FAZENDO HISTÓRIA DA IGREJA1
um ensaio de historiografia
para a igreja e a educação teológica
Lourenço Stelio Rega2
Resumo
A história eclesiástica em geral tem sido escrita sob o ângulo dogmático,
político e narrativo seqüencial. No presente ensaio pretendo demonstrar que existem
outras alternativas historiográficas que poderão ser utilizadas na compreensão dos
fatos históricos da igreja. A título de ilustração, apresento os fundamentos
historiográficos de meu projeto de pesquisa como Mestrando em Educação na PUC.
Palavras chaves: História do Cristianismo, Historiografia, Teoria da História.
1. Introdução
A história como tem sido ensinada e contada nas escolas, sejam elas
religiosas ou não, teológicas ou não, acaba muitas vezes sendo produto de uma
racionalidade narrativa da história. O volume de informações históricas transmitido
aos alunos dá conta de que os fatos serialmente entrelaçados seguem uma exata
seqüência intencionada pelos agentes da história de modo que sobre ao professor o
único exercício da arte de contar histórias. Não é muito raro observar que os alunos
“torçam o nariz” quando precisam completar as leituras determinadas no conteúdo
programático da disciplina, não sendo diferente sua reação na hora de irem à sala
de aula para assistirem mais uma “sessão” de velharias do passado.
Neste ensaio minha preocupação é demonstrar a possibilidade de
novas alternativas à escrita da história, especialmente no meu ramo de trabalho que
é o teológico e o educacional teológico, portanto, no campo da religiosidade
especialmente cristã. Depois de estudar historiografia, acredito que já não é possível
apenas contar o passado que ocorreu. Acredito que fazer história envolve mais do
que isso, é preciso, por exemplo, analisar os fatos do passado para demonstrar que
sujeitos ativos buscaram organizar a vivência eclesial, a própria educação, seja ela
1
2
Artigo publicado originalmente na Revista da APG (Associação dos Pós-Graduandos), Ano VIII (19
Especial), 1999, São Paulo: Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), pgs. 50-59. ISSN 101043803.
Lourenço Stelio Rega é Bacharel em Teologia, Mestre em Teologia (especialização em Ética), pósgraduado em Análise de Sistemas, Extensão pedagógica em Ensino Superior, Licenciando em
Filosofia, Mestre em Educação (especialização em História da Educação) e Doutorando em
Ciências da Religião (Teoria e Metodologia da História do Cristianismo). Foi Deão da Faculdade
Teológica Batista de São Paulo, onde hoje é o seu Diretor Geral e professor de Ética, Bioética,
Filosofia da Religião e Grego do NT. Ex-presidente da Associação Brasileira de Institui•ões de
0
religiosa, seja ela teológica, buscar por interesses, detalhes do cotidiano, etc, que
possam resgatar os mais variados aspectos integrantes da vivência cristã no tempo.
2. A historiografia da igreja
A prática educacional tem indicado que nem sempre o professor de
história religiosa e eclesiástica possui uma visão analítica e crítica de como foi
construída a história que ele tem ensinado, muito menos como foram produzidos os
livros textos que adota para as leituras exigidas no programa de atividades de sua
disciplina.
No meio teológico e religioso raramente se discute a historiografia da
igreja, muito menos da educação religiosa e teológica. Recentemente consegui dois
livros que tratam do assunto. Estes livros abordam a historiografia da igreja de modo
bem particular e a indicação da historiografia francesa recente, por exemplo, é feita
apenas de passagem. Indicam estar mais ligados à compreensão filosófica da
história, e, portanto, em vez de abordarem a historiografia à luz da própria visão da
História, isto é, através das matrizes e paradigmas da história, como ciência,
estudam, por exemplo, a historiografia através da filosofia da história. Assim Paulo
D. Siepierski (1994) menciona que
“a filosofia da história substantiva está preocupada com os eventos e pessoas da
história. Seu objetivo principal é compreender como os eventos da história passada
podem ser arranjados de tal forma a indicar a maneira pela qual eventos futuros irão
ocorrer. Grande parte da metodologia dessa disciplina consiste em ordenar os eventos
do passado num padrão que demonstre a relação entre esses eventos ... a filosofia da
história analítica difere da filosofia da história substantiva no ponto em que seu objeto é
muito mais os documentos históricos do que os eventos registrados nesses documentos
... não é preditiva, uma vez que sua única preocupação são os registros de eventos
passados.” (p. 17, 18)
Através dessa compreensão historiográfica, sem dúvida, há uma
abertura para uma compreensão do futuro, especialmente utilizando a visão da
filosofia da história substantiva. Assim, acrescenta-se uma motivação teleológica na
escrita da história. Sobre isso Siepiesrki afirma que “o ponto central do atual debate
sobre filosofia da história é a questão do fim de significado essencial em qualquer
evento que venha acontecer, ou seja, o fim da história” (p. 18). Sem dúvida, não é
possível negar que essa concepção historiográfica é estranha à História, mas
plenamente compatível com os paradigmas dos estudos teológicos cristãos que
olham para a história não apenas sob o foco do passado, mas também do presente,
Ensino Teológico (ABIBET).
1
através da ação ética e participativa no cotidiano da vida, e também para o futuro
num enfoque escatológico. Na visão cristã do tempo a história é linear, contínua e
voltada para um fim. Essa é a explicitação do pressuposto teológico do pensar
história no cristianismo e, contrariamente ao que se pensa, o “telos da fé cristã não é
uma hecatombe universal, mas a plenitude dos valores do Reino de Deus”
(Siepierski, p. 31).
Neste livro mencionado3, produzido no Brasil, Paulo D. Siepierski foi o
que mais objetivamente tratou de historiografia. Os demais artigos procuram fazer
uma conexão da história com a teologia, sociologia religiosa ou indicam o papel do
ensino da história nos seminários.
Um outro livro localizado4, produzido na América do Norte, sem dúvida
enfocará mais a história sob o ângulo de visão da historiografia americana. Mesmo
assim, é um livro que apresenta boas contribuições à historiografia da igreja. Há nele
uma preciosa informação quando afirma que “antes de meados do século XVIII, o
estudo da história da igreja não era crítico; invariavelmente era escrito por um ponto
de vista confessional” (p. 11).
Na realidade, esta abordagem histórica transpassa o século XVIII e
chega até nossos dias. A título de exemplo vou relacionar a seguir de forma
resumida obras referenciais de história da igreja, publicadas em português, do ponto
de vista cristão evangélico e seus enfoques historiográficos:
3
4
DREHER, Martin N. (org). 1994. História da igreja em debate. São Paulo : ASTE.
BRADLEY, James E. & MULLER, Richard A. 1995. Church history : na introduction to research,
reference works, and methods. Grand Rapids, Michigan, Estados Unidos : William B. Eerdmans.
2
Autor / Ano
Azevedo (1980)
Braga (s.d.)
Cairns (1984)
Ferreira (1996)
González (coleção
– 11 vols., diversas
datas)
Hallock & Ferreira
(1998)
Hinson & Siepierski
(s.d.)
Ênfase historiográfica e/ou temática
história por períodos (ênfase sócio-política)
história narrativa, história por períodos (ênfase confessional)
história por períodos (ênfase político-dogmática-social)
história documental
história narrativa, história por períodos (ênfase ênfase políticodogmática-social-filosófica-misionária), história do cotidiano,
história por períodos administrativos, periodizada por reitores
histórica da educação cristã primitiva, história da liturgia e
ritos cristãos (batismo e ceia), história da prática ministerial do
cristianismo primitivo, história dogmática, história da
espiritualidade
Martínez (1997)
história narrativa, história dogmática
Mesquita (1937 e história narrativa, história por períodos (ênfase missionária,
1940)
política, social), história étnica
Muirhead
(1959, história narrativa, história política, história dogmática, história
1963 e 1949)
confessional, história por períodos (enfoque políticodogmático)
Nichols (1978)
história narrativa, história comparada (mundo civil e mundo
religioso), história dogmática, história política
Oliveira (1997)
história política e dogmática
Pereira (1972)
história narrativa, história dogmática, história da expansão
missionária-geográfica, história biográfica de líderes
Pereira (1982)
história dogmática, política, missionária, biográfica de líderes,
da educação
Reily (1993)
história documental
Renwick (1986)
história por períodos (ênfase político-dogmática)
Schalkwijk (1989)
história política, história da expansão missionária, história
social
Tognini (1993)
história
narrativa-depoimento-biográfica
(memória?)
–
fundador do movimento
Torbet & Faicloth história narrativa, história dogmática, história da expansão
(1959)
missionária-geográfica
Walker (1967)
história por períodos (ênfase político-dogmática), história
história da expansão missionária-geográfica
Williams (1993)
história por períodos (ênfase político-dogmática)
Quadro I – sumário das ênfases
historiográficas da história da igreja
(textos em português)
3. A historiografia da igreja – uma análise à luz da historiografia
contemporânea
Observando-se a listagem acima é possível concluir que a ênfase na
história da igreja tem sido de natureza política, uma vez que, ou ela é escrita por
3
períodos divididos à luz da história política mundial, ou é escrita à luz de períodos
conciliares que demarcam não apenas descobertas teológicas e temáticas, mas
tensões políticas surgidas no maio do cristianismo. Não trouxemos aqui, mas os
livros de história de missões, geralmente são biográficos enfatizando os líderes dos
momentos missionários. Outro enfoque gira em torno da influência da teologia, ou
como chamei, história dogmática que centraliza-se nas controvérsias teológicas.
Pela característica do cristianismo, há também o enfoque que privilegia a sua
expansão missionária, isto é, que descreve como a crença na mensagem do
evangelho foi anunciada aos diversos povos, considerados geográfica e
etnicamente.
Pouca coisa tem se observado no que diz respeito ao tratamento de
temas contemplados pela historiografia contemporânea, tais como, cotidiano, vida
privada dos cristãos, vida doméstica, micro-história, história da espiritualidade, da
educação, vida doméstica, das mulheres, da sexualidade no cotidiano da igreja
cristã. Acrescentamos ainda, a história dos livros religiosos (devocionais), sagrados
e educacionais religiosos e a influência destes materiais escritos na vida da igreja e
do cristão em particular, etc. Então, os historiadores do cristianismo5, demonstra na,
maioria das vezes, que sua preocupação é com o coletivo, com os enfoques macrohistóricos do cristianismo como movimento. A tabela anteriormente citada demonstra
que o historiador tem quase nenhuma preocupação com a micro-história, com o
particular, com o indivíduo. Quem sabe precisaríamos ouvir E. P. Thompson (1981)
quando diz que “o historiador examina vidas e escolhas individuais, e não apenas
acontecimentos históricos (processos)”6 (p. 52).
Isto
sem
contar
com certas
abordagens
historiográficas
que
possibilitariam uma análise não apenas da narrativa dos fatos, mas dos movimentos
por trás destes fatos históricos, como poderia ser feito utilizando-se as matrizes
referenciais da história-problema, por exemplo. Aliás seguindo esse referencial
histórico é que lanço a seguir algumas hipóteses de trabalho para se escrever a
história da educação teológica batista no Brasil.
Uma vez que os assuntos religiosos são considerados dogmáticos e de
natureza impermeável, é claro que há um certo risco em abordar temas históricos
envolvendo esses assuntos através de uma óptica aberta que oferece um sem
número de possibilidades. Mas há de se fazer uma diferença entre história e
5
A abrangência que dou neste ensaio é a historiadores evangélicos.
4
teológica dogmática, e entre a história e a própria Bíblia. Será preciso refletir que a
história não é infalível, não é a Bíblia. Thompson (1981) nos ensina que “o objeto do
conhecimento
histórico
é
a
história
‘real’,
cujas
evidências
devem
ser
necessariamente incompletas e imperfeitas” (p. 50). A história será a representação
construída pelo historiador. Será, portanto, uma interpretação.
Não será, enfim, mais possível deixar de tratar a história da igreja como
uma narrativa de fatos passados e passivos, observáveis através da análise de
documentos conciliares ou bibliográficos, cujos dados sejam coligidos dentro dos
referenciais teóricos da historiografia positivista. Não será mais possível ocultar que
por trás destes fatos existiam pessoas, vidas, interesses, etc.
4. Em busca dos referenciais teóricos para uma história da educação teológica
batista no Brasil
É possível, por exemplo, escrever a história da educação teológica
batista no Brasil através da consulta de documentos, afinal a gênese desta história
não está muito longe de nós, está há cerca de 90 anos e há abundantes
documentos escritos. Eu poderia adotar os referenciais de uma historiografia
positivista e escrever uma história narrativa dos fatos conforme os depoimentos
documentais poderão oferecer. Mas, para ser fiel à minha visão analítica da história,
pretendo buscar outros referenciais históricos, aproveitando o que a historiografia
contemporânea nos ensina.
Assim, posso dizer que atualmente estou desenvolvendo pesquisa
histórica em que pretendo fazer uma investigação através do levantamento e
resgate de dados na história batista no Brasil dos ideais que determinaram a gênese
da ação educacional teológica batista. Neste sentido estou trabalhando na
reconstrução do caminho já percorrido historicamente pelas instituições de ensino
teológico batista no Brasil e analisar a influência dos ideais impulsores da gênese da
Educação Teológica Batista no Brasil, bem como a transformação sofrida por esses
ideais na história, e como esses ideais refletiram no desenvolvimento da Educação
Teológica Batista no Brasil através da influência sofrida na história. E a definição do
meu tema de trabalho e do problema que está sendo norteador de minha
investigação, poderão ser colocados nos seguintes termos:
Tema: A educação teológica batista no Brasil : uma análise histórica dos ideais da
6
Parêntese do autor.
5
Educação Teológica Batista no Brasil
Problema: Quais foram os ideais impulsores da implantação da Educação
Teológica Batista no Brasil e as suas transformações no tempo e como esses
ideais estavam relacionados com o “domínio político” dos batistas no Brasil?
Isto me leva a estabelecer que o principal objetivo de minha
investigação é a elaboração de uma leitura crítica buscando resgatar a relação dos
ideais da gênese e do decorrer da história com a ideologia dominante entre os
batistas brasileiros e verificar se isso refletiu como um fator reprodutivista da
educação teológica batista no Brasil. Neste sentido a pesquisa procura estudar se
houve sincronismo e influência entre as transformações dos ideais mobilizadores da
Educação Teológica e as tendências ideológicas/políticas dos batistas brasileiros
que cimentaram seus movimentos e fluxos históricos. Em outras palavras, de que
forma os ideais da Educação Teológica batista foram produto de forças coercitivas e
persuasivas do movimento batista no Brasil.
Então, em vez de optar por uma história-narrativa fazendo recortes no
tempo, destacando os principais momentos da história da educação teológica batista
no Brasil com o objetivo de colecionar e ordenar os acontecimentos, tenho optado
por uma outra matriz de trabalho. Em vez de optar por uma história-narrativa, opto
por uma história-problema.
Tenho consciência de que estou renunciando a indeterminação do meu
saber, isto é, do tempo, pois não estou preocupado, como afirma Furet (s.d., p. 84),
em contar o que se passou, mas em pontuar as questões selecionadas que já foram
apresentadas nos itens 3 e 4 acima. Escolho a matriz de análise história-problema,
pois ela me permite construir “o objeto de estudo delimitando não só o seu período,
o conjunto de acontecimentos, mas também os problemas colocados por esse
período e por esses acontecimentos” (p. 84).
Ao escolher a história-problema, reconheço “a impossibilidade de
narrar os fatos históricos ‘tal como se passaram’” por ela estarei escolhendo os
objetos no passado e os interrogando a partir do presente (Reis, 1996, p. 45). Assim,
para atender o referencial teórico adotado da história-problema a minha intenção em
primeiro lugar está sendo em organizar a análise do problema e não os períodos
históricos.
Estou consciente também de que deixando de lado a história-narrativa,
estou rompendo com a abordagem tradicional e com seu material tradicional que é o
6
acontecimento singular (Furet, s.d., p. 84). Mas, por outro lado, buscarei os sentidos
dos objetos da investigação proposta, integrando-os numa rede de significados (p.
84).
Sabemos que a abordagem através da história-problema conduz a
pesquisa histórica como
“a resposta a problemas postos no seu início e a verificação das hispóteses-respostas
possíveis. A partir da posição do problema, o historiador distribui suas fontes, dá-lhes
sentido e organiza as séries de dados que ele também terá construído. O texto
histórico é o resultado de uma explícita e total construção teórica e não mais o
resultado de uma narração objetivista de um processo exterior organizado em si. A
organização da pesquisa é feita a partir do problema que a suscitou : este vai guiar na
seleção dos documentos, na seleção e construção das séries de eventos relevantes
para a verificação das hipóteses, cuja construção ele exigirá”. (Reis, 1996, p. 46)
Ou como diz Furet (s.d., p. 85), “o historiador que procura colocar e
resolver um problema deve achar os materiais pertinentes, organizá-los e torná-los
comparáveis, permutáveis, de modo a poder descrever e interpretar o fenômeno
estudado a partir de um certo número de hipóteses conceituais”.
Como vemos, o “historiador não é um colecionador e empilhador de
fatos. Ele é um construtor, recortador, leitor e intérprete dos processos históricos ... o
passado e o fato histórico dados não engendram o historiador e a história, mas é o
historiador em seu presente que interroga o passado e constrói os dados
necessários à prova de suas hipóteses. O historiador constrói os seus fatos e não os
recebe automática e passivamente dos documentos.”(Reis, 1998, p. 38)
Ao deixar de lado a simples narração seqüencial dos acontecimentos,
será preciso buscar “fatos históricos menos vagos”, como diz Furet (s.d., p. 84).
Sendo assim, a pesquisa está selecionando e buscando os dados históricos com o
objetivo de encontrar respostas ao problema colocado que foi há pouco
apresentado.
A escolha desta matriz – história-problema – é feita pelo fato de que
reconheço, como Cardoso & Vainfas (1997, p. 8) que a “história vista como ‘ciência
do passado’ e ‘ciência do presente’ ao mesmo tempo: história-problema é uma
iluminação do presente, uma forma de consciência que permite ao historiador –
homem de seu tempo - , bem como aos seus contemporâneos a que se dirige, uma
compreensão melhor das lutas de hoje, ao mesmo tempo que o conhecimento do
presente é condição sine qua non da congnoscibilidade de outros períodos
históricos.” Sem dúvida, é uma abordagem historiográfica diferenciada do que se
tem praticado até o momento em termos da história eclesiástica, escrita mais sob o
7
enfoque da história-narrativa, da história-política e da história-dogmática ou
teológica, com os seus devidos recortes inclusive cronológicos7. Lanço aqui a
tentativa de se abordar os fatos eclesiásticos com outra óptica, com outra lente e
matriz, abrindo a oportunidade para outras abordagens à história da igreja,
enfocando suas mais variadas matrizes vivenciais, tais como o cotidiano dos
cristãos, a família cristã. a vida doméstica dos cristãos, a vida privada dos cristãos, a
vida das mulheres cristãs, a espiritualidade, a micro-história, etc.8
Além de tudo isso, estou considerando a hipótese de André Petitat
(1994, especialmente cap. 8), em que a escola tanto produz como reproduz a
sociedade em que está inserida. Neste processo a escola possui conteúdos
simbólicos, seja por seus métodos, seja por seus agentes e públicos (p. 200) que
são reprodutores ou produtores de interesses da sociedade ou do grupo de poder.
Até que ponto a educação teológica batista no Brasil foi resultado da reprodução de
alguma tendência ou interesse político, até que ponto ela mesma, através das
instituições e prática escolar e escolarizante tornou-se produtora de novas
tendências,
alternativas ou de algum imaginário? Pelo tempo disponível para a
pesquisa, é claro que meu foco contempla apenas um sentido do movimento
sociedade-escola-sociedade, que é o movimento no sentido sociedade(comunidade
batista – denominação batista) ® seminários.
Sem dúvida, esta abordagem muda o historiador “de posição e de
disposição: se antes era proibido, em tese, de aparecer na pesquisa, o que é uma
interdição impossível de ser cumprida, agora ele é obrigado a ‘aparecer’ e a
explicitar sua estrutura teórica, documental e técnica e o seu lugar social e
institucional” (Reis, 1996, p. 46). Como podemos observar, esta abordagem à
história requer a explicitação das hipóteses de trabalho, das intenções e interesses
do historiador. É isso que procuro fazer a seguir.
A educação teológica batista no Brasil teria sido implantada em busca
apenas de uma formação apologética e profissionalizante de modo a ser destinada à
formação de quadro de ministros religiosos para propagação e defesa da mensagem
do Evangelho? Neste sentido as instituições de educação teológica batista no Brasil
seriam instituições de ensino, ou incluiriam aspectos de instituições de pesquisa
7
Em geral, História de Israel, Período da Igreja Primitiva, Período dos Pais da Igreja, Período da
Igreja Medieval, Período da Igreja Moderna (incluindo a Reforma Protestante) e Período da Igreja
Contemporânea.
8
Sobre isso veja os livros de Dreher (org., 1994) e Bradley & Muller (1995)
8
também? Dando aqui também um enfoque de análise em políticas da educação.
É possível ampliar essa hipótese de trabalho, da seguinte forma:
4.1. O ponto de partida da pesquisa histórica visa buscar informações
para determinar qual a relação da instituição escolar com o domínio político
institucional dos batistas no Brasil. Considero a expressão "domínio político" à
luz da definição de Chapoulie & Briand (1994 : 27) quando incluem
"o conjunto das instâncias e das categorias dos atores: 1) que participam das
controvérsias, tendo por objetivo a definição daquilo que deve ser a instituição
escolar; 2) que estão envolvidos nas decisões referentes à sua definição (por
exemplo, as decisões sobre a fundação das escolas, sua organização
pedagógica, o montante financeiro de um dado tio de ensino etc.)".
4.2. Uma das preocupações na pesquisa é analisar os fatos históricos
para verificar se a educação teológica batista no Brasil foi iniciada e
construída de modo a "escolarizar"
o aluno reproduzindo nos futuros
ministros religiosos uma tendência ou interesse esperado.
4.3. Uma outra perspectiva ou matriz que se pretende descobrir na
pesquisa histórica se refere ao lugar da especificidade da vocação do aluno
no ideário da educação teológica batista no Brasil.
4.4. Em resumo, o aluno seria "escolarizado" dentro de uma matriz
educacional pré-formatada ou suas tendências pessoais e vocacionais seriam
consideradas no sistema educacional. Neste caso seria necessário fazer o
levantamento dos seguintes dados históricos, dentre outros já mapeados, na
vida das instituições:
- processo de seleção de ingresso;
- processo de elaboração do sistema educacional:
- objetivos educacionais
- grade curricular:
- tipos de matérias
- seleção de conteúdos
- critérios para a seleção de professores
- abrangência do processo educacional: saber, fazer, ser, sentir
e conviver
- sistema de avaliação docente
- processo de colocação no mercado de trabalho do aluno formado
5. Conclusão
Como vimos, a história da igreja pode ser escrita de diversas maneiras,
9
utilizando-se diversos pontos de vista. Essa diversidade será determinada pelo
referencial teórico adotado pelo historiador. Esse referencial teórico demonstrará
seus interesses, seus objetivos, e deverá deixar claro suas hipóteses específicas de
trabalho.
Principalmente no campo da religiosidade precisaremos reconsiderar
os referenciais historiográficos que estão sendo utilizados de modo a contemplarmos
também os diversos componentes da história. A história não foi só “desenhada”
pelos grandes líderes religiosos, muito menos pelos movimentos doutrinários e
conciliares. Há indivíduos, famílias, relacionamentos diversos que também formam o
compósito geral do fio temporal da história, que não podem mais deixar de serem
resgatados e de figurarem no quadro da história da igreja. A pesquisa a que me
proponho é uma pequena tentativa de contribuir para essa visão inclusiva da
história.
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Fonte: indicar os dados da nota 1 e que obteve o texto no web-site: www.teologica.br
12
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