RELATO DE UMA PROPOSTA PEDAGÓGICA PARA JOVENS E ADULTOS EM UMA ESCOLA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE MAGALHÃES, Maísa Pereira [email protected] PEREIRA, Dalva Faria [email protected] RIBEIRO, Eliza Maristela [email protected] Área Temática: Formação de Professores Resumo O tema do presente trabalho aborda a construção de uma proposta político-pedagógica para jovens e adultos, em uma escola municipal da cidade de Belo Horizonte. Tem como objetivo destacar a importância da formação docente e do trabalho coletivo no contexto educacional, idéias que evoluíram e confluíram para a criação de uma nova proposta curricular. Ao romper com as divisões típicas das áreas de conhecimento: seriação; trabalho com disciplinas isoladas; formação de turmas homogêneas e tempo específico para a obtenção da certificação, a escola propôs mudanças significativas no fazer pedagógico, tornando os tempos e os espaços mais flexíveis por meio da movimentação das professoras em todos os agrupamentos (turmas). A problemática que impulsionou a busca de novas diretrizes, para a re-significação do trabalho em sala de aula, foi a insatisfação dos docentes face à fragmentação do trabalho educativo, que impossibilitava a interdisciplinaridade e dificultava a interlocução entre os conteúdos educativos e a realidade dos educandos. Este olhar mais abrangente sobre a prática docente, tornando-a mais democrática e humanizadora, exigiu, por outro lado, uma formação ampliada no sentido de buscar aprimoramento pessoal e profissional pelos integrantes do processo. O texto aborda também a função social da escola e o trabalho com a metodologia de projetos, tendo como referenciais teóricos os estudos realizados por Hernández (1999), denominados “Projetos de Trabalho” e que serviram de suporte no desenvolvimento de uma metodologia própria, construída coletivamente. Destaca-se as dificuldades decorrentes do processo de criação desta proposta curricular, os avanços e as conquistas obtidas até sua implementação pela Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte. Entende-se que o trabalho coletivo trouxe nova perspectiva para o redimensionamento da prática pedagógica, contribuindo efetivamente para a ampliação do processo ensino-aprendizagem dos sujeitosalunos. Palavras-chave: Currículo; Formação Docente; Educação; Projetos de Trabalho. Introdução Este trabalho retrata uma proposta pedagógica para o público de Educação de Jovens e Adultos (EJA), construída coletivamente no período de 2000/2004, pela equipe de professores 10672 de uma Escola Municipal, onde foi implantada a partir de 2004. Esta escola localiza-se em uma região de “alto risco”, provocado, pelo tráfico de drogas e pelo elevado índice de desemprego. A comunidade, na qual a instituição está inserida, apresenta sérias dificuldades sócioeconômicas e está classificada pela Secretaria de Gestão, Trabalho e Saúde (SGTS) como abaixo do nível da pobreza, tendo como característica principal, as regras de convivência com o crime organizado, regidas pela lei do silêncio. Nesta comunidade, alguns grupos com forte liderança criam uma cultura específica, com regras bem definidas, implantando o respeito por meio da coerção. Nos diálogos estabelecidos com familiares dos alunos, verifica-se que quando alguns aspectos relativos à vida da comunidade são abordados, como por exemplo, a violência provocada principalmente pelo tráfico de drogas, eles preferem silenciar. Tornou-se comum, para esta comunidade, conviver com todo o tipo de violência: desde as pequenas infrações, as mortes por assaltos, as brigas de gangues envolvidas no tráfico de drogas, os tiroteios, os abusos sexuais e até as ameaças feitas pelos pais e alunos aos professores, se as regras da escola contrariam aquelas estabelecidas por eles. A convivência da escola com a comunidade é pacífica, tendo um colegiado ativo, que valoriza o diálogo e respeito mútuos. O patrimônio da escola é valorizado por todos, pois os espaços da escola são abertos à comunidade, principalmente nos finais de semana. Esta relação de respeito foi construída pela escola, ao longo dos anos. O ensino noturno foi implantado somente em 1991 e a escola já teve as seguintes modalidades de ensino: Ensino Regular de 1ª a 4ª série, Suplência Semestral e Ensino Regular de primeiro e segundo ciclos, caracterizado como Educação de Jovens e Adultos, seguindo a orientação do projeto Escola Plural, quanto à sua organização. Com a normalização da EJA, em 2004, pela Secretaria Municipal de Educação, a escola inicia-se a elaboração do seu Projeto Político Pedagógico (PPP), contando com a coordenação pedagógica, a assessoria dos profissionais da Secretaria Municipal de Educação (SMED) e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). EJA: A construção de um novo espaço de formação: relato de uma experiência pedagógica significativa, com alunos de EJA A EJA é uma modalidade de ensino que busca atender a especificidade dos alunos jovens e adultos que sofreram o processo de exclusão escolar, pelos mais diversos motivos, na 10673 infância ou na adolescência. Esta modalidade de ensino trabalha com a concepção emancipatória da educação (FREIRE, 1996). Isto significa que a educação para este público, é um “direito de cidadania” e se exerce pela “formação científica séria e da clareza política dos educadores (as)” no sentido de conceberem uma prática educativa que dê conta das múltiplas dimensões da formação humana. A EJA tem uma história que iniciou nos anos 50 com base na Constituição Federal e a Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação, se firmando como direito de cidadania para o jovem e o adulto excluídos da educação escolar. O Sistema Municipal de Ensino buscou organizar esta modalidade de ensino. A Escola Municipal em apreço, por sua história e participação neste movimento, se apresentou como candidata a trabalhar com a EJA e, no período de 2000/2004, construiu o seu Projeto Político Pedagógico. Em 2004 este Projeto foi enviado à Prefeitura e aprovado nos termos da Lei, conferindo-se à referida escola o direito de expedir certificação de conclusão do Ensino Fundamental em Educação de Jovens e Adultos, correspondente ao Ensino Fundamental do sistema seriado (8ª série) e do sistema por ciclos (3º ciclo). O tempo previsto para o curso da EJA, nesta escola, é contado em horas, com o máximo previsto para 2625 horas (em torno de cinco anos) e o mínimo de 500 horas (em torno de um ano). Isto significa que a certificação do aluno pode ocorrer a partir de 500 horas, e que as horas são somadas ao longo dos anos letivos. O calendário escolar da EJA, nesta escola, prevê 150 dias letivos, com 3h30 de trabalho diário com os alunos. As aulas acontecem de segunda a quinta-feira, de 18h30 as 22h30h, assim organizadas: 18h30h às 19h – recepção dos alunos e merenda; 19h às 20h30 h – aula; 20h30 às 20h50 – intervalo; 20h50 às 22h30 – aula. As sextas-feiras são reservadas para planejamento e avaliação do trabalho pedagógico pelo coletivo de professoras, bem como para momentos de estudo, reflexão e transformação da prática pedagógica. (A referência ao gênero feminino é devido ao fato do quadro de professores da escola mencionada ser formado por mulheres). Nesta escola não se trabalha com a lógica da seriação. Os alunos são organizados em agrupamentos flexíveis, ou seja, turmas flexíveis. O tipo de agrupamento, assim como o seu tempo de duração, depende do tema a ser desenvolvido e das metas a serem alcançadas, segundo o Projeto Político-Pedagógico (PPP). Todo agrupamento se inicia com uma atividade coletiva na qual são propostos temas de estudos e objetivos a serem desenvolvidos. Estes 10674 temas podem estar relacionados com os conteúdos das disciplinas escolares ou com assuntos vivenciados no mundo e são levantados em assembléia por alunos e professores. O encerramento do agrupamento acontece com uma apresentação coletiva, na qual são apresentados alguns dos trabalhos desenvolvidos durante as aulas, tanto por alunos, quanto por profissionais da escola. Os professores são reorganizados, em cada novo agrupamento, segundo as necessidades, interesses, habilidades ou combinados. Em cada agrupamento, durante o ano letivo, são organizadas listas de freqüência para cada turma. A chamada é feita diariamente. Ao final do agrupamento a freqüência é repassada para o registro na secretaria e novas listas são organizadas para os novos agrupamentos. Consta no Projeto Político-Pedagógico da EJA uma “malha curricular” em que o eixo central é a vivência e a formação da cidadania pelas múltiplas dimensões da formação humana. Este eixo é desmembrado em diversos recortes temáticos, possibilitando o trabalho com projetos. Como a “malha curricular” é ampla e flexível, outros temas podem ser sugeridos por demanda dos alunos, professoras ou outras situações pertinentes ao coletivo escolar. O currículo é organizado por eixos temáticos, na perspectiva de construir uma ação educativa que dê conta da riqueza das dimensões formadoras da vida adulta. Os eixos temáticos representam dimensões da vida jovem e adulta de educandos e educadores, explicitam objetos de estudos essenciais à aprendizagem, contemplam a formação humana e a diversidade geracional, dialogam com os saberes dos sujeitos construídos em suas trajetórias, redimensionam e qualificam melhor o papel das disciplinas e dos conteúdos. Cada agrupamento desenvolve trabalhos dentro da temática proposta, conforme suas especificidades. As disciplinas curriculares são as mesmas do Ensino Fundamental: Português, Matemática, Geografia, História, Ciências, Artes, Educação Física e Língua Estrangeira. Estas disciplinas são trabalhadas pelos diversos níveis de abrangência, de forma interdisciplinar e multidisciplinar de acordo com os projetos a serem desenvolvidos nos agrupamentos. Não são adotados livros didáticos específicos por disciplina, mas os diversos livros são utilizados para pesquisa. A re-significação do trabalho com as disciplinas e as especificidades de cada ciência requer materialidade contextualizada, portanto, os materiais didático-pedagógicos são elaborados pelo grupo de professores. Algumas atividades, relacionadas às disciplinas, são comuns para todos os alunos da escola, servindo de suporte ao coletivo de professores, para o 10675 desenvolvimento do trabalho. Não são observadas graduações de dificuldades, mas sim, as possibilidades de trabalho de acordo com os interesses manifestados por alunos e professores. A escola possui boa infra-estrutura: biblioteca com rico e abrangente acervo, sala de jogos pedagógicos, sala de multimeios, laboratório de informática, quadras esportivas, como também um auditório para apresentações artísticas e culturais. O aluno jovem e adulto traz para a escola uma gama de conhecimentos construídos em outras instâncias sociais: família, igreja, trabalho, comunidade, etc. Estes conhecimentos somam-se ao processo de interação escolar, interferindo e auxiliando no direcionamento do trabalho. Podem interferir no como e no que fazer. Isso significa que a escola deve organizar o seu trabalho de maneira que a sistematização dos conteúdos escolares possa interagir com os conhecimentos que os alunos já possuem, no sentido de ampliá-los. A EJA, nesta escola, não prevê em sua organização: a seriação, o trabalho com disciplinas isoladas e a formação de turmas homogêneas. Não fixa, também, o tempo específico para a obtenção da certificação. Trabalha-se com agrupamentos flexíveis, “projetos de trabalho” interdisciplinares e turmas heterogêneas. O termo “projetos de trabalho”, aqui mencionado, diferencia-se daquele proposto por Hernández (1999). Trata-se ainda de uma interlocução entre as disciplinas, propiciando aos alunos a compreensão mais abrangente dos assuntos relacionados às temáticas propostas para estudo. Esses sujeitos ainda não são co-autores de seu processo ensino-aprendizagem, tendo grande dificuldade em investigar e pesquisar as situações-problemas da comunidade onde vivem, dentre outras. Este processo está sendo construído gradativamente, devido à resistência dos alunos em se trabalhar de acordo com a Pedagogia de Projetos, proposta pelo referido autor. Muitos alunos, acostumados com outro tipo de organização escolar, ficam insatisfeitos, desejosos que a escola fosse aquela que eles conheceram quando ainda eram jovens, mas, por meio de diálogos freqüentes e dos desenvolvimentos de ações democráticas dentro do espaço escolar, começam a exercer o processo de cidadania e passam a participar do trabalho escolar. Cabe ao aluno repensar sua escolha pela EJA, nesta escola. A avaliação é processual, contínua e diagnóstica, acompanhando todo o tempo de escolarização do aluno, como parte do trabalho educativo. A certificação, no entanto, prevê um processo avaliativo especial, no qual devem ser utilizados alguns dos instrumentos de avaliação relacionados à proposta pedagógica da referida escola. 10676 Nesse contexto, o próprio aluno, a partir do seu nível de interesse, participação, desenvolvimento e conhecimento é que fixa o tempo de que necessita para obter a certificação. Caso sinta-se preparado pode ser certificado, mas antes, deverá fazer avaliações e entrevista com a equipe de professores. Durante o ano letivo, o aluno passa por vários agrupamentos e vários professores. Todos os registros necessários à sua avaliação são arquivados em um envelope oficial da escola – dossiê. Estes registros acompanham o aluno em sua trajetória escolar e podem ser analisados por todas as professoras para um melhor conhecimento do estudante e também como subsídio à avaliação e à certificação. Para obter a sua certificação, é importante ser considerado pelo aluno da EJA, nesta escola: a) ser assíduo; b) ser responsável e autônomo e ter um bom comportamento; c) demonstrar interesse, participação e compromisso para com todas as atividades propostas; d) participar do trabalho coletivo acrescentando a este o seu conhecimento e sua experiência; e) sentir-se sujeito de seu processo educativo, empreendendo ações necessárias para o desenvolvimento das habilidades e competências a serem construídas/desenvolvidas durante o curso. Adultos e jovens: imagens em construção para uma possível elaboração curricular O trabalho na EJA, na Escola Municipal, mobiliza os docentes a buscarem respostas para as algumas indagações: 1) quem são nossos alunos, jovens e adultos? 2) Qual é a imagem que temos deste público? 3) Quais são as expectativas dos nossos alunos em relação à escola? 4) Que representações os professores tem sobres esses jovens? 5) Qual é a imagem que esses jovens têm dos professores? Buscando analisar essas e outras questões, foram criadas estratégias que possibilitassem uma melhor compreensão dos sujeitos-alunos. O corpo docente reúne-se em assembléia, ao início de cada agrupamento, com todos os alunos, para a eleição dos assuntos de maior relevância a serem estudados, relacionando-os aos conteúdos propostos pelo eixo temático da “malha curricular”. Este intercâmbio favorece o diálogo entre alunos e professoras, criando um espaço de reflexão e ação, contribuindo para a formação de identidades criativas e autônomas. Os alunos sentem-se mais confiantes quando compreendem os processos de elaboração curricular – de pacientes para agentes do processo educativo. Às vezes, este processo é tenso e demanda 10677 muita persistência de nossa parte, enquanto educadoras, pois a forma como os alunos vêem a escola, ainda é aquela onde os conteúdos são a única maneira de se trabalhar, ou seja, a “escola tradicional”. Eles ainda concebem a escola sob a ótica da seriação e sentem-se inseguros quando percebem que, nesta escola, trabalha-se em uma perspectiva na qual os conteúdos escolares, que permeiam os temas dos projetos, são re-significados. A referência à escola tradicional não significa negar ou desvalorizar os conteúdos disciplinares, nem tampouco considerar a escola apenas como espaço de conhecimento da realidade dos educandos. Considera-se que uma escola inclusiva e “humanizadora” deverá voltar-se para a construção de identidades dos sujeitos-alunos, enfocando os conteúdos para sua ampla formação (ARROYO, 2000). Tem-se como norte, o princípio da integralidade que se distancia da padronização, da seriação e da fragmentação do conhecimento, por meio da definição de ações e objetivos que priorizam a organização do trabalho escolar para a construção dialética do saber-fazer como uma experiência sócio-cultural. A relevância do multiculturalismo contribuiu para repensar a relação de EJA, juventude e trabalho, aproximando-nos da real relação com o saber pelas manifestações culturais dentro da escola (nas apresentações de todas as turmas nos encerramentos dos agrupamentos), como também, nos diversos encontros promovidos pela escola, tais como: Palácio das Artes, teatros, cinemas, museus, jornais, acervos culturais das cidades de Belo Horizonte/outras. Siss (2002) afirma que “uma das formas pela qual o multiculturalismo vem se apresentando no Brasil pode ser caracterizada pelo processo de ascensão social de grupos culturalmente dominados e pela luta dos membros desses grupos contra todas as formas de exclusão”. A função social da escola: o início do trabalho com projetos na Escola Municipal Conforme nos diz Hernández (1999), “projeto não é uma metodologia que se impõe ao professor nem à escola. Ao contrário, permite a construção da autonomia do professor para criar junto com os alunos o currículo escolar a partir de problemas reais”. Os projetos de trabalho não são a resposta para os problemas que a educação enfrenta na atualidade, mas oferecem oportunidade para repensar o papel de educadores em uma época de rápidas mudanças de valores e identidades. 10678 Com as transformações sociais e educacionais, os “projetos de trabalho” são instrumentos possibilitadores da construção de identidades, autonomia e de saberes? Por quê? A discussão sobre Pedagogia de Projetos, segundo Leite (1995), [...] surge com John Dewey e outros representantes da chamada “Pedagogia Ativa.” Embasava-se numa concepção de que “educação é um processo de vida e não uma preparação para a vida futura e que a escola deve representar a vida presente - tão real e vital para o aluno como a que ele vive em casa, no bairro ou no pátio (LEITE, 1995). Ao longo dos anos, a preocupação da relação entre a escola e a realidade sócio-cultural continua ainda atual. A discussão da função social da escola, do significado das experiências escolares para os que dela participam foi e continua a ser um dos assuntos mais polêmicos entre nós, educadores. As mudanças na conjuntura mundial, com a globalização da economia e a informatização dos meios de comunicação trazem profundas reflexões sobre o papel da escola dentro desse novo perfil de sociedade. É nesse contexto, que a discussão sobre a “Pedagogia de Projetos” se fez presente na escola, não como uma técnica de ensino mais atrativa para os alunos, mas como uma discussão sobre uma determinada concepção de ensino e de postura pedagógica. Muitas vezes, os alunos se colocavam como sujeitos passivos, sempre à mercê das ordens das professoras, reivindicando um conteúdo completamente alienado de sua realidade e em situações artificiais de ensino-aprendizagem, não se colocando como co-autores deste processo. Surgiu então a necessidade de re-significar o espaço escolar - seus tempos, rituais, rotinas e processos – promovendo ações educativas respaldadas numa prática de ensino mais democrática, contribuindo para a formação abrangente dos sujeitos-alunos e a “Pedagogia de Projetos”, proposta por Hernández, possibilitou esta re-significação. O trabalho com Projetos, sugerido pelos eixos temáticos, flexíveis às mudanças e explicitados na malha curricular, trouxe uma nova perspectiva para o redimensionamento da prática pedagógica, contribuindo efetivamente para a ampliação do processo ensinoaprendizagem dos educandos. Diante desta nova postura de ação pedagógica, aprender deixou de ser um simples ato de memorização e ensinar não mais significou o repasse de conteúdos prontos. Nesta perspectiva, o conhecimento foi construído em estreita relação com os contextos em que foram utilizados, tornando-se impossível separar os aspectos cognitivos, emocionais e sociais presentes nesse processo. 10679 A formação dos alunos não foi pensada apenas como uma atividade intelectual, mas também como processo global e complexo, onde o conhecer e intervir no real não se dissociam. Eles aprendem participando, optando pelos assuntos a serem trabalhados, tomando atitudes diante dos fatos, escolhendo procedimentos para atingir determinados objetivos, vivenciando sentimentos. Os problemas levantados acerca das temáticas abordadas nos agrupamentos proporcionam experiências ricas e variadas, possibilitando reflexões e ações concretas. Ao participar dos projetos, os alunos envolvem-se em uma experiência educativa onde o processo de construção de conhecimento está integrado às práticas vividas em seus cotidianos. Nessa perspectiva, os educandos deixam de ser apenas aprendizes do conteúdo de determinada área de conhecimento, desenvolvendo também uma atividade complexa de ação e reflexão sobre sua aprendizagem, que refletirá em suas vidas. Nesse processo de reflexãoação, estão se apropriando, ao mesmo tempo, de um determinado objeto de conhecimento cultural e se formando como sujeitos culturais. Há uma tendência, de forma bastante generalizada no pensamento pedagógico, em colocar, como questões opostas, a participação dos alunos e a apropriação de conteúdos disciplinares. Nessa polêmica, pode-se identificar um grupo de profissionais da educação que enxerga o conhecimento escolar como a transmissão de um conhecimento disciplinar (já pronto e acabado) a alunos que não o detêm. Esta tendência traz uma “concepção cientificista do conhecimento escolar”, representada na figura 1. Figura 1 - Concepção cientificista Conhecimento Disciplinar Conhecimento Escolar Concepções dos Alunos Fonte: PMBH – RME, 1994, p. 35-38. Professores adeptos a essa concepção, por se preocuparem com a transmissão de conteúdos disciplinares, acham que devem apenas ministrar os conteúdos, cumprindo assim com as proposições curriculares e, portanto, não podem propor metodologias alternativas de trabalho como: discussão com os alunos sobre as temáticas em questão, trabalho em grupo, pesquisa, dentre outras. 10680 Por outro lado, ao tentar romper com essa concepção, muitos profissionais acabaram negando e desvalorizando os conteúdos disciplinares. Essa tendência revela uma concepção espontaneísta do conhecimento escolar, representada na figura 2. Figura 2 - Concepção espontaneísta Problemas contemporâneos Conhecimento Escolar Interesse dos alunos Fonte: RME-PMBH, 1994, p. 35-38. Apesar de aparentemente tão diferentes, essas duas tendências têm em comum a visão dicotômica do que seja conhecimento escolar, acabando por fragmentar um processo que não pode ser fragmentado. Na verdade, o que para muitos professores tem sido visto como dois aspectos dicotômicos constituem-se em um único processo, global e complexo, com várias dimensões que se inter-relacionam, conforme ilustrado na figura 3. Figura 3 - Concepção globalizante Para Hernández (1999), O Trabalho com Projetos, na concepção de uma escola inclusiva, humanizadora, deverá voltar-se para a construção de identidades dos sujeitos-alunos enfocando os conteúdos para a formação de valores como a tolerância, o afeto, a responsabilidade, o respeito, a colaboração, a solidariedade, o relacionamento com o outro numa postura de assertividade e alteridade, desenvolvendo o valor da verdade; ampliando a capacidade de tomar decisões e de resolver os problemas da vida (HERNÁNDEZ, 1999). 10681 Quando se fala de trabalho por projetos, refere-se a sujeitos e seus projetos de vida e uma das funções do trabalho com projetos é proporcionar a busca de soluções para os problemas dos sujeitos, pois somente os seres humanos fazem projetos de vida. Leite (1995) (apud ZABALA) pontua que a “Pedagogia de Projetos” se coloca como uma das expressões dessa concepção globalizante que permite aos alunos, analisar os problemas, as situações e os acontecimentos dentro de um contexto e em sua globalidade, utilizando, para isso, os conhecimentos presentes nas disciplinas e sua experiência sóciocultural. Para Hernández (1998), [...] os projetos, assim entendidos, apontam para outra maneira de representar o conhecimento escolar baseando-o na aprendizagem da interpretação da realidade, orientada para o estabelecimento de relações entre a vida dos alunos e professores e o conhecimento que as disciplinas e outros saberes não disciplinares vão elaborando. Tudo isso para favorecer o desenvolvimento de estratégias de indagação, interpretação e apresentação do processo percorrido ao estudar-se um tema ou um problema que, por sua complexidade, favorece o melhor conhecimento dos alunos e dos professores a respeito de si mesmos e do mundo em que vivem (HERNÁNDEZ (1998). A opção pelo coletivo da Escola Municipal em se trabalhar com projetos não só contribuiu para a re-significação da prática pedagógica, como também para novas aprendizagens, possibilitando o resgate de identidades pessoais e profissionais quando foram trabalhadas as histórias de vida, os modos de viver, as experiências culturais. Porém, esta maneira não é a única, ela está mediada pela cultura. Diante dessas considerações pode-se situar os projetos como uma proposta de intervenção pedagógica que, segundo Hernández, [...] dá à atividade de aprender um sentido novo, onde as necessidades de aprendizagem surgem nas tentativas de resolver situações problemáticas. Um projeto gera situações de aprendizagem, ao mesmo tempo reais e diversificadas. Possibilita, assim, que os educandos, ao decidirem, opinarem, debaterem, construam sua autonomia e seu compromisso com o social, formando-se como sujeitos culturais (HERNANDEZ, 1998). Conclusão As inúmeras possibilidades que caracterizam o universo de educandos, jovens e adultos, desafiaram o coletivo de educadoras da referida escola a estudar, discutir, planejar, avaliar e trabalhar para a construção de uma nova proposta político-pedagógica, que incluísse os sujeitos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem. 10682 O currículo estruturado pelos Projetos de Trabalho estreitou o diálogo entre teoria e prática, permitindo a construção e a elaboração de uma malha curricular mais flexível. A busca constante de formação pela equipe docente é parte integrante da proposta educativa e tem como norte o respeito às subjetividades de educadoras e educandos, para o desenvolvimento da autonomia moral e intelectual, e construção plena de cidadania. Percebe-se, pelo coletivo, que é imprescindível, no trabalho com jovens e adultos, definir e validar a identidade dos atores envolvidos no processo educativo, buscando-se pela auto-análise, refletir e agir de maneira ética, re-conhecendo que, como diz Kohl (1999), “os educandos são sujeitos de conhecimento e de aprendizagem.” REFERÊNCIAS ARROYO, Miguel G. Oficio de mestre: imagens e auto-imagens. Petrópolis: Vozes, 2000. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. HERNÁNDEZ, Fernando. In: CONGRESSO BALÃO VERMELHO, 1., 1999. Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte, 1999. HERNÁNDEZ, Fernando. Transgressão e mudança na educação: os projetos de trabalho. Trad. 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