EIXO TEMÁTICO: EDUCAÇÃO MOTORA
RELATOS DE MEMÓRIA TECENDO HISTÓRIAS: A “ERA VARGAS” E O
DESVELAR DA TRAJETÓRIA DOCENTE EM EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR*
Denise Aparecida Corrêa (PEPGH/PUC/SP – SPQMH -NEFEF/UFSCar – Bolsista CAPES)
Resumo
O presente estudo se configura como um recorte da pesquisa de doutoramento cuja temática
compreende a educação física escolar no contexto histórico que se convencionou denominar
“Era Vargas” e objetiva desvelar o percurso trilhado por quatro professores na constituição de
suas respectivas trajetórias de formação acadêmica e profissional em educação física escolar.
A apreensão das experiências dos sujeitos tem como pressuposto a dimensão da história oral
no âmbito de propiciar a aproximação do pesquisador com as histórias de vida por meio do
passado rememorado. Os depoimentos remetem a lembranças acerca de situações vivenciadas
na educação física escolar no contexto histórico da “Era Vargas” permeadas por sentimentos
de alegria, descontração e prazer. Um aspecto significativo é a contribuição do professor de
educação física na trajetória dos depoentes, com exceção de um deles que menciona ter sido o
gosto pela prática esportiva o motivo pelo qual cursou Educação Física.
Palavras-Chave: Educação Física Escolar; “Era Vargas”; Trajetória Docente.
Introdução
Este estudo se configura como um recorte da pesquisa de doutoramento1 cuja
temática compreende a educação física escolar no contexto histórico que se convencionou
denominar “Era Vargas”2. Este cenário é descortinado a partir de fontes documentais
(documentos oficiais e imprensa escrita da época) e orais, constituídas pelos relatos dos
sujeitos que vivenciaram a educação física, no citado período, na condição de alunos e que,
posteriormente, tornaram-se professores de educação física, atuando principalmente no
ambiente escolar.
Neste estudo, em particular, pretende-se enfocar a trajetória de formação acadêmica e
profissional em educação física escolar destes sujeitos, na tentativa de elucidar as
circunstâncias, as possíveis motivações, inspirações e interesses que os levaram a trilhar este
caminho, ou seja, de que modo e até que ponto as aulas de educação física vivenciadas
*
Referência: CORRÊA, Denise A. Relatos de memória tecendo histórias: a “era Vargas” e o desvelar da
trajetória docente em educação física escolar. In: III Colóquio de Pesquisa Qualitativa em Motricidade Humana:
o lazer em uma perspectiva latino-americana, 2007, São Carlos. Anais... São Carlos: SPQMH DEFMH/UFSCar, 2007, p.197-206.
1
Trata-se do projeto de pesquisa intitulado “Regime Político Ditatorial de Vargas das décadas de 30 e 40: o caso
da Educação Física Escolar na cidade de São Paulo - Brasil” desenvolvido no Programa de Estudos PósGraduados em História da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – nível doutorado - sob orientação da
Profa. Dra Yvone Dias Avelino, fomentada pela CAPES.
2
Período caracterizado pelo governo ditatorial de Getúlio Dornelles Vargas, o qual compreende as décadas de
1930 e 1940, ou mais precisamente, desde o governo, em caráter provisório, de Vargas à Presidência da
República iniciado em outubro de 1930, passando pelo período constitucional de 1934 a 1937 e seguindo-se o
período ditatorial estadonovista, localizado entre 1937 e 1945, quando Vargas é deposto do poder.
durante o processo de escolarização, no momento histórico denominado “Era Vargas”, e seus
respectivos professores, incentivaram ou influenciaram a escolha por esta trajetória e suas
posteriores atuações na escola.
A apreensão das experiências dos sujeitos tem como pressuposto a dimensão da
história oral, no âmbito de propiciar a aproximação do pesquisador com as histórias de vida
por meio do passado rememorado. As fontes orais são constituídas pelos depoimentos de três
professores e uma professora de educação física que vivenciaram o processo de escolarização
(correspondente ao atual ensino fundamental e médio) em meados de 1940 e 1950 e cursaram
a graduação em educação física entre as décadas de 1950 e 1960.
A “Era Vargas” e a Educação Física: uma breve contextualização histórica
A análise histórica do percurso da educação física no Brasil aponta para a influência
do contexto histórico, político e social, que de modo conjuntural atuou sobre seus propósitos e
instrumentalizou sua prática, ora imprimindo-lhe características de cunho pedagógico e
esportivo, ora mantendo-a atrelada às tendências higienistas e militaristas, as quais acabaram
por simbolizar suas raízes.
Em fins do século XIX e princípio do século XX, a educação física adquire
contornos higienistas e passa a ser tratada pelo poder público e por educadores como agente
de saneamento público, na busca de uma sociedade livre das doenças infecciosas e dos vícios
que deterioravam a saúde, o caráter e a moral do homem.
Cantarino Filho (1982) aponta que a obra “A Educação Nacional” de autoria do
educador José Veríssimo, com a primeira edição publicada em 1890 e reeditada em 1906,
destacava o entendimento limitado acerca da educação física, quando propunha que além dos
exercícios ginásticos e acrobáticos, ela deveria contemplar também “a higiene” para “formar
um corpo robusto e são” (p.83).
Gonçalves Junior e Ramos (2005) observam que:
No caso da concepção higienista, o tema saúde estava em primeiro lugar. Para tal
tendência, era fundamental a formação de homens e mulheres fortes e sadios, ou
seja, ela protagoniza um projeto de “assepsia social” ligado ao pensamento liberal
predominante do século XIX, que acreditava na educação como redentora da
humanidade. Assim, vislumbra-se a possibilidade de resolver o problema da saúde
pública pela educação e pela educação física, independentemente das determinações
dadas pelas condições materiais. (p.07)
Os autores destacam ainda que o tema saúde era tratado do ponto de vista meramente
anátomo-fisiológico e desprovido de qualquer reflexão político-social e alertam que lemas
como “educação física é saúde” ou “mens sana in corpore sano”, ainda hoje difundidos no
meio social, expressavam as marcas da concepção higienista que encontravam-se
impregnadas na educação física (GONÇALVES JUNIOR e RAMOS, 2005).
Estes pressupostos perpetuaram-se nas primeiras décadas do século XX, como pode
ser observado quando da criação do Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública,
durante o governo provisório de Vargas, em novembro de 1930. A relação tênue estabelecida
entre escolarização e saúde pública é ressaltada no discurso de posse, para o citado ministério,
de Francisco Luiz da Silva Campos, quando menciona que “o Brasil precisa, sobretudo e com
urgência, de saúde e de instrução” (CANTARINO FILHO,1982, p.120).
No documento em que Vargas realiza um “balanço” acerca das atividades do
Ministério da Educação e Saúde Pública no período referente aos anos de 1931 e 1932,
demonstra o ideário de educação do Governo Provisório, manifestando a influência da
tendência higienista nos propósitos educacionais de seu governo, ao discursar a respeito da
“(...) instrução, a educação: dar ao sertanejo, quasi (sic) abandonado a si mesmo, a
consciência de seus direitos e deveres; fortalecer-lhe a alma (...) enrijar-lhe o físico pela
higiene (...)” (BRASIL, 1978. p.156-157).
As décadas de 1930 e 1940 se consolidaram como momento histórico de valorização
da educação física como instrumento para a incrustação dos pressupostos do ideário Vargas
nas várias instâncias da sociedade. A educação formal, via instituição Escola, como citado
anteriormente, ganha reformulações em todos os níveis de ensino com destaque para o Ensino
Secundário, considerado pelo Ministro Campos: “O mais importante (...), pois se destinava a
um maior número de jovens e influenciava a formação da personalidade do adolescente
‘durante a fase mais propícia do crescimento físico e mental (...)” (CANTARINO FILHO,
1982, p.122).
Dentre as alterações estabelecidas pelo ministro Francisco Luiz da Silva Campos na
área da educação, nomeada Reforma Campos, a qual foi regulamentada em 18 de abril de
1931, destaca-se o estabelecimento da obrigatoriedade da educação física em todas as classes
das instituições de ensino secundário (atualmente, 5ª a 8ª séries do Ensino Fundamental e 1ª a
3ª séries do Ensino Médio) (CANTARINO FILHO, 1982).
Betti (1991) destaca que, aliado ao adestramento físico, à relevância dada à educação
física escolar, bem como a educação moral e cívica e a instrução militar, no ensino secundário
durante o governo Vargas, era no sentido de atuarem como “elementos integradores e
funcionais dentro do currículo” de modo a inculcar no adolescente dentre outros valores, o
patriotismo, concebido como “(...) sentimento de indissolúvel apego e indefectível fidelidade
para com a pátria” (CAPANEMA apud BETTI, 1991, p.85).
Com a obrigatoriedade da educação física no ensino secundário, disseminava-se no
contexto da rede escolar o método de educação física oficial que ficou conhecido como
“Regulamento nº 7” ou “Método do Exército Francês”, cuja origem militar denota forte
relação com princípios bélicos. Assim:
A Educação Física Higienista preocupada com a saúde, perde terreno para a
Educação Física Militarista que subverte o próprio conceito de saúde. A saúde dos
indivíduos e a saúde pública, presentes na Educação Física Higienista, de inspiração
liberal, são relegadas em detrimento da “saúde da pátria” (GHIRALDELLI
JÚNIOR, 1988, p.26-27).
Deste modo, a preocupação com a saúde individual e pública propalada na tendência
higienista perpetuava-se na concepção militarista da educação física, porém adquiriu novos
contornos e direcionamentos uma vez que:
(...) o objetivo fundamental (...) é a obtenção de uma juventude capaz de suportar o
combate, a luta, a guerra. Para tal concepção, a Educação Física deve ser
suficientemente rígida para “elevar a Nação” à condição de “servidora e defensora
da Pátria”. (GUIRALDELLI JUNIOR, 1988, p.18).
A educação física vinculava-se fortemente à idéia de Segurança Nacional, sentida na
preocupação com a eugenia ou ao adestramento físico, necessário, tanto à defesa da Pátria,
quanto para assegurar ao processo de industrialização recém implantado no país, mão-de-obra
fisicamente capacitada.
Betti (1991) ressalta a estreita vinculação do sistema militar com o sistema
educacional na formação de recursos humanos para a Educação Física:
As primeiras instituições destinadas à formação de pessoal especializado eram
ligadas às Forças Armadas. Em 1909 foi criada a Escola de Educação Física da
Força Policial (...) Portaria do Ministro da Guerra, de 10 de janeiro de 1922, criou,
junto à Escola de Sargentos da Infantaria, o “Centro Militar de Educação Física”
(p.72-73).
A Escola de Educação Física do Exército, criada em 1933 em substituição ao Centro
Militar de Educação Física, tornou-se referência na formação de professores para atuarem nos
estabelecimentos de ensino e nas Escolas de Educação Física civis, constituindo-se pólo
irradiador do Método Francês, instituído como método oficialmente adotado no Regulamento
Geral da Educação Física (CANTARINO FILHO, 1982).
A primeira escola civil criada pelo governo do Estado de São Paulo, junto ao
Departamento de Educação Física em 1931, iniciou suas atividades apenas em 1934, a qual
“(...) também se constituiu sob forte influência militar, pois parte de seu corpo docente foi
treinado nos cursos do Centro Militar” (BETTI, 1991, p.73).
Betti (1991) acrescenta, ainda, que a Escola Nacional de Educação Física e
Desportos da Universidade do Brasil, fundada em 1939, a qual também regulamentou a
exigência de habilitação para o exercício da profissão foi estruturada com base na Escola do
Exército e seu primeiro diretor foi um major também proveniente daquela escola militar.
Para Gonçalves Junior e Ramos (2005) neste quadro político, econômico, social e
cultural que vivia o Brasil, forjou-se a ginástica militarista. Era objetivo primordial preparar a
juventude, especialmente a masculina, para o combate, a vitalidade, a coragem, o heroísmo e
para a guerra ou, em outras palavras, preparar o “cidadão soldado”, colaborando no “processo
de seleção natural”, eliminando os fracos e valorizando os fortes, com o intuito último de
depuração da raça.
Tais considerações remetem a um retrospecto histórico imbuído de significados que
se expressam nos questionamentos acerca da identidade da educação física, especialmente
aquela desenvolvida no ambiente escolar.
Objetivo
O presente estudo objetiva desvelar o percurso trilhado por três professores e uma
professora na constituição de suas respectivas trajetórias de formação acadêmica e
profissional em educação física escolar.
Metodologia
A composição da documentação oral foi realizada tendo em vista critérios de
pertinência ao assunto e ao recorte histórico. Neste sentido, os sujeitos eleitos teriam que,
como pré-requisito, ser professores de educação física e atuarem ou terem atuado no ambiente
escolar. Outro aspecto a ser contemplado pelos sujeitos é a experiência com a educação física
na condição de alunos no ensino primário, ginasial ou colegial (atual ensino fundamental e
médio) no período aqui denominado “Era Vargas”.
Na tentativa de elucidar a trajetória docente em educação física, no momento histórico
específico, recorrer-se-á às lembranças de três professores e uma professora de educação
física que vivenciaram o processo de escolarização (correspondente ao atual ensino
fundamental e médio) em meados de 1940 e 1950 e cursaram a graduação em educação física
entre as décadas de 1950 e 1960, os quais serão identificados neste estudo por Professor A,
Professor B, Professor C e Professora D3.
Os depoimentos coletados junto aos sujeitos da pesquisa, foram submetidos à análise
qualitativa, utilizando como referencial teórico a história oral, a qual:
(...) deve ser entendida como um método capaz de produzir interpretações sobre
processos históricos referidos a um passado recente, o qual, muitas vezes, só e dado
a conhecer por intermédio de pessoas que participaram ou testemunharam algum
tipo de acontecimento (SANTOS, 2007, p.3).
A documentação oral foi eleita no sentido de apreender as experiências dos sujeitos
que vivenciaram e participaram do processo de construção do momento histórico investigado,
estabelecendo relações com as experiências vivenciadas no momento histórico presente, uma
vez que:
(...) o processo de rememoração, possibilitado pela história oral, vai além de elucidar
as trajetórias de vida e as experiências pessoais dos sujeitos sociais. Sobretudo,
desvela o valor destas trajetórias e experiências no tempo presente, os quais tornamse essenciais como ponto de partida para a construção dos valores atribuídos pelos
depoentes às suas vivências (...) (CORRÊA, 2002, p.90).
O depoimento dos sujeitos acerca de experiências vivenciadas no passado, enquanto
representações de vida expressas na oralidade, são documentos portadores de elementos para
o desvelar de um dado momento histórico, pois a história oral compreende a representação do
passado. Assim a palavra daquele que viveu a história assume, portanto, um papel muito
significativo (GALLIAN, 1992).
A aproximação com as experiências que cada depoente teve com a educação física,
seja enquanto aluno, no percurso de escolarização formal e posteriormente acadêmica, ou na
trajetória profissional, requer considerá-la no interior de um universo particular de
significações.
Considera-se, assim, que os depoimentos não são vazios. Eles estão carregados de
subjetividades e de significados Neste sentido, os relatos não são substitutos de
fontes documentais, eles são portadores de valores próprios e validados como uma
documentação histórica valiosa (CORRÊA, 2002, p.91).
3
Importante salientar que a pedido dos depoentes, os nomes e sobrenomes de pessoas citadas nos relatos serão
mantidos no anonimato.
Lembranças com sabor de infância...
Lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar, com
imagens e idéias de hoje, as experiências do passado. (BOSI, 1994,
p.55).
Interessante notar que, quando solicitados a falar a respeito de suas experiências na
escola, todos os depoentes, sem exceção, o fizeram com brilho nos olhos e com o sorriso
aberto, refletindo a alegria de rememorar as histórias com sabor de infância.
Este sentimento perdurou no decorrer de suas falas, acentuando-se especialmente
quando relatavam a respeito das lembranças das aulas de educação física, ou ginástica, como
referem alguns depoentes por ser esta a denominação utilizada em determinado período
histórico. Os relatos dos Professores A e C transcritos abaixo, traduzem este sentimento:
(...) no segundo ano primário eh... não sei porque motivo, mas é que foi muito
engraçado. O meu professor primário ele resolveu dar aula de educação física. De
ginástica, né? E... ele tinha um problema de cifose, então quando ele dizia eh...
“sentido!” ele ficava naquela posição característica, né? Com cabeça pra frente e os
alunos por brincadeira também todos ficaram (risos), então quer dizer e ele tentava
lá fazer uma ginástica e ele de roupa tal normal e nós também com o uniforme nosso
do, do colégio. Isso foi muito interessante (Professor A).
As aulas de educação física, por eu gostar da coisa era, vamos dizê assim, era uma
expectativa, a gente adorava a aula de educação física, eu sempre digo isso, quer
dizer, quando faltava o professor de matemática, por exemplo, “Ô, faltou o professor
de matemática, que bom! (risos). “Ah! Pô, faltou o professor de educação física”
(risos) (Professor C).
As recordações envolvendo as aulas de educação física, que remetem a momentos
divertidos e de descontração, também são compartilhadas pela professora D:
No segundo ano a gente tinha muito pouca atividade no pátio porque a professora
não gostava, mas ela fazia brincadeiras na classe, brincadeiras de estátua. Olha como
era gozado? Me marcou muito na cabeça um dia uma menina que fez uma... a gente
tava brincando de estátua e a (...) professora falou assim: “A (colega de turma) que
ganhou” e não era a estátua mais bonita, porque a professora falou assim: “É que ela
agüentou dois minutos um mosquito andando no nariz dela” (risos).
É interessante observar que, embora os depoentes tenham tido contato, no decorrer do
processo de escolarização, com vários professores de educação física, todos eles carregam em
suas lembranças a presença marcante de um professor em especial, revelando uma relação
permeada por sentimentos de afeto e de carinho:
Depois eu fui para o ginásio, naquele tempo era o antigo ginásio e lá é que eu
comecei a ter aula de educação física. Então eu tive três professores nessa fase, dois
deles eu não me lembro muito bem o nome porque foi um período muito curto, foi
só na hoje quinta série, naquele época era primeiro ano ginasial, mas o que me
marcou, me levou até fazer educação física foi o professor (nome e sobrenome do
professor), falecido infelizmente (...) (Professor A).
(...) o meu professor que me inspirou mais, que foi o professor (nome e sobrenome
do professor), que era assistente de natação da escola de educação física ele sempre
me, me escalava pra eu fazer parte dessa turma de ginástica e eu fazia isso com
muito prazer (...) Eu adorava aquilo. Eu via todos os jogos, assistia todos os jogos, e
no final das contas participava como membro da ginástica (Professor C).
Os relatos dos Professores A e C, descritos acima, destacam a relevância e o respeito
conferido aos seus professores, especialmente quando se referem a eles pelo nome e
sobrenome. Os depoimentos apontam a contribuição significativa dos mesmos para a escolha
da profissão, ao despertar o gosto pela educação física, o que foi compartilhado, também, pela
professora D, quando expressa:
(...) eu fui fazer o ginásio (...) lá eu tive minha primeira professora de educação
física, uma pessoa maravilhosa, hoje eu também analiso as aulas da (...) uma pessoa
assim lindíssima. (...) eu acho que foi com (nome da professora) que eu comecei a
achar bonito a educação física.
No entanto, a presença marcante do professor de educação física também se faz a
partir de experiências negativas, como aponta o relato do Professor B:
As aulas de educação física eram bem fracas. Na realidade, espelhar nas aulas...
jamais teríamos escolhido a profissão de professor de educação física. Eu gostava
muito dos esportes e meus irmãos já praticavam basquetebol e voleibol e eu também
segui o mesmo caminho.
O depoimento anterior ressalta um outro aspecto a ser aqui pontuado como parte da
trajetória de formação em educação física destes professores, que é o gosto pela atividade
física e pela prática desportiva, que também acaba por permear a escolha da profissão. O
relato do Professor C aponta, também, para esta perspectiva, quando diz:
E uma das coisas que motivou muito eu fazer educação física, foram os
campeonatos colegiais e principalmente a... a festa de encerramento que era feita
com a ginástica coletiva. Nós tínhamos a ginástica coletiva dos meninos, dos alunos
e a ginástica coletiva das alunas, era no Pacaembu e encerrava o campeonato
colegial na semana da pátria.
E continua contando que:
(...) todo, todo assunto referente campeonato colegial, eh... eventualmente jogos,
eh... amistosos, que se realizavam com as equipes do colégio e mais eh... eu
participava ajudando o professor (nome do professor), então foi isso que me levou a
fazer educação física (...) (Professor C).
Importante destacar o relato do Professor A, a respeito das suas aspirações ao
ingressar no curso de graduação em educação física:
E naquele tempo, uma coisa muito importante, a referência eram as escolas públicas
e não as escolas particulares e todo professor, mesmo nós quando ingressamos na
faculdade, o nosso grande objetivo era trabalhar no colégio estadual porque ali o
professor era mais valorizado, tinha melhores salários e era uma referência eh... de
competência técnica você estar em uma escola pública. Você era concursado, você
era bom.
O depoimento traz um tom nostálgico e revela a valorização ao trabalho do professor
de educação física, desenvolvido na escola, no passado, em contraposição ao momento atual
de descaso com o profissional que opta por seguir carreira na área escolar.
Considerações
A análise preliminar da documentação oral aqui dialogada, aponta que os depoimentos
de todos os professores acerca de situações vivenciadas nas aulas de educação física no
contexto histórico da “Era Vargas”, no qual os pressupostos vigentes para a educação física
escolar eram pautados em um regime disciplinador, remetem a lembranças permeadas por
sentimentos de alegria, descontração e expectativa, revelando que as aulas não se constituíam,
como poderia pressupor, em um momento enfadonho, pelo contrário, eram bastante
esperadas, para as quais os depoentes se empenhavam de forma bastante comprometida.
Um aspecto significativo nos relatos de todos os depoentes é a presença marcante dos
professores e professoras de educação física, cuja lembrança é permeada tanto por
sentimentos de afeto e carinho como demarcada por referencias negativas. No entanto,
prevaleceu o aspecto positivo desta relação, uma vez que três depoentes, mencionam ser estes
professores os responsáveis por despertar o gosto pela educação física e influenciar a escolha
profissional, enquanto que um deles, ao contrário, ressalta que sua trajetória acadêmica em
educação física escolar, não foi motivada pelo seu professor e sim pelo gosto pessoal pela
prática esportiva iniciado ainda no meio familiar.
Pelas experiências aqui compartilhadas, nota-se que a constituição das respectivas
trajetórias acadêmica e profissional em educação física deve ser compreendida atentando para
o aspecto singular de cada percurso trilhado, pois como alerta Thompson (1992):
O mal entendido provém, em parte, exatamente do fato de que o historiador está
tentando enxergar a mudança de um outro ângulo: a experiência de uma geração
após outra, em vez da de um único ciclo de vida. Quando os idosos dizem que se
divertiam mais quando crianças, ou que os vizinhos eram mais amigos naquele
tempo, podem perfeitamente estar avaliando de maneira adequada sua própria vida
(...) (p.179).
Referências
BETTI, M. Educação física e sociedade. São Paulo: Movimento, 1991.
BOSI, E. Memória e sociedade: lembranças de velhos. São Paulo: Companhia das Letras,
1994.
BRASIL (Presidente) 1930 1945 (G. Vargas). Mensagens presidenciais 1933-1937, Getúlio
Vargas. Brasília, Câmara dos Deputados, 1978. (Documentos parlamentares, 126)
CANTARINO FILHO, M.R. Educação física no estado novo: história e doutrina. 1982.
Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de Brasília,
Brasília.
CORRÊA, D. A. Domingo no parque: a (sobre)vivência do lazer nos parques públicos
municipais da Zona Leste da cidade de São Paulo (1970-2002). 2002. Dissertação (Mestrado
em História Social) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.
GALLIAN, D. M. C. Pedaços da guerra: experiências com história oral de vida de
Tobarrenhos. 1992. Dissertação (Mestrado) – Universidade de São Paulo, São Paulo.
(Mimeo).
GHIRALDELLI JÚNIOR, P. Educação física progressista: a pedagogia crítico social dos
conteúdos e a educação física brasileira. São Paulo: Loyola, 1988.
GONÇALVES JUNIOR, L; RAMOS, G. N. S. A educação física escolar e a questão do
gênero no Brasil e em Portugal. São Carlos: EdUFSCar, 2005.
SANTOS, A. C. de A. Fontes orais: testemunhos, trajetórias de vida e história. Disponível
em: <http://www.pr.gov.br/arquivopublico/pdf/palestra_fontes_orais.pdf>. Acesso em: 13
ago. 2007.
THOMPSON, P. A voz do passado: história oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
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