PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Departamento de Psicologia SER PAI: SER MACHO? Construção da identidade paterna em homens homo/bissexuais André Geraldo Ribeiro Diniz Belo Horizonte 2006 André Geraldo Ribeiro Diniz SER PAI: SER MACHO? Construção da identidade paterna em homens homo/bissexuais Monografia apresentada graduação em ao Psicologia Programa da de Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Psicólogo. Orientadoras: Cássia Beatriz Batista Cláudia Andréa Mayorga Borges Belo Horizonte 2006 Aos meus pais, pelo reconhecimento e por terem desprendido tamanho amor e dedicação... AGRADECIMENTOS A PUC Minas, especialmente a unidade São Gabriel, por ter proporcionado essa conquista e pelo financiamento dessa pesquisa. Ao laboratório de Psicologia Social, pelo grandioso acolhimento e por ter referenciado grande parte da minha formação acadêmica e pessoal. Ao Núcleo de Psicologia Política pelo auxílio na ampliação teórica e metodológica dessa pesquisa. Ao Núcleo de Hipermídia da PUC Minas São Gabriel, na pessoa de Carmen Borges, pela importante contribuição. À Cláudia Mayorga, por ter caminhado sempre ao meu lado nesse árduo trajeto. Pela exímia competência e por ter contribuído para que me tornasse mais humano. À Cássia Beatriz Batista, pelo profissionalismo, pelo reconhecimento e pelas importantes contribuições nesse percurso. À Márcia Mansur, pela compreensão, pelo carisma e pelo exemplo. À Luciana Kind, por ter se permitido, em momento oportuno, transformar-se em bússola. À Tiago França, pela disponibilidade incontestável. Aos movimentos GLBTT que receberam a pesquisa com muito apreço e atenção. Aos membros do Orkut que permitiram ser invadidos em sua privacidade. Aos participantes dessa pesquisa por terem compartilhado parte de suas experiências, na tentativa de contribuir para a melhoria na qualidade de vida de sua categoria. Aos meus pais, pela oportunidade que me concederam e por terem desprendido tamanho amor e carinho. À minha família, pelos momentos de alegria. À Luciana Bossi, por ter feito acreditar-me no inacreditável, pela cumplicidade e por ter oferecido o ombro em sinal de compreensão e indulgência. À Anderson Machado Maia, pelo respeito incondicional e pela cumplicidade. Aos outros amigos, tão importantes para a concretização desse trabalho. Aos colegas de turma, pelo acolhimento e pelo enriquecimento pessoal. Pai de todo jeito Tem pai que ama, Tem pai que esquece do amor. Tem pai que adota, Tem pai que abandona, Tem pai que não sabe que é pai, Tem filho que não sabe do pai. Tem pai ... Tem pai que dá amor. Tem pai que dá presente, Tem pai por amor, Tem pai por acaso, Tem pai que se preocupa com os problemas do filho, Tem pai que não sabe dos problemas do filho... Tem pai ... Tem pai que ensina, Tem pai que não tem tempo, Tem pai que sofre com o sofrimento do filho, Tem pai que deixa o filho esquecido. Tem pai de todo jeito Tem pai que encaminha o filho, Tem pai que o deixa no caminho, Tem pai que assume, Tem pai que rejeita, Tem pai que acaricia, Tem pai que não sabe onde está o filho que precisa de carinho. Tem pai que afaga, Tem pai que só pensa em negócios. Tem... Tem pai de todo jeito. E você??? Que tipo de pai você é? Eu quero um pai, apenas um pai que esteja consciente do amor que tem para dividir... Eu quero um pai, apenas um pai que seja AMIGO! *Texto extraído da internet* RESUMO Tem-se como objetivo geral desta pesquisa conhecer os fatores psicossocias que estão presentes na construção da identidade paterna em homens que se auto-definem como homo/bissexuais. Essa experiência, ainda pouco visível no cenário social, tem demonstrado uma série de estratégias para se consolidar, buscando inclusive, através das bandeiras de luta GLBTT, um reconhecimento jurídico e social. Na tentativa de melhor elucidar esse fenômeno e os possíveis fatores que nele estão presentes, torna-se necessário compreender melhor os conceitos de homossexualidade, paternidade e construção identitária. A metodologia adotada foi a aplicação de um questionário on-line e realização de um grupo focal, na busca por articular dados quantitativos e qualitativos. Os resultados trazem alguns apontamentos que dizem da resistência mantida pela sociedade na concretização e legitimação da paternidade homossexual. Perceberam-se também duas tendências apresentadas pelos sujeitos ao narrarem suas experiências: respostas baseadas no pressuposto de que a paternidade e a orientação sexual são dimensões independentes e respostas construídas na tentativa de articular essas duas dimensões. Tais tendências apontam para estratégias privadas e políticas de enfrentamento à segregação homossexual, na busca por consolidar a vivência da paternidade, na condição homo/bissexual. Palavras chave: Homossexualidade; Paternidade; Identidade; Homoparentalidade. LISTA DE ILUSTRAÇÕES QUADRO 1 Opções de respostas para os itens sexo, orientação sexual e filhos do Orkut .................................................................................................................................58 QUADRO 2 Cruzamentos realizados na ferramenta de busca do Orkut...............................59 ESQUEMA 1...........................................................................................................................64 GRÁFICO 1 População respondente em relação ao estado civil...........................................72 GRÁFICO 2 População respondente em relação à raça/cor.................................................74 GRÁFICO 3 População respondente, quanto ao nível de discriminação sofrido...................81 GRÁFICO 4 População respondente quanto ao projeto de vida em ser pai..........................84 GRÁFICO 5 Sentimento em relação às categorias identitárias.............................................90 LISTA DE TABELAS TABELA 1 Média de idade dos usuários do Orkut – Abr./Jul. 2006......................................69 TABELA 2 Média de interesses dos usuários do Orkut – Abr./Jul. 2006...............................69 TABELA 3 Média de relacionamentos dos usuários do Orkut - – Abr./Jul. 2006..................69 TABELA 4 Média por país dos usuários do Orkut – Abr./Jul. 2006 ......................................69 TABELA 5 Faixa etária da população respondente...............................................................72 TABELA 6 População respondente por orientação sexual....................................................73 TABELA 7 Situação de residência por região brasileira e cidade, da população respondente............................................................................................................................74 TABELA 8 População respondente, em relação à moradia e dependência familiar.............75 TABELA 9 População respondente, conforme grau de instrução e renda familiar................76 TABELA 10 População respondente, quanto à utilização de espaços GLBTT.....................77 TABELA 11 População respondente, conforme orientação sexual e estratégia para obtenção de filhos...................................................................................................................85 TABELA 12 população respondente, quanto à residência dos filhos....................................88 TABELA 13 População respondente quanto à orientação sexual e posicionamento diante das categorias identitárias......................................................................................................93 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO.....................................................................................................................12 2 HOMOEROTISMO: CRÍTICA À PATOLOGIZAÇÃO DA HOMOSSEXUALIDADE...........18 2.1 Homossexualidade: historicização das relações de opressão..................................18 2.2 Homoerotismo: novas linguagens, diferentes identidades........................................22 3 SEXUALIDADE E PRODUÇÃO DE IDENTIDADES..........................................................27 3.1 Identidade: Um breve percurso histórico.....................................................................27 3.2 “Sexualidades” e identidade: possíveis arranjos para a identidade sexual.............31 4 PATERNIDADE: ARTICULAÇÕES COM “AS MASCULINIDADES”................................37 4.1 O gênero como categoria analítica...............................................................................37 4.2 Ser pai: ser macho?........................................................................................................41 5 CAPÍTULO IV – REFLEXÕES METODOLÓGICAS...........................................................48 5.1 A questão do método nas Ciências humanas: Razão e subjetividade......................48 5.1.1 O culto à Razão: o surgimento da Ciência....................................................................49 5.1.2 Enfraquecimento do Positivismo: a realidade subjetivamente produzida......................50 5.1.3 Crítica à racionalidade científica: propondo novos paradigmas....................................51 5.1.4 Processos de globalização: Pesquisa e Internet...........................................................52 5.2 Apresentando a metodologia........................................................................................55 5.2.1 Questionário...................................................................................................................56 5.2.1.1 Captação dos sujeitos: quando o virtual possibilita o real..........................................57 5.2.1.2 Construindo questionário on-line................................................................................60 5.2.1.3 Validação do instrumento...........................................................................................62 5.2.2 Diário de campo.............................................................................................................65 5.2.3 Grupo Focal...................................................................................................................66 5.2.3 Caracterização dos respondentes.................................................................................67 5.2.4 Tratamento dos dados...................................................................................................69 6 DISCUSSÃO DOS DADOS.................................................................................................71 6.1 Pai gay: quem é você?...................................................................................................71 6.2 Algumas representações da Paternidade....................................................................78 6.3 Sou gay e tenho filhos!: Paternidade X orientação sexual.........................................82 6.3.1 Identidade Sexual: Produto ou processo?.....................................................................89 6.4 Paternidade e Masculinidade.........................................................................................94 6.5 Paternidade gay hoje... Dificuldades X possibilidades..............................................97 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................100 8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................................104 9 APÊNDICES......................................................................................................................110 9.1 Questionário..................................................................................................................110 9.2 Roteiro para realização do grupo focal......................................................................115 9.3 Termo de Consentimento Livre e Esclarecido...........................................................117 12 INTRODUÇÃO Esta monografia consiste num desdobramento da pesquisa de iniciação científica “os fatores psicossociais que influenciam na construção da identidade paterna em homens homossexuais”, aprovada pelo PROBIC/2006, com prazo de vigência entre fevereiro e dezembro de 2006. Tem-se como objetivo geral desta pesquisa conhecer os fatores psicossocias que influenciam a construção da identidade paterna em homens que mantêm relações sexuais com outros homens. Tal objetivo desdobra-se em três objetivos específicos, a saber: a) Investigar os fatores que delimitam e influenciam a construção da identidade paterna, com ênfase nos papéis de gênero; b) Conhecer os fatores psicossociais que estão presentes na construção da identidade homossexual; e c) analisar os impactos da identidade sexual e identidade de gênero na vivência da paternidade em homens homossexuais. A metodologia adotada nesse estudo está pautada na tentativa em se articular instrumentos quantitativos e qualitativos para uma melhor análise. Realizou-se a aplicação de um questionário on-line, buscando encontrar dados do perfil da amostra e de alguns apontamentos acerca de sua realidade. O grupo focal proporcionou a investigação aprofundada dos elementos qualitativos da paternidade homossexual, buscando verificar os fatores psicossociais que estão presentes nessa experiência. Para a participação na pesquisa os sujeitos deveriam ter as seguintes características: a) ser do sexo masculino; b) se auto-definir como homo/bissexuais; e c) ter filhos, biológicos ou não. È preciso lembrar que o critério adotado para classificar os sujeitos como homo/bissexuais foi a auto-definição de cada um deles. Sabe-se também que esse recorte metodológico pode excluir algumas experiências e vivências que, possivelmente, não sejam contemplados por esse critério. Na sociedade contemporânea, o pai gay é visto como um doente que irá transmitir sua homossexualidade aos filhos. Existe ainda o mito de que eles são obcecados por sexo e tendem a abusar de seus descendentes, ou ao menos expô-los ao ridículo perante a 13 sociedade. (RAMIRES, 1997). Essas representações foram construídas a partir de, entre outras, concepções psicológicas alicerçadas em um certo referencial de normalidade. Se por um lado, percebe-se a existência de representações sociais negativas acerca dos pais gays, por outro é importante ressaltar que o interesse pelo exercício da maternidade/paternidade entre indivíduos homossexuais começa a se tornar um fenômeno investigado na atualidade, ainda que em passos lentos. Os estudos acerca dessa realidade ainda são escassos, apontando para uma necessidade em se compreender os elementos que estão ligados à essa construção e articulá-los, em nível ainda exploratório. Uma pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa e Cultura GLS (2005), ao questionar sua população sobre o grau de importância atribuído à aquisição de direitos civis, mostrou que 60% dos homossexuais consideram muito importante o direito à adoção de crianças e 41% consideram muito importante o direito à inseminação artificial. No Brasil, as discussões e debates sobre o tema surgiram com o crescimento dos Movimentos Feministas e os Movimentos GLBTT. Esses movimentos possibilitaram uma série de problematizações acerca do papel da mulher na sociedade, especialmente na divisão do trabalho que atribuiu ao homem a circulação pelos espaços públicos e à mulher, pelo privado. Buscaram também desnaturalizar o modelo heterossexista, localizando no discurso da sexualidade, dispositivos de poder e hierarquização que buscam controlar e vigiar o lugar de submissão aferido à mulher e as práticas sexuais historicamente tidas como desviantes. Esses elementos contribuíram para a inserção de novos debates nessa discussão, geralmente articulados com a diversidade sexual, cidadania, empoderamento feminino, etc. Discussões de extrema importância, do ponto de vista emancipatório, que acabaram por tecer uma crítica ao modelo hegemônico de família, propondo novas formas de concebê-la. Com a morte da cantora Cássia Eller, essas discussões tomam proporções midiáticas, aumentando ainda mais a visibilidade das famílias homoparentais. A briga judicial entre o pai da artista e de sua companheira culminou em uma série de reportagens e estudos científicos, principalmente por que a sentença foi favorável à companheira de 14 Cássia Eller. Já nessa época, algumas pesquisas tentavam compreender este fenômeno, tão raramente exposto na história da sociedade (TARNOVSKI, 2004). Assim como o caso de Cássia Eller, o aparecimento de outros arranjos familiares começam atribuir visibilidade às famílias formadas por gays e lésbicas, atingindo a mídia nacional e internacional. Vários países aprovaram ou colocaram em pauta as discussões acerca da legitimação da união homossexual. Essas discussões fomentam o impasse da constituição familiar por homossexuais e abrem caminho para a conquista da paternidade/maternidade, tão revogada pelo movimento GLS1 para garantir o direito de adoção legal e/ou utilização de tecnologias reprodutivas (ROUDINESCO, 2003; TARNOVSKI, 2004). A projeção da sexualidade fora dos padrões teóricos do Direito de Família acaba por excluir as relações e orientações sexuais que a ela não se ajustam. A legislação vigente ainda é obscura, ao se tratar das organizações homoparentais, negando direitos de parentesco, filiação e adoção. Esse fato indica que, sendo a legislação, de certa forma, um dos dispositivos de legitimação social, a sociedade ainda imputa resistência na concretização desses papéis parentais aos homossexuais, na medida em que não aprova leis que garantam a essa categoria o acesso à direitos historicamente aferidos aos heterossexuais e ao arranjo familiar burguês. Apesar disso, não deixam de merecer tratamento adequado: da homossexualidade, considerada invertida, surgem relações de afeto, organizam-se células afetivas, constroem-se patrimônios, estabelecem-se vínculos sanguíneos e/ou sociais, despontam expectativas de filiação, adoção e procriação (FUGIE, 2002). Nos Estados Unidos e Canadá existem cerca de 03 milhões de pais que se intitulam gays, trazendo a estimativa de no mínimo 06 milhões de filhos de gays e lésbicas (ROUDINESCO, 2003; TARNOVSKI, 2004). Esses dados, ainda que não se refiram ao 1 Na época da publicação desses trabalhos utilizava-se, predominantemente, o termo “Movimento GLS” (Gays, Lésbicas e Simpatizantes). Ao passar por uma série de discussões e reformulações, o nome do movimento foi ampliado, passando a se chamar “Movimento GLBTTT” (Gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transexuais e trangêneros). 15 contexto brasileiro, demonstram a existência de uma demanda de pais/mães homossexuais que, possivelmente, estejam vivenciando seu papel com dúvidas, angústias, medos e receios, sentimentos oriundos, dentre outros motivos, das representações negativas ainda reproduzidas em nossa sociedade. Daí a importância deste trabalho que, com sua contribuição, poderá colaborar na reconstrução dos conceitos da homossexualidade e da homoparentalidade, abrindo espaço para a discussão dessas identidades e possibilitando uma problematização no debate que toma como objeto a construção da paternidade/maternidade por homossexuais. Para além disso, essa pesquisa é relevante, no sentido de oferecer novas formas de localizar a homossexualidade na sociedade, contribuindo para a construção de um novo espaço para essa experiência e buscando articular o saber produzido na academia com as bandeiras de luta dos movimentos GLBTT. É relevante também, na medida em que propõe um olhar diferenciado para papéis sociais, até então considerados inadequados, apropriando-se de determinados discursos políticos, e inserindo no contexto da academia debates acerca da diversidade sexual e da cidadania. Nesse sentido, este trabalho poderá contribuir também nas discussões elaboradas pelas várias dimensões do conhecimento humano, relativas à paternidade homossexual, contribuindo para o saber científico, o poder legislativo, o saber religioso e o saber popular, que ainda impõem grande resistência na concretização desse papel. Resistências ligadas à falta de aparato legal que subsidie a filiação e adoção por homossexuais, e aos dispositivos de controle exercidos sobre essas práticas e vivências, justificados nas representações negativas acerca da homossexualidade. A academia está em constante articulação com a sociedade, na medida em que se apropria de suas inquietações, atribui a elas uma série de significados e oferece novos elementos de análise e estratégias de enfrentamento a essas inquietações. Assim, da mesma forma que o aparato legislativo, a academia, durante muito tempo, legitimou, e contribuiu para construir as concepções acerca das relações homoeróticas. Portanto, essa pesquisa é também uma tentativa de melhor elucidar tais questões, na busca de preencher 16 a lacuna deixada pela ciência e, conseqüentemente pela psicologia, nessas discussões, oferecendo elementos para um olhar diferenciado do saber científico/psicológico frente a esse fenômeno. É necessário, para isso, a inclusão de temas e debates relacionados ao homoerotismo e paternidade nas discussões desses campos de saber para, assim, construir diretrizes que auxiliem a compreensão e intervenção perante esse público. O trabalho irá se referenciar no aporte teórico da Psicologia Social Crítica, compreendendo o sujeito numa perspectiva sócio-histórica. A psicologia Social, de perspectiva crítica sistematiza a realidade a partir de alguns pressupostos epistemológicos: a) busca compreender a realidade numa perspectiva de produção social e não como uma verdade real, concreta e absoluta a ser apreendida; b) procura analisar a realidade numa perspectiva histórica; c) localiza na sociedade relações hierárquicas de poder entre os fenômenos historicamente dicotomizados; d) procura localizar discursos ideológicos na produção científica; e) busca desverticalizar as relações estabelecidas entre os vários campos de conhecimento humano; f) procura estabelecer a construção de conhecimento numa preocupação incessante com a transformação social; e g) compreende a interação entre sujeito e objeto numa perspectiva relacional, criticando a pretensa neutralidade científica. Entender a paternidade nesse contexto implica permear os estudos de identidade sexual, relações de gênero e as construções histórico-culturais da masculinidade e do homoerotismo. Este trabalho foi divido em três capítulos para melhor elucidação didática da problemática a ser estudada. O primeiro capítulo traz uma historicização das práticas homossexuais ao longo da história e das representações construídas acerca dessas práticas, acompanhada de uma crítica à patologização da homossexualidade. O segundo capítulo discorre sobre o conceito de identidade e suas possíveis articulações com a sexualidade e a identidade sexual, numa perspectiva sócio-histórica. O terceiro capítulo se debruça no entendimento da paternidade e da parentalidade, pensadas a partir da categoria de gênero. E, por fim, o quarto capítulo que apresenta o percurso histórico do saber 17 científico e suas implicações para compreensão da realidade. Ainda neste capítulo, é apresentada a metodologia de coleta e análise dos dados da pesquisa. 18 2 HOMOEROTISMO: CRÍTICA À PATOLOGIZAÇÃO DA HOMOSSEXUALIDADE 2.1 Homossexualidade: historicização das relações de opressão Para melhor compreender as práticas homossexuais e os significados a elas atribuídos, faz-se necessário conhecer o seu percurso ao longo da história e a leitura que as instituições sociais como a ciência, a religião e a filosofia, em diálogo com o saber popular, construíram acerca dessa realidade. Araújo (1999) faz um panorama histórico da sexualidade, situando também a percepção das práticas homossexuais ao longo do tempo. Já na Grécia antiga, encontramse registros de práticas homossexuais. A pederastia era um costume praticado nesse momento histórico onde, um homem tomava um menino já inserido na puberdade como discípulo e, ensinando-o todos os preceitos intelectuais e profissionais, recebia em troca carinho e afeto. Nessa mesma época, em Roma, as práticas homossexuais não recebiam nenhum tipo de empecilho ou repressão, apesar de não terem o mesmo significado refinado que na Grécia. Com a propagação do Cristianismo, o sexo passou a ter conotação de pecado e, com os escritos de Santo Agostinho contrapondo a virtude ao vício, quaisquer práticas sexuais que não atendiam, exclusivamente, a necessidade de procriação, eram expurgadas e condenadas. Inicia-se aqui um grande período de repressão sexual, que teve impacto e ascensão na Idade Média e atingiu seu ápice com a formação da classe burguesa no século XII (ARAÚJO, 1999). Para a igreja, era importante manter a estrutura familiar intacta já que ela se mostrava extremamente eficaz para manter a vigilância e controle dos indivíduos. As cerimônias religiosas se dispunham de ritos extremamente disciplinares e seu caráter dramático advertia a população quanto à transgressão das leis divinas e à conjuração do 19 pecado sexual. A Inquisição, por exemplo, que levou a julgamento várias mulheres, homossexuais, loucos e “desviados” era uma cerimônia imponente que fazia alusão a Deus como ser punitivo, de uma ira incontestável (PARKER, 1991). As termologias utilizadas pela igreja, ao direcionar-se às práticas sexuais pecaminosas demonstram seu caráter repugnante. Chamavam o coito anal de “sodomia”, “tocamento desonesto”, “tocamento torpe”, “pecado nefando”, “trabalho nefando” ou simplesmente “nefando”. Ao pênis chamavam de “membro viril” e “natura”, ou “membro desonesto” quando usado pecaminosamente. [...] “Abraçar” e “beijar” eram variantes eufemísticas para a penetração anal, assim como “dormir carnalmente por detrás” e “juntar suas naturas por diante” eram variações das posições amorosas. “Agente” e “paciente” significavam os dois parceiros no coito anal, sendo que o penetrado era também aquele que “usa do ofício de fêmea” [...] (TREVISAN, apud PARKER, 1991, p. 114-115). Como apresenta Parker (1991) ainda que a prática sexual entre pessoas do mesmo sexo era repugnada, não havia tanto interesse em detectá-las. As pessoas que as mantinham eram alvo de repressão social, mas não eram consideradas, inerentemente diferentes das outras pessoas. Apesar disso, as elites utilizavam-se desse atributo para classificarem-se como “superiores”. Isso mostra que, neste momento, as práticas homossexuais tinham conotação bastante negativa, mas as mesmas não definiam ou eram determinantes de uma personalidade (ou identidade) homossexual. Adelman (2000) afirma que já nesse momento histórico (séculos XV e XVI) se propagava um movimento de higiene social que legitimava a prática sexual do matrimônio e estigmatizava quaisquer outros comportamentos diferentes, que se afastavam dessa norma e os classificavam como pecaminosos. Ainda assim, tinha-se uma valoração dessas práticas já que algumas eram consideradas menos transgressoras do que outras. Aquilo que hoje conhecemos por “o duplo padrão” – a aplicação de critérios de moralidade diferenciados – criava tolerâncias e punições diferenciados que envolviam questões de gênero, classe e raça. Por exemplo, permitia aos homens uma licença para atividade heterossexual fora do casamento que era negada às mulheres (ADELMAN, 2000, p. 165). 20 Adelman (2000) diz ainda que no início do século XIX um outro discurso se estabelece no cenário político, na tentativa de explicar o fenômeno da homossexualidade. O saber médico-científico empreendeu vários estudos para se chegar à explicação das manifestações e causas do homossexual, e propor medidas terapêuticas e medicamentosas a esses sujeitos. Este empreendimento científico estava vinculado ao movimento de higiene social que buscava vigiar os comportamentos sexuais dos espaços urbanos e erradicar as práticas tidas como desviantes. Paralelamente, estudos de diversos campos do saber como a biologia, a sexologia (nova ciência do século XIX que atendeu aos interesses positivistas em determinar a tipologia dos comportamentos sexuais) e a própria medicina debruçavamse na tentativa em definir os padrões de normalidade e de classificação das patologias. Ainda assim, alguns estudiosos da área tentaram provar que a homossexualidade possuía um caráter de “inversão sexual natural” ou congênita, a qual não se poderia lutar contra. O termo homossexualidade, possivelmente foi utilizado publicamente, pela primeira vez em 1869, por Karl Kertbeny, escritor austro-húngaro, na tentativa de incluir nas discussões políticas da Alemanha a reforma sexual, revogando, principalmente, as leis antisodomitas.2 O sentido dado a essa palavra (homossexualidade) estava carregado do esforço, muito propagado naquele momento, em definir as formas e tipos, normais e anormais, de comportamentos e identidades sexuais (WEEKS, 2001, p. 62). A partir daí a homossexualidade foi sendo produzida, necessariamente, como comportamento patológico. Conseqüentemente a heterossexualidade alcançou sua hegemonia, naturalizando-se como identidade sexual privilegiada. A homossexualidade (na verdade homossexualismo) foi inserida no CID (Classificação Internacional de doenças) e conseqüentemente suas descrições, sintomas, manifestações, formas de diagnósticos e possíveis tratamentos. Além das classificações médicas, restaram ainda várias representações negativas, oriundas do emparelhamento do homossexual 2 à comportamentos também inseridos na categoria de sodomia Weeks (2001) explica que, nesse momento, toda atividade sexual entre pessoas do mesmo sexo inseria-se na classe de sodomia, que não representava um estado de alguém, especificamente. Era considerado como potencial de qualquer indivíduo que estivesse enveredado no pecado. 21 (transsexualismo, sadismo, masoquismo, exibicionismo e outro comportamentos considerados como “perversões”) que fizeram com que as práticas homossexuais se confundissem com essas outras. A junção de pecado e doença, perversão e patologia permeou toda a construção da “personalidade homossexual” como desvio. Ainda na segunda metade do século XX, podemos encontrar teóricos que reproduzem o discurso médico-científico moderno acerca da homossexualidade. Vários autores acreditam numa possível cura para os homossexuais. “Os clínicos [...] apresentam provas convincentes de que a homossexualidade é uma condição potencialmente reversível” (MARMOR, 1973, p. 26). Um fragmento do texto de Hooker (1973) demonstra com clareza a concepção comungada nesse período acerca do tema. Tal concepção justifica a escassez de debates e produções científicos nessa dimensão já que [...] tradicionalmente, o comportamento homossexual adulto foi considerado, como psicopatologia individual, um domínio próprio do clínico; como patologia social, campo do sociólogo ou antropólogo interessado nos desvios sociais; como anormalidade biológica, preocupação adequada ao endocrinologista ou ao geneticista (HOOKER, 1973. p.78). Na obra de Oraison (1977), apesar de tentar tecer uma concepção menos radical ainda mantém a posição de que a homossexualidade foge à normalidade. “Nesse sentido, é indiscutível que a situação homossexual é uma anomalia: do ponto de vista estatístico, ela se verifica em apenas 7 a 8% no máximo da população” (ORAISON, 1977, p.52). Com o início da modernidade, várias mudanças foram desencadeadas nas concepções de sexo e sexualidade, mas permanecerá, na ciência, a dicotomia entre homossexualidade e heterossexualidade. Longe de ser apenas dicotomia, essa relação acaba por reproduzir o modelo da racionalidade moderna que, ao definir o que é e como chegar à razão exclui o diferente (o irracional), assim como as práticas e saberes que se distanciam desse modelo (SANTOS, 1987). 22 2.2 Homoerotismo: novas linguagens diferentes identidades Na metade do século XX, com os novos movimentos sociais, mais especificamente com os movimentos feministas, iniciou-se um questionamento sobre o papel da mulher na sociedade. O Movimento de Libertação Gay contraiu dimensões políticas, contribuindo para vários estudos de sexualidade (ARAÚJO, 1999). Os movimentos feministas inseriram no cenário político mundial discussões que possibilitaram a problematização das diferenças sexuais, até então tidas como naturais, propondo formas diferenciadas de ver as relações de gênero e apontando a existência de dispositivos de poder que legitimam e se apoderam dessas interações entre homens e mulheres, bem como comportamentos “normais” e “anormais”. “As formas “tradicionais” (igreja, família, comunidade) e “modernas” (o Estado, a medicina e a psiquiatria) de regulação da sexualidade começaram a ser contestadas ativamente, através da política sexual de diversos grupos que sofriam a ação desses sistemas [...]” (ADELMAN, 2000, p. 167). Atualmente, o sentido atribuído à preferência por relacionamentos afetivos com indivíduos do mesmo sexo, não possui os mesmos fundamentos ou as mesmas origens. Alguns teóricos dizem que a orientação está voltada para fatores naturais que fogem ao alcance do indivíduo. Outros já dizem que é atributo de própria escolha, motivado por fatores psicológicos e sociais (TARNOVSKI, 2004). Nos últimos anos, novas concepções acerca das práticas homossexuais vêm surgindo no cenário científico, a partir da crítica à modernidade e ao paradigma tradicional da ciência. Concepções estas, voltadas para uma construção psicossocial da identidade homossexual. Foucault (1986) subverte a linha de pensamento hegemônica de sua época, construindo interpretações alternativas e uma possibilidade diferente de analisar a homossexualidade. Segundo ele, 23 [...] sexualidades periféricas provocam a incorporação das perversões e nova especificação dos indivíduos [...] É necessário não esquecer que a categoria psicológica, psiquiátrica e médica da homossexualidade constituise no dia em que for categorizada menos com um tipo de relação sexual do que como uma certa qualidade de sensibilidade sexual [...] (FOUCAULT, 1986, p.67). As teorias foucaultianas inseriram, através do pensamento filosófico, uma série de discussões nas pautas científicas. O desenvolvimento de suas idéias foi de extrema importância para a contraposição da sexualidade à noção biologicista e patologizante que predominou no século XIX e grande parte do século XX. Foucault discute a sexualidade, e conseqüentemente a homossexualidade, não do ponto de vista privado, como um elemento da dimensão individual, mas como um dispositivo de controle e poder, utilizado e propagado pela dimensão pública. As obras de Foucault representam uma tentativa de oferecer às discussões acerca da sexualidade, um caráter político, entendendo-a como instrumento de massificação e submissão a normas, regras e imposições sociais. Weeks (2001) percebe que a categoria ‘homossexual’ é construída na tentativa de se definir as leis naturais do que normalmente era visto como patologia. A homossexualidade tornou-se então uma “categoria científica e sociológica [...] construindo a idéia de uma natureza distintiva e, talvez, de uma natureza exclusivamente homossexual”. A partir daí esse autor oferece o olhar de que “a nova história da homossexualidade é uma história de identidades: sua emergência, complexidades e transformações” (WEEKS, 2001, p.69). O emparelhamento da homossexualidade com a categoria anormal, perversa e desviante causou uma série de impossibilidades nas reformulações científicas, sociais e culturais das práticas homossexuais. Com o advento da AIDS, a discriminação do gay e da lésbica retoma fortemente seu curso, ao se acreditar que essa moléstia estava diretamente ligada à homossexualidade. Ainda que, antes do aparecimento da AIDS, a homossexualidade era considerada por muitos como um arranjo sexual alternativo, que romperia com a norma heterossexual burguesa, na década de oitenta, as opressões e os ataques retornam nos debates promovidos acerca dessa temática (ARÁN; CORREA, 2004). 24 A homossexualidade inicia, na contemporaneidade, um percurso diferenciado quanto à sua reconstrução, a partir do deslocamento de estudos e pesquisas que lançam mão da dimensão política na tentativa de melhor compreender esse fenômeno. Mais do que um impulso sexual, uma opção, uma orientação, a homossexualidade começa a ser entendida como movimento contra-hegemônico às normas sociais pré-definidas. Nesse sentido, conforme dizem Arán e Corrêa (2004), esse movimento é causador de conflitos e incômodos na sociedade, já que se revolta contra o pacto de invisibilidade traçado ao longo da história. Para tal, ainda são proferidas manifestações tradicionalistas e ortodoxas, na tentativa de se manter a ordem e a lógica de controle social. Jurandir Freire Costa, em sua obra intitulada “A inocência e o vício” (1992), discorre também sobre determinados aspectos da homossexualidade masculina. Sua tentativa consiste em demonstrar que a categoria homossexual, da forma que é concebida atualmente, é uma construção histórico-cultural, norteada pela noção pejorativa de desvio. Ele também defende a concepção que demonstra a necessidade histórica em definir o sujeito homossexual a partir de suas práticas sexuais e que a as atribuições dadas a esses sujeitos tentam, de qualquer forma, atribuir-lhes uma identidade específica. Assim, seu principal objetivo é [...] mostrar que o “homem homossexual” nada mais é que uma realidade lingüística, e não uma realidade natural. É uma forma de subjetividade que como qualquer subjetividade pode ser historicamente circunscrita em seu modo de expressão e reconhecimento. E, assim como em épocas precedentes outras crenças lingüísticas conferiram foros de realidade natural ou universal a certas formas de subjetivação, em nossa época fizemos da “homossexualidade” uma “realidade psíquica e sexual” que nos parece como um modo de ser do sujeito, natural e universalmente necessário, e não culturalmente arbitrário (COSTA, 1992, p. 23). Partindo da noção de que “vocabulários diversos criam ou reproduzem subjetividades diversas”, Costa (1992) critica as concepções patológico-classificatórias da homossexualidade, apresentando o conceito de homoerotismo. Para ele “a identificação sócio-sexual é produto do imaginário histórico. Nem a fenomenologia da atração homoerótica, nem a singularidade dos processos fantasmáticos levaram-me a acreditar na 25 existência de uma estrutura psíquica comum a todos esses sujeitos [...]” (COSTA, 1992, p.82). É importante justificar o uso do conceito ‘homoerotismo’, proposto por Costa (1992) já que na modernidade o verbete utilizado para referir-se ao sujeito que mantém relações sexuais e amorosas com alguém do mesmo sexo e sua condição, é 'homossexual’ e ‘homossexualidade’, respectivamente. A menção a esse termo está pautada na tentativa de des-construção das representações, já referenciadas anteriormente, a que remete o uso da palavra homossexualidade e seus derivados, como estratégia para tecer à crítica à sua patologização. Contudo, não se pretende substituir uma pela outra, nem ao menos propor uma hegemonia para o termo homoerotismo. Ao construir uma crítica a patologização da homossexualidade, é preciso muita cautela para não inverter o discurso opressor, propondo, ainda que sutilmente, a marginalização das categorias hegemônicas. Ao contrário, é preciso promulgar a diversidade sexual como norte das pesquisas e intervenções científicas, assim como o fazem a maior parte das bandeiras de luta GLBTT. As políticas afirmativas acabam por exercer um papel fundamental no compromisso histórico com as categorias minoritárias, ainda que os elementos dificultadores estejam longe de ser apenas a escassez de políticas públicas. Conforme Antonio Nieto (2003) a construção de um pensamento que privilegie a diversidade sexual tem como principal obstáculo, as representações naturalizadas que circulam na sociedade. El desarrollo gradual de los derechos de las minorías sexuales tiene delante un frente de difícil penetración: la “impermeabilización” del tejido social. Es un frente que, [...] está provisto de dos cabezas. Una, la cicatería de las políticas ejecutiva y legislativa de los distintos gobiernos democráticos (por no citar, obviamente, los dictatoriales) en torno a los derechos sexuales de las personas. Otra la propia capa impermeable de sus representados. La sociedad que mira a las minorías como “otros”, no sujetos a derechos; la llamada, redundantemente, a mi juicio, sociedad civil. La sociedad “incivil” de Foucault (ANTONIO NIETO, 2003). 26 Diante de todas essas representações construídas ao longo da história e das formas que a sociedade construiu em lidar com a homossexualidade, é perceptível que, ainda hoje, o homoerotismo é destituído de uma série de direitos, sendo banido em circular por uma série de espaços (geográficos e sociais). Uma série de papéis, funções e privilégios que foram construídos em articulação com a família burguesa, com a norma heterossexual, com a noção de masculinidade e com o padrão de normalidade foram sendo retirados do horizonte de possibilidades das relações homoafetivas, segregando ainda mais essa categoria. È importante, na tentativa de compreender essa segregação e as estratégias de enfrentamento produzidas para combatê-la, conhecer as implicações identitárias que essa construção imprime nos sujeitos e de que forma os homens que mantêm relações sexuais com iguais articulam sua identidade sexual as reais dificuldades e possibilidades imputadas pela sociedade. 27 3 SEXUALIDADE E PRODUÇÃO DE IDENTIDADES 3.1 Identidade: Um breve percurso histórico Assim como a noção de sexualidade, o conceito de identidade é abordado de maneiras diferentes por vários autores, podendo ser contemplado como elemento de construção social como também fragmento individual e subjetivo. Farr (1999), ao historicizar alguns pressupostos da psicologia social moderna, aponta o principal objeto que mobilizou os estudos em psicologia social: a relação indivíduo e sociedade. Nesse contexto, variados autores discorreram sobre essa temática, buscando compreender tal relação e encontrar um possível ponto de articulação entre essas duas dimensões. Em sua obra, Farr (1999) cita diversos teóricos que, com objetos, métodos e concepções diferenciadas, contribuem fortemente para a construção dos pressupostos da Psicologia Social Contemporânea, bem como para o conceito de identidade. Esses teóricos, de certa forma, buscam alcançar uma possível interpretação para a existência de um tecido social e, ao mesmo tempo, de uma individualidade. Sant´Ana (2004), fazendo uma releitura das obras de G. H. Mead, afirma que este autor discorre sobre a formação do sujeito, evidenciando-a nas variadas formas de interação social entre os indivíduos e na construção de significados e regras. Depois de instituídas essas regras e significados, os mesmos irão preceder as interações, ao oferecer previamente, diversas representação para as situações cotidianas. Para tanto Mead constrói a noção de self, no início do século passado. Em seu texto, Sant´ana (2004) diz que, para Mead, o self se configura na autonomia que tem o sujeito, em relação às regras e imposições sociais e na sua capacidade para tomada de decisões no cenário público. Ele (o self) está em constante transformação, possibilitada pelas experiências e interações que o indivíduo vivencia com seu meio social. 28 É o self, o organizador dessas experiências no sujeito, num movimento reflexivo que tende a orientar sua conduta em suas relações. Ele surge no encontro de indivíduos, no ceio dos processos de interação/socialização. Percebe-se que, na obra de Mead, existe uma tentativa em conceber a noção de sujeito (ainda que Mead não use esse conceito) numa perspectiva relacional, dando à interação social um lugar privilegiado na formação dos indivíduos (SANTA´ANA, 2004). Outro autor que contribuiu para os estudos de identidade foi Erving Goffman (1988) ao criar sua teoria dos papéis e a noção de estigma nas interações sociais. Para este autor, a noção de “eu” (ou identidade) é construída a partir das experiências e conhecimentos que os outros detêm sobre o sujeito. Essas experiências e conhecimentos prévios possibilitam, na dimensão pública, a exposição individual e a manipulação de estigmas. Goffman (1988) já fazia distinção entre identidade pessoal e identidade social, dizendo que a primeira está ligada às experimentações subjetivas que o sujeito tem com a manipulação e o estigma e a segunda se articula com a experiência, propriamente dita, da estigmatização. Farr (1999) cita também como grande contribuição para a construção da noção de identidade os pressupostos de Berger e Luckmann, quando os mesmos atribuem a esse conceito um caráter também relacional com a realidade social. Esses autores articulam a construção da realidade nas dimensões objetiva e subjetiva, interpondo-se a partir dos movimentos de interiorização da realidade social e exteriorização de si próprio nessa realidade. A linguagem nesse contexto torna-se o instrumento mais importante de comunicação entre as duas realidades já que é através dela que ocorrerão a objetivação e subjetivação da realidade social e pessoal. Além desses teóricos, alguns outros contribuíram para o desenvolvimento das teorias psicossociais acerca da identidade. Nesse contexto, diversas correntes se constituíam na Europa e nos Estados Unidos, articulando alguns pressupostos hegemônicos com novas visões acerca da relação indivíduo e sociedade: a psicanálise, a psicossociologia, a fenomenologia, o institucionalismo, a teoria das representações sociais, etc. 29 Na segunda metade do século XX, essas obras foram re-lidas e re-interpretadas por alguns autores que tentavam construir novos rumos para a Psicologia Social, especialmente a latino-americana. Tais re-interpretações se distanciaram de concepções internalistas e biologicistas acerca da identidade, articulando esse conceito com outras categorias de análise como etnia, geração, gênero, sexualidade, raça/cor, etc. Ciampa (1994) propõe a concepção de identidade ligada à noção de metamorfose. Segundo este autor a identidade é formada durante toda a vida e está em constante movimento de mudança. Ela transforma e é transformada por diversos elementos que são experienciados nas interações sociais. Ciampa (1994) trabalha o conceito de identidade, abordando sua dimensão processual, em detrimento da idéia de identidade como produto final, a ser alcançado em um determinado momento da vida. A identidade como processo também é apontada por Hall (2003), ao apresentar a construção da identidade cultural na pós-modernidade. A identidade pessoal é aquela construída ao nível do indivíduo, distinguido de outros, sujeito nomeado, único em sua historicidade. Já a identidade social é construída a partir de noções de grupo social, que vão oferecer ao indivíduo suas trajetórias. A identidade social é produzida a partir da identificação do indivíduo com os outros sujeitos que ele considera indispensável em sua socialização. Portanto, não existe possibilidade da identidade pessoal construir-se desvinculada da identidade social, percepção essa que supera a falsa dicotomia entre essas duas dimensões (SILVA C., 1995; JACQUES, 1999). Silva, Hall e Woodward (2000) tecem um olhar acerca da identidade, que é construída a partir da diferença. Os valores e concepções de si vão se construindo a partir dos valores e concepções do outro. Na perspectiva da identidade construída pela diferença, pode-se dizer que esta ocorre tanto por meio dos sistemas simbólicos quanto pela exclusão social. Assim, “a identidade não é o oposto da diferença: a identidade depende da diferença” (SILVA; HALL; WOODWARD, 2000, p.40). Os padrões de diferença são estabelecidos, no âmbito social e no simbólico, a partir de sistemas classificatórios que dicotomizam a realidade, dividindo-a pelo menos em dois 30 grupos opostos. Esses grupos geralmente representam o nós/eles, eu/outro. A partir daí, as identidades são construídas partindo daquilo que ela não é ou não pode ser (SILVA; HALL; WOODWARD, 2000). Essas dicotomias têm caráter valorativo e regulamentam os modelos binários de bom/ruim, bem/mal, certo/errado, saúde/doença. Com modelos identitários que prescrevem juízos de valor, as interações e instituições sociais estabelecem relações de poder com o diferente, atribuindo-lhes representações e espaços específicos, geralmente de caráter negativo e restritivo. A identidade pode ainda dizer de amarrações de traços, idéias, características, histórias. Tal concepção ressalta a identidade em seu caráter dialético já que implica “malhas onde se alinham e desalinham projetos, individualidades, coletividades, vidas, mortes, caminhos se construindo” (GROSSI, 1999, p.35/36). Torna-se importante referenciar os períodos de socialização primária e secundária na construção de identidades. A primeira corresponde ao momento da infância onde, principalmente através da família, o indivíduo introduzirá os valores e regras da cultura. A segunda é o momento onde o sujeito é colocado diante de qualquer outra entidade e, geralmente, acontece, na escola, na comunidade, no trabalho, com os amigos, etc. A Identidade nesse contexto torna-se um “... processo de construção complexo, configurando a identidade como uma totalidade [...] num movimento de contínua integração entre os vários papéis e dimensões vividos pelo sujeito em sociedade” (STENGEL, 2003). Percebe-se nessa definição que a identidade representa elemento que se constitui na relação, na interação. A construção identitária se estabelece numa perspectiva constitutiva em relação à heteronomia dos sujeitos, mas não predomina na perspectiva determinista, já que a autonomia desses sujeitos possibilita a re-significação desses valores assimilados e o posicionamento (ainda que favorável) diante das normais sociais. Um estudo realizado recentemente pelo antropólogo inglês Stuart Hall discorre sobre a constituição identitária na modernidade tardia, contrapondo-a com a identidade fixa e segura que se via nas identidades modernas. Para Hall (2003), vem acontecendo um fenômeno, denominado como crise da identidade moderna, em que os sujeitos não formam 31 uma identidade estável e segura, conforme percebido em outros momentos. Uma série de acontecimentos sócio-econômicos desencadeia elementos e processos diferenciados para a formação dos sujeitos atualmente, culminando no que Hall (2003) chamou de descentramento do sujeito moderno. O descentramento do sujeito ocorre, segundo Hall (2003) a partir de cinco importantes fatores: a) Tradição do pensamento Marxista; b) A descoberta do inconsciente por Freud; c) O trabalho de Ferdinand de Saussure; d) As teorias do poder disciplinar de Foucault; e e) O Impacto do Feminismo. Esses cinco fatores estão intimamente ligados com o descentramento do sujeito cartesiano, produzido no início da era moderna. Assim, o sujeito descentrado não possui uma identidade estável e fixa, mas um emaranhado de identidades, potencializadas pelas diversas experiências que a contemporaneidade nos apresenta. Essas idéias de Hall (2003) vão de encontro com a trajetória das abordagens psicossociais acerca do conceito de identidade, em Psicologia Social. A identidade, como vista pelos autores mais contemporâneos, tem vinculação direta com outras dimensões sociais, entrecruzando-se com outros elementos do sujeito. A sexualidade é um desses elementos e, para este estudo, torna-se necessário conhecer as possíveis articulações da identidade sexual com a vivência da paternidade em homens homossexuais. 3.2 “Sexualidades” e identidade: possíveis arranjos para a identidade sexual A Organização Mundial de Saúde (1975) define sexualidade como “energia que motiva a encontrar o amor, contato e intimidade e se expressa na forma de sentir, nos movimentos das pessoas e como estas se tocam e são tocadas”. Tal conceito, diferente do tradicional, referenciado nas manifestações biológicas da sexualidade, abrange melhor 32 algumas dimensões somáticas, psicológicas e sociais a que estão submetidos o desenvolvimento e vivência da sexualidade. Na tentativa de exposição das concepções construídas acerca da sexualidade, este tema será estudado e abordado por muitos autores como sendo uma construção sóciohistórica. Segundo Parker (2001), as teorias construcionistas sobre a sexualidade colocam em questão as posições essencialistas e internalistas da sexualidade, baseadas na idéia de que esta dimensão é constituída por elementos culturais e históricos. O surgimento do interesse pelos estudos em identidade sexual está vinculado aos empreendimentos em conhecer as raízes da homossexualidade masculina, ainda que, posteriormente, outros autores apontaram a necessidade em se promover o estudo separado desses dois objetos. Piscitelli, Gregori e Carrara (2004) percebem que a sexualidade pode ser vista de vários prismas, ao dizer que [...] pode ser considerada em relação à família e/ou ao parentesco, pensada como constitutivo da subjetividade e/ou da identidade individual e social, concebida como representação, desejo ou, simplesmente, como atividade ou comportamento (PISCITELLI; GREGORI; CARRARA, 2004, p.13). Heilborn (1999) defende a relatividade sexual ao dizer que a sexualidade não tem o mesmo grau de importância para pessoas diferentes. Este grau irá variar de acordo com os fenômenos sociais que se originam no conceito de sexualidade que cada grupo social irá definir e nos modelos sexuais, hegemônicos ou não, que tal grupo lhe apresenta como possibilidade. A cultura é responsável pela transformação de corpos em entidades sexuais, a partir da rede social de significados perpassados pelos códigos de gênero, orientação sexual, e escolha objetal. Assim, valores sexuais vão modelando, estruturando e dimensionando desejos e formas de vivência da sexualidade, bem como dando origem a carreiras amorosas (HEILBORN, 1999, p.40). Daolio (1995), citado por Caridade (1999) também enfatiza a sexualidade a partir dos significados dados ao corpo. Segundo ele “existe um conjunto de significados que cada 33 sociedade escreve no corpo de seus membros ao longo do tempo, significados esses que definem o que o corpo é de maneiras variadas” (DAOLIO, 1995 apud CARIDADE, 1999, p.17). Foucault (2001) faz uma leitura da sexualidade enquanto um dispositivo utilizado para a massificação dos indivíduos. No século XIX, a preocupação com o sexo se fixou, basicamente, nas classes que denegriam sua visão a partir de suas práticas, tidas como perversas. Para ele, esse mecanismo possui outras finalidades, senão a de purificar tais práticas. Mais do que isso, “o dispositivo da sexualidade tem, como razão de ser, não o reproduzir, mas [...] penetrar nos corpos de maneira cada vez mais detalhada e controlar as populações de modo cada vez mais global” (FOUCAULT, 2001, p.101). A sexualidade, em seu caráter histórico-cultural, vai construindo arranjos e apropriando-se do corpo enquanto instrumento para sua reprodução. A identidade sexual vai se editando a partir desses elementos onde, a sexualidade é “uma invenção histórica, a qual, naturalmente, tem base nas possibilidades do corpo [...]. Isso tem profundas implicações para nossa compreensão do corpo, do sexo e da sexualidade [...]” (WEEKS, 2001, p.40). Os códigos e identidades sexuais que tomamos como dados, inevitáveis e “naturais”, têm sido freqüentemente forjados nesse complexo processo de definição e auto-definição, tornando a moderna sexualidade central para o modo como o poder atua na sociedade moderna (WEEKS, 2001, p.42). O que Adelman (2000) chamou de institucionalização da sexualidade nada mais é, do que a apropriação dessa dimensão pelos discursos institucionais hegemônicos (religião, ciência, política) para definir padrões de comportamentos ideais e, conseqüentemente, legitimar as relações de opressão estabelecidas com as categorias que se distanciam desses modelos. A história mostra que esses processos são plenamente mutáveis, alterados pelas atividades sociais, culturais e políticas das sociedades. A presença de variados discursos sobre a sexualidade, a partir do início do século XIX, conferiu às práticas homossexuais um caráter identitário, especificamente desviante. 34 Após o discurso hegemônico da ciência que patologizou a homossexualidade, iniciou-se um grande processo de politização da sexualidade, influenciada pela produção do indivíduo moderno e pela intensificação do trabalho num cenário, até então, privado e familiar. Esta produção abriu espaço para a construção da idéia de sexualidades individuais, íntimas, mesmo quando estas iam contra uma norma social vigente. Esse fenômeno mobilizou pessoas e instituições que, sentindo-se ameaçados em seu lugar de poder, construíram novas estratégias de vigilância à transgressão e políticas disciplinares das práticas sexuais. Weeks (2001) estabelece três tipos de processos identitários no que concerne à sexualidade, que podem ser dadas a partir de abordagens metodológicas diferenciadas: a identidade como destino que expressa a idéia de um corpo que carrega em si uma verdade, uma sexualidade imutável e verdadeira; a identidade como resistência que emerge enquanto um movimento de protesto aos valores e modelos reproduzidos pela sociedade e; a identidade como escolha, onde o indivíduo é levado, por sua própria vontade ao desejo e vivência de sua sexualidade. Contudo, “sentimentos e desejos sexuais são uma coisa, enquanto que a aceitação de uma posição social particular [...] é outra. Não existe nenhuma conexão necessária entre comportamento e identidade sexual” (WEEKS, 2001, p.72). Para Weeks (2001) é preciso também compreender a identidade sexual enquanto uma categoria que se constitui em articulação com outras dimensões como classe, gênero, etnia, raça/cor, etc. Quanto ao gênero, por exemplo, é perceptível que as classificações e definições da identidade sexual sofrem profundos impactos nas concepções de homem e mulher na sociedade e nas relações de poder que estes estabelecem entre si. Assim, o referencial de ativo/passivo, articulado com a noção de homem/sujeito e mulher/objeto demonstra que as identidades sexuais reproduzem uma lógica de dominação e poder (ANJOS, 2000; ADELMAN, 2000). A divisão binária entre comportamento ativo/passivo é reflexa da norma heterossexual em que, diferenças entre homens e mulheres são naturais. Esse caráter naturalista acaba se perdendo na homossexualidade já que, nessa perspectiva, há uma 35 subversão da norma de dominação. Essa idéia foi sendo construída historicamente e a natureza homossexual masculina foi sendo vinculada à natureza feminina, passível então de ser categorizada como grupo inferior (ANJOS, 2000). É importante lembrar que, “dadas as crenças populares ocidentais sobre a relação unidimensional entre sexo e gênero, esse modelo freqüentemente funde a sexualidade com o gênero [...]” (PARKER, 2001, p. 128) Bourdieu (1999) nos atenta para o conceito de dominação simbólica. Nesse contexto, a identidade homossexual assimila a idéia de desvio, na medida em que absorve a prática heterossexual como correta e percebe-se distanciado de tal norma. Essa idéia pode ser comparada com o conceito de naturalização, tão revogado pelas teóricas feministas. Além da categoria de gênero, determinadas posições sociais podem interferir diretamente na constituição da identidade sexual. Esse fenômeno foi percebido na pesquisa de Pollak, citado por Anjos (2000). Entre os homossexuais mais velhos predominava uma experiência escondida da sexualidade. Os entrevistados de idade intermediária em sua pesquisa afirmavam a homossexualidade. Os mais novos não tinham preocupação em esconder ou afirmar sua sexualidade, praticando-a de forma “banal”. (POLLAK, apud ANJOS, 2000, p. 277 aspas do autor). A posição social, a partir da classe, também pode ser delineadora da identidade homossexual. Na mesma pesquisa de Pollak, foi detectada uma diferenciação entre a representação e a vivência da sexualidade em camadas distintas. Assim, a auto-identificação como bicha (pédé) estaria relacionada às chamadas “classes populares”. É nelas que há a identificação entre homossexualidade e feminilidade, o que se observaria nas escolhas profissionais (cabeleireiro, garçom, cozinheiro), que não correspondem às profissões manuais masculinas, na auto apresentação corporal (a bichalouca, ou, a manutenção da fachada heterossexual, o bofe brasileiro) e no exercício da dicotomia ativo/passivo5. Entre as classes superiores, a homossexualidade também seria identificada com o “feminino”, mas seria uma condição menos enfatizada: haveria a valorização da discrição, acompanhada de uma certa aceitação social e um encaminhamento para profissões artísticas e intelectuais, relacionadas ao mesmo tempo à sensibilidade e à “distinção”. São os homossexuais masculinos provenientes das chamadas “classes médias urbanas” (as quais estão implicadas na difusão da educação e na liberalização dos costumes) que vão procurar romper com a percepção do homossexual como feminino, com a figura do gay. Fazem isto a partir do estabelecimento de relações igualitárias, nas 36 quais os papéis ativo/passivo não existem como relação de subordinação. Ao contrário, as relações sexuais seriam vistas como fontes de prazer, sendo valorizadas por isto. O gay, de alguma forma, rompe com a representação do homossexual masculino como inferior, feminino; com o gay, a imagem do homossexual é redefinida como masculina, adotando os signos da masculinidade (corpo musculoso, bigode, calças justas) (POLLAK, apud ANJOS, 2000, p. 277-278 grifos do autor). A partir da ótica construcionista, o comportamento sexual é visto como intencional, embora esteja totalmente articulado com negociações realizadas nas interações sociais. Tais interações são mais importantes aos estudos da sexualidade, nessa perspectiva, do que o comportamento sexual. Dizem de carreiras sexuais, estruturada em determinados cenários culturais e organizada a partir das possibilidades de interação sexual. (PARKER, 2001). O que as idéias de Parker (2001), e outros autores apresentam para os estudos de identidade sexual é que ela se distingue de comportamento, desejo e performance. Todas essas dimensões estão intimamente ligadas entre si, mas podem apresentar direcionamentos diferenciados e até antagônicos, a partir das interações que o sujeito estabelecer. O conceito de identidade sexual é muito utilizado como orientação sexual, especialmente, pelo discurso produzido pelo Movimento GLBTT. Essas duas expressões se equivalem e possibilitam a relativização, em relação às performances sexuais dos sujeitos. Pensando na identidade sexual como uma construção social, que se articula numa perspectiva processual, iremos fazer alguns apontamos acerca da paternidade e sua articulação com a categoria de gênero. 37 4 PATERNIDADE: ARTICULAÇÕES COM “AS MACULINIDADES” Juntamente com família nuclear, a paternidade se delimitou a partir do matrimônio, sendo possível apenas após o casamento entre homens e mulheres. Quaisquer arranjos ou identidades que se afastavam daquelas necessárias para a constituição da família burguesa estavam privadas, no imaginário social, em exercer tal função. A paternidade torna-se aqui elemento essencial de análise, a partir da categoria de gênero, já que representa quesito importante para a constituição da masculinidade, dada a vinculação histórica que essas duas dimensões articularam em seu processo constitutivo. 4.1 O gênero como categoria analítica Ao longo da história, as sociedades foram produzindo saberes e interpretações, na tentativa de atribuir sentido às relações estabelecidas entre homens e mulheres e as diferenças existentes nessas relações. Esses saberes, de certa forma, apropriaram-se de alguns discursos hegemônicos, elaborados pelas diversas áreas do conhecimento humano na história para elaborar os significados atuais das relações entre homens e mulheres. Tais relações, caracterizadas pela hierarquização e superioridade masculina, marcaram um cenário de opressão à mulher que, em diferentes momentos, foi vista como inversão do homem, estudada como pessoa subdesenvolvida em relação à estética masculina ou destinada à execução de papéis e funções consideradas menos importantes. (NOGUEIRA, 2001) A partir dos Movimentos Feministas, numa tentativa de desnaturalizar esses lugares e possibilitar uma nova inserção da mulher numa sociedade mais justa e menos opressora, aprofundaram-se os estudos, a partir da categoria de gênero. 38 Esse fenômeno, desencadeado principalmente pelos Movimentos Feministas, não demonstra que as relações de gênero surgiram nesse momento histórico, mas afirma que: requiere aceptar que la perspectiva de género sigue teniendo mucho que decir sobre las sociedades occidentales contemporáneas. Para centrar la cuestión, un posible punto de partida es la hipótesis de que las normas, las diferencias y las estructuras de género no son un fenómeno nuevo, pero que sin duda sus contenidos se han visto sensiblemente afectados por las transformaciones de la modernidad (NÚÑEZ, 2003, p.227). A categoria de gênero na Psicologia Social, a partir da crise de 70, irá trilhar caminhos diferenciados, articulando-se com os paradigmas críticos da ciência e afastandose da preocupação inicial, fortemente influenciada pelo viés positivista, em compreender as diferenças entre homens e mulheres numa perspectiva verticalizada e pretensões de neutralidade (NOGUEIRA, 2001). Um olhar antropológico da noção de gênero vai dizer que a partir da observação do real obtêm-se uma operação lógica. Essa operação parte do “princípio da descontinuidade, do que não é idêntico, inscrito na biologia” (HEILBORN, 1991, p.28). Portanto, as representações simbólicas que se originam do gênero falam, antes de tudo, da descontinuidade. Santana, diz que O gênero possui uma perspectiva relacional que vai além da gramática. Ele existe para dar conta dos atributos específicos que cada cultura impõe ao masculino e ao feminino, partindo do princípio que os lugares sociais e culturais de cada um são construídos como a relação de poder entre homens e mulheres, ou seja, hierarquicamente. Usar o termo gênero é, por princípio, rejeitar o biologismo determinista implícito no termo sexo, rompendo dessa forma com conceituações essencialistas (SANTANA, apud CARVALHO e DIMENSTEIN, 2002, p.49). A partir desse conceito, percebe-se que as variáveis sócio-culturais vão delimitando as possibilidades do masculino e do feminino. Sendo assim, todos os papéis exercidos pelo homem e pela mulher, tais como paternidade/maternidade, papéis sexuais, papéis 39 trabalhistas, etc, vão tomando diferentes formas, a partir do momento histórico e do contexto cultural no qual estiverem inseridos. Weeks (2001), percebendo a noção de gênero como uma divisão crucial para demarcar as diferentes representações dos significados de homem e mulher, vem propor que o gênero não é uma simples categoria analítica; ele é, como as intelectuais feministas têm crescentemente argumentado, uma relação de poder. Assim, padrões de sexualidade feminina são, inescapavelmente, um produto do poder dos homens para definir o que é necessário e desejável – um poder historicamente enraizado (WEEKS, 2001, p.56). Os padrões de gênero acabaram por delimitar estereótipos que “se tornaram tão profundamente arraigados que passaram a ser considerados expressão das diferenças biológicas entre os gêneros” (RAMIRES, 2000, p.40). A naturalização dessas expressões acaba por construir modelos e estruturas de personalidade. Ao gênero feminino são atribuídas características como passividade, dependência, afetividade, exclusividade no cuidado da casa e dos filhos. No caso do gênero masculino, atribuem-se características como atividade, racionalidade e independência. As determinações sociais para os modelos sexuais não atingem somente o âmbito relacional. Elas acabam agindo na dimensão corporal já que [...] as normas regulatórias do “sexo” trabalham de uma forma performativa para constituir a materialidade dos corpos e, mais especificamente, para materializar o sexo do corpo, para materializar a diferença sexual a serviço da consolidação do imperativo heterossexual (BUTLER, 2001, p. 154). Portanto, a vivência homoerótica também é marcada por essas relações de poder, já que fogem ao padrão determinado pela sociedade do que é ser homem e ser mulher e de como estes devem vivenciar sua sexualidade. Ramires (1997) vem propor que a categoria de gênero é articulada por três dimensões. A atribuição de gênero é a transmissão de valores acerca da masculinidade/feminilidade que a sociedade irá exercer sobre o recém-nascido, baseando- 40 se nas características anatômicas. Identidade de gênero diz respeito à percepção estável de pertencimento a um gênero ou a outro, sendo determinado pela atribuição de gênero. Por último o papel de gênero que engloba as expectativas e exigências de comportamento social atribuídos a homens e mulheres, delimitando os modelos a serem seguidos por estes. Mais do que as diferenças entre homens e mulheres, o conceito de gênero se articula com outras dimensões, entrepondo-se de forma decisiva na constituição de outros papéis e funções na sociedade. O conceito de parentesco já foi estudado, ainda que numa relação de influência, em distinção ao de gênero. Algumas feministas como Heiborn (1999) e Piscitelli (1997) buscam compreender a construção de parentescos como um elemento que se constituiu a partir dos referenciais de gênero. Essas duas categorias se constituem paralelamente, já que ultrapassam a barreira do privado e agem diretamente no cenário público. Para Piscitelli (1997) é possível refletir sobre essas relações entre gênero e parentesco, na medida em que as representações existentes acerca da função parental articulam-se com as possibilidades do que é ser homem e mulher na sociedade. Ampliando a reflexão, ao se pensar parentalidade para além das fronteiras familiares, percebem-se várias articulações desse conceito, no que diz respeito à sexualidade, classe social, raça, etc. As possibilidades de ser pai, por exemplo, fogem à mera discussão biológica ou familiar, propriamente dita, e toma contornos diferenciados nos limiares da orientação sexual, das possibilidades em prover e de outros elementos que reforçam esse caractere na sua dimensão pública. Ainda assim, a representação que esse conceito tem no tecido social ainda mantém vinculação com fenômenos naturais. “O processo de procriação como tal é visto como pertencendo ao domínio da natureza, e não ao domínio da sociedade. Por outro lado, o parentesco é visto como um arranjo social dos fatos naturais, conectando assim os dois domínios” (COSTA, 2002, p. 343). A família, então, passa a ser considerada uma instituição natural, especialmente nos moldes burgueses. Essa organização se torna insubstituível em 41 seu caráter controlador já que, estruturalmente, possibilita a vigilância da monogamia feminina e o controle da sexualidade dos filhos. A mulher, no contexto familiar, está mais suscetível ao controle masculino, já que se encontra no lugar que lhe foi conferido pelas construções e representação acerca de seu papel. Tais dispositivos intensificam as relações de opressão à mulher e a repressão sexual, legitimando a dominação masculina. 4.2 Ser pai: ser macho? As literaturas que se debruçaram na historicização da família, ateram-se na descrição e relato, especificamente, do exercício da maternidade. A relação mãe-filho/filha sempre teve privilégio nas descrições literárias, visto que os dados acerca da história da paternidade são escassos. Atualmente, os estudos sobre paternidade têm aumentando gradativamente, geralmente relacionados à adolescência e saúde reprodutiva. Esse aumento se dá, entre outros fatores, à mudança de papel da mulher e, conseqüentemente, do homem na sociedade, proveniente da inserção feminina no mercado de trabalho, das discussões promovidas acerca dos papéis sexuais e da necessidade em se pensar estratégias de inserção do homem nas políticas públicas. (LEVANDOWSKI, 2001; TRINDADE & MENANDRO, 2002; BUSTAMANTE, 2005). Tais discussões foram possibilitadas a partir da inserção de debates, pelos movimentos feministas e, posteriormente, pelos movimentos GLBTT, que procuraram desnaturalizar os papéis de gênero, a partir da crítica à lógica de dominação que se instaurou com a determinação social de tais papéis. A paternidade foi descoberta há seis ou sete milênios, pelos egípcios e indoeuropeus. Até então, as sociedades organizavam-se em protofamílias centradas na mãe, os ritos religiosos pautavam-se na fecundidade feminina e a prática sexual era marcada pelo livre desejo (DUPUIS, apud RAMIRES, 1997). 42 O homem toma também um lugar diferenciado na estrutura da sociedade a partir das guerras, tornando-se reis, chefes de família, senhores da sociedade. Mesmo com a descoberta da paternidade, ainda não se faziam alusão desta com a função educativa, já que tal função é anterior à paternidade (RAMIRES, 1997). O modelo do pai-provedor, exercendo sua principal função no espaço público, distante dos filhos/filhas, representante da autoridade e da lei, mais temido do que respeitado e objeto de identificação idealizado (porque longínquo e impalpável), foi sendo construído ao longo da história e consolidou-se como patrimônio da família nuclear burguesa ou patriarcal (RAMIRES, 1997, p.27). Ramires (1997) ainda reitera que na burguesia, com a divisão dos papéis sexuais, o homem tornou-se responsável pelos trâmites públicos e o cuidado dos filhos tornou-se função exclusiva da mãe. Assim, a construção da representação do pai ausente e distante intensificou seu processo de construção nesse momento. É perceptível que as reformulações da vivência e representação da paternidade acompanharam a ruptura gradativa, que se intensificou na alta burguesia, das dimensões do público e do privado. Ao papel masculino, vinculado ao papel paterno, foram atribuídas as funções de circular no mundo econômico, nos trâmites administrativos, nas articulações trabalhistas, ou seja, nas relações sociais que se davam na cena pública. Ao pai, aferiram também atributos como provedor financeiro da família e responsável pelo sustento material dos filhos. Assim, trabalho remunerado se tornou um elemento essencial para a consolidação da função de pai e para a sua manutenção na categorização masculina. O cuidado corporal das crianças e a educação moral e afetiva estenderam-se, conseqüentemente, à função materna. A paternidade se diferencia da maternidade, na medida em que a construção identitária da mãe passa por um viés do corpo. Conforme Piccinini et al (2004), o homem não passa pelas experiências de gerar, parir e amamentar seus filhos. Isso faz com que sua experiência seja diferente daquela vivencia pela mulher. 43 Esse fato observável foi, e é utilizado até hoje, para justificar a idéia naturalista atribuída à função de maternar, de cuidar. Essa representação, assimilada inclusive pelas mulheres, contribuiu para a intensificação do distanciamento dos pais da criação de seus filhos e à aproximação da imagem da mulher aos atributos da natureza. Esse distanciamento diz respeito não só à presença física, já que o homem passava mais tempo fora de casa do que com a família, mas a um distanciamento afetivo, uma vez que oferecer carinho, cuidado e educação se constituíram historicamente como atributos da mãe. A racionalidade aferida ao homem fez com que a paternidade se articulasse com as idéias de razão, sendo o responsável por levar ao lar os avanços culturais adquiridos no mundo público. As nuances do mundo privado, eram de responsabilidade da mãe, vinculada ao sentimento, ao “instinto de cuidar”. Ainda assim, a vivência da paternidade lançou mão de justificativas biológicas para se constituir como papel natural. Como mostra Costa (2002), em sua pesquisa realizada com homens que procuravam tratamento para infertilidade, o fator biológico é de extrema importância para a constituição da paternidade física. Os elementos como amor, educação e afeto ficam a cargo da chamada paternidade moral, que é percebida, por exemplo, ao criar filhos de outros homens. A paternidade está vinculada à masculinidade, mas não da mesma forma que a maternidade se articula com a feminilidade. A maternidade, para as entrevistadas da pesquisa de Costa (2002), parece ser a extensão de um projeto que iniciou juntamente com a própria vida da mulher. É como se ser mãe fosse realizar um sonho existente desde sempre. No caso dos homens, eles contextualizam o desejo de ser pai, que é construído a partir de um determinado momento e que tem mais vinculação com a concretização do matrimônio e da descendência do que com um projeto do passado longínquo. (COSTA, 2002). Reitera-se aqui a importância da organização familiar que, diante de seus dispositivos de controle, garantia ao homem a possibilidade da descendência, a certeza da monogamia e, conseqüentemente, a certeza da existência de filhos legítimos (biológicos). Ainda que algumas mudanças acerca das representações construídas por essa organização 44 tenham se aferido, até pouco tempo, a legislação legitimava essa relação ao garantir, apenas ao homem, direitos relacionados à partilha e à propriedade de bens e heranças. Ao afirmar que essas duas funções parentais são construídas de forma distinta, não se pretende reproduzir esse discurso, mas, ao contrário, oferecer subsídios para a “desnaturalização” dessa relação. Conceito este tão defendido pelas teorias críticas para a erradicação das relações de opressão, especialmente pela categoria de gênero. Ainda nos séculos XVIII e XIX, a sociedade passou por uma série de desestruturações de ordem política e econômica (público) que influenciaram diretamente nas relações familiares (privado), culminando no que alguns autores chamam de início da crise masculina. Essa crise se deu a partir das indagações realizadas nesse momento, possibilitadas pela ascensão dos valores reproduzidos pelos ideais franceses e que fizeram com que o homem construísse um medo de perder a masculinidade (SILVA, 2000). A preocupação com uma possível feminilização por parte de alguns homens, fizeram com que investissem e construíssem para si uma série de papéis e traços representativos da sua condição “masculina”, de forma que descrevesse melhor o atual homem vitoriano, em contraste com o seu oposto, a mulher, e mais inadvertidamente, a seu inverso, o homossexual (SILVA, 2000, p. 11). As mudanças sócio-econômicas e culturais que se deram na segunda metade do século XX fizeram emergir discussões acerca dos papéis do homem e da mulher. Com essas discussões buscou-se estabelecer novos parâmetros para as relações sociais e para a estruturação da família. Nesse sentido, surgem “[...] estudos sobre a construção social da masculinidade, diretamente beneficiados pelas reflexões em torno do conceito de gênero” (HENNIGEN, 2002, p.53). Uma pesquisa realizada em 2002, com o objetivo de conhecer as representações do homem sobre paternidade e as possíveis articulações desta com a masculinidade, mostra que ser pai não é elemento básico para a consolidação de “todas as masculinidades”. Sendo referência apenas para a masculinidade do homem casado, a paternidade é apontada como elemento fundamental para aquele que passa pelo matrimônio. À 45 masculinidade do solteiro, são oferecidas outras possibilidades de auto-afirmação como liberdade sexual, falta de responsabilidade, etc (COSTA, 2002). Essa pesquisa reafirma o fato da paternidade ter sido construída, numa vinculação direta com o matrimônio e, conseqüentemente, com a heterossexualidade. Da mesma forma que a esterilidade do homem está ligada à impotência sexual, ‘ter filhos’ está diretamente associado à virilidade heterossexual. Nesse sentido, a orientação heterossexual torna-se atributo da paternidade e da masculinidade. (COSTA, 2002). Atualmente, as relações familiares têm passado por uma série de problematizações, possibilitadas pelas discussões oriundas de várias dimensões da sociedade. Os movimentos feministas, os movimentos GLBTT e, gradativamente, o saber científico têm inserido nas pautas públicas a importância em se debater essa temática. Com isso, variados arranjos familiares começaram a conquistar visibilidade, apresentando dinâmicas diferenciadas e sofisticadas estratégias de manutenção e reprodução. Dentre as bandeiras do movimento GLBTT, a aquisição de direitos negados à comunidade gay e lésbica justificada na necessidade em conferir um status de cidadão, aos sujeitos homossexuais, é talvez a mais importante. Conforme aponta Anjos (2002) a noção de cidadania, de livre participação e igualdade de direitos suprime a noção de inferioridade. Assim, a busca pelos movimentos GLBTT em erradicar a homofobia se concentra, especialmente, na busca pelo reconhecimento cidadão. Com isso, a sociedade tem questionado o papel do homem, tanto no cenário público, quanto na dimensão privada. Conforme citada por vários autores, vem surgindo uma “nova paternidade” no cenário contemporâneo em que, diante desses questionamentos, a relação entre pais e filhos/filhas tem sofrido alterações, abrindo espaço para o estreitamento dos laços afetivos, a participação nos cuidados corporais e nos afazeres domésticos e a tentativa em se diminuir a presença paterna representada pela figura do homem autoritário e hostil (LYRA (1998); TRINDADE; MENDRADO, 2002; LEVANDOWSKI; PICCININI, 2002; ROUDINESCO, 2003; GOMES; REZENDE, 2004;). 46 As bibliografias que discorrem acerca, especificamente, da paternidade homossexual, buscam compreender as tendências que tais estudos desenvolvem no processo de análise desse fenômeno e as possíveis diferenças que existem entre as criações de filhos por homossexuais e heterossexuais. Stacey e Biblarz (2003) fazem um levantamento dos argumentos que vão contra e a favor da paternidade/maternidade homossexual. Esses autores afirmam que os posicionamentos desfavoráveis alicerçam-se na concepção burguesa de família e na hipótese da homossexualidade configurar-se em patologia ou anomalia. Em contrapartida, os discursos favoráveis buscam tecer uma crítica histórica à patologização da homossexualidade, compreendendo a família e a sexualidade como instituições e dimensões sociais construídas sócio-historicamente. Outro dado importante relacionado a parentalidade homossexual é que, geralmente, essas famílias são encaradas como monoparentais, já que um dos parceiros não é reconhecido, nem judicialmente, nem socialmente. A tendência em isolar a variável orientação sexual no processo de análise e interpretação de famílias homoparentais ainda representa um ideário heterossexista e uma representação de que homossexuais prejudicariam seus filhos. (UZIEL, 2004). Em seu trabalho, esta autora analisa uma coletânea de estudos que desprenderam esforços em detectar possíveis diferenças entre famílias homoparentais e àquelas constituídas por pais heterossexuais. Conforme aponta Uziel (2004), não encontram nenhuma diferença relevante nesses estudos, a não ser alguns elementos positivos, presentes na criação de filhos por algumas lésbicas. Tarnovski (2004) apresenta uma pesquisa sobre as representações acerca da paternidade em homens homossexuais e traz alguns apontamentos da paternidade, analisada a partir da identidade de gênero. Nessa pesquisa, os sujeitos afirmam, entre outras questões, que não se sentem diferentes dos pais heterossexuais, podendo criar seus filhos da mesma forma que esses últimos. Aponta-se também uma necessidade em se pensar a identidade sexual para além de elementos ligados à sexualidade, buscando 47 compreender que esta identidade define, muitas vezes, espaços de participação e identidades políticas. Assim, a partir da crítica a patologização da homossexualidade, da constatação de que a identidade e a sexualidade são frutos de uma construção sócio-histórica e que os papéis de gênero – diretamente ligados à paternidade – também são constructos sociais,, pretende-se apontar alguns fatores psicossociais que influenciam a construção da identidade paterna em homossexuais. 48 5 CAPÍTULO IV – REFLEXÕES METODOLÓGICAS 5.1 A questão do método nas Ciências humanas: Razão e subjetividade Durante toda a história, homens e mulheres buscaram atribuir sentido para a existência, procurando compreender a realidade e os desafios apresentados por ela. Na préhistória e nas civilizações antigas, o homem utilizava-se de sua experiência com a natureza para apreender a lógica de seu funcionamento. A experiência direta com os fenômenos rotineiros servia de base para a produção de sentido ao mundo e à própria existência. Além da experiência, a crença no “sobrenatural” e a criação de mitologias também exerceram papel fundamental na emissão de respostas acerca da vida e do cotidiano, assim como a transmissão de informações e crenças através da tradição e da autoridade (LAVILLE e DIONNE, 1999). Conforme Laville e Dionne (1999), até então, a sociedade utilizara-se basicamente da intuição, da fé e da tradição para a construção de respostas para o mundo. Foi quando, a filosofia, numa preocupação em produzir conhecimentos fundamentados na razão, constituiu uma nova forma de apreender a realidade. O conhecimento filosófico desconfiou dos saberes que se originavam dos deuses, dos astros, das crenças, da magia. Em troca deles, acreditou-se que apenas o exercício da mente poderia produzir o saber, propriamente dito. Pode-se dizer que Platão e Aristóteles, na Grécia Antiga, foram os principais precursores do surgimento da filosofia, propondo lógicas como contraposição do objeto com o sujeito, a noção de causalidade, etc. 49 5.1.1 O culto à Razão: o surgimento da Ciência O saber filosófico permaneceu hegemônico durante séculos, articulando-se, em determinados momentos, com o saber religioso e utilizando-se, principalmente, da concepção matemática. Com o passar do tempo, alguns pressupostos foram construídos, sendo determinantes para a constituição da ciência moderna. Já no século XII, surge a preocupação em antecipar a observação empírica do fenômeno, antes de interpretá-lo, submetendo-o à análise e experimentação profunda. O método experimental inicia sua ascensão nesse momento e atinge seu apogeu no século XVII, quando a ciência moderna se objetiva. O conhecimento científico passa a ser produzido numa lógica experimental a partir da qual o objeto poderia ser apreendido pela observação empírica e submetido à validação e experimentação. Acredita-se assim, que seria possível chegar à verdades mensuráveis, absolutas e universais. No século XIX, a Ciência alcança enormes dimensões, referenciada pelo método das ciências naturais. Ela se desenvolveu, juntamente com uma concepção ideológica de produção de saber, pautada na objetividade, experimentação, empirismo, validade e a sujeição à leis e previsões: o Positivismo. Essa corrente influenciou fortemente o desenvolvimento das ciências humanas já que a submeteu ao método das ciências naturais. Acreditava-se que se o método era aplicável na natureza, seria também ao ser humano, um ser natural. Assim, a ciência seguiu seu curso, produzindo uma série de verdades e variadas concepções acerca da realidade (LAVILLE e DIONNE, 1999). 50 5.1.2 Enfraquecimento do Positivismo: a realidade subjetivamente produzida Ao definir os padrões de racionalidade, separando os campos de saber que deveriam ou não ser objetos da ciência, a corrente positivista acabou por definir duas dimensões do conhecimento humano como “não científicos”: o senso comum e os estudos humanísticos – as histórias, as filosofias, os estudos jurídicos e literários, etc. (SANTOS, 1987) A irracionalidade aferida pela ciência a esses saberes imputou grande dificuldade na ampliação desses estudos e na legitimação de sua relevância para o desenvolvimento das ciências humanas. Diante de determinadas reformulações teóricas, de discussões realizadas no século XX e do desenvolvimento das ciências humanas e sociais, o método das ciências naturais foi sendo questionado em sua aplicabilidade generalista. A realidade natural não teria o mesmo funcionamento que o homem, surgindo a necessidade em se construir métodos alternativos. Como aponta Santos (1987), várias rupturas teóricas e epistemológicas contribuíram para a desestruturação da corrente positivista e para a diminuição do autocontrole interno e externo da ciência. Assim, as teorias de Einstein, os estudos da microfísica, da mecânica quântica, do rigor matemático, da biologia e de outros campos de saber foram de suma importância para a chamada “crise da ciência moderna”. Além desses elementos teóricos, Santos (1987) cita a presença de elementos sociais que foram importantes nessa construção. Pode-se especular e pensar na contribuição das Revoluções do século XIX, nas grandes guerras ocorridas no século XX, na ascensão dos movimentos sociais e em alguns estudos humanísticos como os de Foucault, Boaventura de Souza Santos, Sigmund Freud, etc. De certa forma, é perceptível a importância desses fenômenos na problematização da ciência moderna. Esses fenômenos propuseram diferentes concepções acerca da produção de conhecimento científico, no tocante à implicações metodológicas e à epistemologia do 51 conhecimento, como: relação tênue entre sujeito e objeto; realidade construída e não somente apreendida; presença de discurso ideológico na ciência, etc. Sendo a ciência, um fenômeno social, não pode escapar ao posicionamento político-ideológico, ainda que de forma implícita ou latente. A relação entre sujeito e objeto começa a ser vista de forma diferenciada nas ciências humanas e sociais, já que alcançar a objetividade do fenômeno era impossível, na relação com o sujeito do estudo. Esse fato desencadeia a formulação de novos métodos de pesquisa nas ciências humanas, que possam dar conta da complexidade social. 5.1.3 Crítica à racionalidade científica: propondo novos paradigmas Conforme nos aponta Minayo (1994) a ciência se tornou o meio de produção de saber hegemônico nas sociedades ocidentais, recebendo críticas por tecer um novo mito de único dispositivo a encontrar a verdade. Existem problemas sociais como a miséria, o preconceito, as guerras, etc. que a ciência ainda não respondeu. Isso mostra o déficit apresentado pela impenetração da ciência em determinados contextos sociais. Nesse sentido, a racionalidade científica da modernidade se constituiu de forma totalitária, ao negar o caráter racional às formas de se produzir conhecimento que se afastavam de seus pressupostos epistemológicos e de suas regras metodológicas, atribuindo valores negativos às mesmas. A ausência de crítica ideológica da ciência moderna causou profundo impacto em todas as dimensões da sociedade, estabelecendo relações de pretensa neutralidade, subjugando saberes e campos do conhecimento, rotulando comunidades e culturas como subdesenvolvidas ou primitivas e colocando à margem da razão, importantes formas de produção de saber. 52 A crítica que se constrói acerca da racionalidade moderna aponta para um novo paradigma que se estabelece no cenário científico. Mesmo não tendo contato direto com a objetivação desse paradigma, Santos (1987) oferece algumas categorias que podem clarear o futuro do pensamento científico: a) Todo conhecimento científico-natural é científico-social; b) Todo conhecimento é local e total; c) Todo conhecimento é autoconhecimento: e d) Todo conhecimento científico visa constituir-se em senso comum. Esses elementos são importantes para as reflexões elaboradas pelos campos de saber da ciência contemporânea. A racionalidade moderna ainda oferece diretrizes para a construção de saber na ciência, colocando ainda hoje em pauta a cientificidade das ciências humanas e sociais. Contudo, novos pontos de vista têm aparecido nesse cenário, articulando concepções que buscam desverticalizar os campos do saber e imprimem no discurso científico um caráter político-ideológico, mais preocupado com a aplicabilidade social de suas produções. 5.1.4 Processos de globalização: Pesquisa e Internet O surgimento da internet no mundo reorganizou uma série de processos sociais que, geralmente, aconteciam presencialmente e/ou utilizando outros meios de comunicação de massa como a televisão, o telefone, etc. Seu caráter dinâmico, dada a agilidade das informações e as vastas possibilidades de relação, configurou novas formas de posicionamento diante da educação, dos processos econômicos e das micro-relações. As categorias de tempo e espaço, por exemplo, são citadas por Nicolaci-da-Costa (2005) como categorias mutáveis a partir do contexto sócio-cultural em que são produzidas e, a partir da inserção das tecnologias de informação e telecomunicação, são tomadas como categorias distintas que passam a ser analisadas de forma independente. 53 O espaço da internet, ainda que destituído de delimitações físicas, se constitui numa possibilidade de novas relações e produções de valores e concepções. O espaço virtual (ou ciberespaço) permite a funcionalidade de diferentes mecanismos de controle e poder, já que permite a circulação dos bens imateriais da sociedade. (NICOLACI-DA-COSTA, 2005). Esse movimento de concentração e distribuição de imagens e informações tem introduzido em nosso cotidiano uma perspectiva consumidora de ser, com reflexos em praticamente todos os setores, inclusive na educação e na cultura, trazendo para essas duas áreas uma perspectiva individualista de atuação social. As pessoas não estão acostumadas a atuar de forma colaborativa, e ainda impera a lógica da hierarquia vertical, com delegação plena de poderes a representantes. Recorre-se sistematicamente à mediação da instância superior e, em instâncias como a da política, observa-se indiferença em relação às decisões e a seus efeitos sociais (PRETTO E PINTO, 2006, p. 21). Ainda que a internet represente um espaço de reproduções ideológicas e produções de estratégias de controle de massa, pode também ser utilizada como instrumento científico. O debate acerca da utilização da internet como ferramenta de coleta e análise de dados em pesquisa científica é bem recente. As bibliografias nacionais que se debruçam na compreensão dos fenômenos sociais que perpassam o ciberespaço geralmente promovem estudos relacionados às redes virtuais de relacionamento, e à construção e re-construção identitária, nas dimensões individual e coletiva. (NICOLACI-DA-COSTA, 2005; PRETTO; PINTO, 2006). Segundo Pretto e Pinto (2006) as investigações que se originam dos estudiosos da educação atentam para a necessidade dessa área, em assimilar os avanços tecnológicos produzidos no ciberespaço e nas ferramentas de informação e telecomunicações, a fim de acompanhar as mudanças que ocorrem nos fenômenos sociais e promover intervenções que favoreçam a utilização dessas tecnologias a favor da sociedade. A pesquisa realizada através da internet oferece ao pesquisador uma série de benefícios que, na forma tradicional de coleta e análise de dados, não eram possíveis. Elementos como tempo, custeamento e espaço são otimizados na utilização da internet como ferramenta de pesquisa, permitindo que o processo entre a coleta e análise dos dados 54 se reduza e aumentando a riqueza e a diversidade das informações coletadas. (FREITAS; JANISSEK; MOSCAROLA, 2004). Podemos citar outro elemento positivo na utilização da internet na coleta de dados científicos: a possibilidade em oferecer credibilidade quanto à garantia do anonimato do respondente que, ao se tratar de temáticas confidenciais ou que incitam o aparecimento de tabus, pode resguardar seus dados pessoais. Segundo Freitas, Janissek e Moscarola (2004) por se tratar de uma recente estratégia de pesquisa e levando em conta suas especificidades, é preciso estar atento aos elementos que irão influenciar o processo de coleta e análise dos dados, bem como o papel de cada ator envolvido e as ferramentas disponíveis a cada um deles. É preciso também construir estratégias que vão de encontro com a especificidade do ciberespaço. Uma dessas especificidades, considerada de grande importância por esses autores, é a possibilidade em se realizar a análise dos dados durante a sua coleta, diferente dos modelos tradicionais de pesquisa, em que essa fase é realizada no final do processo. É preciso compreender também que novos modelos de pesquisa oferecem diferentes papéis para os atores envolvidos: [...] o cliente - aquele que busca conhecimento e informação para tomar a decisão correta no tempo certo; o pesquisador - aquele cujo trabalho é prover informação com segurança e atualidade, no formato desejado pelo cliente; o respondente - aquele que, sendo a fonte de informação, é talvez o mais importante link no processo de pesquisa, mas que é freqüentemente tratado apenas como ator passivo [...] porfim, a Internet - considerada como um pseudo autor, envolve tecnologias (protocolos, browsers, scripts, etc.) e organizações (provedores, etc.) que escapam da interação entre os atores reais. No contexto da pesquisa via Internet, este “novo ator” substitui entrevistadores, questionários via correio e digitação de dados [...] (FREITAS; JANISSEK; MOSCAROLA, 2004, p.3, grifos do autor) Além da re-configuração dos atores da pesquisa científica, a utilização da internet como ferramenta de pesquisa ainda necessita passar por uma séria de reflexões de cunho metodológico. O acesso a essas tecnologias ainda é restrito, configurando, por exemplo, um recorte de classe social nas populações estudadas. As informações necessitam passar por uma série de procedimentos de validação para diminuir os riscos de falhas quanto ao 55 conteúdo, possíveis repetições, categorias de análise, confiabilidade dos dados, escolha da amostragem, etc. 5.2 Apresentando a metodologia Para alcançar os objetivos propostos nesta pesquisa, optamos por utilizar métodos quantitativos e qualitativos. As ciências sociais e humanas têm como principais métodos os qualitativos, já que eles não se atêm apenas à quantificação do fenômeno, refletindo acerca de todas as variáveis na tentativa de compreender o significado do real. (ALVESMAZZOTTI; GEWANDSZNAJDER, 2001). A combinação metodológica no entendimento de um mesmo fenômeno abrange o máximo de descrição, explicação e análise do objeto. A integração da pesquisa qualitativa e quantitativa oferece ao pesquisador a possibilidade de realizar um cruzamento de suas conclusões, obtendo assim uma maior credibilidade em seus dados, evitando que esses sejam produto de um procedimento específico ou de uma situação particular (GOLDENBERG, 1999). Para Deslandes e Assis (2003), refletindo acerca da utilização metodológica no campo da saúde, apontam que a importância da articulação “quanti-quali” pode ser encontrada justamente nas suas diferenças: a compreensão em profundidade das práticas, valores e crenças de grupos acerca da temática e a explicação em extensão de como esses sujeitos, e/ou população estudada está em situação de vulnerabilidade em relação ao tema ou ao objeto de estudo. Segundo esses autores, essa articulação é maior do que entrecruzar categorias antagônicas ou distintas, mas produzir dados ressonantes no singular, no individual e no coletivo. A coleta de dados, inicialmente, se daria através da aplicação de 80 questionários em sujeitos do sexo masculino, que se autodefinem como homossexuais ou bissexuais, que 56 tivessem filhos, biológicos ou não, residentes na Região Metropolitana de Belo Horizonte. A amostra foi calculada da seguinte forma: multiplicou-se por dez o número de ONG´s que trabalham com a temática GLBTT em Belo Horizonte. As oito ONG´s, apontadas por Diniz (2005a) e Diniz (2005b), iriam indicar cerca de dez sujeitos com o perfil desejado para a aplicação do questionário. Além da aplicação de questionários, utilizou-se também de um “diário de campo” do pesquisador, instrumento esse que possibilita a reflexão e análise dos dados implícitos e das impressões do pesquisador durante os processos de mobilização, captação de sujeitos e coleta de dados, propriamente dita. 5.2.1 Questionário Esta pesquisa se propôs a utilizar tal método por duas grandes razões: a primeira é fazer o levantamento, a partir de uma amostragem, de um perfil de pais homossexuais em Belo Horizonte, através dos dados objetivos que foram contemplados no questionário, conforme anexo; a segunda está ligada à credibilidade da pesquisa já que a integração dos dados quantitativos com os qualitativos oferece subsídios qualificados para uma análise e compreensão mais fidedignas do fenômeno observado. O modelo quantitativo é relevante no sentido de oferecer um olhar mais panorâmico acerca da população estudada já que possibilita algumas generalizações e a junção de características individuais na produção de características coletivas. Dentro das ciências naturais, pela ausência de crítica acerca da relação entre sujeito e objeto e da percepção de que a escolha de hipóteses, categorias de análise, conceitos e variáveis a serem manipuladas é realizada pelo pesquisador, o modelo quantitativo tem a pretensão de 57 mensurar, universalizar e conhecer para predizer, através da busca pela confiabilidade e pela total validação dos dados (DESLANDES; ASSIS, 2003). A aplicação do questionário foi prevista para ocorrer na presença do respondente, individualmente, mediante leitura do entrevistador, de cada uma das 41 questões. O questionário foi dividido em 06 blocos, a partir das características e objetivos de cada questão: 1) Dados pessoais; 2) Escolaridade; 3) Situação econômico-financeira; 4) Vida sócio-cultural; 5) Dados familiares; 6) Orientação sexual. Foi realizado um pré-teste com 02 sujeitos, na tentativa de detectar possíveis falhas na elaboração do instrumento. Algumas alterações foram concretizadas no questionário, a partir de proposições possibilitadas pelo pré-teste. 5.2.1.1 Captação dos sujeitos: quando o virtual possibilita o real A mobilização das ONG´s iniciou-se em Fevereiro de 2006 e, já nesse momento, começou a apresentar algumas dificuldades. O Movimento GLBTT não conta com nenhuma ferramenta de busca ou banco de dados capaz de fornecer informações tão precisas e específicas. Foram feitas várias reuniões com a militância, grupos de convivência e eventos GLBTT, na tentativa de conseguir contatos para a pesquisa. Os poucos nomes coletados foram possíveis a partir de contatos pessoais dos militantes e dos envolvidos com o movimento. Na busca por novas estratégias de captação dos sujeitos acabou-se chegando até o ciberespaço. A Internet foi uma possibilidade pensada já que representa uma via de acesso rápido dentro e fora do Movimento GLBTT. Várias instituições e organizações utilizam-se constantemente do espaço virtual para que informações circulem com mais agilidade. Inicialmente, a penetração da pesquisa se deu nas listas de discussão e relacionamento GLBTT dos provedores ‘yahoo’, ‘google’ e ‘hotmail’. Foram construídas 58 mensagens de textos padronizadas e enviadas ao e-mail de cada grupo e para e-mails pessoais daqueles integrantes que o disponibilizaram. Ainda assim, com a possibilidade de perda do anonimato e dificuldades na conciliação de datas e horários para a aplicação do questionário, o número de voluntários ainda continuou insuficiente diante do esperado. Haviam sido realizados, até este momento, 15 questionários: 06 indicados por integrantes dos movimentos, 05 através de captação pelas listas de discussão GLBTT, 03 através de indicações de alguns respondentes e 01 através de contatos pessoais do pesquisador. Na tentativa de otimizar o processo de captação dos voluntários, de garantir-lhes uma participação anônima e segura, e obter uma amostra mais abrangente para pesquisa, optou-se por realizar os contatos, através do Orkut. Este, consiste em uma comunidade online que conecta pessoas através de uma rede de amigos confiáveis3. Cada integrante da comunidade possui uma página de identificação (profile), onde constam informações pessoais, profissionais, de interesses, etc. Nesta página de identificação, entre outros elementos, existem três campos que coincidem com as características necessárias à participação nesta pesquisa: “Sexo”, “Orientação Sexual” e “Filhos”, levando-se em consideração que o critério para classificação da categoria homo/bissexual seria a autodefinição dos sujeitos. As opções oferecidas no profile durante o preenchimento do cadastro de usuário estão distribuídas no Quadro 1: SEXO ORIENTAÇÃO SEXUAL FILHOS 1. Feminino 1. Heterossexual 1. Sim – Moram comigo 2. Masculino 2. Bissexual 2. Sim – Não moram comigo 3. Gay 4. Curioso 3. Sim – Fazem visita de vez em quando Quadro 1: Opções de respostas para os itens sexo, orientação sexual e filhos do Orkut O Orkut dispõe também de uma ferramenta de busca personalizada, que permite a alternância de todos os itens constantes no cadastro de seus membros. Foram realizados 3 Esta definição é dada pelo próprio provedor do site. Ver: https://www.orkut.com/GLogin.aspx?done=http%3A%2F%2Fwww.orkut.com%2F 59 todos os cruzamentos possíveis, intercalando-se todos os itens que abrangessem o perfil desejado. Dessa forma, encontrou-se o seguinte número de membros: 01 02 03 04 05 06 2. Masculino X X X X X X 1. Qualquer X X X X X X X X X X X X X X X X X X CRUZAMENTOS SEXO FOTO Total 1. Feminino 2. Somente com foto 1. Brasil ONDE MORA 2. Minas Gerais 3. Qualquer 1. Heterossexual ORIENTAÇÃO 2. Bissexual SEXUAL 3. Gay 4. Curioso 1. Sim – Moram X X comigo 2. Sim – Não FILHOS X X moram comigo 3. Sim – Fazem X visita de vez em X quando MEMBROS ENCONTRADOS 205 432 276 237 Quadro 2: Cruzamentos realizados na ferramenta de busca do Orkut. 501 318 1969 60 Os convites realizados consistiram em mensagens personalizadas, enviadas ao scrap4 e/ou e-mail de cada membro. A preferência foi dada para contato via e-mail, buscando respeitar a privacidade do usuário. Na impossibilidade dessa ferramenta, a mensagem era depositada na caixa de scrap´s. Ainda que o Orkut seja uma comunidade de relacionamentos, é utilizado muitas vezes para outros fins. Os profiles recebem várias personificações como objetos, eventos, personagens de TV, caricaturas e falsas identidades (popularmente chamadas de fakes)5 Ainda que o pesquisador tenha percebido esse fenômeno, acabou por enviar o convite a todos membros que tiveram seus profiles acusados na malha fina da pesquisa do Orkut, buscando não inferir interpretações errôneas. Diante da vasta possibilidade que o Orkut apresentou, no que diz respeito à captação de sujeitos, o recorte demográfico, que antes estava restrito à Região Metropolitana de Belo Horizonte, foi ampliado para todo o território Nacional. Outra razão para esta escolha foi a dificuldade na utilização do item “Minas Gerais” do campo “Onde mora” na ferramenta de busca do Orkut, que gerava dados insuficientes. Assim, utilizando o Orkut como ferramenta de captação de sujeitos, pôde-se chegar até os usuários que possuíam o perfil desejado para responder o questionário. 5.2.1.2 Construindo o questionário on-line Durante levantamento bibliográfico realizado para instrumentalizar esse método de captação e coleta de dados, percebeu-se que grande parte dos trabalhos, até então realizados, disponibilizaram o instrumento de coleta em uma página virtual. Freitas, Janissek 4 É o nome dado ao espaço do Orkut destinado a postagem de mensagens. Diferente do correio eletrônico, todos os membros têm acesso aos scrap´s do profile. 5 As falsas identidades são criadas, em sua maioria, para que as pessoas possam ter acesso aos profiles alheios, sem serem identificadas, já que o Orkut oferece a possibilidade de saber quais membros acessaram sua página. 61 e Moscarola (2004), citam vários trabalhos que utilizaram o questionário on-line para a coleta de dados de suas pesquisas6. A partir daí, adotou-se tal técnica, conduzindo o recorte da pesquisa para todo o território nacional. Para tanto, foi necessária a abertura de uma página na Web, que pudesse hospedar o questionário. A página foi construída pelo Núcleo de Hipermídia da PUC Minas São Gabriel e as reuniões de criação objetivaram, principalmente, a elaboração de estratégias que diminuíssem a possibilidade de erros no acesso e no processo de resposta de cada respondente. Outro elemento importante no processo de criação do site foi a preocupação em garantir que cada respondente lesse e aceitasse o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e que o Layout da página tivesse o mínimo de elementos que pudessem influenciar as respostas do participante (cor, imagens, disposição, textos, etc.). O site ficou hospedado no domínio da PUC Minas, na extensão criada para a Psicologia da unidade São Gabriel. Ao responder o questionário, preencher os campos para contato ou cadastrar o e-mail para recebimento de informações sobre a pesquisa, os dados são enviados para uma caixa de correio eletrônico, criada especificamente para esse fim7. Além do questionário, foram colocadas na página, informações relevantes sobre a pesquisa como objetivos, justificativa, metodologia, pesquisadores, etc. 6 a) SIMSEK, Z. (1999) - Sample surveys via Electronic Mail: a comprehensive perspective. São Paulo: ERA – Revista de Administração de Empresas, v. 39, n. 1, Jan-Março 1999, pp.77-83. b) SCORNAVACCA, E.; BECKER, J. L.e ANDRASCHKO, R. (2001) - E-Survey : Concepção e Implementação de um Sistema de Survey por Internet. Anais do XXV Enanpad, realizado em Campinas -SP, 16-19 setembro 2001. c) BREI, V. A. (2001) - Antecedentes e conseqüências da confiança do consumidor final em trocas relacionais com empresas de serviço: um estudo com o usuário de Internet Banking no Brasil". Dissertação de Mestrado, PPGA/EA/UFRGS, Porto Alegre, junho de 2001. d) MOSCAROLA, J. (2001) -Les enquêtes internet. Annecy, França: Université de Savoie, Notas de aula. e) LAPASSOUDE-MADRID, C.e MONNOYER-LONGÉ M.-C. (2000) -Intégration d’un site web dans la stratégie marketing : les vins de Bordeaux. França: Revue Décisions Marketing, n. 19, Jan-Abril 2000, pp.21-27. f) MALHOTRA, N. K. (2001) - Pesquisa de Marketing: uma orientação aplicada. 3a. edição, 720 p. g) ARAGON, Y., BERTRAND, S., CABANEL, M., LE GRAND, H. (2000) - Méthode d’enquêtes par Internet: leçons de quelques expériences. França: Revue Décisions Marketing, n. 19, Jan-Abril 2000, pp.29-37. h) LEHU, J. M. (2000) - Internet comme outil de yiels management dans le tourisme. França: Revue Décisions Marketing, n. 19, Abril 2000, pp.7-19 7 Domínio do site criado para a pesquisa:www.saogabriel.pucminas.br/psicologia/pesquisapaternidade Correio eletrônico criado pela PUC Minas: [email protected] 62 5.2.1.3 Validação do instrumento Uma das características exigidas para o método da ciência moderna é o nível de validade de seus instrumentos e, conseqüentemente, dos dados coletados por ele. Pereira, Almeida Filho e Rouquayrol, citados por Deslandes e Assis (2003) dizem que a definição de validade refere-se ao grau que o exame é apropriado para medir o verdadeiro valor daquilo que é medido, observado ou interpretado. Informa se os resultados representam a ‘verdade’ ou o quanto se afasta dela, sendo, portanto, muito valorizada nos estudos quantitativos (PEREIRA, 1995; ALMEIDA FILHO; ROUQUAYROL, 1990, apud DESLANDES; ASSIS, 2003, p. 203 grifos do autor). Um teste é considerado válido para esses autores quando atendem às exigências de três tipos de validação: a) validade de conteúdo, quando um teste cobre satisfatoriamente o campo temático que pretende estudar; b) validade de constructo, quando a medida está ressonante com as preposições teóricas da pesquisa; e c) validade concorrente, quando o teste é submetido à comparação com outros instrumentos que se prestam a mensurar o mesmo objeto. (DESLANDES; ASSIS, 2003). A validade da amostra em questão não pretende garantir a total generalização dos dados para toda a população, nem ao menos propor que tais dados digam, fidedignamente, da realidade pesquisada. Como a captação se deu a partir de convites realizados pelo Orkut, não se estipulou, necessariamente, um número específico de sujeitos. Os convites foram realizados na expectativa que o maior número possível de usuários se disponibilizassem a participar. O número de questionários válidos (a seguir, discorreremos sobre os critérios de validação do instrumento) foi 92, tendo representantes de 19 estados do país e características peculiares, que serão apresentadas logo a seguir. Ainda que não se pretenda promover a generalização total dos dados numéricos, é possível pensar em algumas generalizações específicas, como apresenta Bronfam e Castro, 63 citados por Deslandes e Assis (2003) Segundo esses autores, diferentes tipos de generalizações podem ser feitas com os dados, e a amostra escolhida para cada pesquisa pode dizer de características da população. Uma delas diz respeito à generalização por ‘tipificações’, isto é, o sentido comum, o tomado como evidente, expresso na linguagem e reiterado regularmente por pessoas que pertencem a certo grupo sociocultural, revela as lógicas culturais, a ordem estabelecida e vigente para o grupo como um todo (BRONFAM; CASTRO apud DESLANDES E ASSIS, 2003, p. 205 aspas do autor). Percebe-se aqui que cada indivíduo, pertencente a um grupo, possui uma série de características que dizem desse grupo, características essas expressas por vários elementos e categorias analíticas. Assim, a amostra que se obteve nessa pesquisa é potencializadora de determinadas generalizações, ainda que limitadas. Desde o momento de utilização da ferramenta de busca do Orkut, até o retorno que será dado aos sujeitos da pesquisa, foram criados protocolos que sistematizaram as ações e estratégias de captação e coleta de dados. Esses protocolos possibilitaram a padronização de algumas ações e algumas reflexões acerca da continuidade do processo. Deslandes e Assis (2003) construíram um diagrama que representam muito bem todo o processo de coleta da pesquisa, conforme esquema 01: 64 Fonte: (DESLANDES E ASSIS, 2003) As informações contidas nesse diagrama estão didaticamente alocadas em espaços e momentos diferenciados. Vale lembrar que, em alguns momentos várias etapas aqui descritas ocorriam simultaneamente, dada a dinâmica oferecida pela coleta de dados realizada pela Internet. Alguns elementos, específicos dessa pesquisa, foram importantes para a validação do processo já que permitiram uma maior aproximação com os sujeitos da pesquisa e reduziram os riscos de falhas e interpretações errôneas: a) estreitamento do contato com sujeitos que responderam positivamente os convites; b) padronização de todas as mensagens enviadas aos sujeitos; c) construção de etapas, dentro do site, que possibilitam 65 o filtro de sujeitos sem perfil, ou com intenções diferentes dos objetivos da pesquisa; d) divisão didática dos sujeitos por tipos de resposta, data, etc. A validação dos questionários respondidos também representa elemento de grande importância para a credibilidade das informações coletadas. Tal validação foi possibilitada, a partir das ações implementadas, desde os convites (conforme citado anteriormente), até a leitura e análise de cada resposta. Depois de pronta, a página foi divulgada para os sujeitos que responderam positivamente. Como esse instrumento, para a garantia do anonimato, não solicita nenhum dado pessoal do respondente, a validação de cada um deles teve de seguir outros critérios. O primeiro deles foi identificar através da informação de dados como e-mail, onde mora, idade e observações, quais os questionários que pertenciam aos sujeitos que se encontravam no banco de dados do Orkut. Como vários questionários não puderam ser identificados, outro critério de validação foi construído. Analisou-se cada questionário a partir de sua leitura minuciosa, especialmente das questões fechadas 01, 02, 03, 08 e 09 (que delimitaram o perfil exigido para esta pesquisa), 06 e 26 que possibilitam a confirmação, ou não, dos dados anteriores e das questões dissertativas 33, 37, 38, 39 e 41, que possibilitaram critérios de validação como conteúdo do texto e coerência com as questões de múltipla escolha. Todas as questões foram analisadas também, buscando encontrar possíveis questionários repetidos. Assim, dos 107 questionários enviados, 96 foram validados e 11 deles, a partir de todos esses critérios, foram considerados inválidos. 5.2.2 Diário de campo Além do questionário, utilizou-se das anotações, reflexões impressões de cada etapa do processo, registradas num diário de campo. Cada registro foi classificado, dentro de uma categoria, possibilitando, inclusive, subsídios para a posterior escolha das categorias gerais 66 de análise da pesquisa. As categorias contempladas no diário de campo foram: identidade sexual, paternidade e gênero, representações sociais, dados sobre perfil, e outros fatores psicossociais. Ainda que nem todas essas categorias serão utilizadas separadamente na análise dos dados gerais, elas contribuíram profundamente para uma leitura qualitativa do processo e da aplicação do instrumento quantitativo. 5.2.3 Grupo Focal O grupo focal é um instrumento de cunho investigativo que visa a coleta de dados qualitativos que podem ser contemplados no processo grupal. Mesmo se atendo à prática de pesquisa, ele propicia a obtenção de “[...] uma variedade de informações, sentimentos, experiências, representações de pequenos grupos acerca de um tema determinado” (CHIESA; CIAMPONE, 1999; ALZAGA, 1998; NERY 1997; CANALES; PEINADO, 1995 apud KIND, 2004, p.126). Segundo essa perspectiva, o grupo focal oferece informações que não se pode conseguir em outros métodos de caráter qualitativo, já que sua coleta se desencadeia com objetivos específicos, a partir da dinâmica do grupo. Este aspecto é possível pelo caráter psicossocial desta técnica já que ela “[...] tem seus fundamentos nas teorias de grupos, na sociologia e na psicologia social crítica” (KIND, 2004, p.125). Pensando na homossexualidade e na identidade paterna como construção sóciohistórica que se dá a partir das relações, o grupo focal possibilitou, mais do que coletar, construir os dados desta pesquisa, pelo seu caráter relacional. Foi realizado um grupo focal, tendo a presença de 04 participantes que foram selecionados a partir da população que foi submetida ao questionário, a partir do critério de localização da residência (Região metropolitana de Belo Horizonte). Foram realizados 11 67 convites, tendo 07 confirmações e 04 presenças. Apesar do número reduzido de participantes, a discussão foi bem rica, já que cada participante traz consigo experiências bem peculiares de sua paternidade e orientação sexual. O temário/roteiro para a realização dos grupos, que se encontra em anexo, foi construído durante o andamento da pesquisa já que o pesquisador pretendeu utilizar-se dos dados obtidos do questionário e no diário de campo para sua construção. Dos participantes, 02 estão envolvidos com a militância GLBTT, tendo influências nas conquistas de direitos e espaços para homossexuais em Minas Gerais. Os outros dois não têm envolvimento com o movimento GLBTT e trazem discussões extremamente ricas e conflitantes acerca de suas experiências. 5.2.4 Caracterização dos respondentes Dos 1969 membros convidados, obteve-se 935 respostas8; 312 membros afirmaram não obter o perfil necessário para a pesquisa; 196 proferiram respostas de indignação ao convite, demonstrando reações homofóbicas; 87 negaram-se a responder o questionário. Do total de respostas proferidas, 211 responderam positivamente9. Vale lembrar que, devido à limitação de 999 membros em cada profile, o pesquisador teve de criar dois profiles, para ampliar o número de convites. Os convites foram realizados entre os meses de Abril e Julho de 2006. Durante esses meses, foram coletados na própria página do Orkut, todo dia 20 e cada mês, alguns dados demográficos da população usuária da comunidade. Essa coleta se deu a partir da 8 Chamamos aqui de respostas, quaisquer e-mails, mensagens ou textos enviados ao pesquisador referentes ao convite realizado. 9 Mencionaram a pesquisa, confirmaram a caracterização do perfil e disponibilizaram-se a responder o questionário. 68 necessidade em se conhecer as principais características da população de onde se obtém a amostra. Assim obtemos as seguintes médias: TABELA 01 MÉDIA DE IDADE DOS USUÁRIOS DO ORKUT - ABR/JUL DE 2006 Idade 18-25 26-30 31-35 36-40 41-50 50+ % 61,57 11,93 6,05 3,24 3,17 2,39 TABELA 02 MÉDIA DE INTERESSES DOS USUÁRIOS DO ORKUT – ABR/JUL DE 2006 Interesses % 73,51 23,17 24,65 17,98 Amigos Companheiros de atividades Contatos profissionais Namoro TABELA 03 MÉDIA DE RELACIONAMENTOS DOS USUÁRIOS DO ORKUT – ABR/JUL DE 2006 Relacionamento Não há resposta Solteiro (a) Casado (a) Namorando Casamento aberto Relacionamento aberto % 34,25 39,11 12,11 11,39 0,31 1,72 TABELA 04 MÉDIA POR PAÍS DOS USUÁRIOS DO ORKUT – ABR/JUL DE 2006 País Brasil Estados Unidos Índia % 60,93 14,59 11,25 69 Paquistão Irã Reino Unido Japão Portugal Canadá México 1,89 1,06 0,62 0,51 0,39 0,41 0,41 Pode-se perceber que a maioria dos usuários o Orkut residem no Brasil, têm entre 18 e 30 anos e utilizam esta comunidade com o objetivo de fazer amigos. É importante mencionar também que o acesso à internet, no Brasil, ainda é restrito à determinadas classes sociais. Não se pode perder de vista que os respondentes estão, contextualmente, inseridos na classe média baixa e classe média alta. Isso delimita percepções de mundo diferenciadas, acesso a espaços e serviços específicos e, conseqüentemente, experiências distintas. 5.2.4 Tratamento dos dados Na etapa de análise, utilizou-se a técnica de análise de conteúdo. Tal técnica se destaca por vislumbrar duas funções em sua aplicação. A verificação de hipóteses, pela qual se pode chegar a respostas para questões formuladas e a confirmação ou não de afirmações produzidas anteriormente. A segunda função consiste em descobrir o que está por trás dos conteúdos manifestos, ou seja, indo além das informações e dados explicitados (GOMES, 1999). O primeiro momento da pesquisa pretende analisar os dados obtidos no questionário, construindo assim um perfil da população pesquisada e apontando elementos para a construção do temário/roteiro e a realização dos grupos focais. Realizou-se tabulação dos dados utilizando o aplicativo SPSS, que permite o cruzamento de variáveis específicas 70 e a construção de tabelas e gráficos. A partir dela, obteve-se um panorama quantitativo da população que levou, posteriormente, a novos cruzamentos de dados. O questionário tem algumas questões dissertativas que serão analisadas a partir das seguintes categorias: identidade sexual, identidade de gênero e representações acerca da paternidade. A essa análise serão incorporadas as informações coletadas através do diário de campo. Em outro momento, a análise esteve voltada para os dados colhidos nos grupos focais, tendo como parâmetros os dados do questionário e o marco teórico construído. Neste momento ocorreram alguns cruzamentos de dados, redimensionando informações quantitativas e qualitativas, buscando compreender, à luz do referencial teórico e metodológico proposto nesta pesquisa, as relações, comportamentos e sentimentos desencadeados durante os grupos focais. A partir dessas análises será possível ter uma compreensão dialética e mais fidedigna dos fatores psicossociais que influenciam a construção da identidade paterna em homens homo/bissexuais. 71 6. DISCUSSÃO DOS DADOS Neste capítulo será apresentada a análise dos dados, mediante articulação da coleta realizada pelo questionário on-line, pelo grupo focal e pelo diário de campo. Os sujeitos que responderam ao questionário, para garantia do anonimato, serão chamados de S (Sujeito), seguido de seu número identificador na planilha do SPSS. Ex. S8, S37, S45, etc. Os sujeitos que participaram do grupo focal serão chamados por nomes fantasias, criados aleatoriamente: Antônio, Joel, Breno e Valter. A análise dos dados está dividida em sub-capítulos, a partir das seguintes categorias: Perfil dos participantes, as representações da paternidade homossexual, paternidade e identidade sexual, masculinidade e paternidade e possibilidades X dificuldades para vivência da paternidade gay. A escolha das categorias está referenciada nos objetivos específicos, nas hipóteses construídas ao longo do processo de coleta dos dados e da revisão bibliográfica. 6.1 Pai gay: quem é você? Quanto à faixa etária, percebe-se que 76,1% dos respondentes possuem mais de 30 anos. Esse dado não é equivalente à população total do Orkut que apresenta cerca de 70% de usuários entre 18 a 30 anos. Percebe-se assim que o Orkut é constituído, em sua maioria por jovens e, aproximadamente, 9% de seus usuários possuem acima de 36 anos. Em contrapartida, a amostra dessa pesquisa é formada, em sua maioria, por homens acima de 36 anos, representando aproximadamente 59% do total, conforme tabela 05: 72 TABELA 05 FAIXA ETÁRIA DA POPULAÇÃO RESPONDENTE Faixa Etária Abaixo de 18 18-25 26-30 31-35 36-40 41-45 46-50 Acima de 50 NR Total Freq. 1 5 17 15 16 18 15 7 2 96 % 1,0 5,2 17,7 15,6 16,7 18,8 15,6 7,3 2,1 100,0 Os grupos focais também tiveram participantes mais velhos, entre 38 e 61 anos. Isso faz com que vários participantes tenham filhos que já alcançaram a adolescência ou a fase adulta. Quanto ao estado civil, a maioria deles se identifica como solteiro. O gráfico 01 apresenta a freqüência em que aparecem as respostas dessa questão. 47 Bars show counts 40 Count 30 18 20 15 16 10 Solteiro Desquitado/Separado Casado Divorciado Estado Civil Gráfico 01: População respondente, em relação ao Estado Civil 73 É importante perceber que pouco mais da metade do sujeitos passaram pela experiência do casamento e aproximadamente 32% já se encontram divorciados ou desquitados. Em relação à faixa-etária, esse dado se aproxima mais dos usuários do Orkut, já que, em relação ao relacionamento, este apresenta cerca de 40% de membros solteiros, ainda que este dado não fale, especificamente do estado civil. Pela orientação sexual, a amostra é mais representada por homens que se autodefinem como homossexuais. Chegando a 43,8%, os sujeitos que se autodefinem como bissexuais representam a segunda categoria mais representativa. É importante salientar que o questionário possibilitou ainda a opção “transexual”, que não identificou nenhum representante. TABELA 06 POPULAÇÃO RESPONDENTE POR ORIENTAÇÃO SEXUAL Orientação Sexual Bissexual Homossexual Travesti Outra Total Freq. 42 52 1 1 96 % 43,8 54,2 1,0 1,0 100,0 Quanto à cor, a amostra apresentou cerca de 60% de brancos e 25% de pardos. A discussão de raça/cor pode oferecer alguns apontamentos para a questão de classe social, ainda que não seja o foco deste estudo. Todos os sujeitos dessa pesquisa têm acesso à internet e, conforme indicado mais à frente, possuem uma renda que permite classificá-los como membros das classes médias. Diante da constatação de uma grande representatividade branca, percebida através do questionário, pode-se articulá-la com a categoria de classe, deixando o seguinte questionamento: sendo a pesquisa, realizada com sujeitos de camadas sociais mais baixas, o índice de representatividade branca e negra seria o mesmo? 74 Obteve-se assim um percentual de aproximadamente 10% de respondentes negros, conforme o gráfico 02. 2,08% Cor 9,38% Branco Pardo Negro Outro 99 Pies show counts 25,00% 62,50% Gráfico 02: População respondente em relação à cor A situação de moradia dos respondentes demonstra que a maioria reside na região Sudeste do Brasil, apresentando o percentual aproximado de 54%. Outros 35% estão distribuídos nas regiões Sul e Nordeste. Percebe-se ainda que pouco menos que a metade reside nas capitais brasileiras e cerca de 50% mora em outras cidades, conforme tabela 07: TABELA 07 SITUAÇÃO DE RESIDÊNCIA, POR REGIÃO BRASILEIRA E CIDADE, DA POPULAÇÃO RESPONDENTE Características Região Centro-Oeste Norte Nordeste Sudeste Sul Total Cidade Capital Outras cidades NR Total Freq. % 7 3 22 52 12 96 7,3 3,1 22,9 54,2 12,5 100,0 44 49 3 96 45,8 51,1 2,1 100,0 75 Identifica-se, contudo, um número elevado de cidades grandes como Campinas, Governador Valadares, São Bernardo do Campo, Petrópolis, Santos, Porto Seguro, Olinda, Caruaru, etc. Percebe-se com isso que a amostra aqui representada é constituída, em sua maioria, por homens urbanos, que têm acesso a uma série de espaços, tecnologias e serviços diferenciados. A maior parte dos sujeitos divide a residência com um (uma) companheiro (a), sendo 14,6% do sexo feminino e 33,3% do sexo masculino. 27% da amostra afirmou residirem sozinhos. Um número considerável de sujeitos respondeu, na opção “outro” que residem com cônjuge e filhos. TABELA 08 POPULAÇÃO RESIDENTE, EM RELAÇÃO À MORADIA E DEPENDÊNCIA FAMILIAR Características Com quem mora Pais Companheiro (a) Sozinho Amigos (as) Filhos (as) Outro NR Total Exerce ativ. Remunerada Sim Não Às vezes Total Depende da família Um pouco Nada NR Total Freq. % 10 30 26 1 16 12 1 96 10,4 31,3 27,1 1,0 16,7 12,5 1,0 100,0 87 6 3 96 90,6 6,3 3,1 100,0 9 86 1 96 9,4 89,6 1,0 100,0 O grupo focal foi realizado com sujeitos que residem na região metropolitana de Belo Horizonte. Ainda assim, eles apresentam uma representatividade similar ao da população total já que dois deles residem com o companheiro, um reside com os filhos e o último mora 76 sozinho. Esses dados são importantes para apontar um nível importante de independência desses sujeitos, em relação à família, confirmado pelo elevado índice do exercício de atividade remunerada e da dependência financeira, apresentados na tabela 08. Em ressonância com a raça/cor que reflete a classe social dos respondentes, a escolaridade e renda familiar apresentam considerável número de sujeitos com grau de instrução igual ou superior ao Ensino Médio e renda familiar média de 10 salários mínimos. Portanto, aproximadamente 59% apresentam renda entre 04 a 16 salários mínimos e 88% possuem minimamente o Ensino Médio completo. Do total de respondentes, 64% tiveram acesso ao Ensino Superior e 24% concluíram a pós-graduação. TABELA 09 POPULAÇÃO RESPONDENTE, CONFORME GRAU DE INSTRUÇÃO E RENDA FAMILIAR Características Instrução Analfabeto Primário incompleto Ensino Fundamental incompleto Ensino Médio incompleto Ensino Médio completo Superior incompleto Superior completo Pós-graduação Total Renda Familiar* Até 04 salários 04-08 salários 08-12 salários 12-16 salários 16-20 salários Acima de 20 salários NR Total Freq.* % 1 1 2 7 23 18 21 23 96 1,0 1,0 2,1 7,3 24,0 18,8 21,9 24,0 100,0 26 23 23 11 5 7 1 96 27,1 24,0 24,0 11,5 5,2 7,3 1,0 100,0 * Referência em salários mínimos. Seu valor atual é R$ 350,00 Em relação às atividades realizadas nas horas vagas, as mais citadas pelos sujeitos foram televisão, informática/internet, música, leitura, cinema e vida afetivo-sexual. 72% deles afirmam freqüentar espaços GLS, sendo os mais citados as boates, os bares e 77 chats10. Um percentual considerável dos respondentes afirmou participar ou já ter participado de algum movimento GLBTT. Assim, 27% dos respondentes tiveram, em algum momento, acesso direto às produções dos movimentos sociais dessa temática. Esse dado aponta também para a possível necessidade ou importância de articulação e participação política para a comunidade GLBTT, conduzindo uma vivência da sexualidade articulada com a luta e as conquistas da sua categoria. TABELA 10 POPULAÇÃO RESPONDENTE QUANTO À UTILIZAÇÃO DE ESPAÇOS GLBTT Características Freqüenta espaços GLS Sim Não Total Participação Movimento GLS Sim Não Total Freq. % 69 27 96 71,9 28,1 100 26 70 96 27,1 72,9 100 Em relação à religião, um número considerável de sujeitos afirmou não ter nenhuma religião (25%). A amostra contemplou também 22% de católicos e o mesmo percentual para espíritas. Um dado interessante foi possibilitado no detalhamento da opção “outra religião” que apresentou 41,1% das respostas válidas para essa opção, religiões afro-brasileiras, não contempladas no questionário (Candomblé e Umbanda). Os participantes do grupo focal também apresentaram diversidade quanto à religião, tendo representantes espíritas, budistas e um integrante que não professa nenhuma religião. A grande participação em religiões denominadas “espiritualistas” pode estar ligada ao nível de tolerância que cada uma delas impõe às práticas homossexuais. Outras características da população foram contempladas, a partir de diferentes questões do instrumento de coleta e serão apresentadas ao longo do processo de análise. 10 Chats são espaços virtuais destinados à bate-papo entre os internautas. 78 6.2 Algumas representações da Paternidade Os dados do questionário e, especialmente os do grupo focal, trazem vários apontamentos acerca das representações que os integrantes e a sociedade em geral têm acerca da paternidade e, especificamente, da paternidade homossexual. Ao serem solicitados a discorrer sobre sua experiência em ser pai, vários sujeitos fizeram menção a essa função numa vinculação direta com necessidade em “ter maior responsabilidade” para a criação dos filhos. A dificuldade financeira é muitas vezes apontada e a importância da educação e orientação dos filhos aparecem como essenciais na função paterna. podemos ter lhe dado uma boa educação, influência cultural e espiritual e graças a muita atenção não mais uma alienada neste mundo. (S11, 40 anos). [...] uma das melhores coisas que me aconteceu o que complica é o financeiro – pesa (S8, 34 anos). Ser pai é amar incondicionalmente e oferecer orientação para os filhos [...] (Antônio, 61 anos). Ser pai é ter amor e responsabilidade para com os filhos, acompanhando sua formação e sugerindo comportamentos éticos e padrão (S93, 46 anos). A grande menção feita pelos sujeitos à questão financeira pode remeter à função de provedor, historicamente construída. Tal função atribuiu ao homem a função de manter financeiramente a família, já que, historicamente, a utilização de espaços públicos, especialmente os do trabalho remunerado, foi designada aos homens. A ausência do pai, pelo contingente de trabalho é bem explicitada por Valter, ao dizer que como ele [seu pai] era o provedor... ele era mais interessante do que minha mãe, só que ele não tinha oportunidade de conviver com a gente, de educar, de ensinar umas coisas... por que ele trabalhava tanto... e minha mãe que ficava lá com agente era uma pessoa muito menos interessante, entendeu... então, quando agente teve oportunidade de aproximar, de ter aquele acolhimento mesmo, legal, que a gente gostaria de ter do pai, aí ele 79 já estava velho, quase morrendo de trabalhar [...] o pai na sociedade é um pouco distante dos filhos (Valter, 38 anos). Nas respostas aparecem também representações que naturalizam a paternidade. Vários sujeitos dizem que ser pai é um papel natural, sendo que qualquer pessoa pode estar sujeito a ele. Essa questão vai de encontro com o que aponta Costa (2002) ao perceber em sua pesquisa que o atributo biológico é de extrema importância para a constituição e o reconhecimento social da paternidade. No questionário e no grupo focal os sujeitos dizem que No começo foi muito difícil, depois notei que é uma coisa tão natural. (S57, 36 anos). eu acho que indiferente da orientação sexual do indivíduo, ele nasce com essa... com essa propensão, né a formar novas criaturas [...] eu acho que faz parte do instinto do ser humano, independente da orientação sexual que ele tem.. (Joel, 53 anos). [...] mesmo assim, considero o ato de ser pai biológico, um fato natural [...] (S76, 59 anos). É natural, quando encarada com responsabilidade. Isso significa cumprir as funções sociais (S94, 32 anos). Nesse sentido, a adoção, pela ausência da descendência biológica, acaba por ficar à margem das representações do que é ser pai. Antônio (61 anos), pai de seis filhos adotivos aponta que a representação que ele percebe na sociedade de “ser pai” está totalmente vinculada com a relação sanguínea: o que eu percebo é que noventa e nove vírgula zero nove por cento das pessoas é que ser pai é repartir com o espermatozóide no óvulo [...] agora, e isso me atinge muito sabe, realmente me atinge... e aí a forma como certas pessoas me fazer perguntas: aqui... você não quis ter um filho seu, de verdade? Costa (2002) afirma também que, no caso da adoção, existe uma vinculação de afeto, carinho, amor, sentimentos desencadeados na experiência de criar filhos de outros homens. A mediação sangüínea é sempre vista como bem vinda, alterando a imagem dos homens acerca da paternidade. 80 Os participantes do grupo focal falaram muito da experiência que tiveram com seus pais, sendo essa uma experiência distante em que o pai nunca se via presente. Segundo eles, as pessoas ainda vêem o pai como aquele que irá prover a família, mesmo percebendo que essa imagem tem mudado atualmente. Quando questionados sobre a imagem que as pessoas tem da paternidade homossexual, todos os integrantes do grupo focal mencionam representações negativas, carregadas de preconceito. Eles afirmam que a sociedade pensa que, por serem homossexuais irão fazer com que os filhos tenham problemas no desenvolvimento ou vão fazer mal a eles. Se as pessoas não conhecem o pai gay pessoalmente, intimamente, as pessoas imaginam que ele vai desvirtuar o filho, que ele vai corromper o filho ou a filha, que ele vai transformar o filho ou a filha dele... é muito doloroso esse processo, sabe... então, por exemplo, aqueles pais gays que estão dentro do armário, que são muitos, milhares [...] acabam acentuando para que as pessoas continuem refletindo e pensando que nós vamos, de repente, corromper nossos filhos, que nós vamos desvirtuar nossos filhos, que nós vamos transformar nossos filhos em aberrações, e coisas assim... (Joel, 53 anos). boa (a experiência de ser pai) e mais sofisticada que pais heterossexuais apesar dos problemas diante da aceitação social (S38, 43 anos). [...] tive uma experiência lamentável, no bairro Y, [...] correu um boato entre rapazinhos do bairro, de que eu adotava meninos pra que no futuro eles viessem a me quebrar o galho... e que eu adotava as meninas pra disfarçar (Antônio, 61 anos) A mãe da minha filha não sabe o que sou... [...} acho que nem deixaria eu ver mais minha filha (Breno, 43 anos). É perceptível então que existem muitas representações negativas acerca da paternidade exercida por homossexuais. Ainda existe a imagem de que o pai irá abusar de seus filhos e que, por serem exacerbadamente sexualizados, irão transmitir sua sexualidade e/ou orientação sexual aos filhos e filhas. (RAMIRES, 1997). O preconceito em relação à homossexualidade e às práticas e vivências relacionadas a elas ainda é muito alto. As imagens negativas que a sociedade construiu acerca do homoerotismo perpetuam-se nos vários espaços da sociedade. O gráfico 03 81 demonstra o índice de discriminação sofrida pelos sujeitos que responderam ao questionário: Bars show counts 2 Sofreu discrimin. NR Não 29 65 Sim 0 20 40 60 Count Gráfico 03: População respondente, quanto ao nível de discriminação sofrida Os locais de discriminação mais citados na pesquisa, respectivamente, foram o trabalho, a família, os amigos e a escola, instituições e organizações bem próximas dos sujeitos. Os tipos de discriminação mais citados foram a agressão verbal e a coação. Outra citação interessante que apareceu na opção “outro” foi a violência policial. Três sujeitos afirmaram terem sido violentados por policiais. Isso demonstra que, inclusive os dispositivos criados para a vigilância e cumprimento da lei reproduzem as práticas de marginalização ao homossexual. 82 6.3 Sou gay e tenho filhos!: Paternidade X orientação sexual Ao solicitar aos sujeitos que falassem de sua experiência em ser pai, na condição de homo/bissexual, duas grandes tendências foram percebidas: a) respostas baseadas no pressuposto de que a paternidade e a orientação sexual são dimensões independentes; b) respostas construídas na tentativa de articular essas duas dimensões. Em cada uma dessas tendências, foi possível observar várias categorias que organizam a experiência desses homens e oferecem a eles possibilidades de significação dessa vivência. Quanto à tendência em tratar como independentes a dimensão paterna e de orientação sexual, pode-se dizer de uma estratégia em organizar o cotidiano, de forma a prevenir possíveis especulações e taxações por parte da sociedade. Como existe uma série de representações que acreditam ser a paternidade uma vivência restrita aos heterossexuais e que os homo/bissexuais irão prejudicar o desenvolvimento de seus filhos, esses homens, possivelmente, buscam articular a função de pai separadamente das experiências sexuais, buscando encontrar formas de garantir que a sexualidade não interfira na criação de seus filhos. Essas respostas podem dizer ainda de alguns elementos da relação pesquisador/pesquisado já que, ao não saber os pressupostos que norteiam o olhar da pesquisa, torna-se importante prevenir-se de quaisquer tentativas de patologização e/ou segregação de sua condição de pai homo/bissexual. Essas respostas podem ser percebidas nas seguintes citações: Na minha vida estes dois "rótulos" são independentes. Assim, ser pai é ótimo, ser gay também (S22, 49 anos). ser pai e gostar de praticar sexo com parceiros do mesmo sexo é algo que não interfere em nada minha conduta de pai, desde que sempre soubesse separar ambos os espaços (S24, 46 anos). São campos totalmente diferentes, a sexualidade e a paternidade [...] Não é minha sexualidade que modifica o exercício da paternidade. (S32, 31 anos) Não permito que os personagens se confundam, ou se misturem (S27, 37 anos). 83 Outro elemento muito presente nas respostas dos sujeitos que responderam ao questionário é em dizer que essa experiência é “normal”. Essa tentativa, possivelmente, está ligada à tentativa em manter-se numa posição de normalidade na sociedade, buscando, mais uma vez, “proteger-se” de discursos patologizadores, apontando para uma possível estratégia de enfrentamento às práticas segregadoras que a sociedade produziu para combater a homossexualidade. Abaixo, alguns fragmentos das respostas dos sujeitos que buscam normalizar sua experiência: normal, encaro numa boa (S39, 36 anos). para mim não é contraditório. Normal (S47, 50 anos). Eu encaro tudo como se fosse normal pois pra mim tudo isso é normal (S91, 32 anos). absolutamente "normal"... (S80, 20 anos) Nos questionários, os sujeitos que buscam atribuir independência à dimensão paterna e à orientação sexual, geralmente, apresentam a experiência paterna como positiva, caracterizando-a como feliz, tranqüila, maravilhosa, etc. Os participantes do grupo focal também falam dessa experiência como extremamente gratificante, articulando-a com dádivas divinas, missões religiosas, possibilidades de amar e ser amado, etc. Além disso, é possível perceber que vários sujeitos tinham, em seu projeto de vida, a realização da paternidade. O gráfico a seguir demonstra essa afirmação: 84 2,08% Projeto de Vida Sim Não NR 23,96% Pies show counts 73,96% Gráfico 04: População respondente quanto ao projeto de vida em ser pai Podemos pensar que, conforme aponta Costa (2002), a paternidade é quesito básico para a construção da masculinidade do homem casado. Dos sujeitos que responderam essa pesquisa, 51% passaram pela experiência do casamento, podendo, em alguma medida, justificar o elevado índice de respostas positivas em relação à paternidade como projeto de vida, ainda que não seja a única interpretação possível para esse dado. Esse índice é também importante para se pensar a forma em que os sujeitos dispuseram para alcançar a paternidade. Das opções oferecidas no questionário, a única que não foi marcada por nenhum sujeito foi a inseminação artificial. A tabulação dos dados relacionados a essa questão foi feita mediante a freqüência de citações em cada opção, já que o respondente poderia marcar mais de uma. Assim 79 sujeitos citaram a relação heterossexual como a forma pela qual alcançaram a paternidade, e 17 citaram a adoção. Entrecruzando esse dado com a categoria orientação sexual, obteremos uma informação importante. O número de homossexuais que citaram a adoção como forma de alcançar a paternidade é consideravelmente maior que o de bissexuais. Calculando a freqüência das citações em proporção ao total de respondentes de cada orientação, encontra-se o seguinte percentual: o número de homossexuais é 24% maior que o de bissexuais. Em contrapartida, 85 o número de homossexuais que afirmaram ter filhos adotivos é 83% maior que o de bissexuais. A tabela 11 permite uma melhor visualização desse dado: TABELA 11 POPULAÇÃO RESPONDENTE, CONFORME ORIENTAÇÃO SEXUAL E ESTRATÉGIA PARA OBTENÇÃO DE FILHOS Orientação Sexual Como obteve filhos (citações) Relação Heterossexual Adoção Mãe de aluguel Inseminação espontânea Outro Total de sujeitos da amostra Homossexual 39 11 1 1 4 52 Bissexual Travesti 38 6 0 0 0 42 1 0 0 0 0 1 Outro Total 1 0 0 0 0 1 79 17 1 1 4 96 Se tomarmos como referência a categorias “relação heterossexual” e “outras formas” de alcançar a paternidade, esse índice é ainda maior. Sendo assim, o número de homossexuais que cita a “outras formas” para alcançar a paternidade é 183% maior que o de bissexuais. Essas informações são importantes para se pensar a paternidade, já que diferentes orientações possibilitam ou restringem uma gama de opções e arranjos relacionados à escolha e à vivência do papel de pai. Na opção “outro“, ainda para essa questão, apareceram duas afirmações de adoção não legalizada ou “adoção à brasileira”. No grupo focal, um dos sujeitos adotou seis filhos dessa forma, registrando-os em cartório como se fossem seus filhos biológicos. Essa questão nos remete à questão legal da adoção que, mesmo permitindo a adoção individual por quaisquer indivíduos, independente da crença, orientação sexual, cor, etc, ainda lança mão desses atributos no processo de jurisprudência (FUGIE, 2002). Nesse recorte de uma das falas de Joel, militante no movimento GLBTT de Minas Gerais, ele contextualiza a situação da legislação da adoção no Brasil: 86 A Legislação de adoção, na verdade, ela não existe... a legislação dos gays ela não existe... Nós somos obrigados a pagar 47 impostos como qualquer cidadão brasileiro, e nós temos nada mais nada menos que 37 direitos a menos, né... entre esses direitos um deles é a adoção... [...] a legislação que existe é para pais heterossexuais... o que acontece, que é o caso do Antônio, por exemplo, é que ele adota sem identificar a orientação sexual dele né... isso aos olhos vendados do judiciário, da trama da justiça, é perfeitamente possível de passar, agora se ele assume a homossexualidade e a parceria com quem ele vive pra os dois adotarem, aí já é uma guerra jurídica quase que intransponível, [...] mas aí (no caso da adoção individual) tem um procedimento muito mais cruel pra criança e pro pai do que se o pai for hetero ou a mãe heterossexual, que é um processo doloroso mas é menos sofrido... [...] a gente entende hoje que o judiciário é muito mais veloz do que o legislativo... por que quando você provoca o judiciário, você obtém respostas, quando você provoca o legislativo você obtém morosidade [...] (Joel, 53 anos). Apesar da legislação não permitir a adoção conjunta para homossexuais, a jurisprudência paulista aferiu, no dia 30 de Outubro de 2006, a adoção conjunta para um casal de homossexuais masculinos em São Paulo. É a primeira, no Brasil, favorável à adoção para dois homens, sendo precedida por dois casos de mulheres que adotaram conjuntamente seus filhos (REDAÇÃO TERRA, 2006). Ainda nas respostas que diferenciam a paternidade da orientação sexual é possível perceber que vários sujeitos avaliam positivamente a paternidade e negativamente a homossexualidade, apontando dificuldades na vivência de suas sexualidades: A experiência de ser pai é maravilhosa independe de ser gay ou não, já a experiência de ser gay não sei se tão maravilhosa assim, mais é a minha missão... (S15, 29 anos). ah ser pai é muito maravilhoso me traz muita felicidade ser gay eu não gosto muito (S88, 17 anos). ser pai é maravilhoso; ser gay as vezes é um pouco frustrante (S96, 42 anos) Nas respostas que tendenciam à reflexão e articulação das dimensões paterna e de orientação sexual é perceptível um apontamento para a experiência paterna na condição de homo/bissexual como vivência difícil, complicada e conturbada. Nessas respostas, que evidenciaram o surgimento de conflitos, os sujeitos narram suas experiências, geralmente, entrecruzando esses dois elementos: sua orientação sexual e sua condição de pai. Nesse 87 sentido, é encontrada também uma considerável preocupação com o futuro dos filhos, dimensionando as possíveis conseqüências que este pode enfrentar, em ter um pai homossexual. As citações a seguir, demonstram claramente essas características: Difícil (a experiência de ser pai gay). Maritalmente, a função de pai é um grande desafio. Pai gay ganha um acréscimo significativo em termos de desafio [...] (Antônio, 61 anos). é muito complicado. Tenho por prioridade meus filhos, tomo todo cuidado para não misturar as coisas (S85, 39 anos). no início é estranho pois você já imagina no futuro quando seus filhos crescerem podendo os mesmo não te aceitarem [...] (S83, 31 anos). Não é uma experiência fácil por que você não pode agir naturalmente com sua sexualidade como agem os heterossexuais não é? E nunca sabemos se nossos filhos vão nos aceitar, pra quem pretende contar... (Valter, 38 anos) De início foi assustador, pensava em todo momento como seria minha vida, o que vão falar de mim com meu filho (S73, 31 anos). Além disso, esses sujeitos apontam também o preconceito que interfere diretamente na vivência da paternidade, especialmente dos que se afirmam “assumidos”. Esses preconceitos são oriundos das imagens negativas que, conforme dito anteriormente, a sociedade atribui ao pai homossexual. É importante ressalvar que a ciência ainda contribui para as discussões da paternidade/maternidade homossexual, no sentido de desmerecê-la. A própria psicanálise serve de parâmetro para vários autores defenderem a idéia de que filhos de homossexuais podem sofrer rupturas nas relações edípicas, construindo identidades de gênero aberrantes e comportamentos sexuais inadequados. Alguns discursos problematizam a maternidade homossexual, ao dizerem que o ambiente onde os filhos serão criados será desprovido de referenciais masculinos e, pelo seu ódio em relação aos homens, aumentará a chance de constituir filhos ou filhas homossexuais (UZIEL, 2004). Percebe-se nesses discursos que a norma heterossexista ainda prevalece, colocando em cheque a possibilidade de crianças construírem uma identidade homossexual. Alguns sujeitos apresentam experiências negativas da paternidade, em função de outros elementos de sua vida. Segundo esses sujeitos, a paternidade não é (ou não tem 88 sido) uma experiência agradável, pelo distanciamento dos filhos, problemas com a mãe do filho ou falta de identificação com o papel de pai. Difícil, porque me sinto um pai omisso, gerando culpa em mim. Procuro compensar, mas mesmo assim é complicado, gostaria de estar com eles, ou passeando com eles sem precisar observar outros homens [...] (S52, 48 anos). É uma aventura para qual não fui treinado nem preparado [...] (S29, 42 anos). é um pouco complicado. Quando me casei achei que minha atração por homens passaria. Mas não passou. Agora é complicado pois não deve ser fácil para uma pessoa ver o pai como um gay (S54, 41 anos). As vezes eu me pego sendo um pai por obrigação, simplesmente, to tentando mudar isso agora, por que agora num tem mais obrigação, é questão de sentimento [...] mas até hoje eu fui um pai de obrigação, simplesmente (Breno, 43 anos). pra mim não por ser gay, mas foi a experiência mais ruim que já tive. Tive muitos problemas com a mãe da minha filha e com isso não pude ter a chance de ser pai por completo (S61, 33 anos). O distanciamento dos filhos, apontando por vários sujeitos como elemento desagradável na experiência paterna é também percebido através da análise da questão que objetiva saber com quem os filhos residem, conforme tabela 12: TABELA 12 POPULAÇÃO RESPONDENTE, QUANTO À RESIDÊNCIA DOS FILHOS Residência dos filhos Com você Com a mãe Avós maternos Avós paternos Outro Total Freq. 29 50 2 3 12 96 % 30,2 52,1 2,1 3,1 12,5 100 Como se pode ver, aproximadamente 58% dos sujeitos afirma que seus filhos não residem com eles. No item “outro”, alguns sujeitos apontam que os filhos residem conjuntamente com o pai e com a mãe. 89 O grande número de filhos que residem com a mãe pode estar vinculado à legitimidade oferecida à tutela do filho, prioritariamente da mãe, tanto pelo tecido social, quanto pela legislação em vigor. O direito prioritário à guarda dos filhos ainda é dado à mãe, reafirmando a naturalização desse papel e o fato dos dispositivos legais servirem de instrumentos para legitimar um significado construído sócio-historicamente. 6.3.1 Identidade Sexual: Produto ou processo? Durante o processo de revisão bibliográfica e a trajetória de coleta de dados, apareceu aos pesquisadores uma inquietação relacionada ao posicionamento dos sujeitos em relação à sua identidade sexual. Essa inquietação surgiu a partir da dificuldade de alguns sujeitos que responderam à primeira versão do questionário, em autodefinir-se a partir das categorias de orientação sexual apresentadas. A partir daí, algumas reflexões foram feitas e, ainda que esse não fosse o objetivo principal desta pesquisa, passou a fazer parte do objeto de estudo podendo, inclusive, ser contemplado pelo terceiro objetivo específico delimitado pelos pesquisadores. Para tanto, foram inseridas duas perguntas no questionário on-line, bem como ampliadas as possibilidades de resposta quanto à orientação sexual, a fim de conhecer alguns fatores que estivessem articulados com essa dificuldade em autodefinir-se, percebida na pesquisa de campo. As perguntas são as seguintes: a) como se sente em ter que se auto-definir a partir de uma das categorias de orientação sexual, apresentadas na questão 01 (possíveis respostas: “agradável”, “desagradável” e “não sei”); b) Por quê? (questão dissertativa). Numa análise quantitativa, obteve-se aproximadamente 60% de respostas positivas (sente-se agradável). Cerca de 20% afirmaram sentir-se desagradável, 17% não souberam responder e 3% não responderam. É importante dizer aqui que, a partir de uma análise qualitativa minuciosa, percebeu-se que a questão (a) não mensurou exatamente aquilo a 90 que se propôs. Algumas respostas foram dadas, a partir do entendimento da pergunta, da seguinte forma: Como você se sente em definir-se cormo gay ou bissexual? Ainda assim, várias respostas trouxeram, em seu conteúdo, os objetivos a que esta questão se propôs a conhecer, oferecendo alguns apontamentos para a identidade sexual. 3,13% Categoria Identid. Agradável Desagradável Não sei 16,67% NR Pies show counts 19,79% 60,42% Gráfico 05: Sentimento em relação às categorias identitárias A partir da análise dessas respostas, percebeu-se, da mesma forma que na pergunta relacionada à descrição da experiência da paternidade homossexual, duas principais tendências para justificar a resposta “agradável”: a) estratégia política; b) negação de preconceito ou quaisquer problemas com a sexualidade. Essa segunda pode estar vinculada ao não entendimento da questão, apresentando respostas que buscam valorizar a própria identidade sexual e o bem-estar em exercê-la ou vivenciá-la. Porque hoje sou uma pessoa assumida e respeitada pelo trabalho que realizo e todos sabem de minha orientação sexual. (S2, 46 anos). Não vejo nenhum problema em ser homossexual, sou um cidadão com outro qualquer (S4, 30 anos). por que sofri muito para chegar onde estou e, não devo mais nada a ninguém (S63, 41 anos). 91 Não tenho problemas com minha identidade sexual. (S9, 39 anos). não tenho problema alguma em me assumir gay. Sou completamente assumido em TODOS os espaços em que circulo (S34, 38 anos). O que se percebe em questões como as citadas acima é a aceitação de sua condição de homossexual/bissexual, justificando-se no orgulho em permanecer nessa condição. Sentir-se agradável em definir-se a partir de uma das categorias de identidade sexual, aparece também como justificativa pautada na necessidade em oferecer visibilidade para a comunidade GLBTT. Como estratégia política, esses sujeitos buscam a visibilidade, pensando na aquisição de direitos e de reconhecimento social. Me sinto, como jovem que cursa uma faculdade, no dever de me autodefinir, muito embora não seja legal possuir rótulos, mas, no caso, é dever por mostrar a cara a outros que não admitem a própria homossexualidade, muitas vezes por temer ameaças (S18, 27 anos). Faço questão que a sociedade atual saiba que existimos e fazemos parte dela. Apesar de todos os estigmas que lançam sobre os gays sou cidadão (pago impostos, escolho representantes políticos e faço parte do sistema) Acredito que com a assunção dos gays a sociedade fará valer o princípio da isonomia vigente na CF, estendendo aos gays todos os direitos estritamente reservados aos heterossexuais (S28, 28 anos). (definir-se possibilita) segurança, sensação de autoconfiança, atitude política e modelo positivo para novas gerações (S38, 43 anos). sou militante do movimento homossexual (S86, 42 anos). é a própria academia que rotula isso... eu não me sinto diferente do resto da humanidade por ser homossexual, é um rótulo que eu tenho comigo, é a forma que eu tenho de externar minha forma de ser, de sintetizar minha forma de ser... mesmo por que eu faço parte de uma minoria, né... então eu acredito que essa questão do rótulo [...] é uma naturalização que academia coloca na sociedade... eu acho que não deveria ser assim, né... na questão humana, eu não me sinto bem, me sinto realmente incomodado de ter que me rotular como homossexual [...] mas enquanto pertencente a um grupo, né, específico, eu me sinto orgulhoso de estar participando desse grupo [...] eu percebo que isso me torna melhor como ser humano (Joel, 53 anos). Algumas dessas citações apresentam representações acerca da homossexualidade, para além de uma prática ou comportamento sexual específico. Elas apontam para a construção histórica da homossexualidade como uma categoria identitária distinta, 92 possuidora de atributos e caracteres que formam uma identidade ou personalidade específicas. (WEEKS, 2001; ADELMAN, 2000). São detectadas também, três tendências de justificativas para aqueles que afirmam sentir-se desagradável diante do imperativo em definir sua orientação sexual: a) a percepção de que a sexualidade é maior do que uma categoria; b) a percepção de que a sexualidade não é fixa; e c) insatisfação em ser rotulado pela orientação e não por outros atributos. Acredito no ser humano sexual, sem estas rotulações (S11, 40 anos) Por q não gostaria q nos definisse com homossexual,heterossexual etc... e sim com cidadão (S15, 29 anos). Minha escolha sexual está sendo oportuna... (S16, 49 anos). Porque acredito que a sexualidade é muito mais ampla do que tais categorias; não sou adepto de rótulos. Além do que, não sinto necessidade de me autodefinir...sou tranqüilo comigo mesmo e sempre me senti como alguém capaz de amar independente de sexo, raça ou demais diferenças. (S32, 31 anos). a sexualidade evolui. Já gostei de mulher, hoje não gosto mais. As classificações são pobres (S50, 42 anos). bom, realmente não me encaixo em nenhum desses moldes. Minha orientação sofre influências diversas (S51, 43 anos). ainda não assumi completamente essa nova visão sexual. Tudo ainda é novidade [...] Quando me tornei pai, pertencia ao grupo "hetero", daí era uma conseqüência natural a paternidade. Há cerca de 3 anos atrás, num relacionamento "hetero", apesar de já estar enquadrado no grupo dos "bi", fui pai novamente [...] (S76, 59 anos). Eu quando tive os meus filhos eu não sabia que era gay,estava casado com uma mulher que eu jurava que amava (S35, 42 anos). Vários desses recortes demonstram uma insatisfação em enquadrar-se numa categoria identitária específica. Algumas descrições das experiências pessoais de alguns sujeitos demonstram o caráter processual da identidade sexual. Alguns deles afirmam, inclusive, mudanças no objeto de desejo, outros apontam diferentes comportamentos e performances sexuais em momentos distintos. 93 A tabela 13 apresenta a articulação do posicionamento diante da definição das categorias identitárias, em relação à orientação sexual apontada: TABELA 13 POPULAÇÃO RESPONDENTE QUANTO À ORIENTAÇÃO SEXUAL E POSICIONAMENTO DIANTE DAS CATEGORIAS INDENTITÁRIAS Orientação Bissexual Sexual Homossexual Travesti Outro Total Sentimento em relação à identidade Total Agradável Desagradável Não sei NR 42 20 11 9 2 52 38 7 6 1 1 0 0 1 0 1 0 1 0 0 58 19 16 3 96 Percebe-se que o número de bissexuais que se sentem desagradáveis em definir sua identidade sexual é, aproximadamente, 55% maior que o de homossexuais. Esse dado pode apontar para um controle maior de identidades flexíveis ou “mutáveis”, já que essa categoria identitária permite uma maior circulação pelos espaços sexuais e um comportamento sexual mais abrangente. Possivelmente, esses sujeitos que se afirmam bissexuais passam por uma série de situações, onde são chamados a posicionar-se, numa perspectiva mais definitiva, concreta, inflexível e direcionada (características mais atribuídas à categoria homossexual). Daí pode-se constatar, possivelmente, uma maior inquietação em se definir, sexualmente, pelos bissexuais. É preciso estar atento a essas especificadas apresentadas pela construção da identidade. A modernidade oferece arranjos alternativos de produção identitária, apontando elementos que fazem emergir uma concepção de identidade como processo. (CIAMPA, 1994). As categorias identitárias, entendidas por alguns sujeitos como forma de sistematizar “quem eles são” acabam por simplificar a complexidade do conceito e das manifestações da identidade, conferindo-lhe, ainda, um caráter inflexível, como produto final a ser adquirido, definitivamente, num determinado momento da vida. 94 Conforme propõe Ciampa (1994), as articulações da identidade com outras categorias como gênero, sexualidade, raça/cor, etnia, geração, etc, possibilitam vários processos de construção e desconstrução da noção de “quem sou eu”, permitindo que essa noção se altere no decorrer da vida dos indivíduos. Contudo, recorrer a uma certa natureza dessa identidade pode se referir a uma estratégia política, não cabendo a este estudo o julgamento valorativo dessa estratégia. 6.4 Paternidade e Masculinidade Outro aspecto importante a ser abordado neste estudo é a possível articulação da paternidade com as concepções de masculinidade. É importante conhecer também em que medida, a função paterna se aproxima do ideal do que é “ser macho” e quais os fatores presentes nessa relação. Vários sujeitos afirmam que após o alcance da paternidade, suas vidas mudaram profundamente, e afirmam que alcançaram um maior reconhecimento social e foram mais “bem vistos” pelos amigos e conhecidos. não por ser gay mas acho que qualquer pessoa se sente assim apenas por ser pai e progenitor (S36, 32 anos). muito boa nunca pensei que iria mudar minha vida estou muito feliz (S45, 26 anos). Engraçado que o povo do interior não conhece muito essas coisas (gays), nem se falam nisso. [...] eu sou homem lá em casa... eu tenho filho ué... eles devem pensar: que menino diferente!... mas é homem, ele tem filho... (Valter, 38 anos). Ser pai para min esta sendo maravilhoso, estou feliz, sua vida muda automaticamente para melhor.quanto ao fato de ser gay [...] passei a ser mais respeitado pela sociedade (S90, 42 anos). 95 A construção da paternidade está estreitamente vinculada às noções de masculinidade. Ainda que de formas diferentes para sujeitos diferentes, ser pai é aumentar as características definidoras da masculinidade (TARNOVSKI, 2004). Mesmo não tendo o mesmo grau de vinculação que a maternidade tem com a feminilidade, a paternidade constitui elemento importante para a construção de uma identidade masculina. Conforme, percebe-se na história, o exercício do pai era de fundamental importância para a existência da família já que este papel constituiu um dos tripés da família nuclear burguesa, momento histórico de ascensão da masculinidade em que o homem, por receio em misturar-se com as características femininas e homossexuais, definiu uma série de características específicas para se distinguir de “seus inferiores” (SILVA S., 2000). No grupo focal surgiram discussões que possibilitaram a verificação dessa premissa, a partir da questão relacionada com projeto de vida. Um deles afirma que ter filhos representava um desejo, mesmo tendo a consciência da sua homossexualidade. Outro localiza o sonho em ser pai desde a juventude, justificando-se na crença religiosa e na percepção de que tinha resgates de vidas passadas com a paternidade e, por isso, identificava-se tanto com ela: Sempre tive relações homossexuais, sempre soube disso [...] mas um dia percebi que precisava constituir família, ter filhos e esposa. Então foi o que fiz, entende? (Joel, 53 anos). Desde moleque queria ser pai, achava linda essa função. Com 17 para 18, adotei a primeira criança, foi linda a experiência (Antônio 61 anos). Mais uma vez, o gráfico 04 que correlaciona paternidade e projeto de vida demonstra a função paterna como elemento muito importante na vida dos sujeitos. Adequar-se às normas sociais do que é ser homem e de como vivenciar a masculinidade é ganhar poder e conquistar reconhecimento (COSTA, 2002; LEVANDOWSKI; PICCININI, 2002). É interessante notar que ocorreu um considerável apontamento de sentimentos como amor, afeto, atenção e comportamentos como cuidado e carinho, vinculados à paternidade. Historicamente esses caracteres foram atribuídos à mulher e, 96 conseqüentemente ao papel da mãe. Contudo, tem surgido uma preocupação em dividir essas tarefas com a mulher, estando mais próximo dos filhos, participando das tarefas de cuidar, educar, etc. É o que vários autores vão chamar de aparecimento de um “novo pai”, fenômeno este que se intensificou nas últimas décadas (LYRA 1998; TRINDADE; MENDRADO, 2002; LEVANDOWSKI; PICCININI, 2002; ROUDINESCO, 2003; GOMES; REZENDE, 2004). Sempre amei minhas filhas como elas são, e muito embora elas tenham tido inicialmente um choque, depois tudo se ajeitou com a afetividade, respeito e aceitação mútua (S63, 41 anos). [...] meu filho está com 15 anos, é possível dialogar sobre isso, os problemas que aparecem (na escola, com as namoradas dele, em outros locais de convívio), nós vamos resolvendo juntos [...] (S60, 50 anos). [...] todo processo de homofobia que ela (a mãe do filho) colocasse na cabeça dele, o meu contra seria dar muito amor né, muito amor, muito carinho, muita atenção, até chegar o ponto que ela perceberia e ele perceberia a diferença e foi o que aconteceu, deu muito certo [...] (Valter, 38 anos). [...] decorridos o 1º susto apresentou surpresas agradabilíssimas como o acompanhamento do desenvolvimento dela...seus 1º passos, suas 1ª palavras, sua entrada na escola, seus 1º problemas decorridos do abandono pela mãe, o acompanhamento psicológico q tivemos [...] (S1, 33 anos). Conclui-se então, a partir dessas citações, que a paternidade tem se construído de forma diferenciada, apostando mais em uma relação menos distanciada do filho. Além desse elemento, outros fatores contribuem para essa nova paternidade, especialmente para a população dessa pesquisa. De certa forma, são homens que romperam com os padrões rígidos de masculinidade na sociedade. Assim, suas vivências estão marcadas por relações mais flexíveis e dialogadas de gênero, divisão mais justa das tarefas de casa e do cuidado com as crianças, etc. Os integrantes do grupo focal, com exceção de 01, dizem manter um diálogo constante com os filhos. A tentativa de desverticalização das relações pai-filho pode trazer apontamentos para características positivas da paternidade homo/bissexual, em que discorreremos detalhadamente, mais adiante. 97 6.5 Paternidade gay hoje... Dificuldades X possibilidades Diante da exposição das experiências em ser pai homossexual e da reflexão acerca dessa possibilidade na sociedade, os sujeitos, tanto do questionário, quanto do grupo focal, apresentam algumas possibilidades e dificuldades na concretização e vivência desse papel. Algumas, inclusive, já foram explicitadas nos subcapítulos anteriores, por fazerem referência há outras categorias de análise. Dentre as dificuldades apresentadas pelos sujeitos, as mais citadas são: a) o preconceito e a discriminação em relação à homossexualidade e ao papel do pai exercido por esta orientação sexual; b) o distanciamento dos filhos, oriundo da tutela dos filhos ser aferida, tanto socialmente, quando juridicamente, à mulher e; c) a falta de identificação e/ou preparo para exercer a função de pai. Esses obstáculos, que algumas vezes aparecem articulados entre si na experiência de muitos sujeitos, apontam que a paternidade de gays ainda não está socialmente legitimada na sociedade. Existe uma série de dispositivos que se opõem à permissão da guarda e da permanência dos filhos com seus respectivos pais, dada a sua orientação sexual. Esses dispositivos também obstruem o processo de visibilidade que o movimento homossexual e os sujeitos que já vivenciam tal experiência têm tentado oferecer às famílias formadas por pais gays e mães lésbicas. Algumas pesquisas foram realizadas na tentativa de se comparar a criação de filhos criados por pais e/ou mães homossexuais, trazendo dados interessantes. Essas pesquisas não encontraram diferenças significativas em relação à escolha objetal dos filhos, tanto com famílias onde apenas um dos genitores é homossexual, quando em casos onde o único genitor é homossexual. Foram realizados também alguns testes nos Estados Unidos, na tentativa de se encontrar tipologias patológicas em relação à orientação sexual de pais homossexuais e heterossexuais. Além de nenhuma evidência ter sido encontrada, apontouse para uma tendência positiva em mães homossexuais, acerca de elementos importantes na criação dos filhos (UZIEL, 2004). Esse fato demonstra a tentativa em se conhecer melhor 98 essa realidade e, dependendo da origem teórica e dos pressupostos epistemológicos da pesquisa, apresentar elementos convincentes de que a paternidade homossexual não oferece risco aos filhos. Quanto às possibilidades apresentadas pelos sujeitos de pesquisa, proporcionadas pela experiência de ser pai e gay, pode-se perceber duas grandes características presentes na paternidade de homens gays: a) o contato com a diversidade, não somente a sexual, a qual a criança é submetida; b) como possibilidade em se conquistar reconhecimento social, atributo que, segundo os sujeitos, a paternidade confere ao homem. Os sujeitos afirmam que a orientação homo/bissexual é um elemento que possibilita o exercício e o diálogo acerca da diversidade sexual, capaz de contribuir para a construção de um discurso mais tolerante e respeitoso nos filhos, diante da diferença sexual. Tento passar a melhor educação possível para meu filho, de uma forma que ele seja desprovido de qualquer preconceito, que o importante é ser feliz, não importando de que forma e com quem [...] (S4, 30 anos). acho que oportunizo ao meu filho, conviver com a diversidade de uma forma absolutamente natural. Não me sinto constrangido por isso e ele, cada vez mais, dá demonstrações de lidar com esta informação com equilíbrio. (S34, 38 anos). [...] sabemos como educar sem formar pessoas brutas e delicadas demais (S56, 40 anos). serve até (a orientação sexual) para orientar melhor minha filha (S84, 34 anos). Outra possibilidade, que de certa forma facilitou ou diminuiu os encargos a que se enfrenta um pai homossexual, está ligado ao reconhecimento que este papel proporciona para cada sujeito. Pensando na aquisição de poder, esse reconhecimento é possibilitado, na medida em que, tornando-se pai, esse sujeito aproxima-se do modelo de ser homem a que se espera a sociedade. Esse fato acaba sendo uma possibilidade paradoxal: ser reconhecido é se submeter a padrões sociais: ser pai. A paternidade se apresenta, em alguns momentos, como um certo alívio à tenção estabelecida entre a sociedade e a homossexualidade, diante das situações de exclusão e preconceito. 99 È interessante notar que essas possibilidades apresentadas pelos sujeitos que participaram da pesquisa surgiram num movimento autônomo em demonstrar que, diante de determinadas dificuldades e variados obstáculos, alguns norteadores positivos e vantajosos estão presentes na vivência da paternidade homossexual. Essas possibilidades, de certa forma, estão ligadas às peculiaridades apresentadas pela vivência homoerótica que, certamente, imputam processos de redução do preconceito e ampliam o pensamento tolerante e respeitoso diante da diversidade sexual, tão importante para a construção saudável dessa vivência. 100 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS Durante muitos anos, as relações homoafetivas foram consideradas desviantes, recebendo da sociedade a representação de pecado, patologia e comportamento perverso. A sociedade negou, e nega até hoje, uma série de direitos aos sujeitos que organizam sua sexualidade a partir da relação homoerótica e manteve esse grupo minoritário à margem de variados espaços e possibilidades de vivência sexual, participação política e reconhecimento social. Dentre essas possibilidades, a paternidade foi excluída do repertório de papéis que poderiam, legitimamente, ser exercidos por homossexuais, sendo atribuída apenas à relação heterossexual, especialmente aquela mantida no seio da família nuclear burguesa. Ainda assim, percebe-se que as famílias formadas por pais e mães homossexuais sempre existiram, no cenário social, ainda que clandestinamente, trazendo apontamentos para uma série de estratégias de enfrentamento ao discurso homofóbico e uma prática contra hegemônica à norma heterossexista. A paternidade foi construída historicamente, numa estreita vinculação com o modelo de ser homem e, conseqüente de ser macho, na tentativa de estabelecer formas ideais de identidade de gênero e fortalecer os dispositivos de controle sobre a mulher, sobre a sexualidade e sobre a família. (PISCITELLI, 1997; COSTA, 2002). Sendo assim, é perceptível que os homens que vivenciam a paternidade, na condição homo/bissexual, atualmente, passam por uma série de embates e inquietações na busca de encontrar as melhores estratégias de consolidação desse papel e de significação de suas identidades, a partir de suas experiências. O distanciamento da homossexualidade das relações de parentesco e da possibilidade de constituição familiar aumentou ainda mais o controle homofóbico acerca dessa experiência, produzindo representações negativas para a paternidade homossexual ao aferir a essa vivência, suspeitas de corrompimento sexual, aberração, anomalia, etc. (UZIEL, 2004). 101 Torna-se importante, na compreensão desse fenômeno, a percepção de que a racionalidade moderna contribuiu incisivamente para colocar a homossexualidade no hall das patologias e aferir-lhe um lugar desprivilegiado na estrutura de poder que se constituiu para as sexualidades. Assim, a crítica à patologização da homossexualidade, bem como ao modelo de racionalidade que dicotomizou e atribuiu valoração às formas de manifestação e vivência da sexualidade, se tornam imprescindíveis para uma análise ética e politicamente comprometida com a realidade social, mais especificamente com a experiência de homens homo/bissexuais. A metodologia utilizada nessa pesquisa é o primeiro elemento que buscou ressonância com esses pressupostos já que possibilitou um processo de coleta e análise de dados veiculada com uma crítica ao ideário positivista, trabalhando com concepções diferentes acerca de categorias como validação, mensuração, separação sujeito-objeto e neutralidade científica. A utilização do espaço virtual como instrumento de pesquisa ainda é pouco investigado atualmente, exigindo uma necessidade em se refletir acerca de suas implicações éticas e metodológicas, bem como re-construir os significados atribuídos à relação estabelecida entre pesquisado e pesquisador (FREITAS, JANISSEK E MOSCAROLA, 2004). O processo de coleta de dados evidenciado nessa pesquisa, dada a complexidade do fenômeno e as características peculiares apresentadas por ele, reafirmou a necessidade em construir novas estratégias de aproximação do objeto de estudo e estabelecer novos instrumentos de análise e compreensão da realidade. O perfil determinado para a participação neste estudo ainda traz uma série de dificuldades para adquirir voluntários, já que a temática trabalhada ainda é carregada de tabus e as organizações homoafetivas não possuem a visibilidade necessária para ser detectadas pelos instrumentos tradicionais de captação. A amostra adquirida abarca uma variedade de experiências que indicam diferentes formas de vivenciar o papel de pai na condição homo/bissexual. Homens jovens, adultos, e 102 idosos, que se tornaram pais por relações heterossexuais, adoções e outras formas, residindo em diferentes espaços geográficos e culturais, narraram aqui suas experiências, na tentativa de sistematizar os diferentes arranjos construídos para o alcance de um papel considerado de muita importância pela grande maioria deles. A diversidade, e a possível representatividade dessa amostra coloca em cheque a idéia de que o arranjo homoparental faz parte das “novas” estruturas familiares contemporâneas, quebrando alguns paradigmas que negaram visibilidade a esses arranjos. Compreender a construção da identidade paterna em homens homo/bissexuais implica se debruçar na compreensão de outras categorias psicossociais. Essas categorias se entrecruzam, numa dinâmica dialética e processual, na construção e re-construção da identidade sexual, possibilitando a formação de variadas carreiras amorosas e diferentes arranjos identitários (HEILBORN, 1994). A paternidade se apresenta, para os sujeitos da pesquisa, como possibilidades variadas: como forma de transmissão de valores e crenças a descendentes, como cumprimento de missões e designações divinas, como busca de reconhecimento social, como cumprimento de regras culturais, definidas para homens e mulheres. Diante de cada uma delas, é possível perceber importantes mudanças na vida de cada sujeito, imputadas pelo aparecimento dos filhos e pela necessidade em re-posicionar-se no tecido social e familiar. As re-configurações que cada sujeito propõe para suas vidas ainda se dão, pela omissão legislativa que não garante vários direitos civis a homossexuais, entre eles o de adoção conjunta. Ainda que a jurisprudência tenha permitido alguns casos de adoção e tutela, essa legislação ainda representa dispositivo de controle e vigilância que, legitimando o preconceito e a homofobia, impossibilita o homossexual em ter acesso aos direitos de filiação reconhecida e a concretização da paternidade a partir de um projeto de adoção (TARNOVSKI, 2004, FUGIE, 2002). A apropriação da sexualidade pelo discurso dos movimentos sociais, atribuiu um caráter político a essa dimensão, colocando nas discussões públicas aquilo que, até então, 103 era atributo de resoluções privadas. A partir daí, as estruturas familiares e identidades sexuais historicamente segregadas começam a receber visibilidade, provocando, inclusive, questões para a academia e para os tramites legislativos. Essa pesquisa foi bem recebida pelos sujeitos que dela participaram. Vários deles apontaram a necessidade de se construir novas pesquisas e discussões acerca da temática homossexual, buscando reverter o processo de marginalização das práticas homoafetivas. Além dos sujeitos que participaram, percebeu-se um impacto em todas as dimensões que essa pesquisa interferiu, recebendo postagens e recomendações através do orkut, dos emails cadastrados, oriundas de pessoas de todo o Brasil, inclusive do exterior. Esse impacto mostra que a atenção aumenta, cada vez mais, em torno da problemática homossexual, apontando para uma necessidade em se ampliar as discussões e reflexões acerca da vivência homoparental. Os resultados dessa pesquisa serão apresentados aos movimentos sociais, buscando refletir junto a esse grupo as informações coletadas e os apontamentos oferecidos para o debate e a reflexão acerca da diversidade sexual e da cidadania. É importante salientar que a contribuição do saber produzido pelos movimentos é de extrema importância para uma compreensão mais abrangente da realidade estudada, numa tentativa em se estabelecer uma construção do saber científico comprometida com a resolução dos problemas sociais. Esta pesquisa também aponta para uma série de questões a serem desenvolvidas, possivelmente, por outras pesquisas. A primeira delas está ligada à investigação da homoparentalidade vivenciada por mulheres lésbicas, partindo do pressuposto de que diferentes fatores podem estar ligados na construção da identidade materna nesse público. Outra questão está direcionada à grande preocupação por parte dos sujeitos, evidenciada nessa pesquisa, em refletir a identidade sexual numa perspectiva, geralmente, coletiva, fazendo menções ao grupo pertencente e à necessidade em aquisição de reconhecimento social para a comunidade GLBTT. 104 8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADELMAN, Mirian. Paradoxos da identidade: A política de orientação sexual no século XX. Revista Sociologia Política, Curitiba, v.14, p.163-171, jun. 2000. ALVES-MAZZOTTI, Alda Judith; GEWANDSZNAJDER, Fernando. O método nas ciências naturais e sociais: pesquisa quantitativa e qualitativa. 2.ed. Belo Horizonte: Pioneira, 2001. ANJOS, Gabriele dos. Identidade sexual e identidade de gênero. Sociologias, Porto Alegre, Ano 2, n.4, p.274-305, jul./dez. 2002. ANJOS, Gabriele dos. Homossexualidade, direitos humanos e cidadania. Sociologias, Porto Alegre, Ano 4, n.7, p.222-252, jan/jun 2002. ANTONIO NIETO, José. Sobre diversidad sexual: de homos, de heteros, transs, querr. OSBORNE, Raquel; GUASCH (comps.). Sociología de la sexualidad. 1. ed. Madrid: Siglo XXI de España, 2003. p. 99-125. ARÁN, Márcia. Os destinos da diferença sexual na cultura contemporânea. Estudos Feministas, Florianópolis, 11(2): 306, jul./dez. 2003. ARÁN, Márcia; CORRÊA, Marilena V. Sexualidade e política na cultura contemporânea: o reconhecimento social e jurídico do casal. PHISIS: Revista Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 14(2): p.329-341, 2004. ARAÚJO, Maria Luiza Macedo de. A Construção Histórica da Sexualidade. In: RIBEIRO, Marcos (org.). O prazer e o pensar: orientação sexual para educadores e profissionais de saúde. São Paulo: Gente: Cores – Centro de Orientação e Educação Sexual, 1999. BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999. BUSTAMANTE, Vânia. Ser pai no subúrbio ferroviário de Salvador: Um estudo de caso com homens de camadas populares. Psicologia em estudo, Maringá, v.10, n.3, p.393-402, set./dez. 2005. BUTLER, Judith. Corpos que pensam: Sobre os limites discursivos do sexo. In: LOURO, Guacira Lopes (org.) O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Tradução Tomaz Tadeu da Silva, 2.ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. p.151-172. 105 CARIDADE, Amparo. A construção cultural da sexualidade. In: RIBEIRO, Marcos (org.) O prazer e o pensar: orientação sexual para educadores e profissionais de saúde. São Paulo: Gente: Cores – Centro de Orientação e Educação Sexual, 1999. CARVALHO, Lúcia de Fátima; DIMENSTEIN. A Mulher, seu médico e o psicotrópico: redes de interfaces e a produção de subjetividades nos serviços de saúde. Interações, [S.l.] v.3, n.15, p.37-64, jan./jun. 2003. CIAMPA, Antônio da Costa. Identidade. In: LANE, Silvia; CODO, Wanderley (orgs.). Psicologia Social: O homem em movimento. 12.ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. COSTA, Jurandir Freire. A inocência e o vício: estudos sobre o homoerotismo. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1992. COSTA, Rosely Gomes. Reprodução e Gênero: paternidades, masculinidades e teorias da concepção. Estudos feministas, [S.l.] n.10, p.339-356, jul./dez. 2002. DESLANDES, Suely Ferreira; ASSIS, Simone Gonçalves de. Abordagens qualitativa e quantitativa em Saúde: o diálogo das diferenças. In: MINAYO, Maria Cecília de Souza; DESLANDES, Suely Ferreira. Caminhos do pensamento: Epistemologia e método. 1. ed. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2002. p.195-223 (Coleção Criança, mulher e saúde) DINIZ, André Geraldo Ribeiro. Levantamento de ONG´s GLBT de BH. [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por [email protected] em 21 de Setembro de 2005a. DINIZ, André Geraldo Ribeiro. Levantamento de ONG´s GLBT de BH. [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por [email protected] em 20 de Setembro de 2005b. FARR, Robert. Raízes da Psicologia Social Moderna. 2.ed. Petrópolis: Vozes, 1999. FREITAS, Henrique; JANISSEK-MUNIZ, Raquel; MOSCAROLA, Jean. Dinâmica do processo de coleta e análise de dados via web. In: CIBRAPEQ - Congresso Internacional de Pesquisa Qualitativa, Taubaté, 24 a 27 de março, 2004. 12 p. FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade I: A vontade de saber. 14.ed. Rio de Janeiro: Graal, 2001. Tradução Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. ª Guilhon Albuquerque. FOUCAULT, Michel. A história da sexualidade II: o uso dos prazeres. Rio de Janeiro: Graal, 1986. FUGIE, Érika Harumi. A união homossexual e a Constituição Federal: inconstitucionalidade do artigo 226, § 3º, da Constituição Federal? Revista Brasileira de Direito de Família, [S.l.] n.15, Jurisprudência, out./nov. 2002. 106 GOFFMAN, Erving. Estigma: Notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1988. GOLDENBERG, Mirian. A arte de pesquisar: como fazer pesquisa qualitativa em Ciências Sociais. 3.ed. Rio de Janeiro: Record, 1999. GOMES, Romeu. A análise de dados em pesquisa qualitativa. In: MINAYO, Maria Cecília S. (Org.). Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. 14.ed. Petrópolis: Vozes, 1999. Cap.2, p.67-80. GOMES, Aguinaldo José da Silva; RESENDE, Vera da Rocha. O pai presente:O desvelar da paternidade em uma família contemporânea. Psicologia: Teoria e pesquisa, [S.l.] v.20, n.2, p.119-125, maio/ago 2004. GROSSI, Yonne de Souza. O enigma da identidade. Caderno de Ciências Sociais. Belo Horizonte, v.6, n.9, p.34-37, ago. 1999. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 7.ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. HEILBORN, Maria Luiza. Gênero e condição feminina: uma abordagem antropológica. In: IBAM/UNICEF, Mulheres e políticas públicas. IBAM/UNICEF, 1991. HEILBORN, Maria Luiza. Construção de si, gênero e sexualidade. In: HEILBORN, Maria Luiza (org.). Sexualidade: o olhar das Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. HENNIGEN, Inês. A paternidade na contemporaneidade: um estudo de mídia sob a perspectiva dos estudos culturais. Psicologia e Sociedade. v.14, n.1, p.44-68, jan./jun. 2002. HOOKER, Evelyn. Homossexuais masculinos e seus “mundos”. In: MARMOR, Judd (Org.). A inversão sexual: as múltiplas raízes da homossexualidade. Rio de Janeiro: Imago, 1973. Tradução de Christiano Monteiro Oiticica, INSTITUTO DE PESQUISA E CULTURA GLS. 1º Censo GLS do Brasil. Uma joint-venture entre as empresas GLS Planet e JUMP Pesquisas. Disponível em <http://www.censogls.com.br> Acesso em 12 set. 2005. JACQUES, Maria da Graça. Identidade. In: STREY, Marlene Neves et al. Psicologia Social Contemporânea. Petrópolis: Vozes, 1999. KIND, Luciana. Notas para o trabalho com técnicas de grupos focais. Psicologia em Revista. Belo Horizonte, v.10, n.15, p.124-136, jun. 2004. 107 LAVILLE, Christian; DIONNE, Jean. A construção do saber: manual de metodologia da pesquisa em ciências humanas. Porto Alegre: Artmed, 1999. 340p. Fundamentos da educação LEVANDOWSKI, Daniela Centenaro. Paternidade na adolescência: uma breve revisão da literatura internacional. Estudos de Psicologia, [S.l.] 6(2), p.195-209, 2001. LEVANDOWSKI, Daniela Centenaro; PICCININI, César Augusto. A Interação pai-bebê entre pais adolescentes e adultos. Psicologia: reflexão e crítica, [S.l] 15(2), p.413-424, 2002. LYRA, Jorge. Paternidade Adolescente: da investigação à intervenção. In: ARILHA, Margareth; RIDENTI, Sandra G. Unbehaum; MEDRADO, Benedito (orgs.). Homens e masculinidades: Outras palavras. 34. ed. São Paulo: ECOS, 1998. p. 185-214 MARMOR, Judd. Introdução. In: MARMOR, Judd (Dir.). A inversão sexual: as múltiplas raízes da homossexualidade. Rio de Janeiro: Imago, 1973. Tradução de Christiano Monteiro Oiticica MINAYO, Maria Cecília de Souza. Ciência, técnica e arte: O desafio da pesquisa social. In: MINAYO, Maria Cecília S. (Org.). Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. 14.ed. Petrópolis: Vozes, 1999. NICOLACI-DA-COSTA, Ana Maria. O cotidiano nos múltiplos espaços contemporâneos. Revista Psicologia: Teoria e Pesquisa, [S.l.] v.11, n.3, p.365-373, set./dez. 2005. NOGUEIRA, Conceição. Feminismo e discurso do gênero na psicologia social. Revista Psicologia ε Sociedade, [S.l.] 13(1): p.107-128, jan./jun. 2001. NÚÑES, Esther. La transexualidad em el sistema de géneros contemporáneo: Del problema de género a la solución del mercado. In: OSBORNE, Raquel; GUASCH (comps.). Sociología de la sexualidad. 1. ed. Madrid: Siglo XXI de España, 2003. p.224-235 ORAISON, Marc. A questão Homossexual. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977. Tradução José Kosinski. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE (WHO). Technical Reports Series, 1975. Disponível em <http://www.who.int>. Acesso em 15 set. 2005. PARKER, Richard G. Corpos, prazeres e paixões. 2.ed. São Paulo: Best Seller, 1991. Tradução de Maria Therezinha M. Cavallari. PARKER, Richard G. Cultura, economia política e construção social da sexualidade. In: LOURO, Guacira Lopes (org.) O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Tradução Tomaz Tadeu da Silva, 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. p.125-150. 108 PICCININI, César Augusto et al. O envolvimento paterno durante a gestação. Revista Psicologia: reflexão e crítica, [S.L.] 17(3), p. 303-314, 2004. PISCITELLI, Adriana. Nas fronteiras do natural: gênero e parentesco. Estudos Feministas, Rio de Janeiro, v.6, n.2, p. 305-321, 1998. PISCITELLI, Adriana; GREGORI, Maria Filomena; CARRARA, Sérgio. Apresentação. In: PISCITELLI, Adriana; GREGORI, Maria Filomena; CARRARA, Sérgio (orgs). Sexualidade e Saberes: convenções e fronteiras. Rio de Janeiro: Garamond, 2004. PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS. Padrão PUC Minas de normalização: Normas da ABNT para apresentação de trabalhos científicos, teses, dissertações e monografias. Organização Helenice Rêgo dos Santos Cunha. Belo Horizonte: Puc Minas, ago. 2006. PRETTO, Nelson; PINTO, Cláudio da Costa. Tecnologias e novas educações. Revista Brasileira de Educação, [S.l.] v.11, n.31, p.19-30, jan./abr. 2006. RAMIRES, Vera Regina Rõhnelt. O exercício da paternidade hoje. Rio de Janeiro: Record: Rosa dos Ventos, 1997. REDAÇÃO TERRA. Casal de homens é autorizado a adotar menina em SP. Notícia: Brasil. 22 de Novembro de 2006. Disponível em http://noticias.terra.com.br/brasil/interna/0,,OI1262455-EI306,00.html. Acessado em 23 de Novembro de 2006. ROUDINESCO, Elisabeth. A família em desordem. Rio de Janeiro: Jorge Zahar ed. 2003. Tradução de André Telles . SANT´ANA, Ruth Bernardes de. O processo de formação do sujeito e o self na psicologia social de G. H. Mead. Revista Psicologia Política, São Paulo, v.4, n.7, p.17-44, jan/jun 2004. SANTOS, Boaventura de Souza Santos. Um discurso sobre as ciências. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2005. SILVA, Consuelo Dores. Negro, qual é o seu nome? Belo Horizonte: Mazza Edições, 1995. SILVA, Sérgio Gomes da. Masculinidade na história: a construção cultural da diferença entre os sexos. Psicologia, Ciência e Profissão. [S.l.] v.20, n.3, p.8-15, 2000. SILVA, Tomaz Tadeu da; HALL, Stuart; WOODWARD, Kathryn (org.). Identidade e Diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000. 109 STACEY, Judith; BIBLARZ, Timothy J. ¿Importa la orientación sexual de los progenitores? (Y si es así, ¿Cómo?). In: OSBORNE, Raquel; GUASCH (comps.). Sociología de la sexualidad. 1. ed. Madrid: Siglo XXI de España, 2003. p.51-98 STENGEL, Márcia. Obsceno é falar de amor?: As relações afetivas dos adolescentes. Belo Horizonte: PUC Minas, 2003. TARNOVSKI, Flávio Luiz. “Pai é tudo igual?”: significados da paternidade para homens que se auto definem como homossexuais. In: PISCITELLI, Adriana; GREGORI, Maria Filomena; CARRARA, Sérgio (orgs). Sexualidade e Saberes: convenções e fronteiras. Rio de Janeiro: Garamond, 2004. TRINDADE, Zeidi Araújo; MENANANDRO, Maria Cristina Smith. Pais adolescentes: Vivência e significação. Estudos de Psicologia, Natal-RN, 7(1), p.15-23, 2002. UZIEL, Anna Paula. Homossexualidade e parentalidade: ecos de uma conjugação. In: HEILBORN, Maria Luiza (org.). 1. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2004. p.87-117 (Família, geração e cultura) WEEKS, Jeffrey, O Corpo e a sexualidade. In: LOURO, Guacira Lopes (org.) O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Tradução Tomaz Tadeu da Silva, 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. p.35-82 110 9 APÊNDICES 9.1 Questionário DADOS PESSOAIS 07. Qual sua cor? 01. Qual seu sexo? 1. Branco 4. Negro 1. Feminino 2. Pardo 5. Amarelo 2. Masculino 3. Indígena 6. Outro _______ 02. Qual a sua orientação sexual? 08. Em qual estado você mora? 1. Bissexual 09. Em que cidade você mora? MG ▼ 2. Heterossexual ______________________________ 3. Homossexual 4. Transexual 5. Travesti 10. Com quem você mora? 6. Outro ____________________ 1. Pais 7. Não sei 03. Você tem filhos(as)? 2. Companheiro (a) 4. Amigos(as) 3. Sozinho 5. Filhos (as) 6. Outro _______________________ 1. Sim 2. Não ESCOLARIDADE 04. Estado civil: 11. Grau de instrução 1. Solteiro 3. Desquitado/Separado 1. Analfabeto 2. Casado 4. Divorciado 2. Primário Incompleto 5. Viúvo 3. Primário completo 4. Ensino Fundamental incompleto 5. Ensino Fundamental completo 05. Situação conjugal: 6. Ensino Médio incompleto 1. Amigado 2. Não amigado 7. Ensino Médio completo 8. Superior Incompleto 9. Superior completo 06. Qual sua idade? 10. Pós-graduação _____ 111 3. Funcionário Público 12. Estuda atualmente? 4. Atividade de Magistério Superior 1. Sim 5. Atividade de Magistério Secundário 2. Não 6. Atividade de Magistério Primário 7. Técnico de nível médio 13. Onde estuda? 8. Ocupação de escritório 1. Escola pública 9. Militar 2. Escola Particular 10. Atleta 3. Universidade Pública 11. Atividade de comércio 4. Universidade Particular/religiosa 12. Atividade de indústria 5. Aprendizagem técnica 13. Atividade Bancária 6. Pré-vestibular 14. Prestação de Serviço 7. Não estuda 15. Artesanato 16. Estagio SITUAÇÃO ECONÔMICO-FINANCEIRA 17. Ofício _____________________ 18. Outra _____________________ 14. Você exerce atividade remunerada? 1. Sim 2. Não 19. Não tenho atividade remunerada 3. Às vezes VIDA SÓCIO-CULTURAL 15. Você depende financeiramente de alguém 18. Em suas horas vagas você dedica-se, de sua família? principalmente, a quais atividades? (cite até 03) 1. Totalmente 3. Muito 2. Um pouco 4. Nada 1. Artes Plásticas/Artesanato 2. Atividades religiosas 3. Atividades político-partidárias 16. Qual a renda de sua família? 4. Televisão 1. Até 04 salários mínimos 5. Esporte 2. de 04 a 08 salários mínimos 6. Cinema 3. de 08 a 12 salários mínimos 7. Música 4. de 12 a 16 salários mínimos 8. Leitura 5. de 16 a 20 salários mínimos 9. Teatro 6. mais de 20 salários mínimos 10. Informática/Internet 11. Vida Afetivo-sexual 17. Qual a sua principal ocupação 12. Outra atividade ____________________ profissional? 13. Nenhuma 1. Dono de empresa/proprietário 19. Quanto à religião: 2. Profissional Liberal 112 1. Você e sua família professam alguma religião 24. Qual(is) movimento(s)? 2. Você professa alguma religião e sua família não ______________________ 3. Você não professa nenhuma religião e sua _________________________ família sim _________________________ 4. Você e sua família não professam nenhuma religião DADOS FAMILIARES 20. Sua religião é: 25. Qual o sexo de seu/sua companheiro(a)? 1. Adventista do Sétimo Dia 1. Masculino 2. Assembléia de Deus 2. Não tenho companheiro(a) no momento 3. Feminino 3. Batista 4. Católica 26. Quantos(as) filhos(as) você tem? 5. Espírita 6. Igreja Evangélica de Confissão ______ 7. Luterana do Brasil 8. Igreja Evangélica Luterana do Brasil 27. De que forma você obteve filhos (as)? 9. Presbiteriana (Cite até três) 10. Testemunha de Jeová 11. Budista 1. Relação heterossexual 12. Outra ________________________ 2. Adoção 13. Nenhuma 3. Mãe de aluguel 4. Inseminação artificial 21. Você freqüenta espaços GLBT? 5. Inseminação espontânea 6. Outro 1. Sim 2. Não 22. Quais espaços você utiliza com mais __________________________________ 28. Com quem seus/suas filhos (as) residem? freqüência? (Cite até 3) 1. Com você 1. Boates 5. Cinema 2. Com a mãe 2. Bares 6. Outro ___________ 3. Com avós maternos 3. Chats 7 Não freqüento 4. Com avós paternos 4. Saunas 5. Com outro parente 6. Filho em gestação 23. Você está ou já esteve envolvido com 7. Outro ___________________ algum movimento GLBT? 29. Ser pai fazia parte de seu projeto de vida? 2. Sim 2. Não 113 1. Sim 2. Não 1. Sim 30. Preencha informações o quadro, solicitadas 2. Não conforme sobre seus/suas 35. De onde partiu a discriminação? filhos(as): FILHOS SEXO IDADE ESTADO CIVIL 1. Família 5. Shoppings/lojas 2. Trabalho 6. Religião 3. Amigos(as) 7. Escola 4. Outro ________________ 1 8. Nunca 2 36. Que tipo de discriminação você sofreu? 3 4 5 1. Agressão verbal 6 2. Agressão física 7 3. Ameaça 8 4. Coação 9 5. Outro __________________________ 6. Nunca sofri discriminação 10 37. Como você se sente em ter que se auto- ORIENTAÇÃO SEXUAL definir a partir de uma das categorias de 31. Seus pais sabem de sua orientação orientação sexual apresentadas na pergunta 01 (bissexual, heterossexual, homossexual, sexual? transexual, travesti)? 1. Sim 2. Não 3. Não sei 1. Agradável 32. Seus/suas filhos(as) sabem de 3. Não sei sua 38. Por quê? (em relação à resposta 36) orientação sexual? 1. Sim 2. Desagradável 2. Não _____________________________________ 3. Não sei _____________________________________ 33. Como seus filhos (as) ficaram ou ficarão _____________________________________ sabendo de sua orientação sexual? _____________________________________ _____________________________________ 39. Como é a experiência de ser pai e gay? _________________________________ _________________________________ _________________________________ 34. Já sofreu orientação sexual? discriminação pela sua 114 40. SE VOCÊ RESIDE NA REGIÃO METROPOLITANA DE BELO HORIZONTE, participaria de uma entrevista coletiva com a participação de mais cerca de 06 a 07 pessoas? 1. Sim 2. Não 41. Caso a resposta seja afirmativa, deixe email e telefone de contato: ____________________________________ 41. Observaçoes: ________________________________ ________________________________ ________________________________ ________________________________ ________________________________ 115 9.2 Roteiro para realização do grupo focal 1) O que é ser pai pra vocês? Conhecer a representação do grupo do que é ser pai 2) O que vocês acham que as pessoas pensam sobre “o que é ser pai”? PROBE: Imagem, representação Conhecer o que o grupo pensa acerca da representação social da paternidade 3) Como vocês vivem a paternidade, sendo homossexuais/bissexuais? Ouvir o relato do grupo da experiência de ser pai homossexual, o que pensam acerca dessa experiência 4) Como as pessoas os vêem (ou veriam) sendo pai e homossexual/bissexual? Ouvir sobre o conhecimento que o grupo tem da representação que as outras pessoas têm sobre ser pai homossexual/bissexual 5) Ser pai fazia parte do projeto de vida de vocês? PROBE: a vontade de ser pai sempre existiu? Em que momento ela surge? Saber se a paternidade foi uma possibilidade construída ao longo da história pessoal dos integrantes e em que circunstância ela ocorreu 6) Como é a relação de vocês com os filhos? Conhecer a dinâmica estabelecida no dia-a-dia dos sujeitos, formas de diálogo, divisão de tarefas, formas de educação, etc. 7) Vocês se viram diferentes, depois que se tornaram pais? PROBE: auto-estima, auto-imagem, realização pessoal Conhecer as possíveis mudanças que a experiência paterna trouxe para a vida do grupo. 8) Vocês acham que a orientação sexual dos pais influencia na relação com os filhos? Qual influência? Conhecer a opinião e as representações do grupo sobre as possíveis influências que a própria orientação sexual pode exercer sobre o filho. 9) Vocês já foram discriminados, agredidos ou foram alvo de situações constrangedoras por serem pais homossexuais/bissexuais? PROBE: Na escola (a sua e/ou a dos filhos), no trabalho, na rua... 116 Conhecer a forma como a sociedade tem lidado com essa realidade e as possíveis estratégias de enfrentamento do grupo a elas 10) Como vocês julgam a legislação vigente em relação à paternidade homossexual? PROBE: Adoção conjunta, Adoção individual... Conhecer o nível de conhecimento do grupo acerca da legislação e a opinião sobre os impactos dessa, na realidade que vivenciam 11) Quais as dificuldades que vocês encontram (ou encontraram) para serem pais, sendo homossexuais/bissexuais? PROBE: problemas enfrentados Conhecer as possíveis dificuldades que interpelam a vivência da parternidade homossexual 12) Quais as possibilidades que vocês encontraram (ou encontraram) para serem pais, sendo homossexuais/bissexuais? PROBE: vantagens, facilidades Conhecer as possibilidades que interpelam a vivência da parternidade homossexual 13) Como você se sente em ter que se auto-definir a partir de uma das categorias de orientação sexual apresentadas na pergunta no questionário (bissexual, heterossexual, homossexual, transexual, travesti)? Por quê? Conhecer o posicionamento em relação à apropriação da identidade sexual 117 9.3 Termo de Consentimento Livre e Esclarecido N.º Registro CEP: PROBIC/125 Título do Projeto: “Os fatores psicossociais que influenciam na construção da identidade paterna de homens homossexuais” Este termo de consentimento pode conter palavras que você não entenda. Peça ao pesquisador que explique as palavras ou informações não compreendidas completamente. 1 ) Introdução Você está sendo convidado(a) a participar da pesquisa “Os fatores Psicossociais que influenciam na construção da identidade paterna de homens homossexuais. Se decidir participar dela, é importante que leia estas informações sobre o estudo e o seu papel nesta pesquisa. Você foi selecionado através de indicação realizada por liderança de ONG´s mobilizadas pela temática GLBT, e sua participação não é obrigatória. A qualquer momento você pode desistir de participar e retirar seu consentimento. Sua recusa não trará nenhum prejuízo em sua relação com o pesquisador ou com a instituição. É preciso entender a natureza e os riscos da sua participação e dar o seu consentimento livre e esclarecido por escrito. 2 ) Objetivo O objetivo deste estudo é conhecer a experiência de homossexuais que vivenciam a paternidade. 3 ) Procedimentos do Estudo Se concordar em participar deste estudo você será solicitado a responder a um questionário sobre alguns dados pessoas, dados sócio-financeiros, culturais, familiares e sobre sua sexualidade. Possivelmente você poderá ser solicitado a participar de um grupo de discussão que tratará de questões similares com as do questionário. Esta discussão será gravada. Os dados obtidos no questionário e, possivelmente na discussão, serão utilizados para o melhor entendimento do tema desta pesquisa. 118 4 ) Riscos e desconfortos Ao participar desta pesquisa, é importante estar ciente da possibilidade do surgimento de alguns desconfortos emocionais, já que as atividades de coleta de informações que você irá participar irão tratar de assuntos pessoais e delicados. 5 ) Benefícios A atividade poderá lhe proporcionar um espaço para reflexão das questões ligadas à sua sexualidade. As informações obtidas por meio do estudo poderão ser importantes para a descoberta de novas técnicas e formas de posicionar-se diante das situações que serão contempladas nesse estudo. 6 ) Rompimento com o estudo A participação neste estudo é voluntária. Você tem o direito de não querer participar ou de sair deste estudo a qualquer momento, sem penalidades ou perda de qualquer benefício a que tenha direito. Você também pode ser desligado do estudo a qualquer momento sem o seu consentimento nas seguintes situações: a) você não use ou siga adequadamente as orientações/tratamento em estudo; b) você sofra efeitos indesejáveis sérios não esperados; c) o estudo termine. 7 ) Custos/Reembolso Você não terá nenhum gasto com a sua participação no estudo e também não receberá pagamento pela sua participação. 8 ) Caráter Confidencial dos Registros Algumas informações obtidas a partir de sua participação neste estudo não poderão ser mantidas estritamente confidenciais. Os pesquisadores envolvidos e o Comitê de Ética em Pesquisa da instituição onde o estudo está sendo realizado, podem precisar consultar seus registros. Você não será identificado quando o material de seu registro for utilizado, seja para propósitos de publicação científica ou educativa. Ao assinar este consentimento informado, você autoriza as inspeções em seus registros, pelas entidades citadas acima. 09 ) Participação 119 Sua participação nesta pesquisa consistirá em responder a um questionário sobre alguns dados pessoas, dados sócio-financeiros, culturais, familiares e sobre sua sexualidade. Possivelmente você poderá ser solicitado a participar de um grupo de discussão que tratará de questões similares às do questionário. É importante que você esteja consciente de que a participação neste estudo de pesquisa é completamente voluntária e de que você pode recusar-se a participar ou sair do estudo a qualquer momento sem penalidades ou perda de benefícios aos quais você tenha direito de outra forma. Em caso de você decidir retirar-se do estudo, deverá notificar ao profissional e/ou pesquisador que entrou em contato com você. A recusa em participar ou a saída do estudo não influenciarão seus cuidados nesta instituição. 10 ) Para obter informações adicionais Você receberá uma cópia deste termo onde consta o telefone e o endereço do pesquisador principal, podendo tirar suas dúvidas sobre o projeto e sua participação, agora ou a qualquer momento. Caso você venha a sofrer danos relacionados ao estudo, ou tenha mais perguntas sobre o estudo, por favor, ligue para Sr. André Geraldo Ribeiro Diniz, Rua Antônio Rodrigues Fróes, 695, Candelária, no telefone (31) 97925748 ou (31) 34511886. Se você tiver perguntas com relação a seus direitos como participante do estudo, você também poderá contactar uma terceira pessoa, que não participa desta pesquisa, Dr. Heloísio Rezende Leite, Coordenador do Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição, no telefone (31) 33194517 ou (31) 33194456. 11 ) Declaração de consentimento Li ou alguém leu para mim as informações contidas neste documento antes de assinar este termo de consentimento. Declaro que fui informado sobre os métodos e meios de coleta de informações, as inconveniências, riscos, benefícios e desconfortos que podem vir a ocorrer em conseqüência de minha participação. Declaro que tive tempo suficiente para ler e entender as informações acima. Declaro também que toda a linguagem técnica utilizada na descrição deste estudo de pesquisa foi satisfatoriamente explicada e que recebi respostas para todas as minhas dúvidas. Confirmo também que recebi uma cópia deste formulário de consentimento. Compreendo que sou livre para me retirar do estudo em qualquer momento, sem perda de benefícios ou qualquer outra penalidade. Dou meu consentimento de livre e espontânea vontade e sem reservas para participar como voluntário deste estudo. 120 Nome do participante (em letra de forma) _______________________________________________ Assinatura do participante ou representante legal _______________________ Data Atesto que expliquei cuidadosamente a natureza e o objetivo deste estudo, os possíveis riscos e benefícios da participação no mesmo, junto ao participante e/ou seu representante autorizado. Acredito que o participante e/ou seu representante recebeu todas as informações necessárias, que foram fornecidas em uma linguagem adequada e compreensível e que ele/ela compreendeu essa explicação. ______________________________________________ _______________________ Assinatura do pesquisador Data