OHB no Brasil e no Mundo Dr. Magno Santos Leite A Medicina hiperbárica é a especialidade médica que se ocupa das influências causadas pelo aumento da pressão atmosférica sobre o organismo humano, sejam de ordens fisiológicas ou patológicas. Dessa forma ela se subdivide em duas grandes áreas: a primeira engloba as atividades desenvolvidas em ambientes com pressão atmosférica elevada (p.ex. mergulho, trabalho em tubulões,etc), cujos princípios e fisiológicos se assemelham em muito àqueles relacionados ao trabalho em ambientes hipobáricos (ou com baixas pressões atmosféricas) mas cujo estudo é da esfera da medicina aeroespacial. A outra grande área refere-se à utilização do ambiente hiperbárico associado à oxigenoterapia hiperbárica (OHB). Esta consiste na respiração de oxigênio puro em concentrações maiores que 100%, que só são atingidas com o auxílio de câmaras que aumentem a pressão atmosférica, ou câmaras hiperbáricas. Existem dois tipos de câmaras: aquelas que comportam apenas um indivíduo, habitualmente comprimida com oxigênio puro, chamada de monopaciente, onde os pacientes respiram normalmente sem o auxílio de nenhum aparato; e aquelas que comportam várias pessoas, comprimidas com ar e onde os pacientes respiram oxigênio puro através de máscaras faciais apropriadas, também chamadas de multipaciente. Quando um indivíduo encontra-se embaixo d'água, mergulhando por lazer ou trabalho, ou trabalhando embaixo da terra, ou dentro de uma câmara hiperbárica, todas as suas cavidades aéreas, naturais ou artificiais (p.ex. máscara de mergulho) estarão sujeitas a uma compressão volumétrica e a não compensação ou equilíbrio desta compressão poderá ocasionar lesões ou traumas nestas cavidades, também chamados de barotraumas, ou acidentes de ordem mecânica. Além disso, se o indivíduo estiver respirando (não estiver em apnéia voluntária), estará consumindo gases numa concentração maior que normalmente respira em pressão ambiente normal e portanto, sujeito a intoxicações por qualquer um dos compostos da mistura que estiver respirando. Em mergulhos, isso pode ocorrer com o nitrogênio, também chamado de narcose das profundezas; ou com o gás carbônico (caso o gás respirado não tenha sido adequadamente filtrado). Em mergulhos profundos utiliza-se muito o gás hélio como gás inerte e veículo ao oxigênio, também sujeito a sua intoxicação. Por fim, tanto em mergulhos, mas, sem dúvida, muito mais na oxigenoterapia hiperbárica, temos ainda risco de intoxicação pelo próprio oxigênio. Essas intoxicações também são chamadas de acidentes de ordem química. No entanto, o oxigênio e o CO2 são gases envolvidos no processo respiratório, mas o nitrogênio ou o hélio são gases inertes, que servem apenas de veículo de transporte aos gases anteriores. Infelizmente são também absorvidos e eliminados na respiração, estando em concentrações de equilíbrio nos diversos compartimentos do corpo humano, intra e extra celulares. Respirar concentrações maiores desses gases gera desequilíbrios de concentrações entre os compartimentos, o que pode induzir ao aparecimento de bolhas. Estas geram inflamações no local onde são produzidas ou caem na circulação levando a embolias gasosas. São os chamados acidentes de descompressão ou de ordem biofísica. Pode-se dizer que a oxigenoterapia hiperbárica teve seu início no final do século passado quando Paul Bert publicou seu famoso tratado La pression barométrique, em 1878, onde alertava para os efeitos tóxicos do uso de oxigênio a altas pressões sobre o SNC. Logo após, Lorrain Smith, em 1899, publicou seu trabalho sobre os efeitos tóxicos do oxigênio a altas pressões a nível pulmonar. De lá para cá, houve grande desenvolvimento, sobretudo devido ao impulso dado pelo mergulho na época da 2ª Grande Guerra, mas ficou limitado às instituições militares. Somente a partir dos trabalhos de Boerema, em 1960, é que a oxigenoterapia hiperbárica firma-se como modalidade de tratamento não apenas para acidentes relacionados ao mergulho, mas também para outras patologias, baseadas nos princípios da ação terapêutica do oxigênio. Em 1965 foi realizado o 1º Simpósio sobre Oxigenoterapia Hiperbárica, em Nova Iorque e em 1967 foi fundada a Undersea Medical Society, com sede nos Estados Unidos. Em 1988 estimativas mostravam uma distribuição de câmara hiperbárica por todo o Globo, 320 no EUA, 1500 na então URSS, 300 no Japão, mais de 60 na Europa. No Brasil, a OHB remonta de 1932, quando o Dr. Álvaro Ozório de Almeida montou a primeira câmara hiperbárica da América Latina, no Hospital Graffé-Guinle. no Rio de Janeiro, com grandes sucessos contra a lepra lepromatosa. Após uma grande lacuna, onde tratamentos e pesquisas ficaram restritos ao Hospital de Base Almirante Castro e Silva da Marinha, em 1986 inicia-se o funcionamento da primeira unidade universitária de medicina hiperbárica na UNICAMP, sob comando do Dr. Paulo Eduardo Iazzetti. Atualmente contamos com algumas câmaras hiperbáricas na cidade de São Paulo, a imensa maioria do tipo monopaciente, outras no Rio de Janeiro, em Recife e projetos para conclusão no interior de São Paulo, Salvador e no Sul do País. As indicações para tratamento com OHB foram estabelecidas pela resolução 1457/95 do CFM e incluem: embolias gasosas , doenças descompressivas, embolias traumáticas pelo ar, envenenamento por CO2, fumaça, cianeto ou derivados cianídricos, gangrena gasosa, Síndrome de Fournier e outras infecções necrotizantes de tecidos moles, isquemias agudas traumáticas, esmagamento, síndrome compartimental, reimplante de membros, vasculites agudas, queimaduras, lesões refratárias, lesões por irradiação, retalhos e enxertos comprometidos, osteomielites, anemia aguda na impossibilidade de transfusão. Outras indicações ainda são objeto de investigação clínica, como acidente vascular cerebral agudo, colite pseudomembranosa, surdez súbita; e existem ainda indicações que estão em fase de estudos experimentais (coronariopatias, choque, estados pós-anóxicos, entre outras). Evidentemente, cada indicação comporta um protocolo de tratamento baseado no número de sessões a ser empregado de acordo com o tempo de exposição ao oxigênio em cada sessão e com a pressão ambiente utilizada dentro da câmara, com o objetivo de proporcionar o melhor efeito terapêutico sem expor o paciente aos riscos de intoxicação pelo oxigênio.