MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE DEFESA DO PATRIMÔNIO PÚBLICO DA COMARCA DE NATAL Procedimento Investigatório Criminal nº 003/11 Assunto: Revogação parcial da Portaria n.º 2.222/2010, anulação do contrato com a PLANET BUSINESS LTDA e anulação da Concorrência nº 001/2011 – DETRAN/RN. RECOMENDAÇÃO CONJUNTA Nº 001/2011 O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, através do Procurador-Geral de Justiça e dos Promotores de Justiça de Defesa do Patrimônio Público da Comarca de Natal/RN, que ao final subscrevem, no uso de suas atribuições legais e institucionais, conferidas pelo art. 129, incisos II e III, da Constituição Federal, pelo art. 27, parágrafo único, inciso IV, da Lei nº 8.625/93 e pelo art. 69, parágrafo único, alínea “d”, da Lei Complementar Estadual nº 141/96, e CONSIDERANDO que incumbe ao Ministério Público a defesa do patrimônio público e social, da moralidade e da eficiência administrativa, nos termos dos artigos 127, caput, e 129, inciso III, da Constituição da República; artigo 25, inciso IV, alínea “a”, da Lei nº 8.625/93; e artigo 67, inciso IV, alínea “d”, da Lei Complementar Estadual nº 141/96; CONSIDERANDO que compete ao Ministério Público, consoante previsto no artigo 69, parágrafo único, alínea “d”, da Lei Complementar Estadual nº 141/96, expedir Recomendações visando ao efetivo respeito aos interesses, direitos e bens cuja defesa lhe cabe promover; CONSIDERANDO que a investigação conduzida pelas Promotorias de Justiça incumbidas da Defesa do Patrimônio Público da Comarca de Natal 1 descortinou um engenhoso esquema de fraudes instalado no DETRAN/RN, tendo sido identificados pelos menos quatro grandes fraudes, levadas a efeito através da constituição de autêntica organização criminosa para a prática de delitos no âmbito do DETRAN/RN, sendo três fraudes na gestão do ex-Diretor Geral do DETRAN/RN, CARLOS THEODORICO DE 1 Procedimento Investigatório Criminal nº 003/11; Processos nº 0003280-61.2011.8.20.0001 e nº 011859103.2011.8.20.0001, ambos em curso perante a 6ª Vara Criminal da Comarca de Natal. CARVALHO BEZERRA e uma delas já na gestão do atual Diretor, ÉRICO VALLÉRIO FERREIRA DE SOUZA; CONSIDERANDO que a primeira dessas fraudes consistiu na celebração de convênio, em maio de 2008, entre o DETRAN/RN e o Instituto de Registradores de Títulos e Documentos de Pessoas Jurídicas do Rio Grande do Norte – IRTDPJ/RN, resultando em grave dano aos cidadãos norteriograndenses que adquiriram veículos através de financiamento bancário; CONSIDERANDO que, através da Portaria nº 1.093, de julho de 2008, o DETRAN/RN instituiu a obrigatoriedade de registro, em cartório, dos contratos de financiamento de veículos com cláusulas de garantia real (reserva de domínio, alienação fiduciária, penhor, arrendamento mercantil), onerando o cidadão em, no mínimo, cento e trinta reais e, no máximo, oitocentos reais, a depender do valor financiado; CONSIDERANDO que, após diversas demandas judiciais, incluindo uma ação civil pública, e uma recomendação do Ministério Público, o aludido convênio foi cancelado pelo próprio ex-Diretor Geral do DETRAN/RN, CARLOS THEODORICO DE CARVALHO BEZERRA, a fim de dar ensejo à continuação da fraude por meio da criação da Central de Registro de Contratos; CONSIDERANDO, todavia, que, na esteira do art. 37 da Carta Federal, a Lei Federal nº 8.429/92, no artigo 4º, dispõe que “Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência no trato dos assuntos que lhe são afetos”; CONSIDERANDO também que, à luz do princípio da economicidade, corolário do princípio da eficiência, a administração pública – para o alcance das finalidades estabelecidas pela ordem jurídica – deve guiar-se pelo aproveitamento maximizado e racional dos recursos humanos, materiais, técnicos e financeiros disponíveis, de modo que possa atingir o melhor resultado quantitativo e qualitativo possível, o que, no presente caso, vem sendo diuturnamente ignorado; CONSIDERANDO que o Código Civil, em seu artigo 1.361, §1º, determina que o registro do contrato da propriedade fiduciária, nos casos de veículos, será realizado na própria “repartição competente para licenciamento, fazendo-se a anotação no certificado de registro”; CONSIDERANDO que a Resolução nº 159/04 do CONTRAN, mormente os artigos 4.º e 6º, já determinava que o registro e licenciamento dos veículos independem do registro do contrato, havendo a mera exigência da identificação da empresa credora da garantia real no Certificado de Registro de Veículos – CRV, nos termos abaixo assinalados: “Art. 4.º Nos contratos com cláusula de arrendamento mercantil ou reserva de domínio, os órgãos ou entidades executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal, deverão proceder ao registro e licenciamento do veículo junto à base estadual, independentemente de prévio registro do contrato.” (...) “Art. 6.º Os órgãos ou entidades executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal, após o registro do contrato a que se referem os artigos 1º e 3º farão constar em favor da empresa credora da garantia real, no campo de observações do Certificado de Registro de Veículos – CRV, de que trata o artigo 121 da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, a existência do gravame com a identificação do respectivo credor da garantia real. Parágrafo único. Nos contratos com cláusula de arrendamento mercantil ou reserva de domínio, observar-se-á a disposição do artigo 4.º da presente resolução.”; CONSIDERANDO que a Lei n.º 11.882, de 23 de dezembro de 2008, estabeleceu de forma clara e expressa que: “Art. 6.º Em operação de arrendamento mercantil ou qualquer outra modalidade de crédito ou financiamento a anotação da alienação fiduciária de veículo automotor no certificado de registro a que se refere a Lei n.º 9.503, de 23 de setembro de 1997, produz plenos efeitos probatórios contra terceiros, dispensado qualquer outro registro público. § 1.º Consideram-se nulos quaisquer convênios celebrados entre entidades de títulos e registros públicos e as repartições de trânsito competentes para o licenciamento de veículos, bem como portarias e outros atos normativos por elas editados, que disponham de modo contrário ao disposto no caput deste artigo; CONSIDERANDO que em razão do advento da Lei nº 11.882/08, o próprio CONTRAN, por meio da Resolução n.º 320/09, afastou qualquer dúvida a respeito do alcance e validade do mencionado dispositivo legal, deixando ainda mais claras as determinações que desde 2004 existiam quanto ao registro dos contratos de financiamento ser feito pelos próprios DETRAN´s, ao dispor que: “Art. 2º Os contratos de financiamento de veículos com cláusula de alienação fiduciária, de arrendamento mercantil, de compra e venda com reserva de domínio ou de penhor celebrados, por instrumento público ou privado, serão registrados no órgão ou entidade executivo de trânsito do Estado ou do Distrito Federal em que for registrado e licenciado o veículo.” “Art. 3º omissis § 1º O registro do contrato é atribuição dos órgãos ou entidades executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal e será feito em arquivo próprio, por cópia, microfilme ou qualquer outro meio eletrônico, magnético ou óptico, ou ainda em livro próprio, com folhas numeradas, que garantam a segurança quanto à adulteração e manutenção do conteúdo.”; CONSIDERANDO que a Portaria n.º 2.222/2010 criou a Central de Registro de Contratos - CRC/DETRAN/RN, que deveria realizar o serviço de registro dos contratos de financiamento de veículos, os quais não mais necessitariam ser registrados em cartório; CONSIDERANDO que a mesma Portaria, em seu art. 2.º, permite que o serviço de registro dos contratos seja feito de forma terceirizada, embora a Resolução n.º 320/2009, do CONTRAN, que embasou a referida norma, não exija a terceirização deste serviço, admitindo apenas esta possibilidade; CONSIDERANDO que a criação da Central de Registro de Contratos – CRC/DETRAN/RN, padece de vícios, tendo em vista que, a exemplo da celebração do convênio com o Instituto de Registradores de Títulos e Documentos de Pessoas Jurídicas do Rio Grande do Norte – IRTDPJ/RN, além de ignorar as diretrizes ditadas pela legislação de regência da matéria, foi utilizada como instrumento de exação indevida dos cidadãos usuários dos serviços do referido órgão estadual de trânsito; CONSIDERANDO que, em razão do teor do artigo 2º da Portaria n.º 2.222/2010, os agentes públicos patrocinadores da fraude retratada nos autos dos Processos n.º 0003280-61.2011.8.20.0001 e n.º 0118591-03.2011.8.20.0001, celebraram, com incrível presteza, contrato emergencial com a empresa paranaense PLANET BUSINESS LTDA; CONSIDERANDO que, a partir de escutas telefônicas autorizadas judicialmente, o Ministério Público descobriu que a referida empresa sequer se instalou no Rio Grande do Norte inicialmente, tendo, em verdade, apenas “emprestado” o seu CNPJ para que GEORGE ANDERSON OLÍMPIO DA SILVEIRA, através de empresas que o mesmo já havia constituído para realizar serviços para o IRTDPJ/RN, quais sejam, a MBMO LOCAÇÃO DE SOFTWARES E EQUIPAMENTOS LTDA e a DJLG SERVICOS DE ADMINISTRAÇÃO E GERENCIAMENTO LTDA, pudesse realizar o serviço de registro para o DETRAN/RN e auferir os vultosos lucros com este “negócio”, o que, ao final, foi confessado pelo sócio NILTON JOSÉ DE MEIRA em seu interrogatório; CONSIDERANDO que o prazo da contratação emergencial viciada celebrada com a aludida empresa vencerá no mês de dezembro do corrente ano, e, em razão disso, o DETRAN/RN deflagrou a Concorrência nº 001/2011, cuja apresentação de propostas estava prevista para o dia 25 de novembro deste ano; CONSIDERANDO que o edital da Concorrência nº 001/2011 foi, igualmente, fraudado, havendo claro direcionamento, como requisitos para o software e a necessidade de que a empresa já tenha experiência na prestação de serviços de implantação do processo de registro de contratos em Departamento Estadual de Trânsito, o que restringe sobremaneira o universo de concorrentes, criando um verdadeiro cartel das empresas de “registro de contratos”, incluindo a PLANET BUSINESS LTDA, que, conforme interrogatório de NILTON JOSÉ DE MEIRA, são apenas “duas ou três” no Brasil; CONSIDERANDO ademais, diante do que se infere das comunicações telefônicas interceptadas mediante autorização judicial e de documentos apreendidos nas empresas e residências dos investigados, que a organização criminosa estava se articulando, através dos seus mecanismos de praxe, para vencer esta licitação; CONSIDERANDO que, nesse contexto, o administrador jamais pode agir contra a lei e contra os princípios gerais de Direito, explícitos ou implícitos, o que, sem dúvida, além de lesar o próprio Estado Democrático de Direito, configura-se em improbidade administrativa; CONSIDERANDO que restou comprovada na exposição fática e jurídica presente no PIC nº 003/11, e nos autos dos Processos n.º 0003280-61.2011.8.20.0001 e n.º 0118591-03.2011.8.20.0001, a lesão ao patrimônio público e o enriquecimento ilícito, fazse mister a anulação da Concorrência nº 001/2011, a fim de que se restabeleça a moralidade pública; CONSIDERANDO, por fim, a necessidade de regularização no tratamento da matéria, a fim de que cesse a permanente violação ao texto constitucional e normas legais supramencionadas, e que, ademais, o modelo de registro dos contratos de financiamento veicular adotado atualmente pelo CRC/DETRAN/RN, através de terceirização, revela-se abusivo e desnecessário, sendo certo que, nos exatos termos do autorizado pela Resolução n.º 320/09-CONTRAN, este registro do contrato pode ser feito em arquivo próprio, por cópia, microfilme ou qualquer outro meio eletrônico, magnético ou óptico, ou ainda, o que é suficiente e muito mais econômico para o cidadão e para a autarquia, o simples registro em livro próprio, com folhas numeradas, que garantam a segurança quanto à adulteração e manutenção do conteúdo, sem necessidade de que seja cobrada qualquer taxa por este serviço. RESOLVEM recomendar à Governadora do Estado do Rio Grande do Norte e ao Diretor-Geral do DETRAN/RN: 1) que, no prazo máximo de 10 (dez) dias úteis, seja revogada, ao menos parcialmente, a Portaria nº 2.222/2010, adotando-se, doravante, as diretrizes do art. 3.º, § 1.º, da Resolução n.º 320/09 do CONTRAN quanto ao registro dos contratos de financiamento veicular, passando-se a registrar estes contratos em livro próprio, com folhas numeradas, que garantam a segurança quanto à adulteração e manutenção do conteúdo, o que não representará custos para o cidadão, ou, ainda, em arquivo próprio, por cópia, microfilme ou qualquer outro meio eletrônico, magnético ou óptico, nos moldes do que era feito no modelo anterior, através do Sistema Nacional de Gravames, também sem custos para o cidadão; 2) que, no prazo máximo de 10 (dez) dias úteis, seja anulado o contrato de terceirização da PLANET BUSINESS LTDA com o DETRAN/RN, para prestação do serviço do CRC/DETRAN/RN; 3) que, no mesmo interstício, declare nula, na integralidade, a Concorrência nº 001/2011 - DETRAN, por se achar inquinada de vícios insanáveis; e 4) que informe, no prazo de 10 (dez) dias úteis, contados do recebimento desta Recomendação, as providências que serão adotadas visando ao seu atendimento, ou que apresente, no mesmo interregno, as devidas justificativas para o seu não acatamento. O não atendimento à presente Recomendação acarretará a tomada de todas as medidas legais necessárias à sua implementação. Publique-se. Natal/RN, 06 de dezembro de 2011. MANOEL ONOFRE DE SOUZA NETO RODRIGO MARTINS DA CÂMARA PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA PROMOTOR DE JUSTIÇA EUDO RODRIGUES LEITE AFONSO DE LIGÓRIO BEZERRA JÚNIOR PROMOTOR DE JUSTIÇA PROMOTOR DE JUSTIÇA