PESQUISAS / RESEARCH / INVESTIGACIÓN Alegações maternas para doação de leite humano ao banco de leite em Teresina-Piauí Maternal claims for donation of breast milk to bank of milk-Teresina-Piauí Alegaciones maternas para donación de leche humano al banco de leche em Teresina-Piauí Maria do Carmo Lima Martins Pinto Graduando do Curso de Nutrição da Faculdade NOVAFAPI. [email protected] Thâmara Caroline Campelo Graduando do Curso de Nutrição da Faculdade [email protected] Carmen Viana Ramos Nutricionista. Doutora em Saúde da Criança e da Mulher do Instituto Fernandes Figueira/ Fundação Oswaldo Cruz. Professora do Curso de Nutrição da Faculdade NOVAFAPI. Nutricionista da Maternidade Dona Evangelina Rosa da Secretaria Estadual de Saúde do Piauí. [email protected] RESUMO Objetivo: Conhecer as alegações das mulheres para doação de leite humano a um Banco de Leite Humano em Teresina-Piauí. Métodos: estudo qualitativo. Utilizou-se entrevistas semi-estruturadas, com auxílio de um roteiro temático, junto a dez mães doadoras cadastradas no banco de leite de uma maternidade de referência em Teresina (PI). Para a análise dos dados foi utilizada a técnica de análise de conteúdo do tipo temática. Resultados: a partir da análise temática das entrevistas, foram identificadas seis categorias: Tempo de doação; Aleitamento gerando sentimentos ambíguos e contraditórios; Aleitamento como fator de prevenção contra doenças; Doação x salvar vidas; Apoio da família e profissionais de saúde na doação; Papel da mídia na doação. Considerações Finais: As mulheres percebem a doação de leite como uma maneira de salvar a vida dos recém-nascidos e denotam a necessidade de campanhas educativas como uma forma de aumentar o número de doadoras. Nessa perspectiva, diante da necessidade do serviço em aumentar os estoques de leite humano alerta-se para a realização de campanhas na mídia de forma permanente aliadas a um maior apoio dos profissionais de saúde às mulheres doadoras. Descritores: Doadoras. Banco de leite humano. Aleitamento materno. Maria Edna Rodrigues de Lima Nutricionista, especialista em Saúde pública pela UFPI e em Gestão de Políticas de Alimentação e Nutrição pela Fundação Osvaldo Cruz. Professora do curso de Nutrição da Faculdade NOVAFAPI. m.ednalima@ gmail.com Theonas Gomes Pereira Nutricionista Mestre. Professora do curso de graduação em Nutrição da Faculdade NOVAFAPI. [email protected] ABSTRACT Objective: To understand the claims of women to donate of human milk to the Milk Bank at Teresina, Piauí. Methods: Qualitative study. We used semi-structured interviews with the aid of a thematic guide with ten donor mothers who were enrolled in milk bank in a reference hospital in Teresina (PI). To analyze the data we used the technique of analysis of thematic content. Results: From the thematic analysis of interviews identified six categories: “Time of donation”, “Breastfeeding generating contradictory and ambiguous feelings”, “Breastfeeding as a factor in preventing of disease”, “Donation X save lives”, “Support from family and health professionals in the donation”, “Media’s role in donation”. Final considerations: Women give milk donation a significant importance as a way to save the life of recipients and reflect the need for educational campaigns as a means of increasing the number of donors. From this perspective, before the need of service in increasing the stock of human milk, alert to the campaigns in the media permanently along with greater support from health professionals to women donors. Descriptors: Donor. Bank of breast milk. Breastfeeding. RESUMEN Submissão:19/12/11 Aprovação: 09/02/12 Objetivo: Conocer las alegaciones de las mujeres para donación de leche humano a un Banco de Leche Humano en Teresina-Piauí. Métodos: estudio cualitativo. Se utilizó entrevistas semiestructuradas, con auxilio de un guía temático, junto a diez madres donadoras que tenían catastro en el banco de leche de una maternidad de referencia en Teresina (PI). Para el anális de los datos fue utilizada la técnica de anális de contenido temática. Resultados: a partir del anális temática de las entrevistas, fueron identificadas seis categorías: Tiempo de donación;Amamantamiento generando sentimientos ambiguos y contradictorios; Amamantamiento como factor de prevención contra en- Revista Interdisciplinar NOVAFAPI, Teresina. v.5, n.2, p.15-20, Abr-Mai-Jun. 2012. 15 Pinto, M. C. L. M.; et al. fermedades; Donación x salvar vidas; Apoyo de la família y profesionales de salud en la donación; Papel de prensa en la donación. Consideraciones finales: Las mujeres perciben la donación de leche como un modo de salvar la vida de un recién nacido y denotan la necesidad de campañas educativas como una forma de aumentar el número de donadoras. En esa perspectiva, ante la necesidad del servicio en aumentar los stocks de leche humano se alerta para la realización de campañas en la prensa de forma permanente aliadas a un mayor apoyo de los profesionales de salud a las mujeres donadoras. Descriptores: Donadoras. Banco de leche Humano. Amamantamiento materno. 1INTRODUÇÃO O aleitamento materno é a melhor estratégia natural de vínculo, afeto, proteção e nutrição para a criança e constitui a mais sensível, econômica e eficaz intervenção para redução da morbimortalidade infantil. Permite ainda um grande impacto na promoção da saúde integral da dupla mãe/bebê e regozijo de toda a sociedade (BRASIL, 2009). O reconhecimento dos benefícios da amamentação para a criança, para a mulher e para a sociedade como um todo tem sido agente promotor de ações voltadas à melhoria dos índices de aleitamento em todo o mundo. São vários os benefícios que o aleitamento materno proporciona à mãe: prevenção das hemorragias pós-parto, involução do útero, prevenção de anemias, proteção contra o câncer ginecológico, eficácia energética e diminuição da carga de trabalho. Por meio da amamentação a mulher adquire benefícios à saúde e melhora a sua auto-estima (REGO, 2002). Os índices de aleitamento materno vêm aumentando gradativamente no Brasil nos últimos anos, demonstrando que as ações pró-aleitamento implementadas no País, dentre elas o Banco de Leite Humano (BLH), têm contribuído de forma positiva para essa melhoria. Contudo, quando se trata do aleitamento materno exclusivo, a duração mediana subiu de 23 dias em 1999 para 54 dias em 2008, revelando que o País permanece abaixo dos patamares recomendados pela OMS e Ministério da Saúde de aleitamento exclusivo até o sexto mês de vida (BRASIL, 2009). O Banco de leite é um centro especializado, obrigatoriamente vinculado a um hospital materno e/ou infantil, responsável pela promoção do aleitamento materno e execução das atividades de coleta, processamento e controle de qualidade de colostro, leite de transição e leite humano maduro para posterior distribuição sob prescrição do médico ou de nutricionista. Normalmente são selecionados como receptores os lactentes que apresentam uma ou mais das indicações: prematuros e RN de baixo peso que não sugam; RNs infectados, especialmente com enteroinfecções; portadores de deficiências imunológicas; portadores de diarréia protraída; portadores de alergia a proteínas heterólogas e casos excepcionais a critério médico. A coleta de leite humano é feita junto a mulheres doadoras. Segundo o Ministério da Saúde, as doadoras de leite humano são nutrizes sadias que apresentam secreção láctea superior às exigências do seu filho, que se dispõem a doar por livre e espontânea vontade o excesso de leite produzido (BRASIL,2010). No que diz respeito aos recém-nascidos prematuros (nascidos antes da 37ª semana gestacional), a amamentação se constitui em um desafio. Os recém-nascidos (RN) apresentam imaturidade fisiológica e neurológica, maiores exigências de proteína e cálcio em relação ao bebê a termo. Como o recém-nascido parece não apresentar proteção bem de16 senvolvida, o leite humano é o alimento completo, já que este oferece melhor proteção. A incidência de qualquer infecção é significativamente menor nos RN de muito baixo peso (RNMBP) alimentados com leite humano quando comparados àqueles que recebem exclusivamente leite artificial (NASCIMENTO; ISLLER, 2004). Existem atualmente 186 Bancos de Leite Humano implantados no Brasil. No Piauí são 2, destes, 1 está localizado na cidade de Teresina (BRASIL,2010). Em estudo realizado por Sousa, Silva e Ramos (2008) com as doadoras desta instituição, observou-se a necessidade de orientação e apoio efetivo para aumentar o tempo de doação, visto que esta maternidade necessita melhorar o estoque de leite por não atender à demanda encontrada. Dados do relatório anual do referido Banco de Leite demonstram que o leite coletado atende somente a 47% da necessidade do serviço (PIAUÍ, 2011). Este fato leva a refletir sobre a necessidade premente em aumentar a captação de doadoras pelo serviço. Diante do exposto, a compreensão dos motivos que levam as mulheres a realizar a doação de leite humano poderá contribuir na melhoria das estratégias utilizadas pelo serviço para aumentar os estoques de leite e, consequentemente, melhorar as condições de saúde das crianças que dele necessitam. Sob esse enfoque, o propósito deste estudo foi conhecer as alegações das mulheres para doação do leite humano ao Banco de Leite em Teresina-Piauí. 2 METODOLOGIA Neste estudo optou-se por utilizar o referencial metodológico da pesquisa qualitativa, por ser a que melhor se aplica ao objeto em questão. Esse tipo de abordagem metodológica possibilita uma maior aproximação com o mundo dos significados, das ações e relações humanas adquiridas com a vivência, permitindo captar o universo dos valores, motivos, operações, crenças e atitude, “o que corresponde a um espaço mais profundo das relações que compõem um aspecto não perceptível em equações, médias e estatísticas, ou seja, não pode ser reduzido à operacionalização de variáveis” ( MINAYO, 2006, p.269 ). A pesquisa foi realizada no Banco de Leite Humano (BLH) instalado em um hospital de nível terciário em Teresina, no Piauí, referência para gravidez de alto risco, possuindo leitos de terapia intensiva e cuidados intermediários. O BLH da instituição é a referência estadual na prestação deste tipo de serviço e recebe doações mensais de 45 mães doadoras, em média. Esse volume de doações é usado para atender a demanda do hospital, que atende 50 receptores diariamente, com uma distribuição média de 6 litros de leite por dia (PIAUÍ, 2001). As doadoras cadastradas no BLH compõem o sujeito do presente estudo. Participaram do estudo 10 mulheres que no período da pesquisa encontravam-se doando leite materno e que concordaram em participar da pesquisa. O número de mulheres entrevistadas foi definido com base no critério de saturação dos temas pesquisados pelo fato de indicar quando o conjunto de entrevistas realizadas já apresenta uma amplitude do problema estudado, bem como as suas partes de diferenças e semelhanças (MINAYO, 2006). A coleta de dados ocorreu no período de novembro de 2010 a janeiro de 2011. As entrevistas foram realizadas no domicílio das doadoras por ocasião da visita feita diariamente pelo BLH para a coleta de leite. Foi realizado contato telefônico anterior com as doadoras para marcação do horário da entrevista. Revista Interdisciplinar NOVAFAPI, Teresina. v.5, n.2, p.15-20, Abr-Mai-Jun. 2012. Alegações maternas para doação de leite humano ao banco de leite em Teresina-Piauí Os dados foram coletados a partir de entrevistas realizadas com as doadoras. Inicialmente utilizou-se um questionário socioeconômico que contemplou as seguintes questões: estado civil; escolaridade; trabalho fora de casa; números de filhos e tipo de parto. No que diz respeito ao aleitamento materno, as questões se referiram a: mamada nas primeiras 24 horas; alimentação da criança nas últimas 24 horas; uso de chupeta e mamadeira. No que diz respeito à abordagem qualitativa, a entrevista foi realizada utilizando a seguinte questão indutora: “Fale sobre a sua experiência em doação de leite para o banco de leite”. As entrevistas foram conduzidas com o auxilio de um roteiro temático, sem, contudo, cercear a fala da entrevistada (MINAYO, 2006, p 269). O roteiro contemplou as seguintes questões: quanto tempo; experiências/vivenciadas com o aleitamento; importância do aleitamento materno; porquê da doação; facilidades/dificuldades; benefícios da doação; orientações recebida pelo serviço de saúde. As entrevistas foram gravadas, transcritas e analisadas posteriormente. A análise de dados tem como finalidade “estabelecer uma compreensão dos dados coletados, confirmar ou não os pressupostos da pesquisa e/ou responder as questões formuladas, e ampliar o conhecimento sobre o assunto pesquisado, articulando-o ao contexto cultural do qual faz parte” (MINAYO, 2006, p.269). Para análise dos dados foi utilizada a técnica de análise de conteúdo do tipo temático proposto por Bardin, que afirma que “atualmente, e de um modo geral”, designa-se sobre o termo da análise de conteúdo “um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/ recepção (variáveis inferidas) desta mensagem”, ou seja, foi uma análise transversal, onde as entrevistas foram recortadas em redor de cada tema-objeto, quer dizer, tudo o que foi afirmado acerca de cada objeto preciso no decorrer da entrevista foi transcrito para uma ficha, seja qual for o momento em que a afirmação tenha tido lugar (BARDIN, 2006, p. 281). A presente pesquisa foi aprovada pela instituição onde se realizou o estudo e pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Faculdade NOVAFAPI, de acordo com o protocolo n° 4213.0.000.043-10, em outubro de 2010, conforme prevê a resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde. Todos os participantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido antes da sua inclusão no estudo. Não houve recusas para participação nas entrevistas. 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO Foram entrevistadas 10 mães na faixa etária entre 20 e 39 anos, sendo todas procedentes de Teresina. Em relação ao estado civil, oito eram casadas e duas solteiras. Quanto ao tipo de parto, oito foram cesarianos e dois normais. No que tange ao número de filhos, sete eram primíparas e três multíparas. Referente ao grau de instrução, uma tinha ensino fundamental, oito tinham o ensino médio e uma havia concluído mestrado. No que se refere à classe econômica, quatro pertenciam à classe B, cinco à classe D e uma à classe C. No que diz respeito à ocupação, cinco mães trabalhavam fora e cinco não trabalhavam. Quanto ao tipo de aleitamento, sete estavam em aleitamento materno exclusivo e três em aleitamento complementar. No momento da pesquisa, duas crianças encontravam-se com cinco meses, três com três Revista Interdisciplinar NOVAFAPI, Teresina. v.5, n.2, p.15-20, Abr-Mai-Jun. 2012. meses, duas com dois meses, uma com onze meses, uma com um ano e uma com quatro meses. Após a análise temática das entrevistadas, identificou-se seis categorias: Aleitamento como fator de prevenção contra doenças; Aleitamento gerando sentimentos ambíguos e contraditórios; Tempo de doação; Doação x salvar vidas; Apoio da família e profissionais de saúde na doação; Papel da mídia na doação. Tema 1 - Aleitamento como fator de prevenção contra as doenças O leite materno é o melhor alimento para a criança por suas inúmeras propriedades nutricionais e imunológicas. Nesse tema, as mães entrevistadas relatam a importância do aleitamento materno para evitar doenças e para o desenvolvimento da criança, conforme pode ser evidenciado nas falas abaixo: ... nos seis primeiros meses e as crianças que amamentam exclusivamente tem um desenvolvimento psicomotor melhor, podem interagir melhor com o meio ambiente, com as outra pessoas, ele em si já é importante por evitar certas doenças [...] faço tudo pra que ela fique com o aleitamento exclusivo pela questão da saúde dela ... então além de eu está dando pra minha filha uma vacina natural..que agente tem aquelas doenças que podem ser evitadas câncer de mama, câncer de ovário, de colo de útero, até osteoporose,..então pensando nisso o aleitamento materno é totalmente beneficial, tanto a criança como eu também, além de ser econômico... (E.3) ...pro bebê é importante por causa da barriguinha que evita diarréia, evita doenças e isso sem contar que o leite de peito tem os nutrientes necessários, né, pro bebê... (E.5) ...é importante primeiro porque é saúde pra ela, ela já está com três meses e ela nunca gripou, ou teve febre, nem quando tomou vacina, [...] então é muito importante pra saúde dela. Pra mãe também porque a mãe emagrece mais rápido, a mãe consegue voltar o corpo também bem mais rápido amamentando. Então pra ela é muito bom pra saúde, e se eu puder até os 6 meses ela vai só mamar... (E.6) ...é uma coisa que não passa uma criança doente, uma criança frágil, que não existe isso...(E.7) ...eu acho que é importante por conta de infecções... (E.8) ...é muito boa pra criança por que a criança num anda adoecendo... e também o infecções..principalmente infecções ele não tem... (E.9) ...saber que aquele alimento é essencial para a vida do bebê, pois ele é o alimento fundamental para a sua formação e saúde... (E.10) Segundo Accioly, Sauders e Lacerda (2009), o leite materno apresenta inúmeros fatores que protegem as crianças de infecções comuns como a diarréia, otite média e doenças respiratórias agudas, além de propiciar uma nutrição de alta qualidade, promovendo crescimento e desenvolvimento diferenciado das crianças alimentadas artificialmente. Nakano (2003), em estudo realizado na cidade de Ribeirão Preto - São Paulo, observou que as nutrizes consideram importante a amamentação por esta ser capaz de promover condições favoráveis à saúde do bebê e consequente desenvolvimento adequado. Mas em relação à sua própria saúde, acreditam que não há beneficio significante. Dessa forma, a amamentação é pensada essencialmente como alimento, afeto e proteção necessários à saúde do bebê. Ao assimilar os valores do aleitamento materno à criança, como garantia da saúde, crescimento e desenvolvimento infantil e resistência do organismo a doenças, acaba-se por nomear à mulher relações de poder sobre a saúde infantil. Pode-se inferir que as representações dos benefícios 17 Pinto, M. C. L. M.; et al. e da superioridade do leite humano, sejam as explicações para o comportamento adotado por estas mulheres, as quais priorizam a doação ao invés de desperdiçarem o leite (SILVA, 2010). Tema 2 - Aleitamento gerando sentimentos ambíguos e contraditórios Neste tema as mães expressam o que sentem na prática da amamentação, que desperta na mulher sentimentos ambíguos e contraditórios, representados ao mesmo tempo pelo desejo x dever de amamentar e prazer x dor. Conforme pode ser evidenciado pelos relatos abaixo: ...o inicio realmente é difícil, [...] por que senão a mãe desiste, né?... é uma experiência maravilhosa. (E.3) ...Ah Ave Maria, é um laço de amor [...] só vendo aquele olhinho enquanto tá mamado olhando pra gente é um amor que não tem nada no mundo que compare. Acho que é aquilo ali que aproxima mais ainda a mãe e o bebê... [...] ...peito cheio demais mesmo. Eu cheguei a dar até febre por causa do peito, tava cheio, cheio... (E.5) ...No começo a experiência não foi boa. Eu tive problemas, meu peito inchou muito, ficou muito cheio de leite e ela não pegava direito no peito, então foi muito dolorido pra mim no começo, [...] então hoje a experiência de estar amamentando a minha filha é muito boa, mas no começo não foi muito legal, não... (E.6) ...Ahh..tem uma dor que no começo é ruim que fere... é muito doloroso, você realmente tem que ter muita paciência, é muito doloroso mesmo, que a criança tá pegando ainda e realmente fica naquela carne viva. Tem que ter muita força de vontade [...] hoje eu posso dizer que eu tenho um prazer em amamentar, por que é uma coisa a mais que liga a minha filha a mim, em olhar pra ela me dá prazer de amamentar ela, de saber que isso que torna ela gorda do jeito que ela é (risos), bonita como ela é... (E.7) ... Há mais ou menos 1 mês... (E.10) O tempo de doação encontrado neste estudo é semelhante ao achado por Sousa, Silva e Ramos (2008) em estudo feito com as doadoras na mesma instituição do presente estudo. A referidas autoras denotam a necessidade de orientação e apoio efetivo para aumentar o tempo de doação, visto que esta maternidade precisa aumentar o estoque de leite por não atender à demanda encontrada, considerando o número crescente de recém-nascidos que precisam utilizar o leite como alimento essencial para o desenvolvimento saudável. Já na pesquisa realizada por Silva (2010), Alencar e Seild (2009), entre mulheres doadoras de leite humano foi encontrado um período de doação no Brasil situado no intervalo de três a quatro meses. Para esses autores, este fato se deve a dificuldades relacionadas ao apoio insuficiente dos profissionais, pelo retorno das ex-doadoras às rotinas anteriores à amamentação e pela redução da produção láctea. Para Alencar e Seild (2009), este período de duração aparenta ter relação com a duração da licença maternidade, que em nosso país é de 180 dias, embora nem todas as empresas tenham aderido a este tempo, prevalecendo o período de 120 dias. Tema 4- Doação x Salvar Vidas Diante dos relatos obtidos sobre os motivos que levaram as mulheres a doar seu leite, remetem-se à doação como um fator que leva a salvar vidas, mencionada pela maioria das participantes. A doação é vista como uma expressão de ajudar as crianças que depende do banco de leite, uma vez que as mães dessas não podem amamentá-las no momento, conforme pode se observar abaixo: ...eu acho que é muito importante a pessoa ajudar, [...] as criancinhas... (E.1) No estudo realizado por Araújo e Almeida (2007), as nutrizes, ao se referirem à amamentação, costumam atribuir a esta prática aspectos positivos e negativos. Dentre os aspectos negativos sobressaem o esforço físico empregado, fadiga, limitações no desempenho de suas funções. Além disso, no referido estudo é relatado o sentimento de solidão e isolamento e a necessidade do apoio para continuação da amamentação. No que diz respeito ao contato físico, afirmam que é prazeroso, uma vez que possibilita maior ligação afetiva entre mãe e filho. Para Issler (2008), acerca dos sentimentos das nutriz ao amamentar, este ato é um processo fisiológico, harmonioso, que é vivenciado por desconfortos, dor, cansaço, desgaste físico e emocional, além de ser um empecilho para desenvolver suas atividades domésticas e de liberdade. Entretanto, estes sentimentos são contrapostos a uma sensação de prazer. Considera-se que o ato de amamentar perpassa simbolicamente por questão de assumir riscos (prejuízo social, físico, emocional) ou garantir benefícios (ganho, prazer, satisfação), existindo elementos que interferem com a manutenção da amamentação e influenciando também, a doação do leite humano. Tema 3- Tempo de Doação Em relação ao tempo de doação, as doadoras da referida maternidade do estudo, revelaram um período de tempo próximo à 60 dias: Vai fazer dois meses, que vai fazer, [...] ai comecei a doar... (E.1) ...acho que no máximo [...] num tá nem com dois meses... (E.5) ...tá com dois meses que eu doou,.. (E.8) 18 ...eu vi a necessidade das crianças, [...] ta precisando, né?, e eu me senti assim.. com vontade de doar..., né? Vou doar, né? Pra salvar vidas ... por que tô salvando vidas ... (E.2) ... Foi a idéia da caridade, da solidariedade, né? Compartilhar o leite com aquelas crianças que infelizmente por motivo de força maior, né? Que foi o parto pré-maturo, as mães não podem amamentar, então pensando nisso agente resolveu doar. (E.3) ...poder ajudar as crianças no banco de leite [...] comecei a doar, [...] doar mais, é bom pra as crianças de lá... é que vidas vão ser salvas, né?... (E.4) ... Doar pra quem precisa, os bebezinhos que lá precisam... (E.5) ...foi vê a necessidade do banco de leite na maternidade, no começo eu doaria por que meu peito tava muito cheio, mais hoje eu doo por causa da necessidade que eles mostram... (E.7) ...Foi mesmo só a questão de ajudar as criancinhas mais necessitadas... (E.9) ...Pois você se sente motivada [...] ajudar as criançinhas... (E.10) Para o Ministério da saúde, O leite humano é muito importante para todos os recém-nascidos. Ele alimenta e protege o bebê contra diarreia, infecções respiratórias, diabetes, alergias. Mas há mães que não podem amamentar. Para estas situações foram criados os Bancos de Leite Humano, que recebem, pasteurizam e distribuem leite para as crianças prematuras e clinicamente impossibilitadas temporariamente de serem amamentados ao seio materno. Devido às propriedades nutricionais e imunológicas do leite materno, a recuperação e o desenvolvimento desses recém-nascidos ocorre mais rápido. A doação é um meio de salvar viRevista Interdisciplinar NOVAFAPI, Teresina. v.5, n.2, p.15-20, Abr-Mai-Jun. 2012. Alegações maternas para doação de leite humano ao banco de leite em Teresina-Piauí Leite materno pras crianças... ai passou o telefone... [...] e eu me senti assim... com vontade de doar... né?... (E.2) das de crianças prematuras (BRASIL, 2010). Segundo Silva (2010), as mães doadoras se alicerçam no ato de doar leite no exercício do desprendimento materno, do instinto de mãe, pois elas se identificam com o sentimento maternal das mães receptoras. Essa ligação emocional aos olhos da mulher doadora deve-se ao vínculo entre amamentação e o amor materno. Tema 5- Apoio da família e profissional de saúde na doação Nesse estudo, o apoio figurou como elemento imprescindível nas falas das entrevistadas no sentido de tornar possível a prática da doação de leite materno, conforme pode ser revelado nas falas abaixo: ...uma fisioterapeuta,[...] ela foi uma das pessoas que me incentivou, [...] tu tem muito leite, então aproveita , principalmente esse leite inicial, que é o leite mais rico, o colostro, que tem mais vitaminas, nutrientes, então você tem todas as condições de doar, aí ela trouxe os vidros e foi a partir dessa idéia que agente começou... (E.3) ... A enfermeira me viu com o peito muito cheio, já estava “pedrando” [...] tem uma pessoa, que pode te ajudar, ela é fisioterapeuta e trabalha no banco de leite, e lá na maternidade onde eu tive neném, na santa Fe, ela me perguntou se eu tinha interesse de doar leite... (E.6) ...toda a família ela se comoveu, né? [...] então meu marido, minha mãe, meu pai que ta aqui todos os dias, todos eles diziam: ô lembrar de ordenhar, guardar o leite... todos tinham o cuidado de pegar os vidros, então a família inteira se envolveu, por que é uma experiência maravilhosa né? (E.3) ...meu marido [...] ele tomou a iniciativa de ligar e pedir o vidro, pra poder do pouco que eu tirasse fosse juntando pra poder mandar pra lá... (E.4) ...eu conversei com minha mãe, aí minha mãe bora doar, aí eu umbora [...] bora doar, bora, bora, ai eu falei com o pai da minha filha, bora doar, bora..pois umbora, por que a mãe do meu namorado ela trabalha na maternidade Evangelina Rosa... (E.7) ...o meu sobrinho que estava lá, ele era prematuro... (E.9) O papel da família e da sociedade são determinantes e influentes, sendo, frequentemente, elementos facilitadores desta prática. Ramos e Almeida (2003), em estudo sobre as alegações maternas para o desmame evidenciam que o apoio à amamentação no discurso das mães não se limitou apenas aos profissionais de saúde, sendo importante no núcleo familiar e nos aparelhos sociais de suporte tanto à maternidade quanto ao ato de amamentar. Em estudo realizado por Silva (2010), no nordeste do Brasil, o interesse para a doação parece estar mais associado à recomendação dos profissionais de saúde, verificando-se que as doadoras se sensibilizam ao serem informadas sobre a necessidade dos lactentes apoiados pelo banco. Tal fato demonstra que o envolvimento do profissional no incentivo à doação possibilita o recrutamento de doadoras. Sugere-se que este envolvimento venha a partir da percepção da importância da doação, e não apenas a utilização do leite humano como uma opção nutricional, mas também como uma terapia que salva vidas. Tema 6 - Papel da mídia na doação Algumas das mães doadoras relatam que ficaram sabendo sobre a necessidade de doação de leite humano através dos meios de comunicação, em especial pela TV, como pode ser observado abaixo: ...ai eu vi uma reportagem no ......., que tava precisando de leite, ne? Revista Interdisciplinar NOVAFAPI, Teresina. v.5, n.2, p.15-20, Abr-Mai-Jun. 2012. ...veio as campanhas na televisão, a gente tava acompanhando tudo,,então por que não doar?... (E.3) ... Que mostra no jornal, quando eu vi o mostraram o freezer que só tinha uma gaveta cheio leite, e elas pedindo mesmo[...] então foi mais por causa disso mesmo... (E.7) No estudo realizado por Galvão, Vasconcelos e Paiva (2006), no Ceará, evidencia-se que apesar da grande coleta de leite em banco de leite humano para a sobrevivência de inúmeros recém-nascidos, existe a necessidade de divulgação sobre o tema. Essas informações devem ocorrer em momentos inoportunos como no pós-parto, quando elas estão preocupadas principalmente com seu filho, e não conseguem atentar para a importância do leite para a doação. Na fala de uma das doadoras foi possível evidenciar a importância de mais campanhas e ações educativas sobre a importância da doação, incluindo orientações acerca da promoção da doação, divulgando sobre o banco de leite, e incentivando as mulheres a tornarem-se doadoras. ... Então eu acho que precisa ter mais campanhas porque não tem. As pessoas não sabem como é fácil,[...] não tem trabalho nenhum de ter que sair de casa e se deslocando porque eles vem buscar em casa, [...] é que não existe informação do BLH... (E.6) Segundo Coll, Amorim e Hallal (2010), atualmente a mídia é uma importante ferramenta de conduta de informação à população por ser capaz de influenciar tanto positivamente quanto negativamente o estilo de vida das pessoas. Diante deste fato, surge a discussão sobre o impacto dos meios de comunicação de massa sobre o sistema de saúde da população. Desta forma, a ação da mídia poderia ser um importante mecanismo de intervenção, permitindo uma rápida e abrangente penetração social que, para os programas de intervenção, é de extrema importância. Mesquita (2008), em sua pesquisa com a mídia e a democracia no Brasil, demonstra a importância da mídia para sociedade, relatando a influência nas decisões dos cidadãos brasileiros, e que a televisão possui papel ímpar em relação aos meios de comunicação. No Brasil, essa função de destaque é amplificada devido a particularidades do país. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS A análise do discurso revelou que a amamentação desperta nas mulheres sentimentos ambíguos e, ao mesmo tempo, contraditórios que oscilaram entre as dificuldades sentidas no seu curso e o prazer em oferecer um alimento que possui tantas vantagens para o seu filho. Para as entrevistadas, o leite materno fornece proteção, em especial na prevenção de doenças e promoção da saúde das crianças, fato este bastante valorizado nos seus relatos. A doação de leite foi percebida como um ato de solidariedade fundamental para salvar a vida das crianças que estão internadas na maternidade. Este sentimento se apresentou de forma marcante na maioria das falas das mulheres. Além disso, as depoentes revelaram como um fator imprescindível para a realização deste ato, o apoio recebido pelos familiares, amigos e profissionais de saúde. A mídia se revelou como uma estratégia importante na captação de doadoras, que ressaltaram a necessidade de veiculação de mais campanhas educativas que enfoquem a importância da doação e o trabalho realizado pelo Banco de Leite. Neste sentido, diante das dificuldades encontradas pelo serviço em atender às demandas de leite humano, faz-se necessária a busca de 19 Pinto, M. C. L. M.; et al. mais estratégias para aumentar o número de doadoras. Sugere-se, então, a realização de campanhas na mídia de forma permanente, voltadas para a sensibilização das mulheres sobre as necessidades dos lactentes receptores do Banco de leite, aliada a um maior envolvimento dos profissionais de saúde de forma a apoiarem as mulheres e suas famílias na consecução deste ato, tão importante para a saúde dos recém-nascidos que dele necessitam para a sua sobrevivência. Conforme está presente no próprio discurso das mulheres: “um alimento que salva vidas”. REFERÊNCIAS ACCIOLY, E.; SAUNDERS,C.; LACERDA, E. M. A. 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