TRADIÇÃO VIVA
Do Documento de Aparecida:
“A pastoral da Igreja não pode prescindir do contexto histórico onde vivem seus
membros. Sua vida acontece em contextos sócio - culturais bem concretos. Essas transformações
sociais e culturais representam naturalmente novos desafios para a Igreja em sua missão de
construir o Reino de Deus. Daí nasce, na fidelidade ao Espírito Santo que a conduz, a
necessidade de uma renovação eclesial que implica reformas espirituais, pastorais e também
institucionais” (DA n 367).
A palavra tradição tem duplo significado: remonta ao passado do qual quer assegurar
certos valores; se afirma no presente com novas posturas que a história (Deus!) exige e ensina.
O que é Tradição Viva da Igreja?
* “A Tradição Viva é essencial para que a Igreja, no tempo, possa crescer na compreensão da
verdade revelada nas Escrituras”. VD n 17.
*
“A Igreja vive na certeza de que o seu Senhor, tendo falado outrora, não cessa de comunicar
hoje a sua Palavra na Tradição viva da Igreja e na Sagrada Escritura” VD 18.
*
“Além disso o Concílio Vaticano II recorda que esta Tradição de origem apostólica é
realidade viva e dinâmica: ela “progride na Igreja sob a assistência do Espírito Santo”; não
no sentido de mudar na sua verdade, que é perene, mas “progride a percepção tanto das coisas
como das palavras transmitidas” (VD 17).
Na Exortação, especialmente na Introdução, foram usados vocábulos com o prefixo ‘re’.
Assim poderíamos citar alguns vocábulos: retomar, relevância, redescoberta, relatórios,
renovação, recordar, redescobrir, reabrir, reconhecer, representar, referir, refletir, referência.
Estes vocábulos ocorrem mais de vinte vezes nos 5 primeiros números que são da Introdução.
O que eu penso a respeito? O vocabulário usado exprime um pensamento escondido, não
claramente expresso nas frases. Creio que o Papa pensava na Tradição Viva da Igreja a ser
incentivada de modo especial com este retorno à Palavra de Deus. É necessariamente um tema
de estudo para que se possa compreender bem o alcance da Verbum Domini. Estudemos, pois, e
entendamos o que é Tradição Viva da Igreja!
Não é conservadorismo, como o
vocábulo “tradição” poderia significar. É especificamente renovação. Ecclesia semper
reformanda, já dizia São Bernardo e mais tarde Lutero. A Igreja, Povo de Deus, precisa se
encarnar no coração da história da humanidade que está em constante mudança. Deus está no
coração da história. Precisamos crescer na compreensão de Deus que está agindo na história da
humanidade. Hoje, e os documentos da própria Igreja estão fartamente à disposição, está
constatando que vivemos uma mudança de época e não apenas época de mudanças.
Pessoalmente exultei de alegria quando descobri, tardiamente, que tristeza! Que Tradição
da Igreja é isto: essencialmente adaptação da Igreja vivendo nuances novas para cada época sem
deixar de ser sempre a Igreja de Cristo. E isto de fato está acontecendo e poderíamos e
deveríamos colaborar para que a Igreja pudesse viver mais claramente a Tradição Viva,
encarnando-se realmente no coração de cada momento histórico em que ela é convidada a viver
(por que Deus está presente e age para continuar e aperfeiçoar a criação na história!).
Rigorosamente tomando: toda a bíblia nasce de dentro da Tradição. Ela é fruto da Tradição. De
fato, já se haviam passado vinte e um anos quando foi escrito o primeiro livro do Novo
Testamento. O mesmo se diga do Antigo Testamento. Já haviam passado centenas de anos
quando foi colocado por escrito interpretações de acontecimentos. Este é apenas o motivo
externo para assegurar que a Bíblia nasce da Tradição. Há também um motivo interior que é o
crescimento da compreensão dentro da Tradição viva.
Muitas pessoas ultimamente falam de certo cansaço da Igreja Católica. Creio que não seja
apenas da Igreja Católica como, sobretudo, da sociedade em geral vivendo uma mudança de época.
Estamos todos no mesmo barco, muitas vezes tateando, procurando encontrar alguma luz no futuro
da humanidade. É preciso procurar a luz e não desistir. Isto se alcança também através da formação
permanente que todos precisamos abraçar.
Preciso citar Valeriano Santos Costa: “Embora
faça parte da natureza da liturgia celebrada e da prática dos primeiros séculos, tal prática acabou
sendo bastante obscurecida num determinado período da história, por causa da maneira de o clero
atuar na celebração litúrgica, deixando à margem a participação de todos os fiéis batizados, os
quais, aos poucos, foram relegados a um papel de mera assistência ao mistério celebrado. Foi daí,
então, que a expressão assistir à missa se tornou linguagem técnica, tanto do ponto de vista oficial
como popular”(Costa,V.S; Viver a ritualidade litúrgica como momento histórico da salvação,
Paulinas, p 45).
Estou enxergando uma luz no futuro da Igreja Católica e esta de fato
está atualmente se agarrando com todas as forças nesta luz. Há um investimento maciço na Palavra
de Deus. Podemos perceber esta luz acontecendo desde o Concílio Vaticano II, mas eclodindo de
uma maneira total no atual Papa, Bento XVI, nos bispos, nos teólogos, em escritores e pastoralistas
de nosso tempo. O Papa e os Bispos são os grandes profetas deste novo na Igreja. Penso que seja a
atuação do Espírito Santo nas diversas instâncias do Povo de Deus que é a Igreja.
“Por um
estranho paradoxo, a Igreja, pelo fato de sua inserção no contexto histórico de cada época, tem
necessidade de crítica e de revisão periódicas para permanecer fiel à sua própria missão. Por
natureza ela está essencialmente relacionada com a relativa Palavra de Deus e esta submissão
radical obriga-a a uma volta regular às fontes” (Chagas, Dom Cipriano,OSB, Pentecostes é hoje!,
Ed Paulinas, p 86)
Hoje há um pedido claro de todos por participação. Se o século doze
para o treze é o símbolo da concentração do poder no clero, o século 21 possa ser o da
descentralização. Isto deverá acontecer desde a liturgia, por demais concentrada na voz, muitas
vezes chata, fanhosa, prepotente e pouco audível e até desagradável do padre para a voz da
assembléia que precisa sentir-se sujeito da celebração. Não há um padre celebrante, há, isto sim,
uma assembléia celebrante. Deverá passar pela administração pastoral onde se exige cada vez mais
participação até chegar à interpretação fontal da Palavra de Deus. Vivamos este tempo lindo da
Igreja. Entremos de coração audaz e renovado dentro desta perspectiva do Espírito que é livre. Este
tempo nos foi dado viver sem um ranço velho de coisas que todos sentimos estarem superadas.
Será sempre a mesma Igreja de Cristo renovada na História. É o Espírito Santo Renovador, que é a
NOVIDADE no coração da História com quem poderemos avançar alegres e tranqüilos.
Um dos sinais de Deus para Arquidiocese de Porto Alegre pode ser a palavra do nosso Arcebispo.
Lembro os princípios que no início de seu pastoreio nos indicou: a subsidiariedade, a
corresponsabilidade e a descentralização. Precisamos continuar neste processo de modo adulto,
responsável, como corpo presbiteral da Arquidiocese. Temos sempre no Arcebispo e nos
documentos da Igreja um referencial do caminho que estamos fazendo. Igreja misericordiosa,
participativa e missionária são as três dimensões da Igreja viva.
“Professores e alunos
de liturgia, religiosos/as e agentes de pastoral, iluminados pela Escritura e pela Tradição, seguirão
em frente, pois o povo de Deus é sempre estimulado pelo Espírito a caminhar até a terra prometida.
Nesse processo as palavras-chave são “iniciação” e “formação”” (capa do livro de Valeriano
Santos Costa). “O cristianismo é, portanto, um caminho para a frente, não para trás. Certamente
há de a fé volver o olhar para o que já aconteceu. Quando, porém, olha para trás, para as passadas
ações salvíficas de Deus que servem ao futuro, fá-lo para poder lançar-se com maior audácia e
confiança do fundamento já posto ao cimo vindouro”. (Schmaus, M, A Fé da Igreja, Vozes,
1976,vol 1, p 21). Preciso acrescentar um pensamento de Carlos Mesters citado por Ligório Soares
em ‘No Espírito do Abbá’ p 78: “Donde a insistência de Carlos Mesters na necessidade de
recuperar a relevância da Tradição bíblica “não como um texto caído do céu, mas antes como algo
nascido de dentro da fé do Povo de Deus, enquanto este tomava posição em meio aos conflitos do
caminho. (...). Este processo de leitura e releitura está na origem da Bíblia” e continua ao longo da
história da Igreja” (Soares, Afonso Maria Ligório, p 78). Sejamos com todo o vigor de nossa fé,
construtores da Tradição Viva da Igreja!
P. José Bonifácio Schmidt. Gravataí, 2012.