil de cada candidato tráz elementos enfatizados por eles próprios nos seus discursos de campanha, e permite-se vislumbrar muitos outros elementos utilizados por eles e por seus apoiadores na construção de suas imagens ou na desconstrução da de seus oponentes. Em estudo sobre a construção da imagem política de Roseana Sarney Murad, Gonçalves (2008) analisou os períodos referentes à campanha por uma vaga na Câmara Federal em 1990, à corrida ao governo do estado em 1994 e a reeleição de 1998. Em cada campanha é enfatizada uma imagem especifica, fabricada e divulgada nas páginas do jornal O Estado do Maranhão. No ano de sua aparição na política partidária, em 1990, a imagem mais forte é a da socióloga, filha do ex-presidente José Sarney, preparada para assumir funções públicas tanto pelo título adquirido em uma instituição reconhecida, como pela herança genética e política. Em 1994, a “preparação” da candidata é atribuída às suas funções parlamentares no Congresso, sobretudo, o título adquirido como “musa do impeachement” que resultou na cassação do presidente Collor de Melo. Em 1998, ano da primeira reeleição, a governadora se encontrava convalescente de uma enfermidade que a afastou fisicamente da campanha, e que permitiu fortalecer a imagem de mulher “guerreira”, capaz de enfrentar todas as dificuldades com grande força e coragem. Já a carreira política do médico Jackson Kepler Lago se inicia no contexto de luta contra o Regime Militar ao lado de lideranças nacionais, como Leonel Brizola, com quem fundou o PDT, em 1979. Deputado estadual e prefeito de São Luís por três vezes, Jackson Lago concorreu duas vezes ao governo do estado (1994 e 2002), sem obter vitória, somente obtendo êxito em 2006 com a formação da “Frente de Libertação do Maranhão”, em que o PDT e os demais partidos de oposição ao grupo Sarney “foram os grandes condutores da 59 vitória do povo maranhense”, na qual Jackson Lago é convertido em “herói da libertação do Maranhão” (MOREIRA, 2007). Sobre essa representação ligada ao político Jackson Lago, Costa (2009c) assevera que o discurso da libertação é recorrente na história das oligarquias maranhenses. Foi usado na década de 1950, contra a oligarquia de Vitorino Freire, e na eleição de José Sarney em 1965. A vitória do médico pedetista em 2006 seria, então, a terceira libertação do estado do Maranhão. Porém, para esse historiador e analista político, tal episódio não significou o “[...] fim da oligarquia Sarney”, mas um “processo de reestruturação da estrutura oligárquica de poder semelhante ao ocorrido em meados de 1960, com a ascensão de Sarney sob a tutela militar” (COSTA, 2009c, p. 98). Em períodos de campanha eleitoral, a confrontação no campo da política torna-se uma guerra entre forças antagônicas, na qual todos os golpes são permitidos, desde a omissão de informações à desqualificação dos concorrentes, são armas da disputa que ambos os jornais se permitem acionar. O Estado do Maranhão, enquanto enaltece sua heroína, aproveita suas páginas para desacreditar seus concorrentes diante dos leitores. Nos primeiros meses do ano de 2010, o alvo preferido é o ex-governador Jackson Lago, segundo colocado nas pesquisas de intenção de votos até meados do mês de agosto. Esse candidato foi execrado inúmeras vezes por conta da cassação de seu mandato pelo TSE e acusado de atrapalhar o progresso e desenvolvimento do Maranhão, como atesta a seguinte matéria: O Maranhão correu o risco de perder a refinaria da Petrobrás por absoluto desinteresse do governo Jackson [...] correu risco também de perder a Suzano. A fábrica de celulose, que dará mais de 10 mil empregos na região de Imperatriz, não teve suas demandas atendidas à época e o seu projeto já focava os estados do Pará e Tocantins. As negociações foram reabertas por Roseana e o investimento já está assegurado, com obras em andamento (DOCUMENTO..., 2 set. 2010, p. 3). Em outra matéria, o candidato Jackson Kepler Lago, do PDT, é associado à candidatura nacional de José Serra, do PSDB, e ao “projeto neoliberal” deste partido: “Eleitor poderá agora escolher de um lado o projeto de poder do PSDB defendido pelo PDT, do outro, a aliança Roseana/Dilma/Lula, representado por Dilma Rousseff” (DEFINIÇÃO..., 10 maio 2010, p. 3). Segundo aquele jornal, são três as opções para o eleitor: 1 Jackson/Serra/Fernando Henrique Cardoso; 2 - Roseana/Dilma/Lula; 3 - Dissidentes dos dois lados agrupados à candidatura de Flávio Dino. A opção do eleitor por Lula/Roseana/ Dilma é retratada como a maneira de garantir para o povo do Maranhão os programas Bolsa Família, Luz para Todos e Minha Casa, Minha Vida. Enquanto a opção política Jackson/Serra/Fernando Henrique Cardoso é associada ao ideário do Estado mínimo, redução de gastos com programas sociais. Pelo exposto, o jornal oficial da oligarquia omite sua 60 própria ligação com o “projeto neoliberal”, que agora demoniza como se fosse a origem de todo mal da sociedade brasileira. Porém, nos governos anteriores de Roseana Sarney Murad, as promessas de desenvolvimento e progresso eram associadas à gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso. Nas campanhas de 1994 e 1998, Roseana Sarney Murad fora eleita com o apoio do projeto político que agora demoniza. Vejamos a carta de apoio que Fernando Henrique lhe escreveu em 1994: Brasília, 10 de novembro de 1994. Roseana, Concordo com você quanto ao fato de que o Maranhão é, hoje, um dos mais viáveis Estados do País. Desejo ajudar o Maranhão e, por isso, peço ao povo maranhense que me ajude a ajudar o Estado, votando em você para governadora. Sua eleição significa que teremos um excelente clima de trabalho. Conheço você, sei de sua competência, do seu trabalho, da sua experiência, da sua determinação. O povo maranhense saberá reconhecer essas qualidades com sua eleição. Receba o abraço amigo e solidário do Fernando Henrique Cardoso (O ESTADO DO MARANHÃO, 11 nov. 1994 apud GONÇALVES, 2008, p. 308). Na campanha de 1998, quando a governadora concorria à reeleição, convalescente numa cama de hospital em São Paulo, o jornal de sua família noticiava a preocupação do presidente Fernando Henrique Cardoso com seu estado de saúde, como mostra o seguinte trecho da matéria: “[...] Fernando Henrique telefonava quase diariamente para o INCOR, pediu à esposa, dona Ruth, que a visitasse por duas vezes, e ele próprio foi a São Paulo para uma visita especial” (O ESTADO DO MARANHÃO, 1998 apud GONÇALVES, 2008, p. 202). Pode-se afirmar, portanto, que a oligarquia do grupo Sarney no Maranhão é capaz de qualquer estratégia discursiva para compor aliança com o governo federal e assim, garantir as benesses governistas que sustentam o mandonismo desde a formação do Estado nacional. Na campanha eleitoral de 2006 para o governo estadual, a imagem de Roseana Sarney incorpora a proximidade com o então presidente Lula, procurando capitalizar a popularidade dele para renovar a feição do domínio do seu grupo político através da “vermelhização” da oligarquia, ou seja, apropriando-se da simbologia da cor vermelha, tradicionalmente utilizada pela esquerda, para reinventar o mando oligárquico. A novidade do pleito de 2010 foi a oficialização do apoio político do PT à candidata da oligarquia Sarney, em meio a uma série de protestos de petistas históricos, contrários a esse “pacto de governabilidade” assumido entre o diretório nacional do PT e o grupo dominante da política estadual. Esse acordo deu, à governadora Roseana Sarney Murad, uma nova imagem pública 61 atrelada ao partido político do presidente Lula, que durante muitos anos teve significativo papel no meio da esquerda no Brasil. O jornal situacionista fez questão de propagar: Para Roseana Sarney, a aliança PT/PMDB é um momento histórico para o Maranhão. ‘Juntos poderemos fazer uma revolução neste estado’, afirma a governadora [...] A governadora Roseana Sarney sempre sonhou com a aliança com o PT. Segundo ela, pela sua própria história política, muito próxima da de Lula. Em 1989, Roseana apoiou a candidatura de Lula à Presidência contra o candidato da elite paulista, Fernando Collor de Mello. ‘Em 1992, eu fui coordenadora do processo de impeachment do Collor e participei de muitos atos ao lado de Lula e do PT’, acrescentou ela (PT.., 17 maio 2010, p. 3, grifou-se). Na elaboração de uma nova identidade, a estratégia discursiva utilizada por este grupo oligárquico, em seu jornal, faz uso da ideia de “revolução” - palavra-símbolo dos movimentos de esquerda - para dar prosseguimento às práticas patrimonialistas. Na mesma edição de O Estado do Maranhão que trouxe a matéria transcrita acima, outra reportagem dá voz à declaração da governadora, em relação aos integrantes do PT: “Queremos uma aliança em pé de igualdade. Eu não tenho vergonha de vocês e vocês não têm que ter vergonha de mim” (PT..., 17 maio 2010, p. 3). No dia 13 de junho, o jornalista D’Eça (2010) publica a construção da trajetória de José Sarney e de Roseana Sarney Murad junto à esquerda. É a segunda vez que a governadora Roseana Sarney terá um partido de esquerda em sua coligação e no seu governo. Além do PT, o próprio PC do B – que hoje tem como candidato o deputado federal Flávio Dino – já apoiou Roseana. Tanto que, nos dois primeiros mandatos, ocupou importantes cargos relacionados à política agrária no Maranhão. A relação de Roseana Sarney com a esquerda vem desde a época em que foi assessora do pai, José Sarney, na Presidência da República. O PC do B, inclusive, assim como outros partidos de esquerda, saíram da clandestinidade por ato político do então presidente. Por conta do gesto, Sarney tem hoje o reconhecimento e o apoio nacional das principais lideranças comunistas, como o senador Ignácio Arruda (CE), e o presidente da legenda, Renato Rabelo, que chegaram a cogitar a presença do PC do B maranhense, juntamente com o PT, no palanque do PMDB. Ao eleger-se deputada federal em 1990, Roseana estreitou os laços de amizade com petistas importantes, com o ex-ministro José Dirceu e o deputado José Genoíno. Com eles, teve atuação importante no episódio que resultou no impeachment do presidente Fernando Collor de Mello (PRN). Eleita governadora em 1994, iniciou um processo de avanço na política administrativa e nas relações políticas, que culminaram no apoio do PC do B e no reconhecimento de lideranças de esquerdas no Maranhão como os ex-deputados Luiz Vila Nova, Juarez Medeiros, dentre outros. O próprio Domingos Dutra, hoje o principal adversário da aliança PT/PMDB, reconheceu, em meados dos anos 90, que o esforço do governo Roseana na política agrária era difícil atacar (D’EÇA, 13 jun. 2010, grifou-se). No enunciado em que é dito que os petistas não devem ter vergonha do apoio à Roseana Sarney fica evidenciado o estranhamento da aliança PT/PMDB no Maranhão, mostrando como a linguagem é afetada pela ideologia e como a ideologia se manifesta na língua, de modo que “o sujeito discursivo funciona pelo inconsciente” (ORLANDI, 2003). No 62 texto do jornalista D’Eça, o PC do B é citado quatro vezes: a primeira, para dizer que esta agremiação já apoiou o governo de Roseana Sarney em outra ocasião; a segunda, para lembrar que a legalidade do partido tem a ver com ato do ex-presidente José Sarney; a terceira faz referência a um possível apoio dos comunistas no pleito de 2010 e a quarta, para rememorar o apoio de lideranças locais de esquerda ao governo de Roseana Sarney. Por que esse interesse em associar a imagem da governadora como candidata à “esquerda”, qual o ganho político eleitoreiro dessa estratégia? Segundo Bobbio (1995), os conceitos de “direita” e “esquerda” têm um sentido histórico-descritivo e axiológico, em que a “direita” se associa ao modelo liberal democrático, mas com restrições de igualdade, sendo a “esquerda” mais propensa aos movimentos igualitários e libertários. Por conta disso, nenhum político hoje se reconhece pertencente à direita, como destaca Bucci (2012), “[...] os antigos caciques, como José Sarney, acharam melhor sair de mudança, transmigrar para a esquerda, apoiar o governo Lula”. No embate da disputa eleitoral maranhense em 2010, esse discurso se mostrou presente nos jornais, sobretudo a respeito de quem teria histórica e moralmente a legitimidade de contar com o apoio político do PT. O candidato Flávio Dino – que durante sua trajetória no movimento estudantil teve ligações com o PT, chegando a coordenar a campanha à presidência de Lula, em São Luís, em 1989, e a ocupar a vice-presidência do Diretório Municipal do PT em 1990 (BARROS FILHO, 2008) – é apresentado no começo do ano de 2010, nas páginas do Jornal Pequeno, como o candidato com mais apoio do PT. Na coluna semanal que mantinha e ainda mantém nesse jornal, Dino afirma, no início de 2010: “Temos uma longa relação com o PT, enquanto partido político, já que o PC do B e o PT estão juntos desde 1989 nas disputas nacionais, mas também pessoalmente, pois fui do PT e lá tenho muitos companheiros e amigos” (FLÁVIO..., 5 fev. 2010, p. 3). Em outro artigo, ele procura mostrar que também tem proximidade com o presidente Lula: PT 30 anos, Maria Aragão 100 anos [...] É assim que encaramos o PT: um grande aliado do nosso partido e das boas lutas sociais. Juntos disputamos e perdemos as eleições presidenciais de 1989, 1994 e 1998. Sofremos nas derrotas, aprendemos com elas, juntos. Desde 2002, enfrentamos de mãos dadas o imenso desafio de governar o Brasil. Sob a liderança do presidente Lula, fundador do PT, mostramos que é possível um novo projeto nacional de desenvolvimento, cuja marca tem sido a ampliação de direitos sociais, como políticas públicas voltadas para aqueles que sempre foram esquecidos pelas forças do atraso. O governo Lula mostrou que outro Brasil é possível, e que a esperança nunca deve sucumbir diante do medo, da opressão, da submissão, do discurso do pragmatismo [...] (NA CELEBRAÇÃO..., 11 fev. 2010, p. 3). 63 Na disputa pelo imaginário político de esquerda, é travada uma batalha entre o candidato comunista e a candidata da oligarquia Sarney para mostrar ao leitor/eleitor quem é mais capacitado para dispor do apoio do presidente Lula. Para Singer (2002), no Brasil a localização à esquerda está vinculada às lutas sociais que visam promover transformações na sociedade em direção da igualdade, contestando a ação do Estado na sua função repressiva em relação aos movimentos sociais. Em entrevistas concedidas recentemente a Barros Filho (2008), pessoas da família do candidato Flávio Dino se autodefiniram integradas a concepções políticas de esquerda. Seu pai, Sálvio Dino, foi preso e teve os direitos políticos cassados pelos governos militares, acusado de ser comunista. Na campanha de 2010, inicialmente o combate de Flávio Dino à oligarquia Sarney é feito de forma indireta, “em nome da renovação na política” (FLÁVIO..., 1 jul. 2010, p. 3). É somente a partir do momento em que ele cresce nas intenções de voto, entre o final de agosto e o começo de setembro de 2010, que intensifica um discurso mais diretivo contra a candidata da oligarquia. Recorre à imagem-símbolo de “probidade” e “confiança” em contraposição aos escândalos que envolvem a família Sarney. Diante do crescimento de sua candidatura, Flávio Dino assume uma postura mais aguerrida na disputa eleitoral não apenas contra a governadora Roseana Sarney, mas também contra a do médico Jackson Lago, pois ambos esperavam decisão da Justiça para concorrer ao pleito de 2010: Sou o único candidato completamente ficha limpa, porque não respondo a nenhum processo na justiça. Nunca menti, nunca enganei e nunca roubei. O povo pode depositar em mim o seu voto de confiança, e é por isso que a minha candidatura cresce [...] A governadora discursa e diz que vai fazer uma revolução no Maranhão. O que nós devemos nos perguntar é porque ela não fez antes, se ela já contabiliza dez anos no governo do Estado [...] O Brasil todo acompanha as eleições do Maranhão. Isso porque eles querem saber se é dessa vez que vai cair a última oligarquia do Brasil: o grupo do atraso, do passado e da escuridão [...] (FLÁVIO..., 21 set. 2010, p. 3). Naquele ano eleitoral, batalhas são travadas em diversos tribunais do Brasil para validar candidaturas ameaçadas pela Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar nº 135). No Maranhão, as candidaturas de Roseana Sarney e Jackson Lago constavam na lista de impugnação do Tribunal Superior Eleitoral. Ela fora condenada pelo Tribunal de Justiça do Maranhão, em 2009, por batizar logradouros públicos com seu próprio nome e por ser ré em processos que tramitam na Justiça Federal6. O ex-governador Jackson Lago corria o risco de 6 Processo nº 2009.34.00021663-8, nova numeração: 21534-05.2009.4.01.3400 – ação impetrada em junho de 2009 pelo advogado Jorge Alberto Beux. Figuram como réus, além de Roseana, seu mordomo Amaury de 64 não participar da disputa eleitoral por ser considerado “ficha suja”. Seus advogados argumentaram que a Lei da Ficha Limpa não pode atuar retroativamente, prejudicando o candidato. As duas candidaturas são aprovadas pelo TRE-MA e a questão vai parar no TSE, que somente às vésperas da eleição as ratificada, como mostram notas divulgadas na imprensa local: [...] os ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) liberaram ontem (30/09), por 4 a 3, o registro de candidatura do ex-governador do Maranhão Jackson Lago (PDT). O Ministério Público do Estado pode recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) (TSE.., 1 out. 2010, p. 3, grifo nosso). O TSE deferiu ontem à tarde, por 6 votos a 1, o registro da candidatura da governadora Roseana Sarney. Com a decisão, a Corte mandou para o espaço o factóide criado pelo ex-deputado Aderson Lago contra a candidata do PMDB. Na verdade, Lago primo impugnou a candidatura de Roseana apenas para gerar notícias. Mas errou na dose e acabou frustrado (ESCUTEC..., 2 out. 2010, p. 3, grifo nosso). O Estado do Maranhão usa a notícia da ratificação da candidatura do médico Jackson Lago para atacar o candidato Flávio Dino, por meio da seguinte nota: “[...] Fracasso – A confirmação, ontem, pelo TSE, do registro da candidatura do pedetista Jackson Lago, teve o poder de uma forte ducha de água fria nos projetos de Flávio Dino” (ESTADO..., 1 out. 2010, p. 3). A primeira pesquisa do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE) mostra o candidato da coligação “O Povo é Maior” (PDT, PSDB) em segundo lugar: “Roseana Sarney – 47%; Jackson Lago – 25 %; Flávio Dino – 13%” (IBOPE.., 28 ago. 2010, p. 3). Na segunda consulta do IBOPE, “Roseana Sarney manteve-se estável, variando apenas dentro da margem de erro. Ela tinha 47% e agora tem 46%. Jackson Lago perdeu quatro pontos – tinha 25% e agora tem 21%. O candidato do PC do B, Flávio Dino, cresceu de 13% para 21%” (IBOPE..., 18 set. 2010, p. 3). O crescimento do candidato comunista na campanha faz com que O Estado do Maranhão mude o foco de seus ataques, tornando-o seu maior alvo. A principal crítica direciona-se aos apoios políticos que ele estava recebendo: Flávio Dino não quer divulgar seus aliados: Em uma festa fechada, em Caxias, o candidato ao governo do Estado Flávio Dino, PC do B, foi filmado dizendo que tinha orgulho de ser parceiro político do prefeito da cidade, Humberto Coutinho (PDT), e do ex-governador José Reinaldo Tavares (PSB) (FLÁVIO..., 29 set. 2010, p. 2). Jesus Machado, conhecido com ‘Secreta’, e a União reivindica a devolução ao erário. Caso Usimar – Processo nº 2001.37.00.008085-6, nova numeração: 8018-66.2001.4.01.370. Esse processo resultou da investigação da Polícia Federal e do Ministério Público Federal sobre o desvio de R$ 44,2 milhões da extinta SUDAM para uma indústria de autopeças, USIMAR, que nunca foi constituída (JULIÃO..., 29 set. 2010, p. 3). 65 No interdiscurso desse texto, vê-se a intenção de anunciar que aquele que é apresentado como “a renovação na política” tem fortes ligações com políticos de tradição patrimonialista e clientelística. Enquanto promove a deslegitimação dos oponentes de Roseana Sarney, O Estado do Maranhão afirma que ela promete “[...] fazer a campanha mais limpa da história do Maranhão” (ROSEANA..., 25 jun. 2010, p. 3), e a associa à cor vermelha da esquerda. O criador da versão “vermelha” da herdeira da oligarquia é o marqueteiro Duda Mendonça, que utiliza a cor símbolo do Partido dos Trabalhadores nas bandeiras de campanha de Roseana Sarney tanto na eleição de 2006 quanto na de 2010, construindo uma imagem renovada da oligarquia a partir da popularidade do presidente Lula. A substituição da estrela do PT pelo número 15 do PMDB, nas bandeiras da campanha da candidata situacionista, visa anunciar aos eleitores o “prestígio”, a “competência” e o “merecimento” de Roseana Sarney junto ao governo federal, ressaltando assim sua capacidade de realizar a mediação de interesses entre as esferas de poder estadual e central. Os discursos dos jornais assumem um mecanismo de exercício de poder, que se faz presente nas informações, na perspectiva de persuasão e convencimento, pouco importando se o enunciado é sincero ou não. De acordo com Barthes (1978, p. 11), “[...] o poder está presente nos mais finos mecanismos do intercâmbio social [...] até mesmo nos impulsos liberadores que tentam contestá-lo [...]”. Assim, do ponto de vista da linguagem, os dois periódicos são “lugares diferentes de fala”, onde se anunciam projetos políticos que visam convencer seu público leitor. O Estado do Maranhão representa a força política, econômica e midiática do grupo oligárquico que domina o Estado há quase meio século, utilizando-se dos mecanismos da cultura política oligárquica, patrimonialista e clientelista para se manter no poder. O Jornal Pequeno e sua postura oposicionista é uma voz discordante, a qual, no plano discursivo, aproxima-se de uma cultura política liberal de defesa dos interesses coletivos e das liberdades democráticas, defendendo seus interesses e pontos de vista. 3.3 O apoio do PT (Partido dos Trabalhadores) à candidata da oligarquia: uma nova fase política? No tempo do Império, no século XIX, os partidos políticos eram uma associação de indivíduos unidos por laços pessoais, com identificação ideológica pouco consistente, cujo interesse maior era angariar prestígio e benefícios junto aos Gabinetes Ministeriais. De acordo 66 com Graham (1997, p. 220), “[...] quando um partido conquistava o poder, raras vezes fixavase a seu programa pré-anunciado [...] Dever político não tinha nada a ver com programa, mas com lealdade, e em última instância a lealdade pessoal”. Pode-se imaginar que essas práticas tivessem sido abandonadas com a implantação da República no Brasil, mas a permanência dessa cultura política impregna as estruturas do Estado Republicano até o presente. Determina, inclusive, a experiência política do Maranhão, marcada profundamente por estruturas oligárquicas que se sustentam na relação entre os poderes local, estadual e da União, donde “[...] o verdadeiro centro da política maranhense, o palco onde os lances decisivos se efetivam, sempre esteve fora: no Rio de Janeiro nos tempos de Urbano Santos e Vitorino Freire; em Brasília, nos tempos de José Sarney” (REIS, 2012, p. 65). Podemos afirmar que, no pleito de 2010, um dos elementos que dá sustentação à oligarquia, no plano do discurso, é a roupagem esquerdizante adotada pela governadora Roseana Sarney por meio das relações com o então presidente Luís Inácio da Silva. O indício mais forte dessa sustentação política foi a determinação do diretório nacional do Partido dos Trabalhadores para cancelar o apoio do diretório regional à candidatura do deputado federal Flávio Dino, passando a apoiar a candidata da oligarquia Sarney. Esse fato gerou protestos de petistas que historicamente se posicionaram contra as práticas oligárquicas no estado, e contrariou a orientação do partido nos primeiros tempos, tanto na esfera nacional quanto na estadual, quando a sigla do PT esteve associada aos movimentos sindicais, estudantis e sociais. No Maranhão, segundo Borges (2008, p. 47), dentre os movimentos e organizações que podem ser relacionados com a criação do PT, por estarem sendo gestados no mesmo contexto, estão: [...] o Movimento Estudantil e a greve pela meia passagem, em 1979; o Movimento de Oposição pra Valer, organizado no seio do MDB autêntico; a atuação de setores progressistas da Igreja Católica, especialmente a Pastoral da Juventude; Movimento contra a Carestia; atuação da entidade de apoio Sociedade Maranhense de Defesa dos Direitos Humanos e a seção estadual do Comitê Brasileiro pela Anistia. A conjuntura nacional da gênese do Partido dos Trabalhadores está associada ao processo de redemocratização, ocorrido no final dos anos de 1970, mais precisamente à reforma partidária ocorrida em 1979, que impôs o fim do bipartidarismo da ARENA (Aliança Renovadora Nacional - apoiava a ditadura militar) e do MDB (Movimento Democrático Brasileiro - a oposição consentida pelos militares). Da ARENA surgiu outra agremiação de caráter conservador, o PDS (Partido Democrático Social). Do MDB surgiram forças mais à 67 esquerda, como o PDT (Partido Democrático Trabalhista), o PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro), o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) e o PT. A chegada do PT ao governo federal, em 2002, tem relação direta com fracasso social do neoliberalismo do PSDB – partido fundado em 1988, como dissidência à esquerda do PMDB, ligado inicialmente com o programa da social democracia européia – nos dois governos do presidente Fernando Henrique Cardoso. Atualmente o PT transita confortavelmente entre a direita e a esquerda brasileiras. Usufrui das credenciais dos anos de militância nos movimentos sociais, tem a confiança dos mais ricos por não tomar medidas contra as grandes fortunas e o aval dos setores de baixa renda, por promover uma reforma social sem rupturas com a ordem estabelecida, recorrendo a programas de redistribuição de renda (SECCO, 2012). Essa posição do PT, mais à direita, facilita a aproximação com setores políticos conservadores, como o representado pelo grupo Sarney no Maranhão, sendo uma interessante estratégia de reprodução política dessa oligarquia em um momento de crise de legitimidade. Os principais nomes da articulação entre o PT local e a oligarquia foram o presidente estadual do partido, Raimundo Monteiro, e o ex-deputado Washington Oliveira, atual vice governador, que alegremente ladeiam Roseana na capa de O Estado do Maranhão, após a decisão do Diretório Nacional do PT de anular o encontro estadual do partido que havia definido, em março de 2010, o apoio à coligação integrada pelo PC do B, do deputado federal Flávio Dino (Figura 4). De nada adiantaram os protestos do grupo petista formado pelo deputado federal Domingos Dutra, pelo histórico líder camponês Manoel da Conceição, pelo deputado estadual Bira do Pindaré, pelo jornalista Franklin Douglas, entre outros, contrário à aliança com a oligarquia Sarney. O Diretório Nacional justificou a aliança com os seguintes argumentos: Documento: Resolução DN 10/06/2010 – Política de Alianças no Maranhão Considerando as diretrizes estabelecidas no 4º Congresso Nacional do PT que definiu como objetivo principal de 2010 a vitória na eleição presidencial, com a candidatura da companheira Dilma Rousseff, para dar continuidade aos avanços do projeto democrático e popular liderado pelo Presidente Lula. Considerando que o 4º Congresso estabeleceu, ainda a respeito das eleições estaduais, que é de competência da direção nacional a deliberação, em última instância, sobre as questões de tática nos Estados; Considerando a importância do PMDB na eleição na base aliada do nosso governo e na composição da coligação eleitoral nacional para as eleições de 2010; O Diretório Nacional Resolve: 1 – Aprovar a coligação do PMDB no Estado do Maranhão à candidata ao governo do Estado, Roseana Sarney Murad; 2 – Determinar à Comissão Executiva Estadual do PT do Maranhão para a escolha de candidatos e aprovação às próximas eleições gerais, a observância das diretrizes estabelecidas na presente resolução, em consonância às normas legais, bem como às normas estatutárias definidas no Capítulo I do Título V do Estatuto do PT. 68 Brasília, 11 de junho de 2010. Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores (CONFIRMADA..., 12 jun. 2010, p. 3, grifou-se). FIGURA 4: Estrela da campanha Fonte: PT, 13 JUN. 2010 Em nome de um pragmatismo político eleitoral, Roseana Sarney havia trocado o PFL pelo PMDB no ano de 2009, para poder contar com o apoio do presidente Lula naquele ano eleitoral. Estrategicamente, a oligarquia Sarney vincula-se ao personalismo do presidente Lula e ao seu programa de combate à desigualdade social e à pobreza sem alterar a ordem política constituída. Não é a toa que Roseana Sarney Murad declarou durante campanha: “Aprendi muito com Lula, este nordestino metalúrgico que venceu na vida. Eu tenho orgulho de estar ao seu lado” (ROSEANA..., 25 jun. 2010, p. 3). Mais uma vez a oligarquia utiliza-se da cooptação política para reproduzir suas estratégias de dominação no Maranhão. De acordo com Singer (2009), o voto em Lula a partir do segundo mandato (2006) não representa o voto de opção ideológica, seria fruto da despolitização do eleitorado, seduzido pela manutenção da estabilidade econômica e pela ação distributiva do Estado, a exemplo do Bolsa Família, destinado em maior proporção às regiões e aos municípios de menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). O autor denomina esse fenômeno de 69 Lulismo, pois representa uma nova configuração ideológica com elementos que misturam as categorias esquerda e direita numa prática de combate à desigualdade dentro da ordem. 70 4 A ELEIÇÃO ESTADUAL DE 2010: um confronto na imprensa Os periódicos impressos sempre fizeram parte da vida política brasileira, constituindo-se em instrumento de luta política, dando margem a um jornalismo partidário interessado em influenciar a opinião pública, na perspectiva de transformar algumas demandas setoriais numa vontade geral (MOREL, 2012). Mesmo com a transformação de uma imprensa artesanal numa produção empresarial, inspirada na ideia de que “o jornal cumpre a nobre função de informar o leitor o que se passou, com o rigoroso respeito à ‘verdade dos fatos’, [...] os jornais não deixaram de se constituir em espaço de luta simbólica, por meio do qual diferentes segmentos digladiam-se em prol de seus interesses e interpretações sobre o mundo” (LUCA, 2012, p. 153). 4.1 O Estado do Maranhão x Jornal Pequeno Ao se analisar os posicionamentos expressos nos periódicos O Estado do Maranhão e Jornal Pequeno, acerca da campanha eleitoral, verificou-se a intenção de ambos influenciarem a opinião dos leitores na disputa eleitoral ao governo do Maranhão, de maneira que há, sim, uma intencionalidade na veiculação de determinadas notícias, há, sim, o interesse de convencer e persuadir o leitor a respeito de determinados pontos de vista. No entanto, até que ponto é possível a manipulação, o condicionamento da opinião pública? Para o historiador Becker (2003, p. 192, 193), “pode-se definir a manipulação como uma tentativa de provocar de maneira artificial uma reação da opinião pública, divulgando uma notícia falsa”, porém tal estratégia só se mostra eficiente quando “acompanha as tendências profundas da opinião pública”. Quanto ao condicionamento, o referido historiador estabelece dois níveis específicos: curto prazo – resultado da propaganda, conscientemente organizada de maneira obsessiva; longo prazo – convicções ideológicas enraizadas no inconsciente de forma profunda. Em estudo sobre a trajetória do político José Sarney, Pachêco Filho (2001) destaca o papel dos jornais na “construção midiática” da candidatura desse político na campanha ao governo estadual do ano de 1965. Naquela ocasião, quase todos os periódicos da capital maranhense apoiaram e divulgaram a candidatura intitulada “Libertação do Maranhão”, em referência ao jugo mandonista do senador Victorino Freire. A derrota da oligarquia vitorinista deveu-se, entre outros fatores, ao golpe civil-militar deflagrado em 1964, mas a propaganda em torno da candidatura Sarney foi uma eficiente estratégia de construção imagética de um 71 Maranhão “moderno”, de modo a cristalizar no imaginário político, social e cultural dos maranhenses a retórica do desenvolvimento industrial, do progresso e modernização atrelados à figura política de José Sarney, discurso inúmeras vezes reinventado nas décadas seguintes no decorrer das campanhas eleitorais do novo grupo oligárquico que se constituiu, capitaneado por esse político. A administração de José Sarney como governador do Maranhão foi marcada por grandes obras financiadas com recursos do governo federal, dentre as quais destacam-se: asfaltamento da estrada São Luís-Teresina, construção de estradas ligando o Nordeste à Amazônia (BR 135, BR 316 e a rodovia Belém-Brasília); hidrelétrica Boa Esperança; Porto do Itaqui (SOUSA, 2009). Por conta disso, é notório que no estado do Maranhão haja uma campanha permanente de enaltecimento do grupo Sarney, divulgada nos veículos de comunicação controlados por este grupo e visualizada, sobretudo, na escolha dos nomes para prédios públicos. Como já foi dito, até pouco tempo havia 161 escolas estaduais batizadas com o sobrenome Sarney, segundo pesquisa do jornalista Chico Otávio (2012). Esse é um modo, uma tentativa de naturalizar esse domínio oligárquico. Durante a campanha de 2010 observou-se como o jornal O Estado do Maranhão, buscou orientar a opinião pública em favor da candidatura de Roseana Sarney Murad. Em relação a São Luís, houve a intenção de dissociá-la da imagem de rebeldia dessa cidade. As matérias de capa do periódico sempre destacavam como a candidata governista era bem quista na capital, como no trecho a seguir: A governadora Roseana Sarney demonstrou sua popularidade em São Luís no fim de semana. Estando ou não presente nos eventos, a simples menção do seu nome como candidata levou milhares de simpatizantes ao delírio nos eventos realizados pelos seus aliados (LUDOVICENSES, 10 ago. 2010, p. 2). Esta alocução na primeira página do periódico reporta-se à declaração de apoio de líderes comunitários à campanha de reeleição da governadora, atribuindo-lhe tamanho “carisma”, que não haveria a necessidade de ela fazer-se presente nos eventos. Só precisava ter seu nome mencionado e todos a ovacionavam. Nesse caso, a intenção da matéria vai além da simples informação, há uma explícita intenção de condicionar a opinião do leitor. Como instrumento de luta política, o jornal reverbera o poder do grupo político-econômico que representa e, ao utilizar a palavra impressa, faz uso do poder da linguagem para promover a aquiescência de seu público, buscando assim o reconhecimento e a legitimação do domínio do referido grupo, como algo natural e incontestável. 72 Por isso é importante lembrar o que Baczko (1985, p. 314) ensina: “Aquilo que o mass media fabricam e emitem, para além das informações centradas na atualidade, são os imaginários sociais: as representações globais da vida social, dos seus agentes, instâncias e autoridades, as imagens dos chefes [...]”. Não é por acaso que os grupos oligárquicos controlam importantes canais midiáticos no Brasil desde a inauguração da imprensa, no século XIX. Tal controle tornou-se hegemônico, sobretudo, durante a concessão da radiodifusão ocorrida no governo do então presidente da República José Sarney, em 1985, o que garantiu o controle da informação na mão de poucos grupos empresariais no Nordeste brasileiro, com destaque para a família Sarney, no Maranhão; a família Magalhães, na Bahia; a família Collor, em Alagoas. De acordo com Mendonça e Rebouças (2009, p. 6), “as concessões foram utilizadas como moeda de troca em torno das votações do quinto ano de mandato do presidente Sarney e do presidencialismo como sistema de governo”.Tal barganha evidenciou o auto-favorecimento na distribuição das outorgas de rádio e televisão, que no Brasil são concedidas pelo governo. No que tange ao Maranhão, observa-se uma tentativa, por parte da mídia controlada pelo grupo Sarney, de transferência do carisma do líder oligárquico à sua herdeira política, em que pese à constante crise política observada quando da indicação dos sucessores ao governo estadual, na qual Roseana Sarney tem assumido, nos últimos tempos, a “missão” de dar continuidade ao domínio do grupo. O papel dos seus meios de comunicação é dar sustentação ao carisma fabricado e sustentado com base, entre outros artifícios, na retórica de desenvolvimentismo e do progresso para o Estado, em especial para a capital São Luís, palco de uma intensa campanha do jornal O Estado do Maranhão no sentido da aceitação do grupo em São Luís, como se pode ver numa matéria sobre a pesquisa de intenção de votos, realizada no mês de agosto de 2010, com a seguinte manchete: “Pesquisa Escutec indica que Roseana poderá ter maior votação em São Luís”. Roseana Sarney manteve o prestígio eleitoral em São Luís nas eleições de 2006, mesmo diante da violenta campanha de destruição da sua imagem, perpetrada por José Reinaldo. A então candidata, que havia vencido no primeiro turno, obteve cerca de 30% dos votos dos ludovicenses no segundo turno, mas não consegui vencer o patamar de 25% em Imperatriz (PESQUISA ESCUTEC, 1 ago. 2010, p. 2). Compare-se, agora, os números da eleição de 2006 com o que é dito pelo jornal (Tabelas 3 e 4). 73 Tabela 3 - Distribuição de votos por candidato a governador no 1º turno das eleições estaduais de 2006 no Município de São Luís. Candidato Partido Votação Porcentagem PSDB 10.871 2,357 PSD 830 0,180 Carlos Saturnino Filho PSOL 3.480 0,755 Edson Carvalho Vidigal PSB 58.391 12,661 Jackson Kepler Lago PDT 233.323 50,590 PRONA 5.512 1,195 PFL 148.794 32,262 Aderson de Carvalho Lago Antonio Augusto Silva Aragão João Melo Sousa Bentivi Roseana Sarney Murad Fonte: TRE-MA, 2006. Tabela 4 - Distribuição de votos por candidato a governador no 2º turno das eleições estaduais de 2006 no Município de São Luís. Candidato Partido Votação Porcentagem Jackson Kleper Lago PDT 311.634 66,598 Roseana Sarney Murad PFL 156.299 33,402 Fonte: TRE-MA, 2006. Tanto no pleito de 2002 quanto no de 2006, os candidatos da oligarquia Sarney foram derrotados na capital São Luís. Na eleição de 2002, José Reinaldo Tavares, embora tenha garantido a vitória no primeiro turno com 51,055% dos votos válidos, perdeu a eleição na capital para o médico Jackson Lago, que obteve 56, 372% (TSE, 2002). Mesmo perdendo a eleição em 2006, Roseana Sarney obteve quase um terço dos votos em São Luís, demonstrando seu prestígio na capital como afirma o jornal O Estado do Maranhão. A campanha do jornal na disputa de 2010 a favor da candidata governista visa também diminuir a rejeição de seu nome no colégio eleitoral de Imperatriz, o segundo maior do estado, depois da capital, como se pode ver na matéria: As pesquisas Escutec mostram uma Roseana vencedora [...] em todas as regiões do Maranhão. E com um dado muito favorável ao seu projeto eleitoral: tem larga vantagem em São Luís e liderança na região sul, que inclui o colégio de Imperatriz, onde não obteve bom resultado nas eleições de 2006 (AS PESQUISAS, 9 set. 2010, p.3, grifou-se). O resultado da eleição desmente o divulgado do jornal quanto à vantagem da candidatura da governadora à reeleição, em Imperatriz, em 2010, visto que o candidato do 74 PDT obteve 73, 63% dos votos nesse município contra 14, 48% da candidata do PMDB (TRE-MA, 2010). Em virtude da poderosa estrutura midiática, do poderio econômico e político a seu favor, a governadora obteve sucesso em quase todas as regiões na eleição de 2010, inclusive em São Luís. As únicas exceções foram os municípios de Imperatriz, Timon, Pinheiro e Pedreiras, nos quais o candidato do PDT obteve maior percentual de votos, além dos municípios de Balsas, Santa Inês e Caxias, onde Flávio Dino obteve vantagem, como se pode ver na tabela a seguir: Tabela 5 - Distribuição de votos por candidato a governador nos Municípios de Imperatriz, Timon, Pedreiras, Balsas, Santa Inês e Caxias Município Jackson Lago (PDT) Roseana Sarney (PMDB) Flávio Dino (PC do B) Imperatriz 86.442 (73,637%) 16.997 (14,487%) 13.497 (11,5%) Timon 30.806 (44,3%) 29.366 (42,23%) 9.042 (13%) Pinheiro 15.573 (44,76%) 13.725 (39,45%) 5.358 (15,45) Pedreiras 8.378 (42,55%) 7.158 (36,35%) 4.82 (20,73%) Balsas 5.197 (14,486%) 13.056 (36,392%) 17.548 (48,913%) Santa Inês 3.415 (8,96%) 16.426 (44,31%) 18.166 (47.67%) Caxias 6.114 (9.21%) 29.426 (44,31%) 30.308 (45,63% Fonte: TRE – MA, 2010. De acordo com Becker (2003, p. 198), “uma eleição é um fenômeno complexo resultado de uma variedade de fatores, dos quais aqueles ligados à ‘longa duração’ tem muitas vezes tanta ou mais importância que os relacionados à conjuntura”. Quanto à ideia de longa duração, neste caso, entende-se que a permanência das práticas políticas atreladas ao modelo de dominação oligárquica, a valoração das trocas clientelares, a captação ilícita de votos, o uso patrimonial da máquina pública são recursos que garantem a permanência de um mesmo tipo de mandonismo político, o qual é visto como natural e está sedimentado no imaginário coletivo. A reeleição da representante da oligarquia Sarney, obtendo apoio da maioria das zonas eleitorais de São Luís, demonstrou o quanto o jornal O Estado do Maranhão foi eficiente em sua estratégia de forjar a opinião pública. Porém, tal eficiência só foi possível porque a opinião pública da capital mostrou-se favorável às práticas da cultura política oligárquica. 75 Veja-se, a seguir, o mapa das zonas eleitorais da capital de suas respectivas descrição e número de eleitores. Figura 5 – Mapa das zonas eleitorais de São Luís (MA) Fonte: TRE – MA 2010 (Arquivo do professor Wagner Cabral da Costa). 76 Quadro 1 - Zonas Eleitorais de São Luís Zona Áreas / Bairros Eleitorado 1ª Centro / Madre Deus / Canto da Fabril 55.295 2ª Monte Castelo / João Paulo / Filipinho / Fátima / Coroado / Sacavém 53.840 3ª Monte Castelo / Camboa / Liberdade / Alemanha / Ivar Saldanha / Caratatiua / João Paulo / Jordoa / Outeiro da Cruz (Filipinho) / 57.145 10ª Ipase / Maranhão Novo / Bequimão / Rio Anil / Angelim / Vila Palmeira / Anil / Aurora / Radional / Santo Antonio / Cruzeiro do Anil / João de Deus / Vila Lobão / Santa Cruz / Cohab Anil III / Vila Isabel Cafeteira / Santa Bárbara / São Cristóvão / Cidade Operária / Rio Grande / São Bernardo / São Raimundo / Jardim América / Santa Clara / Vila Cascavel / Cidade Olímpica / Vila Janaína / Estiva / Quebra-Pote / Tibiri / Itapera / Tajaçoaba / Tajipuru / Vila Magril 101.033 76ª São Francisco / Renascença / Cohafuma / Vinhais / Recanto dos Vinhais / Cohama / Vicente Fialho / Cohaserma 65.127 88ª Turu / Olho d'água / Divinéia / Sol e Mar / Vila Luizão / Cohatrac / Cohab Anil / Forquilha 73.114 89ª Santa Bárbara / Rio Grande / São Bernardo / São Raimundo / São Cristóvão / Jardim São Cristóvão / Cidade Olímpica / Cidade Operária / Jardim América / Vila Janaína / Santa Clara / Vila Cascavel / Estiva / Quebra-Pote / Tibiri / Itapera / Tajaçoaba / Tajipuru / Vila Magril 103.219 90ª Parque Timbiras / Coheb / Sacavém / Coroadinho / Ilha de TauáMirim / Vila Esperança / Maracanã / Pedrinhas / Estiva / Vila Itamar / Vila Maranhão / Coqueiro / Porto Grande / Vila Nova República / Rio Grande / Bom Jesus / Vila dos Frades 60.736 91ª Vila Bacanga / Fumacê / Anjo da Guarda / Vila Nova / Bonfim / Sá Viana / Vila Embratel / Vila Isabel / Vila Mauro Fecury / Vila São Luís / Cidade Nova / Alto da Esperança / São Raimundo 67.405 TOTAL 636.914 Fonte: TRE-MA, 2010. Veja-se, também, o resultado do 1º turno da eleição de 2010 nessas zonas eleitorais. 77 Zonas 1a 2a 3a 10a 76a 88a 89a 90a 91a TOTAL Roseana Sarney 21.091 50,9% 19.308 47,42% 20.661 47,36% 33.570 42,24% 21.035 39,54% 24.538 40,46% 34.698 41,78% 19.471 42,56% 21.419 41,91% 215.791 43,24% Flávio Dino 12.859 14.161 31,03% 34,78% 13.941 31,96% 30.286 38,11% 23.041 43,32% 24.495 40,38% 31.302 37,69% 18.284 39,96% 21.067 41,22% 189.436 37,96% Jackson Lago 6.020 5.843 14,53% 14,35% 7.294 16,72% 12.718 16% 7.680 14,44% 9.581 15,8% 13.975 16,83% 6.817 14,9% 7.180 14,05% 77.108 15,45% Marcos Silva 826 1,99% 826 2,03% 1.101 2,52% 1.741 2,19% 760 1,43% 1.148 1,89% 2.128 2,56% 777 1,7% 954 1,87% 10.261 2,06% Saulo Arcangeli 591 1,43% 535 1,31% 582 1,33% 1.093 1,38% 651 1,22% 846 1,39% 896 1,08% 365 0,8% 437 0,86% 5.996 1,2% Josivaldo Corrêa Tabela 6 – Resultado do 1º turno da eleição de 2010 das zonas eleitorais de São Luís 51 0,12% 47 0,12% 47 0,11% 68 0,09% 26 0,05% 47 0,08% 45 0,05% 39 0,09% 50 0,1% 420 0,08% TOTAL 41.438 40.720 43.626 79.476 53.193 60.655 83.044 45.753 51.107 499.012 Fonte: TSE, 2010. Roseana Sarney obteve o maior percentual de votos na primeira zona eleitoral. Esta abrange a Madre de Deus, “bairro representativo da diversidade cultural do Estado e reduto de, pelo menos, 30 diferentes tipos de brincadeiras artísticas, culturais e religiosas (NOGUEIRA, 2005, p. 12), que são financiadas pelo tesouro estadual, transformando-se em marketing político, promovendo uma visibilidade midiática da governadora. Nesse espaço da cidade, Roseana Sarney é vista como “protetora e provedora das manifestações da cultura popular do Maranhão”, reforçando, desse modo, uma relação de dependência entre os representantes da cultura popular e a detentora do mandato político. Nessa mesma zona eleitoral, foram denunciadas várias irregularidades relacionadas à compra de votos por políticos pertencentes à coligação da governadora reeleita, como se pode conferir mais adiante. 78 A única zona eleitoral da capital em que Flávio Dino, o segundo colocado, obteve uma pequena vantagem em relação à governadora reeleita foi a76ª, que compreende os bairros do São Francisco, Renascença, Cohafuma, Vinhais, Recanto dos Vinhais, Cohama, Vicente Fialho e Cohafuma Essa zona congrega um eleitorado de classe média e de maior escolarização, com acesso a outras informações, além dos meios de comunicação do grupo dominante e por isso, esteja mais propenso ao chamado voto plebiscitário, em que a disputa eleitoral fica polarizada entre a candidata da oligarquia e a nova oposição. No pleito de 2006, o candidato Jackson Kepler Lago obteve a maioria dos votos em todas estas zonas eleitorais de São Luís tanto no primeiro, quanto no segundo turno. O que houve de um pleito para o outro? Seu fraco desempenho nas urnas da capital, nas eleições de 2010, deveu-se, entre outras razões, à forte campanha midiática contra seu governo, à greve da categoria de professores da rede pública que se arrastou durante meses (será abordada no próximo capítulo), aos escândalos de corrupção envolvendo parentes do governador e ao processo de cassação por abuso de poder político e econômico que desgastou sua imagem de candidato apto a concorrer ao pleito de 2010, fato demasiadamente explorado na campanha pelo jornal O Estado do Maranhão. Todos esses fatores contribuíram para a grande rejeição do eleitorado ao nome do ex-governador Jackson Lago nessa disputa. Veja-se, a partir do gráfico abaixo, o alto índice de rejeição desse candidato. Gráfico 12 – Taxa de rejeição do eleitorado para o ex-governador Jackson Lago na disputa eleitoral de 2010 Fonte: TRE-MA (Arquivo do professor Wagner Cabral da Costa). 79 Observa-se que a governadora Roseana Sarney apresentava também um considerável índice de rejeição. No entanto, dispunha dos mecanismos inerentes à dominação oligárquica, tais como: poder político, econômico e midiático, uso da máquina pública, apoio do governo federal, além de relações privilegiados no Judiciário. Pôde, então, ser reeleita para comandar pela quarta vez o estado do Maranhão. 4.2 Denúncias de crimes eleitorais no jornal oposicionista As práticas sociais predominantes em tempo de disputas eleitorais são inspiradas na concepção de que as eleições são sempre decididas por quem tem mais poder econômico e político a seu dispor, uma vez que os velhos recursos de compra de voto, aliciamento do eleitor e distribuição de benesses aos aliados são regras que fazem parte de uma cultura política enraizada na consciência da maioria do eleitorado maranhense. Na arena da luta política travada entre o periódico situacionista e o oposicionista, coube ao Jornal Pequeno o papel de denunciar a existência da prática de crimes eleitorais atribuídos ao grupo da governadora Roseana Sarney, como a notícia divulgada no dia 22 de setembro de 2010: Na manhã de ontem, atendendo a uma requisição do Ministério Público Eleitoral do Maranhão, policiais federais se deslocaram até a um imóvel na rua Tadeu Pálacio, S/N – área do Recanto dos Vinhais, para apurar denúncia de que ali estariam sendo feitas consultas médicas gratuitas supostamente em troca de votos para os candidatos Roseana Sarney, Ricardo Murad, Luciano Moreira e Manoel Ribeiro [...] A Polícia Federal efetuou a prisão da proprietária do imóvel e de uma mulher que estava sendo atendida no momento da operação policial. Com a dona da casa, foram encontradas duas carteiras de Trabalho e Previdência Social com a foto dela e nomes de outras pessoas, além de títulos eleitorais (POLÍCIA FEDERAL, 22 set. 2010, p. 3). A médica presente na cena descrita era Silvana Teixeira, filha do ex-deputado estadual Theophistes Teixeira, casada com um primo de Roseana Sarney, o ex-vereador e expresidente da Câmara de São Luís, Deco Soares, filho do tabelião Tito Soares e de Conceição Sarney Soares, esta, irmã do senador José Sarney. Mesmo com toda essa rede de parentesco comprovada e das evidências encontradas, a governadora declarou não ter nada a ver com o episódio. O periódico pertencente ao grupo Sarney não faz nenhuma menção ao caso e sua manchete de capa, no mesmo dia em que o Jornal Pequeno faz a denúncia, anuncia a quarta pesquisa de opinião de voto em que sua candidata é a opção preferida do eleitorado. Outra importante denúncia publicada também no mês de setembro diz respeito à utilização do efetivo militar do Estado para fazer segurança de apadrinhados políticos da 80 governadora Roseana Sarney. O coronel Francisco Melo da Silva afirma, em carta enviada ao Jornal Pequeno, que a família Lobão fazia uso de policiais militares para serviços particulares. Eis a carta-denúncia enviada ao jornal. Mais uma imoralidade ocorre no serviço público estadual. Um cabo da Polícia Militar do Estado do Maranhão trabalha há mais de um ano como motorista para uma empresa privada, com sede em Imperatriz. O policial é o cabo Marinho e seu chefe é o empresário Luciano Lobão, proprietário da empresa Haitec. Este não é o único caso. Pasmem! O coronel Caetano, que está classificado no Gabinete Militar da governadora - cujo chefe é de posto inferior ao seu - trabalha para o senador Lobão. Isso não é permitido, porque o artigo 1º, da Lei 8.507/2006, diz que os exgovernadores tem direito a uma segurança pessoal no período correspondente ao que estiveram no exercício do mandato. O senador Lobão deixou o Palácio dos Leões em 1994. O coronel e outro PM não têm atividades nem no Gabinete Militar nem na PMMA, mas sim em empreendimentos da família do senador. Tornou-se um hábito reprovável neste governo, pessoas que não têm nenhum vínculo com a administração pública do Estado ou exercem qualquer atividade de risco, desfrutarem de privilégios de terem policiais militares trabalhando em atividade particular, com custas para o Estado, em detrimento do serviço público. Enquanto isso, vários municípios maranhenses, como Serrano do Maranhão, Cedral, Bacuri e tantos outros, têm apenas dois policiais militares para darem segurança a milhares de pessoas. Se isso não for uma imoralidade para a administração pública, pelo menos é uma vergonha para aqueles que juram de pés juntos defenderem os interesses do Estado e de seu povo. Hoje, o Gabinete Militar da governadora abriga mais do que seu efetivo previsto na legislação estadual, exatamente para atender a seus correligionários políticos.Enquanto a governadora disponibiliza policiais militares para a atividade particular de seus aliados, os índices de criminalidade só aumentam em todo o Estado, embora sua propaganda insista em mostrar o contrário. Mas, como dizem os matemáticos, “os números não mentem jamais”. Ou como ensina o ditado popular: “a mentira só dura enquanto a verdade não chega”. Como se observa, neste governo acontece de tudo. Até mesmo desrespeitar uma decisão da Corte da Justiça do Estado. No dia 25 de agosto do corrente ano, o TJMA, por unanimidade de votos do Pleno, tornou nulo o ato da governadora que me exonerou do mandato de Conselheiro do Cetran, me concedendo o direito pleiteado, mas até a presente data a governadora não cumpriu a decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Aqui é assim. Eles fazem tudo e desrespeitam a todos, não cumprem a Lei e tampouco os princípios constitucionais da administração pública, e, ainda se acham no direito de dizerem que tudo é por conta da política. Nada disso, pois não sou candidato a nada, até a Lei me proíbe a filiação partidária na atividade policial militar. Agora, o que a Lei não me proíbe, aliás ela me assegura, como um direito fundamental é o direito de participação na vida política do Estado, o que estou exatamente fazendo como cidadão. Não é pelo fato de ser funcionário público estadual que devo me calar diante dos fatos ilegais praticados por aqueles que tem por dever de ofício zelar pela coisa pública. Finalmente ou infelizmente já dizia Kant: “As coisas têm preços e o ser humano tem dignidade”. Portanto, todo ser humano é digno de ter as informações necessárias para sua convivência em sociedade. Aliás, a dignidade de pessoa humana é mais do que um direito, é um atributo (GOVERNADORA, 26 set. 2010, p. 3, grifou-se). Pelo teor da carta, o coronel denunciante fora exonerado do cargo de conselheiro do Conselho Estadual de Trânsito (CETRAN) e, só então, resolveu tornar público o fato de policiais militares estarem fazendo a segurança de apadrinhados da governadora Roseana Sarney. Mas não interessam as motivações da denúncia e sim o seu conteúdo. 81 Numa realidade marcada pelo patrimonialismo, em que predominam as relações pessoais, o Estado torna-se uma extensão da casa, da família, dos amigos. Os governantes agem com base na “cordialidade”, como defende Holanda (2004). No sentido etimológico, a palavra cordial é relativa ao coração, às preferências subjetivas, em que os correligionários são tratados com grande benevolência, em prejuízo dos interesses da coletividade. Tal cordialidade, de “fundo emotivo transbordante”, é capaz de fazer uso da inimizade e de hostilidade em se tratando de adversários políticos, a ponto de se garantir proteção aos amigos e perseguição aos inimigos com a mesma diligência. Às vésperas do pleito, outra denúncia. O periódico oposicionista publica matéria com o seguinte título: Coligação de Roseana distribui combustível no posto Araçagy. Quem anunciou esse caso de abuso de poder econômico foi a coligação “O Povo é Maior”, que apoiava o candidato Jackson Lago. De acordo com a publicação, mais de cem veículos faziam fila para abastecer nesse posto, localizado em de São José de Ribamar, município onde, não por acaso, Roseana Sarney obteve 53,5% dos votos, enquanto no pleito de 2006 obtivera apenas 37,9% da preferência do eleitorado (TRE, 2006, 2010). Outro forte indício de que houve abuso de poder econômico na eleição de 2010 aconteceu no centro da cidade de São Luís, gerando a denúncia de que eleitores tiveram suas contas de água, luz e telefone pagas em troca de votos a candidatos pertencentes à coligação da governadora Roseana Sarney. O episódio foi narrado, da seguinte maneira, pelo jornalista Oswaldo Viviane, nas páginas do Jornal Pequeno: A pedido do Ministério Público Eleitoral do Maranhão, a Polícia Federal está investigando um suposto pagamento de contas de luz, água e telefone de pessoas pobres em troca de votos em candidatos da coligação ‘O Maranhão não pode parar’ [...] o dono da lotérica aceitou falar ontem com o Jornal Pequeno, e confirmou o caso. Seu nome não vai ser divulgado para não atrapalhar as investigações. Ele informou que, por ocasião do pagamento da segunda remessa, o dinheiro que a pessoa – um rapaz - trazia (R$ 10 mil) não foi suficiente. Então, ele foi buscar mais R$ 10 mil. Mesmo assim o dinheiro não deu. “Ai, ele deixou um calhamaço de contas aqui na casa lotérica e disse que ia pegar mais dinheiro, mas quando voltou foi só para levar as contas”, disse o proprietário. Segundo ele, o rapaz ficou desconfiado porque no momento em que somava os valores das contas, no escritório, surgiu na sala uma repórter do jornal Folha de São Paulo (Elvira Lobato), que investiga o caso. A repórter aproveitou a ausência do rapaz para conferir os dados e fotografar contas e endereços de alguns dos moradores do Bairro do Lira, ela chegou a suas casas. Confirmou que nessas residências e em várias outras do bairro havia cartazes de Roseana Sarney e de Ricardo Murad (POLÍCIA FEDERAL..., 3 out. 2010, p. 3). Esta área pertence à Primeira Zona eleitoral, onde Roseana Sarney obteve o melhor resultado eleitoral em São Luís. As imagens das contas de luz e da residência de um dos beneficiados, divulgadas pela jornalista da Folha de São Paulo, são essas. 82 Figura 6 - Captação ilícita de votos Fonte: Jornal Pequeno, 3 out. 2010. Enquanto esteve em São Luís para investigar o caso, a jornalista Elvira Lobato foi alvo de alguns constrangimentos, teve sua foto e número de telefone celular publicados no blog do jornalista Aldenísio Décio Leite Sá, ligado ao grupo da governadora Roseana Sarney. Segundo relatou ao Jornal Pequeno (2010), ela passou a receber mensagens ofensivas em seu celular, tais como: “Você envergonha a classe”, “Bandida, deixe o Maranhão em paz!” (BLOGUEIRO, 3 out. 2010). Nesse tempo de disputa eleitoral, os jornais constituem-se num campo de luta simbólica e de expressão das práticas sociais. No município de São Luís, os leitores/eleitores são receptores de visões de mundo distintas, marcadas pela visão do jornal governista, que manipula a opinião pública em favor de seus interesses oligárquicos, ou por visões oposicionistas, como a expressa pelo Jornal Pequeno, que tenta condicionar os leitores a uma perspectiva mais republicana de gerência da coisa pública. 4.3 Reação da sociedade civil aos casos de abuso de poder político e econômico Embora as práticas relacionadas a uma cultura oligárquica sejam muito forte na capital do estado do Maranhão, estas não são consensual, uma vez que a dinâmica das relações sociais é permeada pela correlação de forças antagônicas. Por isso, destaca-se a 83 tentativa de setores da sociedade civil7 maranhense em coibir práticas abusivas cometidas pela estrutura de poder patrimonial no ano eleitoral de 2010. Com este fim realizou-se no dia 20 de setembro, na sede da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Maranhão, uma reunião para discutir ações a serem desenvolvidas pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, na qual estiveram presentes as seguintes entidades sociais: Cáritas Brasileira Regional Maranhão; Conferência Nacional dos Bispos do Brasil; Observatório Social de São Luís; Associação do Ministério Público do Estado do Maranhão; Associação dos Magistrados do Maranhão (ENTIDADES, 21 set. 2010). O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral foi instituído no período eleitoral de 2002, como movimento nacional, resultado da Campanha da Fraternidade de 1996, “Fraternidade e Política”, dando origem à Lei 9840/99, “Lei da Compra de Votos”, de iniciativa popular, que permite a cassação de registros e diplomas eleitorais daqueles que desvirtuam o exercício da cidadania através de práticas irregulares de captação de votos (SUBSÍDIO..., 2010). Como se vê, a existência de uma lei de combate à compra de votos é recente em nosso país e ainda não se cristalizou no imaginário político nacional, carecendo de um tempo de maturação para que possa se sedimentar nas consciências individuais e coletivas. Contribui para esse processo de maturação político-democrático a mobilização/organização da sociedade civil, no intuito de questionar as práticas oligárquicas petrificadas ao longo dos tempos, pois, “a sociedade civil representa o lugar onde se formam, especialmente nos períodos de crise institucional, os poderes de fato que tendem a obter uma legitimidade própria [...] o lugar onde, em outras palavras, desenvolvem-se os processos de deslegitimação e de relegitimação” (BOBBIO, 2011, p. 37). Nesta perspectiva, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a Associação de Saúde da Periferia do Maranhão (ASP) e a Cáritas Brasileira Regional Maranhão promoveram ação jurídica em desfavor da governadora Roseana Sarney Murad por abuso de poder, captação ilícita de sufrágio, gastos ilícitos de campanha e fraude eleitoral cometidos no pleito de 2010. Por abuso de poder político, fora constatada a celebração de inúmeros convênios com as prefeituras municipais às vésperas do período eleitoral, em desrespeito à norma da moralidade administrativa, como consta da petição protocolada na Procuradoria Regional 7 Entende-se por sociedade civil, “grupos sociais independentes do Estado e que como tais limitam e restringem a esfera do poder político” (BOBBIO, 2011). 84 Eleitoral do Estado do Maranhão por aquelas entidades. Os convênios mencionados na petição, que teriam sido efetivados de forma irregular, entre o governo estadual e as prefeituras municipais aliadas são mais de quinhentos, havendo no documento a listagem dos que constam no quadro a seguir: Quadro 2 – Convênios efetivados de forma irregular entre o governo estadual e as prefeituras municipais do Maranhão Convenente 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26. 27. 28. 29. 30. 31. 32. 33. 34. 35. 36. 37. 38. 39. 40. 41. 42. 43. 44. 45. 46. Prefeitura Municipal de Governador Edson Lobão Prefeitura Municipal de Bacabal Prefeitura Municipal de Presidente Dutra Prefeitura Municipal de Lagoa do Mato Prefeitura Municipal de Guimarães Prefeitura Municipal de Santa Inês Prefeitura Municipal de Governador Nunes Freire Prefeitura Municipal de Barra do Corda Prefeitura Municipal de Igarapé Grande Prefeitura Municipal de Lago dos Rodrigues Prefeitura Municipal de Itapecuru-Mirim Prefeitura Municipal de Poção de Pedra Prefeitura Municipal de Lajeado Novo Prefeitura Municipal de Loreto Prefeitura Municipal de Paraibano Prefeitura Municipal de Mata Roma Prefeitura Municipal de Parnarama Prefeitura Municipal de Pedreiras Prefeitura Municipal de Pinheiro Prefeitura Municipal de Pirapemas Prefeitura Municipal de Santa Quitéria Prefeitura Municipal de Rosário Prefeitura Municipal de São José de Ribamar Prefeitura Municipal de Passagem Franca Prefeitura Municipal de Miranda do Norte Prefeitura Municipal de Magalhães de Almeida Prefeitura Municipal de Coelho Neto Prefeitura Municipal de Paço do Lumiar Prefeitura Municipal de Governador Newton Bello Prefeitura Municipal de Paulo Ramos Prefeitura Municipal de Zé Doca Prefeitura Municipal de Vitória do Mearim Prefeitura Municipal de Dom Pedro Prefeitura Municipal de João Lisboa Prefeitura Municipal de São Luiz Gonzaga Prefeitura Mun. de São Raimundo das Mangabeiras Prefeitura Municipal de São Mateus Prefeitura Municipal de São Pedro da Água Branca Prefeitura Municipal de Lago da Pedra Prefeitura Municipal de Pastos Bons Prefeitura Municipal de Timon Prefeitura Municipal de Codó Prefeitura Municipal de Duque Bacelar Prefeitura Municipal de Timbiras Prefeitura Municipal de Gonçalves Dias Prefeitura Municipal de Urbano Santos Nº de convênios celebrados 4 5 6 11 3 15 4 6 6 5 9 4 7 8 7 9 8 6 9 6 2 8 3 9 8 11 23 3 5 8 5 6 13 3 5 3 3 9 10 8 11 9 10 5 6 4 Período de liberação dos recursos 10.05 a 30.06.10 10.05 a 14.09.10 11.05 a 01.07.10 24.06 a 17.08.10 24.06 a 01.07.10 02.02 a 21.09.10 23.06 a 30.06.10 30.06 a 11.08.10 24.02 a 11.08.10 11.05 a 30.06.10 19.04 a 28.09.10 17.06 a 01.07.10 07.05 a 24.06.10 25.05 a 14.09.10 24.05 a 01.07.10 07.06 a 29.09.10 19.04 a 29.09.10 24.05 a 01.07.10 12.02 a 30.06.10 04.02 a 29.09.10 05.02 a 11.08.10 24.02 a 21.09.10 14.04 a 30.06.10 09.06 a 21.09.10 28.04 a 01.07.10 09.06 a 16.08.10 30.03 a 28.09.10 11.05 a 01.07.10 09.06 a 01.07.10 17.05 a 28.09.10 04.06 a 16.08.10 24.06 a 14.09.10 24.04 a 29.09.10 22.06 a 30.06.10 16.04 a 10.08.10 23.06.10 23.06 a 29.09.10 09.06 a 30.09.10 20.05 a 16.09.10 30.03 a 16.08.10 23.06 a 01.09.10 22.06 a 24.09.10 23.06 a 29.09.10 23.06 a 29.09.10 24.06 a 13.08.10 21.06 a 02.07.10 Total de recursos recebidos em R$ 680.000,00 2.727.396,66 725.000,00 3.419.823,80 445.284,00 3.146.521,23 275.000,00 2.430.251,90 1.528.675,19 644.854,76 2.688.540,00 703.498,22 1.012.450,00 627.500,00 1.316.000,00 4.121.666,68 3.491.116,68 1.898.015,00 2.618.687,50 865.257,60 3.000.000,00 2.397.000,00 6.125.000,00 3.527.743,90 2.912.877,21 2.905.000,00 11.737.406,31 1.694.201,68 989.250,30 1.552.325,20 1.990.638,16 2.032.790,19 6.206.104,03 1.299.996,67 1.850.000,00 1.230.000,00 1.620.000,00 2.025.325,20 3.811.746,86 2.25.842,67 3.176.752,55 3.898.971,58 1.870.668,32 1.890.000,00 719.428,58 1.230.000,00 85 47. Prefeitura Municipal de Sta. Filomena do Maranhão 48. Prefeitura Municipal de Estreito 7 3 18.06 a 21.07.10 18.06 a 29.09.10 1.662.500,00 1.408.333,32 Fonte: ASSELIN, 2010. Segundo o advogado responsável pela ação, o Pe. Victor Asselin, num período de menos de 48 horas, os convênios foram assinados e publicados no Diário Oficial; foi feito o empenho do valor, emitida a ordem bancária e creditado o dinheiro nas contas dos municípios, que efetuaram saques diretamente “na boca do caixa”. De acordo com a petição, tais convênios não objetivaram promover um fim público, mas somente cooptar lideranças municipais a apoiar a reeleição da governadora Roseana Sarney, uma vez que as obras para as quais o montante era liberado não haviam sido iniciadas até o dia 05 de julho de 2010. No total foi liberado mais de um bilhão de reais a prefeituras, associações de moradores, organizações não governamentais (ONG’s) e associações de classe. É ainda atribuída à governadora Roseana Sarney, a utilização do programa social Viva Casa durante a campanha eleitoral para angariar prestígio junto ao eleitorado, além de usar a máquina pública para promoção pessoal ao utilizar a expressão “Governo do Maranhão – De volta ao trabalho” como logomarca ao assumir o governo em 19 de abril de 2009 após decisão do TSE de cassar o mandato do governador Jackson Lago, acusado de cometer irregularidades muito parecidas com as que são denunciadas pelas entidades sociais. Também foi denunciado, na emblemática eleição de 2010 para o governo estadual, evidências de fraude eleitoral, com manipulação do sistema eletrônico de votação. Com base na análise dos boletins das urnas, verificou-se um grande número de votos inseridos após o horário das 17 h, chegando a verificar-se que algumas urnas ficaram abertas até após as 20h, sendo inseridos nesse horário 18.719 votos, dos quais 67,21% eram destinados à governadora Roseana Sarney. 86 5 A ELEIÇÃO ESTADUAL DE 2010: A Cultura Política de Professores O desejo de investigar que valores e crenças norteiam as intenções de voto nasceu de uma intensa discussão na sala dos professores do Liceu Maranhense, no dia seguinte ao resultado do pleito da eleição estadual de 2010. Alguns professores questionavam por que a governadora fora reeleita, sobretudo, quais motivos teriam levado as zonas eleitorais da capital a garantir a vitória da oligarquia Sarney naquele pleito. Como parte do corpo docente daquela escola, naquele ano, percebeu-se que alguns professores que declarara seu voto à Roseana Sarney o faziam com certo constrangimento, até mesmo com um sentimento de vergonha, alguns tentando se desculpar diante dos colegas. Desse episódio, veio a ideia de investigar o imaginário político da capital maranhense a partir da participação daqueles atores sociais, homens e mulheres que se expressam através de imagens e discursos, práticas e sistemas de representação. A idéia de representação é aqui empregada, conforme já foi dito, como compreensão do mundo social, exibição do ser social ou do poder político, com a qual os indivíduos, os grupos, os poderes constroem e propõem uma imagem de si mesmos e da sociedade (CHARTIER, 2002). Optou-se, então, por ouvir alguns docentes do Liceu Maranhense, acerca do pleito de 2010. E, com base nos seus depoimentos, procurar identificar ideias, crenças e valores que norteiaram suas escolhas naquela eleição. De acordo com Garrido (1992/1993, p. 34), “as fontes orais estão na base da mais antiga e da mais recente forma de fazer história”, possibilitando, assim, não só incorporar indivíduos comuns na construção historiográfica, mas também conhecer e compreender situações insuficientemente estudadas. A intenção inicial era de entrevistar, no mínimo, dez professores. Porém, notando-se que as respostas começaram a ficar parecidas restringiu-se a apenas oito entrevistas. Foram ouvidos seis professores e duas professoras, que serão mencionados com nomes fictícios a fim de preservar suas identidades. A faixa etária dos entrevistados está assim distribuída: três deles entre 31 a 40 anos; dois entre 41 a 50 anos; dois entre 51 e 60 anos; um acima de 61 anos. O fato de a autora desta dissertação pertencer à categoria profissional dos entrevistados facilitou a abordagem aos colegas, embora alguns tenham demonstrado desconfiança em relação à temática, e, por conta disso, tenham se recusado a participar da pesquisa. De modo geral, a relação entrevistadora e entrevistados deu-se de forma tranquila, embora no começo da gravação todos tenham tido uma postura mais tensa, preocupados com a elaboração de um discurso que tivesse uma lógica, uma coerência. De acordo com 87 Montenegro (1993, p.56-58), “essa postura de muitos entrevistados pode ser associada à preocupação em evitar que o caráter contraditório e fragmentado da memória (e em última instância das experiências interiorizadas) se torne do conhecimento público”. Ainda de acordo com o autor citado, o que faz alguém registrar determinados acontecimentos, fatos e detalhes diz respeito à cultura, ao inconsciente, à história individual e coletiva de cada um. 5.1 A memória histórica do político José Sarney Seguindo a reflexão de Pollak (1992), pode-se afirmar que a memória não é exclusivamente um fenômeno individual, estritamente íntimo, próprio da pessoa. Mas algo construído coletivamente como fenômeno social, passível de flutuações, transformações, mudanças constantes. O entendimento da memória como fenômeno social e coletivo é atribuído ao estudo sociológico de Maurice Halbawachs (2006, p. 69), para quem “a sucessão de lembranças, mesmo as mais pessoais, sempre se explica pelas mudanças que se produzem em nossas relações com os diversos ambientes coletivos”. Na fala dos professores e professoras entrevistados, essa relação dialética entre memória individual e memória coletiva é bem significativa, sobretudo, a respeito da memória histórica construída em torno da imagem do político José Sarney. Entende-se por memória histórica, segundo Halbawachs (1992), a sequência de eventos cuja lembrança é conservada nos livros e ensinada nas escolas, é portanto, uma memória organizada segundo critérios metodológicos, políticos, inerente à operação historiográfica. A professora Lindalva tinha dezoito anos em 1966, ano em que o então governador José Sarney tomou posse no governo estadual do Maranhão. Ao se referir à lembrança dessa época afirma: As pessoas falam muito do Sarney, etc e tal, mas nós sabemos que essa credibilidade que as pessoas antigas têm, tem um fundo de verdade. Quando ele sai da política do mentor dele, o Victorino Freire, que ele é governador pela primeira vez no Maranhão [...] a gente sabe que ele transformou o Maranhão, ele trouxe muita coisa ele renovou, modernizou [...] (Entrevista realizada em 12 abr. 2012). Essa memória histórica sobre a figura do ex-governador do Maranhão José Sarney é cultivada pela historiografia tradicional, que o apresentada como ruptura em relação ao período político anterior, como bem expressa este discurso sobre a campanha eleitoral de 1965 e o governo de José Sarney (1966-1970): 88 Usando com habilidade e competência os veículos de comunicação, especialmente nos centros urbanos, a mensagem de renovação, modernização, mudanças e desenvolvimento varria o Estado inteiro, como um poderoso vento de liberdade, levando de roldão todos quantos tentaram opor-se à sua candidatura [...] o vitorinismo, como sistema de prática política e administrativa, estava definitivamente aniquilado no Maranhão inteiro. O seu criador, Vitorino de Brito Freire [...] faleceu, no Rio de Janeiro, a 27 de agosto de 1977, onze anos depois da posse de José Sarney, quando o Maranhão retomava o caminho do desenvolvimento econômico e social e abria novas perspectivas para ultrapassar o atraso cultural e político (BUZAR, 1998, p. 497-499). Tal interpretação, repetida tantas vezes, torna-se memória histórica e, ao mesmo tempo, memória coletiva, permanecendo no imaginário do grupo social que a tem, sendo transmitida às gerações mais jovens. Na fala da professora Lindalva, quando afirma: “nós sabemos que essa credibilidade que as pessoas antigas têm, tem um pouco de verdade”, há uma tentativa de transferir a crença na credibilidade existente na figura de José Sarney às “pessoas antigas”, ou seja, a professora transfere a outrem uma credibilidade e admiração, que ela mesma nutre a essa personagem da história política maranhense. A mesma credibilidade e admiração foi expressada pelo professor Francisco, de 37 anos, que, embora não tenha vivenciado a época do governo Sarney (1966-1970), reproduz um discurso parecido. Veja-se: “Porque no começo, Sarney, pelo menos eu encontro gente assim daquela época [...] alguém que viveu aquela época, até hoje diz que o melhor governador do Estado foi Sarney, naquele tempo” (Entrevista realizada em 11 mar. 2012). Essa fala expressa um processo de socialização política, no qual ocorre um fenômeno de projeção ou de identificação com determinado passado, tão forte que podemos falar numa memória quase herdada (POLLAK, 1992). Nas entrevistas realizadas, somente dois docentes não expressaram essa identificação com a referida imagem do governo Sarney. Tanto a memória individual quanto a memória coletiva são organizadas de modo que, “o que a memória individual grava, exclui, relembra, é evidentemente o resultado de um verdadeiro trabalho de organização” (POLLAK, 1992, p. 204). Sendo assim, pode-se asseverar que o imaginário político maranhense é fortemente marcado pela lembrança das “grandes obras” perpetradas pela gestão do ex-governador José Sarney, e mesmo uma categoria de profissionais como os professores se deixam enredar pelo discurso de “desenvolvimento” e “progresso”, construído pela oligarquia Sarney a partir dos anos de seu domínio político. Esse discurso modernizador presente no depoimento de Lindalva, quando a mesma diz: “ele transformou o Maranhão, ele trouxe muita coisa, ele renovou, modernizou 89 (Entrevista realizada em 12 abr. 2012), faz menção às obras financiadas pelo Regime Militar, tais como os empreendimentos que transformaram o Estado num pólo exportador de alumínio, minérios, ferro-gusa. Opção por um modelo de desenvolvimento e expansão capitalista favorecedor do grande capital nacional e estrangeiro sob o patrocínio do Estado. Seguindo a linha de análise de Montenegro (2001, p.15, 16), “todo programa político esta associado à reconstrução do passado [...] é sempre a partir de como se institui o passado que são criadas as condições imaginárias para definições dos projetos políticos”. Nesse caso, podemos supor que a gestão do ex-governador José Sarney (1966-1970) tornou-se um marco importante na invenção do Maranhão Contemporâneo, tornando-se um modelo de referência a seu grupo político na manutenção do domínio oligárquico. Um único professor a fazer uma análise mais crítica a respeito da imagem do governo Sarney foi José, professor de filosofia, que assim se manifestou sobre as conseqüências da política oligárquica: O Sarney no Maranhão é uma espécie de mito, as pessoas admiram como se ele fosse genial, observe o nível nosso de achar genialidade no gênio do mal! Porque nós somos incapazes de mudar nossa própria realidade, então nós achamos genial aquilo que o sujeito faz, ainda que essa genialidade seja para a maldade e nós paguemos por isso. Então, são várias as pessoas ditas esclarecidas que tem essa admiração, uma certa veneração pelo Sarney, inclusive no seio de setores ditos de esquerda (Entrevista realizada em 5 set. 2012). O que se observa é que a memória constitui um objeto de disputa importante. O grupo político dominante acaba por fazer um “enquadramento da memória”, como diz Pollak (1992), a fim de privilegiar sua interpretação a respeito dos acontecimentos, possibilitando que “a memória coletiva ou individual, ao reelaborar o real, adquire uma dimensão em uma certa construção imaginária e nos efeitos que essa representação provoca social e individualmente (MONTENEGRO, 2001, p. 201). Ao chamar o senador José Sarney de “gênio do mal”, o docente possivelmente tem em mente as conseqüências sociais das práticas políticas oligárquicas para o conjunto da população, uma vez que o Maranhão ocupa a penúltima posição no ranking que mede o índice de desenvolvimento humano dentre os estados da federação brasileira, como mostra o quadro abaixo. 90 Quadro 3 – Ranking do IDH dos Estados Brasileiro em 2005 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 Distrito Federal Santa Catarina São Paulo Rio de Janeiro Rio Grande do Sul Paraná Espírito Santo Mato Grosso do Sul Goiás Minas Gerais Mato Grosso Amapá Amazonas Rondônia Tocantins Pará Acre Roraima Bahia Sergipe Rio Grande do Norte Ceará Pernambuco Paraíba Piauí Maranhão Alagoas 0,874 0,840 0,833 0,832 0,832 0,820 0,802 0,802 0,800 0,800 0,796 0,780 0,780 0,776 0,756 0,755 0,751 0,750 0,742 0,742 0,738 0,723 0,718 0,718 0,703 0,683 0,677 Fonte: PNUD, 2008. Ao responder o que pensava sobre a experiência política maranhense ao longo do tempo, esse mesmo docente respondeu: Olha, a prática política do Maranhão nesses últimos 50 anos não mudou em nada, só aprofundou aquelas práticas nocivas à democracia, ao respeito às regras, porque aqui as regras quem determina é quem está no poder. E isso, se a gente comparar o período do Sarney ao período vitorinista a gente vai perceber que só houve um aprimoramento das práticas. O Vitorino era mais troglodita e não escondia isso, o outro é tão troglodita quanto, só que ele disfarça isso muito bem sob os auspícios da literatura [...] só que usando o fardão da ABL, ele é bem sutil nessas coisas, só que é uma sutileza que arrebenta o Estado, se você for ver a parte da grilagem [...] as terras nossas foram loteadas e entregues aos grandes grupos nacionais [...] o Maranhão, eu estou dizendo porque vivi no interior, produzia arroz e exportava para o Nordeste todo, para boa parte do Sudeste, hoje o arroz que nós consumimos vem de onde? Produzíamos feijão, milho, nada disso se produz mais. Produz soja, carvão, nossa área verde dando lugar à soja e ao gado! (Entrevista realizada em 5 set. 2012). O discurso desse professor coaduna-se com as análises realizadas por estudiosos que se distanciam da versão oficiosa que cristalizou o discurso de que Sarney colocou o Maranhão no “caminho do desenvolvimento econômico e social” (BUZAR, 1998). Como 91 exemplo, cita-se o estudo de Gonçalves (2000, p. 183), para quem a Lei nº 2. 979/79, conhecida como Lei de Terras do governo Sarney, deu posse legal de milhares de hectares a grandes empresas que se alojaram em terras maranhenses de modo a promover a expansão do agronegócio e do latifúndio, a devastação ambiental e a falta de incentivo à agricultura familiar. Ao abordar a questão agrária, o professor José diz conhecer a situação da agricultura com o seguinte argumento: “vivi no interior”. Seus pais eram lavradores e essa experiência, de certa forma, marcou a memória desse docente, pois ele viu muitos lavradores deixando o interior do Maranhão por falta de perspectivas de sobrevivência no campo. A referência à relação do senador Sarney com a literatura, importante capital cultural na construção da imagem pública desse político, na visão do docente é parte de uma estratégia de dominação simbólica que suaviza a imagem de oligarca desse líder político. Porém, essa versão da “modernização” oligárquica é restrita a um grupo de pessoas, como o professor de filosofia, que dos oito entrevistados foi o único a lembrar dessa triste realidade da sociedade maranhense. Para Eagleton (1997, p. 13), “o opressor mais eficiente é aquele que persuade seus subalternos a amar, desejar e identificar-se com seu poder”, a dominação mais eficiente é aquela em que os que estão submetidos passam a julgar seu próprio comportamento pelos critérios de seus governantes. Assim, conjectura-se que haja uma cultura oligárquica introjetada no cotidiano das práticas sociais maranhenses. 5.2 A internalização da cultura política oligárquica “Há duas gerações de maranhenses que não conhecem a liberdade política, nasceram sob o domínio do ‘vitorinismo’ e provavelmente morreram ou morrerão sob o domínio do sarneysmo”. (PACHECO FILHO, 2001). No Maranhão tem sido assim, o processo de socialização política é fortemente estruturado na crença de que as práticas políticas consistem no domínio de um grupo específico que se utiliza dos recursos estatais para favorecer seus próprios interesses e de seus protegidos. O paradoxal dessa realidade “consiste no fato do homem ser capaz de produzir um mundo que em seguida experimenta como algo diferente de um produto humano (BERGER; LUCKMAN, 2007, p. 87), como se a realidade social e histórica fosse uma fatalidade, uma 92 condenação imposta pelos deuses, da ordem do sagrado. Uma sociedade para ser autônoma, deve ser capaz de questionar suas leis, seus costumes, suas práticas políticas, do mesmo modo, que o indivíduo para conquistar sua autonomia, deve instaurar outra relação entre seu inconsciente e seu passado, como forma de superação de si mesmo (CASTORIADIS, 2002). A maioria dos professores, que participaram desta pesquisa, mostraram certa resignação quanto ao tipo de dominação política existente na sociedade, como se tal realidade fosse naturalizada, fizesse parte da “tradição” presente nas estruturas morais e sociais, incorporadas na atividade social diária dos indivíduos. Ao falar de suas lembranças do município em que nasceu, a professora Lindalva relatou, como se fosse um processo “natural”, o que ocorre em terras maranhenses desde a formação do Estado Nacional até os dias de hoje. O nome [do município] foi dado em homenagem a meu pai, [...], se pegar os livros dos municípios, IBGE, na Biblioteca Pública, tu vai ver que a história do[ município] é misturada à história de meu pai, o nome [do município] é porque meu pai era chamado [assim], então foi dado em homenagem a ele. O primeiro grupo, estabelecido de ensino comum, que foi um grupo escolar foi o nome do meu irmão mais velho [...] foi ele que construiu a casa, o primeiro sobrado, que foi a primeira casa de mais de um andar de toda região, tem a casa de pedra dos meus pais, foram eles que construíram o primeiro mercado público do [município], foi construído por eles, então foi dado em homenagem a ele, meu pai foi o fundador da cidade [...] tem uma escola muito linda que inauguraram há dois anos atrás, a mais moderna de lá, linda a escola, uma estrutura linda! Que deram o nome dele, nós fomos para a inauguração, e eu que puxei o laço, aquelas coisas todas, foi chique, ah, foi bom! [...] O primeiro prefeito foi o meu irmão [...], ele era político, [...], os filhos dele foram prefeitos, vereadores. Depois foi o [...], que é meu sobrinho, a mulher dele foi não sei quantas vezes, foi até deputada também, e hoje quem ta lá é um representante dela [...], um candidato dela que ganhou e agora já vai ser [ela] de novo, que é esposa do meu sobrinho, que vai ser candidata. Se você for fazer uma análise da vida [do município], ou é da família, ou é descendente ou é agregado (Entrevista realizada em 12 abr. 2012). Na perspectiva de Hunt (2007), a política é moldada pela cultura. No caso da cultura política oligárquica, as crenças, os ideias, as normas e as tradições que dão significado à vida política maranhense são fundadas no personalismo, no patrimonialismo e na perpetuação de um grupo familiar/político no controle da máquina pública, como demonstra a fala dessa docente do Liceu Maranhense. O republicanismo democrático não faz parte dos valores e costumes da grande maioria da população maranhense. O velho hábito de nomeação dos prédios públicos com o nome dos governantes representa uma faceta da dominação oligárquica que se exerce de maneira sutil, eficiente, capaz de mostrar a todos, de forma simbólica, quem é que manda, quem exerce o poder político. Segundo Chartier (2002), esta estratégia de dominação simbólica tem como objetivo “o ordenamento do mundo social” capaz de produzir, “sem apelo a nenhuma 93 violência, a obediência e a submissão” dos indivíduos perante o poderio de um determinado grupo social. Uma das perguntas feitas aos professores foi como eles abordavam os temas políticos na sala de aula. Veja-se as respostas dadas por Francisco e João, os professores de geografia entrevistados: Eu acho que falar de política é necessário, mas assim, falar no sentido de despertar o senso crítico, não a crítica pela crítica, jamais fiz isso, ir para a sala de aula falar mal da família Sarney, da família Jackson Lago. Não, eu acho que o caminho não é esse, mas falar da política verdadeira, da necessidade de você se posicionar, de você votar, de você tentar mudança, acho que isso é necessário e isso eu faço em minhas aulas [...] eu não fiz muito comentário desse eleição na sala de aula porque a gente tem praticamente os mesmos personagens, né? Você vê surgindo aí o Flávio Dino, e algum outro a mais, mas você vê que os personagens são praticamente os mesmos [...] eu não tive oportunidade, talvez por falta de interesse mesmo, de fazer comentários mais aprofundados acerca dessa eleição (Entrevista realizada em 6 ago. 2012, grifo-se). A minha disciplina, ela nos dar esse suporte, para você ta buscando sempre a política como solução para esses problemas, então nós abordamos o seguinte, citamos partidos políticos, mas não defendemos partidos políticos. O que se faz? Tenta-se mostrar que o ser humano por si só é um ser político, aquele que decide, aquele que discursa, necessariamente você não precisa ter atrelamento a um partido para ser político, o ser humano tem esse dom de ser político por nascença, e eu abordo o seguinte, criticando o que tem sido feito, mas não dizendo que é por ‘A’, por ‘B’, por ‘C’. Mas criticando o que tem sido feito e mostrando que poderia ser feito mais, ser de fato alguém preocupado com as condições sociais, com as condições econômicas, ta certo? Então nós criticamos o sistema, digamos que há vinte anos atrás, o Maranhão está melhor do que a vinte anos, São Luís está melhor. Não criticamos ideologias, não criticamos partidos. Nós falamos muito isso, o Brasil hoje está melhor do que há vinte anos atrás, então, o mérito se dar ao processo evolutivo de tudo, o que acontece hoje. Hoje eu estou melhor do que meu pai, meu pai tava melhor do que meu avô, então é uma evolução normal, gradativa, ta certo? Não devemos dizer que o Brasil tá melhor em função dos atuais gestores, é um processo evolutivo, e melhorou de fato (Entrevista realizada em 4 jun. 2012, grifo nosso). De modo geral, a significação mais comum do termo política é de “arte ou ciência do governo”, como a utiliza o cientista político Norberto Bobbio (2010, p. 958), para quem Toda história da filosofia política está repleta de definições normativas, a começar pela aristotélica: como é bem conhecido, Aristotéles afirma que o fim da política não é viver, mas viver bem. Mas em que consiste uma vida boa? Como é que ela se distingue de uma vida má? E, se uma classe política oprime os seus súditos, condenando-os a uma vida sofrida e infeliz, será que não faz Política, será se o poder que ela exerce não é um poder político? A resposta do professor João expressa uma visão de que a política é necessária para a organização social, é uma espécie de “dom” que acompanha os homens desde o nascimento, sem que isso os desperte para os conflitos sociais, já que, a sociedade se ajusta pelo “processo evolutivo de tudo”. Essa compreensão talvez se explique pela resignação com 94 a sua realidade, a sua prática educacional, como ato de fala, como exercício retórico e ato performativo, represente um anseio de perenidade em relação à ordem estabelecida (GOLDENBERG, 2006). Nas palavras de Castoriadis (2002, p. 73), uma sociedade autônoma, uma sociedade verdadeiramente democrática, é uma sociedade que questiona qualquer sentido pré-dado, e na qual, por isso mesmo, está liberada à criação de novas significações. E, numa tal sociedade, cada indivíduo é livre para criar o sentido que quiser (e puder). Esse projeto de autonomia individual e coletivo, defendido pelo autor, passa necessariamente pela educação, aposta na criação de um sujeito imaginador e reflexivo, capaz de imaginar outra realidade possível. Ao ver as mudanças sociais como um mero processo evolutivo, o docente não exerce o papel transformador que poderia ter. 6.3 A “Lei do Cão” e o desencanto dos professores com Jackson Lago A julgar pela fala de Antonio, outro docente entrevistado, a eleição do governador Jackson Lago, em 2006, contou com a colaboração de grande parte da categoria de professores da rede pública estadual, contagiados pela vontade de romper com os anos da oligarquia Sarney. Esse docente comentou: “carreguei bandeira no meu carro, tinha adesivo, algo espontâneo [...] nunca fui partidário, mas tive aquela esperança, assim como tinha o adesivo do Lula, tinha o adesivo do Jackson Lago, eu acreditava, tinha esperança de mudança” (Entrevista realizada em 5 nov. 2012). A esperança de mudança é um dos elementos da “cultura política da libertação” propagada no Maranhão desde o cenário político dos anos de 1950, como defende Costa (2009a). Tal cultura política libertadora carrega os ideais liberais democráticos como bandeira de luta contra o governo oligárquico de plantão. Em linhas gerais, a eleição de 2006 representou a disputa de duas facções oligárquicas pelo controle da máquina pública (COSTA, 2009b). Uma facção formada pela oligarquia Sarney, com fortes laços junto ao governo federal, sua base de sustentação. A outra, em gestação, representada pelo ex-governador José Reinaldo Tavares, antigo aliado do grupo Sarney, agora na oposição, apoiando a candidatura do médico pedetista Jackson Lago, figura importante no cenário político maranhense no âmbito da oposição ao Regime Militar. Sendo um histórico representante dos anseios das demandas democráticas (participação popular, ampliação de direitos, controle social, combate à corrupção), a 95 candidatura Jackson Lago representou, pelo menos no plano discursivo, a possibilidade de um governo “democrático e popular”. Tal perspectiva mostrou-se totalmente frustrada diante das atitudes do seu governo, ao repetir as mesmas práticas clientelistas e patrimonialistas, que configuraram o modus operandi do grupo oligárquico alijado do poder no pleito de 2006. Para os professores da rede pública estadual, a medida do novo governo que mais causou descontentamento foi a mudança na política salarial, as transformar os salários dos servidores em subsídio, sem consultá-los. O subsídio é uma forma de retribuição pecuniária prevista na Constituição Federal, no artigo 39, parágrafo 4º. Podem recebê-lo: O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória (BRASIL, 1988, p. 45). Através da Lei estadual nº 8.592, de 2007, o governo Jackson Lago quis impor a todo o funcionalismo público estadual o pagamento dos salários através do subsídio. A intransigência do governo levou os professores a declararem uma greve, que durou 87 dias, contra a “Lei do Cão”, como ficou conhecida a referida lei. A greve, nas palavras do professor Antonio, foi difícil de ser construída porque a maioria dos docentes não entendia as conseqüências da Lei e o Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública no Estado do Maranhão (SINPROESSEMA) era da base de apoio do governo. Olha, a greve de 2007 foi uma greve difícil de ser construída, de ser montada porque todas as greves anteriores, que eu participei, que a classe participou era para reivindicar algo mais concreto como melhoria salarial, como reposição de perdas [...]. Mas a greve específica de 2007 foi um objeto um pouco abstrato e meio que incompreensivo na cabeça de grande parte da nossa classe, que era a questão do subsídio [...]. O que era o subsídio, quais eram as conseqüências, quais eram as perdas que por ventura poderiam ter? E a gente entendia naquele momento, que a forma de subsídio é uma forma específica para determinadas carreiras, como ministros, juízes, pessoas que têm certas vantagens que compõem aquele benefício mensal, os proventos. Mas, no caso de uma classe trabalhadora, com pouca valorização, certamente que viriam perdas futuras, né? Pessoas que estavam por se aposentar, uma vez tendo contribuído a vida toda, estavam com medo de perder benefícios [...] e vendo este tipo de sofrimento, as pessoas nessa situação, a gente teve que parar, refletir, analisar, e tentar dar um basta naquilo tudo, né? Mobilizar a categoria, mas volto a dizer, muito difícil! A gente percebia pessoas idosas preocupadas com o que iria acontecer, e nós tentamos de todo modo abrir um canal de diálogo com o então governador Jackson Lago para que a gente pudesse fazer um bom combate, uma boa discussão, retornar à situação inicial, para que voltássemos o que era, e aí sim, apresentar as suas justificativas, os seus porquês, lembro-me que algumas vezes ele chegou a dizer que era para o bem da categoria, que a Lei do Subsídio queria pegar os peixes grandes, os altos salários, mas nós não nos enquadrávamos nessa situação, uma vez que historicamente temos sido uma classe desvalorizada, desfavorecida e com pouco valor dado pelos nossos governantes! (Entrevista realizada em 5 nov. 2012). 96 As preocupações elencadas pelo professor tinham suas razões, uma vez que as desvantagens do subsídio superavam as suas vantagens para essa categoria profissional. Como vantagem, a Lei 8.982/2007 poderia ter incorporado a gratificação ao salário base dos professores, o qual, à época, era de R$ 589,14 e a gratificação de R$ 765,88. Porém, os professores perderiam a possibilidade de implantação de adicionais de localidade inóspita, de periculosidade, insalubridade, de risco, além do pagamento de adicional de serviço extraordinário, a hora extra. Sem falar que as carreiras que recebem por subsídio, em geral, possuem limitações de quantidade de vagas em cada faixa salarial, condicionando a promoção à existência de vaga, o que certamente dificultaria as progressões, pois, nesse caso, para atingir o teto da carreira o servidor teria que esperar a aposentadoria de outro. Outra questão a preocupar os docentes era quanto ao reajuste dos salários, que geralmente é feito de acordo com o salário mínimo. Com a implantação do subsidio, não havia garantias de reajustes periódicos (SUBSÍDIO..., 2010). O que tornou emblemática a greve de 2007, foi o fato de o governador Jackson Lago ter sido eleito com o apoio de grande parte desses profissionais, e a forma autoritária com que os professores foram tratados, com corte de ponto, desconto nos salários, ameaça de demissão, substituição dos docentes em greve por professores contratados. Tais medidas enfraqueceram demasiadamente a imagem do governo que havia prometido libertar o Maranhão do jugo e da opressão da oligarquia Sarney. Esta, por sua vez, soube instrumentalizar a seu favor a inoperância do governo Jackson Lago, em lidar com a insatisfação dos professores grevistas. De uma hora para outra, o Sistema Mirante de Comunicação (rádio, TV e jornal) passou a apoiar a greve e o principal partido controlado no Maranhão pela oligarquia, o PMDB, assumiu a defesa dos direitos dos trabalhadores, entrando com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) no Superior Tribunal de Justiça (STJ), onde a “Lei do Cão” foi finalmente revogada (COSTA, 2009b). Esse episódio ficou tão marcado na memória dos docentes que, nas entrevistas sobre a eleição de 2010, muitos confundiam-na com o pleito de 2006. A imagem registrada sobre o governo Jackson Lago pode ser assim representada na fala da docente Maria, de língua portuguesa: “foi doloroso em todos os aspectos, primeiro, a greve nos atingiu diretamente, e segundo, a cassação [...] não sei se foi injusto, para mim eu tenho uma decepção ver alguém que eu acreditei, que eu apostei num mar de lamas” (Entrevista realizada em 30 abr. 2012). Dos oitos professores entrevistados, seis votaram em Jackson Lago em 2006, desses seis, só um repetiu o voto no mesmo candidato em 2010. O único professor a votar em 97 Jackson Lago em 2010 havia sido militante do PDT e, depois, do PT, bases aliadas do governo deposto em 2009 pelo TSE. Quanto às motivações que levam à escolha dos candidatos, percebe-se que as relações de amizade com o candidato escolhido e o prestígio deste com o governo federal foram as mais significativas, além do desencanto com as promessas de mudanças do governo Jackson. A questão das ideias políticas é o menos significativo em tais motivações dos votantes. Um dos docentes de geografia, por exemplo, votou em Jackson Lago em 2006 “porque a esposa era Jackson Lago”. Em 2010, votou no candidato do PCB, Josivaldo Correa, porque, entre outras questões, foram colegas na universidade, como explica o professor: O Josivaldo foi aluno da UFMA e foi meu colega de turma desde o primeiro período até o período da formatura, ele é geógrafo e professor do Estado e do município de São José de Ribamar, mora até hoje em Ribamar, por essa proximidade e pela amizade acabei votando com ele [...] ele sempre foi uma pessoa atuante na política, nos movimentos sociais, nos movimentos de bairro, no movimento da UFMA (Entrevista realizada em 4 jun. 2012). Apesar de mencionar a atuação política do candidato e sua participação nos movimentos sociais, a fala do professor é enfática em afirmar os laços de proximidade e amizade que acabam determinando sua opção pelo candidato do PCB. Isso reforça o que afirma Orlandi (2003, p. 20): “o sujeito de linguagem é descentrado, pois é afetado pelo real da língua e também pelo real da história, não tendo o controle sobre o modo como elas o afetam. Isso redunda em dizer que o sujeito discursivo funciona pelo inconsciente e pela ideologia”. Ideologia, vista como o conjunto de ideias que orienta determinados grupos políticos e instiga à luta pela conquista do poder, relaciona-se com a idéia de cultura política. De acordo com Motta (2009, p. 27-28): Pode-se até dizer que muitas das culturas políticas consistentes possuem ideologias, entendidas como um sistema de ideias que constitui seu cerne. Mas é importante não resumir uma coisa à outra, e perceber que a cultura política transcende e vai além da ideologia, ao mobilizar sentimentos (paixões, esperanças, medos), valores (moral, honra, solidariedade), representações (mitos, heróis) e ao evocar a fidelidade a tradições (família, nação, lideres). Entende-se, portanto, porque as questões pessoais na cultura política do Maranhão sejam um importante elemento definidor das relações entre os sujeitos sociais e seus representantes políticos. Veja-se agora o caso da professora Lindalva, eleitora de Roseana Sarney em 1994, 1998, quando a representante da oligarquia Sarney foi eleita e reeleita governadora estadual. 98 Em 2006 a professora votou em Jackson Lago, mas em 2010 voltou a depositar sua confiança na candidata do grupo Sarney. Nós tivemos uma discussão na reunião que nós fomos. Nós fazemos uma reunião em família que é uma vez por mês, nós nos juntamos, a gente faz um lanche, todo mundo conversa, faz uma oração. [...] E nessa reunião, nós discutimos muito [...] uma tia que é procuradora, falou que dessa vez ela ia dar um voto para Roseana pela primeira vez porque as dificuldades da gente ir [ao município em que nasceu], com aquelas estradas horrorosas. Quando ela imagina que ela pega o carro dela agora e vai, parece um tapete a estrada! Aquilo tudo para a gente dela, para os agricultores, as pessoas que moram naquela cidade que ela amava, que ela via a felicidade deles com aquela estrada. Então dessa vez ela ia votar [...] aí eu disse que dessa vez eu também iria votar [...] e também pelo jeito que estava encadeada a questão política, a Dilma Roussef lá em cima, o pai dela lá em cima, então se ela ficar aqui, vai ter tudo para melhorar isso aqui. Se eles quiserem fazer de acordo com que ela promete, que a gente não acredita tanto, eu acho que vai ser a chance que ela tem de resgatar muita coisa [...] As pessoas falam muito do Sarney, etc. e tal, mas nós sabemos que essa credibilidade que as pessoas antigas têm, tem um fundo de verdade [...] a gente sabe que ele transformou o Maranhão, ele trouxe muita coisa, ele renovou, modernizou. [...] E eu pensei assim, eu vou votar nela agora justamente porque ela tem todas as chances de fazer um bom governo (Entrevista realizada em 12 abr. 2012, grifo nosso). Pelo discurso apresentado, há uma intenção de acentuar que sua família não é adepta incondicional da oligarquia Sarney. Mas “o inconsciente não se deixa trair” (RICCI, 2005), e em outro momento da entrevista havia dito que votou em Roseana Sarney em 1994 e 1998. Agora, julgava que a candidata iria “resgatar” o clima de euforia desenvolvimentista vivenciado nos anos de 1960, quando da posse de José Sarney no Palácio dos Leões, imagem constantemente explorada pelo jornal O Estado do Maranhão, na campanha de 2010, ao anunciar que os “grandes empreendimentos” financiados pelo governo federal voltariam, sobretudo, com a aliança com a então candidata Dilma Rousseff, com destaque para a instalação da refinaria da Petrobrás. Em outra entrevista, há uma clara contradição. O professor Francisco afirma que as práticas oligárquicas prejudicam o estado: Nós, no Maranhão, temos uma marca antiga, que é exatamente a marca da oligarquia [...] que há muitos anos, já há algumas décadas vem sendo colocada em prática em nosso Estado e a gente tem percebido que talvez por conta desse predomínio, dessa dominação o Estado não tenha conseguido avançar tanto quanto poderia, a prova disso é que a gente vê o Maranhão aí como uma das unidades da federação brasileira de menor poder aquisitivo, uma das unidades da federação brasileira de menor poder aquisitivo, uma das mais pobres na realidade [...] (Entrevista realizada em 6 ago. 2012). Porém, ao ser perguntado, em quem votou para governador em 2006, o mesmo professor respondeu: 99 (risos) ai, ai, ai, eu acho, não tenho certeza [...] mas eu tenho a impressão que votei para Roseana, eu tenho a impressão, não tenho certeza, mas eu lembro que teve um período desse ai que eu votei para Roseana, e não está muito distante não. Acho que foi essa eleição, eu votei para ela, que contradição, né? (Entrevista realizada em 6 ago. 2012). Assim como na clínica psicanalítica, não basta uma explicação racional do problema enfrentado para que o analisando mude suas atitudes, o entendimento sobre os malefícios provocados pelas práticas oligárquicas não basta para que o sujeito modifique seus atos e deixe de reproduzir os valores de uma cultura política oligárquica. Outro trecho da fala da professora Lindalva resume bem o que seja a cultura política oligárquica: Infelizmente nós, brasileiros, não somos politizados, a gente, a maioria defende seus interesses, eles votam porque alguém deu emprego, porque alguém é bonito, por alguma promessa que foi feita, que vai pagar a luz, vai pagar a água, porque é amigo não sei de quem, né? (Entrevista realizada em 12 abr. 2012). Apesar de usar o pronome na primeira pessoa do plural, “nós”, para afirmar a falta de formação política da maioria da população, quando se refere às motivações do voto o pronome utilizado é “eles”, na terceira pessoa do plural, para comunicar que são os outros que se utilizam das práticas oligárquicas. Isso porque não é comum assumir, que a cultura do favor, do paternalismo, das relações clientelistas e personalistas façam parte das práticas político sociais de um segmento da classe média, como os professores do Ensino Médio. No entanto, é voz corrente ser uma prática das campanhas eleitorais no estado do Maranhão, a compra de votos. Em 2010, essa “tradição” teria sido celebrada de forma abusiva e explícita por parte da candidata da oligarquia Sarney, como comentou Antonio, um dos docentes entrevistados: [...] a compra de votos foi descarada, a compra de vereadores, sobretudo em São Luís. Tínhamos 21 vereadores, e ela chegou a ter 16 dos vereadores nas mãos, então é algo assim muito grave! Não se comprou o voto, comprou-se aquele que tem o voto, as lideranças, aquele que caminha, aquele que leva um cano, aquele que fura o poço, os ditos vereadores comunitários (Entrevista realizada em 10 out. 2012). É importante esse comentário para mostrar que, apesar do controle da informação exercido pelos canais de mídia do grupo dominante, esta não é a única voz, há sempre a possibilidade de refutar as “informações” veiculadas pela mídia oficiosa. Mas, enquanto todos os cidadãos maranhenses tomaram conhecimento do processo de cassação do ex-governador Jackson Lago, por ter sido um episódio espetacularizado de todas as formas pelas mídias local e nacional, pouco se fala do processo 100 em tramitação para a cassação da governadora Roseana Sarney, acusada de cometer os mesmos abusos político e econômico pelos quais o ex-governador foi acusado, julgado e condenado. Dos docentes entrevistados, seis sabiam da existência do processo que tramita no Tribunal Superior Eleitoral, pedindo a cassação da governadora eleita em 2010, mas não acompanhavam a tramitação; um não sabia da existência do processo, e achava que não exista nenhuma acusação à governadora; e somente um professor tinha informações mais detalhadas sobre essa questão. 5.4 O perfil dos professores entrevistados Os professores do Liceu Maranhense cultivam certo orgulho de pertencerem a esta instituição escolar em virtude da memória histórica desse estabelecimento de ensino, fundado em 1838, como uma das mais importantes escolas secundárias brasileiras, cujo modelo foi inspirado no Colégio D. Pedro II, o Liceu da Corte. Como parte da rede pública estadual de ensino do Maranhão, atualmente o Liceu tem a melhor estrutura física dentre as demais escolas, com a seguinte composição: 20 salas de aulas (com ar refrigerado); salas da direção, de reunião, da coordenação, da secretaria, dos professores, de artes e da secretária do diretor; laboratórios de física, química, matemática, biologia e de artes visuais; biblioteca; cantina; núcleo de informática; quadra coberta; 11 banheiros; cantina e herbário. Não há concurso público específico para esta escola, oficialmente não há distinção entre os docentes da rede estadual, mas os professores liceístas gostam de dizer que fazem parte da “elite da escola pública” do Maranhão. Nesse sentido, cultiva-se um imaginário de glória e esplendor vivenciado no período Imperial, época de grande evidência da produção cultural maranhense. Sendo o Liceu a escola dos filhos da elite agrária e escravista, com um professorado composto pelos nomes mais ilustres da intelectualidade maranhense, a exemplo, de Francisco Sotero dos Reis, homem de família abastada, um dos primeiros maranhenses a estudar em Coimbra, catedrático de Latim (MONDEGO, 2005) Por conta dessa memória histórica e do fato de a autora desta dissertação ter ministrado aulas de história nessa instituição, entre os anos de 2007 a 2010, esta escola foi escolhida como lócus para se observar práticas da cultura política vigente na cidade de São Luís do Maranhão, uma vez que o espaço da escola representa também o espaço das correlações de forças vigentes na sociedade. 101 Atualmente, o Liceu Maranhense atende aos filhos da classe média baixa da capital que vislumbram ingressar no ensino público universitário através do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e do Programa Universidade para Todos (PROUNI), ambos do governo federal, sendo o segundo a concessão de bolsas integrais e parciais aos alunos de escolas públicas em instituições privadas de ensino superior. O corpo docente é formado por professores concursados, que, geralmente, possuem mais de uma nomeação e, por isso, às vezes trabalham também em outra escola da rede de ensino público. Os entrevistados representam um perfil de classe média, têm formação cristã e, alguns, possuem cursos de pós graduação, como mostra o quadro abaixo. Quadro 4 - Dados dos professores Nome Residência Graduação Curso Pós-Graduação UFMG (Lato sensu) Religião Lindalva Recanto dos Vinhais UFMA História Francisco Maiobão UFMA Geografia Católica Maria São Francisco UFMA Letras Católica Raimundo Sol e Mar UFMA Química José Renascença UFMA Filosofia Católica Luis Maranhão Novo UFMA História Kardescista Antônio Vivendas do Turu UFMA Matemática João Cohab UFMA Geografia UFMA(Lato sensu) FAMA (Lato sensu) Católica Protestante Católica Católica Fonte: Entrevistas concedidas à autora em 2012. Em estudo sobre “A decisão do voto nas eleições presidenciais brasileiras”, Carreirão (2002) sustenta a tese de que os principais fatores considerados pelos eleitores são certas imagens políticas que os votantes têm dos candidatos e partidos (sejam relacionadas às dimensões de esquerda e direita, sejam relacionadas aos interesses que eles defendem), assim como avaliação de desempenho administrativo e a avaliação que fazem de certos atributos pessoais dos candidatos. Para esse analista, as formas como os eleitores votam variam muito, de acordo com a escolaridade, mas, de modo geral, não há um “eleitor altamente informado e que vota ideologicamente no partido cujas posições políticas mais se aproximem das suas”. Veja-se como foi o voto dos entrevistados nas últimas eleições para o governo estadual, de acordo com o quadro abaixo. 102 Quadro 5 - Voto dos docentes para governador Nome 2010 Lindalva Roseana Sarney (PMDB) Francisco Marcos Silva (PSTU) Maria Saulo Arcangeli (Psol) Raimundo Roseana Sarney (PMDB) José 2006 2002 Jackson Lago (PDT) Jackson Lago (PDT) Jackson Lago (PDT) 1º turno Roseana Sarney (PMDB) 2º turno Roseana Sarney (PMDB) 1º e 2º turnos Carlos Saturnino (Psol) 1º turno Jackson Lago (PDT) 2º turno Roseana Sarney (PMDB) 1º e 2º turnos Jackson Lago (PDT) 1º e 2º turnos Luis Voto nulo Jackson Lago (PDT) 1º e 2º turnos Jackson Lago (PDT) Antônio Marcos Silva (PSTU) Jackson Lago (PDT) 1º e 2º turnos Jackson Lago (PDT) João Josivaldo Correa (PCB) Jackson Lago (PDT) 1º e 2º turnos Jackson Lago (PDT) José Reinaldo Tavares (PFL) Francisco Chagas (PSTU) Voto nulo Raimundo Monteiro (PT) Fonte: Entrevista concedida à autora em 2012. De acordo com o quadro, na eleição de 2002, Lindalva votou em Jackson Lago, durante a entrevista disse ter votado nesse candidato, por conta de um vizinho que trabalhava com o médico do PDT e a convenceu. Nota-se que as relações pessoais representam um dos elementos que direciona o voto numa cultura política do tipo oligárquica. Na eleição de 2006, esta docente votou em Jackson Lago no primeiro turno, pois, segundo relatou, estava descontente com a política salarial promovida pelos governos da oligarquia Sarney. Porém, no segundo turno, acabou votando mesmo em Roseana Sarney, prevalecendo o voto na “tradição” oligárquica. Em 2010, alegando a questão da continuidade optou pela reeleição da governadora Roseana Sarney por acreditar que o apoio do governo federal poderia “resgatar muita coisa”, veja-se o seu argumento: [...] a Dilma Roussef lá em cima, o pai dela lá em cima, então se ela ficar aqui vai melhorar isso aqui, vai ter tudo para melhorar isso aqui. Se eles quiserem fazer de acordo com o que ela promete, que a gente não acredita tanto, eu acho que vai ser a chance que ela tem de resgatar muita coisa [...] (LINDALVA, 12 abr. 2012). Nesse caso, não parece que a questão do desempenho administrativo apontado por Carreirão (2002), na análise das eleições presidenciais, tenha alguma influência nesse tipo de voto, pois a governadora Roseana Sarney já havia ocupado o governo estadual três vezes. E a professora, mesmo “não acreditando tanto” resolveu dar mais um voto de confiança para a candidata do grupo Sarney, pois com o apoio de Dilma Roussef, de Lula, com seu pai, José Sarney, na Presidência do Senado Federal, acreditou que a candidata da oligarquia Sarney, 103 mesmo já tento governando o Estado outras vezes, dessa vez faria mesmo o melhor governo de sua vida, como anunciava em sua propaganda eleitoral. Na campanha de reeleição da governadora, uma das mídias utilizadas, o jornal O Estado do Maranhão, veiculava cotidianamente que a governadora faria o melhor governo de sua vida, pois, dentre outras razões, era a única candidata na disputa eleitoral a dispor do apoio irrestrito do governo federal petista. Nas entrevistas constatou-se que o jornal impresso mais lido entre os professores é O Estado do Maranhão. Pode-se ver, também que alguns eleitores não apresentam uma constância ideológica na hora de decidir o voto. Este é o caso do professor Francisco, eleitor da oligarquia Sarney em 2006 e 2002, que optou pelo candidato do PSTU em 2010. O voto desse docente representa o eleitor sem consistência ideológica, que decide o voto por questões emocionais. Ele relatou, na entrevista, que achava o programa desse partido criativo, divertido. A personalização da política é outro traço muito forte na cultura política predominante no Maranhão, onde o peso das relações familiares e a tradição de mando de um determinado grupo fazem com que seja estabelecida uma espécie de fidelidade política como a expressa pelo professor Raimundo. Em sua entrevista afirmou que era preferível votar no grupo Sarney porque este havia trazido grandes projetos econômicos para o Estado. Disse, ainda, não estar arrependido de ter votado na governadora, e que Roseana Sarney sempre terá o seu voto, quando concorrer a uma eleição. As práticas políticas em São Luís, portanto, transitam num continuum entre a cultura política oligárquica e a cultura política liberal democrática, esta embasada na ideia de libertação do Maranhão do domínio oligárquico. Os votantes contrários ao grupo Sarney, de alguma forma, expressam essa “cultura política da libertação”. Um exemplo é o professor Antônio, que votou em Jackson Lago em 2006. E só não repetiu o voto no candidato do PDT, em 2010, por conta do desencanto com esse governo em virtude da greve dos docentes da rede pública estadual, em 2007, mas afirmou que, se tivesse havido segundo turno no Maranhão, não teria votado em Roseana Sarney. Ao ser perguntado o que achava da participação do ex-presidente Lula na campanha disse: Olha, o Lula, a figura do Lula tem vários momentos, eu na minha adolescência, um pouco mais de juventude, querendo também que o país tivesse aquela coisa de um trabalhador chegar ao poder, então fiz parte também da bandeira de defesa, e até meados do segundo mandato ainda acreditava muito no governo Lula, mas muito de nós nos decepcionamos, uma vez que pessoas que num passado histórico eram adversários políticos com um histórico de usurpação do dinheiro público e também de alguns nichos políticos de caciques políticos, que muitos, ou quase todos ele 104 colocou debaixo do braço, inclusive o guerreiro Sarney. E a nossa governadora, que outrora era uma adversária ferrenha, e que as críticas eram visíveis e bastantes acaloradas, a gente percebeu que esse discurso ficou no vazio, esqueceu-se, passouse uma borracha. E aí vem defendendo, a melhor governadora. Então, a gente se decepciona um pouco com essas coisas, claro que tinha um pouco de mágoa do outro governador, mas tinha outras opções também, não queríamos a Roseana, não queríamos o Jackson por alguns motivos... Não falo por mim, falo pela categoria nesse aspecto, que a categoria pode ter pensado que não era o melhor porque pela experiência que teve, mas tinha outras opções. Então, a gente avalia que foi um retrocesso, sobretudo na nossa capital onde ela conseguiu ganhar. Então a gente fica questionando, a Ilha que era rebelde acabou transferindo para Imperatriz o título de rebelde (Entrevista realizada em 10 out. 2012). O discurso de Antônio condiz com o perfil do eleitor que deixou de votar no PT a partir do segundo mandato do presidente Lula, em função das alianças dessa agremiação com partidos de centro direita e com caciques políticos, além dos escândalos de corrupção envolvendo políticos petistas. Alegou que a mágoa em relação ao governo Jackson Lago, devido à greve de 2007, foi um dos motivos de os colegas não terem votado nesse candidato e que,“a Ilha que era rebelde”, acabou perdendo o título para Imperatriz. Mas, mesmo com toda a decepção dos docentes em relação ao governo Jackson Lago, somente dois professores votaram na candidata da oligarquia. Quanto à ideia de Ilha Rebelde, em outras situações São Luís já apresentara sinais de certo conservadorismo político, como na eleição da governadora Roseana Sarney, em 1998, em que obteve 47,7% dos votos na capital (TRE, 1998). Observou-se, ainda, nas entrevistas que os professores que mantinham certa constância de votação em Jackson Lago, votaram em outros representantes da oposição ao grupo Sarney, ou optaram pelo voto nulo, como fez Luis: Eu voto desde 1994, eu tirei meu título aos 17 anos para votar. Na época eu votei em Brizola e votei em Jackson aqui, ele era candidato a governador. [...] Agora, eu vou te dizer, ser franco. Naquela eleição (2010), eu anulei o meu voto pela primeira vez. Eu tava desiludido, não estava satisfeito com os candidatos [...] Então, eu estava desiludido com o candidato, com o Jackson [...] eu trabalho aqui nessa escola desde 2002, ta fazendo dez anos, então foi o único momento [...] a greve que mais durou e só foi resolvida na Justiça [...] Chegou professor aqui nessa escola, na época, para me substituir , eu tava na greve, não só eu, como outros colegas nossos. E nesse momento, o Jackson era governador, o Flávio Dino também não nos apoiou [...] Então eu tava desiludido e não quis participar daquele processo (Entrevista realizada em 5 ago. 2012). Outra constatação, o voto que representa uma “identificação ideológica” é pouco estruturado do ponto de vista das ideias políticas. É o caso da professora Maria que tem um histórico de votação nos partidos de esquerda. Na eleição de 2006, para governador do Maranhão, votou no candidato do PSOL, Carlos Saturnino, no primeiro turno, e em Jackson Lago, no segundo turno. No pleito de 2010, votou novamente no candidato do PSOL (Saulo Arcangeli) para o governo estadual. Ao ser questionada por que votava nos candidatos do 105 PSOL, a professora disse ter simpatia pelas propostas desse partido e revelou que não votaria em Roseana Sarney, se tivesse havido segundo turno, afirmando: Não sou daqueles que tem ódio da família Sarney, mas acho que quando fica restrito a um só grupo é prejudicial para a sociedade, porque passa a ser um domínio em todas as esferas, não votaria para não se perpetuarem no poder, mas já se perpetuaram no poder! (Entrevista realizada em 5 ago. 2010). Esse tipo de voto não garante que o eleitor tenha conhecimento das concepções políticas representadas pelos partidos. De acordo com o relato dessa docente, seu desejo é que haja alternância de poder no Estado, que não perdure o domínio de um único grupo político, ou seja, suas ideias expressam uma cultura política liberal democrática. Dos oito docentes entrevistados, nenhum votou no candidato Flávio Dino. A professora Maria o mencionou em sua fala dizendo: “eu acho que ele é mais interessante no Legislativo [...] para a sociedade é melhor ter o Flávio no Legislativo porque é um homem que conhece que as leis são falhas, e no Legislativo poderia fazer leis mais justas”. A fala dessa docente reflete uma das imagens divulgadas pelo Jornal Pequeno a respeito de Flávio Dino, de ser este candidato uma espécie de personificação da Justiça. Desse modo, mesmo tendo um currículo que o tornava um candidato apto a concorrer naquela eleição (2010), Flávio Dino parece não ter conseguido imprimir confiança na intenção de voto dos professores do Liceu. Veja-se o depoimento do professor Francisco. Embora a gente tenha o Flávio Dino, candidato altamente qualificado, mas eu não senti confiança, eu não senti confiança nesse candidato. Até porque ele tava atrelado a Jackson Lago. Quando ele viu o barco do Jackson Lago afundando, aí parece que ele tava contra, parece que tava a favor, ficou no meio termo, ele perdeu muito comigo [...] Eu acho que o Flávio Dino ainda não está preparado para ser governador do Estado [...] Eu acho que ele ainda vai ser [...] Eu acho que o Flávio Dino será o novo Sarney. (Entrevista realizada em 11 de mar. 2012) De acordo com este professor, que vota em Roseana Sarney sempre que esta concorre a um cargo eletivo, a rejeição a Flávio Dino se explica pela proximidade dele com Jackson Lago no início da campanha eleitoral e era forte, entre os docentes, a lembrança da forma como o governo Jackson tratou os professores no episódio da greve de 2007. Ao afirmar que “Flávio Dino será o novo Sarney”, o professor Francisco aposta na manutenção das práticas oligárquicas mesmo com a derrota do grupo político dominante, como se esta condição fosse um trágico destino para o estado do Maranhão. Diante do perfil dos professores que fizeram parte desta pesquisa, pode-se dizer que o conjunto de elementos que definiram o voto na eleição de 2010, na capital do Maranhão, foi composto por uma memória histórica atrelada à imagem de José Sarney como 106 construtor do Maranhão moderno, memória diariamente alimentada pelos canais de mídia pertencentes à oligarquia Sarney, com destaque para O Estado do Maranhão, o jornal mais lido pelos professores entrevistados. Outro elemento importante diz respeito à experiência social dos indivíduos, sobretudo, aquela relativa às práticas de uma cultura oligárquica, introjetada no inconsciente dos cidadãos como se fosse naturalizada. Um exemplo disso é a quase ausência das denúncias dos crimes eleitorais nas entrevistas, somente dois docentes mencionaram haver práticas abusivas no pleito de 2010. 107 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS “A cultura política, como a própria cultura, se inscreve no quadro das normas e dos valores que determinam a representação que uma sociedade faz de si mesma, do seu passado, do seu futuro”. (BERSTEIN, 1998, p. 353). A prática política vivenciada no estado do Maranhão, desde a formação do Estado Nacional, relaciona-se ao domínio de grupos políticos que se apropriam do aparelho estatal em proveito de seus próprios interesses e de seus apaniguados. No processo de socialização política dos maranhenses, o apadrinhamento, a troca de favores, a perseguição aos adversários e a apropriação dos recursos públicos fazem parte das normas e valores da maioria da população. Nem mesmo a capital do estado, a cidade de São Luís, escapa dessas práticas nocivas ao espírito público. Num processo político dessa natureza, em que um determinado grupo se apropria dos poderes político, econômico e midiático, estabelecendo praticamente as regras eleitorais, torna-se quase impossível à oposição tornar-se vitoriosa. Assim, “mesmo que alguém alegue haver eleições nas quais a oposição pode concorrer, não se pode falar seriamente em democracia. É de oligarquia que se trata” (COUTO, 2010, p. 11). A vitória da candidatura “O MARANHÃO NÃO PODE PARAR”, representada pela governadora Roseana Sarney, deveu-se aos artifícios de desvirtuamento da organização político democrática, uma vez que o grupo oligárquico lança mão de sua capacidade organizacional para ganhar as eleições, mesmo que para isso tenha que recorrer a meios ilegítimos, como, por exemplo, ao uso do poder político e econômico para garantir apoio de lideranças políticas em todo Estado, manipulação da opinião pública, uso dos programas sociais do governo federal como moeda de troca junto ao eleitorado mais vulnerável socialmente, compras de votos comprovadas com farta prova documental e ainda não apuradas em virtudes das fortes relações do grupo oligárquico com membros do Judiciário do Maranhão e das instâncias federais. O grupo Sarney, mesmo perdendo a hegemonia eleitoral nas últimas eleições, devido ao aumento da competitividade eleitoral, das crises intraoligárquicas, do fortalecimento das oposições e do processo de organização dos movimentos populares e sociais, tem conseguido manter-se no poder estadual amparado pela estrutura de apoio do governo federal e das velhas práticas do patrimonialismo e clientelismo, bases da cultura política oligárquica. 108 Desse modo, temos a institucionalização das práticas oligárquicas em todo o estado do Maranhão, inclusive na cidade de São Luís, onde a governadora Roseana Sarney obteve, no pleito de 2010, uma pequena vantagem de votos em relação aos candidatos da oposição. Apesar da memória histórica construída pelas oposições e movimentos sociais em torno da rebeldia da Ilha de São Luís, a cidade apresenta certo conservadorismo ao eleger representantes políticos com tradição oligárquica. Na eleição de 2010, além do desencanto do eleitorado em relação ao governo Jackson Lago, há que se reconhecer que existe uma memória histórica positivada em torno da imagem do político José Sarney, que é enaltecida diariamente por seus veículos de comunicação como o criador do Maranhão moderno. A campanha eleitoral de 2010 foi uma verdadeira guerra entre os jornais O Estado do Maranhão e Jornal Pequeno. O primeiro, manipulando informações a respeito da popularidade de Roseana Sarney na capital, na perspectiva de combater a conhecida rebeldia da cidade aos representantes do grupo Sarney. O segundo, como principal periódico da oposição, tentava condicionar seus leitores a embarcar em mais uma edição da “libertação do Maranhão”. Esses jornais representaram, no campo da luta simbólica, as práticas sociais existentes no Estado. Quanto às motivações para o voto dos docentes que participaram dessa pesquisa, constatou-se que as relações de amizade, as questões pessoais e o prestígio do candidato junto ao governo federal são elementos definidores das relações entre os sujeitos sociais e seus representantes políticos. Pode-se afirmar, então, que a cultura política predominante em São Luís do Maranhão agrega elementos que transitam em variados tempos históricos, assentando-se, sobretudo, nos seguintes valores: lealdade, fidelidade, gratidão, amizade, parentesco, relações familiares, respeito, confiança. Nesse contexto, pode-se dizer que o Estado, ao invés de seguir o modelo burocrático x racional defendido por Weber (2000), permanece sendo visto como uma extensão da casa, da família, dos amigos. E que predomina o espírito do “homem cordial” do qual nos fala Sérgio Buarque de Holanda (2004), do homem que age movido pelas preferências subjetivas, que age com o coração, protegendo os amigos e perseguindo os inimigos políticos com a mesma presteza. Dos oito professores que participaram dessa pesquisa, somente dois votaram em Roseana Sarney, no pleito de 2010, o que corrobora a idéia de que o grupo da governadora passa por um grande desgaste junto ao eleitorado. No entanto, de acordo com as entrevistas realizadas, há uma crença de que as práticas oligárquicas continuem a vigorar no estado do Maranhão, mesmo sem a presença do grupo Sarney. Isso porque, tal cultura política 109 oligárquica faz parte das práticas e valores não só dos políticos em época de disputas eleitorais, mas definem as regras das relações sociais que atravessam o cotidiano de grande parte da população maranhense. 110 REFERÊNCIAS Fontes documentais ‘LE MONDE’ diz que Sarney é cabeça de uma máfia familiar no Maranhão. Jornal Pequeno, São Luís, p.3, 13 jan. 2010. A MUDANÇA está nas mãos do povo do Maranhão, diz Flávio Dino. Jornal Pequeno, São Luís, p. 3, 24 ago. 2010. AS PESQUISAS. O Estado do Maranhão. São Luís, p.3, 9 set. 2010. ARRUDA, Roldão. Eleições 2012: números revelam que abstenção é falta de cadastro. Jornal Estadão, 30 out. 2012. Disponível em: <www.estadão.com.br>. Acesso em: 24 jan. 2013. BLOGUEIRO. Jornal Pequeno, São Luís, p.3, 3 out. 2010. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, Subsecretária de Edições Técnicas, 1988. 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Brasília: UNB, 2000. 119 APÊNDICE A - Ficha de identificação do entrevistado NOME COMPLETO: _______________________________________________________ LOCAL E DATA DO NASCIMENTO: _________________________________________ ____/____/______ PROFISSÃO: _______________________________________________________________ PROFISSÃO DOS PAIS: PAI: ______________________________________________________________________ MÃE: _____________________________________________________________________ LOCAL DE NASCIMENTO DOS PAIS: PAI: ______________________________________________________________________ MÃE: _____________________________________________________________________ CÔNJUGE LOCAL DE NASCIMENTO: __________________________________________________ ESCOLARIDADE: ___________________________________________________________ PROFISSÃO: _______________________________________________________________ LOCAL DE TRABALHO: _____________________________________________________ FORMAÇÃO ESCOLAR: FUNDAMENTAL:___________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ENSINO MÉDIO: ____________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ CURSO SUPERIOR: ________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ PÓS-GRADUAÇÃO: _________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 120 EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL ( LOCAIS ONDE TRABALHOU): ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ENDEREÇO ATUAL: TELEFONE DE CONTATO ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ENDEREÇOS ANTERIORES: ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ RELIGIÃO:________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ JORNAIS IMPRESSOS LIDOS: ______________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ PROGRAMAS DE TV PREFERIDOS: _________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 121 COMO SE INFORMA ACERCA DA POLÍTICA LOCAL, NACIONAL E MUNDIAL: ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________