Anais do III Congresso Internacional de História da UFG/
Jataí: História e Diversidade Cultural. Textos Completos.
Realização Curso de História – ISSN 2178-1281
CONSIDERAÇÕES SOBRE A (NOVA) HISTÓRIA POLÍTICA EM GOIÁS: A
HISTORIOGRAFIA DA REVOLUÇÃO DE TRINTA EM PERSPECTIVA
Rogério Chaves da Silva1
RESUMO
O texto a seguir consiste em um breve estudo sobre os caminhos da história política
em Goiás, tendo como mira analítica a historiografia que tratou da ocorrência da Revolução
de 1930 em território goiano. Fabricando diferentes explicações sobre as especificidades da
experiência goiana durante esse fenômeno histórico, a reflexão sobre essa historiografia
indicia que, ao longo do tempo, as explicações sobre esse evento histórico trafegaram de
abordagens voltadas para a dimensão político-administrativa, de matriz marxista, para
perspectivas que primaram pela interface com a história cultural. Alargando a dimensão do
político, esses “novos” estudos de história política convergiram para as análises das
formações partidárias, das estratégias de memória, das vivências, das ideologias, das imagens
e dos comportamentos políticos, sobretudo, na tentativa de compreender a constituição de
cultura(s) política(s) na região.
PALAVRAS-CHAVE: História Política; Revolução de 1930; História e Historiografia de
Goiás
Esse breve estudo que trago à baila consiste em uma via perpendicular que
intersecciona uma trajetória investigativa mais vasta, pavimentada pelo propósito de analisar a
produção historiográfica acadêmica brotada em Goiás. Com esse intento, venho
desenvolvendo uma pesquisa no doutorado2 em História da Universidade Federal de Goiás
mirada para os seguintes nortes: discutir problemas relevantes atinentes à prática profissional
dos historiadores e, a partir desse exercício, analisar a produção historiográfica fabricada em
Goiás em nível de pós-graduação.
Como parte desse labor, tenho me ocupado em refletir, dentre outras coisas, na
caracterização e historicidade de alguns “campos de abordagens” da produção historiográfica
em Goiás, e um deles é o território da história política. Essa pretensão de sobrevoar,
brevemente, alguns estudos de história política em Goiás deve vir acompanhada de
esclarecimentos ao leitor. Primeiro, a maior parte dessas pesquisas realizadas no ambiente
acadêmico goiano, inegavelmente, trataram a dimensão do político inscrita à história do
estado. Agrega-se a isso o fato de que foram confeccionadas pesquisas, fora do espaço
acadêmico goiano, sobretudo na Universidade de São Paulo 3 (USP), que influenciaram, de
sobejo, as realizadas no estado em tela, neste sentido, uma história política de Goiás (fora de
1
Doutorando em História pela Universidade Federal de Goiás/ Bolsista FAPEG (e-mail [email protected]).
Título e delimitação temporal provisórios do projeto: “Reflexões sobre a feitura da história: uma análise da
produção historiográfica em Goiás (1972-2004)
3
Algumas dessas teses de doutoramento serão arroladas durante o texto.
2
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estado) acabou tracejando a história política em Goiás. Terciariamente, é preciso reconhecer
que há lacunas consideráveis no estudo dos fenômenos políticos em Goiás, um caso clássico é
o período compreendido do pós-regência até a instalação da República. Acrescento a esses
argumentos o fato de que, os trabalhos no território da história política, elaborados nos anos
70, 80 e parte da década de 1990, traziam em seu bojo as impressões das linhas interpretativas
marxistas, diferentemente das pesquisas do final da década de 90 e primeiro decênio de 2000,
que apresentaram uma interface com a história cultural. Nesse quadrante histórico, os
trabalhos com contornos visivelmente político-institucionais foram mesclados a pesquisas
sobre memória, comportamentos, ideologias, representações políticas. E, derradeiramente, a
elaboração de conhecimento histórico sobre a atmosfera do político, na última década, vem
pairando outras realidades que não só as do “passado goiano”. Com essa ampliação das
dimensões espaciais tratadas pela história política no estado, emergiram pesquisas sobre
dinâmicas políticas e de poder vivenciadas por outras regiões do país, da América Hispânica
e, mais recentemente, até sobre civilizações da antiguidade.
Realizado esse preâmbulo necessário sobre a dimensão do político na historiografia
em Goiás, retorno, mais detidamente, ao tema de minha comunicação, “Considerações sobre a
(nova) história política em Goiás: a historiografia da Revolução de Trinta em perspectiva”. É
inegável que a Revolução de 1930 ocupa lugar de relevo na historiografia brasileira, do
mesmo modo, a ocorrência desse evento histórico e seus desdobramentos em Goiás se
converteu em um importante objeto de análise dos historiadores que se enveredaram pela
história regional. Neste rol de estudiosos sobre o movimento de 30 em Goiás aparecem
memorialistas, historiadores, sociológicos, cientistas políticos. Como me ocupo da análise da
produção histórica feita pela pós-graduação em história, para os termos desse debate, não
incluo os trabalhos de memorialistas e historiadores diletantes que trataram do tema, como,
por exemplo, Joaquim Rosa, Americano do Brasil, Jaime Câmara ou o próprio Pedro
Ludovico. Labutando com essas pesquisas brotadas no âmbito da academia, é possível
anunciar que elas já entram em cena, diferentemente dos trabalhos memorialísticos sobre o
tema, sem os caracteres de uma clássica história política tanto criticada pela escola dos
Annales. A grande censura dirigida pelos Annales, em fins dos anos 1920, a uma dada história
política incidia sobre uma concepção de história que priorizava a noção de tempo breve, o
factual, o episódico, construída por meio de um tipo de narrativa epidérmica, superficial,
preocupada com a sucessão cronológica dos fatos políticos, concentrando sua argumentação
nos personagens de vulto, nos grandes acontecimentos, nas batalhas, no evento político-
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oficial. Neste sentido, os trabalhos de história política produzidos em Goiás, no âmbito
acadêmico, mesmo em seus primórdios, já se diferenciava do tipo de narrativa edificada pelos
memorialistas. Embora passíveis de discussão quanto às perspectivas, às hipóteses levantadas,
são pesquisas com fundamentação teórica, com controle metódico (inclusive utilizando essas
memórias como fontes), com articulação de conceitos e não uma erudita e bem elaborada
narrativa cronológica dos eventos políticos.
Compulsando o bojo dessa produção, constata-se que a Revolução de 1930 em Goiás
constituiu-se em um momento ímpar para as interpretações empreendidas acerca do “passado
goiano”. Considerado, pela maioria das pesquisas, como um período que viabilizou a
modernização do estado, que o inseriu, efetivamente, no circuito do mercado capitalista
nacional, precursor dos ideais de progresso aos goianos, o “movimento outubrista” e seus
desdobramentos teriam engendrado o maior símbolo da modernidade nascente em Goiás
naquele quadrante histórico: Goiânia. É inconteste que, como um tema muito visitado pelos
cientistas dos fenômenos humanos, a Revolução de 30 em Goiás é objeto de polêmicas
interpretativas entre seus estudiosos. Essas divergências que, a meu ver, só demonstram a
complexidade desse evento histórico ocorrido nas latitudes goianas, são reflexos,
principalmente, das diferenças encontráveis naquilo que o historiador alemão Jörn Rüsen
denominou “perspectivas orientadoras da experiência do passado” (RÜSEN, 2001, p. 29). De
acordo com sua arquitetura conceitual denominada “matriz disciplinar”, “as perspectivas
orientadoras da experiência do passado”, grosso modo, constitui-se em modelos de
interpretação que o historiador aplica às fontes para extrair o conteúdo dos fatos. As
“perspectivas orientadoras” e “os métodos de pesquisa” conferem à experiência humana do
passado o status de histórica, pois enquanto esses modelos de interpretação, em que consistem
as perspectivas orientadoras, dirigem o olhar sobre o passado, os métodos de pesquisa
mediam a investigação do que foi e como foi a experiência no passado, de forma que alguns
critérios de cientificidade, no pensamento histórico, sejam alcançados. Concorrentes ou não,
essas leituras acerca da Revolução de 1930 exalam as “perspectivas orientadoras” que
estavam em voga em seus diferentes momentos de produção.
Esquadrinhando essa historiografia, observa-se que a única pesquisa que examina,
especificamente, o movimento de 1930 em Goiás é a tese de doutoramento da professora Ana
Lúcia da Silva, defendida na Universidade de São Paulo, em 1982, “A Revolução de 30 em
Goiás”.
Numa outra seara, identifica-se trabalhos, não menos importantes, que por se
debruçaram sobre fenômenos históricos muito relacionados ao movimento revolucionário e
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seus desdobramentos, acabaram por se debruçar sobre o significado da Revolução de 30 em
Goiás. Dentre os vários podemos citar alguns: a dissertação de mestrado de Nasr Chaul, “A
Construção de Goiânia e a Transferência da Capital” (1985), e sua tese de doutorado
(USP/1995) “Caminhos de Goiás: da construção da decadência aos limites da modernidade”,
a dissertação de mestrado de Maria Cristina Machado (1987), “Pedro Ludovico: um tempo,
um carisma, uma história”, os trabalhos do historiador espanhol Luis Palacín, “Fundação de
Goiânia e o desenvolvimento de Goiás” (1976) e “Quatro Tempos de Ideologia em Goiás”
(1986) a dissertação de Maria Beatriz Costa (1994) “A Revolução de 1930 e a Revista Oeste
na consolidação de Goiânia: do Bandeirismo utópico à concretização do discurso”, a pesquisa
de Cristina Gomide “Centralismo Político e Tradição Histórica: Cidade de Goiás (19301978)”. Existem outras pesquisas dignas de menção, mas devido à limitação de páginas
imposta a esse texto, restrinjo-me a essas.
Considerando a ressonância do trabalho que até hoje é lido e inserido nas linhas
narrativas daqueles que investigam os anos 1930, enceto com a inquirição de Ana Lúcia da
Silva, “A Revolução de 30 em Goiás”. Valendo-se de uma abordagem de viés marxista para a
análise da Revolução de 1930 no estado, a historiadora estriba, teoricamente, sua investigação
em pressupostos e conceitos da Escola Sociológica Paulista, sobretudo de Florestan
Fernandes, apresentando elementos reflexivos emanados da Nova Esquerda Brasileira, com
destaque para as categorias e análises de José de Souza Martins. Embora se debruce sobre um
fenômeno histórico eminentemente político, Ana Lúcia da Silva constrói sua argumentação
sobre uma ancoragem econômica, explicando o movimento revolucionário em Goiás como
resultado de um descompasso existente entre o poder econômico e poder político no cenário
goiano dos anos 1920. De modo mais claro, os representantes das oligarquias do sul e
sudoeste, regiões mais desenvolvidas economicamente do estado, não fruíam de
correspondente prestígio político, tendo em vista que, durante os pleitos, os grupos
hegemônicos, liderados pelos Caiado, se posicionavam em favor de candidatos oriundos da
capital, a cidade de Goiás. Em face dessa não correspondência entre poder econômico e poder
político, as oligarquias do sul e sudoeste, no entardecer dos anos 1920, romperam com as
oligarquias dominantes e aliaram-se à Aliança Liberal que, ao ser vitoriosa em nível nacional
e regional, elevou ao poder político goiano as oligarquias dissidentes, sob a batuta política do
médico Pedro Ludovico Teixeira. Intentando compreender e analisar as singularidades do
movimento de 30 em Goiás, Ana Lúcia dialoga constantemente, no decorrer de sua narrativa,
com importantes trabalhos que esquadrinharam esse fenômeno histórico em nível nacional.
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Suas maiores referências nesse cotejamento entre os acontecimentos nacionais de 30 e a
experiência goiana local foram: Florestan Fernandes e Boris Fausto. Para a compreensão das
especificidades da economia goiana nos quadros do capitalismo e seus reflexos na
configuração política e social do estado na Primeira República e anos 30, Florestan Fernandes
e José de Souza Martins foram essenciais.
Em que pese o fato de a Revolução de 1930 ter sido um fenômeno político de
dimensões nacionais, a historiadora se empenha em demonstrar as singularidades da
experiência goiana no contexto desse momento histórico brasileiro. Primeiramente, diferente
de estados como o de São Paulo, a vocação agropastoril e a amplitude do poder oligárquico
em Goiás fizeram com que os núcleos urbanos se resumissem em “formações urbanas em
meio rural” (SILVA, 2005, p. 45). Deste modo, o poder das oligarquias se estendia para além
do meio rural alcançando as cidades. Diante de um contexto urbano de precário
desenvolvimento industrial e subordinado as potencialidades econômicas e domínio político
emanados do universo rural, não se constituiu no estado uma classe média, um proletariado e
muito menos uma burguesia capaz de se expressar de forma contundente no cenário político.
As chamadas classes médias em Goiás, compostas por médicos, advogados, engenheiros,
comerciantes e outros profissionais liberais, eram consideradas tais pela origem social, pois
do ponto de vista ideológico não se formulou antagonismos de classes com as oligarquias.
Pelo contrário, em diversas ocasiões, esses profissionais liberais se tornavam o elo entre
proprietários rurais e eleitores, portanto, uma relação de complementaridade de interesses. A
autora também pormenoriza a possível influência de ideais tenentistas na ação dos
revolucionários, para ela, era uma disputa de poder entre oligarquias regionais, que não se
antagonizaram por motivações de ordem ideológica.
Numa análise em que os aspectos econômicos assumiram o caráter primacial,
demonstra que, durante a Primeira República, a penetração das frentes de expansão e das
frentes pioneiras, a introdução da via férrea e o aumento das estradas de rodagem em Goiás,
resultaram na dinamização econômica das regiões sul e sudoeste, que se tornaram o centro da
economia goiana. Valendo-se, metodologicamente, de uma série de dados oficiais, tabelas,
gráficos, mapas e estatísticas, demonstra o incremento econômico dessas regiões, e argumenta
que, enquanto existia certa igualdade econômica entre os grupos políticos do estado, o
predomínio político dos blocos da capital não sofreu abalo. Não obstante, na medida em que o
poder econômico das oligarquias meridionais aumentou, suas pretensões políticas também
recrudesceram, o que resultou na dissidência política e na posterior vitória do movimento
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outubrista com o auxilio da Coluna Mineira Arthur Bernardes. Por conseguinte, a
pesquisadora conclui que a Revolução de 1930 em Goiás se constituiu, em termos políticos,
em um deslocamento de oligarquias no poder. Encerrando sua análise, apresenta o processo
de inserção, efetiva, do estado ao circuito da economia de mercado nos anos pós-revolução,
mas persiste com a assertiva de que “o Estado pós-30 em Goiás permaneceu oligárquico,
ocorrendo apenas uma rotatividade no poder, no interior do próprio grupo oligárquico”
(SILVA, 2005, p. 162). Tendo como fonte histórica o relatório do interventor Pedro Ludovico
Teixeira ao presidente Vargas, de 1933, a autora aduz que muitas das mudanças propugnadas
por Ludovico em seu relatório ficaram apenas no plano da retórica, pois, na prática,
compulsando dados de documentos oficiais, muitas dessas modificações na forma de conduzir
o estado não se efetivaram na realidade.
Como uma tese de doutoramento que tratou, detidamente, do tema, e por se tratar de
uma professora que fazia parte dos quadros do programa de mestrado em História da UFG, a
tese de Ana Lúcia passou a ser leitura obrigatória e sua perspectiva influenciou outras
investigações sobre o período, até porque, em alguma delas, a referida professora foi
orientadora. É preciso realçar que a formação do Programa de Mestrado em História da UFG,
no início da década de 1970, contou com a vinda de professores da USP, ademais, a maioria
dos professores que lecionaram e orientaram no programa, nos anos 70, 80 e início de 90,
fizeram o doutoramento na USP. Essa relação, que merece melhor verticalização em minha
pesquisa, nos apresenta indícios para se entender a penetração da matriz interpretativa
marxista no meio acadêmico goiano, principalmente nos 70 e 80. É nítida a marca dessa linha
teórica nas pesquisas realizadas nessas duas décadas. Do mesmo modo, os trabalhos de
história política foram produzidos com os sinais dessa “perspectiva orientadora da experiência
do passado”. A pesquisa de Ana Lúcia da Silva alcançou tamanha ressonância entre os
estudiosos do movimento, que ouso afirmar que sua tese sobre a incompatibilidade entre
poder econômico e poder político experimentado pelos grupos oligárquicos do sul e sudoeste
do estado, durante os anos 1920, como fundamento primordial para se compreender a
emergência de uma oposição política em Goiás que triunfaria em 30, ainda não foi colocada
em cheque por outra tese com argumentos diferentes. Em que pese o fato de a pesquisa ter
sido alvo de críticas pontuais, essa premissa ainda resiste na historiografia.
Na década de 1980, duas importantes dissertações foram produzidas sobre o período:
a de Nasr Chaul, “A Construção de Goiânia e a Transferência da Capital”, e a de Maria
Cristina Machado, “Pedro Ludovico: um tempo, um carisma, uma história”. Embora ainda
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marcadas pelo viés interpretativo marxista, em que a esfera do político torna-se reflexo das
injunções econômicas, essas duas pesquisas já começam a deixar rastros de outras
perspectivas analíticas para se pensar a dimensão do político. No tocante à primeira, Nasr
Chaul, que foi orientado por Ana Lúcia da Silva, analisa a construção de Goiânia e a
conseqüente transferência político-administrativa para a nova capital como um fenômeno
resultante de uma estratégia política do grupo vitorioso na Revolução de 1930 em Goiás de
retirar a administração e dominância política da cidade de Goiás, antro de poder da oligarquia
caiado. Chaul também procura compreender a construção de Goiânia dentro do processo de
acumulação capitalista, como forma de dinamizar Goiás nos quadros da economia nacional,
sobretudo, com a consolidação das frentes pioneiras no estado. Considerando a conceituação
de oligarquia apresentada por Ana Lúcia, Chaul concorda, nessa investigação, de que, mesmo
com a Revolução de 30, a terra continuou sendo, em Goiás, fonte de poder, prestígio e
produção. Dessa forma, o movimento vitorioso representaria “uma alternância de oligarquias
no poder, ressaltando que oligarquia aqui se relaciona com a continuidade de o poder ter base
na terra como fonte de produção” (CHAUL, 2001, p. 46). Logo, do ponto de vista político,
houve uma permanência de proprietários fundiários no poder estadual. Entretanto, novas
perspectivas, não tão vinculadas aos aspectos econômicos, começam a vir à baila nessa
análise. O autor realça que as transformações de mentalidade pelas quais passava esses grupos
oligárquicos eram repassadas pelas camadas médias, embora ainda como apêndice dos grupos
oligárquicos. Numa abordagem em que se volta para os comportamentos políticos, Chaul
assevera que os anos imediatamente posteriores a revolução ostentam uma configuração
híbrida, em que elementos considerados “velhos”, típicos da Primeira República, ainda podem
ser encontrados nesse pretenso tempo “novo” do pós-1930. Essa hibridez de elementos do
tempo que se recusa com aspectos daquilo que se tem como horizonte é o ponto nodal de
muitas análises que se dedicam ao complexo cenário da Revolução de 30 em Goiás. Nesse
trânsito entre rupturas e continuidades, o velho modus operandi oligárquico, marcado pela
repressão, autoritarismo, também teria se manifestado no tempo “novo”, principalmente na
época da transferência da capital em que se “notam “velhos” e combatidos métodos para
viabilizar “novas” ideias” (CHAUL, 2001, p. 49). Inclusive, Goiânia teria se constituído na
síntese de elementos, por muitos, considerados antinômicos: o velho e o novo, a agricultura e
o comércio, a oligarquia e a revolução, o moderno e o atrasado, ou, seja a própria fronteira.
A dissertação da socióloga Maria Cristina Machado, elaborada no mestrado em
História, “Pedro Ludovico: um tempo, um carisma, uma história” é outro exemplo de que as
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pesquisas em história política, em fins dos anos 1980, vinha adquirindo outras feições
historiográficas, que não só as de influência marxista. Não há como negar que a leitura de
Maria Cristina feita sobre a Primeira República, principalmente para entender o contexto
goiano dos anos 20, passou pelos instrumentais teóricos da esquerda brasileira. No entanto,
para a compreensão das ações políticas de Pedro Ludovico e o significado histórico desse
personagem da história política goiana, recorreu à teoria do carisma de Max Weber.
Em que pese seja uma investigação passível de algumas críticas, as quais desejo não
desenvolver nesse texto, Maria Cristina apresenta alguns elementos analíticos interessantes
sobre o período. A despeito de traçar a mesma linha interpretativa de Ana Lúcia da Silva
acerca dos condicionantes econômicos que viabilizaram a formação de uma oposição política
em Goiás resultantes no movimento revolucionário de 30, Maria Cristina critica a tese de sua
professora ao afirmar que, considerar o movimento de 30 como um promotor de uma
alternância de oligarquias no poder, significa simplificar o processo histórico. Um ponto alto
de sua argumentação, a meu ver, gira em torno de sua sensibilidade histórica em perceber que
as camadas dominadas, em sua maioria de origem rural, diferentemente do que a maior parte
da historiografia indiciou, apresentavam outros canais de expressão de seu descontentamento
com a realidade social que não só aqueles trazidos pelo materialismo histórico. Nesse sentido,
ressoou o significado do movimento de Santa Dica em Goiás. A autora também acentua
aquilo que denomina de “mentalidade modernizadora/progressista” que alguns líderes da
revolução carregavam consigo e queriam implantar no estado, dentre eles Pedro Ludovico.
Com formação superior em grandes centros do Brasil, esses líderes desejavam promover em
Goiás ações típicas dessa “mentalidade progressista/modernizadora, o que só foi possível com
a vitória na Revolução de 30.
A obra do historiador espanhol Luis Palacín, de 1986, “Quatro Tempos de
Ideologia em Goiás” é outro exemplo dessas novas modulações interpretativas na história
política em Goiás. O autor articula aspectos ideológicos com marcos políticos como meio de
definição desses tempos: o Tempo Heróico (1722-1749), o da Ideologia da Administração
(1749-1822), o da Ideologia Liberal (1822-1840) e o Tempo da Revolução de 1930. São
delimitações temporais baseadas em fenômenos de natureza política. Embora trabalhe com
clássicos marcos temporais de natureza político-institucionais, Palacín tece sua narrativa
entremeada ao conceito de ideologia em Lucien Goldmann e à urdidura teórica da sociologia
do conhecimento de Karl Manheim. Especialmente sobre a ideologia da Revolução de 30,
acentua a disparidade entre o discurso dos revolucionários e suas práticas políticas: o antes, o
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tempo “velho”, o passado, o tempo das oligarquias, do atraso, em contraposição ao depois, o
tempo “novo”, o futuro promissor, o tempo da modernização. Numa tessitura narrativa
permeada pela ironia, Palacín, ao mesmo em que crítica a incompatibilidade entre discurso e
prática política de Pedro Ludovico, faz uma autorreflexão, também irônica, se não estaria
cometendo um equívoco historiográfico ao imprimir uma leitura sobre o relatório de 1933 já
tendo a clareza da forma como o governo revolucionário se comportou em Goiás.
Identificado alguns traços dessas novas perspectivas em alguns trabalhos dos anos
1980, a década subsequente, apresentou, do modo mais evidente, os delineamentos dessa
(nova) história política que, no caso goiano, representou o gradativo afastamento com os
instrumentais teóricos marxistas como filtros analíticos para se abordar as experiências
políticas do passado. As pesquisas elaboradas no âmbito da história política, durante o
decênio em questão, carregam em suas linhas interpretativas, novas matrizes teóricas e
metodológicas decorrentes de sua aproximação com a história cultural. Na dissertação “A
Revolução de 1930 e a Revista Oeste na consolidação de Goiânia: do bandeirismo utópico à
concretização do discurso”, de 1994, Maria Beatriz Costa avalia, por exemplo, as
repercussões do ideário modernizador da revolução de 1930 na mudança da capital para
Goiânia, bem como examina o papel desta no interior da política de colonização do Estado
Novo consubstanciada no plano da Marcha para o Oeste. Fazendo uso da metodologia da
análise do discurso, a autora deita seu olhar sobre os exemplares da Revista Oeste, veículo
divulgador do pensamento oficial no período, para analisar os aspectos político-ideológicos
subjacentes à linha editorial e matérias veiculadas no periódico, além de esquadrinhar os
elementos simbólicos que envolvia a consolidação de Goiânia, como capital do interior do
país, e do bandeirismo como forma de fundamentar o discurso da Marcha para o Oeste.
Cristina Gomide, em “Centralismo Político e Tradição Histórica: Cidade de Goiás”
(1999), e Jales Mendonça, em “A Assembleia Constituinte Goiana de 1935 e o Mudancismo
Condicionado” (2008), cada qual com seu respectivo foco de abordagem, analisam os
impactos da Revolução de 30 em Goiás, sobretudo em torno do projeto de modernização
subsumido à construção de Goiânia, mas sob outro prisma: o ponto de vista dos habitantes da
cidade deixada ao passado, a “velha” Goiás, e o dos grupos políticos vencidos com a
revolução de outubro. A topografia historiográfica se volta para outra superfície histórica: a
perspectiva dos vencidos, dos esquecidos pela historiografia. Nessa nova imersão, a história
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oral, não a mera entrevista como apêndice, a linguagem arquitetônica e iconográfica são
trazidas a lume como importantes elementos metódicos da pesquisa.
Existem outros estudos dignos de menção, como por exemplo, a tese de doutorado do
professor Nasr Chaul, “Caminhos de Goiás: da construção da decadência aos limites da
modernidade” (1995), a dissertação de mestrado do professor Cristiano Arrais, “Cidades e
Identidades de Fronteira (um estudo sobre a construção de Goiânia a partir do conceito de
momento de fronteira)” (2003), mas urge a necessidade de se fazer um fecho. Portanto, avulto
que as novas alamedas da história política em Goiás estão sendo calçadas, desde a década de
1990, por matrizes teóricas e procedimentos metodológicos marcados pela interface com a
história cultural. Da mesma forma, essas pesquisas no âmbito da história política em Goiás
têm demonstrado o arrefecimento do interesse pela dinâmica regional. Não obstante, esses
“novos” estudos, que se desvencilharam, gradativamente, das interpretações que tomavam os
territórios da política como reflexo das injunções econômicas, vêm produzindo um
alargamento da dimensão do político: para além dos aspectos administrativos e oficiais, o
foco de abordagem mira para a análise das formações partidárias, das estratégias de memória,
das ideias/mentalidades, das imagens e dos comportamentos políticos, especialmente, na
tentativa de se compreender a constituição de cultura(s) política(s) na região.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ARRAIS, Cristiano P. A. Cidades e Identidades de Fronteira (Um estudo sobre a
construção de Goiânia a partir do conceito de momento de fronteira). Goiânia:
Universidade Federal de Goiás. Dissertação de Mestrado do Programa de Mestrado em
História das Sociedades Agrárias, 2003.
CHAUL, Nasr F. A Construção de Goiânia e a Transferência da Capital. Goiânia: Ed. da
UFG, 2001.
____. Caminhos de Goiás: da construção da decadência aos limites da modernidade. 2ª
edição. Goiânia: Ed. da UFG, 2002.
COSTA, Maria Beatriz R. A Revolução de 1930 e a Revista Oeste na consolidação de
Goiânia: do bandeirismo utópico à concretização do discurso. Goiânia: Universidade
Federal de Goiás. Dissertação de Mestrado do Programa de Mestrado em História das
Sociedades Agrárias, 1994.
GOMIDE, Cristina H. Centralismo político e tradição histórica: Cidade de Goiás (19301978). Goiânia: Universidade Federal de Goiás. Dissertação de Mestrado do Programa de
Mestrado em História das Sociedades Agrárias, 1999.
MACHADO, Maria C. T. Pedro Ludovico: um tempo, um carisma, uma história. Goiânia:
Cegraf/UFG (Coleção Documentos Goianos, 18), 1990.
MENDONÇA, Jales G. C. A Assembleia Constituinte Goiana de 1935 e o Mudancismo
Condicionado. Goiânia: Ed. da UCG, 2008.
PALACÍN, Luís. Quatros tempos de ideologia em Goiás. Goiânia: Cerne, 1986.
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RÜSEN, Jörn. Razão Histórica – Teoria da história I: os fundamentos da ciência
histórica. Trad. Estevão Rezende Martins. Brasília: Ed. UnB, 2001.
SILVA, Ana Lúcia da. A Revolução de 30 em Goiás. 2ª Ed. Goiânia: Cânone Editorial,
2005.
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