Universidade Federal de Pernambuco Centro de Ciências Sociais Aplicadas Departamento de Ciências Administrativas Programa de Pós Graduação em Administração – PROPAD Albino Alves Nito da Silva Simione Governança no Setor Público Moçambicano: um Estudo no Município de Xai-Xai Recife 2012 UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO CLASSIFICAÇÃO DE ACESSO A TESES E DISSERTAÇÕES Considerando a natureza das informações e compromissos assumidos com suas fontes, o acesso a monografias do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal de Pernambuco é definido em três graus: - "Grau 1": livre (sem prejuízo das referências ordinárias em citações diretas e indiretas); - "Grau 2": com vedação a cópias, no todo ou em parte, sendo, em consequência, restrita a consulta em ambientes de biblioteca com saída controlada; - "Grau 3": apenas com autorização expressa do autor, por escrito, devendo, por isso, o texto, se confiado a bibliotecas que assegurem a restrição, ser mantido em local sob chave ou custódia; A classificação desta dissertação/tese se encontra, abaixo, definida por seu autor. Solicita-se aos depositários e usuários sua fiel observância, a fim de que se preservem as condições éticas e operacionais da pesquisa científica na área da administração. ___________________________________________________________________________ Título da Dissertação: Governança no Setor Púbico Moçambicano: um estudo no Município de Xai-Xai Nome do Autor: Albino Alves Nito da Silva Simione Data da aprovação: Classificação, conforme especificação acima: Grau 1 Grau 2 Grau 3 Recife, 19 de Dezembro de 2012 _______________________________________ Assinatura do Autor Albino Alves Nito da Silva Simione Governança no Setor Público Moçambicano: um Estudo no Município de Xai-Xai Orientadora: Profa. Dra. Jackeline Amantino de Andrade Dissertação apresentada como requisito complementar para obtenção do grau de Mestre em Administração, área de concentração em Gestão Organizacional, do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal de Pernambuco. Linha de Pesquisa: Organização Cultura e Sociedade Recife, 2012 Universidade Federal de Pernambuco Centro de Ciências Sociais Aplicadas Departamento de Ciências Administrativas Programa de Pós Graduação em Administração – PROPAD Governança no Setor Público Moçambicano: um Estudo no Município de Xai-Xai Albino Alves Nito da Silva Simione Dissertação submetida ao corpo docente do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal de Pernambuco e aprovada em 19 de Dezembro de 2012. Banca Examinadora: ________________________________________________________________ Profa. Dra. Jackeline Amantino de Andrade Universidade Federal de Pernambuco – PROPAD/UFPE (Orientadora) ________________________________________________________________ Profa. Dra. Helena Lúcia Augusto Chaves Universidade Federal de Pernambuco – DSS/UFPE (Examinador Externo) ________________________________________________________________ Prof. Dr. Sérgio Alves Universidade Federal de Pernambuco – PROPAD/UFPE (Examinador Interno) Catalogação na Fonte Bibliotecária Ângela de Fátima Correia Simões, CRB4-773 S589g Simione, Albino Alves Nito da Silva Governança no setor público Moçambicano: um estudo no Município de Xai-Xai / Albino Alves Nito da Silva Simione. - Recife : O Autor, 2012. 154 folhas : il. 30 cm. Orientador: Profª. Dra. Jackeline Amantino de Andrade. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco. CCSA. Administração, 2012. Inclui bibliografia e apêndice. 1. Reforma administrativa. 2. Gestão pública. 3. Interesse público. 4. Governança interativa. I. Andrade, Jackeline Amantino de (Orientador). II. Título. 658 CDD (22.ed.) UFPE (CSA 2012 – 154) Dedico este trabalho a minha família especialmente, ao meu pai Albino Simione e a minha mãe Leonor Mavila, que graças a eles a este mundo vim a existir. A minha esposa querida Zita Tomás pelo companheirismo, encorajamento e por me ter apoiado a trilhar por este caminho da minha formação no exterior, por me ter acompanhado nos últimos momentos da realização deste trabalho. Uma dedicatória especial para Wathu Simione meu filho, que me ofereceu mais uma oportunidade de ser feliz, filho querido e amado este trabalho é inteiramente seu. Agradecimentos Especial a Tatana Moemedi, pelos ensinamentos e por ter iluminado os caminhos pelos quais trilhei nestes dois últimos anos, pela benção e pela proteção divina oferecida, “Khotso Ntate”. Agradeço ao África América Institute – IFP, nas pessoas da Dra. Célia Diniz e do Prof. Mouzinho Mário, que na direção daquela instituição de apoio ao desenvolvimento do ensino superior em Moçambique, me proporcionaram a oportunidade de trilhar o caminho da formação na Pós-graduação e por terem contribuído para a concretização de um desejo pessoal de continuação dos meus estudos no Brasil com vistas a aprimorar e desenvolver maiores competências na área de Administração. Agradeço, ainda, à Fundação Ford que acreditou no meu projeto e apostou em mim atribuindo a Bolsa de Estudos que permitiu a minha estadia durante dois anos em Recife, buscando a materialização do sonho da minha formação na Pós-graduação. Agradeço ao Programa de Pós-graduação em Administração – PROPAD, da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, primeiro por me ter aceitado no programa e pela excelência na formação e pela oportunidade oferecida em seu curso de Mestrado em Administração, por meu aprimoramento acadêmico, profissional e pessoal. Faço um agradecimento especial a minha orientadora, Professora Jackeline Amantino de Andrade, pela dedicação, competência, rigor acadêmico e pelas valiosas e fundamentais intervenções, que contribuíram sobremaneira para o enriquecimento desta dissertação. Aos professores do curso de Mestrado em Administração do PROPAD, com especial destaque para Sérgio Alves e Walter Moraes de Araújo, que enquanto decorria a minha formação sempre se mostraram preocupados e se disponibilizaram em me prestar o apoio necessário e incondicional, seus ensinamentos muito acrescentaram e contribuíram na elaboração deste trabalho. Aos colegas da turma de Mestrado – 17 cujo convívio muito me alegrou e enriqueceu e direta ou indiretamente contribuíram de várias maneiras para que o meu percurso acadêmico fosse coroado de êxitos, especialmente para Osíris Cunha Fernandes que noite e dia nos reunimos para discutir temas interessantes acerca do fazer científico e juntos perspectivamos um futuro promissor para o desenvolvimento da ciência em nossa querida Mãe África. À Virginia Vasconcelos pelas ricas ideias e sugestões em todas as ocasiões em que juntos procuramos abordar o tema da Governança durante as nossas sessões de estudo dirigido. Aos órgãos diretivos do Município de Xai-Xai e aos funcionários desta municipalidade que contribuíram durante a fase de pesquisa de campo, concedendo as entrevistas realizadas naquela instituição. Por fim, agradeço aos representantes das organizações do setor privado em especial o Presidente do Conselho Empresarial Provincial de Gaza e da sociedade civil nas pessoas do Diretor Executivo e do Oficial de Programas do Fórum das Organizações Não Governamentais de Gaza que participaram na pesquisa, pela excelente receptividade e concessão de entrevistas que deram suporte as análises do presente estudo com suas valiosas informações. Resumo Esta pesquisa aborda a questão das reformas administrativas e a aplicação de novas práticas de gestão pública voltadas para o alcance de melhores resultados e maior efetividade das ações da administração pública na resposta das demandas da sociedade e na implementação de políticas públicas. Relativamente ao processo de reforma administrativa do Estado de Moçambique, busca relacionar as concepções do modelo da EGRSP (2006-2011) com as abordagens teóricas das novas práticas de gestão pública contemporânea. A análise empírica desenvolvida se ocupou em compreender como têm sido implementadas essas novas práticas de gestão pública no contexto do Município de Xai-Xai. Os resultados obtidos na pesquisa sugerem à existência de vários condicionantes a aplicação efetiva de algumas práticas como, a transparência, o controle social e participação pública. Esses obstáculos estão relacionados com a fraca capacidade institucional e a ainda reduzida preparação técnica do município para garantir uma completa e eficaz utilização desses mecanismos de gestão pública propostos. O estudo assinala igualmente a existência de algumas ações inovadoras nesse processo, relacionadas com a utilização de instrumentos de gestão como os planos anuais e estratégicos, os conselhos consultivos e uma tendência positiva para o envolvimento das comunidades no processo de formação das políticas públicas. Conclui-se que apesar de existirem esforços para a implementação das ações de reforma ao nível do município, o processo de adoção das novas práticas de gestão se mostra ainda desafiador no sentido de que deve ser aprimorada maior parte das medidas e iniciativas atualmente em implementação. Palavras-Chave: Reforma administrativa. Gestão pública. Interesse público. Governança interativa. Abstract This research addresses the issue of administrative reforms and the implementation of new public management practices focused on achieving better results and greater effectiveness of the actions of government in response to the demands of society and the implementation of public policies. Regarding the process of administrative reform of the State of Mozambique, seeks to relate the concepts of model EGRSP (2006-2011) with the theoretical approaches of new management practices. The empirical analysis busied understand how these have been implemented new public management practices in the context of the city of Xai-Xai. The results obtained in this research suggest the existence of various constraints to effective implementation of some practices as transparency, public participation and social control. These obstacles are related to weak institutional capacity and further reduced technical preparation of the municipality to ensure full and effective use of public management mechanisms proposed. The study also points to the existence of some innovative actions in this case, related to the use of management tools such as annual plans and strategic advisory councils and a positive trend for community involvement in the process of formation of public policy. We conclude that although there are efforts to implement the actions of reform at the municipal level, the process of adoption of new management practices is even challenging in the sense that it must be improved most measures and initiatives currently being implemented. Keywords: Administrative reform. Public management. Public interest. Interactive governance. Lista de Abreviaturas e Siglas AGP – Acordo Geral de Paz BAU – Balcão de Atendimento Único BM – Banco Mundial CIRESP – Comissão Interministerial para a Reforma do Setor Público EDM – Eletricidade de Moçambique EGRSP – Estratégia Global de Reforma do Setor Público FIPAG – Fundo de Investimento do Patrimônio de Abastecimento de Água FMI – Fundo Monetário Internacional FRELIMO – Frente de Libertação de Moçambique GdM – Governo de Moçambique IFAC – International Federation of Accountants IGF – Inspeção Geral de Finanças MAE – Ministério da Administração Estatal MNR – Movimento Nacional de Resistência NODAEC – Normas de Organização e Direção do Aparelho de Estado Central NPM – New Public Management NPS – New Public Service OE – Orçamento do Estado PAA – Planos Anuais de Atividades PEDMXX – Plano Estratégico de Desenvolvimento do Município de Xai-Xai PPA – Planos Plurianuais PPP – Parcerias Público-Privadas PRE – Programa de Reabilitação Econômica PROL – Programa de Reforma dos Órgãos Locais RENAMO – Resistência Nacional de Moçambique RSP – Reforma do Setor Público SISTAFE – Sistema de Administração Financeira do Estado TA – Tribunal Administrativo UGEA – Unidade Gestora de Aquisições UTRAFE – Unidade Técnica de Reforma da Administração Financeira do Estado Lista de Quadros Quadro 1: Resumo das dimensões conceituais da governança no setor público 55 Quadro 2: Síntese das etapas dos procedimentos de coleta e análise de dados da pesquisa 60 Quadro 3: Relação dos entrevistados na pesquisa 63 Quadro 4: Resumo dos procedimentos adotados no estudo 66 Quadro 5: Comparação das categorias de estudo identificadas na literatura e o modelo da reforma da EGRSP 69 Quadro 6: Abordagens e mecanismos da modernização e melhoria da qualidade dos serviços municipais 74 Quadro 7: Instrumentos utilizados para a melhoria do desempenho organizacional 83 Quadro 8: Dimensões do processo de controle gerencial no Município de Xai-Xai 89 Quadro 8.1: Instrumentos de controle dos planos e ações municipais 91 Quadro 9: Instrumentos de transparência utilizados na gestão municipal 98 Quadro 10: Práticas de participação pública na gestão do Município de Xai-Xai 105 Quadro 10.1: Limitações ao processo de controle social no Município de Xai-Xai 110 Quadro 11: Práticas de articulação município-sociedade 118 Quadro 12: Dinâmica das relações intergovernamentais entre o Município de Xai-Xai e o Estado 126 Sumário 1 Introdução 13 1.1 15 A caracterização do problema de pesquisa 1.2 Os objetivos da pesquisa 1.2.1 Geral 1.2.2 Específicos 28 28 28 1.3 29 2 A Justificativa e Relevância do Estudo Referencial Conceitual 33 2.1 A New Public Management e a Modernização da Gestão Pública 33 2.2 O Interesse Público e a Accountability 39 2.3 A Governança interativa 46 3 Os Procedimentos Metodológicos 56 3.1 A Classificação da pesquisa 3.1.1 O Método de pesquisa 3.1.2 A Coleta e Análise de Dados 56 58 59 3.2 66 4 4.1 As Limitações da pesquisa Os Resultados da Pesquisa A Comparação das Categorias do Estudo 68 68 4.2 O Caso em Estudo: a Modernização da Gestão Pública Municipal 4.2.1 A Qualidade dos Serviços Públicos 4.2.2 O Desempenho Organizacional 71 72 82 4.3 A Accountability na Gestão Municipal 4.3.1 O Controle e Responsabilidade Gerencial 4.3.2 A Transparência na Gestão 87 87 96 4.4 A Governança Interativa 4.4.1 A Participação Pública e Controle Social 4.4.2 As Articulações Externas e Parcerias Município-Sociedade 4.4.3 A Articulação e Coordenação Intergovernamentais 103 104 116 124 5 136 Conclusão 13 1 Introdução A crescente necessidade de modernização da administração pública decorrente das elevadas pressões e exigências socioeconômicas e políticas do mundo contemporâneo verificadas nos últimos anos, têm suscitado aos Estados e governos desafios enormes relacionados com a realização de reformas administrativas. Essas reformas têm em vista a adoção de novas práticas de gestão pública consideradas fundamentais para responder aos problemas da eficiência e eficácia, da afirmação do interesse público como fundamento da atuação dos organismos estatais e, sobretudo do relacionamento entre o Estado e a sociedade no processo de formação e implementação de políticas públicas. Nesse esforço, em sentido mais global, além da preocupação permanente em elevar o nível de desempenho da gestão pública, busca-se a transparência, a responsabilidade a prestação de contas e maior participação pública dentro da administração pública. Para tal as mudanças tem sido orientadas para as estruturas, processos e práticas de gestão pública como forma de responder as também crescentes demandas da sociedade pelo oferecimento de serviços públicos de maior qualidade. No que se refere à realidade moçambicana, a definição pela Estratégia Global de Reforma do Setor Público (EGRSP, 2006-2011) da necessidade de se introduzir mudanças na administração pública possui um valor fundamental para a adoção das novas práticas de gestão pública, o que ressalta a importância de se examinar quais as concepções que orientam o modelo de reforma administrativa em Moçambique e sobre que pressupostos ou bases este se estabeleceu. A EGRSP (2006-2011) representa um plano com caráter indicativo e orientador para as mudanças pretendidas no aparelho do Estado que privilegia essencialmente mudanças institucionais, mas também as relacionadas com a reestruturação do Estado e redefinição da relação entre o Estado e a sociedade como medidas para a adoção dessas novas práticas de gestão pública. De acordo com as considerações feitas acima, a presente dissertação tem como objetivo explorar as questões conceituais, empíricas e administrativas geradas pelas reformas da administração pública e utilização de novos conceitos e abordagens sobre a gestão pública, destacando a análise sobre como tem ocorrido o processo de implementação dessas novas práticas de gestão pública no contexto do funcionamento do Município de Xai-Xai. O tema 14 governança no setor público tem como referência as práticas de gestão pública que vêm sendo implementadas dentro das diferentes concepções que têm norteado os processos de reformas administrativas realizadas nos diversos países do mundo inteiro. Para alcançar este propósito o estudo realizado se auxiliou da revisão bibliográfica, análise de documento da reforma administrativa em Moçambique e entrevistas com atores públicos, do setor privado e representantes da sociedade civil que interagem no processo de gestão do Município de XaiXai. Para além da presente introdução e da conclusão, a dissertação está dividida em quatro partes: na primeira discorre sobre a contextualização do problema de pesquisa que assenta a ênfase especificamente, nos diferentes processos de reformas administrativas realizadas em Moçambique, considerando as mudanças no período pós-independência, passando pelas reformas realizadas no contexto do ajuste estrutural e democratização do estado e, por fim as ações de reformas da última década voltadas para a modernização do setor público. Aqui se apresentam igualmente os objetivos da pesquisa, a sua justificativa e relevância. Na segunda parte discorre-se sobre o referencial conceitual que dá suporte ao estudo e a perspectiva exposta se baseia em três dimensões conceituais associadas às novas práticas de gestão públicas, sendo que: (i) se apresentam as concepções que estiveram na origem da New Public Management e modernização da gestão pública; (ii) são expostas as concepções sobre as novas práticas voltadas a constituição o interesse público e a accountability no processo de gestão pública e; (iii) se apresentam as concepções que advogam a constituição de práticas de governança interativa fundamentadas no maior acesso e influência do Estado e as demais organizações da sociedade civil e do setor privado no âmbito da gestão pública. Na terceira parte são apresentados os procedimentos metodológicos que nortearam a realização de pesquisa e se discorre sobre a classificação e natureza da pesquisa, o método aplicado no processo de investigação bem como, os procedimentos que orientaram a coleta dos dados e a respectiva análise. Na quarta e última parte o estudo se ocupa da apresentação dos resultados do estudo e enfatiza primeiramente a comparação entre as concepções do referencial conceitual e as do modelo da reforma administrativa em Moçambique. Na sequência, relativamente ao caso em estudo são apresentados os resultados das práticas de gestão pública implementadas no contexto municipal, a partir das análises que consideram aspetos como, a qualidade de serviços, o desempenho organizacional, o controle gerencial, as articulações externas no contexto da gestão municipal. 15 1.1 A caracterização do problema de pesquisa Nas últimas três décadas a administração pública moçambicana passou por transformações profundas como resultado dos diversos fenômenos políticos, sociais e econômicos que têm marcado a construção do Estado Moçambicano. Ao longo desse período o país passou por vários ciclos de reformas do Estado e administrativas justificadas pela necessidade de mudanças para promover maior eficiência, eficácia e efetividade na atuação do Estado e das suas instituições no âmbito do cumprimento das suas funções principais. As transformações realizadas têm repercutido tanto nas estruturas estatais e processos de gestão pública como na relação estabelecida entre o Estado e a sociedade. Embora possa se dizer que esses ciclos de reformas foram originados e impulsionados por fatores relativamente diferentes em razão das justificativas políticas e econômicas que marcaram cada período histórico específico da administração pública, maior parte das vezes as mudanças implementadas estiveram relacionadas com a necessidade de superação dos problemas que afetam os processos administrativos originados por um lado, pela existência de estruturas consideradas excessivamente burocráticas e hierarquizadas, que possuem procedimentos padronizados e, por outro, com a demasiada centralização e fragilidades no processo de controle e accountability, entre outros. Assim sendo, a análise das novas práticas de gestão pública delineadas na Estratégia Global de Reforma do Setor Público (EGRSP, 2006-2011) deve ter em consideração a dinâmica dos ciclos de reformas administrativas desencadeadas ao longo dos últimos trinta e sete anos (1975-2012) e, as mudanças realizadas quer no caráter que foi sendo adotado pelo Estado e o papel atribuído as suas instituições e as transformações correspondentes aos modelos de administração que foram sendo implementados nesse período. Nesta perspectiva, os diferentes ciclos de reformas administrativas realizadas em Moçambique podem ser enquadrados dentro de três perspectivas em que se distinguem: (i) as que dizem respeito à criação de uma administração pública implantada nos moldes do Estado socialista (1975-1986); (ii) as referentes à instauração de um modelo de administração pública descentralizada e promotora da autonomia na sua gestão (1987-2000); (iii) as que se baseiam na institucionalização de práticas de gestão pública que consideram uma maior interação entre o Estado e a sociedade (2001-2011). 16 Primeiramente, os programas de transformação do Estado e da administração pública tiveram início logo após o fim do período de ocupação e colonização portuguesa decorrida de 1498 a 1974 e a ascensão da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) como a entidade política que assumiu o governo e a orientação política básica do Estado. Deste modo, pode-se dizer que o alcance da independência nacional em 1975 como resultado do desencadear da luta pela liberdade contra a dominação colonial, representou o começo dos processos recentes de reformas do Estado e administrativas em Moçambique. Essa “mudança histórica” introduziu uma nova etapa na administração do Estado que se fundamentou na institucionalização de um sistema político, econômico e social conduzido pela ideologia socialista (ABRAHAMSSON; NILSSON, 1995; SOIRI, 1999; MACAMO; NEUBERT, 2003). A principal preocupação do Governo de Moçambique (GdM) no período após a declaração da independência nacional estava relacionada com a implementação de um sistema administrativo que priorizasse a supressão do regime de administração colonial portuguesa e a “destruição” das suas estruturas organizativas e funcionais – consideradas como parte de um modelo exploratório, exclusivo, centralizador e autoritário. Pretendeu-se que esse sistema iniciasse um projeto de revolucionalização e criação de estruturas que permitiriam ao Estado planejar, coordenar e dirigir efetivamente os setores econômicos e sociais, assim, como orientar a organização do povo ao nível das comunidades. As transformações iniciadas se baseavam nas concepções de liberdade, independência e constituição do interesse nacional compartilhado dentro de uma lógica e valores de cariz socialista. Assim, a ruptura com a “velha ordem” instituída procurou criar as condições necessárias para o progresso social de todo o povo moçambicano e a afirmação de um Estado novo livre e autônomo. Esse projeto de modernização de acordo com Macamo e Neubert (2003, p. 63) se baseava em duas suposições importantes, a saber: primeiro que a meta de modernização era não apenas a erradicação do subdesenvolvimento herdado do sistema colonial português, mas também a criação de uma sociedade socialista baseada em uma aliança entre trabalhadores e camponeses. Segundo que o projeto dispunha-se a criação de um “novo homem”, ou seja, uma emancipação do peso e do legado opressivo da tradição colonial, com vistas a enfrentar os desafios para a criação do bem estar e do desenvolvimento nacional. A primeira suposição encontrava os seus fundamentos políticos e institucionais na política de “centralismo democrático”, ou seja, a concentração do poder de decisão política no “partido de vanguarda” – Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) – responsável 17 pela condução da luta pela libertação contra a dominação colonial definindo-se por essa via como a força dirigente do Estado e da sociedade. A segunda suposição foi baseada na criação de novas estruturas organizativas ao nível local (secretários e grupos dinamizadores1), de modo a criar a coesão social e a disseminação das novas concepções sobre o caráter do Estado independente. Na vertente social o novo Estado revolucionário criado assentava as suas concepções sobre a modificação da sociedade e de construção do desenvolvimento sócio econômico na instituição de processos políticos ancorados na mobilização coletiva e transformação social para o desenvolvimento do socialismo dentro do Estado. Argumentava-se conforme Hanlon, (1991, p. 10) que essas concepções permitiriam inverter o cenário causado pela opressão, exclusão e exploração por meio da atribuição de maiores oportunidades nas áreas sociais como na saúde e educação bem como, ajudariam a transformar os setores agrário e industrial nacionais como as alavancas importantes no processo de emancipação popular e econômica. Na componente econômica privilegiou-se a realização de mudanças que se baseavam na implementação da política de nacionalizações como uma das medidas de transformação estrutural da sociedade moçambicana. A estatização dos meios de produção, a centralização das decisões referentes à política econômica e o planejamento centralizado se impuseram como instrumentos para a criação de formas de relações econômicas coordenadas diretamente pelo Estado. Estabeleceu-se, também, por essa via, um Estado que se apoiava nas concepções ideológicas do partido único e hegemônico que assumia um papel preponderante na economia e se sustentava num aparelho administrativo burocrático e centralizador. Com a vigência do Estado socialista algumas transformações sociais importantes ocorreram que se traduziram em ganhos para maior parte da população alterando sobremaneira as suas condições sociais e o seu modo vida preexistente no período colonial. O Estado e a administração pública conseguiram, por um lado, oferecer nos primeiros anos a seguir a independência nacional os serviços públicos básicos à população e, por outro, elevar o crescimento da economia e manter o controle global do processo de desenvolvimento (HANLON, 1991). Isso foi possível, em parte, devido ao facto de que até esse período (início dos anos 1980) a autoconfiança das autoridades governamentais reforçada pelos bons indicadores 1 Representaram as novas estruturas locais que tinham como objetivo principal instituir uma rede de vigilância popular contra as tentativas de desestabilização política e social promovidas pelo partido revolucionário. Desempenhavam um papel importante no processo produtivo através da mobilização das comunidades ao mesmo tempo em que asseguravam a funcionamento produtivo estatal através da difusão das orientações político-administrativas da FRELIMO. 18 econômicos e sociais, bem como a euforia geral sobre a construção de uma nova sociedade, foram extremamente intensos possibilitando a constituição um framework institucional favorável à implementação das prioridades do Estado mediante as apostas nas políticas sócio econômicas de orientação socialista. Na componente da administração pública introduziram-se uma série de medidas administrativas que foram legitimadas tendo como objetivo, garantir a institucionalização do modelo típico de administração pública burocrática que concentrava todo o poder de decisão no nível central do governo e relegava o nível local à simples implementação das decisões centralmente tomadas. A autonomia destes últimos era reduzida, e esta situação limitou o espírito de iniciativa dos níveis inferiores da administração, uma vez que eram desprovidos de todo o poder de decisão e de todos os recursos e capacidades para realizar as atividades necessárias dos interesses das comunidades. Como marcos dessas medidas tem-se a aprovação de vários instrumentos legais tais como, o Decreto nº 1/75 de 27 de Julho, que instituiu a organização da administração pública para o aparelho central e das Leis nº 5/78; 6/78 e; 7/78 ambas de 22 de Abril, que estabeleceram respetivamente, a regulamentação das funções dos governos provinciais, a extinção todos os corpos administrativos coloniais e, a criação das estruturas administrativas do Estado com funções executivas, fazendo emergir uma nova agenda sobre o modelo e a estrutura da administração do Estado. Posteriormente, no contexto do aperfeiçoamento das medidas anteriores, a criação das Normas de Organização e Direção do Aparelho de Estado Central (NODAEC) aprovadas pelo Decreto nº 4/81, de 10 de Junho, representou a nova forma de organização e estruturação do Estado que reproduzia inteiramente as visões do regime socialista adotado. Esse decreto definia, por um lado, os órgãos centrais do aparelho do Estado como o instrumento unitário do poder e da ação governamental do Estado e, por outro, expressava as concepções sobre a direção, planejamento e controle em que o Estado assumia e garantia o modo de produção e de funcionamento da economia. As caraterísticas distintivas desse conjunto de normas administrativas centralizadoras mostra que se pretendeu a aplicação de um modelo de administração burocrática que visava concretizar os princípios da administração pública centralmente planejada, uma vez que, as funções do Estado e o seu papel econômico e social se orientavam fundamentalmente em um sistema de ideias socialistas (SOIRI, 1999), ancoradas no centralismo democrático que servia como o mecanismo de organização e funcionamento mais importante. 19 Assim, o Estado dispunha-se a afirmação dos princípios centralizadores e a subordinação hierárquica das instituições públicas mediante a implementação de uma estrutura de organização e administração sustentadas pela burocracia típica weberiana. Contudo, a partir dos primeiros anos da década 1980 como explicita Hanlon (1991, p. 22-24) a situação política e econômica começou a se deteriorar. A economia experimentou um período de recessão em 1982, influenciada pelo fraco desempenho da componente de exportação dos principais produtos industriais do país devido às consequências da crise do petróleo de 1979 e a queda da produção agrícola nas zonas rurais esta última motivada, por um lado, pelo encarecimento dos insumos de produção e, por outro, pela intensificação da guerra civil interna de desestabilização. Doutro modo, o caráter centralmente planificado do regime socialista produziu nesse período um expressivo conjunto de problemas e deficiências no funcionamento da economia nacional. O Estado e a sua burocracia geraram um sistema ineficiente e ineficaz altamente subsidiado e dependente do sistema de planejamento central que não garantiu o cumprimento dos objetivos da centralização administrativa (CASTEL-BRANCO, 1994). O autoritarismo que caracteriza o Estado e o centralismo dos processos de tomada de decisão caraterísticos da burocracia socialista não permitiam o surgimento de processos de gestão pública mais autônomos e inovadores. Este sistema de administração fragilizou a gestão das instituições locais e produziu efeitos negativos no que diz respeito à qualidade dos serviços oferecidos às populações. Como consequência, a estrutura organizacional e funcional da administração pública implicou no fracasso das diretrizes de sustentação do modelo de administração instituído com a conquista da independência nacional. Nesse contexto, o modelo de administração socialista deu origem a uma sucessão de problemas econômicos graves cujo impacto se refletiu, por exemplo, na redução drástica dos níveis de produção agrícola e industrial que constituíam os pilares do Estado (PLANK, 1993). Outros exemplos dos fracassos gerados pela rigidez do sistema socialista foram a diminuição da produtividade dos setores chave da economia e a falência de várias empresas anteriormente nacionalizadas. Diante desta situação, o Estado se viu na contingência de reduzir os impostos sobre os bens de consumo e consequentemente a sua capacidade de arrecadação de receitas públicas. A partir daí a administração pública se deparou com três problemas graves: o crescimento da dívida pública em razão da necessidade de financiamento das despesas referentes à manutenção da guerra civil interna que opunha o Governo de Moçambique e o 20 Movimento Nacional de Resistência (MNR2), a redução de recursos para financiar as despesas públicas bem como, o imperativo do Estado em continuar a cumprir a sua missão de vanguarda e de impulsionar o desenvolvimento nacional (ABRAHAMSSON; NILSSON, 1995; SOIRI, 1999). A gradativa erosão das capacidades do Estado colocou a administração pública em xeque quanto a sua função principal para proporcionar o bem estar à sociedade. Em meados da década de 1980 esse cenário de instabilidade no qual o sistema político e a administração pública se encontravam mergulhados, trouxe uma percepção generalizada do esgotamento do modelo socialista gerando uma grande tensão entre as expectativas sociais em expansão e as capacidades econômicas em contração. Como reflexo dessa conjuntura de insuficiências e de fragilidades que marcavam o funcionamento da administração pública verificou-se a redução acentuada da legitimidade do Estado para continuar a implementação do projeto revolucionário inspirado durante o advento da independência nacional. A precariedade do modelo gerava a necessidade de imposição de uma “nova ordem”, a criação de novas alternativas para a implementação das políticas públicas e constituição de “novos eventos administrativos” dentro da administração do Estado. Portanto, a administração pública ressentia-se do alastramento da crise agravada pelo ônus da dívida enorme assim como, do agravamento crescente das condições de vida da população, sobretudo nas zonas rurais com a intensificação da guerra civil e a quase inexistente presença do Estado nas regiões fortemente afetadas pelo conflito armado que envolvia o governo e o MRN, o que incrementava a desilusão pública e o descrédito em relação às instituições públicas. Como consequência, a burocracia pública implantada no período pós-independência começava a se mostrar insuficiente e incapaz de controlar a situação das demandas públicas da sociedade. Nisso, a administração pública se revelava amplamente desconectada e com um perfil que compreendia a existência de uma ordem hierárquica arraigada numa base 2 O Movimento Nacional de Resistencia (MNR) foi uma força de oposição ao regime do Estado Socialista que iniciou uma guerra interna em Moçambique no ano de 1976. Defendia a instauração de uma ordem assente no capitalismo e nas doutrinas de liberdade e democracia. O conflito interno conduzido por esse movimento se intensificou no decorrer da década de 1980 agravando as condições para a construção do Estado novo e do desenvolvimento do país. Essa guerra gerou profundas rupturas e foi responsável por uma enorme desagregação das instituições e do tecido social moçambicano, causando insegurança e instabilidade social com a destruição de infraestruturas sócio econômicas importantes para a produção e circulação de bens e serviços em todo o território nacional. Com o final da guerra e a assinatura do Acordo geral de Paz em 1992, esse movimento de guerrilha se transformou em partido político passando a se designar Resistência Nacional de Moçambique (RENAMO). 21 fragmentada de administração e de funcionários com fraca preparação técnica e profissional e de falta de poder, sobretudo para a tomada de decisão ao nível das províncias e distritos. No entanto, o reconhecimento por parte do governo (durante o IV Congresso 3 da FRELIMO) sobre o agravamento da situação social e econômica do país na primeira metade dos anos 1980 criou, por um lado, as condições para a implementação de reformas importantes visando combater os desequilíbrios macroeconômicos, a instabilidade financeira, a fragilidade institucional e redução das condições de vida da população (CASTELBRANCO, 1994). Por outro, nesse mesmo período as organizações de ajuda humanitária que atuavam no âmbito da assistência ao país e à população afetada pela situação de guerra interna primeiro e, anos depois as organizações de desenvolvimento estabelecidas no país tornaram-se durante o momento de crise (MACAMO; NEUBERT, 2003) cada vez mais críticas à forma de organização do Estado moçambicano, ao modelo de funcionamento da administração e as prioridades políticas de desenvolvimento desenhadas segundo o argumento do regime socialista. Desse modo, a necessidade da reforma do Estado adquiriu centralidade crescente influenciada pelo debate sobre as condições para o enfrentamento dessa conjuntura política, social e econômica dominada pela crise que afetava o país a partir dos primeiros anos da década de 1980. Portanto, o quadro de desiquilíbrios macroeconômicos e a deterioração do modelo de Estado socialista vigente, tornaram imprescindível à realização de reformas dentro do Estado e na administração pública moçambicana (BATLEY i i., 2006). Nessa perspectiva, com a adesão de Moçambique em 1986 às instituições financeiras internacionais, o Banco Mundial (BM) e o Fundo Monetário Internacional (FMI) formou-se uma agenda de reforma cuja implementação foi condicionada por essas agências de ajuda externa (CASTEL-BRANCO, 1994). A partir daí, pode-se verificar que as reformas propostas, na maior parte das vezes passaram a ser externamente induzidas. No bojo dessas mudanças esteve à redefinição do sistema econômico do país, através da instituição do sistema de economia de mercado e liberalização de preços materializada no Programa de Reabilitação Econômica (PRE) aprovado e implementado a partir do ano de 1987. Entretanto, com a implementação do PRE o processo de reformas e as transformações econômicas passaram a obedecer aos critérios dos condicionalismos impostos pelas agências 3 No IV Congresso da FRELIMO realizado em Abril de 1983, foi consolidada a necessidade de realização de reformas urgentes na organização e funcionamento do Estado moçambicano. Doutro modo, o IV Congresso constituiu um marco importante para a mudança do sistema político de governação e abandono do modelo de economia planifica para a adoção do modelo de economia de mercado em Moçambique. 22 de financiamento externo, o que configurou o surgimento da dependência do país à ajuda dos organismos internacionais (SOIRI, 1999). O acesso aos empréstimos das instituições multilaterais e a negociação da dívida que o país tinha, foram condicionados pela revisão das estratégias socialistas quer na política com a instituição do pluralismo político como na economia pela implantação do liberalismo econômico. Relativamente ao último aspecto, a ajuda passou a ser condicionada a uma série de condições impostas, a saber: “reformas no comércio exterior; eliminação dos controles administrativos sobre os preços internos; privatização; reforma jurídico-institucional; reforma do sistema financeiro; desregulamentação do mercado doméstico; expansão do sector financeiro para novos empreendimentos e produtos” (TEMBE, 1995, p. 88-89). Compreendese que a cooperação internacional estabelecida entre as entidades governamentais e as instituições multilaterais impôs sobre o país, reformas que, independentemente do contexto político, histórico e as peculiaridades do sistema administrativo se destinaram à institucionalização e desenvolvimento de um projeto social, político e econômico fundamentado nas concepções neoliberais das décadas de 1980 e 1990. Por sua vez, no que refere às transformações políticas destacam-se a realização da revisão da Constituição a 2 de Novembro de 1990 e a assinatura do Acordo Geral de Paz (AGP) de Roma a 4 de Outubro de 1992. Os processos de revisão e aprovação da nova constituição liberal centraram seus esforços, principalmente, na implantação da democracia política e o multipartidarismo (ABRAHAMSSON; NILSSON, 1995) e na criação de um Estado unitário gradualmente descentralizado norteado pela separação tripartida e interdependência de poderes, o executivo, o legislativo e judiciário. No que se refere ao AGP, este foi determinante para o fim da guerra civil que durou dezesseis anos (1976-1990) como referido anteriormente que opunha o governo e o movimento de oposição ao regime político vigente na altura. Desta feita, a revisão constitucional e o AGP constituíram-se nos pilares fundamentais (BRITO, 2010, p. 22) para o desenvolvimento do sistema democrático e o estabelecimento da unidade nacional. A estabilidade social proporcionada pela ausência de guerra permitiu o início da reestruturação sócio política do Estado e a afirmação de novos objetivos que orientariam o processo de desenvolvimento do país. Com essas reformas políticas, por um lado, novos valores relacionados com a participação popular nos assuntos públicos, o exercício pleno da cidadania através de mais direitos e liberdades foram enfatizados contribuindo de forma decisiva para a instauração das 23 concepções políticas e sociais da sociedade democrática. Por outro, as transformações sócio políticas implicaram no estabelecimento de novas relações entre o Estado e os diferentes atores sociais. Nesse contexto, a conjugação desses fatores permitiu a realização em 1994 das primeiras eleições multipartidárias e a instauração do primeiro governo eleito por sufrágio universal no quadro do aperfeiçoamento do novo sistema político do país. Especificamente, no contexto da administração pública verifica-se em Maio de 1992 o primeiro sinal da adoção de alguns princípios administrativos que vieram estabelecer uma “nova ordem” assente na aplicação de novos conceitos sobre a gestão pública como resultado da aprovação pelo governo do Programa de Reforma dos Órgãos Locais (PROL). Esses conceitos são caraterizados pela implementação do processo de descentralização administrativa e participação pública ao nível local como espaço para o exercício da cidadania. O PROL iniciou um quadro de reformas institucionais direcionadas para o nível local, que estavam orientadas para a descentralização político-administrativa, envolvendo a devolução de poderes para as comunidades locais e a criação dos municípios (MAZULA i i., 1998). Nesse sentido, esses princípios romperam com o centralismo da administração pública e se impuseram como as alavancas para o desenvolvimento da democracia participativa e a partilha do poder de decisão pelos diferentes níveis de administração, isto é, entre os órgãos centrais e locais do Estado (SOIRI, 1999). Como lembra (PLANK, 1993, p. 424-426) procurava-se através dessas medidas reverter os constrangimentos da administração pública excessivamente burocrática e, argumentava-se a fraqueza institucional do Estado para garantir a sua presença e cobertura em todo o território nacional de modo a prestar serviços sociais básicos. Assim, impunha-se a constituição de um aparelho administrativo do Estado adaptado às circunstâncias da liberalização econômica e da democratização da sociedade moçambicana. Desse modo, surgiram as concepções a favor da transferência de responsabilidades na gestão das políticas públicas e de que os serviços prestados pelas entidades públicas situadas ao nível local podiam ser oferecidos através de uma administração indireta com a institucionalização de organismos públicos investidos de competências próprias e autonomia de sua gestão. Nesses termos, com a institucionalização do Poder Local4 em 1996 foram 4 O Parlamento procedeu a uma reforma parcial da Constituição em 1996, introduzindo um novo título (TÍTULO IV) consagrado ao Poder Local. Esta reforma constitucional introduziu novas figuras jurídicas de que era necessário tomar em conta na elaboração das leis e regulamentos futuros para a implementação do processo de descentralização política e administrativa concretizado a partir de 1998 com a realização das primeiras eleições municipais no país. 24 criadas as autarquias locais, como organismos providos de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, inaugurando uma nova configuração da administração do Estado moçambicano. Na sequência, em 1998 no âmbito do fortalecimento do sistema democrático do país (MAZULA, i i., 1998) foram realizadas as primeiras eleições municipais que materializaram as concepções da descentralização político-administrativa. Os pressupostos da descentralização adotados na administração do Estado moçambicano consistem na valorização das comunidades locais e no aprimoramento dos mecanismos de sua participação nos processos da gestão pública. Entretanto, apesar dos progressos decorrentes do processo de democratização do Estado e da retomada do desenvolvimento social e econômico ao longo da década de 1990, surgiram no país várias críticas acerca das fragilidades e deficiências que ainda caracterizavam as instituições e o funcionamento da administração pública moçambicana. Nessa perspectiva, surgiram novas concepções sobre a introdução de uma reforma administrativa e a constituição de um aparelho do Estado cada vez mais forte e eficaz no atendimento das demandas da sociedade. A reforma passou a ser vista como a implementação de mudanças na forma de organização e de estruturação da gestão pública em Moçambique no início do Século XXI. Como forma de responder aos problemas persistentes do funcionamento deficiente das instituições públicas no ano de 2001 o Governo de Moçambique (GdM) aprovou a Estratégia Global da Reforma do Setor Público (EGRSP, 2001-2011), através da qual se defende a adoção pelas instituições do setor público de novas práticas de gestão pública. No bojo desta reforma administrativa estão às concepções que apregoam a implementação de medidas reformistas na componente de administração do Estado e nos processos de gestão pública, de modo a responder aos desafios impostos pela necessidade de modernização administrativa e criação de processos de gestão pública adaptados à realidade atual do país. Os pressupostos dessas reformas estão embasados nas doutrinas da nova gestão pública que alegam, por um lado, a necessidade de modernização dos processos de gestão pública através da implementação de novas concepções acerca da organização e funcionamento da administração pública de modo a promover maior eficiência e eficácia das ações governativas. Essas mudanças nos processos de gestão pública se fundamentam igualmente na adoção de novas práticas de gestão pública tais como, a accountability, transparência e responsabilização na atuação dos organismos estatais. 25 Por outro, as reformas se baseiam nas concepções da governança interativa que se apoiam na importância da elevação do desempenho das instituições públicas e encaram-nas como inônimo de busca de alternativas no sentido de melhorar os resultados e elevar a interação entre o Estado e os vários stakeholders inseridos no processo de formulação e implementação de políticas públicas. Desse modo, sob a influência das mudanças nas linhas centrais5 de ação e nas políticas das agências de financiamento externo do BM no decurso da década de 1990, associadas à promoção da boa governança e o fortalecimento da sociedade civil nas administrações dos Estados – a agenda recente de reforma coloca seu foco para as questões relacionadas com as reformas institucionais e administrativas propondo que se dê maior atenção ao modo como se efetivam as interações entre o Estado e as demais organizações da sociedade civil que, juntamente com o Estado almejam maior acesso ao processo da governança no setor público encarada, nesta perspectiva, como um mecanismo que permite a atuação da administração pública de forma mais participativa e coordenada. Novos agentes provenientes do setor privado assim como a sociedade civil são vistos como atores que devem interagir com maior frequência com o Estado, reduzindo as fronteiras existentes de modo a elevar a participação pública no processo de formação e tomada de decisão das políticas públicas. Nesses termos, durante a primeira fase de sua implementação a EGRSP (2001-20056) preconizou basicamente a criação das condições institucionais para a realização da reforma administrativa, cuja orientação se baseou em cinco componentes estratégicas principais. De um modo geral, o objetivo central da operacionalização das reformas foi a realização de profundas transformações de natureza estrutural, sobretudo no nível central das instituições do governo moçambicano. Pode-se citar como exemplos, a criação da Unidade Técnica de Reforma do Setor Público (UTRESP), da Unidade de Reforma Tributaria dos Impostos Internos (URTI), da Unidade Técnica de Reforma da Administração Financeira do Estado 5 Após a muito criticada experiência com programas de ajuste estrutural devido, sobretudo aos fracos resultados nos países africanos as novas concepções de reforma do BM representam um deslocamento de preocupações de caráter mais técnico, ligadas às reformas burocráticas e ao gerenciamento de política econômica, para temas mais abrangentes, como a legitimidade e o pluralismo político. Em linhas gerais, o Banco Mundial estabeleceu quatro dimensões-chave para a boa governança: administração do setor público; quadro legal; participação e accountability; e informação e transparência (World Bank, 1992, 1997). 6 A Estratégia Global da Reforma do Setor Público (EGRSP) foi concebida para ser implementada em duas fases: A 1ª Fase corresponde ao período 2001 a 2005, que privilegiou a criação das condições básicas para a implementação da Reforma do Setor Público, em particular as condições organizacionais, técnico metodológicas e legais para a gestão da reforma e a mobilização de recursos financeiros e humanos. A 2ª Fase corresponde ao período 2006 a 2011 e assenta em quatro prioridades, nomeadamente, a melhoria na prestação de serviços, fortalecimento dos órgãos locais com enfoque no distrito, a profissionalização da função pública e a boa governança e combate à corrupção. 26 (UTRAFE), apresentadas cruciais para introduzir as mudanças pretendidas dentro da administração pública, tais como eficiência e qualidade na gestão, participação nas políticas públicas, prestação de contas e avaliação de resultados. As ações específicas conduzidas no âmbito das transformações pretendidas estiveram votadas (CIRESP, 2001, p. 23-30) para: (i) a restruturação e descentralização de estruturas e processos de prestação de serviços; (ii) a melhoria no processo de formulação e monitoria de políticas públicas; (iii) a profissionalização dos funcionários públicos; (iv) a melhoria da gestão financeira e prestação de contas e; (v) a boa governança e combate a corrupção. Observa-se que a questão de fundo da reforma administrativa nesta fase era dar início ao processo de modernização da gestão pública, sustentada, por um lado, pela criação das bases para a construção de um serviço público que atende as demandas e expetativas da sociedade e, por outro, pela melhoria e elevação da capacidade da ação governativa do Estado para a implementação de políticas públicas. Ela se sustenta nas mudanças nos valores e comportamentos dos funcionários, na cultura administrativa, nas competências e responsabilidades dos organismos públicos, na coordenação institucional e na fiscalização das formas de atuação da administração pública. Portanto, as mudanças implementadas – processos de natureza estrutural e institucional – se destinaram principalmente “ao lançamento dos fundamentos da organização, planejamento e gestão da reforma, bem como o detalhamento dos instrumentos técnicos necessários para o desenvolvimento e aprofundamento das ações da reforma no período subsequente” – processos de natureza administrativa – (CIRESP, 2001, p. 22). Por sua vez, o embasamento e os pressupostos da segunda fase da EGRSP (20062011) assinalam para o desenvolvimento dos programas e projetos introduzidos na primeira fase como forma de ampliar os efeitos e o impacto da reforma administrativa, com vistas à consolidação do modelo de gestão em construção, que assenta na aplicação de novas práticas de gestão pública contemporânea. Desse modo, a gestão pública passou a se preocupar com a transparência, tanto no que diz respeito à utilização dos bens e recursos públicos, quanto no que se refere aos procedimentos e avaliação de resultados, com a descentralização e simplificação administrativa, com a elevação da capacidade de prestação de serviços e maior representação da administração pública ao nível das comunidades e um enfoque na qualidade dos serviços prestados ao púbico, baseados no alto grau de institucionalização de formas participativas e de responsabilidade. 27 Aliás, as concepções apresentadas no modelo da EGRSP (2006-2011) reforçam os pressupostos e fundamentos essenciais dessa visão, dado que definem de forma expressiva as aspirações do sector público referindo-se à importância da adoção de práticas de gestão pública que, orientem o conjunto das instituições públicas a melhorar a qualidade de serviços e das respostas do Estado à sociedade, através da adequação do funcionamento das instituições públicas aos desafios internos e externos que requerem também, uma cultura pública voltada à integridade, transparência, eficiência e eficácia (CIRESP, 2006, p. 4-5). Assim, as propostas de reformas formuladas na EGRSP (2006-2011) vieram suscitar a efetivação de importantes transformações nos processos de gestão pública, tendo sujeitado as instituições do Estado moçambicano nos níveis central, provincial e distrital como ao nível da administração municipal a um desafio enorme objetivando a modernização de suas práticas de gestão pública. Esses esforços são considerados atualmente como o meio principal para elevação dos níveis de desempenho e de resultados das políticas públicas e das diferentes ações governativas enquadradas no processo de satisfação das demandas públicas. Com a implementação dessas ações da reforma administrativa espera-se que as novas práticas de gestão pública possam operar como instrumentos que promovem melhorias significativas quer na organização como na estruturação e relacionamento da administração pública com a sociedade. Busca-se a institucionalização de processos de gestão pública através do desenvolvimento de uma ampla participação, abrindo o espaço para a intervenção e maior coordenação entre as instituições públicas e os grupos de interesse da sociedade civil. Neste contexto, compreende-se que as mudanças propostas pela EGRSP (2006-2011) sujeitam as instituições do Estado e principalmente aos municípios a um desafio enorme relacionado com a implementação dessas práticas de gestão pública. No caso específico dos municípios, importa referir que foram estabelecidos como estratégicos para garantir a reestruturação da administração pública, assim como, ampliar e reforçar as capacidades do Estado Moçambicano de prestação de melhores serviços à sociedade e de implementação de políticas públicas com maior qualidade e eficácia. O argumento é o de que os governos locais podem se adequar mais facilmente à implementação de políticas públicas definidas ao nível local, reduzindo os problemas da ineficiência e complementando as medidas para ampliação da participação pública e da prestação de contas no processo de gestão pública. Nesta perspectiva, a adoção de novas práticas de gestão pública ao nível municipal é encarada como o esteio fundamental para 28 reorientar a postura dos serviços públicos e a constituição de uma gestão moderna, responsável e que responde às exigências da promoção do desenvolvimento local. A implementação da reforma administrativa no contexto municipal tem como foco principal os aspetos orientados para a inclusão social e o reforço da democratização do Estado em que se dá relevância à colaboração no processo de gestão pública local. Isso implica, por um lado, a promoção de processos de coordenação, consolidação e ampliação da participação pública dos cidadãos nos processos decisórios relacionados com as políticas públicas locais, por outro, o fortalecimento dos governos locais. À luz das considerações que norteiam o processo de reforma administrativa da administração pública em Moçambique mencionadas acima, formula-se nesta ocasião a seguinte questão de pesquisa; Como se traduz a institucionalização das novas práticas de gestão pública contemporânea apresentadas no modelo de reforma administrativa em Moçambique dentro do contexto da gestão municipal? 1.2 Os objetivos da pesquisa 1.2.1 Geral Analisar como as novas práticas de gestão pública delineadas no modelo de reforma administrativa em Moçambique (EGRSP, 2006-2011) têm sido implementadas no processo de organização e funcionamento dos municípios moçambicanos, considerando especificamente o caso do Município de Xai-Xai. 1.2.2 Específicos Identificar as concepções sobre a reforma administrativa e modernização da gestão pública que estabelecem os embasamentos que fundamentam a introdução de mudanças nas práticas de gestão pública; Comparar os pressupostos da reforma da administração pública moçambicana delineados na EGRSP (2006-2011) com as concepções sobre a modernização da gestão pública de modo a constituir as categorias de análise das novas práticas de gestão pública; 29 Identificar como se articula o processo de institucionalização das novas práticas de gestão pública no Município de Xai-Xai, destacando as condições que permitem ou impedem a realização das reformas administrativas propostas; Sistematizar os elementos e mecanismos principais que caracterizam as práticas de gestão pública adotadas no contexto da organização e funcionamento do Município de Xai-Xai. 1.3 A Justificativa e Relevância do Estudo Nos últimos tempos os diversos Estados do mundo inteiro têm sido desafiados a realizar profundas mudanças (reformas administrativas) na forma como as suas instituições são administradas e dirigidas. Contribuições de vários autores e estudos da área de gestão pública abordam a questão dessas mudanças institucionais como sendo motivadas pela necessidade de conferir à administração pública as condições necessárias para a sua melhor atuação na resposta das demandas da sociedade. Por um lado, enfatiza-se a implementação de reformas administrativas voltadas para a adoção de novas práticas de gestão pública com vistas à flexibilização da gestão pública e para conferir à administração pública uma maior responsabilidade, controle e prestação de contas. Por outro, ressalta-se a importância das reformas e a criação de processos de gestão baseados na governança interativa que levam em consideração a participação e coordenação entre as entidades públicas, privadas e a sociedade civil no contexto da formulação e implementação de políticas. Tendo em consideração, por um lado, que essas concepções reformistas não se aplicam de forma linear nos diversos Estados e mesmo ao nível interno de cada país elas tendem a incorporar nuances características às condições próprias da realidade local e, por outro, que as ações de reformas administrativas ocorrem mediante uma ampla variedade de formas apresentando, por isso, diferenças relativamente às experiências dos diferentes contextos administrativos envolvendo preocupações e necessidades nacionais completamente distintas, seja no que se refere aos tipos específicos de práticas adotadas como nos modelos de gestão pública implementados importa, pois, analisar neste estudo essas diferenças e especialmente ao modelo de reforma adotado e aos processos que refletem as novas práticas de gestão pública em implementação no âmbito da reforma da administrativa (EGRSP, 20062011) em Moçambique. 30 Assim sendo, tendo como base o modelo de reforma administrativa proposto para a administração pública moçambicana, este estudo busca analisar como têm sido implementadas as novas práticas de gestão pública no contexto da gestão municipal, considerando especificamente o caso do Município de Xai-Xai, explorando para o efeito as experiências de gestão adotadas na organização e funcionamento desta municipalidade. Portanto, o interesse pela realização de uma pesquisa sobre o processo da reforma administrativa na realidade moçambicana se justifica em primeiro lugar pela pertinência de se evidenciar as experiências que caracterizam a adoção dessas práticas no contexto da gestão municipal, tendo em consideração igualmente que a municipalização foi apresentada nos últimos quinze anos em Moçambique, como um mecanismo fundamental para a melhoria do funcionamento da administração pública e do processo de formação das políticas públicas locais. Em segundo lugar, a realização desta pesquisa interessa pelo fato de que com a implementação da reforma administrativa a partir da década de 2000, verificou-se uma alteração significativa no enfoque dado aos processos de gestão pública em Moçambique, impondo transformações profundas e ações complexas que têm impactado na dinâmica das práticas de gestão assim como na forma de organização e funcionamento da administração pública no geral e principalmente ao nível municipal. Este estudo busca contribuir com subsídios teóricos e práticos acerca das novas práticas de gestão pública e procura apresentar de forma integrada as diferentes dimensões que norteiam os processos de reformas administrativas e de implementação das novas práticas de gestão pública. Nisto, o estudo realizado se baseou nas principais categorias analíticas associadas ao conceito de governança que se fundamentam nas concepções da modernização da gestão pública apresentadas nas vertentes da (i) New Public Management; (ii) do interesse público e a accountability e; (iii) da governança interativa. Nessa perspectiva, procura relacionar basicamente os pressupostos dessas abordagens com as concepções que orientam a reforma da administração pública moçambicana e, sobretudo com a dinâmica da implementação dessas novas práticas de gestão pública no contexto do Município de Xai-Xai. Desse modo, como contribuição central o estudo pode ajudar na superação da lacuna teórica existente atualmente, relativamente à inexistência de estudos que abordam especificamente análises ao processo de implementação das novas práticas de gestão pública na realidade municipal em Moçambique. Nesses termos, a pesquisa representa um ganho interessante, pois, diferentemente dos estudos precedentes que se 31 debruçam sobre a questão da gestão pública de forma desagregada, ela apresenta um enfoque que integra as diferentes categorias associadas às novas práticas de gestão pública em um único processo de análise. Os estudos sobre a reforma administrativa e os processos de gestão pública – formulação, gestão e avaliação de políticas públicas – em Moçambique têm concentrado o seu enfoque nas análises ao nível macro e, estão relacionados especialmente com as questões da organização institucional (MACUANE; WEIMER, 2003) e a reforma e descentralização administrativa (FORQUILHA, 2007). Portanto, esses estudos dão pequena atenção às análises sobre realidade da gestão local nos municípios. Quando os municípios são objeto de estudo, muitas vezes os poucos trabalhos se ocupam especificamente das questões relativas à transferência de recursos entre as esferas governamentais (CANHANGA, 2009); da articulação entre os organismos municipais e as autoridades locais tradicionais (FORQUILHA, 2009); da execução de políticas públicas e a capacidade institucional de gestão desses entes públicos (NORONHA; BRITO, 2009), entre outras. Contudo, esses enfoques privilegiam estudos em cujas dimensões de análise se mostram restritas a apenas algumas questões que envolvem o processo de gestão municipal sem, contudo, discorrerem de forma profunda sobre as contribuições e influências das novas práticas de gestão pública no contexto atual da gestão municipalizada. A análise efetuada nesta dissertação inova ao deslocar o foco para uma análise em que se busca relacionar como referido anteriormente, o modelo da Estratégia Global de Reforma do Setor Público (EGRSP, 2006-2011) às concepções e pressupostos teóricos da reforma administrativa e, adicionalmente por enfatizar como as novas práticas de gestão pública estão sendo implementadas no processo de gestão pública municipal. Nesta perspectiva, ofereceu inúmeras vantagens, dado que, permitiu compreender como as entidades municipais materializam as concepções da reforma administrativa bem como, identificar que práticas de gestão pública foram institucionalizadas e têm orientado as ações governativas ao nível local no Município de Xai-Xai. Considerando os benefícios que o estudo trás em relação aos administradores públicos, pesquisadores e a sociedade em geral compreende-se que o mesmo irá oferecer diversos elementos que caracterizam o processo de reforma administrativa ao nível municipal destacando os aspetos positivos e críticos existentes no caso específico do Município de XaiXai, possibilitando, desta feita, uma melhor interpretação sobre as práticas de gestão pública que estão sendo implementadas naquela municipalidade. Assim, o estudo se mostra 32 importante uma vez que, ao levantar os problemas decorrentes da implementação das reformas administrativas, apresenta novos temas, desdobramentos analíticos e possibilidades para pesquisas futuras acerca do processo de gestão pública no contexto municipal. Importa referir que a escolha do tema quanto do caso da pesquisa estão basicamente relacionados às experiências profissionais e pessoais do autor desta dissertação, em relação à administração pública em Moçambique em geral e ao processo de gestão do Município de Xai-Xai em particular. O envolvimento profissional e o interesse acadêmico com diferentes áreas de estudo da administração pública, da gestão municipal, assim como o potencial de aplicação do conhecimento adquirido como resultado das atividades profissionais realizadas no âmbito desta entidade pública, concorreram para a constituição da relevância no desenvolvimento do estudo aqui apresentado. Por fim, no que diz respeito à escolha do município como a unidade de pesquisa, destaca-se o conhecimento que o autor possui do historial, estrutura e funcionamento das atividades desta entidade bem como, a facilidade de acesso para a realização das entrevistas que constituíram o esteio principal da análise desenvolvida nesta pesquisa. 33 2 Referencial Conceitual Este estudo tem o seu enfoque em três dimensões conceituais sobre a governança no setor público. Na primeira dimensão, discorre-se a respeito das abordagens da New Public Management (NPM). Aqui, o enfoque apresentado assenta na compreensão de que em geral, o movimento da NPM influenciou o surgimento de reformas administrativas que estão relacionadas com a incorporação pela administração pública de práticas gerenciais oriundas do campo da gestão privada como contraposição ao modelo tradicional da administração pública. Na segunda, abordam-se as concepções relativas à constituição do interesse público e promoção da accountability no setor público. Esse processo é caraterizado pela promoção de práticas de gestão tais como a transparência, a responsabilidade e a prestação de contas no intuito de conformar o funcionamento das entidades públicas à sua estreita observância. Na última, fala-se da governança interativa como um mecanismo de articulação e interdependência entre as entidades públicas, o setor privado e a sociedade em que as bases dessa interação se fundamentam na coordenação e participação de vários atores sociais no processo de gestão das políticas públicas e do interesse coletivo e na aplicação de novos arranjos administrativos e institucionais. 2.1 A New Public Management e a Modernização da Gestão Pública A literatura da administração pública aborda o surgimento da designada New Public Management (NPM) como estando relacionado com as transformações vinculadas ao movimento político e ideológico7 de ações de reformas do Estado e administrativas, desencadeadas primeiramente nos países desenvolvidos nos primórdios da década de 1980 e 7 Barzelay (2000, p. 3-4) apresenta uma abordagem sobre o conceito a NPM entendido como uma discussão política que engloba assuntos relativos à gestão pública, incluindo o gerenciamento de políticas, liderança, o programa de design das organizações e das operações do governo. Encara igualmente, como um conceito de análise cientifica das ideias definidas nas agendas de mudança organizacional evidenciadas em vários países ocidentais durante a década de 1980. Este autor conceitualiza a NPM por um lado, como um argumento administrativo visto como “sistemas em forma de ninhos” de ideias relacionadas a modelos organizacionais que podem ser desagregados em sub-argumentos e que cada um permite uma análise de acordo com os seus componentes nomeadamente, doutrinas e justificações. Por outro, como uma filosofia administrativa, formada por doutrinas aceites que afetam a agenda governamental olhando para as questões do modelo organizacional, para estabilizar o clima sobre a as opiniões desta matéria. 34 mais tarde nos países em desenvolvimento durante a década de 1990. As mudanças administrativas apresentadas pela NPM têm como pressupostos a obtenção de melhores resultados na organização e funcionamento da administração pública e a adoção de uma série de mecanismos gerencias para alterar os valores essências da cultura administrativa imposta pelo modelo da administração pública burocrática. Conforme assinala Larbi (1999), a NPM passa a existir como uma abreviação de um conjunto de doutrinas que alegam a importância da realização de reformas administrativas que objetivam a reorientação do modelo de administração pública (tradicional) vigente para a adoção de novas práticas gerenciais que se traduzem na efetivação de mudanças estruturais e organizacionais nos processos de gestão pública. Na argumentação de Osborne e Gaebler (1994) essas mudanças são expostas como estando relacionadas ao surgimento de práticas de gestão inovadoras nas formas de oferecimento dos serviços públicos com o surgimento, por exemplo, de governos inovadores e empreendedores. O conceito da NPM sugere uma multiplicidade de significados o que expressa a não existência de uma única definição que possa ser considerada abrangente aos diferentes processos de reformas desencadeados nos diversos países sob a orientação das concepções da NPM. Pollitt e Bouckaert (2002, p. 14-15) assinalam que apesar de as reformas administrativas visarem fundamentalmente à melhoria do processo de gestão pública, elas incorporam técnicas e características de matrizes diversas o que mostra uma ampla variedade de formas e de práticas nos diferentes contextos, pois, as reformas administrativas procuram responder também a preocupações e necessidades nacionais completamente diferentes. Sobre este aspeto Peci et al. (2008, p. 50) afirmam que não existe uma definição conclusiva para a noção da NPM sendo interpretada por vários autores a partir de múltiplas perspectivas que consideram igualmente elementos de análise muitas vezes distintos. Nessa perspectiva, as diversas reformas administrativas inspiradas pelas concepções da NPM apresentam configurações variadas entre os diferentes países (ABRUCIO, 1997; KETLL, 2000). Essas distinções estão relacionadas principalmente com aspetos tais como: o modo como se desencadeia a reforma, os objetivos visados, o alcance das iniciativas, as estratégias utilizadas, os conteúdos dominantes e formas de execução, entre outros. Assim sendo, as reformas administrativas inspiradas pela NPM podem ser agrupadas em três conjuntos de experiências de acordo com as suas principais características. O primeiro conjunto refere-se ás experiências de países como o Reino Unido, Austrália, Estados Unidos e Nova Zelândia que lideraram a NPM e a reinvenção do governo (JONES; KETTL, 2003). O 35 escopo da reforma esteve projetado para melhorar a eficiência e a efetividade do serviço público, a gestão por objetivos e o incremento dos resultados através de instrumentos com vistas à avaliação do desempenho organizacional (BARZELAY, 2000). Esses instrumentos se traduziram na implantação de novos sistemas de regras e incentivos para o funcionamento da administração pública, com destaque para a gestão por contrato, a adoção de padrões explícitos de avaliação de desempenho, articulados com maior flexibilidade e variedade na prestação de serviços públicos e foco na satisfação das demandas dos consumidores/clientes. Mas, resultaram também em mudanças que enfatizam aspectos como o aumento de competição e da qualidade dos serviços públicos e contratação na gestão pública. O segundo conjunto abrange as experiências dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A preocupação principal é com a aplicação de mudanças em áreas consideradas estratégicas no funcionamento da administração pública e, seu foco se circunscreve na reestruturação organizacional, aperfeiçoamento da gestão e treinamento de recursos humanos, prestação alternativa de serviços públicos e a gestão do gasto público e redução das ineficiências (CARNEIRO; MENICUCCI, 2011). Nesta perspectiva, entre as medidas mais usuais, aparecem o fortalecimento das ações de descentralização e desconcentração, a mensuração de resultados e a avaliação de desempenho, ao lado de reformulações orçamentárias e no uso de mecanismos de mercado ou quase mercado na prestação de serviços públicos. Por último, destacam-se as experiências de reformas dos países em desenvolvimento como os africanos cujas caraterísticas foram ditadas por pressões de natureza estrutural e fiscal (SALOOJEE; FRASER-MOLEKETI, 2010). As ações desenvolvidas visaram responder o desafio da capacidade do Estado e da administração pública no fornecimento de serviços públicos e focalizaram predominantemente aspetos relativos à redução de custos que a promoção de desempenho do setor público. As medidas implementadas enfatizam propósitos macroeconômicos com enfoque no ajuste estrutural, nas ações de privatização, no reforço nos mecanismos de controle financeiro e cortes profundos sobre as despesas com pessoal do aparelho do Estado. O que essas abordagens salientam é a compreensão de que as concepções da NPM expressas nos dois primeiros conjuntos de experiências de reformas administrativas, por um lado, representam uma variante de mudanças que se preocupa principalmente com a prestação de serviços à população, através da incorporação e aprimoramento de mecanismos baseados 36 nas técnicas empresariais. Por outro, representam a utilização de práticas de gestão e processos organizacionais pela administração pública, para reduzir as deficiências na resposta às demandas da sociedade com maior eficiência e eficácia. Relativamente ao último conjunto de experiências as medidas de reformas administrativas implementadas representam, por sua vez, uma variante que implicou em mudanças na gestão pública baseadas em aspetos cujas características centrais são o planejamento, controle e a avaliação orçamentária, mas que se mostram bastante distintas das concepções que nortearam a introdução das novas práticas de gestão pública amplamente difundidas pela NPM. A despeito dessa multiplicidade de significados pode-se dizer que as reformas administrativas desenvolvidas sob as concepções da NPM representam um conjunto de mudanças que afetam as estruturas e os processos de gestão da administração pública. Essas reformas privilegiam a aplicação de novas técnicas e valores na administração pública (CAIDEN, 1994; FERLIE et al., 1996; DOLLERY; WALLIS, 2000; BARZELAY, 2000; O’FLYNN, 2007; OSBORNE, 2010; TOONEN, 2010), inspirados pelos mecanismos de operação do mercado considerados mais flexíveis e menos padronizados. Com essas mudanças modificam-se as práticas de gestão pública, por exemplo, a avaliação do sucesso ou fracasso da administração pública se altera, passando a ser delimitada por critérios próximos àqueles utilizados pela administração privada ou empresarial. Nesta perspectiva, a NPM preocupa-se com a busca de eficiência e à redução do gasto público, o foco em resultados e a qualidade dos serviços prestados. Refere-se, igualmente, à utilização de princípios renovados de eficiência, eficácia e competitividade no processo de gestão pública contemporânea. Nesses termos, tanto a qualidade do serviço quanto o aumento da produtividade têm sido metas amplamente defendidas. Como faz referência O’Flynn (2007) a preconização de mudanças associadas à efetividade e melhoria da eficiência gerencial na prestação de serviços à sociedade são apresentadas nesta abordagem como as prioridades no funcionamento do setor público. Portanto, o enfoque de mudanças dado pela NPM modifica a ênfase da administração pública tradicional caraterizada pelos princípios da legalidade, imparcialidade e equidade bem como, pelos processos de especialização funcional e a estrita observância e o cumprimento de procedimentos na atuação da administração pública para a utilização de novas práticas de gestão pública baseadas no controle pelos resultados e elevação do desempenho e a orientação para a qualidade dos serviços prestados ao cidadão. 37 Segundo Hood (1991) a NPM é um termo utilizado para definir as diferentes reformas do setor público de modo a enfatizar os elementos comuns e cujas concepções se opõem ao núcleo das doutrinas básicas da administração pública tradicional, particularmente substituindo a ênfase em regras gerais pela ênfase em resultados. Ainda, de acordo com este autor a sua caraterística principal é o destaque que atribui a valores e princípios do setor privado, associados à incorporação na organização e funcionamento do aparelho do Estado. Por vez Peci et al. (2008) compreendem que as reformas administrativas promovidas pela NPM incidiram na transformação dos mecanismos tradicionais de estruturação e de atuação da administração pública com a introdução de novas práticas de gestão provenientes do setor privado. O objetivo é tornar mais flexíveis os procedimentos, a adoção de critérios de avaliação de resultados, a competitividade, a descentralização, a desconcentração, a atribuição de maior autonomia às agências públicas e a preocupação com a prestação dos serviços ao cidadão, visto nesta vertente, como cliente-cidadão. Na mesma perspectiva Ferlie et al. (1996) argumentam que esse processo de reformas da administração pública envolve o redesenho das estruturas, procedimentos e práticas das organizações do setor público, incorporando mudanças de grande magnitude na dimensão institucional, em que se incluem questões atinentes aos princípios e valores que orientam o funcionamento das organizações do setor público. Autores como Osborne e Gaebler (1995) explicam que com o surgimento das concepções da NPM verificou-se uma transformação na administração pública tradicional anteriormente predominante para uma abordagem que incorporara novas ferramentas e estratégias de gestão para as instituições públicas essencialmente inovadoras, empreendedoras e que promovem maiores resultados no processo de gestão pública. Para estes autores com a utilização das práticas gerenciais surgidas com a NPM são assumidas dentro da administração pública relações concorrenciais entre as unidades de serviços independentes dentro de qualquer política de domínio público, com a finalidade de oferecer serviços de maior qualidade e de forma eficiente à sociedade ocorrendo, dentro de um mercado organizado de forma horizontal onde, o mecanismo de alocação de recursos se dá através da combinação variável de competição, o mecanismo de preços e relações contratuais. O que está em voga é, por um lado, a modernização da administração pública e dos processos de gestão através da adoção de novas práticas gerenciais encaradas como sendo mais flexíveis, competitivas e amplamente inovadoras. Por outro, com a modernização administrativa busca-se a prestação de serviços públicos de qualidade com base na união de 38 sinergias entre o setor público e o privado que permite reorientar a ação governativa do Estado para além de prestadora de serviços, para se tornar catalisadora de uma nova estrutura de orientação de políticas públicas e dos processos de tomada de decisão que privilegiam a integração de atores do setor privado (OSBORNE; GAEBLER, 1995). Na explicitação de Tohá e Solari (1997) as novas concepções relacionadas com a modernização da administração pública propostas pela NPM, pretendem a aplicação de uma nova visão ancorada na lógica gerencial e na flexibilidade explicadas pela alteração de determinadas práticas consideradas como os obstáculos que contribuem para o excesso do formalismo e a baixa eficiência do setor público tornando-o frágil, não competitivo e pouco preocupado com o cidadão. Nesses termos, as reformas preconizadas pela NPM promovem uma ampla inflexão nos pressupostos da administração pública tradicional “movendo” o Estado e as suas instituições para a aplicação de práticas de gestão pública que estão concentradas no “ataque” ao núcleo de suas doutrinas básicas, particularmente substituindo a ênfase nas regras pela ênfase nos resultados. Como lembra Toonen (2010) essas novas concepções estão dirigidas de forma geral para: A descentralização que foi apontada como elemento de particular relevo enquanto motor da capacidade criativa e de inovação organizacional e, indiciou como imperativa a redução dos níveis hierárquicos (achatamento obrigatório dos tradicionais designs piramidais); A desregulamentação que veio contribuir para que os gestores pudessem intervir diretamente na gestão dos recursos financeiros, humanos e materiais, na tentativa de alcançarem os objetivos organizacionais; A delegação das competências como forma de o poder político se permitir afastar das preocupações da gestão corrente e da implementação das políticas públicas e; O abandono dos processos de padronização caraterísticos da administração pública tradicional e a instituição de práticas de controle por resultados baseados na elevação do desempenho e na orientação para a qualidade dos serviços prestados ao cidadão. Tudo visto, compreende-se que as razões mais evidentes para a implementação da reforma administrativa têm como fundamento a preocupação dos governos em empreender 39 esforços para modernizar e agilizar os processos de funcionamento da administração pública. Observa-se como foi mencionado anteriormente, que mesmo que as prioridades relativas às ações da reforma da administração pública variem com o tempo e de acordo com as circunstâncias e os pontos de partida específicos de cada país, a sua maior motivação tem estado relacionada à busca de redução da ineficiência da gestão pública e um amplo desejo de reduzir o fraco desempenho das instituições públicas no contexto da satisfação das demandas públicas da sociedade. 2.2 O Interesse Público e a Accountability A literatura da área de administração pública testemunhou no decorrer da década de 1990 o surgimento de estudos que apresentavam abordagens diferentes das concepções da New Public Management (NPM), cujas alegações influenciaram sobremaneira a forma como a gestão pública tem sido compreendida e encarada atualmente. Nessas abordagens destacamse os conceitos de interesse público e a accountability que consideram que a qualidade das ações dos governos e da administração púbica depende, não exclusivamente, mas em grande medida, dos incentivos para a constituição de práticas de gestão que se baseiam no interesse coletivo e nos controles a que estão submetidos os governantes e a burocracia. Nesse contexto, foram apresentadas críticas ao modelo da NPM ao considerar a presunção de que existe objetivamente uma superioridade dos mecanismos e das técnicas da gestão privada relativamente às da administração pública para promover uma gestão pública que se pretende que seja mais eficiente nos processos e efetiva nos seus resultados. A questão é que o modelo gerencial voltado para a eficiência e melhoria do desempenho limita o alcance do interesse púbico enquanto prestador de serviços, assim como, a cobrança de resultados e a prestação de contas (accountability) da administração pública perante a sociedade (POLLITT; BOUCKAERT, 2002). Para Denhardt e Denhardt (2000) ao concentrar sua ênfase exclusivamente na eficiência e eficácia dos serviços públicos sem comtemplar, por exemplo, as modificações organizacionais impostas pelo exterior e os grupos de interesse como dimensões cruciais para a implementação de políticas públicas, os pressupostos da NPM são susceptíveis de críticas na implementação de suas concepções. Essas críticas se estabeleceram dentro das concepções que defendem, por um lado, a necessidade de constituição do interesse público (public service orientation) como fator importante no processo de gestão pública. Por outro, surgiram dentro 40 das concepções desenvolvidas por organismos internacionais sobre a necessidade de se introduzir práticas de gestão que promovem maior transparência e responsabilidade no processo de gestão pública. Para Abrucio (1997) a public service orintation vem resgatar as concepções sobre a participação política dentro de um conceito mais amplo, o de esfera pública que se utiliza da transparência como proteção contra novas formas particularistas de intervenção no âmbito da administração do Estado. Neste sentido, é a partir do conceito de esfera pública que é estruturado o conjunto de concepções da public service orientation acerca da participação dos cidadãos no processo de gestão pública. Autores como Denhardt e Denhardt (2000, 2003) compreendem que as concepções da public service orientation consideram que a administração pública é influenciada contemporaneamente por um conjunto expressivo de ideias e de práticas de gestão que estão voltadas para a constituição do novo serviço público e, que mostram uma evolução e mudanças nas formas de gestão, muito além das que são apresentadas pela NPM. Nesses termos, as reformas do Estado e administrativas passam a estar preocupadas com a revalorização e reorientação do seu papel, particularmente, enquanto promotor da inclusão e redução das desigualdades. Esta abordagem sobre o serviço público dá maior atenção às transformações que visam maior aproximação entre os atores políticos, os agentes públicos e os cidadãos e a ação coletiva dentro de um contexto em que o referencial da esfera pública é o mais importante. Assim sendo, essas mudanças se fundamentam nas proposições da New Public Service (NPS) que consiste na aplicação de ideias renovadas da teoria da cidadania e sociedade civil, do humanismo organizacional e da administração pública pós-modernista. Na abordagem da NPS, o Estado é encarado como uma entidade que existe para assegurar as escolhas dos cidadãos e os seus interesses. Enfatiza-se que no setor público serve-se aos cidadãos e não a clientes como consideram as concepções do movimento da NPM, cujo enfoque central está direcionado à adaptação e transferência para a administração pública de técnicas e mecanismos gerenciais desenvolvidos no setor privado. No bojo dessas concepções defende-se conforme discorrem Denhardt e Denhardt (2000, p. 552-553) que os cidadãos devem se encontrar ativamente envolvidos no processo de governança, no sentido de que a gestão pública necessita de dar maior atenção aos interesses coletivos para além dos interesses particulares que emergem no âmbito das organizações públicas. 41 A alegação principal que fundamenta os pressupostos das ideias da NPS é a de que os gestores públicos devem se sujeitar à confiança dos cidadãos através de três princípios importantes: (i) a responsabilidade; (ii) o engajamento social com vistas ao fortalecimento dos interesses coletivos e; (iii) a dependência mútua alinhada para a criação e elevação do diálogo comum. Esse modelo sustenta que, via atividade de coprodução entre comunidades, organismos públicos e privados é possível estimular uma maior participação, cidadania e accountability na sociedade. Segundo argumentam Denhardt e Denhardt (2000) especificamente a NPS defende que as políticas são um complexo resultado dos interesses de vários grupos, opiniões e interesses. No novo contexto de relações o papel do governo se transforma tornando-se um ator não exclusivo que controla a sociedade e oferece serviços, mas que agrega, negocia, facilita e busca soluções com outros atores privados e a sociedade civil. O interesse público é concebido como uma noção construída coletivamente em que são partilhados interesses e responsabilidades baseadas na deliberação conjunta, onde o Estado promove a articulação e o interesse público, justiça e a equidade (DENHARDT; DENHARDT, 2000). Sob estas condições, o papel principal do governo sobre a direção e controle da sociedade se altera, gerando uma fragmentação na sua responsabilidade sobre as políticas públicas a partir da descentralização dos interesses políticos que dão lugar ao surgimento de um novo caráter nas interações e o envolvimento da sociedade. Isso acontece, pois, o processo de formulação e implementação de políticas públicas no contexto da NPS não se materializa por meio de relações hierárquicas entre os agentes públicos e a sociedade, mas pela integração dos grupos de interesses compostos por empresas, sindicatos, organizações sem fins lucrativos, grupos de interesse governamentais e cidadãos comuns nas “arenas do desenvolvimento das políticas públicas” (DENHARDT; DENHARDT, 2003, p. 4). Assim sendo, como compreende Stocker (1998) o enfoque dado à gestão pública resulta de um processo instituído a partir da mudança na forma de encarar como o interesse público se constitui e a sociedade é governada. A questão importante que permeia a discussão sobre o interesse público explicita este autor tem a ver, com o caráter das novas relações e interações que se estabelecem no âmbito da atuação política e administrativa do Estado. Na mesma perspectiva Mintzberg (1996) lembra que o papel do sector público é o de servir o interesse público considerando, o caráter da relação recíproca e interdependente que se estabelece entre o Estado e os cidadãos. As relações devem constituir-se com base nas 42 ideias da cidadania em se que promove a colaboração em vez do controle, a interatividade em vez de segmentação, no intuito de garantir que a influência mútua estabelecida proporcione um ambiente favorável à construção de políticas públicas cada vez mais efetivas em seus resultados para a sociedade. Neste sentido, as relações são encaradas como “um sistema interconectado, uma rede complexa de relações concebidas para solucionar problemas à medida que surgem”, onde existem canais informais de comunicação e colaboração que permitem uma ampla interconexão entre as partes envolvidas (MINTZBERG, 1996, p. 157). Por sua vez, nas abordagens acerca da constituição de práticas de accountability no processo de gestão pública defende-se (PRZEWORSKI, 1996, p. 23) que as reformas da administração pública devem se traduzir na implementação de práticas de gestão voltadas para promover maior controle da sociedade, responsabilidade e prestação de contas sobre as ações desenvolvidas pelas organizações do setor público. Em sua argumentação Klijn (2010, p. 303) compreende que tais controles e incentivos às práticas que promovem accountability se fundamentam na necessidade do aperfeiçoamento de práticas administrativas para garantir uma atuação responsável dos governos e dos administradores públicos dentro do complexo e dinâmico processo de gestão das políticas públicas. Nesta perspectiva, o Cadbury Committee Report8 (1992) apresentou um modelo analítico organizacional que serviu de inspiração para diversas reformas institucionais realizadas em vários países, no que diz respeito aos processos de controle dos recursos financeiros e a prestação de contas, podendo ser citado como exemplo para o caso do setor público a criação do Study 13 denominado Governance in the Public Sector: A Governing Body Perspective do IFAC9 (2001). 8 O Cadbury Committee Report foi criado em Maio de 1991 pelo Financial Reporting Council, do London Stock Exchange e profissionais da área contábil para tratar dos aspectos financeiros da corporate governance. Os seus proponentes estavam preocupados com o funcionamento do sistema corporativo dado o registro de falhas na gestão verificadas em várias organizações e, por críticas à falta de mecanismos eficazes de responsabilidade para os concelhos de direção. A gestão pública passou a ser considerada também como a instituição de um sistema pelo qual as organizações são dirigidas e controladas, portanto, específica às estruturas e responsabilidades dos conselhos de direção, apresentando um código sobre as melhores práticas associadas a três princípios fundamentais que caminham em paralelo, a transparência (openness), integridade (integrity) e a responsabilidade em prestar contas (accountability). Esta perspectiva inspirou o Study 13 do IFAC denominado, Governance in the Public Sector: A Governing Body Perspective. 9 O International Federation of Accountants – IFAC (2001) é um comitê formado para tratar de forma coordenada ao nível internacional, as necessidades de controle financeiro, da contabilidade e auditoria no setor público, sejam relacionadas às instituições do governo central (estadual, provincial, regional), os governos locais (municípios) e outras entidades governamentais (agências, conselhos, comissões e empresas). O estudo concentra-se na apresentação de arranjos de governança no setor público, especificamente relacionados com a 43 Para o International Federation of Accountants IFAC (2001) a gestão pública tem a ver, com o desenvolvimento de uma série de novas práticas de gestão aplicadas às entidades públicas, tendo em vista a assegurar no seio das instituições governamentais maior abertura, integridade e accountability (prestação de contas) como forma de elevar a boa governança. Essas práticas visam em primeiro lugar à fixação dos padrões de comportamento na gestão das organizações públicas; em segundo a determinação das estruturas organizacionais e processos que garantem como as responsabilidades são definidas; em terceiro o estabelecimento do controle a partir de uma rede de vários controles que permitam a realização dos objetivos organizacionais, a eficácia e eficiência das ações realizadas e; em último a utilização de relatórios externos para a demonstração das responsabilidades pela administração dos recursos públicos e seu desempenho no uso dos recursos (IFAC, 2001, p. 12). De acordo com essas abordagens, as preocupações recentes sobre os processos de gestão pública têm sido principalmente em relação à criação de estruturas internas e externas de prestação de contas, que têm como objetivo central promover o bom desempenho gerencial das organizações públicas tendo como critérios a promoção da governança corporativa ao nível das instituições do Estado. Conforme indica Hughes (2010, p. 93) a motivação para a adoção dessas práticas de gestão pública se deve, principalmente, ao imperativo de manter e aumentar a confiança das entidades governamentais e dos gestores sobre os processos e mecanismos do exercício de suas atividades. Barrett (2002, p. 2) compreende que a questão essencial da gestão pública tem a ver com a forma como uma organização é gerenciada, sua corporação e outras estruturas, a sua cultura, suas políticas e estratégias e, a maneira pela qual ela lida com os vários stakeholders10 no processo da gestão pública. Nesse sentido, o autor chama a atenção para o que considera crucial na aplicação efetiva das melhores práticas de gestão no setor público e menciona o uso de práticas de gestão que promovem à integridade, informação, compromisso, controle, accountability e transparência. Essas práticas remetem para a importância da visibilidade do funcionamento do adoção de princípios de responsabilidade e de controle que contribuem para a boa governança e a prestação de contas. 10 O conceito de stakeholders segundo o IFAC (2001, p.12) tem a ver, com as partes interessadas na atuação do setor público e pode incluir um corpo de indivíduos com responsabilidade de avaliar o desempenho institucional, os provedores de recursos (contribuintes, credores e obrigacionistas), prestadores de serviços e parceiros (funcionários, fornecedores e outras entidades governamentais), os usuários de serviços (pessoas físicas e organizações que se beneficiam dos serviços que a entidade proporciona), grupos de interesse, (analistas, políticos), a mídia e a comunidade em geral. 44 Estado e das suas instituições, contribuindo para o fortalecimento da cidadania e, em última instância da democracia. De acordo com este autor, reconhece-se nesta abordagem, por um lado, a importância dos cidadãos no conhecimento, na participação e avaliação dos resultados da implementação das políticas públicas. Por outro lado, são criados ou instituídos na gestão pública novos relacionamentos que privilegiam modalidades de participação pública assentes na sociedade civil e no setor privado como forma de beneficiar a melhoria dos resultados organizacionais e a transparência na atuação do setor público. Nesses termos, as práticas administrativas relacionadas com a accountability – controle gerencial por meio da lógica de resultados segundo Behn (1998) e controle social na administração pública conforme argumenta Cunill Grau (2000, 2009), são apresentadas como mecanismos que visam ampliar o modelo de prestação de contas da ação governamental pelos organismos públicos e responsabilização do processo de gestão das políticas públicas. Para Cunill Grau (2000, p. 269) a accountability representa uma obrigação que se impõe aos governantes e agentes públicos de assumirem responsabilidades e prestarem contas perante os cidadãos relativamente às políticas e programas governamentais. Corresponde ao exercício do controle social constituído por dois momentos: (1) a prestação de contas ou informações a respeito do funcionamento da administração pública, das ações e políticas públicas realizadas (transparência e justificação de ações) e; (2) o poder de interferir, direta ou indiretamente, caso algo esteja diferente do proposto ou das metas definidas (controle da legalidade das ações). Assim, compreende a accountability como um processo que promove a integração de múltiplos stakeholders numa ampla discussão sobre a definição dos sentidos das políticas públicas e ações do Estado, não se limitando apenas aos sujeitos diretamente interessados nos resultados de uma política ou ação governamental. É uma forma específica de participação da sociedade no processo de controle social sobre os assuntos de interesse público dentro da administração pública (CUNILL GRAU, 2000). Para tal, a prestação de contas efetiva dá-se concretamente em espaços ou através de mecanismos que possibilitam a troca de informações e interação profunda entre essa pluralidade de atores da sociedade e atores do Estado ou de governos, definindo novos sentidos e horizontes para as políticas públicas visando gerar transformação com a ativa participação da sociedade. 45 Na mesma perspectiva relacionada com a prestação de contas O’Donnell (1998, p. 28) encara a accountability em duas vertentes, sendo uma vertical e a outra horizontal. A primeira é referente aos mecanismos políticos que permitem a realização de ações, seja individualmente ou por meio de ação organizada e/ou coletiva, com referência àqueles que ocupam posições em instituições do Estado, eleitos ou não. O canal principal através do qual se efetiva esse mecanismo de controle são as eleições em que os cidadãos premeiam os resultados das ações governamentais com mais um mandato ou punem com a reprovação de seus programas governativos na eleição seguinte (O’DONNELL, 1998). A segunda relaciona-se à existência de instituições do Estado que têm poder legal e estão capacitadas para realizar ações cuja natureza implica na supervisão e controle de rotina e aplicação de sanções legais sobre as irregularidades constatadas no processo de gestão de outras organizações do setor público. De acordo com O’Donnell (1998), o mecanismo de accountability horizontal envolve, sobretudo instituições do executivo, do legislativo e do judiciário podendo se estender a outras instituições com autoridade e responsabilidades para a fiscalização e prestação de contas. Esse conjunto de mecanismos de prestação de contas tem em vista promover a abertura e a participação ampla e garantir que o conteúdo das decisões seja acessível a todos os indivíduos dentro da sociedade. A compreensão central é a de que a accountability horizontal tem como consequência a demanda por um alto grau de transparência na tomada das decisões das políticas públicas. Por sua vez, Ceneviva (2007) salienta que a gestão pública deve privilegiar a introdução de processos que permitem, por lado, a gestão e, por outro a fiscalização da organização, ao mesmo tempo em que são estabelecidos mecanismos de coordenação entre esta última e os diversos grupos de interesse11 (stakeholders) de modo a fortalecer o processo de prestação de contas à sociedade. O autor ressalta que a gestão pública deve ser concebida como a aplicação de práticas orientadas para o estabelecimento de mecanismos de controle, responsabilização e transparência das ações de domínio público como os elementos fundamentais para vincular a atuação das organizações do setor público. 11 Ambler e Wilson (1995) proporcionam uma discussão importante acerca d da formação dos grupos de interesse, discorrendo sobre a teoria dos stakeholders. Por um lado, mencionam a sua relevância como uma forma de articulação estabelecida de entre as organizações e os grupos de interesse. Por outro lado, estes autores, apresentam as várias abordagens teóricas que se propõem a explicar o alcance deste conceito e, elucidam sobre os problemas a ele relacionados como, a determinação de um grupo de interesses, representação, competição, distribuição de benefícios, entre outros (AMBLER; WILSON, 1995, p. 33-35). 46 A compreensão que se tem sobre as concepções da formação do interesse público e a accountability no processo de gestão pública é a de que elas destacam as mudanças impostas à administração pública de modo a garantir, por um lado, que as ações governativas sejam orientadas às necessidades e demandas das sociedades e elevar o nível de credibilidade das instituições públicas inseridas no contexto da prestação de serviços públicos. Por outro, as práticas de transparência, responsabilidade e prestação de contas são encaradas como a criação de um sistema de valores pelo qual as organizações são dirigidas e controladas, que exige que todos os atores governamentais envolvidos nas ações e atividades do setor público adotem de forma efetiva procedimentos de abertura e de accountability relativamente aos processos de gestão desenvolvidos. 2.3 A Governança interativa Na literatura referente aos estudos das áreas da ciência política e da administração pública o termo governança é definido num sentido amplo e tem sido utilizado de forma bastante heterogênea e com múltiplos entendimentos, podendo compreender desde a aquisição e distribuição de poder pela sociedade (PETERS; PIERRE, 1998), até a forma com as instituições são administradas. Nos estudos e relatórios de agências multilaterais apresentados durante os primeiros anos da década de 1990, em especial do Banco Mundial (1992, 1994), o conceito de governança (governance) surgiu inicialmente restrito às concepções de desempenho gerencial e administrativo. Este surge como referência às concepções do good governnment e na competência do Estado e da administração pública em executar de forma consistente as políticas públicas. Com a intensificação de sua utilização, a noção de governança passa a incorporar outras variáveis – além daquelas relacionadas ao bom desempenho da administração pública – dando atenção particularmente à atuação da sociedade civil como ator político. A ideia de hierarquia, como princípio organizador da relação Estado e sociedade, transforma-se numa relação de cooperação e colaboração entre os atores sociais principais (Estado, setor privado e sociedade). Nesta perspectiva, compreende-se que as concepções acerca da governança interativa vão desde a ampliação do relacionamento entre o Estado e a sociedade até o estabelecimento de redes de articulação no processo de formação das políticas públicas conduzidas por 47 relações mais horizontais e amplamente coordenadas, ou seja, tem como traço distintivo a dimensão relacional entre o sistema governamental e o ambiente que circunda o governo. Portanto, as relações hierárquicas entre o Estado e a sociedade são substituídas por outras formas de relacionamento cujas caraterísticas se distinguem pela atuação conjunta entre atores públicos e privados. Nessa ótica, a gestão pública adota um novo foco que deixa de ser sobre os processos para a constituição de padrões de interação entre vários interesses em torno da explicitação e promoção do interesse coletivo. Assim sendo, o conceito de governança sugere elementos que articulam a gestão pública com a dimensão democrática e, portanto, com a dimensão política, não se restringindo a aspectos instrumentais e técnicos com vistas à eficiência em um sentido restrito, mas à definição da própria atuação das instituições do Estado e à sua eficácia perante as demandas da sociedade. A questão central está relacionada com a definição de novos arranjos institucionais que servem de incentivo às sociedades promovendo a constituição de novas práticas de articulação entres atores públicos, privados e a sociedade civil. Nestes termos, Kooiman e Vliet (1993) caracterizam a governança como um conceito renovado de gestão pública que enfatiza, por um lado, a realização de mudanças nos processos administrativos dentro da administração pública e a consideração dos aspectos internos das organizações públicas focalizando de forma concomitante, a relação entre a dimensão interna e a exterior das organizações públicas na busca de eficiência administrativa. Por outro lado, a governança encerra a ideia da formação de uma maior consciência ética que se move da ética individual para um sistema ético onde predomina a responsabilidade e a accountability no processo de atuação da administração pública. No entendimento destes autores, a governança trata de examinar como a administração pública encara o seu mundo exterior no ambiente contemporâneo de relações estabelecidas entre o Estado e a sociedade, cada vez mais influenciadas por problemas que se mostram mais complexos, dinâmicos e diversos. Essa conjuntura é marcada muitas vezes pela “necessidade de elevação dos níveis de integração e interdependência no processo de constituição dos interesses coletivos das sociedades hodiernas” (KOOIMAN; VLIET 1993, p. 60-63). Em outra vertente, Kooiman (1993, p. 140-142) sustenta que a moderna governança envolve o interesse pelas interações sociais e pode ser tratada de acordo com os diferentes níveis, modos e ordens de governança que representam os padrões de articulação societária e consequentemente, ela tem a ver com a forma de governar. Nessa abordagem, este autor discorre sobre a teorização da governança político-social nas sociedades modernas em que o 48 conceito de interações é visto como central para a governança. Portanto, ela se baseia em profundas e sistemáticas interações entre quem governa e os que são governados podendo ser aplicada às interações do tipo público-público, como nas do tipo público-privado cuja ênfase está nos aspectos bilaterais ou multilaterais de governança. Assim sendo, a governança interativa implica não apenas o envolvimento de atores não estatais no planejamento e implementação das políticas públicas, mas também em todo o processo de coprodução e cogestão de políticas. Rhodes (1997) compartilha igualmente desta visão, afirmando que “o Estado torna-se uma coleção de redes interorganizacionais compostas por atores governamentais e sociais sem nenhum ator soberano capaz de conduzir e regular exclusivamente o processo de tomada de decisão” (RHODES, 1997, p. 57). Deste modo, a governança representa um processo complexo de mecanismos orientados para promover a agregação e articulação de interesses coletivos, que fazem com que os atores sociais e as organizações dentro de sua arena de atuação adotem condutas determinadas que satisfaçam suas necessidades e respondam às suas demandas. Peters e Pierre (1998), por sua vez, sustentam que a governança modifica a questão dos procedimentos e práticas dentro da administração pública, dando origem a novos mecanismos de tomada de decisão, de articulação público-privado na formulação de políticas públicas e de participação dos diferentes setores interessados nos processos administrativos do Estado. Estes autores destacam que nos novos arranjos institucionais estabelecidos no contexto dessas relações interorganizacionais, o Estado e as suas instituições mantêm o seu papel na condução e liderança na elaboração das políticas públicas, apesar do processo de governança gerar a criação de centros múltiplos de formação das políticas nas diversas esferas de governo. A administração pública não perde a importância, mas sim desloca o seu papel primordial de planejar, formular e implementar políticas públicas para a adoção de uma postura interativa caracterizada pela coordenação, cooperação e articulação das ações governativas dentro do Estado. Observa-se que o que essas abordagens acima destacam é que existe uma mudança circunstancial nas fronteiras que são estabelecidas entre o Estado e a sociedade, mas também no caráter de organização entre ambas as esferas tornando-as mais permeáveis no sentido de que as interações passam a fundar-se no reconhecimento da necessidade de (inter) dependências mútuas. Nessa ótica a governança interativa cria instrumentos de colaboração e práticas de integração dos diferentes atores públicos e privados no processo de gestão utilizadas, deste modo, como meios para o alcance de interesses coletivos. 49 No entanto, Kooiman (1993, p. 140-143) esclarece que “para se compreender a governança em particular a social e política torna-se necessário ter atenção a três questões a ela relacionadas e que estão interconectadas,” tais como: (i) a sua diversidade, relacionada com as características das entidades que formam um determinado sistema e a natureza e o grau em que elas podem diferir; (ii) a complexidade, que é um indicador da arquitetura das relações entre as partes envolvidas em um sistema e entre o sistema e o meio ambiente e; (iii) a dinâmica, que se aplica às tensões geradas no sistema e entre sistemas. Nota-se nessa articulação que o conceito de diversidade aliado à governança chama a atenção para os atores dentro de um sistema político social – cingindo-se aos aspectos importantes das entidades como os objetivos, as intenções e o poder. Por sua vez, o conceito de complexidade examina as estruturas, interdependências e inter-relações nos e entre diferentes níveis. A consideração sobre a dinâmica de um sistema político e social reflete os seus problemas e as irregularidades que se desencadeiam dentro do sistema e como se lida com eles (KOOIMAN, 1993). Nesses termos, como salienta Kooiman (1993) além de ser considerada como uma forma de constituição de interesses coletivos, a governança diz respeito especialmente às interações político-sociais que devem ser compreendidas como um fenômeno social geral que orienta o processo de organização do Estado e de suas instituições. Assim, as várias entidades públicas estão envolvidas em influências mútuas no nível das ações e das estruturas de governança constituídas. Este enfoque ressalta que cada interação consiste em processos e estruturas dado que os primeiros referem-se ao aspecto das ações na interação que envolve a expressão de valores, objetivos, interesses e propósitos. Por sua vez, o aspeto estrutural das interações indica a matéria estrutural social e cultura onde as interações acontecem, isto é, o nível estrutural exprime as circunstancias que limitam e condicionam o nível das ações – instituições, estruturas sociais em geral, possibilidades materiais e tecnológicas. Nesse sentido, o conteúdo principal do conceito de governança interativa de acordo com Kooiman (2010, p. 73-74) representa um conjunto de interações assumidas para resolver problemas dentro da sociedade e criar oportunidades sociais, incluindo a formulação e aplicação dos princípios orientadores dessas interações de modo a viabilizar os arranjos institucionais estabelecidos entre o Estado e os atores sociais. A ênfase na interação constitui a principal inovação dessas abordagens acerca das mudanças na administração pública. 50 Portanto, as interações são tidas como formas específicas de ação realizadas a fim de enfrentar e remover os obstáculos da coordenação dos atores sociais e seguir novos caminhos dentro do processo de gestão pública pelo que, a definição dos problemas ou das oportunidades depende dos interesses comuns constituídos e das posições e compreensão que se estabelece entre os atores públicos, privados e a sociedade civil. Na mesma perspectiva Peci et al. (2008, p. 41) explicam que a governança assume uma importância mais intensa, para vincular a ação da sociedade civil e do setor privado no estabelecimento de relações mais complexas com o Estado influenciadas pelo contexto do crescimento da democratização do Estado. O argumento central é o de que com as novas práticas de gestão pública constituídas no âmbito da governança interativa modificam-se as formas de relacionamento do Estado e a sociedade no processo de gestão pública, intensificando-se a maior abertura das instituições públicas às influências e participação de novos atores sociais. Para Stoker (1998, p. 17) a governança é concebida como a “criação de condições para a ordenação de regras e a ação coletiva”. Em seu argumento explica que enquadrada num contexto de mudança nas ações e na organização do Estado, conforme explicita Rhodes (1996) a governança lida com os resultados, embora estes sejam diferentes com os resultados referenciados nas instituições dominadas pela lógica das hierarquias introduzida pelo modelo de administração pública tradicional. Portanto, este autor corrobora Kooiman (1993, p. 141143) ao elucidar a governança nos termos em que há a considerar nela a aplicação de mecanismos não regidos pela autoridade do Estado, mas na criação de uma estrutura, uma ordem em torno da qual não se lhe é externamente imposta, mas que representa sim um resultado das interações de uma multiplicidade de atores que participam no processo de governança e que exercem sua influência mutuamente. Essas abordagens realçam a importância da compreensão da governança como a constituição de um quadro teórico dentro do qual é possível compreender o processo de mudanças intensas concernentes aos pressupostos da administração pública tradicional, uma vez que, elas oferecem um conjunto de práticas de gestão pública (STOKER, 1998, p. 18) fundamentadas na maior integração e articulação entre os organismos públicos e os atores na busca de soluções para os problemas e na resposta às demandas da sociedade. Em outra abordagem, o conceito de governança é encarado como a interação de redes de políticas (BÖRZEL, 1998; TORFING, 2005; RHODES, 2007; KOOIMAN, 1993; BEVIR; RICHARDS, 2009; McGUIRE, 2006; PROVAN; KENIS, 2007; OSBORNE, 2010) cujas 51 ligações são estabelecidas a partir de vínculos e de relações institucionais formais e informais entre o governo e outros atores sociais. Conforme discorre Rhodes (2007, p. 1244) estas ligações surgem em torno de interesses partilhados no processo de formulação e implementação de políticas o que suscita a necessidade de cooperação entre o governo e vários grupos interessados nas políticas públicas. Aqui, as redes surgem como uma estratégia de configuração organizacional para lidar com a complexidade da formação e da gestão coordenada das políticas públicas. A governança seria um mecanismo que disponibiliza plataformas organizacionais que permitem a diversos atores com relativa interdependência o alcance de objetivos públicos a partir do seu envolvimento na construção de políticas, fazendo o uso de ferramentas de democracia deliberativa e redes de políticas públicas. Por seu turno, Osborne (2010) compreende que a governança interativa representa a concepção de uma configuração organizacional constituída por um Estado plural em que vários atores interdependentes contribuem para a prestação de serviços públicos e, um Estado pluralista onde vários processos influenciam o sistema de tomada de decisões. Nessa perspectiva, a preocupação principal da governança é com a formação de um ambiente institucional e externo constituído por arranjos organizacionais que permitam lidar com as pressões que possibilitam e dificultam a implementação de políticas públicas e a prestação de serviços públicos dentro dessa pluralidade de intervenientes. Deste modo, segundo este autor, do ponto de vista institucional o foco na pluralidade de intervenientes na gestão das políticas públicas transcende os relacionamentos interorganizacionais, ela concerne aos processos de governança que ressaltam a eficácia dos serviços e os resultados organizacionais conseguidos a partir dos processos de colaboração constituídos entre as entidades públicas com seu ambiente. O que estas abordagens realçam como assevera McGuire (2006) é a compreensão de que a gestão pública colaborativa representa “uma forma de governar em rede mais eficaz quando o propósito é resolver problemas que não podem ser atendidos por organizações convencionais e individuais baseadas nos mecanismos tradicionais de disposição hierárquica” (McGUIRE, 2006, p. 33-34). Dentro dessa perspectiva, argumenta-se que o mecanismo de alocação de recursos (POWELL, 1990) requer formas diferentes que são mais flexíveis e adaptadas a operar com maior velocidade do que as organizações governamentais convencionais. Tais mecanismos se fundamentam nos arranjos institucionais em rede multiorganizacional ou redes de políticas conforme menciona Börzel (1998), com a 52 responsabilidade de constituir processos de gestão a serem negociados no nível interorganizacional e interpessoal dentro dessas redes. Já para Thomson e Perry (2006) processos de colaboração se tornaram imperativos devido às mudanças que tem ocorrido no contexto da gestão pública influenciada por fatores como a devolução, as rápidas mudanças tecnológicas, a escassez de recursos e crescentes interdependências organizacionais que estimularam a elevação dos níveis de colaboração entre esferas governamentais assim como a sociedade. Salientam ainda que a colaboração na gestão de políticas públicas implica no fortalecimento da capacidade de intervenção do Estado e das suas instituições para responder com efetividade as demandas da sociedade e, desse modo, alcançar êxito em seus objetivos e resolver os dilemas da ação coletiva. As práticas colaborativas como sustentam Thomson e Perry (2006, p. 20) incentivam as organizações, por um lado, a celebrarem acordos e a estabelecerem coalizões tendo em vista a agregação de preferências privadas em escolhas coletivas através do auto-interesse de negociação e, por outro a integrarem a buscarem compromissos baseados na implementação de prioridades e compromissos compartilhados na gestão das políticas públicas. Destarte, compreende-se que a governança colaborativa “traz múltiplos atores (estatais e não estatais) para fóruns comuns com os organismos públicos” (ANSEL; GASH, 2007, p. 544-545), no intuito de participarem no processo de tomada de decisão orientado por uma estrutura ordenada cooperativamente e que permite o alcance de consensos mútuos. Esse mecanismo de articulação proporciona, sobretudo aos atores não estatais o seu envolvimento direto no processo de policy making e não são apenas consultados pelos organismos públicos, de tal modo que as estruturas estabelecidas favorecem a mudança dos padrões de relação e a constituição de redes de políticas que representam um complexo modelo de cooperação intergovernamental. Börzel (1998) e Klijn e Koppenjan (2000) argumentam sobre a acuidade no tratamento das redes de políticas, dado que trazem consigo diversas interpretações e por isso suscitam várias críticas sobre as suas fundações teóricas tradicionais. A questão central relacionada com as redes é que elas integram uma variedade de atores sem, contudo, identificar claramente como as novas relações de poder são processadas no interior dessas redes. Nestes termos, Klijn e Koppenjan (2000, p. 138-139) compreendem que as redes estão baseadas nas abordagens da teoria interorganizacional que analisa a implementação de políticas e as relações intergovenamentais, para explicar os padrões de interação entre as organizações e 53 avaliar a influência dos padrões e as consequências dessas interações que caracterizam os processos complexos e dinâmicos das políticas públicas. Por sua vez, Börzel (1998, p. 259-261) salienta que em geral, as redes de políticas têm sido encaradas como uma metáfora relacionada à análise organizacional e, referem-se aos relacionamentos gerados entre Estado e a sociedade, em que se modifica a maneira de interação retirando assim, o caráter hierárquico da autoridade central para se promover um envolvimento mais plural de participação de organizações públicas e privadas no processo de formulação das políticas públicas. De acordo com Kenis e Schneider (1991) esta situação origina uma mudança real na estrutura da política que surge através da coordenação horizontal e a interdependência que daí emerge, passando os atores sociais a produzir soluções para os problemas existentes, fazendo surgir assim uma nova forma de governança intermédia – diferente da hierarquia e do mercado. Na perspectiva destes autores, a governança é compreendida como estando relacionada ao surgimento [...] “de redes de políticas que conferem um padrão de governança baseado na formação de estruturas que refletem uma mudança na forma de relacionamento entre o Estado e a sociedade”. As estruturas constituídas interagem de forma interdependente no processo de constituição de políticas públicas tornado as fronteiras entre o público e o privado indefinidas (KENIS; SCHNEIDER 1991, p. 41-42). Igualmente, as estruturas formadas nessa nova conjuntura comportam uma combinação que integra a burocracia, o mercado e a sociedade civil que de forma interdependente colaboram no processo de formulação de políticas públicas. Administração integrada tradicional sucede um Estado fragmentado que promove uma colaboração com outros atores. Entre os novos arranjos interinstitucionais, destacam-se a coordenação de atores estatais e não estatais nas operações de governo, as formas híbridas, como as parcerias público-privadas (PPP) e as redes (networks). A esse respeito Klijn e Teisman (2002, p. 191) definem as PPP como “cooperação entre atores públicos e privados de caráter temporário no qual os atores desenvolvem produtos mutuamente e/ou serviços e onde riscos, custos e benefícios são compartilhados”. Para Firmino (2011, p. 399) as formas híbridas de articulação constituídas na governança podem assumir diferentes tipologias e promover fins variados. Por exemplo, a sua constituição pode percorrer diversos sectores de atividade integrando atores privados e sem fins lucrativos bem como, envolver mecanismos de articulação que se materializam desde o desenho e a concepção de projetos, até à construção, manutenção e exploração de infraestruturas ou a provisão de bens e serviços públicos. Peters e Pierre (1998, 54 p. 225) ressaltam que essas concepções implicam numa forte presença das organizações privadas na influência do processo das políticas públicas incentivando práticas interorganizacionais, intersetoriais e gestão integrada como alternativas para o alcance do interesse público. A explicação principal destes autores está relacionada à necessidade de superação das limitações da ação governamental que surgem no contexto das estruturas convencionais da administração do Estado, através da criação de relacionamentos mais intensos entre o governo e os atores privados e da sociedade civil. O que essas abordagens acima destacam é que a governança interativa se tornou um tema dominante no contexto da promoção de mecanismos de articulação interorganizacional entre diferentes atores sociais, significando uma forma através da qual novas práticas de gestão pública são concebidas e implementadas. Na maioria das vezes, a preocupação está na crescente necessidade de introduzir melhorias quer na organização, estrutura, atuação, assim como na qualidade dos serviços oferecidos à sociedade, tendo como enfoque o aperfeiçoamento dos arranjos institucionais que possam garantir melhorias significativas na gestão das políticas públicas. Enfim, compreende-se que as três dimensões conceituais da governança no setor público apresentadas neste capítulo, envolvem as questões das reformas administrativas que vêm romper com os valores e os padrões tradicionais da administração pública com a imposição de novos modelos de gestão pública que apontam no sentido da redução dos processos de padronização e hierarquização. São adotadas novas práticas gerenciais que se preocupam fundamentalmente com a efetividade governamental e melhoria da capacidade de administração, a elevação do desempenho e dos resultados organizacionais. Doutro modo, em sentido mais amplo a governança se apoia na utilização de práticas de gestão pública que promovem a accountability e a responsabilidade dentro da administração pública como preocupações presentes nos esforços para se concretizar os objetivos da comunicação pública e prestação de contas para o benefício da sociedade, como, também, para tornar o processo de gestão púbica mais transparente e comprometido em assegurar a integridade das ações governativas do Estado. Observa-se, igualmente que a governança está vinculada a adoção de mecanismos que promovem maior interação e participação entre os atores públicos, privados e a sociedade civil. Através da incorporação dessas práticas na administração pública busca-se a criação de um ambiente favorável para aumentar a geração de oportunidades, por meio da inclusão social e fortalecimento da capacidade de formulação e implementação de políticas públicas. 55 Importa mencionar que, por não ser conclusiva e unívoca relativamente a sua definição e concepções principais conforme foi mencionado ao longo deste capítulo, a noção de governança está aberta a desenvolvimentos, agregação e combinações de vários elementos relacionados à gestão pública. Considera-se que não existe um modelo organizativo e funcional exclusivo de validade universal sobre a governança no setor público. Ela deriva sim dos diferentes processos de reformas administrativas e adoção de novas práticas de gestão pública que têm sido implementadas ultimamente nos diversos países do mundo inteiro. O Quadro 1 a seguir apresenta de forma detalhada os diferentes enfoques das reformas administrativas que estão associados ao processo de governança no setor público, de acordo com as abordagens e concepções discutidas neste capítulo. A sua apresentação visa sintetizar as abordagens consideradas e, igualmente, elencar o conjunto de categorias representativas das novas práticas de gestão pública que foram sendo identificadas em cada uma dessas dimensões conceituais apresentadas. Quadro 1: Resumo das dimensões conceituais da governança no setor público Governança no Setor Público Dimensões do Conceito New Public Management e Modernização da Gestão Pressupostos e Abordagens Teóricas da Governança no Setor público Categorias Representativas das Novas Práticas de Gestão Pública Reforma do aparelho do Estado focada na adoção de novas formas de organização e de estruturação da administração pública; Eficiência Reforma do Estado e aplicação de novas técnicas gerenciais consideradas mais flexíveis e dinâmicas; Efetividade Competição e aumento da eficiência, eficácia e efetividade na gestão pública e melhoria dos serviços prestados ao cidadão; Melhoria e elevação do desempenho e resultados na atuação das instituições do setor público. Utilização de mecanismos de gestão pública que dão ênfase na forma de organização, nas boas práticas e conduta, e nos resultados; Interesse Público e a Accoutability Governança Interativa Gestão pública votada para a aplicação de práticas que consideram a transparência dentro do setor público; Gestão pública associada à aplicação dos princípios da integridade, liderança, informação, controle, accountability no setor público; Governança como mecanismo de melhoria da performance organizacional. Reformas na gestão pública que dão ênfase na relação entre a dimensão interna e a exterior da administração pública; Interações entre o Estado e a sociedade baseadas em diferentes níveis, modos e ordens de governança; Governança societária fundamentada na criação de novos arranjos administrativos e institucionais bem como na eliminação das fronteiras entre setor o público e o privado; Interdependências mútuas que traduzem a diversidade, complexidade e dinâmica do sistema de governança; Partilha dos interesses no processo de tonada de decisão, formulação e implementação de políticas públicas; Coordenação e cooperação horizontal entre as entidades públicas e os vários stakeholders interessados nas políticas públicas. Eficácia Resultados Competitividade Desempenho Accountability Transparência Responsabilidade Controle Boa Governança Coordenação Participação Cooperação Interdependência Fonte: Elaborado pelo autor com base no referencial conceitual do estudo. Fontes Principais Hood (1991); Caiden (1994); Osborne; Gaebler (1995); Rhodes (1996); Abrúcio (1997); Barzelay (2000); Pollitt, Bouckaert (2002); Jones, Kettl (2003); O’Flynn (2007); Peci et al. (2008). Cadbury Committee Report (1992); O’Donnell (1998); Behn (1998); Denhardt; Denhardt (2000, 2003); Cunill Grau (2000), 2009); IFAC (2001); Barrnett (2001, 2002); Ceneviva (2007); Klijin (2010); Hughes, (2010). Kenis; Schneider (1991); Kooiman (1993); Kooiman; Vliet (1993); Stoker, (1998); Peter; Pierre, (1998); Börzel (1998); Lynn (2000); McGuire (2006); Rhodes (2007); Provan; Kenis, (2007); Kooiman et al. (2008); Bevir; Richards (2009); Osborne (2010). 56 3 Os procedimentos metodológicos Neste capítulo são apresentados os procedimentos metodológicos aplicados para o desenvolvimento da presente dissertação. Destarte, primeiramente, abordam-se as questões inerentes ao arcabouço geral que norteou a realização do estudo, identificando-se a natureza e a classificação da pesquisa – que explicitam o delineamento do estudo. Sucessivamente são descritos os procedimentos relacionados com o processo de coleta dos dados em que se apresentam as fontes de dados usadas, os critérios utilizados para a escolha dos participantes do estudo e abordam-se as técnicas e os instrumentos aplicados no processo da análise dos dados coletados e, por fim, se discorre sobre as limitações desta pesquisa. 3.1 A Classificação da pesquisa A fim de responder a questão central definida para a realização desta investigação, optou-se pela realização de um estudo de caso qualitativo como estratégia de pesquisa. A intensão foi compreender a reforma administrativa e a aplicação das novas práticas de gestão pública no Estado de Moçambique, a partir da realização de uma investigação que permitisse aprofundar a análise sobre como tem sido a implementação das novas práticas de gestão pública no contexto municipal. Assim sendo, a efetivação de um estudo com natureza qualitativa se mostrou mais adequado para pesquisar o problema apresentado nesta dissertação, dado que a abordagem qualitativa torna possível a realização de pesquisas reveladoras da realidade e dos contextos sociais que são pesquisados (DENZIN; LINCOLN, 2000; FLICK, 2009; STAKE, 2010) e permite a utilização de um conjunto alargado de disciplinas e práticas interpretativas dentro de uma ênfase sobre a natureza socialmente construída da realidade. Nesse sentido, como ressalta Creswell (2010) a prática investigativa qualitativa se apresenta como uma estratégia eficaz para explorar e entender os significados que os indivíduos ou grupos atribuem a um problema social ou humano. Desta feita, ela permite a utilização de novas vertentes de análise que se baseiam na busca de uma ampla interpretação e reconceituação dessas problemáticas sociais. O seu caráter interpretativo permite uma descrição do problema em análise (GODOY, 2010, p. 124), tornando possível encontrar 57 padrões nos dados e desenvolver categorias conceituais que possibilitam ilustrar, confirmar ou opor-se a suposições teóricas subjacentes ao mesmo através de um conjunto de informações que permitem uma interpretação aprofundada do problema levantado na investigação. A pesquisa realizada classifica-se como exploratória, pois, se dedicou no plano teórico a obter, por um lado, uma maior compreensão sobre as diferentes abordagens e pressupostos da reforma administrativa que têm dado sustentação ao processo de aplicação de novas práticas de gestão pública. Por outro, porque se dedicou sob o ponto de vista prático a explorar o processo de reforma administrativa em Moçambique e compreender como essas novas práticas de gestão pública têm sido implementadas no contexto da gestão municipal. Nesta perspectiva, a opção pela realização de uma pesquisa com caráter exploratório se justificou pela importância de se abordar as mudanças administrativas proporcionadas pelo novo modelo de reforma administrativa, destacando a dinâmica do processo de gestão pública local (município), os problemas e as limitações impostas pelo próprio modelo. Importa referir que, de modo a alcançar os objetivos propostos para a realização do estudo, o pesquisador partiu para o processo de pesquisa imbuído de um conjunto de subsídios e de um referencial conceitual – mais precisamente acerca do embasamento dos diferentes processos de mudanças na gestão pública – que contribuíram para a aplicação do procedimento de categorização prévia adotado no estudo (conforme mostra o Quadro 1 anterior). Esta postura foi fundamental para a constituição do desenho de pesquisa adotado e, sobretudo porque possibilitou um melhor enquadramento dos processos analíticos utilizados posteriormente nas duas etapas que constituíram a realização desta investigação. A pesquisa foi assim centrada em dois eixos: o primeiro diz respeito à realização de revisão bibliográfica, seguida da análise do modelo de reforma administrativa em Moçambique, expresso pela Estratégia Global de Reforma do Setor Público (EGRSP, 20062011). O segundo é referente à análise das falas obtidas através de entrevistados, a propósito de suas representações e experiências sobre as ações institucionais que caracterizam as práticas de gestão pública adotadas no contexto da gestão municipal. É importante esclarecer que no primeiro momento pretendeu-se identificar as principais categorias explicitadas nas diferentes abordagens sobre os processos de reformas administrativas, bem como identificar que práticas de gestão pública foram propostas no modelo de reforma da administração pública moçambicana e, no segundo buscou-se compreender por meio da interpretação das falas dos indivíduos pesquisados como tem decorrido o processo de implementação das novas práticas de gestão pública no contexto municipal. 58 3.1.1 O Método de pesquisa Para compreender a reforma administrativa e a implementação das novas práticas de gestão pública em Moçambique, especificamente no contexto municipal adotou-se o método de estudo de caso único de Yin (2005). Os critérios de escolha para a realização de um estudo do tipo caso único são justificados em primeiro lugar, pela sua pertinência teórica (em relação aos objetivos propostos na pesquisa). Em segundo lugar pela pertinência prática que se traduziu na possibilidade de se aprender com as informações e as experiências do caso bem como, a sua acessibilidade para a investigação. Por último pelo interesse do pesquisador na realização de uma pesquisa voltada para a compreensão das novas práticas de gestão pública adotadas no setor público moçambicano. Pesquisas desenvolvidas com base no método de estudo de caso se tornam adequadas quando o propósito é “investigar um fenômeno empírico e evidenciar a complexidade social no qual este se manifesta, sejam as situações problemáticas para análise dos obstáculos, seja em situações bem sucedidas para ilustrar os modelos exemplares” (YIN, 2005, p. 32). A sua apropriabilidade nesta pesquisa decorreu da possibilidade de realização de uma investigação aprofundada e contextualizada sobre a reforma administrativa na realidade municipal, tendo se revelado profícuo para evidenciar as diversas situações do caso escolhido (práticas de gestão pública em implementação), portanto, as suas especificidades, caraterísticas e interfaces relativas ao objeto em investigação. Optou-se pelo método de estudo de caso uma vez que se desejou analisar uma unidade social com o objetivo de aprofundar a descrição das novas práticas de gestão pública adotadas, a partir do entendimento da dinâmica da vida organizacional no que diz respeito às atividades e ações estabelecidas (GODOY, 2010). Desse modo, o método se mostrou vantajoso à intenção de compreender como têm sido implementadas as novas práticas de gestão pública ao nível municipal. A unidade de análise a respeito da qual a dissertação se ocupou é o Município de XaiXai. Nesse sentido, a pesquisa se destinou a realização de uma análise que considerasse as experiências da introdução da reforma administrativa em Moçambique, refletidas em uma realidade empírica que permitisse a interpretação das práticas de gestão adotadas, como forma de destacar os seus principais elementos distintivos e as suas peculiaridades. O delineamento da pesquisa assumiu um recorte transversal, uma vez que se privilegiou a realização do estudo 59 das novas práticas de gestão pública tendo como base de análise o documento da Estratégia Global de Reforma do Setor Público (EGRSP, 2006-2011), que diz respeito à implementação da IIª Fase da reforma da administração pública. Optou-se por este recorte primeiro porque, neste documento estão descritos os objetivos da reforma da administração pública moçambicana que estabelecem a importância e reiteram a necessidade da aplicação de novas práticas de gestão pública. Segundo porque o desenho da pesquisa pretendeu que a realização da análise sobre a implementação das novas práticas de gestão pública no contexto do Município de Xai-Xai incidisse especificamente no período acima referido. Embora se concentre no período referenciado acima, o estudo não desconsidera os processos de reformas administrativas que antecederam o período em referência, sendo mencionados de acordo com a sua pertinência ao longo do processo de análise realizada na pesquisa. 3.1.2 A Coleta e Análise de Dados A coleta e a análise de dados desta pesquisa foram realizadas de forma simultânea e em duas etapas. Na 1ª Etapa realizada no período de Outubro e Novembro de 2011, o estudo se baseou no documento da reforma administrativa em Moçambique – fonte secundária – e na 2ª Etapa realizada no período de Janeiro a Junho de 2012, se baseou em entrevistas semiestruturadas – fontes primárias – como técnicas para a coleta de dados qualitativos (YIN, 2005). As escolhas dessas fontes se fundamentaram na sua eficácia e adequação ao problema levantado e aos objetivos definidos para a pesquisa. Em ambas as etapas, foi utilizada a análise de conteúdo como técnica para a análise dos dados coletados e adotou-se a função heurística da análise de conteúdo com a finalidade de enriquecer o processo exploratório da pesquisa. Esta técnica possibilita a “utilização de procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das informações obtidas, que permitem a inferência de conhecimentos relativos ao sentido e significados dessas mensagens” (BARDIN, 2004, p. 37). O Quadro 2 a seguir mostra o desenho de pesquisa que orientou a realização dos processos de coleta e análise de dados da investigação. 60 Quadro 2: Síntese das etapas dos procedimentos de coleta e análise de dados da pesquisa 1ª ETAPA – COLETA E ANÁLISE DE DADOS EM 2ª ETAPA – COLETA E ANÁLISE DE DADOS DAS DOCUMENTO ENTREVISTAS Procedimento 1 Realização da Análise de Conteúdo do documento da EGRSP (2006-2011) para Identificação das Novas Práticas de Gestão Pública propostas no modelo de reforma administrativa do setor público moçambicano Realização da Análise Comparativa Práticas de Gestão Pública propostas no documento da EGRSP em Moçambique Categorias Representativas das Novas Práticas de Gestão Pública identificadas no Referencial Conceitual do Estudo Procedimento 2 Síntese de Categorias geradas da comparação entre os Padrões de Governança da EGRSP e as Categorias da Governança identificadas no Referencial Conceitual do Estudo Definição do Roteiro para a realização de Entrevista Semiestruturada Procedimento 3 Realização da Coleta de Dados por meio de Entrevistas Realização da Análise de Conteúdo das Falas dos Atores (públicos, privados e da sociedade civil) Entrevistados no Estudo Procedimento 4 Realização da Interpretação das Práticas de Gestão Pública implementadas no Município de Xai-Xai tendo como referência as concepções de reforma administrativa apresentados no modelo da EGRSP e no Referencial Conceitual Apresentação dos Resultados do Estudo Fonte: Elaborado pelo autor para a representação do desenho de pesquisa adotado. Na primeira etapa realizou-se a coleta de dados privilegiando-se a utilização da fonte secundária – documento referente à Estratégia Global de Reforma do Setor Público (EGRSP, 2006-2011) – por meio do qual se procurou descobrir os conteúdos e elementos que consideravam a aplicação de novas práticas de gestão pública no setor público moçambicano. Desse modo, a análise de conteúdo efetuada começou pela constituição do corpus da análise – que se baseou nos significados e concepções das novas práticas de gestão pública adotadas no modelo de reforma administrativa da EGRSP (2006-2011). Para o efeito, utilizaram-se como critérios para a constituição do corpus da análise as diferentes abordagens apresentadas nas três dimensões conceituais que estabelecem os embasamentos dos processos de reformas administrativas, a saber: (i) New Public Management e a modernização da gestão pública; (ii) o interesse público e a accountability e; (iii) a governança interativa. Esse procedimento analítico se ocupou basicamente em identificar que práticas de gestão pública foram propostas para a administração pública moçambicana, sobre que bases foram estabelecidas, quais os seus pressupostos fundamentais e como se caracteriza o modelo de reforma administrativa adotado. Em seguida, foi realizada uma comparação entre as categorias que expressam as novas práticas de gestão pública previamente identificadas em cada uma das três dimensões conceituais anteriormente mencionadas (no Quadro 1) e as concepções do modelo de reforma 61 administrativa proposto na EGRSP (2006-2011). As categorias utilizadas nessa comparação foram: eficiência, eficácia, efetividade, resultados, competitividade, accountability, transparência, controle, desempenho, responsabilidade, boa governança, participação, coordenação, cooperação e interdependência. Aqui, o objetivo da comparação realizada foi verificar os elementos e pontos de aproximação e de diferenciação entre as concepções da reforma no setor público moçambicano apresentadas no documento da EGRSP (2006-2011) e as descritas no referencial conceitual da pesquisa, de maneira a constituir posteriormente as categorias de análise para o desenvolvimento do estudo. Importa mencionar que este último procedimento serviu igualmente para estabelecer os embasamentos das categorias analíticas que foram utilizadas para a definição do roteiro de entrevistas aplicado na coleta de dados empíricos para o estudo. Na segunda etapa realizou-se a coleta de dados com base na técnica de entrevista semiestruturada como fonte primária – através das quais foram recolhidas falas dos respondentes sobre as diferentes representações e aspetos que ressaltam as práticas de gestão pública adotadas no Município de Xai-Xai. Essas falas distinguiram-se como os elementos de interpretação que permitiram compreender como está ocorrendo o processo de implementação das novas práticas de gestão pública nesta municipalidade. A opção pela realização de entrevistas semiestruturadas foi baseada em uma amostra intencional e foi selecionada de forma não representativa aos tipos de respondentes identificados para o estudo. Essa escolha compreendeu a realização de entrevistas com os seguintes grupos de respondentes: atores do setor público, atores do setor privado e atores da sociedade civil, selecionados por se considerar serem os atores relevantes no processo de gestão do Município de Xai-Xai. Esses grupos de entrevistados foram selecionados tendo em consideração que se pretendeu analisar o caso do Município de Xai-Xai a partir de três vertentes que consideram: (i) as práticas voltadas para a modernização da gestão pública municipal (ii) as práticas relacionadas com a accountability na gestão pública municipal e; (iii) as práticas estabelecidas para criação da governança interativa na gestão pública municipal. Nessa perspectiva, se mostrou mais adequado trabalhar com respondentes identificados previamente, como forma de alinhar o tipo de respondentes da pesquisa com a abordagem teórica considerada nessas três vertentes sobre a aplicação das novas práticas de gestão pública. 62 Assim sendo, foram definidos quatro segmentos de entrevistados, formados por seis tipos de respondentes. Os critérios para a constituição dos segmentos de entrevistados e tipos de respondentes foram as funções e as responsabilidades desempenhadas dentro de cada grupo de atores (públicos, privados e da sociedade civil) selecionados para este estudo. A finalidade dessas escolhas foi buscar múltiplas visões e interpretações sobre como têm sido implementadas as novas práticas de gestão pública no Município de Xai-Xai e, gerar confiabilidade das informações obtidas através dessa multiplicidade de informantes (GASKELL, 2008). Foram realizadas ao todo treze entrevistas das quinze planejadas. Não foram realizadas duas entrevistas sendo, uma com um ator individual – representante do setor privado e outra com um ator individual – representante da sociedade civil, devido a limitações relacionadas com a falta de disponibilidade dos pesquisados até a data prevista pelo pesquisador para o termino da pesquisa de campo. A distribuição dos segmentos entrevistados e o tipo de respondentes elencados para o estudo é apresentada, a seguir no Quadro 3. 63 Quadro 3: Relação dos entrevistados na pesquisa Grupos de Atores da Governança Segmentos Entrevistados Tipo de Respondentes Funções/Responsabilidades dos Entrevistados Duração N° de Pesquisados Presidente Presidente do Município de Xai-Xai Vereador da Área de Atividades Econômicas Vereador da Área de Administração e Finanças Vereador da Área dos Transportes e Agricultura Vereador da Área dos Serviços Urbanos Diretor de Administração e Finanças do Município de Xai-Xai Chefe de Departamento de Recursos Humanos do Município de Xai-Xai Chefe do Departamento de Estudos e Planejamento do Município de Xai-Xai Presidente da Assembleia Municipal de Xai-Xai 52m18s 57m29s 1 Vereadores Atores do Setor Público Administradores Públicos Técnicos Representantes Eleitos dos Munícipes Atores da Sociedade Civil Representantes das Organizações da Sociedade Civil Atores do Setor Privado Representante do Setor Privado Membros da Assembleia Municipal Dirigentes do FONGA12 Dirigente do CEP13 Chefe da Bancada na Assembleia Municipal de Xai-Xai Diretor Executivo do Fórum Provincial das Organizações da Sociedade Civil de Gaza – FONGA Oficial de Programas do Fórum Provincial das Organizações da Sociedade Civil de Gaza – FONGA Presidente do Conselho Empresarial Provincial de Gaza – CEP 40m22s 4 51m02s 01h01m 42m10s 29m48s 3 36m26s 43m52s 2 58m53s 57m13s 2 48m04s 57m13s Número Total de Pesquisados 1 13 Fonte: Elaborado pelo autor com base nas entrevistas aos atores públicos, privados e da sociedade civil. A definição do roteiro de entrevista foi efetuada na Iª Etapa da coleta de dados como referido anteriormente e, se embasou no resultado da síntese de categorias geradas da comparação entre o modelo da EGRSP (2006-2011) e as categorias representativas das novas práticas de gestão pública identificadas no referencial conceitual deste estudo conforme 12 O FONGA – Fórum Provincial das Organizações da Sociedade Civil de Gaza é uma organização não governamental criada em 1998, baseada na Cidade de Xai-Xai e está voltada para promoção da sociedade civil através de realização de ações nas seguintes áreas: Democracia e Boa Governança; Processos Eleitorais; Direitos Humanos; Meio Ambiente; Género e HIV/AIDS; Filantropia Local e Combate à Corrupção. Esta organização conta atualmente com 202 organizações membros filiadas e está representada tanto ao nível provincial como nos onze Distritos que compõem a Província de Gaza. 13 O CEP - Conselho Empresarial Provincial de Gaza é uma organização econômica, não governamental, braço da CTA – Confederação das Associações Econômicas de Moçambique criada em 1999, que trabalha no estabelecimento da articulação entre o Governo Provincial, Governos Municipais e o Setor Privado na Província de Gaza e está baseada na Cidade de XaiXai. A sua missão principal é contribuir para um ambiente de negócios favorável ao desenvolvimento do Sector Privado e para um movimento associativo forte e participativo, socialmente responsável, capaz de influenciar as políticas económicas e promover a competitividade e qualidade empresarial. É constituído por várias associações e grupos empresariais dos diferentes setores de atividades. 64 mostra o Quadro 1. O roteiro utilizado foi constituído por duas partes principais: a primeira se destinou a identificação dos participantes do estudo, onde foi solicitada informação referente à: identificação do pesquisado, o cargo/função dentro da instituição, a data e a hora da entrevista e o local onde decorreu a entrevista. A segunda parte continha no geral um conjunto de onze questões que nortearam a realização das entrevistas em que se procurou saber dos pesquisados – as práticas de gestão pública adotadas tendo em vista a melhoria da qualidade dos serviços; os processos de participação e prestação de contas da gestão municipal; os mecanismos de responsabilização e transparência no funcionamento do município; as estruturas de articulação utilizadas no processo da gestão pública e as práticas relacionadas com a criação de parcerias públicoprivadas, conforme mostra o Apêndice B. Importa mencionar que, no decurso do processo de realização das entrevistas os grupos de atores do setor privado e da sociedade civil responderam a apenas sete questões, sendo que os atores públicos responderam a todas as questões apresentadas no roteiro de entrevistas. Essa variação no número das questões respondidas se deveu à necessidade de dar maior coerência ao tipo de informações coletadas nas entrevistas, pela existência de alguns assuntos cuja natureza foi considerada específica ao processo interno de gestão do Município de Xai-Xai, tais como: gestão financeira, procedimentos relativos ao planejamento e mecanismos de responsabilização da gestão, não sendo por essa razão aplicáveis aos respondentes que se acham fora do âmbito da administração municipal. Nesta fase, depois de transcritas todas as entrevistas efetuadas para a pesquisa, a análise de conteúdo foi utilizada para o tratamento dos textos (BARDIN, 2004, p. 139) produzidos a partir dessas entrevistas. A análise de conteúdo começou com o exame individual desses textos tendo se ocupado em descobrir conjuntos de significações e padrões que expressavam as novas práticas de gestão pública e interpretar as experiências dos diferentes atores públicos, privados e da sociedade civil, sobre como essas práticas estão sendo implementadas na gestão municipal. Assim, foi possível com o auxílio do programa Nvivo 9 efetuar a codificação dos conteúdos (conjunto de significações) – selecionados das falas dos entrevistados. A codificação serviu para reunir e organizar em cada uma das categorias de análise utilizadas no estudo, todas as referências sobre as práticas de gestão adotadas no Município de Xai-Xai, que foram sendo identificadas nas falas dos atores pesquisados. 65 Portanto, o programa permitiu a seleção ou recorte e agregação de frases e extratos dos textos das entrevistas que constituíram os elementos do corpus para a interpretação das práticas de gestão pública existentes no Município de Xai-Xai. Foram selecionados exclusivamente aqueles extratos dos textos em que são ressaltados ou descritos os aspetos, elementos ou características das novas práticas de gestão pública consideradas pertinentes (significativos) para a análise e interpretação de seu conteúdo. Esse procedimento permitiu explorar melhor o processo de busca e identificação das caraterísticas, estruturas e/ou modelos que estão por trás dos fragmentos das mensagens (obtidas das falas dos pesquisados) que foram tomadas em consideração, o que tornou o procedimento inferencial da pesquisa mais preciso e objetivo. Nesse sentido, a ferramenta contribuiu para a realização das operações prévias, relacionadas com a preparação do material selecionado nas falas e armazenamento para usos posteriores (de interpretação). Ela permitiu também aprimorar o rigor na organização dos dados coletados e a ordenação da fragmentação dos relatos dos pesquisados, uma vez que tornou possível agrupar todas as respostas a cada pergunta efetuada de modo que a análise efetuada fosse válida e confiável (BARDIN, 2004, p. 137-138). Assim, foi possível analisar as práticas de gestão pública por meio das falas dos diferentes atores que interagem no contexto do funcionamento do Município de Xai-Xai, numa construção prática baseada nas suas experiências sobre a realidade administrativa e dos processos de gestão adotados com a implementação da reforma administrativa em Moçambique. Este estudo não se auxiliou da técnica de observação, porque não privilegiou uma análise processual que refletisse a descrição de situações observadas no seu contexto real, uma vez que não se pretendeu apreender como se desenvolve o cotidiano representado pelas interações sociais e comportamentos das pessoas, nem a análise das várias ações que ocorrem no interior da organização pesquisada e os significados a elas atribuídos. Em relação aos aspetos éticos na pesquisa, foi solicitada pelo pesquisador, devidamente credenciado pelo Programa de Pós-graduação em Administração (PROPAD), a autorização dos órgãos de direção do Município de Xai-Xai para a realização do estudo. No final de cada entrevista todos os participantes procederam à assinatura de um termo de consentimento que autoriza o pesquisador a fazer o uso das informações fornecidas para a divulgação dos resultados do estudo, exclusivamente para fins acadêmicos. O Quadro 4 apresenta o resumo dos procedimentos metodológicos adotados no 66 Quadro 4: Resumo dos procedimentos adotados no estudo Procedimentos Metodológicos da Pesquisa Caráter Interpretativo Classificação da Pesquisa Estudo de Caso Qualitativo Método de Pesquisa Estudo de Caso Tipo Caso Único Iª Etapa – Análise de conteúdo do Documento da EGRSP (2006-2011) Fonte Secundária de Dados IIª Etapa – Realização de entrevistas semiestruturadas e Análise de conteúdo das entrevistas Fontes Primárias de Dados Coleta e Análise de Dados Natureza Exploratória Fonte: Elaborado pelo autor. 3.2 As Limitações da pesquisa Nesta seção, importa sublinhar as limitações desta pesquisa e algumas implicações para o processo de investigação. As mais significativas estão relacionadas em primeiro lugar, com o procedimento de categorização prévia do estudo; em segundo com o grau de subjetividade das informações obtidas dos pesquisados e; por último com o não atingimento do número de entrevistados inicialmente planejado para o desenvolvimento da pesquisa. Primeiramente, a despeito de a abordagem qualitativa permitir ao pesquisador trabalhar sobre um corpus consistente de dados e estabelecer uma discriminação de categorias variadas, ela acarretou problemas ao nível da seleção dessas categorias analíticas. Nesse sentido, a categorização adotada neste estudo procurou tratar exaustivamente todas as dimensões e situações relacionadas com a questão da governança no setor público. No entanto, no processo de definição das categorias desta pesquisa, elementos importantes e significativos podem ter sido deixados de lado, o que pode ter implicações na forma de abordagem dos diversos assuntos discutidos no estudo. Um segundo obstáculo que pode ser apontado a esta pesquisa está relacionado com a eficácia e a abrangência do tipo de respondentes escolhidos para a realização da pesquisa. Se, por um lado, a sistematização das abordagens sobre as concepções da reforma administrativa permitiu uma leitura detalhada a propósito dos processos de transformação e mudanças a que estão sujeitos os Estados e as suas administrações, o mesmo não se pode referir quanto às falas sobre as experiências de indivíduos utilizados para explorar de forma completa as práticas de gestão no contexto da administração municipalizada. 67 Assim, compreende-se que a análise das práticas de gestão pública adotadas no Município de Xai-Xai, a partir do ponto de vista dos diferentes atores incorreu a problemas de subjetividade dos dados coletados que são, no entanto, inerentes às pesquisas do tipo interpretativo e por essa razão, não devem ser desconsiderados neste estudo. Informações e dados importantes podem não ter sido relevados ou até omitidos, o que prejudica de certa forma o processo geral de análise e interpretação dos resultados. Em alguns casos, notou-se a existência de um elevado grau de subjetividade nas abordagens (falas) dos pesquisados relativamente à maneira como construíam as suas leituras sobre a questão das práticas de gestão no contexto municipal. Por fim, o não atingimento do número de entrevistados selecionados no processo de definição da amostra intencional, influenciou o enriquecimento da análise das práticas de gestão pública adotadas no Município de Xai-Xai. Essa limitação reduziu a possibilidade de se conseguir um maior aprofundamento a partir da ampliação dos múltiplos entendimentos e diferentes pontos de vista e, restringiu a apreensão mais completa do problema pesquisado. Embora essa situação tenha se verificado, compreende-se que no geral esse fato não prejudicou a validade e a qualidade dos achados fundamentais alcançados nesta pesquisa. Assim sendo, na tentativa de superação dessas limitações procurou-se, por um lado, permear todo o processo de investigação, planejamento, categorização, coleta e análise de dados e discussão e apresentação de resultados, com o rigor exigido pela pesquisa de natureza qualitativa, através do cumprimento das etapas principais estabelecidas para o processo de investigação. Esses procedimentos tiveram como finalidade garantir a confiabilidade das abordagens e dos critérios de análise adotados no estudo. Por outro, para ultrapassar esses obstáculos adotou-se como estratégia a exploração da maleabilidade oferecida pela abordagem qualitativa e, procurou-se a adequação e controle do pesquisador sobre as mudanças nos eventos e manifestações do problema investigado no decorrer da pesquisa. Buscou-se, durante o processo de interpretação dos dados uma maior vinculação entre os conteúdos significativos identificados nas entrevistas realizadas e as categorias analíticas adotadas para o estudo como forma de reduzir a tendência de subjetividade dos relatos dos pesquisados. Aqui, pretendeu-se que os dados estivessem estritamente focados nas práticas de gestão pública do Município de Xai-Xai e, se tornassem mais interessantes para proporcionar os achados importantes da pesquisa. 68 4 Os resultados da pesquisa Neste capítulo apresentam-se os resultados da pesquisa, iniciando-se com os referentes ao procedimento de comparação realizada entre as categorias representativas das novas práticas de gestão pública identificadas na literatura e as concepções do modelo de reforma administrativa da EGRSP (2006-2011) em Moçambique (correspondentes à primeira etapa da pesquisa). Na sequência, apresentam-se os resultados (correspondentes à segunda etapa da pesquisa) da interpretação da análise dos dados coletados nas entrevistas realizadas para o estudo. Aqui, primeiramente apresentam-se resultados das práticas de gestão pública que têm sido implementadas no Município de Xai-Xai tendo em vista a melhoria da qualidade dos serviços públicos e do desempenho no município. Em seguida apresentam-se os resultados sobre a aplicação das práticas de gestão pública relacionadas com o controle e responsabilidade gerencial e transparência dentro da gestão municipal. Por último são apresentados os resultados referentes às práticas de governança interativa adotadas visando o controle social e participação pública e as articulações entre o município-sociedade e as intergovernamentais. 4.1 A Comparação das Categorias do Estudo A comparação das categorias identificadas no referencial conceitual representativas das novas práticas de gestão pública e as concepções do modelo de reforma administrativa da EGRSP (2006-2011) realizada na primeira etapa da pesquisa partiu de um conjunto formado por quinze categorias, a saber: eficiência, eficácia, efetividade, resultados, competitividade, accountability, transparência, controle, desempenho, responsabilidade, boa governança, participação, coordenação, cooperação e interdependência. Lembra-se que foram identificadas previamente dentro das três dimensões conceituais – a New Public Management e modernização da gestão pública; o interesse público e a accountability; a governança interativa – que fundamentam as abordagens sobre os processos de realização de reformas administrativas. Desse processo de comparação pôde-se constar que, no geral, as concepções do modelo da reforma administrativa da EGRSP (2006-2011) estão relacionadas com as 69 diferentes abordagens que têm influenciado os processos de mudanças na administração pública apresentadas no referencial conceitual deste estudo. Isto é, observou-se que maior parte das categorias representativas das novas práticas de gestão pública (catorze no total) são apresentadas no modelo de reforma administrativa do setor público moçambicano. Nesses termos, conforme é apresentado no quadro abaixo (Colunas 1 e 2) pode-se dizer que o modelo de reforma da administração pública moçambicana apresenta três vertentes importantes: (i) a primeira vertente refere aos processos administrativos através dos quais se procura modificar a forma de atuação da administração pública com a institucionalização de práticas de gestão que concorrem para a melhoria da prestação de serviços e dos resultados organizacionais; (ii) a segunda vertente baseada na mudança, sobretudo de valores e comportamento dos funcionários públicos bem como sobre a cultura do público por meio da prestação de contas e maior fiscalização das instituições do Estado e; (iii) a terceira a vertente em que se busca o aprimoramento de processos e práticas de gestão relacionadas com a articulação interorganizacional, seja entre as esferas governamentais assim como atores privados e da sociedade civil. O Quadro 5 a seguir ilustra o processo de comparação efetuado onde, as Colunas 1 e 2 mostram como as categorias elencadas no estudo são encaradas quer no referencial teórico e quer no modelo da EGRSP. Por sua vez, a Coluna 3 apresenta o resultado obtido da interpretação do conteúdo das concepções descritas nessas duas abordagens em comparação. Quadro 5: Comparação das categorias de estudo identificadas na literatura e o modelo da reforma da EGRSP Categorias Eficiência Eficácia Competitividade Efetividade Desempenho DIMENSÃO CONCEITUAL: NEW PUBLIC MANAGEMENT E A MODERNIZAÇÃO DA GESTÃO PÚBLICA Coluna 1 Coluna 2 Coluna 3 Síntese das Categorias de Definição Operacional do Referencial Conceitual Significado no modelo da EGRSP (2006-2011) Análise Significa a maximização dos recursos das entidades Setor público orientado para atingir eficiência públicas, para atender as atividades da organização. Ela organizacional da gestão administrativa e financeira envolve igualmente os mecanismos utilizados nesse do Estado, através da redução dos custos processo, como planificação, objetivos, controle, e administrativos. avaliação de resultados. Setor público orientado para melhorar a qualidade Medida com que os objetivos traçados pela organização de serviços e das respostas do Estado à sociedade, Qualidade de Serviços são alcançados, em função dos meios utilizados e das através da adequação do funcionamento a uma cultura pública virada à integridade, transparência, politicas traçadas para o efeito. eficiência e eficácia. Forma através da qual a entidade se empenha no Setor público competitivo e voltado para a processo de melhoria da sua atuação tendo em vista a qualidade dos serviços que deve prestar, sendo prestação de serviços de qualidade para os cidadãos, em estes prestados o mais próximo possível dos utentes comparação com as outras entidades no oferecimento dos serviços públicos. de serviços públicos. Refere-se aos benefícios das ações da entidade pública Setor público que aplique processos para a sociedade, de acordo com a satisfação das administrativos e de prestação de serviços simples, demandas dessa mesma sociedade. modernizados e efetivos. Introdução de um sistema de gestão do desempenho Refere-se ao estabelecimento de medidas ou do sector público e dos funcionários a partir da Desempenho indicadores que norteiam o conjunto de ações unificação de todas as iniciativas de funcionamento Organizacional desenvolvidas no âmbito das politicas públicas das e desenvolvimento do sector na lógica de um único entidades do setor público, de modo a permitir a plano e programa estratégico, que estabeleça, 70 realização de avaliações sobre a eficiência e eficácia das mesas e da organização em geral. Categorias Transparência Accountability Controle Responsabilidade claramente, os fundamentos (visão, estratégias, metas e indicadores) para o desempenho quer institucional quer individual e do coletivo. DIMENSÂO CONCEITUAL: INTERESSE PÚBLICO E A ACCOUTABILITY NA GESTÃO PÚBLICA Coluna 1 Coluna 2 Coluna 3 Síntese das Categorias de Definição Operacional no Referencial Conceitual Significado no modelo da EGRSP (2006-2011) Análise Refere-se à utilização de mecanismos de publicação dos atos praticados pelas entidades públicas e comporta meios formais que expressos por relatórios de desempenho com caráter de documentos públicos. Ela envolve a relação entre os principais objetivos financeiros e não financeiros e a disposição de Fortalecimento da capacidade do Governo de informações sobre o desempenho alcançado na formular e gerir políticas públicas, promover a utilização de recursos. As informações devem ser descentralização, a transparência, transparente, Transparência da Gestão fornecidas aos vários stakeholders correspondem: a tanto no que diz respeito à utilização dos bens e entidade ou indivíduo, representantes eleitos recursos públicos, quanto ao que se refere aos (Assembleia); fornecedores de recursos (os procedimentos e avaliação de resultados e combate contribuintes, credores, obrigacionistas e credores); a corrupção. prestadores de serviços e parceiros (funcionários, fornecedores, parceiros; e de outras entidades governativas); s alcançados; grupos de interesse; os medias e a comunidade em geral. Refere-se à relação entre as entidades públicas e a Fortalecimento da capacidade do Governo na sociedade, portanto a prestação de contas pelas prestação de contas; melhoria da gestão financeira e atividades sociais e econômicas, no sentido de que os da prestação de contas; melhoria dos processos de cidadãos têm o direito de saber o que o município inspeção financeira e das auditorias interna e objetivou para um determinado período de tempo, e o externa. que ele realmente realizou no final do mesmo. Refere-se à capacidade de a entidade pública manter-se Serviços públicos que obedecem a padrões de informada e atualizada de todas as atividades realizadas qualidade acordados (por exemplo, em relação ao pela organização, no sentido de promover o alcance cumprimento dos prazos estabelecidos no Decreto permanente dos objetivos pretendidos. Ela precisa 30/2001 sobre as normas e procedimentos no garantir em que medida tais objetivos estão ou não funcionamento da administração pública); Controle e sendo cumpridos, e se os mesmos estão sendo instituições públicas preparando e executando os Responsabilidade efetivados de acordo com o que foi estabelecido. seus planos anuais de atividades mediante o Gerencial Entende-se que o controle permite a prestação de cumprimento das regras do sistema de gestão contas, pois auxilia nas auditorias às atividades da financeira (SISTAFE). organização. Refere-se à relação que se estabelece entre as Setor público dotado de pessoal qualificado, atribuições ou papeis da entidade pública, no sentido de profissionalizado e preparado para a mudança; com que cada órgão reconheça e realize os seus deveres, de alto sentido de servidor público e de efetividade e forma a contribuir para o alcance dos resultados responsabilidade no funcionamento dos organismos pretendidos pela organização. públicos. DIMENSÂO CONCEITUAL: GOVERNANÇA INTERATIVA Coluna 1 Coluna 2 Categorias Boa Governança Participação Coordenação Definição Operacional no Referencial Conceitual É entendida como o esforço exercido pela organização para implementar as medidas e princípios da governança no âmbito do seu funcionamento (prestação de contas, abertura, informação, controle, avaliação de desempenho). Participação implica a abertura da maquina burocrática e a integração dos vários grupos de interesse nos processos formulação e implementação de politicas públicas. A participação envolve a criação de mecanismos de controle e envolvimento dos cidadãos na gestão pública A coordenação refere-se à capacidade de a organização utilizar para além das estruturas formais existentes na organização, associar novos arranjos administrativos no processe de gestão pública, que permitem maior flexibilidade, participação na procura das melhores soluções para os problemas da sociedade. Significa que os atores públicos e privados coordenam suas ações para o cumprimento dos objetivos. Significado no modelo da EGRSP (2006-2011) Coluna 3 Síntese das Categorias de Análise Implementação da reforma administrativa de modo que funcione adequadamente; gere processos de políticas apropriados; preste serviços indispensáveis de forma descentralizada; atue de modo participativo e transparente, seja efetivo nas ações de prevenção e combate a corrupção, aplique processos administrativos e de prestação de serviços simples e modernizados e efetivos. Redução nas limitações do acesso aos serviços, à exclusão no processo de tomada de decisões, exposição à corrupção, a falta de participação entre outros. Melhoria do modelo democrático vigente. Institucionalização de formas participativas seja as feitas pelos cidadãos, individualmente, ou enquanto representantes de organizações da sociedade civil. Controle Social Necessidade de reconfigurar as funções do Estado nas suas múltiplas relações com a sociedade, aberto e atento às relações económicas com o seu exterior. Parcerias Estado-Sociedade 71 A cooperação implica que as entidades públicas não atuam de forma exclusiva, mas se apoiam a outros atores da sociedade para realizar os interesses coletivos. Cooperação Interdependência A interdependência é encarrada como um processo de trocas simultâneas entre o público e a sociedade, onde ambas reconhecem a importância de uma e de outra no processo da governança e atuam de forma conjunta. Abertura de espaço para a participação e intervenção de grupos de interesse da sociedade civil no processo de implementação de Políticas Públicas. Nada mencionado. Articulações Intergovernamentais Fonte: Elaborado pelo autor com base no referencial conceitual do estudo e no documento da EGRSP (2006-2011). Observa-se no quadro acima, que para além da comparação dos conteúdos das abordagens expostas, no procedimento de comparação realizado buscou-se igualmente reduzir o número de categorias identificadas (quinze no início), de modo que se constituísse um conjunto de categorias de análise mais objetivas que possibilitassem abordar as questões relacionadas com as práticas de gestão pública voltadas para a modernização da gestão, accountability e governança interativa no caso específico do Município de Xai-Xai. Como critérios essa redução se baseou na agregação dos elementos e conteúdos significativos das – novas práticas de gestão pública – presentes tanto no referencial conceitual do estudo como no modelo da EGRSP (2006-2011). O resultado obtido dessa redução e agregação como mostra a Coluna 3 foi representado por uma síntese formada por sete categorias de análise, a saber: qualidade dos serviços; desempenho organizacional; transparência da gestão; controle gerencial e responsabilidade da gestão; controle social; parcerias Município-sociedade e; articulações intergovernamentais. No entanto, importa mencionar que no processo inicial de comparação das categorias apenas uma (sobre a interdependência) não foi apresentada no modelo de reforma administrativa da EGRSP (2006-2011). Contudo, esse fato não representou qualquer implicação para os objetivos do presente estudo. 4.2 O Caso em Estudo: a Modernização da Gestão Pública Municipal Os resultados sobre a modernização da gestão no Município de Xai-Xai são apresentados a partir de duas abordagens, a saber: primeiro apresentam-se as práticas de gestão pública voltadas para a busca de qualidade dos serviços públicos municipais prestados à sociedade e, segundo as práticas de gestão pública que visam à melhoria do desempenho organizacional. 72 4.2.1 A Qualidade dos Serviços Públicos A discussão sobre a relevância da qualidade dos serviços públicos oferecidos pelos organismos estatais aos cidadãos remonta ao debate iniciado pelas concepções da New Public Management (NPM), acerca da adoção pela administração pública de práticas gerenciais consideradas, flexíveis, eficientes e abertas ao controle baseado nos resultados (FERLIE et al., 1996; KETLL, 2000). Essas práticas de gestão pública configuram a passagem do modelo da administração pública baseado no poder e autoridade da burocracia para uma modelo de gestão modernizado e com enfoque na qualidade dos serviços prestados ao público. Nesses termos, a busca de qualidade pressupõe a adoção de uma postura de gestão pública adaptada às exigências dos cidadãos, à prestação de serviços públicos acessíveis, justos e equitativos, com qualidade, preocupados com a resposta eficaz na resolução das demandas da sociedade e uma gestão eficiente no uso dos recursos públicos. Portanto, a qualidade no âmbito público tem o seu foco nos resultados das ações governamentais e na forma de atendimento das demandas e necessidades dos cidadãos que são os beneficiários das políticas e dos serviços públicos (HUGHES, 2010). Como lembram Pollitt e Bouckaert (2002), as concepções sobre a busca de qualidade de serviços no contexto das reformas administrativas estão associadas, por exemplo, a modernização da administração pública; a mudança nas formas de prestação e oferecimento de serviços; a utilização de práticas voltadas para a gestão com base em resultados e; a priorização de amplos programas de reforço de competências de gestão dentro do setor público. Por sua vez, as concepções do modelo da Estratégia Global de Reforma do Setor Público (EGRSP, 2006-2011) em Moçambique preconizam, por um lado, que a qualidade dos serviços públicos deve ser alcançada a partir do reforço dos mecanismos e processos de gestão utilizados, de modo que a administração púbica seja regida por padrões de gestão que permitem uma leitura antecipada das necessidades dos destinatários da sua ação, prestando serviços públicos de qualidade e que dessa forma elevem o desempenho das organizações do setor público. Por outro, os pressupostos da reforma na administração pública moçambicana (CIRESP, 2006, p. 14) apregoam que a qualidade dos serviços públicos está relacionada à simplificação administrativa, a desburocratização e a maior interação entre os organismos públicos com os cidadãos utentes dos serviços públicos. A qualidade dos serviços públicos 73 seria alcançável desta feita, através da ação da administração pública ao nível dos processos e estruturas bem como, pela melhoria dos relacionamentos que se constituem entre o Estado e a sociedade. Nestes termos, a reforma administrativa impõe desafios, sobretudo no que concerne à adoção de estratégias institucionais voltadas para a elevação e melhoria da qualidade dos serviços prestados e à utilização racional e eficiente dos recursos públicos como forma de influenciar a eficácia das ações governativas. Entretanto, a questão que se impõe é saber como se dá o processo de modernização da gestão e a busca de qualidade no contexto do Município de Xai-Xai? No estudo se constatou a existência de alguns esforços que estão relacionados com a materialização das concepções da modernização e maior qualificação da gestão do Município de Xai-Xai, através da aplicação de práticas voltadas para melhoria da sua atuação na prestação de serviços públicos aos munícipes. Nesta perspectiva, ao nível desta municipalidade a qualidade é visualizada como sinônimo da prestação de serviços que sejam eficazes e que se circunscrevem na satisfação permanente e eficaz das solicitações dos utentes dos serviços públicos municipais. Assim sendo, no estudo se distinguiu a existência de três abordagens que têm conduzido a visão da modernização da gestão e melhoria da qualidade dos serviços municipais que estão embasadas nos seguintes aspetos: (i) criação de um corpo de recursos humanos capacitado; (ii) elevação da capacidade de recursos financeiros de modo a melhorar a eficiência e a eficácia das atividades do município e beneficiar o oferecimento de melhores serviços; (iii) a criação de conselhos consultivos locais14 (CCL) como forma de aperfeiçoamento dos processos de definição das prioridades dos serviços municipais e como mecanismo para influenciar a melhoria da qualidade de sua prestação. O Quadro 6 apresenta a síntese que representa as abordagens sobre a implementação das práticas de gestão pública voltadas para a melhoria da qualidade dos serviços prestados pelo Município de Xai-Xai. 14 Conselhos Consultivos Locais (CCL) são órgãos de participação e consulta comunitária criados ao nível dos bairros e dos postos administrativos, e possuem atribuições de natureza consultiva e deliberativa sobre as questões sociais e os problemas que afetam as comunidades nos diversos setores como saúde, educação, infraestruturas, agricultura, meio ambiente, entre outros. Não são órgãos que fazem parte da estrutura administrativa formal dos municípios, embora sejam criados e orientados por estas. Basicamente a sua função é de aproximação entre os órgãos executivos do município e os cidadãos representados por alguns membros escolhidos pelos próprios munícipes. Não possuem poder de decisão sobre as ações do governo municipal, mas atuam como mecanismo de pressão e de influência das decisões constituindo-se, desse modo, num órgão importante para o desenvolvimento do processo de gestão municipal. 74 Quadro 6: Abordagens e mecanismos da modernização e melhoria da qualidade dos serviços municipais Abordagens da Modernização da Gestão Municipal Mecanismos Utilizados para a Melhoria da Qualidade dos Serviços Prestados pelo Município Contratação de Recursos Humanos para apetrechar o quadro de pessoal do município e criação de uma nova cultura sobre o serviço público nos funcionários municipais. Colocação de Técnicos com formação profissional nos Postos Administrativos de modo a melhorar a capacidade de resposta dos serviços municipais Implementação de processos de planejamento estratégico e de planos anuais na gestão, como forma de melhorar a eficácia das políticas públicas municipais. Elevação da Capacidade Financeira do Município Melhoria das competências de gestão com a elevação dos níveis de eficiência das ações realizadas pelo município. Aumento dos níveis de arrecadação fiscal dentro do município, pela identificação de mais fontes de receita. Utilização das TIC’s para melhorar os mecanismos de gestão fiscal, com a implantação do software para a gestão do processo de arrecadação de impostos municipais. Criação de Conselhos Consultivos Locais (CCL) Criação de órgãos de consulta e participação comunitária ao nível dos Bairros, Postos Administrativos e da Sede do Município. Definição de prioridades sobre os serviços demandados de acordo com as necessidades identificadas em cada bairro dentro do município. Realização de reuniões com as comunidades como um mecanismo para influenciar a formulação das políticas e a qualidade dos serviços prestados pelo município. Capacitação Técnica do Município Utilização das unidades de atendimento integrado - Balcão de Atendimento Único (BAU’s). Fonte: Elaboração do Autor com base nos dados coletados nas entrevistas da pesquisa. Como se observa no quadro acima, as práticas de gestão pública municipal voltadas para a melhoria da qualidade dos serviços prestados pelo Município de Xai-Xai são norteadas pela criação de capacidade institucional e pelo envolvimento e obtenção de compromisso de todos os funcionários com a missão da organização. Mas, também pela redução das formas de desperdícios a partir da implantação de mecanismos de planejamento e sistemas de gestão que visam garantir maior eficiência na gestão e aumento de recursos financeiros, bem como, pela orientação das ações governativas do município para os cidadãos-munícipes. Posso dizer que a principal iniciativa de reforma e modernização para melhorar a qualidade das atividades e dos serviços do município tem sido a criação de um corpo de recursos humanos cada vez mais capacitados para responder aos desafios do oferecimento de serviços de forma célere e com qualidade para os nossos munícipes [...] esta questão da capacitação institucional em termos de recursos humanos constitui a grande prioridade das reformas que têm sido efetuadas [...]. Outra iniciativa é que procuramos criar também já há três anos a figura do provedor municipal que representa uma nova vertente da nossa preocupação com melhoria da qualidade dos serviços prestados pelo município [...] e com este mecanismo é possível 75 conhecer os principais problemas da nossa gestão aonde as coisas vão mal e quais as razões desses problemas o que facilita a sua resolução e isto ajuda também a melhorarmos os nossos serviços (Fala, Chefe de Departamento de Recursos Humanos do Município de Xai-Xai, 2012). Na mesma perspectiva, conforme a fala da Presidente do Município de Xai-Xai, a questão da melhoria da qualidade na prestação dos serviços públicos municipais tem sido encarada, [...] a partir da adoção de uma estratégia de prestação de serviços voltada ao cidadão que privilegia a colocação em cada Posto Administrativo Municipal15 de um técnico qualificado, por exemplo, de um topógrafo para a área de construção que é a mais solicitada pelos nossos munícipes [...] e estamos a ver que atuando desta forma é possível melhorar significativamente a qualidade dos serviços [...] comparando com os anos anteriores que não existiam técnicos formados nos postos administrativos tínhamos várias reclamações dos cidadãos, mas atualmente isso quase que não ocorre [...]. De acordo com o comentário apresentado acima, a qualificação da gestão dos Postos Administrativos através de recursos humanos devidamente capacitados, retira a pressão e a concentração dos processos nos serviços centrais do município o que permite reduzir o excesso de burocracia e essas ações têm estado a ser implementadas porque, [...] a proximidade do Posto Administrativo em relação ao cidadão torna possível que este último, atualmente saia de sua residência e se dirija ao posto onde encontra um técnico capacitado para responder de imediato ao seu problema, enquanto que antes todos os processos de pedido de terrenos e de autorização para construção eram centralizados e existia grande dependência dos serviços nos postos em relação à intervenção da sede16 serviços (Fala, Presidente do Município de Xai-Xai, 2012). A compreensão que se tem das práticas de gestão adotadas é a de que a busca de qualidade nos serviços prestados pelo Município de Xai-Xai, se efetiva através da implementação de ações de reformas que estão sustentadas na profissionalização da gestão municipal. Esse processo de profissionalização da gestão envolve a contratação de funcionários qualificados para sua integração no quadro de pessoal e a reformulação das carreiras consideradas estratégicas no funcionamento dos serviços desta municipalidade. 15 Postos Administrativos são unidades territoriais existentes ao nível local e constituem as subdivisões administrativas dos municípios. O órgão do Posto Administrativo é o Chefe do Posto Administrativo que dirige a Secretaria do Posto Administrativo Municipal no respetivo território. 16 A sede refere-se aos serviços centrais onde funcionam os órgãos executivos do Município de Xai-Xai. Normalmente funcionam os serviços administrativos principais do município tais como o departamento de administração e finanças, o departamento de construção e infraestruturas, entre outros. 76 Portanto, as mudanças na estrutura de recursos humanos ao nível da gestão municipal são encaradas como uma condição fundamental para a melhoria da atuação dos serviços municipais e do aperfeiçoamento das atividades de implementação das políticas públicas municipais. Segundo a fala da Chefe de Departamento de Recursos Humanos do Município de Xai-Xai, [...] nós identificamos que o município tem muitas fragilidades em termos de recursos humanos e isso tem afetado de forma negativa o nosso desempenho, sobretudo nas áreas que precisam de profissionais qualificados como arquitetos, topógrafos e técnicos de administração pública [...] a reforma no quadro de recursos humanos tem jogado um papel fundamental no processo de melhoria dos serviços prestados pelo município [...] antes do ano de 2009 o município tinha muitos funcionários não qualificados e têm sido abertos novos concursos para o recrutamento de funcionários com maiores e melhores qualificações e a aposta tem sido a admissão de técnicos novos com formação técnico-profissional e superior para todas as áreas e isso já está trazendo melhorias em várias áreas do processo da nossa gestão [...]. A capacitação institucional em termos de recursos humanos – melhor qualificados e treinados como tem sido a aposta desta municipalidade – proporciona, por um lado, a criação de um quadro de pessoal a altura de resolver os problemas e implementar suas políticas públicas com maior eficácia, dado que a melhoria da estrutura de recursos humanos torna possível a elevação da capacidade de atendimento do município e de resposta das demandas dos cidadãos. Por outro, uma melhor capacitação e treinamento dos recursos humanos permitem ultrapassar o paradoxo associado à formulação e implementação das políticas públicas municipais, uma vez que em sua maioria, são realizadas no plano local, exatamente onde as capacidades de gestão são menos desenvolvidas ou inexistentes. Nesses termos, a profissionalização da gestão municipal permite melhorar sobremaneira os processos de execução das atividades e a capacidade de implementação de projetos desta municipalidade. Ela permite, por exemplo, que com a existência de recursos humanos melhor qualificados a análise de políticas públicas passa a constituir uma atividade técnica específica institucionalizada e praticada ao mesmo tempo em que são utilizados instrumentos de gestão tais como, os Planos Anuais (PPA) e os Planos Estratégicos17 cuja complexidade de articulação e implementação exige uma preparação adequada dos técnicos envolvidos nos processos da gestão municipal. 17 O Município de Xai-Xai aprovou o seu primeiro plano estratégico de desenvolvimento municipal em 2010, cuja elaboração contou com a colaboração de várias entidades públicas, privadas, individuais, acadêmicas e da sociedade civil. 77 Portanto, a elevação da capacidade técnica e, sobretudo a qualificação e a imposição de uma nova cultura gerencial assente na prestação de serviços públicos com maior qualidade, têm funcionado como um dos pilares fundamentais para alavancar a eficácia da gestão dentro do Município de Xai-Xai. Como referido pelos vários administradores públicos entrevistados neste estudo, as mudanças na componente de recursos humanos ao nível da gestão do Município de Xai-Xai, têm estado a permitir a redução das fragilidades e a inadequação da estrutura de pessoal existente e o surgimento de uma nova dinâmica interna constituída por processos de gestão mais flexíveis que tendem a tornar a atuação dos serviços municipais menos burocrática. [...] Sentimos que os processos de prestação de serviços públicos estão sendo positivamente alterados, pois, com a reforma estamos a reduzir os procedimentos burocráticos para o atendimento dos cidadãos e a alterar as hierarquias existentes visando acelerar os processos de tomada de decisão [...] desde a criação do centro de atendimento integrado aos cidadãos no Município de Xai-Xai criamos mecanismos para que o próprio munícipe se sinta satisfeito com a rapidez dos processos, nós temos na cidade em coordenação com os órgãos do nível provincial o Balcão de Atendimento Único (BAU) onde todos os departamentos estão juntos e os processos e solicitações da área comercial têm os despachos mais rápidos [...] se os munícipes estão satisfeitos com os serviços que são oferecidos, significa que a qualidade também está melhorando (Fala, Vereador da Área de Atividades Econômicas do Município de Xai-Xai, 2012). É evidente que a nova conjuntura de prestação de serviços criada com a implementação das ações da reforma administrativa expressa uma significativa melhoria na atuação do município. Isto é, com implantação do Balcão de Atendimento Único (BAU) ao nível do Município de Xai-Xai nota-se uma relativa evolução na forma como os serviços são oferecidos e as demandas dos cidadãos são respondidas. No entanto, a compreensão que se tem acerca desta vertente de implementação de ações de reforma com vistas a beneficiar a elevação da qualidade dos serviços desta municipalidade é a de que, o BAU contribui bastante para a criação de uma nova dinâmica no contexto da atuação dos serviços municipais, mas que não se pode tomar a introdução do centro integrado de atendimento aos cidadãos como um mecanismo que assegura por si só a melhoria da qualidade dos serviços. O modelo de organização e funcionamento do BAU não incorpora a totalidade dos serviços que são da competência da gestão do município, integrando apenas algumas áreas que lidam essencialmente com os processos da área comercial e os relacionados com a aprovação e expedição de licenças simplificadas e flexibilização dos processos de decisão 78 considerados menos complexos – e com um sentido mais votado da o cidadão-singular. A questão é que essas atividades não representam as grandes áreas consideradas importantes ou mais críticas da gestão municipal como, infraestruturas, saneamento e meio ambiente só para citar alguns exemplos. Portanto, a questão da qualidade dos serviços deve ser encarada, igualmente, do ponto de vista da eficácia e efetividade na implementação das ações e programas governativos que envolvem as políticas públicas sobre as quais se espera que tenham um grande impacto nas comunidades locais dentro do município. Assim, torna-se fundamental que a busca de qualidade considere a importância da constituição de processos e estruturas administrativas que garantam, em primeiro lugar, o atingimento dos objetivos da melhoria da qualidade e, em segundo, que as políticas públicas sejam concebidas em função desses objetivos que permitam a sua gestão efetiva (viabilidade, coordenação, monitoria avaliação). Relativamente ao centro integrado de atendimento aos cidadãos, mostra-se fundamental dada a sua contribuição para a melhoria da atuação dos serviços municipais que, sejam ampliadas as práticas de avaliação da qualidade de modo a se conhecer a situação dos serviços que estão sendo oferecidos, por exemplo, com a realização regular de pesquisas de satisfação com os usuários ou beneficiários dos serviços municipais. Doutro modo, como se contatou no estudo, as transformações nos processos de gestão no Município de Xai-Xai voltadas para a busca de qualidade dos serviços preconizam, a implementação de práticas administrativas que visam à elevação da sua capacidade financeira. Nesses termos, segundo a explicitação do Vereador da Área de Atividades Econômicas no Município de Xai-Xai, [...] faz parte também do processo de busca de qualidade dos serviços prestados pelo município o aumento das receitas fiscais porque a prestação de serviços com qualidade depende dos recursos existentes ou disponíveis [...] a qualidade de serviços é garantida pela melhoria da capacidade financeira do município e está sendo realizado um trabalho que visa à atualização do cadastro municipal para melhorar os mecanismos de arrecadação fiscal, está sendo realizado o cadastro sobre a ocupação do solo urbano e do registo predial para termos a verdadeira indicação da capacidade de arrecadação de receita do município e, dessa forma poderemos elevar a nossa eficiência e eficácia no trabalho e nas atividades realizadas pelo município [...] é preciso garantir recursos suficientes para que a nossa atuação tenha êxitos. Esses mecanismos de gestão implementados sugerem a existência de uma preocupação com a qualidade dos serviços prestados no Município de Xai-Xai. Entretanto, precisam de um maior aperfeiçoamento porquanto, a introdução de um modelo de gestão sustentado pela 79 dimensão qualidade como se pretende, necessita, pois, de indicadores precisos e confiáveis para a fixação de objetivos (padrões de qualidade) e de práticas permanentes de avaliação de resultados (EDWARDS; CLOUGH, 2000). É essencial a fixação de indicadores das ações desenvolvidas para a implementação de uma gestão municipal que esteja adaptada aos desafios da prestação de serviços públicos de forma efetiva e com maior qualidade, seja na resposta às solicitações dos cidadãos como no resultado das ações e da implementação de suas políticas públicas. Assim, a aplicação desses procedimentos pode proporcionar a utilização de padrões de qualidade mais concretos que podem ajudar aos órgãos executivos municipais e à “sociedade em geral a analisarem a qualidade de serviços com base em fontes que indicam o nível de resultados obtidos nas diversas ações e nas políticas públicas implementadas” (BOVAIRD; LÖFFLER, 2003, p. 317-318). No estudo se constatou que a utilização das tecnologias de informação e comunicação se mostra como um dos maiores desafios da gestão no Município de Xai-Xai, no que se refere ao seu uso com vistas a aproximar os serviços municipais aos cidadãos e reduzir os procedimentos burocráticos, mas também de elevar a qualidade na prestação de serviços à sociedade. Esses mecanismos podem melhorar a informação oferecida, simplificar processos de suporte institucional e facilitar a criação de canais que permitam aumentar a transparência e a participação cidadã. Segundo a fala do Diretor de Administração e Finanças do Município de Xai-Xai, [...] desde o ano de 2011 o município adotou a utilização de um programa informático – software para a gestão dos impostos municipais, o que está melhorando a nossa capacidade de arrecadação [...], por exemplo, o imposto municipal sobre veículos que era anteriormente cobrado ao nível do governo provincial, sobre o qual o município só recebia setenta e cinco por cento do valor arrecadado sem que conhecêssemos a que valor global correspondia essa percentagem, atualmente com o a utilização das tecnologias de informação a cobrança é feita na sede do município o que melhorou as finanças, mas também irá trazer um impacto positivo para os serviços prestados. Não obstante se terem registrado avanços no uso das tecnologias de informação na componente da gestão fiscal, existem várias áreas da gestão municipal que não foram ainda beneficiadas pelo designado e-governo. Não existe, por exemplo, informação nem dados informatizados de algumas das áreas mais importantes na gestão municipal como a dos mercados, feiras, terrenos e urbanização. 80 Com a utilização dos mecanismos do governo eletrônico pode-se aliar a prestação de serviços de qualidade juntamente com os mecanismos de eficiência administrativa que promovem a transparência das ações desenvolvidas. Por exemplo, os diversos processos de licitações públicas atualmente coordenadas ao nível da Unidade Gestora de Aquisições (UGEA), devem evoluir para novos métodos que envolvem não apenas o controle interno através do Sistema de Administração Financeira do Estado (e-SISTAFE), mas que incorporam também a visão de um maior controle social sobre os recursos públicos gerados e utilizados pelo município. Em outra abordagem, a busca de qualidade dos serviços prestados pelo Município de Xai-Xai se baseia na criação de Conselhos Consultivos Locais (CCL) – que são órgãos de consulta ao público sobre as prioridades da gestão municipal. No entanto, atuam como órgãos fora da estrutura administrativa formal do município, funcionando apenas como um mecanismo de interação entre os órgãos executivos municipais com os munícipes e serve para a definição das prioridades dos serviços por parte das comunidades locais tendo em vista a influenciar a qualidade de sua prestação. Este mecanismo foi descrito como: [...] A criação de órgãos de representação comunitária cuja responsabilidade é recolher os principais problemas e prioridades das comunidades, de modo que os serviços a serem prestados aos munícipes tenham cada vez mais qualidade [...]. Acrescenta que [...] esses conselhos reúnem em princípio duas vezes ao ano, mas a experiência tem demonstrado que o número de encontros de trabalho é superior o que significa que existem mais reuniões de acordo com as necessidades e assuntos de interesse para serem discutidos (Fala, Presidente do Município de Xai-Xai, 2012). A compreensão que se tem é a de que com a adoção dessa prática de gestão tem-se como finalidade exclusivamente o reforço da capacidade de identificação das principais preocupações das comunidades no que refere, sobretudo aos tipos de serviços demandados de acordo com as necessidades de cada bairro ou localidade dentro do município embora, também incorpore a ideia de melhoria dos processos de planejamento e de eficiência na aplicação dos recursos públicos disponíveis no processo de gestão do município. Mas, essa prática não implica que ela possa garantir por si só a melhoria da qualidade dos serviços públicos municipais, dado o reduzido grau de eficácia desse mecanismo para influenciar diretamente os processos correntes da gestão municipal que têm impacto na qualidade dos serviços prestados ao público. 81 Portanto, pode-se dizer que a adoção dos CCL no município representa um fator positivo para o envolvimento da sociedade nos processos de gestão pública, contudo, a questão da qualidade dos serviços vai além da mera intenção ou vontade deliberada da constituição desse tipo órgãos cuja natureza é meramente consultiva e sem poderes conferidos para realizarem a fiscalização dos programas realizados ou não pelo executivo municipal. Nesse contexto, a aposta na melhoria da qualidade dos serviços não deve se tornar dependente apenas da utilização desses mecanismos de gestão sob o risco de se comprometer a eficácia das ações de gestão governamental desejadas. Por exemplo, o número de reuniões de trabalho estabelecidas na lógica do funcionamento desses órgãos é relativamente reduzido (duas ao ano, podendo ser realizadas mais), o que sugere que esses órgãos podem se tornar eficazes apenas para a definição de prioridades genéricas e constituídas dentro de uma lógica de médio e longo prazo, sendo por essas razões inadequadas para viabilizar problemas relacionados com demandas da sociedade que necessitam de soluções voltadas para o curto prazo. Entende-se que não pode ser efetivo melhorar a prestação dos serviços públicos, centrando-se apenas nas preocupações nos destinatários dos serviços públicos como se apresenta a lógica do funcionamento desses CCL atualmente, sem considerar como prioritário igualmente, o reforço das capacidades de gestão referentes às atividades e projetos municipais, assim como, a liderança e o estabelecimento de objetivos e metas consistentes no funcionamento dos organismos públicos, fatores indispensáveis para um maior envolvimento, responsabilização e motivação de todos os que participam na vida da organização. Diante do que foi apresentado, pode-se afirmar que existe ao nível da gestão no Município de Xai-Xai um conjunto de ações que objetivam a melhoria dos processos de prestação de serviços. No entanto, o estudo constatou que existe uma necessidade do aprimoramento dessas iniciativas através da criação de uma estrutura organizacional que seja favorável à elevação da qualidade de seus serviços e devidamente preparada para atender a esse propósito. As mudanças ligadas à qualidade dos serviços implementadas no Município de XaiXai como foi mencionado anteriormente, manifestam-se com uma amplitude ainda reduzida para promover os resultados pretendidos de uma forma mais completa e efetiva. É preciso criar instrumentos eficazes que permitam análises objetivas sobre a prestação dos serviços públicos e a definição de parâmetros de qualidade e compromisso da gestão municipal para 82 com a sociedade que pode ajudar dessa forma a avaliação e a responsabilização pelos cidadãos. Para tal, torna-se importante promover, por um lado, a criação de uma “cultura de serviço público” que vincula os aspetos fundamentais da qualidade, isto é, o serviço prestado e o funcionário público em estreita interação com os cidadãos. Por outro, torna-se necessária à aplicação de procedimentos, padrões e sistemas organizacionais alinhados às necessidades (políticas públicas) ou demandas da sociedade, de modo que possam produzir um impacto visível tanto ao nível interno como externo. A definição de um conjunto de padrões e princípios de prestação de serviços que possam permitir aos cidadãos reclamar e exigir que os mesmos sejam cumpridos, o que possibilitará uma maior objetividade nas relações entre o município com a sociedade no que concerne à avaliação da satisfação desta com os serviços prestados. 4.2.2 O Desempenho Organizacional O processo de melhoria do desempenho organizacional no setor público é encarado como sendo inerente a existência de um padrão de referência (MISOCZKY; VIEIRA, 2001, p. 165) que está muitas vezes relacionado com a melhoria da qualidade de serviços e com a modernização dos processos e mecanismos da gestão. Nesta perspectiva, a modernização da gestão pública e a melhoria do desempenho referem-se à existência de indicadores precisos de produtividade ou incentivos que o possam estimular, através da clareza a respeito dos objetivos e produtos de cada setor específico de atividade que compõem os serviços públicos (TOHÁ; SOLARI, 1997). Consequentemente, para se refletir o desempenho organizacional devem ser definidos critérios e criados mecanismos que exerçam este papel e, sobretudo a adoção de mecanismos de avaliação que sejam coerentes com a realidade institucional do setor público. Nestes termos, a questão que se coloca é como se dá a melhoria do desempenho no Município de Xai-Xai? No estudo se constatou que existem ao nível da gestão do Município de Xai-Xai duas perspectivas que têm norteado o objetivo da melhoria do desempenho, a saber: a primeira está relacionada com a definição de um conjunto de ações que permitam o cumprimento das funções e missão institucional (planos estratégicos e anuais) e, a segunda refere-se às práticas de avaliação dos serviços prestados aos cidadãos (avaliação de resultados). Apesar de ser 83 positiva a prática de elaboração de planos estratégicos e anuais, se constatou que esses mecanismos implementados na gestão desta municipalidade não têm permitido a realização de análises profundas acerca do seu desempenho, uma vez que são aparentemente limitados no que diz respeito às informações que possuem. Desse modo, considera-se que as limitações ao processo de avaliação de desempenho estão associadas, por um lado, à forma como estão estabelecidos os sistemas de planejamento do município e, por outro, às condições em que é realizada a avaliação das ações da gestão municipal. O Quadro 7 apresenta os mecanismos utilizados na gestão municipal tendo em vista a melhoria do seu desempenho. Quadro 7: Instrumentos utilizados para a melhoria do desempenho organizacional Instrumentos Utilizados para a Melhoria do Desempenho Organizacional no Município Processo de Avaliação de Desempenho Organizacional Elementos Positivos Destacados Aprovação do Plano Estratégico de Desenvolvimento do Município de Xai-Xai (PEDMXX) em 2009. Plano Estratégico (PE) Estabelecimento de objetivos relacionados com a avaliação e monitoria do Plano Estratégico municipal. Institucionalização de mecanismos de planejamento baseados na elaboração de Planos Anuais de Atividades (PAA). Planos Anuais de Atividades (PAA) Elementos Críticos Identificados Ausência de uma abordagem no PE que integra as questões da governança e melhoria de desempenho organizacional. Falta de uma base de dados complementar que espelha as ações implementadas no âmbito do PE desde 2009 que permitam a realização de análises comparativas acerca do desempenho alcançado nos projetos definidos. Ausência de um sistema de avaliação claro que proporcione a visualização dos objetivos do PE e sua materialização nos vários instrumentos de execução de atividades do município. Reduzida divulgação do PE para o conhecimento dos vários atores individuais ou coletivos interessados nas questões da governança municipal identificadas neste instrumento de gestão. Fragilidade do sistema de planejamento que não identifica os indicadores das diversas ações definidas e implementadas de acordo com os PAA. Reduzida capacidade técnica para conduzir o processo de monitoramento das atividades baseando-se em métodos de análise de impacto sólidos e confiáveis. Ausência de metas claras nos PAA que indicam como as diversas atividades inseridas neste instrumento de gestão são operacionalizadas para o alcance dos resultados pretendidos. Especificação de objetivos sobre prioridades da gestão organizacional com caráter rotineiro. Falta de definição específica de resultados pretendidos nas ações identificadas nos projetos municipais implementados anualmente. Falta de clareza e de padrões de desempenho organizacional susceptíveis de serem submetidos à avaliação externa pelos munícipes. Fonte: Elaboração do Autor com base nos dados coletados nas entrevistas da pesquisa. 84 Pode ser observado no quadro acima, que a despeito da existência de um sistema de planejamento dentro do Município de Xai-Xai e de nos diferentes instrumentos de planejamento adotados se encontrar definidas as funções necessárias para o cumprimento da missão da organização, se constatou que existem deficiências no que concerne aos processos de análise do desempenho organizacional. Essas limitações estão relacionadas basicamente com os métodos de gestão adotados e com os processos de avaliações de resultados utilizados, sobretudo para o monitoramento das ações e projetos governamentais do munícipio. Esta constatação pode ser demonstrada a partir da fala do Vereador da Área de Atividades Econômicas do Município de Xai-Xai, [...] penso que quem melhor avalia o desempenho é a pessoa que se beneficia dos serviços, se o munícipe já se apresenta satisfeito com as nossas realizações, por exemplo, na área de atividades econômicas significa que estamos a melhorar cada vez mais [...]. A afirmação acima sugere, por um lado, que o processo de avaliação de desempenho não tem representado uma prática regular dentro da gestão municipal e, por outro, que a organização não está ainda preparada para implementar um sistema de avaliação sólido e baseado em critérios objetivos que norteiam esse exercício de gestão. Apesar de nas suas falas os vários administradores públicos entrevistados neste estudo terem afirmado, existir uma preocupação em relação ao assunto, o estudo constatou que existem atualmente constrangimentos de caráter metodológico que comprometem o aprimoramento do sistema de avaliação. Como referiu o Vereador da Área de Atividades Econômicas do Município de XaiXai, [...] existem algumas avaliações feitas de forma superficial e voltadas mais para a análise interna sobre as atividades pontuais que são realizadas pelos departamentos não temos um sistema de avaliação complexo que retrata as várias situações da gestão municipal como um todo [...] o que temos que continuar a fazer já que estamos a realizar várias reformas e constituir um mecanismo de avaliação mais completo [...] devemos fazer a investigação contínua sobre aquilo que pensamos que hoje está bom e o que não está por meio de avaliações periódicas, é preciso verificar as pequenas falhas e corrigirmos, criarmos condições para que cada vez mais se altere o cenário dos problemas na nossa gestão [...]. Compreende-se a partir desses comentários que os mecanismos de avaliação do desempenho são ainda incipientes e insuficientes no sentido de poderem oferecer um conjunto de informações e subsídios sobre a gestão realizada que sejam mais consistentes e confiáveis 85 no que diz respeito ao atingimento dos resultados desejados. Embora na gestão municipal se reconheça a importância da avaliação externa acerca de seu desempenho pelos cidadãosusuários dos serviços prestados pelo município, não existem ações dessa natureza que sejam consistentes nem padrões objetivos que permitam realizar avaliações. Essa fraqueza deve-se, em parte, à precariedade dos sistemas de planejamento e monitoramento das atividades e projetos existentes, mas também às limitações de natureza técnica (fraca capacitação técnica do pessoal e institucional) enfrentadas no processo de gestão municipal. O único mecanismo existente que se pretende que seja de monitoria do processo de gestão municipal é o Plano Estratégico de Desenvolvimento do Município de Xai-Xai (PEDMXX, 2009-2019) que inclui alguns indicadores ligados às várias reformas institucionais a serem realizadas tendo em vista, a melhoria do desempenho da gestão municipal nas áreas de gestão financeira, do meio ambiente, das infraestruturas e habitação, entre outras. Porém, dado que o PEDMXX é um plano essencialmente voltado para o desenvolvimento municipal, a questão do desempenho organizacional não é ainda abordada nesse instrumento de gestão de forma integrada, havendo aspectos críticos da gestão municipal que não são sequer mencionados como, por exemplo, a definição de critérios e de indicadores sobre a participação dos cidadãos na avalição da implementação desse instrumento. A avaliação que se faz no quadro do PEDMXX é de caráter trienal como prevê o próprio plano. Entretanto, não existe um sistema consistente baseado em metodologias orientadas, sobretudo para a criação e geração de bases de dados que possam permitir a realização de análises comparativas sobre o desempenho do processo de gestão organizacional no município. O que essas limitações mostram é que a avaliação com base no PEDMXX não proporciona uma visão global do processo de gestão municipal que envolva, por exemplo, a especificação clara dos recursos despendidos e os correspondentes aos resultados obtidos nas políticas públicas municipais já implementadas ou em implementação em um determinado período. A falta desse tipo de informação compromete em grande medida a efetivação do exame completo das capacidades existentes e da qualidade da gestão realizada no processo de gestão municipal. No estudo se constatou igualmente que embora nos últimos anos com a implementação das ações da reforma do setor público tenham se registrado avanços consideráveis no que refere aos processos de planejamento organizacional, como referiram os 86 vários administradores públicos entrevistados no estudo no seu computo geral, faltam ainda indicadores específicos e claros sobre as metas e os objetivos definidos no âmbito dos projetos da gestão municipal. Por exemplo, no desenho e conteúdo dos Planos Anuais de Atividades (PAA), verificam-se insuficiências de ordem técnica e metodológica e tendem a ser pouco inovadores mencionando, de forma simples e repetida algumas prioridades e atividades que possuem um caráter rotineiro. Esses planos são sustentados por uma base de orçamentação pouco precisa e fragmentada, pois não referem muitas vezes os resultados concretos pretendidos nos vários programas e projetos municipais existentes ou que são definidos para cada período específico de sua implementação. Desse modo, a utilidade desse sistema de planejamento adotado fica comprometida em grande medida por essas limitações que derivam da ausência de instrumentos de gestão rigorosos, incorporando e integrando os sistemas de gestão financeira do município tais como, o planejamento, a execução e controle (sobretudo no que diz respeito ao controle exterior pelos cidadãos) de uma forma eficaz e confiável. No plano administrativo, os sistemas de planejamento e execução de atividades que são utilizados na gestão do Município de Xai-Xai se mostram ainda convencionais, burocráticos e muitas vezes condicionados pela reduzida capacidade de arrecadação fiscal (limitada às poucas fontes de arrecadação existentes) para sustentar as necessidades do funcionamento do município e dos seus projetos. Assim sendo, a ausência de clareza sobre como as atividades inseridas nos PAA são operacionalizadas e de mecanismos objetivos acerca da implementação dos vários projetos apresentados nesses planos anuais, refletem as fragilidades dos critérios utilizados para a melhoria do desempenho nesta municipalidade. No geral, as limitações que se apresentam no funcionamento do Município de Xai-Xai, dentre outros aspectos, estão fortemente relacionados à fraca articulação entre as várias componentes que concorrem para o seu bom desempenho. Diante disso, torna-se necessária a incorporação de dois aspetos importantes relativos à capacitação institucional do município para lidar com os desafios da melhoria do desempenho organizacional. Em primeiro lugar, é importante a capacitação dos atores da instituição (funcionários em geral e dirigentes do município) de modo a permitir o desenvolvimento de um sistema de planejamento orientado por métodos e ferramentas que viabilizem as ações de melhoria do desempenho organizacional. Os mecanismos de avaliação do desempenho são frágeis e quase inexistentes e, quando existem, estão mais voltados para 87 os processos internos e pouco têm de prestação de contas à sociedade, tornando-se fundamental alterar o seu caráter auto referido para um sistema mais aberto à avaliação da sociedade. Em segundo, a abordagem que norteia o processo da gestão municipal necessita de maior aprimoramento, priorizando práticas consistentes de avaliação mediante a utilização de indicadores de caráter financeiro e de aspectos da gestão organizacional que destacam o monitoramento das ações e metas estabelecidas nas políticas públicas municipais. É fundamental para a contínua melhoria do desempenho organizacional do município que este seja mais aberto para um maior escrutínio da sociedade, através da fixação de padrões de desempenho organizacional, na base dos quais as ações e atividades desta municipalidade podem ser avaliadas. 4.3 A Accountability na Gestão Municipal Neste tópico apresentam-se os resultados sobre as práticas de gestão adotadas tendo em vista a implementação de processos e estruturas de controle interno como externo sobre as atividades e programas desempenhados na gestão do Município de Xai-Xai, consubstanciadas no controle e responsabilidade gerencial e na transparência na gestão desta municipalidade. 4.3.1 O Controle e Responsabilidade Gerencial O controle e responsabilidade gerencial representam um componente crucial da gestão pública estando relacionados com a accountability (prestação de contas). Portanto, é fundamental para assegurar que as atividades das organizações públicas se realizem de forma desejada e adequada por todos os intervenientes nas ações da organização, de modo a contribuírem para a consecução dos planos e programas consentâneos com a implementação das políticas públicas. Nesse sentido, o controle e responsabilidade da gestão pública passam a estar intimamente ligados à obrigação dos agentes públicos de prestarem contas sobre as suas ações, podendo ser aos organismos de controle no interior da estrutura das próprias instituições, ao parlamento ou mesmo à sociedade. A questão do controle exercido pela sociedade será retomada mais adiante na discussão sobre os processos de participação pública 88 e a gestão interativa na gestão municipal. Nesta ocasião aborda-se a accountability apenas na perspectiva do controle gerencial. No âmbito da reforma da administração pública em Moçambique o controle e responsabilidade gerencial são apresentados como sendo equivalentes à aplicação de novas práticas de gestão pública que envolvem a “introdução de mudanças nas estruturas e nos processos de prestação de contas dentro do setor público” (CIRESP, 2006, p. 21). Tais práticas visam apoiar as instituições do setor público na realização dos seus objetivos, na busca pela eficácia e eficiência das suas ações, na confiabilidade dos relatórios internos e externos e, no cumprimento das leis e regulamentos aplicáveis e as políticas internas das organizações públicas. Assim, as concepções do modelo de reforma da administração pública moçambicana encaram a prestação de contas como um mecanismo que contribui para o aperfeiçoamento da gestão pública e a construção de um setor púbico que se apoia na criação de uma rede de vários controles sobre os processos administrativos das instituições do Estado e das ações de seus agentes com vistas, a melhorar a sua atuação e elevar os níveis de responsabilização na gestão. No entanto, a questão que se impõe é saber de que forma é garantida aplicação do controle gerencial e responsabilização na gestão do Município de Xai-Xai? Quais as implicações do controle nas ações, programas e políticas públicas desenvolvidas na gestão municipal e como este funciona? No estudo se contatou que ao nível da gestão do Município de Xai-Xai a questão do controle e responsabilidade gerencial envolve a utilização de mecanismos de gestão que visam garantir que a organização conheça em que medida os planos e programas de ação estão funcionando. Com isso, procura-se assegurar o cumprimento dos objetivos organizacionais e a implementação eficaz das políticas públicas estabelecidas. Através desse processo busca-se também responsabilizar os agentes públicos conforme o desempenho e resultados dos programas e projetos governativos implementados. Esse processo de controle e responsabilização é realizado, por um lado, através dos órgãos do próprio município que possuem autoridade hierárquica sobre as unidades organizacionais que executam as atividades das políticas públicas, por outro, pelas instituições que exercem tradicionalmente o controle administrativo-financeiro sobre os planos e programas desenvolvidos pelo município. Nota-se que o novo aqui nem tanto são os atores que fiscalizam, mas sim o quê se procura fiscalizar. Nessa modalidade de controle e responsabilização gerencial, a ideia é que o órgão executivo municipal e os agentes que atuam 89 na gestão do município sejam avaliados substantivamente pelo cumprimento das metas propostas. Portanto, os mecanismos de controle e responsabilização da gestão pública estão alicerçados em três dimensões que correspondem: (i) às práticas de controles com caráter administrativo (internos), sobre os resultados alçados pelos diferentes setores na execução das atividades da gestão municipal; (ii) às práticas de controle com caráter horizontal (externos), sobre a legalidade dos procedimentos administrativos no cumprimento dos planos e orçamentos aprovados e; (iii) às práticas de controle com caráter parlamentar (baseados no controle da legislatura), sobre os resultados da ação governativa desenvolvida pelo executivo do município. O Quadro 8 a seguir apresenta as dimensões do controle gerencial existentes. Quadro 8: Dimensões do processo de controle gerencial no Município de Xai-Xai N° de Ordem 1 2 3 Dimensões do Controle e Responsabilização Exercidos Controle Administrativo Controle Horizontal Controle Parlamentar Tipo de Accontability Desempenhado Controlador Realizado através de mecanismos de responsabilização hierárquica e prestação de contas, envolvendo superiores hierárquicos e subordinados dentro da estrutura organizacional do município, envolve frequentemente o cumprimento de normas e procedimentos administrativos e a apresentação dos resultados da execução de atividades. Presidente do Município e Conselho Municipal Exercido também através de práticas de controle interno relacionadas com o monitoramento das atividades realizadas pelos diferentes setores do município. Inspeção do Município Efetivado através de mecanismos que correspondem à verificação da observância das normas e os procedimentos legais pelo órgão judiciário que realiza a auditoria formal da execução orçamentária, das contas e dos resultados em conformidade com os planos aprovados no processo de gestão do município. Tribunal Administrativo Realizado por meio de inspeções regulares conduzidas pelas instituições do governo central com responsabilidade e autoridade para prestação de contas. Inspeção Geral de Finanças e Ministério da Administração Estatal Exercido a partir dos mecanismos de responsabilização política dos resultados das ações governativas do município perante o legislativo, que fiscaliza e monitora o grau de cumprimento dos planos e a execução dos projetos definidos no âmbito da implementação das políticas públicas ao nível municipal. Assembleia Municipal Fonte: Elaboração do Autor com base nos dados coletados nas entrevistas da pesquisa. 90 Como pode ser observado no quadro acima, o controle de resultados representa o principal mecanismo de accountability ou de controle gerencial presente no processo de gestão municipal, pois, a partir da apresentação dos vários relatórios aos diferentes órgãos de controle (interno e externo) procura-se espelhar as metas que são alcançadas no processo de gestão do Município de Xai-Xai. Observa-se que os processos de prestação de contas operacionalizados pelos controles administrativos e parlamentar focalizam maior parte das vezes os resultados das atividades no contexto da implementação dos planos e projetos do executivo municipal. Contudo, apesar do controle horizontal estar voltado principalmente para os procedimentos legais das ações de gestão desta municipalidade, em última instância incorpora a vertente de resultados, a observar pelas análises que são feitas em relação à aplicação dos recursos públicos e os aspectos substantivos que envolvem a eficiência e a efetividade das políticas públicas. Tendo em vista a concretização desses controles como mencionado por vários administradores públicos entrevistados no estudo, são utilizados vários instrumentos de controle gerencial das ações desenvolvidas pelo município, em que se destaca o Plano Anual de Atividades (PAA) que representa o principal instrumento que norteia o processo de gestão da organização. [...] Nele estão estabelecidas as prioridades da gestão municipal e abrange especificamente a elaboração de planos de atividades que são divididos em períodos determinados para sua implementação e avaliação, e estas últimas são realizadas tendo em consideração a execução das atividades que dizem respeito aos períodos trimestrais, semestrais e também as referentes às atividades de caráter anual. [...] Durante a implementação do PAA são elaborados relatórios periódicos sobre os resultados da execução das atividades, que são utilizados igualmente como instrumentos de monitoramento e de controle da gestão das políticas púbicas municipais (Fala, Vereadora da Área de Administração e Finanças do Município de XaiXai, 2012). Na mesma perspectiva, segundo a fala da Presidente do Município de Xai-Xai o controle gerencial dentro do município é efetuado como necessidade de acompanhamento e avaliação dos resultados que são alcançados do decurso da implementação das diversas atividades desta municipalidade e, [...] como prática de controle sobre os vários aspetos da nossa gestão temos, por exemplo, a cada final de ano os balanços sobre o que foi planificado e o que foi realizado e são apresentados igualmente os resultados dos custos financeiros que compreendem as atividades realizadas nesse mesmo período. [...] Essas informações são prestadas aos órgãos da Assembleia Municipal no 91 contexto da fiscalização do executivo municipal e ao Tribunal Administrativo no âmbito da prestação de contas sobre a gestão financeira e o cumprimento dos planos de atividades aprovados para gestão do município [...]. Doutro modo, de acordo com a fala do Diretor de Administração e Finanças do Município de Xai-Xai foram adotadas como práticas de controle interno das realizações de cada setor dentro do município, [...] a apresentação de informes periódicos pelos responsáveis dos diversos setores de atividade do município ao órgão executivo do município [...] e todas as semanas existe um encontro entre o presidente do município e os diretores dos departamentos da instituição para a prestação de contas [...] mas é exigida também a prestação de informação mensal acerca do ponto de situação de tudo que foi planejado e sobre o grau de cumprimento do plano de atividades, os constrangimentos existentes e tudo aquilo que aconteceu em relação a cada setor [...] e para lidar com os problemas que envolvem as falhas na implementação é acionada a inspeção interna do município [...]. De acordo com esta perspectiva, os diversos instrumentos de prestação de contas utilizados no Município de Xai-Xai funcionam como mecanismos de controle e responsabilização da gestão desenvolvida nesta municipalidade. O Quadro 8.1 a seguir mostra os instrumentos de controle de atividades utilizados na gestão municipal. Quadro 8.1: Instrumentos de controle dos planos e ações municipais N° de Ordem Instrumento de Controle e Responsabilidade Gerencial Responsável pela Elaboração Documentos das atividades inseridas no PAA implementado pelos diferentes setores. Relatório de execução financeira do Município. Relatório de execução dos planos e projetos das atividades do município. Setores de Atividades e Departamento de Planejamento Departamento Financeiro 4 Relatórios dos resultados de desempenho setorial. Vereadores 5 Relatório anual de atividades que espelha os resultados da gestão do município. Conselho Municipal Tribunal Administrativo e Assembleia Municipal Anual 6 Relatório de execução do orçamento referente à realização de despesas e arrecadação fiscal e implementação de ações governativas do município. Departamento Financeiro/Setores de Atividades Inspeção Geral de Finanças e Ministério da Administração Estatal Semestral e Anual 1 2 3 Chefes de Departamentos Órgão Controlador Periodicidade Conselho Municipal Semestral e Anual Conselho Municipal Trimestral Presidente do Município Presidente do Município Fonte: Elaboração do Autor com base nos dados coletados nas entrevistas da pesquisa. Semanal Semanal 92 Observa-se, assim, que o processo de controle e responsabilidade gerencial dentro do Município de Xai-Xai é operacionalizado, basicamente por um conjunto de relatórios que expressam os resultados da atuação desta organização ao longo de vários períodos de implementação de atividades ou projetos municipais. Portanto, a utilização desses relatórios serve para a viabilização do processo de prestação de contas aos diferentes órgãos que realizam o controle interno. Entretanto, o estabelecimento da função de controle interno deve ser efetivo no sentido de garantir uma revisão sistemática, a avaliação e a adequação dos relatórios sobre os processos gerenciais, financeiros e operacionais cada vez mais consistentes e contribuir para o fortalecimento das práticas de responsabilização ao nível da gestão do Município de Xai-Xai. O processo de controle interno não deve se esgotar apenas na simples elaboração de relatórios. É importante, por um lado, que sejam incluídos nesses relatórios elementos de análise e de comparação que permitam uma demonstração clara sobre os níveis de cumprimento dos objetivos organizacionais e, por outro, sejam incorporadas medidas de desempenho que apresentam informações comparativas acerca dos resultados das políticas públicas implementadas num determinado ano específico com os alcançados nos anos anteriores. Isso possibilitará uma representação que confronta os níveis de execução dos diferentes projetos em cada período de realização de atividades. Mas, também pode proporcionar, por exemplo, uma visualização mais completa acerca da execução prevista nos orçamentos programados e os níveis de desempenho alcançados na implementação das políticas públicas do município em cada ano, permitindo elevar a accountability perante os cidadãos. De acordo com as constatações do estudo registram-se avanços consideráveis nos mecanismos utilizados para a efetivação do controle interno, mas para que esses processos ocorram com maior efetividade é preciso reduzir as limitações existentes, por exemplo, no processo de elaboração do PAA que serve como instrumento indicativo das atividades e projetos (avaliados nos relatórios periódicos) que são realizadas no âmbito das políticas públicas. É preciso reduzir a distância existente entre o micro planejamento das unidades administrativas do município e macroplanejamento envolvendo os organismos públicos do governo provincial a partir do reforço da coordenação intersetorial com vistas a tornar mais efetivas as ações e os programas da gestão pública municipal. 93 Conforme mencionado nas falas dos vários administradores públicos entrevistados neste estudo, [...] dado à natureza das várias atribuições e competência dos municípios que são comuns a algumas funções das instituições da esfera do governo provincial o processo de planejamento municipal deve envolver também a troca de informações com os organismos desse nível governamental [...] existe atualmente uma fraca coordenação no processo de planejamento que envolve as instituições públicas ao nível do Estado e o município (Fala, Vereadora da Área de Administração e Finanças do Município, 2012). Como exemplos das falhas no processo de planejamento intersetorial foram mencionados, a descoordenação na articulação e prestação de contas sobre atividades realizadas no setor de saúde dentro do município e na definição de prioridades e implementação de projetos de construção de infraestruturas na área de educação. Ainda relacionado com o os mecanismos de controle interno dos resultados operacionais, vale mencionar a questão referente aos mecanismos de gestão orçamentária estabelecida ao nível do município. Sobre este aspecto se constatou que apesar de a reforma do setor público ter introduzido em 2002 o Sistema de Administração Financeira do Estado (SISTAFE) e em 2005 o Regulamento do Pocurement18 (revisto em 2011) que é parte integrante do primeiro para a gestão financeira, o Município de Xai-Xai não utiliza ainda a componente eletrônica deste mecanismo de gestão dos recursos financeiros. Como mencionado na fala do Diretor de Administração e Finanças do Município de Xai-Xai, [...] estamos na expetativa de que a gestão orçamentaria seja efetuada com recurso ao e-SISTAFE, pois este instrumento irá melhorar muito a eficiência da nossa administração e espera-se que a implantação do sistema seja realizada ao longo de 2012 [...]. A utilização deste mecanismo pode reforçar o controle interno e externo sobre os recursos financeiros do município e reduzir espaço para a ocorrência de práticas irregulares que comprometam os processos de implementação das políticas públicas. O e-SISTAFE pode, por exemplo, introduzir melhorias nos processos de execução orçamentária e promover maior eficiência na gestão, mas também pode proporcionar informações tempestivas e mais confiáveis aos processos de elaboração dos relatórios periódicos no contexto da prestação de contas reforçando uma vez mais a accountability da organização. 18 Aprovado pelo Decreto n° 15/2010, de 24 de Maio – Regulamento de Contratação de Empreitada de Obras Públicas, Fornecimento de Bens e Prestação de Serviços ao Estado. 94 No que diz respeito às práticas de controle gerencial externo aos processos de gestão do Município de Xai-Xai, destacam-se as ações de auditoria promovidas pelo Tribunal Administrativo, por um lado, como mecanismo de prestação de contas sobre a execução orçamentária dos planos e atividades. De acordo com as falas dos administradores públicos entrevistados neste estudo foi mencionado que, [...] o controle gerencial externo é efetivado através das ações de auditorias conduzidas pelo Tribunal Administrativo (TA) [...]. Este organismo de controle externo realiza as auditorias através da solicitação do relatório de execução orçamentaria que é analisado em conformidade com o plano referente ao período sobre o qual é realizado o processo de fiscalização (Fala, Vereador da Área de Serviços Urbanos do Município de Xai-Xai, 2012). Sobre o processo de prestação de contas e auditorias externas o Diretor de Administração e Finanças do Município de Xai-Xai elucidou que, [...] as ações de auditoria são realizadas uma vez ao ano e durante o período em que os auditores estão no município sempre que necessário nos é solicitada informação complementar para justificar ou comprovar as ações que temos estado a realizar no ato da execução do orçamento [...] e temos procurado corresponder a essas exigências que são feitas por este órgão, ao que recebemos frequentemente o relatório final das auditorias realizas para a apresentação dos nossos contra argumentos sobre os resultados do TA e, temos procurado seguir as orientações e sugestões para melhorarmos ou corrigirmos as falhas que são constatadas [...]. Por outro lado, foi realçado pelos administradores públicos entrevistados no estudo, que o controle gerencial é realizado também pelas instituições do governo central com poder de tutela sobre o município. [...] Existem ações de supervisão promovidas pelos organismos públicos do nível central, que no contexto da tutela administrativa do governo aos órgãos executivos dos municípios realizam inspeções financeiras através da Inspeção Geral de Finanças (IGF), que monitora as ações da gestão financeira por meio da avaliação de relatórios que ilustram os processos de execução do plano e do orçamento do município. Ainda no âmbito das ações de monitoria existe a inspeção administrativa realizada pelo Ministério da Administração Estatal (MAE) que tem como objetivo a supervisão da conformidade das ações realizadas no âmbito da gestão corrente do município (Fala, Vereadora de Administração e Finanças, 2012). 95 Em outra perspectiva, o controle político sobre os resultados da administração municipal, realizado através da Assembleia Municipal tem um impacto positivo no processo global da gestão dado que a fiscalização promovida pelas comissões especializadas deste órgão proporciona, por um lado, a redução das limitações do processo de elaboração orçamentaria e da ocorrência de irregularidades na implementação das políticas públicas e, por outro, cria-se um espaço para ampliar a prestação de contas à sociedade. O controle exercido por este órgão de representação dos munícipes enquadra-se no processo do exercício das competências de supervisão legislativa, que envolve o controle na gestão do orçamento e também a prestação de contas sobre as atividades do executivo municipal ao legislativo, assim como o monitoramento dos projetos implementados pelo município – através das comissões da assembleia destinadas a avaliar as políticas públicas e a investigar o processo de transparência dos atos governativos. De acordo com as falas dos administradores públicos e membros do legislativo entrevistados no estudo, [...] o controle das atividades é uma das responsabilidades da Assembleia Municipal e o executivo municipal tem como obrigação legal apresentar informações através de relatórios que expressam o grau de realização do plano e orçamento, como mecanismo de prestação de contas à Assembleia Municipal que representa os cidadãos-munícipes [...] funciona através do estabelecimento de uma interação permanente entre os dois órgãos como forma de garantir que os processos de gestão municipal se traduzam numa maior transparência para a sociedade (Fala, Presidente da Assembleia Municipal de Xai-Xai, 2012). Observado esse conjunto de mecanismos de controle gerencial implementados – a compreensão que se tem é a de que as abordagens dos controles burocráticos, horizontais e políticos existentes nesta municipalidade dão enfoque ao que a International Federation of Accountants (IFAC, 2001) considerada ser fundamental para a elevação da transparência e prestação de contas dos organismos públicos, isto é, que o controle e a supervisão das ações de gestão municipal devem ser encaradas como a criação de um sistema e estruturas através dos quais a organização é dirigida e controlada. Nessa visão enfatiza-se que os processos de prestação de contas e, sobretudo através da submissão dos organismos públicos às auditorias devem se constituir em instrumentos que proporcionam a revisão da adequação das políticas e práticas à conformidade com os padrões e princípios da governança no setor público como meio de ampliar a accoutability. 96 Assim, a forma como uma organização pública é gerenciada, as estruturas, a sua cultura, as políticas e estratégias pelas quais se lida com os stakeholders devem expressar a aplicação de práticas que promovem a transparência na administração pública (BARRETT, 2002). O objetivo principal é que as entidades públicas divulguem relatórios periódicos (O’DONNELL, 1998) com os resultados da aplicação dos recursos públicos previstos nos instrumentos orçamentários, cuja finalidade é promover o acompanhamento por parte da sociedade da aplicação dos recursos públicos e responsabilizar as práticas que representam o descumprimento das normas estabelecidas. Com a utilização dessas práticas busca-se reorientar a visão tradicional que tem norteado o funcionamento da administração pública que se baseia nos processos e procedimentos da burocracia, por meio dos quais se tem revelado excessivamente auto referida e restringida ao insulamento. Trata-se de difundir as práticas de prestação de contas por parte dos administradores públicos, responsabilizando-os e exigindo da sua atuação a aplicação de mecanismos administrativos que configuram maior transparência nos processos e programas públicos desenvolvidos dentro das organizações do setor público. Enfim, esses controles internos e externos providenciam especialmente informação importante sobre os organismos auditados acerca do seu desempenho e cumprimento das respectivas responsabilidades, ao mesmo tempo em que proporcionam também um conjunto de informações importantes para os cidadãos sobre os resultados dos organismos públicos. 4.3.2 A Transparência na Gestão A transparência na gestão se tornou fundamental nos últimos tempos no âmbito da introdução das novas práticas de gestão pública e da implementação das reformas administrativas. Nesse contexto, as práticas de transparência na gestão pública passaram a ser aplicadas com recurso a múltiplos mecanismos que têm em vista, sobretudo a divulgação de informação e o acesso para os diversos stakeholders e a sociedade em geral às informações institucionais que afetem seus interesses. Assim sendo, através das práticas de transparência busca-se disponibilizar elementos e informações sobre as ações governamentais desenvolvidas pelos agentes públicos na gestão das instituições do Estado, mas também para a divulgação das informações referentes à gestão dos recursos públicos devendo ser disponibilizadas com certa regularidade para o público ou para outras organizações interessadas (BARRETT, 2001). 97 No contexto da reforma administrativa em Moçambique a transparência na gestão é apresentada como estando relacionada à institucionalização e uso de práticas de gestão que promovem a prestação de contas dos agentes públicos e o controle dos recursos públicos. Nesta perspectiva, a EGRSP (2006-2011) expressa à importância da constituição de um setor público “guiado pelas práticas de transparência, tanto no que diz respeito à utilização dos bens e recursos públicos, quanto ao que se refere aos procedimentos e avaliação de resultados” (CIRESP, 2006. p. 6). É de realçar que existe uma grande relação entre a transparência e a prestação de contas, no sentido de que algum nível de prestação de contas é necessário, a fim de assegurar a transparência da gestão no setor público. A divulgação de informações sobre os resultados da ação governamental é uma condição necessária, ainda que não suficiente para assegurar que a atuação das instituições públicas seja efetivamente transparente. Por essa razão, torna-se fundamental que os recursos governamentais sejam utilizados de forma apropriada e os gastos sejam efetuados de acordo com as leis e regulamentos, que os programas e projetos governamentais sejam conduzidos de acordo com seus objetivos e finalidades estabelecidas. Nesta perspectiva, a transparência na gestão expressa a ideia de que as instituições públicas devem orientar todas as suas ações imbuídas da obrigação de prestação de contas à sociedade e aos entes públicos com poder para exigir contas aos diferentes organismos do Estado. Entretanto, a questão que se impõe é saber qual o significado que se dá a transparência na gestão do Município de Xai-Xai e quais são as práticas adotadas? De que forma essas práticas garantem a efetividade da transparência dos processos de gestão nesta municipalidade? No estudo se constatou a adoção de algumas formas e mecanismos através dos quais a questão da transparência na gestão é tratada ao nível do Município de Xai-Xai, que sugerem de certa maneira um avanço substancial no tratamento desta questão. Observou-se, igualmente, que embora seja evidente a tendência para a utilização de práticas de transparência, estas não são utilizadas com a devida frequência e regularidade. O que parece acontecer de fato é que a maneira como os mecanismos adotados são utilizados não conduzem ao exercício integral da transparência, por um lado, pela falta de informações abrangentes sobre o desempenho da ação governativa no município e, por outro, pelo conteúdo e qualidade das informações que são disponibilizadas pelos agentes públicos desta municipalidade à sociedade. 98 A questão central é que algumas práticas de transparência adotadas no Município de Xai-Xai não têm proporcionado aos usuários dos serviços do município e à sociedade em geral informações suficientes ou completas sobre os processos de gestão, de modo a se formar um quadro referencial que ajude a consolidar as suas opiniões acerca a atuação das entidades governamentais do município. O Quadro 9 apresenta as formas utilizadas para a promoção da transparência no Município de Xai-Xai. Quadro 9: Instrumentos de transparência utilizados na gestão municipal Instrumentos de Transparência na Gestão Formas de Procedimento Abordagem Principal das Práticas Adotadas Relatórios financeiros da gestão municipal Submissão ao processo de fiscalização realizado pelo órgão legislativo e disponibilização para consulta e apreciação pública da população. Apresentação do orçamento de forma detalhada relativamente a cada programa de receita e despesa sendo discriminada para cada programa implementado no processo de gestão do município. Mapas diários sobre o resultado da arrecadação de receitas fiscais no município Elaboração e afixação dos mapas das receitas fiscais em locais públicos dos edifícios dos Postos Administrativos e da sede do município. Criação de um sistema de prestação de contas sobre os recursos financeiros do município para assegurar o acompanhamento do público sobre o decurso do processo de arrecadação fiscal e a integridade das informações contidas nos relatórios orçamentários. Controle sobre o desempenho dos projetos desenvolvidos pelos diferentes setores de atividades do município. Divulgação dos resultados das ações governamentais para apresentar os outcomes (impactos) subjacentes à execução do orçamento, bem como o reforçar as responsabilidades e a continuidade do executivo municipal no cumprimento do seu papel e a suas funções na administração do município. Balanços periódicos sobre os projetos das políticas públicas municipais Acesso do público interessado aos instrumentos técnicos de gestão que espelham o municipal. Apresentação dos outputs (resultados) de maneira detalhada para traduzir a prática de prestação de contas do município ao público e promover o acompanhamento de todos os relatórios e demais documentos a ele relacionados. Planejamento das prioridades da ação governativa do município com as comunidades Identificação conjunta de problemas que afetam a população e definição de prioridades das ações governativas do município. Promoção de práticas de envolvimento das comunidades locais (cidadãos e organizações da sociedade civil) no âmbito da formação das políticas públicas do município. Reuniões com a população para divulgação dos resultados da gestão municipal Fonte: Elaboração do Autor com base nos dados coletados nas entrevistas da pesquisa. Como pode ser observado no quadro acima, existe uma preocupação com a implementação de práticas de gestão que visam à concretização da transparência na gestão do Município de Xai-Xai. As práticas de abertura e transparência na gestão municipal têm sido utilizadas como forma de providenciar ao público a confiança sobre os processos de tomada 99 de decisão e das ações de caráter administrativo desenvolvidas pelos diferentes órgãos desta municipalidade. Conforme mostra a fala do Vereador da Área de Agricultura e Transportes do Município de Xai-Xai, [...] a transparência na gestão do município é promovida através da abertura do município para com o público [...] em relação aos relatórios e os planos de atividades do município qualquer cidadão está em altura de poder ter acesso a essas informações, chegando à secretaria do município estes são postos à disposição do interessado. Mas, apesar de se verificar uma tendência positiva para a ampliação das práticas de transparência na gestão municipal, no estudo se constatou que no plano administrativo a obrigação de informar os processos de gestão não tem sido espontânea, rápida e dentro de um clima de confiança particularmente com exterior da organização. Nesta perspectiva, os vários atores da sociedade civil consideram as práticas de transparência adotadas pelo Município de Xai-Xai pouco efetivas para promover um grau elevado de transparência na gestão desta municipalidade. Várias críticas foram apresentadas às práticas que têm sido implementadas e, a principal delas está relacionada com a forma como as informações são divulgadas pelos órgãos executivos do Município de Xai-Xai. Segundo a fala do Diretor Executivo do Fórum Provincial das Organizações da Sociedade Civil de Gaza (FONGA), [...] a forma como é promovida a transparência na gestão não assegura que os mecanismos algumas vezes utilizados garantam a confiança total das poucas informações que são postas a disposição do público [...] existe relacionado a isso uma falta de abertura efetiva na prestação de contas no município [...] e o fato de não temos uma lei de acesso à informação em Moçambique, torna o processo mais complexo, portanto, a prestação de informação se torna facultativa, pois, não há nenhum instrumento que obriga aos gestores públicos a fornecerem informação sem qualquer restrição [...] o que temos é que nada pode se feito se os funcionários se recusarem a prestar informações sobre a gestão dentro das instituições públicas [...] sentimos que essas limitações prejudicam a transparência e reduzem o conhecimento do público sobre como são geridos os recursos públicos. Esta apreciação mostra o paradoxo existente no processo de comunicação e acesso à informação da gestão municipal, tais como: demonstrações financeiras, relatórios de auditorias e planos e orçamentos. Por um lado, existe uma determinação legal (Decreto n° 30/2002 de 15 de Outubro, que aprova as Normas de Funcionamento dos Serviços da Administração Pública) que sugere a abertura das instituições e a garantia do direito de acesso 100 a esses instrumentos da gestão e à informação de caráter público e não confidencial em virtude do caráter democrático das instituições do Estado. Por outro, a comunicação tem sido afetada negativamente pelos mecanismos de operacionalização do direito à informação, pois, não são precisos e quando existem as informações relacionadas com a gestão financeira não são facilmente disponibilizadas pelos órgãos desta municipalidade. O que acontece é que a solicitação de informações pelos cidadãos e a resposta a essas solicitações por parte dos serviços municipais se torna muitas vezes excessivamente burocrática e não efetiva, isto é, os relatórios não apresentam indicadores ou referências objetivas e substanciais que possam garantir a transparência no processo de gestão municipal dificultando desta feita à ampliação do controle sobre os recursos públicos por parte dos cidadãos. Os vários administradores públicos que participaram neste estudo mencionaram que uma das principais práticas adotadas no município com vistas a promover a transparência pública na gestão dos recursos financeiros é a publicação das receitas fiscais diárias do município. Segundo a fala do Diretor do departamento de Administração e Finanças do Município de Xai-Xai, [...] o controle financeiro é efetuado por todos os munícipes e a prática tem sido a de divulgar os resultados diários da arrecadação de receitas. [...] Neste caso as receitas são arrecadadas nos três postos administrativos (Inhamissa, Pratrice Lumumba e Praia de Xai-Xai) e nos serviços de administração financeira que funcionam na sede do município é recebido o valor correspondente a essas receitas sendo os valores totais arrecadados em todos os postos administrativos divulgado regularmente [...] essa informação é publicada diariamente o que permite ao público e aos interessados conhecerem os montantes dessas receitas que são arrecadadas. Na mesma perspectiva que enfatiza a promoção da transparência na gestão tendo como base a publicação de informações referentes à gestão municipal, o Vereador da Área dos Serviços urbanos do Município de Xai-Xai assinalou que, [...] as práticas principais de transparência na gestão estão relacionadas com a divulgação em primeiro lugar das ações a serem realizadas e, em segundo lugar a divulgação das atividades e resultados do que foi realizado [...] prioriza-se a disponibilização de informes e relatórios de caráter público [...] podemos afirmar que as formas apresentadas espelham os mecanismos utilizados para promover maior transparência sobre as diversas situações de gestão que caracterizam o funcionamento deste município [...]. 101 Relativamente a estas práticas, nota-se que existe certa preocupação com a transparência, embora as práticas utilizadas não impliquem por si só que esta seja efetiva. Por um lado, é importante enquadrar a transparência dentro de um contexto amplo de uma sociedade democrática e, por outro, considerar que os cidadãos devem ter o acesso integral e a total compreensão das informações e relatórios prestados pela administração pública, o que incorpora a ideia de que só assim as atividades e as decisões dos gestores públicos podem ser acompanhadas e melhor percebidas pela sociedade. A questão é que esses processos não aprofundam muitas vezes os aspectos ligados à gestão das finanças municipais e a execução orçamentária que é desenvolvida. Desse modo, compreende-se que tornar públicos alguns atos e ações administrativas apenas não implica necessariamente ser transparente (BARRETT, 2001; 2002). Citando como exemplos, a divulgação de informações sobre a gestão dos recursos financeiros ocorre apenas no processo de arrecadação das receitas, não sendo divulgados na mesma perspectiva os procedimentos e mapas que acompanham o gasto desses mesmos recursos. Por sua vez, as práticas de divulgação de resultados das ações governativas nas reuniões com as populações não permite o acompanhamento das metas que tinham sido definidas, de modo a permitir às comunidades a avaliação do impacto real dos resultados que são apresentados. Neste sentido, dado que a transparência deve considerar uma relação direta entre as informações sobre os atos praticados pela administração pública e os processos de planejamento e de execução orçamentária existentes sobre tais processos, compreende-se que ao nível do Município de Xai-Xai as práticas de transparência não se devem limitar exclusivamente à divulgação de simples relatórios de atividades. Conforme se constatou não se pode considerar a transparência apenas pela prática de divulgação de relatórios, aliás, essa prática é desde logo previamente exigida dentro das instituições sendo, por essa razão, um dever inerente ao próprio funcionamento dos organismos públicos. Portanto, a prática de transparência na atuação dos serviços municipais deve-se efetivar, também, pelo acesso facilitado do cidadão à informação sobre os processos de gestão desenvolvidos. No estudo se constatou que embora a legislação específica sobre a prestação de contas da gestão dos recursos municipais, a Lei n° 1/2008 de 16 de Janeiro, que define o regime de gestão financeira, orçamental e patrimonial das autarquias locais e o sistema tributário, assim como, o Decreto n° 30/2001 de 15 de Outubro, referente às normas do funcionamento da administração pública estabeleçam, por um lado, os mecanismos de operacionalização da transparência por meio de práticas de informação e publicitação das ações da gestão e, por 102 outro, o direito de informação ao cidadão, no contexto do funcionamento do Município de Xai-Xai esses mecanismos não têm sido amplamente enfatizados como fundamento para a transparência na gestão dos recursos e para a correspondente comunicação externa ao público. Nesta perspectiva, compreende-se que a questão da transparência envolve uma componente de vontade e consciência dos administradores públicos em prestar informação relevante e sem burocracia à sociedade. Ela encerra uma dimensão de prestação de contas ou accountability democrático da administração pública em geral e das entidades municipais especificamente perante os cidadãos. Assim, as insuficiências que se verificam nos mecanismos de promoção da transparência da gestão do Município de Xai-Xai, como a falta de detalhes e articulação entre planos, resultados e orçamento nas informações que são tornadas públicas mostram que é importante o aperfeiçoamento e a vinculação das práticas implementadas aos procedimentos técnicos e normativos relacionados à publicitação de informações tendo em vista a tornar a gestão mais transparente. Segundo a fala da Presidente do Município de Xai-Xai, [...] a transparência no processo de gestão do município compreende também a abertura e participação de outros atores da sociedade no processo de formulação das políticas públicas municipais e esse envolvimento demonstra a nossa preocupação com a transparência nas ações que são realizadas pelos diferentes setores do município [...]. De acordo com esta perspectiva, a promoção da transparência dentro do Município de Xai-Xai considera o uso de mecanismos de gestão que visam providenciar aos stakeholders maior confiança sobre as ações governamentais realizadas pela administração municipal no processo de desenvolvimento das suas atividades. Essa prática funciona como uma forma de proporcionar uma “atitude e uma crença” entre os intervenientes chave da gestão municipal, governantes, agentes públicos e outros stakeholders interessados nas políticas públicas locais, a quem as informações têm de ser apresentadas. Pretende-se que a administração municipal seja cada vez mais aberta, com significativos encontros com os stakeholders, com comunicações completas e informação segura e transparente. Práticas de promoção da transparência na gestão por meio de maior abertura do municipal às influências externas mostram-se essenciais, visto que permitem, de algum modo, assegurar que os agentes públicos e os governantes envolvidos na gestão do município sejam verdadeiramente responsáveis. Nesta perspectiva, o aumento da transparência implica a correspondente responsabilização desses atores constituindo-se em dois eixos fundamentais para garantir uma gestão mais confiável. 103 Conforme se constatou no estudo, é evidente a existência de algumas práticas que buscam a promoção da transparência na gestão do Município de Xai-Xai. Contudo, como foi mencionado anteriormente torna-se importante aprofundar e alargar os mecanismos existentes para além dos relatórios e balanços periódicos das suas ações governamentais. Por exemplo, é importante a adoção de mecanismos que exploram a utilização das tecnologias de informação para promover a transparência. Relativamente a este último aspecto, no estudo se constatou que na gestão municipal não existem práticas de divulgação de informação através de meios eletrônicos de acesso público, isto é, o Município de Xai-Xai não possui ainda uma página na internet que permita ao público seguir as ações realizadas, o que constrange de certa forma o acesso à informação. Compreende-se, que esse tipo de mecanismos de gestão pode ajudar a promover a transparência na gestão perante os cidadãos, uma vez que, o governo eletrônico (e-governo) pode favorecer um conjunto de situações tais como: “a contínua optimização da prestação de serviços públicos, a participação dos cidadãos na governança através da transformação das relações internas e externas com recurso à tecnologia, internet e novos media” (CIRESP, 2006. p. 40). Nessa perspectiva, a utilização das tecnologias de informação na administração municipal pode proporcionar um meio para disponibilizar de forma ampla e mais acessível informação relevante sobre a gestão aos cidadãos e, permitiria a facilitação na troca rápida e simplificada de informação à distância, o aperfeiçoamento e a multiplicação das formas de comunicação. Finalizando, é de salientar que o uso das ferramentas do governo eletrônico constituise em oportunidade para a implementação de novas práticas de gestão que promovem o accountability e a transparência. Ao nível institucional o e-governo se estabelece como desafio em si mesmo. A ideia é a de que o uso de inovação tecnológica pode criar vantagens no desenvolvimento e oferecimento de serviços do município, mas também pode permitir a criação de imagens positivas e garantir a informação e a comunicação adequadas para os munícipes. 4.4 A Governança Interativa Neste tópico apresentam-se os resultados das práticas de gestão adotadas no Município de Xai-Xai, relacionadas primeiro ao processo de controle social e participação pública, 104 segundo as referentes à criação de parcerias entre o setor público e o privado e, por último os que dizem respeito às formas de articulação intergovernamental. 4.4.1 A Participação Pública e Controle Social O período compreendido entre os anos de 1975 até 1986 em Moçambique no qual vigorou o modelo de administração pública centralizadora dos primeiros anos após a independência nacional refletia a exclusão dos diferentes atores da sociedade civil e do setor privado na formulação das políticas públicas. No entanto, a partir das reformas iniciadas em 1987 com a adoção do modelo de economia de mercado e com a aprovação da Constituição pluralista e democrática de 1990, observou-se uma abertura para a maior participação de novos atores na administração pública moçambicana. No que refere aos municípios à questão da participação ganhou centralidade a partir de 1997 como resultado da descentralização do processo de tomada de decisão para as comunidades locais. Recentemente, a partir do início da década de 2000 o interesse pela participação pública e controle social surgiu no contexto da constituição de novas práticas de gestão dentro do setor público e, conheceu um crescimento assinalável como consequência de vários fatores, por exemplo, o desenvolvimento dos valores da cidadania, a consolidação da democracia e a importância do controle social sobre as ações governamentais dentro da gestão pública. Doutro modo, a EGRSP (2006-2011) consagrou como um dos principais vetores da reforma em Moçambique a constituição de [...] um setor público participativo e mais aberto às influências externas e ao controle da sociedade. Pretende-se que a reforma possibilite a criação de uma administração pública, participativa, desburocratizada que promove a integração de novos atores públicos e privados no processo de gestão pública moçambicana (CIRESP, 2006, p. 6). Assim sendo, a questão que se impõe é saber como é garantida a participação pública efetiva da sociedade nas ações desenvolvidas pelo Município de Xai-Xai? De que forma os atores da sociedade civil, do setor privado e os cidadãos em geral desempenham o controle social sobre a gestão desta municipalidade? 105 No estudo se constatou que o processo de participação pública no Município de XaiXai é realizado através de práticas de gestão que combinam duas características principais. Por um lado, a utilização de formas convencionais de participação que não proporcionam uma abertura completa dos órgãos municipais às influências externas, sobretudo no que diz respeito à tomada de decisão acerca das questões orçamentárias. Por outro, o uso de algumas formas inovadoras de participação pública relacionadas com a criação de estruturas organizativas que promovem o envolvimento da população no processo de definição de prioridades das políticas públicas ao nível do município. O Quadro 10 a seguir apresenta as práticas de participação pública adotadas na gestão do Município de Xai-Xai. Quadro 10: Práticas de participação pública na gestão do Município de Xai-Xai Processo de Participação Caraterização das Práticas de Gestão Adotadas no Município Formas Convencionais de Participação Pública Formas Inovadoras de Participação Pública Centralidade dos Agentes Públicos Comunicação Externa Gestão Orçamentária Controle Público da Gestão Existência de práticas de gestão que compreendem a centralidade e a intervenção exclusiva dos agentes públicos na tomada de decisão dos assuntos relativos às políticas públicas municipais. Utilização de mecanismos de gestão que não consideram a comunicação direta com o público e limitações nas informações sobre a execução das decisões sobre a gestão municipal. Uso de padrões de gestão orçamentária fechada, que não consideram o envolvimento dos cidadãos na orçamentação conjunta e a publicitação dos processos de gestão. Existência de uma administração sem um processo de participação visível da população que permita ampliar o controle social sobre a gestão municipal. Consulta Comutaria Envolvimento de Atores Privados Interação Gestores Públicos e Comunidade Governança Aberta Criação de práticas de gestão que privilegiam a organização das comunidades locais através de conselhos de consulta comunitária para influenciar as políticas públicas. Existência de processos de administração, que incorporam o envolvimento em parte de alguns atores privados no âmbito da gestão municipal. Utilização de mecanismos de acompanhamento das ações governativas do município, através da intervenção dos vereadores municipais e a população na resolução dos problemas locais. Aplicação de mecanismos de gestão baseados na interação periódica (uma vez por) entre o presidente do município e os cidadãos com realização de encontros em todos os bairros do município. Fonte: Elaboração do Autor com base nos dados coletados nas entrevistas da pesquisa. De acordo com o quadro acima, pode-se dizer que apesar de se notar uma tendência para a constituição de novas formas gestão participativa, no geral o processo de gestão do Município de Xai-Xai é maioritariamente marcado por práticas de participação pública 106 consideradas convencionais. Tais práticas de participação existentes na gestão desta municipalidade são caraterizadas por processos e mecanismos de gestão pública que envolvem os cidadãos apenas depois que as questões ou problemas estejam definidos e maior parte das decisões tenham sido tomadas. Desse modo, essas práticas se mostram não efetivas, uma vez que não promovem níveis satisfatórios de envolvimento dos cidadãos nos processos de gestão do município. Como mostra a fala do Chefe do Departamento de Estudos e Planejamento do Município de Xai-Xai, [...] os problemas até podem vir da base, mas a solução nunca vem da base em termos de gestão [...] a gestão no Município de Xai-Xai é feita ao nível do topo e não da base, isso é o que acontece de fato [...] embora exista a participação das comunidades em algum momento, no entanto esta acontece somente na fase de auscultação pública. [...] As preocupações e informações trazidas da auscultação aos munícipes, segundo a minha experiência, surgem depois do plano ter sido aprovado e, porque o sistema de planejamento utilizado não permite incorporar todas essas preocupações até mesmo nos planos seguintes, a sua resolução é feita de forma ad hoc sem uma participação visível da população. Nesta perspectiva, nota-se, por um lado, que no cenário de participação convencional existente no Município de Xai-Xai o processo de gestão é estruturado de forma a manter os agentes públicos como o centro principal da gestão municipal controlando a habilidade dos cidadãos para influenciarem uma situação determinada ou um processo dentro desta municipalidade. Os agentes públicos do município têm atuado como autoridades que manipulam e operam os processos e estruturas administrativas. Por outro, existem dentro desse contexto de participação pública convencional grandes diferenças entre a administração pública e os cidadãos, uma vez que os últimos se encontram distantes dos problemas, as estruturas e processos administrativos são fechados e os agentes públicos são os que intermedeiam as estruturas e os cidadãos. A questão principal é que os cidadãos são encarados como “clientes” dos profissionais da administração municipal que mantem e exercem a sua autoridade e técnica administrativa. A participação do cidadão caracteriza-se como simbólica do que real. Assim, tem-se que na abordagem convencional o sentido da participação contrasta com as concepções da governança interativa que têm na participação efetiva o seu modo e a expressão da sua manifestação no processo de gestão pública (KING; FELTEY; SUSEL, 1998, p. 320), ampliando dessa forma o espaço e as possibilidades de maior transparência e controle social da sociedade às ações sobre as políticas públicas realizadas pelo executivo municipal. 107 Embora, os diversos atores entrevistados neste estudo tenham concordado acerca da importância da promoção de práticas de participação na gestão pública municipal, na compreensão dos representantes das organizações da sociedade civil que atuam no Município de Xai-Xai os cidadãos têm pouca confiança no governo municipal, o que tem contribuído para a redução do interesse pela participação na gestão ao nível local. O ponto principal levantado nesse argumento é que os cidadãos ou grupos de cidadãos organizados acreditam existir por parte dos administradores públicos do município uma preocupação com os assuntos internos da gestão sem estarem, contudo, profundamente vinculados aos anseios de uma participação efetiva que integre cada vez mais os cidadãos na gestão desta municipalidade. [...] É necessário mudar os mecanismos utilizados frequentemente nos processos de participação da gestão municipal, pois, não são completamente inclusivos e seus critérios não se baseiam em regras claras e conhecidas por todos, o que reduz a confiança nas ações dos agentes públicos [...] é urgente que a participação nas instituições públicas em geral e no Município de XaiXai em particular, seja realizada de modo que os grupos de interesse organizados imponham as suas opiniões e influenciem o processo de funcionamento do município e não apenas para legitimar os processos por meio do envolvimento de alguns poucos cidadãos como tem sido feito atualmente (Fala, Diretor Executivo do Fórum Provincial das Organizações da Sociedade Civil de Gaza – FONGA, 2012). Por sua vez, na compreensão do setor privado a questão da participação no Município de Xai-Xai deve ser encarada do ponto de vista das estruturas que têm sido utilizadas. Nessa visão entende-se que é importante multiplicar e diversificar o tipo de estruturas de organização participativa existentes atualmente dado, por um lado, o ambiente cada vez mais complexo que exige respostas rápidas aos problemas e demandas que surgem, por outro, devido à dinâmica sócio econômica que vem sendo empreendida ao nível do município. [...] A participação deve envolver uma maior interligação e parcerias entre as entidades municipais e o setor empresarial do município, que privilegie a criação de unidades administrativas mais flexíveis e com responsabilidades bem delimitadas ao nível dos bairros para o levantamento dos problemas que surgem, assim como, pela busca de soluções conjuntas entre os agentes públicos e as comunidades (empresários locais), criando espaços para que o potencial das iniciativas e contribuições desse grupo e também as dos cidadãos possam ser largamente aproveitados em benefício da gestão município [...]. Isto é, [...] a gestão não deve ser realizada apenas pelos vereadores do município sem envolver os cidadãos (Fala, Presidente do Conselho Empresarial Provincial de Gaza – CEP, 2012). 108 A utilização de práticas de participação pública convencionais tem afetado negativamente o envolvimento (a qualidade e a forma de participação) dos cidadãos no processo de orçamentação das diversas ações relacionadas com as políticas públicas dentro do Município de Xai-Xai. Em primeiro lugar, porque os processos de participação na formação das políticas públicas realizados frequentemente não são acompanhados pela respectiva orçamentação conjunta entre os agentes públicos do município responsáveis pela gestão e as comunidades que interagem nos processos de auscultação (consulta pública) existentes atualmente. Em segundo, porque quando são realizados encontros com o objetivo de promover a participação dos cidadãos e grupos interessados nas políticas, estes não possuem conhecimento técnico nem informação suficiente sobre como se desenvolvem os processos de gestão o que fragiliza, sobremaneira o caráter da participação pública e o exercício do controle social efetivo da gestão desta municipalidade. A questão do controle social será retomada mais adiante nesta secção. Nesse contexto, os representantes das organizações da sociedade civil acreditam que a verdadeira participação só é possível, [...] se promovida com humildade em um espaço aberto e não fechado, no qual os cidadãos percebem e compreendem o que está acontecendo do ponto de vista da gestão financeira, da planificação e de definição das prioridades nos programas municipais [...] a sociedade civil organizada poucas vezes e convidada a participar ativamente na gestão do Município de Xai-Xai melhor da gestão dos recursos financeiros do município e sabemos que algumas formas de participação existentes se baseiam apenas no envolvimento de pequenos grupos muitas vezes ligados diretamente a problemas específicos existentes ao nível dos bairros [...] os grupos não são representativos e participam como disse na resolução de problemas e não dentro de um verdadeiro processo de gestão orçamentária participativa (Fala, Diretor Executivo do Fórum Provincial das Organizações da Sociedade Civil de Gaza – FONGA, 2012). Ainda nesta perspectiva, a implementação de práticas de participação pública efetivas conforme mencionado na fala do Oficial de Programas do Fórum Provincial das Organizações da Sociedade Civil de Gaza (FONGA) deve se basear na confiança, no debate aberto e na integração dos diferentes atores da sociedade civil e do setor privado considerados relevantes para o processo de gestão do município. Esses elementos são essenciais para promover práticas de participação efetivas e, [...] para tornar os debates promovidos ao nível dos bairros mais proveitosos para ambos os atores públicos municipais, as comunidades e os cidadãos em geral [...] para que se tenham bons resultados nesses processos de integração 109 e articulação com os diferentes grupos de interesse da sociedade civil é importante melhorar a qualidade de informação dotando as comunidades locais de conhecimentos básicos sobre os principais processos que envolvem a gestão das políticas públicas que lhes afetam promovendo também o seu maior envolvimento na administração municipal tendo em consideração que é para atender a sociedade que o município existe (Fala, Oficial de Programas do Fórum Provincial das Organizações da Sociedade Civil de Gaza - FONGA, 2012). Por sua vez, relativamente às formas inovadoras de participação pública existentes no processo de gestão do Município de Xai-Xai destacam-se, por exemplo, as experiências constituídas pela criação de estruturas organizativas das comunidades em conselhos comunitários de participação pública. Mas, também a realização de reuniões periódicas (uma por ano) dirigidas pelo presidente do município em todos os bairros do município. Essas práticas de gestão participativa, [...] estão relacionadas com a implementação de processos de gestão participativa que buscam promover a adequação dos mecanismos da nossa gestão às abordagens da governação participativa dos tempos modernos [...] a participação não termina no nível técnico da organização vai até as pessoas que beneficiam dos serviços envolvendo também a criação de parcerias com o setor privado porque entendemos que estes devem ajudar a realizar a gestão de forma conjunta com o município. [...] A promoção da participação dos cidadãos na gestão do município passa pelos processos de definição de prioridades das nossas políticas de ação nos quais a auscultação sobre as necessidades das comunidades e preocupações da população jogam um papel importante principalmente porque pretendemos que as nossas ações representem as verdadeiras aspirações das comunidades (Fala, Presidente do Município de Xai-Xai, 2012). Pode-se observar que o enfoque da gestão participativa que se procura implementar na gestão do Município de Xai-Xai (por meio da consulta pública), indica que algumas mudanças nos mecanismos de participação pública estão sendo realizadas, com benefícios para a qualidade das políticas públicas desta municipalidade. Por exemplo, as novas práticas de participação criadas que envolvem a interação entre os agentes públicos e as comunidades locais dentro no contexto da auscultação das comunidades, à medida que são estabelecidos e assumidos como expressões de integração e colaboração entre os diferentes atores individuais ou coletivos, permitem que ocorra um aprendizado sobre os processos das políticas públicas enquanto arena de alianças, comprometimento e negociação de questões conflitantes e barganhas. Os atores iniciam o processo de interação sobre as ações governativas e da formação das políticas com uma visão micro (apenas sobre pequenos problemas das comunidades) e 110 uma agenda maximalista (demandando todas as necessidades básicas) e, paulatinamente, com o desenrolar do processo, aproximam-se de uma visão mais compreensiva das prioridades para o município, a propósito dos problemas urbanos e das limitações governamentais existentes, passando a defender uma agenda mais realista. Neste sentido, significa que a formação das políticas públicas deixa de ser vista, apenas como um processo de agregação de preferências e passa a incorporar uma dimensão deliberativa, que envolve também a formação e a transformação das preferências, a construção do consenso e a explicitação do dissenso e da diferença. Mas, apesar da existência desses aspetos positivos persistem questões que limitam significativamente a participação pública, relacionadas, por exemplo, com o défice de participação dos cidadãos em todo o ciclo da formação das políticas públicas municipais e na respectiva orçamentação como mencionado anteriormente. Assim sendo, os aspetos críticos relacionados com os mecanismos de participação da sociedade no processo de gestão municipal, têm uma influência no caráter das formas de controle social que são promovidas no âmbito da gestão desta municipalidade. Isso contribui para a constituição de práticas que apresentam limitações originadas por (i) barreiras de natureza técnica que condicionam o tipo de informação sobre os processos de gestão municipal disponibilizada ao público e, (ii) barreiras de natureza estrutural que afetam os mecanismos de controle social da gestão no Município de Xai-Xai. O Quadro 10.1 apresenta as barreiras que limitam o processo de controle social nesta municipalidade. Quadro 10.1: Limitações ao processo de controle social no Município de Xai-Xai Caraterização das Limitações do Processo de Controle Social Barreiras de Natureza Técnica Barreiras de Natureza Estrutural Elevado domínio técnico dos processos de planejamento e de gestão orçamentária por parte dos agentes públicos em relação aos cidadãos. Caráter consultivo e propositivo dos CCL, sem poder e capacidade fiscalizadora sobre as ações e atividades do executivo municipal. Fraca cultura de participação e de controle social no contexto do funcionamento da administração municipal. Falta de uma definição clara sobre as responsabilidades dos CCL no processo de tomada de decisão no contexto da auscultação das comunidades. Baixo nível de preparação e instrução formal dos membros que compõem os órgãos dos CCL. Reuniões para a prestação de contas envolvem maioritariamente cidadãos com capacidade reduzida influenciar os debates da auscultação das comissões de trabalho da Assembleia Municipal. Relatórios e Atas das auscultações realizadas às comunidades elaboradas e conhecidas exclusivamente pelos funcionários do município. Inexistência de legislação que obriga os agentes públicos a prestar informação sobre os diversos processos de gestão pública ao nível do município. 111 Fonte: Elaboração do Autor com base nos dados coletados nas entrevistas da pesquisa. De acordo com a fala do Oficial de Programas do Fórum Provincial das Organizações da Sociedade Civil de Gaza (FONGA), as limitações técnicas condicionam o controle social, pois, [...] existe uma grande diferença de conhecimento e de domínio técnico sobre os assuntos de gestão entre os funcionários do município e os membros dos fóruns de consulta utilizados no processo de auscultação pública, sendo que não possuem capacidade técnica para intervir com qualidade acerca dos processos complexos de planificação e orçamentação e, estabelecimento de indicadores de avaliação o que torna a sua presença nesses conselhos mais voltada para a legitimação das ações governativas uma vez que não demonstram uma ampla participação dos munícipes [...] comprometendo a qualidade da transparência dos dispositivos institucionais utilizados e a gestão em si, ao mesmo tempo em que afeta abertura de espaço para a construção do interesse coletivo ao nível da gestão do município. Argumenta-se ainda que, [...] a comunicação entre o município e o seu exterior é tênue e quase inexistente que se traduz no reduzido espaço para a criação de um diálogo profundo com a sociedade [...] quando o Presidente do Município realiza as visitas de trabalho aos bairros, não vai com humildade esclarecer aos cidadãos sobre as soluções existentes para os problemas do município, apenas escuta as preocupações das comunidades e a resolução dessas preocupações é feita exclusivamente pelos gestores municipais que possuem poder de decisão na gestão sem contemplar o envolvimento dos munícipes, quem decide de fato são os dirigentes do município e não as comunidades (Fala, Diretor Executivo do Fórum Provincial das Organizações da Sociedade Civil de Gaza – FONGA, 2012). Na perspectiva da sociedade civil o controle social no município é muitas vezes condicionado por esses fatores técnicos e pela situação precária de prestação de contas que envolvem a fraca cultura de participação pública dos cidadãos. Nas entrevistas deste estudo, vários administradores públicos argumentaram que, [...] existe um esforço para integrar todos os munícipes nas ações governativas os fóruns de consulta comunitária utilizados para dar informação sobre o que está a ser feito pelo conselho municipal, espelham essa visão, o problema é que a sua contribuição para a gestão municipal é fraca [...] os membros destes órgãos só escutam e não apresentam ideias para os processos de gestão deixando tudo o resto ao critério de decisão do conselho municipal (Fala, da Vereadora da Área de Administração e Finanças do Município de Xai-Xai, 2012). 112 No entanto, segundo a fala do Oficial de Programas do Fórum Provincial das Organizações da Sociedade Civil de Gaza (FONGA), as barreiras à prestação de contas [...] são agravadas, por um lado, pelo baixo nível de instrução formal e de informação dos membros dos conselhos consultivos formados nos bairros e postos administrativos [...] o que torna o processo de participação unidirecional e a comunicação nesses órgãos flui em um único sentido, dos agentes públicos para os cidadãos. Por outro, [...] as atas e os relatórios dessas auscultações são elaborados e conhecidos apenas pelos técnicos que são funcionários do município [...] o mecanismo de participação por meio dos CCL funciona como mera formalidade dentro da ação governativa e política e, na realidade o processo de gestão pública é exercido dentro dos objetivos da administração em si e, não da maior concretização da participação efetiva que favorece a estreita prestação de contas. Como afirmaram os representantes da sociedade civil [...] os cidadãos são vítimas dos processos e não parte deles entregam-se a eles processos que ignoram totalmente o fundamento dos mesmos [...]. Em outra abordagem o Chefe da Bancada da FRELIMO na Assembleia Municipal no Município de Xai-Xai explicou que, [...] o défice de participação dos munícipes nos processos deliberativos da Assembleia Municipal mostra a necessidade de se trabalhar para elevar a ligação entre os órgãos municipais com os munícipes, fornecendo mais informações sobre o que acontece dentro da instituição, de modo a reduzir o problema da fraca participação. [...] Devido a esses problemas muitas vezes as decisões são deixadas para que sejam tomadas pelo executivo municipal enquanto deveriam ser tomadas de forma participativa. No entanto, segundo este entrevistado [...] temos também lacunas em processos de auscultação pública, devemos envolver mais a sociedade civil organizada que atualmente pouco ou quase nunca interage com os órgãos municipais como, por exemplo, os grupos sociais, empresários, professores, entre outros [...]. A compreensão que se tem dos problemas práticos relacionados com as lacunas mencionadas no processo de interação com os membros do legislativo, é a de que elas são resultado da fragilidade dos próprios mecanismos utilizados no caso concreto as Comissões de Trabalho da Assembleia Municipal19. Por exemplo, as reuniões promovidas por essas comissões contam em sua maioria com a participação de cidadãos a título individual e muitas vezes com um número reduzido de participantes que representam as organizações civis formais (entidades patronais e de trabalhadores, de movimentos sociais, instituições 19 Implantadas com o objetivo de aproximar os órgãos de representação dos munícipes (Assembleia Municipal) às comunidades e de fazer o acompanhamento das ações governativas do executivo municipal, desempenham as suas funções de acordo com os setores de atividades do município, constituindo-se, assim em áreas temáticas cujas competências se circunscrevem na supervisão de todo o processo e, especialmente, pelo monitoramento e avaliação da implementação institucional das várias ações contidas nos planos e projetos municipais. 113 acadêmicas, órgãos públicos e organizações não governamentais), que possuem maior força para influenciar os assuntos discutidos por essas comissões. Apesar de a iniciativa de organização dessas reuniões ser positiva e os assuntos debatidos nesses encontros (muitas vezes para auscultação) serem relevantes para a população do município, as propostas de resolução dos problemas levantados não se tornam eficazes para servirem de subsídios às atividades desenvolvidas no município. Elas resultam apenas na percepção de que a participação pública confere legitimidade às ações dos órgãos municipais. Contudo, a integração de grupos de interesses formais pode proporcionar maior interação dos membros da Assembleia Municipal com uma multiplicidade de atores coletivos, altamente interessados nas questões em discussão e portadores de diferentes orientações políticas e ideológicas em relação a essas questões. Outro aspecto diversas vezes mencionado pelos representantes das organizações da sociedade civil e do setor privado entrevistados nesta pesquisa está relacionado com as limitações impostas pelas barreiras de natureza estrutural e envolve os mecanismos de controle social exercido nos conselhos de consulta comunitária (CCL). Os CCL existentes ao nível do Município de Xai-Xai são no geral, consultivos e propositivos, aliás, como a própria designação já faz referência. Pode-se dizer, que apenas em alguns casos dispõem de “poder e capacidade” fiscalizadora em relação às políticas previamente definidas pelo executivo municipal para cada setor. Esses órgãos exercem uma relativa pressão sobre algumas ações e projetos do município cuja definição ou formulação contaram com a sua participação e envolvimento, mas isso acontece frequentemente apenas com os projetos relacionados com o Programa Estratégico para a Redução da Pobreza Urbana20 (PERPU), voltado para o financiamento das iniciativas empreendedoras dos munícipes. Portanto, atualmente, eles não possuem, em sua maioria, caráter deliberativo e fiscalizador sobre a implementação das políticas públicas uma vez que funcionam como mecanismo de liberação de verbas e, não se encontram integrados em todo o ciclo de planejamento desta municipalidade. 20 O Programa Estratégico para a Redução da Pobreza Urbana (PERPU), é uma iniciativa do governo central que se destina a implementação de ações que conduzem à melhoria das condições de vida da população pobre, através do aumento do emprego e do fortalecimento da proteção social nos municípios do país. Esse programa está voltado para atingir vários objetivos a saber: Melhorar a educação de base, das competências técnicas e da formação em gestão; Criar ou incentivar associações de produtores em sectores, por exemplo, agricultores da cintura verde das cidades; vendedores de produtos do mar; confecção de vestuário entre outras; Facilitar o crédito a estas iniciativas, das famílias mais pobres, as associações destes produtores e a operações de comercialização dos seus produtos; Promover as pequenas e médias empresas nos sectores onde não exista uma saturação no mercado. A definição das prioridades do financiamento dos projetos no âmbito do PERPU é feita pelos CCL que analisam e avaliam juntamente com os órgão municipais a atribuição dos montantes correspondentes aos projetos solicitados pelos munícipes. 114 Ainda nesta perspectiva, segundo a sociedade civil o controle social sobre a gestão municipal se torna limitado dado que a conjuntura que norteia o processo de participação, isto é, as estruturas e as práticas de gestão pública adotadas no geral, não são completamente adequadas para garantir a constituição de um modelo de prestação de contas ao público mais eficaz. Desse modo, [...] os níveis e a qualidade da participação pública promovida são baixos, uma vez que no contexto atual não é fácil dizer com a devida clareza o que existe no município, por exemplo, em termos de finanças municipais, o que existe em termos de programas, o que existe em termos de performance, o que restringe a capacidade do exercício de controle social sobre a ação governativa. Esses fatores influenciam sobremaneira o modo de prestação de contas ao público, porque [...] a comunicação torna-se deficiente dado que os agentes públicos não se sentem obrigados a fornecer informação sobre os diversos processos de gestão municipal (Fala, Diretor Executivo do Fórum Provincial das Organizações d Sociedade Civil de Gaza, 2012). Nisto, como afirmou este representante das organizações da sociedade civil à questão principal da fraca participação no Município de Xai-Xai está diretamente relacionada com [...] a ausência de um quadro legal21 que obriga os agentes públicos a fornecerem informações sobre os processos de gestão do município e que não acontecendo, responsabilize os indivíduos que se recusarem a fazê-lo [...]. Para alguns administradores públicos entrevistados nesta pesquisa, [...] o processo de participação torna-se deficiente, pois dentro dos fóruns de consulta comunitária entende-se que a responsabilidade da gestão pública no Município de Xai-Xai cabe aos órgãos executivos municipais, o que faz com que os processos de tomada de decisão nesses órgãos sejam dominados apenas pelos agentes públicos (Fala, Diretor Executivo do Fórum Provincial das Organizações d Sociedade Civil de Gaza, 2012). Essas considerações sugerem que a sociedade civil e o setor privado compreendem que o processo de prestação de contas é usualmente controlado e manipulado de tal forma que acaba limitando a capacidade dos cidadãos conhecerem e dominarem os processos de gestão do município. A participação efetiva no município deve encarar os cidadãos como principais fazedores das políticas públicas deixando-os próximo das estruturas e processos administrativos e da definição dos problemas. 21 O acesso público à informação das instituições do Estado está previsto na Lei de Imprensa, que consagra a faculdade aos cidadãos de se informarem sobre diversos assuntos de nível nacional e internacional. Porém o direito à informação ainda não está regulamentado, o que restringe a possibilidade de garantir a sua materialização do ponto de vista do acesso efetivo à informação sem restrições, reduz dessa maneira, a transparência da gestão das instituições públicas e a eficácia do processo de prestação de contas. 115 Para o efeito, compreende-se que os administradores públicos devem constituir o elo entre as estruturas e os problemas, dando dessa forma oportunidade para os cidadãos influenciarem os processos e os resultados. No contexto da participação efetiva existe assim a mútua influência entre os atores públicos e privados e as estruturas e processos administrativos da gestão pública. Deste modo, para uma gestão pública efetivamente participativa e autêntica é importante que mudanças sejam realizadas, quer nas estruturas e processos administrativos, ao nível dos cidadãos (sociedade) e dos administradores públicos. Estas devem incidir na forma como as relações são estabelecidas, nas relações de poder entre os cidadãos e a administração pública (KING; FELTEY; SUSEL, 1998, p. 223). Esse processo deve levar em conta três abordagens: a primeira refere-se ao empodeiramento e educação dos membros das comunidades para lidar com processos de gestão pública. Isso significa desenhar processos de participação nos quais os cidadãos percebam que o seu envolvimento tem grande potencial para produzir impacto, onde a maior parte dos cidadãos é representada e os resultados são visíveis. A segunda abordagem diz respeito à alteração do status quo dos agentes públicos e, implica na mudança na sua forma de relacionamento com os cidadãos. Isto é, reduzindo a sua expertise administrativa que tem dominado todo o processo de comunicação e de interação com a sociedade, para uma situação de interação cooperativa e interdependente (KENIS; SCHNEIDER, 1991) fundamentada na humildade e troca de informações suficientes, que facilitem o controle social sobre as ações governamentais. Nesta perspectiva, é importante que este processo decorra com capacidades mínimas equivalentes disponíveis (CUNILL GRAU, 2000) entre as autoridades municipais e os múltiplos atores da sociedade, de modo a exercerem uma ação de contrabalanceamento que permita lidar com a prestação de contas e facilitar o monitoramento das políticas públicas municipais. Finalmente, as estruturas e os processos administrativos associados à participação púbica e o controle social necessitam de mudanças na forma como o município interage e se relaciona com os cidadãos. A questão central envolve a aplicação de procedimentos que permitam o maior envolvimento dos cidadãos desde o início e não apenas no final dos processos de tomada de decisão e formação das políticas públicas. Os cidadãos devem possuir condições e instrumentos para monitorar o desempenho dos órgãos públicos (PREZTROWKI, 1996), como forma de efetivar o controle social sob pena de se tornar ineficaz e apenas simbólico. 116 A governança interativa que promove efetivos processos de participação pública e controle social exige a utilização de padrões de relações que reforçam o papel da sociedade não apenas pelo seu controle sobre as ações das organizações públicas, mas também pela sua própria ação estratégica e decisória dentro do espaço público que se constitui. A ideia central é a criação de consciência de uma participação autêntica (STOKER, 1998), que move os administradores públicos da sua posição tradicional fundamentada na técnica e expertise para modelos ou arranjos administrativos que envolvem processos de tomada de decisão e gestão de políticas públicas mais participativas. 4.4.2 As Articulações Externas e Parcerias Município-Sociedade A descentralização administrativa e a consequente criação dos municípios no final da década de 1990 trouxeram consigo grandes desafios para a gestão pública local que estão relacionados com a constituição de novos relacionamentos entre os organismos públicos e a sociedade. Esses desafios surgiram também como resultado das novas concepções e valores sobre a cidadania e a participação social nos processos de gestão das políticas públicas que passaram a dominar a sociedade moçambicana. Desse modo, práticas de gestão pública que consideram a criação de relações horizontais e de cooperação interorganizacional passaram a ser apresentadas como fundamentais com a aprovação e implementação nos últimos tempos da Estratégia Global de Reforma do Setor Público (EGRSP). O entendimento principal é o de que os novos relacionamentos gerados por essas articulações permitem maior participação de grupos organizados da sociedade na formação, implementação e fiscalização das políticas públicas. De acordo com a EGRSP (2006-2011) implementada em Moçambique pretende-se que “a reforma da administração pública influencie e incentive a criação de mecanismos de articulação, participação e desburocratização que promovem a integração de novos atores da sociedade no processo de gestão pública moçambicana” (CIRESP, 2006, p. 19). Neste sentido, argumenta-se a propósito da importância de se introduzir mudanças de modo a alterar a dinâmica estabelecida nos velhos processos de gestão pública baseados nas hierarquias, para a criação de uma nova ordem que se fundamenta na existência de “teias de relações” que agregam práticas de gestão baseadas nas parcerias e redes de políticas (CIRESP, 2006. p. 2023). 117 Nesta ocasião importa questionar como se constituem as parcerias entre o Município de Xai-Xai, a sociedade civil e o setor privado e, como elas se materializam nesta municipalidade? No estudo se constatou que têm surgido práticas inovadoras na gestão pública municipal, cuja adoção está relacionada com a necessidade de integrar os atores privados e da sociedade civil no processo de implementação das políticas públicas. Essas práticas de gestão pública envolvem a criação de redes e parcerias público-privadas (PPP) dentro da gestão do Município de Xai-Xai. Entretanto, essas práticas são recentes e não estão ainda consolidadas devido a fatores como: (i) existência do município há apenas treze anos22; (ii) falta de capacidade e de preparação técnica para lidar com processos de gestão desta natureza e; (iii) a inexistência de legislação específica que enquadrasse e orientasse com clareza esse tipo de processos de gestão no contexto moçambicano. Relativamente ao último aspecto, importa ressaltar que o cenário de vazio legal foi alterado com a aprovação da Lei nº 15/2011 de 10 de Agosto, que estabelece as normas para a constituição de relações entre as entidades do setor público e o privado. Desse modo, as PPP são encaradas como uma forma de articulação entre o setor público e os atores privados que visa garantir a provisão eficiente, qualitativa e quantitativa de serviços. Com a adoção de práticas que envolvem o estabelecimento das PPP a gestão pública é assumida como um processo que envolve também a formação de políticas públicas a partir de uma realização coletiva que integra diferentes grupos de interesse numa perspectiva de múltiplos e diferentes atores. De acordo com as falas dos vários atores, administradores públicos, membros do legislativo, representantes da sociedade civil e do setor privado entrevistados neste estudo se constatou que os objetivos relacionados com a criação de articulações entre os órgãos municipais, o setor privado e a sociedade em geral se operacionalizam a partir de três vertentes principais. A primeira tem representado uma forma de participação dos atores privados no oferecimento de serviços ao público e é concernente à atração de investimentos do setor privado no âmbito do processo de desenvolvimento do município, principalmente 22 A municipalização em Moçambique foi instituída em 1997, quando o chamado Estado centralizador, abriu mão de parte de suas funções e competências para que se criasse uma nova esfera de governo – as Autarquias Locais, que são pessoas coletivas públicas territoriais que visam a prossecução de interesses próprios das populações, dispondo para o efeito de órgãos representativos eleitos e da liberdade de administração das respectivas coletividades. Elas surgem com a institucionalização do processo de descentralização democrática que obedece ao princípio do gradualismo na criação das autarquias locais no país. As primeiras eleições autárquicas no país ocorreram em 33 cidades e vilas. Em 2008 realizaram-se as terceiras eleições que tiveram lugar em 43 cidades e vilas. 118 para as áreas de comércio e serviços. A segunda refere-se à criação e estabelecimento de estruturas de gestão representadas pelas práticas de contratação pública que permitem o envolvimento e a influência dos grupos de interesse privado na gestão das políticas públicas do município, sobretudo nas áreas de gestão de resíduos sólidos e de gestão de parques e jardins. A terceira refere-se à formação de redes que atuam na área de assistência social. Importa mencionar que embora tenha sido aprovada recentemente legislação sobre as PPP em Moçambique, a utilização de mecanismos de parcerias entre o Município e o setor privado no processo de gestão municipal esteve alicerçada basicamente na legislação referente aos contratos públicos e regulamentos específicos para cada tipo de iniciativas eram estabelecidas anteriormente. O Quadro 11 representa o conjunto de iniciativas implementadas no contexto das articulações município e o setor privado. Quadro 11: Práticas de articulação município-sociedade Práticas de Articulação na Gestão Municipal Contratação Pública para Melhoria de Serviços Atração de Investidores Privados Criação de Redes para Implementação de Políticas Municipais Projetos que Representam a Cooperação com o Setor Privado e as Organizações da Sociedade Civil na implementação de Politicas Públicas do Município Implementação do projeto de melhoria do transporte público realizado com a empresa pública TPM-Delegação de Xai-Xai. Implementação do projeto de melhoria e de expansão da rede de distribuição de água realizado com a empresa FIPAG. Implantação de cinco (5) projetos da área comercial relacionados com a construção de infraestruturas para abertura de novos empreendimentos econômicos no município. Institucionalização das redes de políticas da área de transportes ao nível do município que atuam no processo de fiscalização e regulamentação do setor. Implementação do projeto de gestão de resíduos sólidos e saneamento do meio através da construção de infraestruturas nos mercados e escolas do município. Institucionalização das redes de solidariedade e de assistência social no âmbito da melhoria dos serviços de saúde Implantação do projeto de expansão da rede de fornecimento de energia elétrica para cobertura de mais bairros no município realizado com a empresa EDM. Implementação do projeto de gestão privada dos parques e jardins do município, Implementação do projeto da área de energia relacionado com a construção de um posto de combustível ao nível do município. Institucionalização das redes de solidariedade e de assistência social (para pessoas desabrigadas) e da prestação de serviços de saúde (para pessoas afetadas pelo HIV/AIDS) às comunidades, realizados com organizações não governamentais nacionais e internacionais que atuam no município. Fonte: Elaboração do Autor com base nos dados coletados nas entrevistas da pesquisa. Observa-se no quadro acima que na gestão do Município de Xai-Xai o processo de articulação município-sociedade tendo em vista o envolvimento dos diferentes atores privados 119 na gestão local, tem privilegiado como práticas principais a criação de parcerias com o setor privado como forma de atração de investidores privados para a criação de mais serviços ao nível do município e a contratação pública para a implementação de projetos de desenvolvimento municipal. De acordo com a fala da Presidente do Município de Xai-Xai a utilização desses mecanismos de articulação externa representa um novo enfoque no processo de gestão e, visa responder os desafios que se impõem atualmente nesta municipalidade que têm permitido, [...] a realização de parcerias para a concretização de sete projetos diferentes constituídos a partir da cooperação e um forte envolvimento entre o setor privado e o município nas áreas de comércio (5), tratamento de resíduos sólidos e saneamento (1) e energia (1) todos desenvolvidos durante os últimos três anos [...]. Para o setor privado o processo de articulação entre as entidades municipais e o empresariado local tem conhecido nos últimos tempos um grande crescimento com o estabelecimento de várias parcerias em que se destacam as voltadas para os programas de desenvolvimento de infraestruturas nos setores de educação e saúde (construção de escolas e hospitais). Neste contexto, segundo a fala do Presidente do Conselho Empresarial Provincial de Gaza (CEP) ao nível municipal, [...] o cenário atual de cooperação entre as entidades governativas do município e o setor privado mostra uma grande melhoria e a prova disso é a interação baseada na aproximação e o acesso do empresariado ao diálogo com o governo para a discussão das questões pertinentes que afetam as atividades desenvolvidas pelos empresários. [...] Esse tipo de articulações se tornaram mais frequentes, sobretudo nas relações constituídas com as esferas dos governos central e provincial [...]. Menciona ainda que [...] depois da abertura iniciada pelo governo com a implementação da reforma do setor público, nós começamos a ver algumas mudanças importantes [...] foram criadas várias parcerias na área de infraestruturas (estradas) com o Município de Xai-Xai e nesse contexto o setor privado conduziu, por exemplo, a construção da estrada que parte da Praça da Juventude até ao Hospital Provincial de Xai-Xai [...]. Os exemplos relacionados com os mecanismos de articulação externa que têm sido implementados no processo de gestão do Município de Xai-Xai mencionados pelos administradores públicos e o representante do setor privado entrevistados nesta pesquisa, mostram a existência de alguns avanços na utilização das práticas de cooperação interorganizacional e parcerias na gestão pública local. Porém, o caráter das articulações existentes e os padrões de interação estabelecidos não estão ainda ajustados à dinâmica de 120 uma cooperação que facilite o surgimento de redes e parcerias público-privadas efetivas, no sentido de que representem arranjos institucionais conduzidos por processos de gestão devidamente estruturados e organizados. Conforme se constatou no estudo, isso se deve a fatores como (i) a existência de um empresariado local emergente; (ii) a ainda reduzida capacidade técnica do Município de XaiXai em lidar com esse tipo de mecanismos de gestão e; (iii) a natureza recente na implementação da parcerias existentes. Por exemplo, o organismo que coordena o setor privado (associações e grupos empresariais locais) e articula com os Governos Provincial e Municipal no processo de influência das políticas públicas nas áreas econômicas e de desenvolvimento, se estabeleceu ao nível deste município em 2007. Por sua vez, algumas práticas de articulação, sobretudo as relacionadas com a criação de parcerias do tipo contratual se tornaram predominantes apenas a partir do ano de 2009 em determinadas áreas como o comércio e transportes públicos não obstante, o recurso ao modelo de concessões (por exemplo, de infraestruturas no setor de educação) já fosse utilizado desde a institucionalização da municipalização nos finais da década de 1990. Nesses termos, segundo a fala do Vereador da Área dos Serviços Urbanos do Município de Xai-Xai, [...] o município está a trabalhar no sentido de criação de parcerias públicoprivadas que possam promover ganhos elevados para ambas às partes [...] elas existem atualmente ainda que de forma inicial não forte, mas nós sentimos que isso já está a acontecer [...] precisamos constituir bases mais sólidas de articulação com o setor privado que se tornem impulsionadoras do desenvolvimento municipal e para isso é preciso constituir estruturas que possam ajudar tanto o município como o setor privado a aproveitarem as possibilidades das parcerias [...]. Na mesma abordagem sobre a necessidade do aperfeiçoamento do caráter e tipo de parcerias existentes na gestão municipal, a Presidente do Município de Xai-Xai afirmou que, [...] a criação de parcerias dentro do município é ainda muito reduzida, mas temos alguns exemplos de parcerias com algumas organizações locais, como o caso da empresa representada pelo Fundo do Investimento do Patrimônio de Água (FIPAG) que juntamente com o município têm estado a desenvolver projetos de expansão da rede de fornecimento de água a todos os bairros do município e, o outro exemplo é o projeto de parceria para a eletrificação do município realizado com a empesa Eletricidade de Moçambique (EDM), são parcerias muito boas e têm estado a ajudar a melhorar os problemas que existem nas áreas que estão sendo implementadas, mas temos muito trabalho ainda a fazer temos que partilhar mais experiências com o setor privado e aprimorar os processos de cooperação [...]. 121 De salientar que, apesar de as práticas de articulação externa na gestão do Município de Xai-Xai se concentram na constituição de parcerias nos setores de água, energia, comércio e serviços como mostra o quadro acima existe, também, uma tendência para a criação de mecanismos de cooperação com algumas organizações da sociedade civil. Essas interações estão voltadas, por um lado, para os processos de regulamentação de atividades e definição de políticas públicas em que se destaca a articulação com a Associação Provincial dos Transportadores de Gaza (ASTROGAZA). A parceria criada com esta organização tem como objetivo principal a melhoria da prestação de serviços de transporte semicoletivo, controle e fiscalização das atividades desenvolvidas no setor de transportes dentro do Município de XaiXai. Por outro lado, há a destacar as experiências relacionadas com as práticas de organização do trabalho em rede, especificamente – as redes de solidariedade e redes de sistemas locais de saúde23 – que trabalham ao nível das comunidades dentro do território municipal. Elas são constituídas por organizações da sociedade civil da área social e da saúde que buscam o apoiar os grupos de indivíduos desfavorecidos e carenciados que necessitam de ajuda do governo municipal para lidar com os problemas que os afetam. A existência de um reduzido número de práticas de articulação e criação de redes com as organizações da sociedade civil no processo de gestão do Município de Xai-Xai sugere que existem ainda grandes desafios para o aperfeiçoamento e multiplicação desse tipo de iniciativas. Para tal, é importante que esses arranjos institucionais formados pelas redes de cooperação organizacional sejam vistos como instrumentos de gestão de políticas públicas e de prestação de serviços através dos quais os processos de gestão municipal (voltados apenas para o seu interior) se transformam, passando a se basear em práticas de agregação e combinação entre entidades públicas, atores da sociedade civil e privados (cooperação externa), como forma de unir sinergias e maximizar os recursos existentes para beneficiar o melhoramento dos objetivos organizacionais. Portanto, elas devem ser encaradas como sendo, muito mais que a aplicação de simples técnicas administrativas (HODGE; GREVE, 2009, p. 34) no processo de gestão municipal, mas como alternativas a prestação de serviços eficazes e com maior qualidade para os munícipes. 23 Essas redes de articulação entre os organismos municipais e a sociedade incluem ONG’s nacionais e internacionais do setor de saúde, que atuam principalmente no contexto do apoio e assistência social às famílias carenciadas e aos grupos de indivíduos afetados pela doença da HIV/AIDS, que em conjunto com o município implementam projetos em diversos bairros do Município de Xai-Xai tendo em vista providenciar tratamento e assistência gratuitas para esses grupos de necessitados. 122 As formas híbridas de gestão representadas pela criação de redes e parcerias podem proporcionar ao município a economia de recursos e a eficiência das ações governativas (por exemplo, para as áreas de saneamento e estradas) com a diminuição ou partilha de gastos públicos, pois, permitem aos organismos públicos aceder a mais recursos financeiros (FIRMINO, 2011, p. 400), podendo realizar projetos de maior envergadura ou novos projetos com a liberação dos recursos que teriam que ser dispendidos, caso a parceria não fosse celebrada. Esta visão sobre a relevância das formas hibridas de gestão como mecanismo para gerar maior eficiência na aplicação de recursos é partilhada pelo representante do setor privado entrevistado neste estudo. Em sua fala, assinalou que, [...] é importante que o município procure estabelecer parcerias com o setor privado forma também de garantir a aplicação eficiente de recursos e de incentivo à criação de projetos conjuntos num futuro mais próximo e que envolvimento do empresariado local se torne uma rotina no contexto da gestão municipal, não estamos ainda satisfeitos com as ações de cooperação existentes é preciso que sejam criadas muito mais parcerias dentro da gestão municipal [...] a complexidade dos problemas de natureza sócio econômica que afetam o município exigem a massificação da cooperação entre o município e o setor privado e chamam a atenção para a necessidade de mudanças profundas nas formas de articulação de modo a se maximizar os recursos existentes [...] precisamos aprender todos setor privados e órgãos municipais a utilizar as parcerias como forma de melhor a nossa cidade e impulsionar o seu rápido desenvolvimento (Fala, Presidente do Conselho Empresarial Provincial de Gaza – CEP, 2012). Nesse contexto, compreende-se que reduzir o “aparente afastamento” entre o município, a sociedade civil e setor privado no processo de gestão do Município de Xai-Xai, através da criação de novos espaços de cooperação e de interação que beneficiem o processo de implementação das políticas públicas pode-se tornar mais proveitoso. Assim, para elevar o processo de articulação município-sociedade torna-se fundamental que o contexto atual da cooperação e parcerias supere as intenções de sua promoção sem, contudo, lograrem efetivamente um amplo envolvimento dos atores privados e da sociedade no processo de tomada de decisões das políticas públicas municipais. Não basta que no processo de gestão municipal se estabeleçam os seus objetivos e se cumpram as suas responsabilidades exclusivas torna-se necessário considerar, igualmente, que as ações setoriais são de per si incompletas (PETERS; PIERRE, 1998), devendo o município envolver-se com a ação e participação de outros atores na sua gestão. Esse processo deve representar a criação de parcerias que possam revelar o seu valor acrescentado para todas as 123 partes, mas também, possam proporcionar um elevado grau de disposição dos órgãos municipais como do setor privado para operarem por meio de mecanismos de articulação e interação onde se desenvolvem alternativas viáveis para a implementação das políticas públicas, por meio da partilha e de exploração dos recursos existentes. Importa, pois, que no âmbito da gestão do Município de Xai-Xai a utilização desses mecanismos de cooperação interorganizacional ganhe proeminência e se reflita no funcionamento efetivo de órgãos municipais, em práticas de articulação de redes e parcerias, em função das quais são estabelecidos projetos cooperativos mais concretos. Por exemplo, é preciso evoluir para novas formas de exploração dos serviços de transportes urbanos, da recolha e tratamento de resíduos sólidos e atividades de lazer a partir da constituição de contratos e concessões de gestão para o setor privado. Estes mecanismos de gestão pública podem surgir num primeiro momento como improváveis e incertos do que o modelo tradicional através do qual têm sido conduzidos os processos de gestão municipal, mas a criação de redes de políticas públicas sólidas e comprometidas com o alcance de melhores resultados na ação governativa local, pode se mostrar mais forte e mais efetiva no alcance dos objetivos da descentralização administrativa e a promoção do desenvolvimento local. Portanto, para assegurar a consistência do processo de articulação com o setor privado e as organizações da sociedade civil no Município de Xai-Xai, no sentido de que as práticas de cooperação sejam mais efetivas, sobretudo na formulação e implementação de políticas públicas através do envolvimento desses atores é preciso modificar e inovar na maioria das práticas de parcerias existentes no município, melhorar a situação atual de fragilidade do caráter das redes de cooperação e principalmente, introduzir profundas transformações na cultura interna que tem orientado o processo da gestão municipal. Enfim, é preciso constituir uma abordagem de gestão pública municipal que focalize processos de interação não apenas espontâneos como os que têm sido atualmente estabelecidos, mas que consideram e assumem a interdependência entre as entidades municipais e os atores privados como o diferencial fundamental no processo de relacionamento das redes a serem instituídas de modo que as políticas e as estratégias da gestão municipal sejam a consequência dessa interação. Argumenta-se que esta postura de criação de alianças mútuas pode ajudar a formar uma base de cooperação e coparticipação mais efetiva que beneficia o alcance de elevados resultados na resolução dos problemas e aspirações das comunidades locais dentro do município. 124 4.4.3 A Articulação e Coordenação Intergovernamentais O processo de descentralização política e administrativa (que resultou na criação dos municípios) ocorrido nos últimos treze anos em Moçambique veio trazer novas influências na forma como as articulações dentro do setor público se constituem tendo em vista, a satisfação das demandas da sociedade nos diferentes níveis de governo. Foi durante esse período que se registrou um grande crescimento na provisão de serviços públicos e das demandas sociais ao nível dos municípios, mas esse crescimento trouxe novos problemas relacionados com o estabelecimento de novos tipos de relações intergovernamentais que se tornaram, por essa via, mais complexas e profundamente dinâmicas. Essas transformações nas articulações Estado-Município multiplicaram, por exemplo, as esferas de decisão sobre a implementação de políticas públicas e criaram, por um lado, uma nova coabitação entre agentes públicos e departamentos da esfera municipal e da esfera provincial nos diversos setores de atividade como na educação, saúde, meio ambiente, transportes, entre outros. Ampliaram também o espaço para a articulação e coordenação nos processos de execução de programas e políticas no contexto da governança interativa ao nível local. Portanto, essa nova abordagem de gestão fez emergir no campo da administração pública inter-relações (SMITH, 2010, p. 621) entre decisores políticos locais e representantes de interesses especiais localizados nos níveis central e provincial. Por outro, com a redistribuição das responsabilidades e a definição de novas atribuições entre as diferentes esferas governamentais, multiplicaram-se as visões sobre o enfrentamento dos problemas sociais que afetam as comunidades locais, tornando o processo de coordenação um dos instrumentos centrais no âmbito implementação das políticas públicas. Mas, essas mudanças criaram também novas relações de poder entre representantes das áreas locais (presidentes de municípios e vereadores municipais) e aqueles de fontes de poder externas, particularmente (ministros, governadores provinciais, diretores provinciais entre outros). Formou-se assim, uma nova organização territorial de poder e decisão que está relacionada com as influências dos atores nacionais sobre processos de gestão dos atores locais. 125 Nesses termos, o modelo de articulação intergovernamental existente em Moçambique baseado na partilha de recursos e competências comuns24 nas diversas áreas de política pública – saúde e assistência social; acesso à cultura e educação; preservação ao meio ambiente; fomento da produção agropecuária; construção de estradas; defesa e consolidação do domínio público e do patrimônio do Estado impõe que se questione como ocorrem as articulações e a coordenação intergovernamental no processo de gestão do Município de XaiXai? De que forma as relações entre as esferas de governo são estabelecidas para responder as demandas das comunidades locais nesta municipalidade? No estudo se constatou que as relações intergovernamentais entre o Município de XaiXai e o Estado (representado pelas esferas dos governos central e provincial) são constituídas por três dimensões, a saber: (i) o poder de decisão e a coordenação das políticas públicas dos setores comuns; (ii) as formas de partilha de recursos e; (iii) a natureza do modelo de descentralização. Por sua vez, essas dimensões incorporam três elementos principais que caracterizam o processo de coordenação intergovernamental existente, respectivamente: as restrições externas à ação governamental local; a descentralização fiscal e; o princípio do gradualismo na implementação da descentralização. Ambos são encarados pelo conjunto de administradores públicos entrevistados no estudo como “dilemas” da colaboração intergovernamental e, dada à complexidade dos vínculos que se formam na gestão intergovernamental eles tendem a constranger frequentemente as interações estabelecidas pelos diferentes níveis de governo. O Quadro 12 apresenta a síntese da dinâmica das articulações intergovernamentais existente. 24 O Decreto n° 11/2005 de 25 de Abril, estabelece os mecanismos da coordenação entre os órgãos locais do Estado (esfera provincial) e os órgãos municipais no que diz respeito aos planos, programas e projetos comuns no respetivo território. Determina, igualmente que estes podem estabelecer entre si, sem prejuízo das suas competências respectivas, formas de parceria para melhorar a prossecução do interesse público nomeadamente, no domínio da programação e coordenação da implementação das políticas setoriais nacionais e locais do desenvolvimento. 126 Quadro 12: Dinâmica das relações intergovernamentais entre o Município de Xai-Xai e o Estado Dimensões das Articulações Intergovernamentais Poder de Decisão e Coordenação das Políticas Públicas Elementos do Processo de Coordenação das Esferas de Governo Caraterização das Articulações Intergovernamentais Resistência para a adaptação às mudanças impostas pela criação da municipalização e adoção de novas formas cooperativas de planejamento e execução dos projetos e ações governativas de natureza comum às atribuições do município e dos diferentes setores de atividade do Estado ao nível provincial. Restrições à Ação Governamental Local Dificuldade para desenvolver e manter as práticas de coordenação criadas e o estabelecimento de mecanismos permanentes de compartilhamento dos processos de tomada de decisão sobre as políticas públicas locais. Deficiências no processo de harmonização e integração das várias iniciativas desenvolvidas em ambas as esferas, constituído muitas vezes sem a observância de padrões sólidos de coordenação intergovernamental. Constrangimentos relacionados com o processo de transferências fiscais entre o Estado (esfera central) e o município, caraterizado por um baixo volume de recursos em comparação com a contribuição do município para a arrecadação nacional. Formas de Partilha de Recursos Descentralização Fiscal Limitada capacidade de arrecadação fiscal e elevada dependência do município em relação aos fundos provenientes das transferências de recursos do Estado. Desequilíbrios na divisão das fontes de recursos FCA (Fundo de Compensação Autárquica) e o FIIA (Fundo de Investimento da Iniciativa Autárquica) entre o nível central e o município o que condiciona a capacidade de elevação dos recursos próprios e o processo de gestão municipal. Natureza do Modelo de Descentralização Princípio do Gradualismo da Descentralização Inexistência de uma política de desenvolvimento da descentralização local que incorpore as prioridades e as estratégias para a melhoria do processo de municipalização. Falta de clareza sobre o princípio de gradualismo da descentralização que orienta o processo de transferência de mais competências e funções para a gestão municipal e retardamento da implementação do Decreto n° 33/2006 de 30 de Agosto. Fonte: Elaboração do Autor com base nos dados coletados nas entrevistas da pesquisa. Como se observa no quadro acima, a primeira dimensão referente às articulações intergovernamentais tem a ver com a forma como a transferência de poder de gestão para as entidades municipais é encarada pelos atores públicos. Aqui a questão principal está relacionada com implantação da descentralização e as influências provocadas pela criação da municipalização na redução de poder e da influência da esfera do Governo Provincial sobre a implementação das políticas públicas ao nível local. A municipalização deu origem à constituição de uma nova maneira de planejar, executar e controlar a prestação de serviços ao nível local e, por isso, implicou na criação de novas formas de articulação entre as diferentes esferas de governo. No entanto, as mudanças 127 provocadas por esses novos processos de gestão têm acarretado resistência para se encarar os municípios como órgão detentores de autoridade própria e com objetivos voltados para a satisfação de interesses das comunidades locais a quem servem e representam, sobretudo ao nível das instituições do Estado do Governo Provincial. Portanto, o deslocamento e criação de novos centros de poder de decisão ainda que funcione como um meio para criar autonomia e democratizar a gestão pública através dos órgãos situados mais próximo dos problemas e demandas das comunidades locais, não tem permitido estimular a dinâmica da articulação intergovernamental, mediante a exploração efetiva dos canais de coordenação. A questão é que o contexto atual da gestão intergovernamental entre o Município de Xai-Xai e o Governo Provincial tem enfrentado dificuldades, sobretudo para harmonizar os processos de gestão (planejamento, execução e controle) limitando, desta feita, a ocorrência de práticas de articulação permanentes particularmente nas áreas programáticas ou de políticas públicas. A compatibilização do princípio da autonomia com o de interdependência como resultado da divisão de funções e poderes entre os níveis de governo, não tem funcionado muitas vezes para favorecer o desenvolvimento das ações municipais. Neste contexto, apesar de ter sido assinalada muitas vezes a importância da materialização de práticas de coordenação, conforme a fala da Presidente do Município de Xai-Xai ela não sido satisfatória. [...] A coordenação no processo de planejamento é um aspecto importante da nossa gestão pública no caso concreto do município e do governo provincial através dos seus diferentes setores [...] este mecanismo de articulação significa que as diferentes esferas governamentais devem coordenar e traçar em conjunto as prioridades das políticas públicas a serem implementadas, mas a realidade tem se revelado distante dessas aspirações e existem muitas falhas na implementação de projetos dentro da área municipal porque a coordenação não tem sido muito boa [...] pensamos que uma maior participação dos municípios em reuniões ou atividades que envolvem o planejamento do governo provincial possibilitaria reforçar os níveis e os mecanismos de cooperação entre os dois níveis governamentais. Na mesma perspectiva conforme a fala do Vereador da Área de Serviços Urbanos do Município de Xai-Xai, a articulação entre as esferas governamentais é assinalada pela existência de deficiências que têm se refletido no processo de gestão intergovernamental. Nisso, como explicou este administrador público, 128 [...] a relação entre os órgãos do município e do governo provincial pode ser considerada razoável, no entanto ela deveria se isentar dos conflitos de interesse em cada uma das esferas de governo [...] é fácil encontrar barreiras no processo de implementação das nossas ações municipais com as abordagens dos órgãos de nível provincial, sobretudo nos projetos da área de educação e nas ações comuns do setor de saúde e isso é resultado muitas vezes da deficiente coordenação e, existindo uma coordenação deficiente não pode haver uma cooperação é necessário que haja uma coordenação eficaz para que exista uma cooperação sem que sejam com tem acontecido apenas de caráter formal e no âmbito da coexistência dos dois níveis de governo [...]. A fragilidade dos mecanismos de articulação entre as esferas governamentais é afetada, por um lado, pela ausência de uma harmonização e integração das várias iniciativas desenvolvidas em ambas as esferas, o que leva muitas vezes que as políticas de desenvolvimento local e os demais instrumentos que orientam a ação governativa do país tomem direções quase opostas. Nesta perspectiva, segundo a fala do Vereador da Área de Agricultura e Transportes do Município de Xai-Xai, [...] o processo de coordenação das esferas governamentais é influenciado no geral pelo nível de desenvolvimento do próprio processo de descentralização [...] um aspecto a ter em consideração é o fato dos municípios possuírem apenas treze anos de existência [...] as relações entre estas esferas estão ainda muito longe de serem bem sucedidas e achamos que o motivo está ligado ao fato de a municipalização ser uma experiência nova e ambas as partes necessitam de melhorar muitos aspetos para permitir uma maior cooperação e interação para além da existente atualmente. Por outro, a cultura dominante de centralização das formas de gestão e os baixos níveis de interação das organizações públicas nas diferentes esferas governamentais revela uma fraqueza nos mecanismos de integração utilizados, apesar dos instrumentos legais estabelecerem algumas formas de articulação25 para os governos central e provincial e os municípios. [...] A grande questão que afeta negativamente a coordenação entre o município e os setores do governo provincial é que não há estruturas eficazes que impõem a coordenação de forma explicita e nas leis existem disposições muito abstratas que sugerem a coordenação, mas não estabelecem a obrigação para a articulação e a pergunta que fica é como é que se faz isso [...] a ideia de cooperação entre as diferentes esferas não é um assunto 25 O Decreto n° 11/2005 de 25 de Abril, expressa, por um lado, que os Órgãos Locais do Estado coordenam em conjunto com as Autarquias Locais os seus planos, programas, projetos e ações compreendidas no respetivo território, visando a realização harmoniosa das suas atribuições e competências. Por outro, define que com a finalidade de coordenar ações específicas e programas de dimensão territorial comum, poderão ser organizados encontros de coordenação entre o órgão executivo autárquico e o órgão local do Estado, em matéria de planejamento, cooperação e criação de parcerias. 129 amadurecido [...] temos que ter mecanismos mais claros dessa articulação e coordenação (Fala, Vereador da Área de Serviços Urbanos do Município de Xai-Xai, 2012). Estas considerações mostram que os mecanismos de colaboração intergovernamental previstos no Decreto n° 11/2005 de 25 de Abril (que define as formas de articulação entre os órgãos locais do Estado e os Municípios) não têm sido explorados para o estabelecimento de um processo de coordenação mais efetivo. As poucas práticas de coordenação que têm existido constituem-se numa base espontânea sem implicar, necessariamente, a observância permanente de padrões sólidos que orientem as articulações entre as esferas governamentais. Desse modo, compreende-se que a gestão intergovernamental necessita da adoção de um enfoque mais negociado em vez de uma abordagem que privilegia a auto-suficiência organizacional na qual o nível provincial decide, anuncia e defende suas atividades no contexto da implementação das políticas nos diferentes setores de atividade, muitas vezes sem se preocupar com a coordenação com o nível local (municípios) em que são implementadas. É fundamental que as esferas governamentais se dediquem a adoção de um processo de administração negociada (RADIN, 2010, p. 611) que incorpora novas concepções consultivas sem por em causa as atribuições de cada uma das esferas governamentais, que geram mediadas que são aceitáveis e vão em direção a fins produtivos para ambos os níveis de governo. Isso envolve a construção do consenso e o aperfeiçoamento das comunicações entre os níveis de governo como um modo de administrar o dilema provocado pelo surgimento dos novos centros de poder e tomada de decisão. Como se constatou no estudo, poucos incentivos à articulação intergovernamental têm sido estabelecidos. As práticas de coordenação intergovernamental entre o Município de XaiXai e o Governo Provincial, por um lado, mostram uma grande tendência de auto-suficiência organizacional entre os níveis de governo do que o estabelecimento de laços permanentes de coordenação entre eles. Por outro, as práticas de coordenação intergovernamentais constituídas possuem uma forte tendência de distanciamento entre os diferentes setores de atividade de ambas as esferas governamentais e de defesa da sua autonomia, sem considerarem que vários problemas têm soluções adequadas quando encarados de forma abrangente. Por esse motivo, a auto-suficiência referida tende a afetar diretamente (e de forma negativa) os resultados das políticas públicas locais. É fundamental, alterar a lógica segmentada das políticas públicas em razão da fraca coordenação existente e reforçar a colaboração organizacional, por exemplo, com a priorização de ações intersetoriais e programas transversais que incorporam parcerias entre a 130 esfera municipal e a provincial. Ainda nesta componente é crucial que se explorem efetivamente os mecanismos de coordenação previstos no Decreto n° 11/2005 de 25 de Abril, pois, a efetividade das políticas públicas depende muito do entrosamento entre os vários níveis de governo, dado que os entes locais executam as ações, mas precisam de colaboração horizontal e vertical para tais que ações sejam desempenhas com maior sucesso. A segunda dimensão que caracteriza o processo de articulação das esferas governamentais nacional, provincial e municipal está relacionada com as formas de partilha de recursos. A questão principal é que os mecanismos legais que orientam a descentralização fiscal26 são insuficientes para proporcionar os recursos financeiros demandados no processo de gestão municipal. O processo de descentralização significou uma relativa melhoria na gestão pública com o fortalecimento dos governos municipais, observando-se uma maior autonomia política, administrativa e financeira dos municípios em relação ao período de administração centralizadora. Porém, têm surgido vários constrangimentos no que concerne aos processos de transferência efetiva dos fundos do Estado e de arrecadação de receitas municipais tendo em vista a concretização do conjunto de atribuições e responsabilidades no domínio dos órgãos municipais. [...] Um dos grandes problemas existentes no contexto da gestão intergovernamental é a partilha de receitas fiscais arrecadadas pelo Estado dentro do território do município [...] o nosso município até possui grandes fontes de receitas, mas o grande volume arrecadado fica ao nível central e as transferências feitas pelo Estado através do FCA (Fundo de Compensação Autárquica) desde a criação desta municipalidade não tem correspondido aos limites impostos pelo sistema tributário autárquico [...] notamos que a redução das alíquotas percentuais sobre essas transferências fiscais não tem ajudado a manter um processo de compartilhamento de recursos que ajude o município a melhorar as suas finanças (Fala, Vereador da Área de Atividades Econômicas do Município de Xai-Xai, 2012). Nesta perspectiva, as grandes questões estão relacionadas com a forma através da qual são materializados os processos de transferências fiscais, isto é, o reduzido valor dos repasses de recursos do nível central quando comparadas com a participação do município na arrecadação de receitas nacionais. Por exemplo, entre os anos 2008 e 2009 não se registrou 26 A Lei n°1/2008 de 16 de Janeiro, estabelece o regime financeiro e patrimonial dos municípios e expressa os mecanismos de descentralização fiscal do Estado para os Municípios em Moçambique. 131 qualquer variação no volume das transferências do nível central27 por meio de fundos de participação do FCA, embora tenha se registrado um substancial aumento de 12% no montante de 2011 e 2012. Contudo, o volume de transferências intergovernamentais para o município não tem aumentado expressiva e proporcionadamente de acordo com o aumento equitativo a participação do município na receita nacional28. Os problemas relacionados com o processo de transferências fiscais são acompanhados pela insuficiência do sistema tributário, como referiram os administradores públicos entrevistados no estudo, [...] a descentralização fiscal ainda está longe de oferecer mecanismos de tributação que sejam complemente abrangentes às necessidades da gestão municipal e enquanto o nível central e o sistema de partilha de recursos não permitirem ou atribuírem novas fontes de receitas locais para além das existentes atualmente será impossível à criação de capacidade ao nível do município em termos de recursos próprios [...] o sistema tributário municipal tem revelado a fragilidade dos impostos municipais para se atingir níveis elevados de recursos pela via da tributação local [...] a última reforma tributária de 2008 introduziu mais duas fontes de receita para a cobrança municipal os impostos sobre veículos e transmissão de imóveis, mas à medida que o tempo passa vão crescendo as demandas das comunidades e os recursos arrecadados se tornam cada vez mais insuficientes (Fala, Vereadora da Área de Administração e Finanças do Município de Xai-Xai, 2012). O critério que orienta o processo de partilha de recursos fiscais entre esferas governamentais sofreu recentemente uma alteração que reduziu o volume de transferências intergovernamentais do Estado para os municípios restringindo, desse modo, os recursos à disposição do governo municipal. A questão é que com a aprovação da Lei n° 1/2008, de 16 de Fevereiro, o governo central reduziu os limites para as transferências fiscais29 estabelecidos anteriormente entre 1,5% e 3% das receitas fiscais, fixando apenas único limite de 1,5% como 27 As transferências orçamentais do governo central para o município em 2008 e 2009 foi de 14.778,52 Milhões de Meticais, tendo registrado um aumento em 2011 para 26.526,86 e de 30.539,71 Milhões de Meticais em 2012, de acordo com os dados dos planos e orçamentos do Estado dos anos referenciados. 28 Escasseiam estudos focalizados e aprofundados sobre as finanças autárquicas em Moçambique. Isso torna difícil a obtenção de dados sistematizados que permitam uma análise coerente e consistente sobre a matéria. Porém, em 2003, o Governo de Moçambique, no âmbito do Projeto de Desenvolvimento Municipal (componente de Reforma Legal e Institucional), realizou o primeiro e até agora o mais aprofundando estudo sobre a situação das autarquias nacionais. 29 Representam as transferências de recursos financeiros entre o governo central e as entidades públicas descentralizadas com vista à manutenção do equilíbrio dos encargos e rendas ou do equilíbrio orçamentário. O fundamento da criação desses fundos foi o reconhecimento da reduzida capacidade financeira dos municípios desde a sua criação, e a necessidade de garantir o repasse do nível central para cobrir essas insuficiências. O FCA – Fundo de Compensação Autárquica foi estabelecido para apoiar a capacidade dos municípios para financiar despesas correntes de seu funcionamento; o FIIA – Fundo de Investimento para Iniciativa Autárquica foi criado para investimentos locais e é uma transferência do Estado para o financiamento de projetos de investimento de iniciativa autárquica. 132 critério sobre a partilha de recursos entre as esferas governamentais. É importante frisar que esse limite constitui a base para a determinação do montante do FCA transferido do nível central para o município. A compreensão que se tem é que existe um grande desiquilíbrio na descentralização fiscal e autonomia financeira o que contribui para o enfraquecimento da capacidade governativa dos municípios. Em termos relativos, a divisão das fontes de recursos com base na arrecadação fiscal continua beneficiando a esfera central, uma vez que a política de acesso aos tributos restringe as possibilidades de arrecadação de maior volume de receitas por parte do município e a autonomização da gestão não tem contribuído para reduzir a subordinação financeira em relação aos níveis superiores de governo. Por exemplo, nota-se que no geral, o nível de transferências fiscais do Estado a favor dos municípios é bastante reduzido apenas 0,21%, em 2009 e 0,22% em 2010 sobre o PIB30, embora a participação das autarquias locais para o OE (Orçamento do Estado) seja correspondente a cerca de 85% da receita tributária global. Não obstante, o sistema tributário autárquico em Moçambique apresente uma concepção voltada para a maior capacitação dos municípios em termos de arrecadação de receitas próprias para satisfazerem as responsabilidades no âmbito das políticas públicas municipais, a tributação local é reduzida. Isto está relacionado com a limitada base económica/tributária local sendo, por essa razão, o Município de Xai-Xai ainda dependente das transferências fiscais concedidas pelo nível central através do FCA (Fundo de Compensação Autárquica) e FIIA (Fundo de Investimento de Iniciativa Autárquica), que correspondem ambos a 50% das necessidades de recursos desta municipalidade em 2012. As fontes para a arrecadação própria são insuficientes para proporcionar um nível elevado de recursos para a gestão municipal. O sistema tributário31 autárquico existente mostra-se limitado, dado que as receitas próprias do município cobrem apenas metade das despesas funcionais (cerca de 48% em 2011 e 50% em 2012 da cobertura total das despesas municipais), o que tem prejudicado a capacidade do Município de Xai-Xai de fazer frente às demandas das políticas públicas municipais. 30 Dados extraídos dos resultados apresentados na Conta Geral do Estado referente ao ano de 2010. O sistema tributário autárquico é constituído por sete fontes, nomeadamente: o imposto pessoal autárquico (IPA), o imposto predial autárquico (IPRA), o imposto autárquico de veículos (IAV), imposto autárquico de sisa, sobre as transmissões onerosas de imóveis (IAS), contribuição de melhorias, (CM), taxas por licenças concedidas e por atividade económica; e tarifas e taxas pela prestação de serviços. O conjunto de recursos financeiros autárquicos compreende o produto destes tributos, as transferências fiscais do Estado e outras receitas que provenham de empréstimos ou doações. O Código Tributário Autárquico aprovado pelo Decreto nº 63/2008, de 30 de Dezembro, operacionaliza as principais fontes de receitas tributarias municipais. 31 133 Conforme assinalaram vários administradores públicos entrevistados no estudo, a reduzida capacidade de arrecadação de receitas municipais e a grande dependência em relação ao FCA têm uma significativa influência nas relações intergovernamentais constituídas entre o município e o Estado, pois, afetam a autonomia das finanças locais. Com a municipalização constituíram-se vários encargos e reponsabilidades para os governos municipais, no entanto, a implementação dos programas e projetos no contexto da gestão municipal tem sido profundamente condicionada pela frágil base econômica, ao lado da ineficiência administrativa e da insuficiência de meios para garantir a sua autonomia financeira32. Nesta perspectiva, os recursos próprios do município são destinados muitas vezes para o financiamento das atividades de caráter rotineiro da administração local e possuem um reduzido impacto sobre as políticas públicas locais, como mencionado anteriormente e, por essa razão, a autonomia no seu funcionamento com vistas a realizar suas próprias políticas sem contar com o apoio do nível central é mínima. Por sua vez, a última dimensão sobre a dinâmica das relações intergovernamentais está relacionada com os constrangimentos derivados da operacionalização efetiva do processo de reforma do Estado e a ausência de uma estratégia de desenvolvimento da descentralização local. A questão principal é que o princípio do gradualismo33 adotado para a implementação da descentralização político-administrativa tem contribuído para o retardamento do processo de transferência de mais funções e competências para a responsabilidade da gestão municipal, sobretudo nas áreas de saúde e educação e turismo que são detentoras de maiores volumes de recursos. Eu entendo que à medida que o retardamento da transferência de funções vai se mantendo a descentralização no setor de educação, por exemplo, tende a ser fictícia o que é comprovado pela centralização institucional que caracteriza as ações que são realizadas pela Direção Provincial de Educação e Cultura no próprio território do município [...] apesar de uma relativa articulação, sobretudo nos períodos de realização de exames nacionais, a permanência da centralização limita o desenvolvimento das políticas públicas municipais neste setor [...] o grande problema é que essa centralização não permite o acesso do município aos recursos existentes nas 32 A autonomia financeira do município é limitada pela natureza própria do poder regulamentar conferido pela Constituição para a prossecução das suas atribuições, uma vez que no contexto da administração municipal os governos locais não possuem competência legislativa para a criação de novos impostos municipais. Portanto, essa competência é exclusiva da Assembleia da República. 33 O princípio do gradualismo é um critério regulador da institucionalização das autarquias locais em Moçambique definido na Constituição de 2004. Representa também um padrão (instrumental ou formal) para nortear o processo da criação das autarquias locais e de transferência de funções e competências para a gestão dos municípios, não têm nem devem ser feitos de uma só vez (ou dentro de um único prazo), mas sim de maneira faseada em razão da existência de condições políticas e materiais para a concretização deste princípio constitucional. 134 áreas em que a transferência está atrasada (Fala, Vereador da Área de Serviços Urbanos no Município de Xai-Xai, 2012). Este aspecto, de acordo com os vários administradores entrevistados no estudo, dificulta ainda mais a constituição de relações intergovernamentais melhor coordenadas e com benefícios para ambas às esferas de governo. A consequência mais evidente tem sido o agravamento na articulação e realização das políticas públicas de natureza comum entre a esfera de Governo Provincial e o Município de Xai-Xai. Doutro modo, no contexto da implementação da EGRSP (2006-2011) foi definido como prioritário a aprovação de uma política e estratégia da descentralização local (CIRESP, 2006, p. 20) de modo a clarificar a estruturação do processo de desenvolvimento do poder local em Moçambique e reduzir os constrangimentos do processo de coordenação intergovernamental, mas que até o presente momento não foi ainda aprovada. Embora se constatem avanços, por exemplo, com a aprovação do Decreto n° 33/2006 de 30 de Agosto, sobre a transferência de funções dos órgãos do Estado, contudo, não foram ainda dados passos decisivos para a materialização deste dispositivo legal, devido a vários fatores políticos e técnicos que não cabe neste estudo serem discutidos. Esta situação é sustentada na fala da Vereadora da Área de Administração e Finanças do Município de Xai-Xai, [...] no plano teórico as atribuições das autarquias foram ampliadas, mas registra-se uma grande resistência ao nível do governo provincial para materializar as disposições estabelecidas pelo Decreto n° 33/2006 sobre a transferência de funções, o que tem contribuído para agravar as insuficiências da coordenação intergovernamental, por exemplo, na área de saúde instituições como o Centro de Saúde da Cidade são dirigidas e prestam contas à Direção Provincial de Saúde, embora desenvolvam os seus serviços na área municipal e o mesmo acontece em relação à área de educação [...] para reverter estas questões estamos à espera da conclusão do processo de transferência de funções e competências para a gestão municipal que dura há mais de três anos sem uma solução visível [...]. Neste contexto, a compreensão que se tem acerca desses problemas é a de que apesar dos avanços alcançados com a municipalização, permanecem vários elementos que têm comprometido as articulações intergovernamentais. Mas, esta situação é também prejudicada pela falta de incentivos à efetiva implementação do princípio do gradualismo da descentralização político-administrativa. Finalmente, o contexto atual de indefinição das fronteiras de atuação das esferas governamentais, por um lado, tem resultado na sobreposição ou desarticulação das atividades 135 desempenhadas. Por outro, o receio da perda recursos por parte dos diferentes setores da esfera do governo provincial, compromete os esforços da implementação de práticas de articulação intergovernamentais mais efetivas e colaborativas. 136 5 Conclusão Este estudo foi realizado com a finalidade de pesquisar a aplicação das novas práticas de gestão pública no contexto das reformas da administração pública que têm sido implementadas nos últimos tempos em Moçambique. A pesquisa permitiu analisar as práticas de gestão pública adotadas no setor público moçambicano de acordo com o modelo de reforma administrativa proposto na EGRSP (2006-2011), ao mesmo tempo em que possibilitou explorar como essas novas práticas de gestão pública têm sido implementadas na gestão municipal, especificamente no Município de Xai-Xai. Em um primeiro momento, foram apresentadas três dimensões conceituais sobre as concepções das reformas administrativas que têm orientado a constituição de novas práticas de gestão pública em diversos países do mundo inteiro. A primeira dimensão é a da New Pública Management e a modernização da gestão pública na qual foram abordadas as concepções que apregoam a utilização pela administração pública de práticas gerenciais oriundas da gestão empresarial, tais como a competitividade, preocupação com os resultados e a ênfase na qualidade dos serviços públicos prestados aos cidadãos. Essas práticas de gestão pública concentram-se na introdução de transformações na administração pública no intuito de conferir mais flexibilidade e, sobretudo a melhoria do desempenho das organizações públicas, muitas vezes considerada excessivamente burocrática, ineficiente e ineficaz no processo de atendimento das demandas da sociedade. A segunda dimensão é referente à constituição do interesse público e a accountability cuja centralidade se fundamenta na promoção de práticas de gestão pública que se preocupam com a maior aproximação entre atores políticos, agentes públicos e os cidadãos no processo de gestão, baseado na ação coletiva, assim como, na transparência e responsabilidade na gestão pública. Essas práticas estão voltadas, por um lado, a promoção e fortalecimento dos interesses coletivos no processo de gestão pública e, por outro a submissão das instituições e os agentes públicos a um processo de controle e prestação de contas, seja ao nível interno por meio dos controles hierárquicos ou através mecanismos externos concretizados pelas instituições com autoridade para fiscalizar a atuação da administração pública e ao controle social. Nesta abordagem, a questão central na gestão pública está relacionada com a maior responsabilização os governantes e a burocracia pelos resultados das suas ações e dos programas governamentais implementados. 137 A última dimensão diz respeito à adoção de práticas de gestão pública fundamentadas na interação entre os diferentes atores, isto é, se baseiam em incentivos que buscam a integração e participação de novos atores públicos e privados nos processos de tomada de decisão e de formação das políticas públicas. Essas práticas estão relacionadas com a criação de redes de políticas e as articulações externas das organizações do setor público com diversos stakeholders, por meio da abertura da administração pública a uma maior influência e participação da sociedade civil e do setor privado para beneficiar a melhoria das políticas públicas. Algumas conclusões emergem da revisão efetuada nessas três abordagens. Por um lado, existem diferenças no enfoque e intensidade das reformas administrativas realizadas em diferentes contextos nacionais sob a influência das concepções associadas à NPM. Apesar de a NPM se preocupar com o desempenho, a elevação dos resultados e a melhoria na qualidade de serviços públicos, as ações desenvolvidas nas reformas dos diferentes países não são unívocas uma vez que, as reformas administrativas dependeram ou dependem de prioridades, circunstâncias e pontos de partida particulares de cada país. Por outro, as reformas iniciadas com o movimento da NPM deram atenção reduzida à questão do interesse coletivo, o que suscitou críticas à capacidade do Estado para desempenhar seu papel na busca dos interesses coletivos. Particularmente, com seu enfoque inspirado nas técnicas gerencias do setor privado não prioriza os aspetos democráticos e de accountability ao limitar a participação dos “cidadãos considerados clientes” ao controle dos serviços, sem constituir mecanismos de integração da sociedade nas políticas públicas. Mas, embora possam ser feitas essas críticas, compreende-se que alguns princípios e práticas de gestão trazidos pela NPM permanecem atualmente, tais como a preocupação com os resultados, a garantia de eficiência e efetividade das políticas públicas. Porém, a noção de resultados está incorporada atualmente a um sentido mais amplo que envolve a questão da responsabilidade na ação governativa no atendimento das demandas da sociedade, com um enfoque não dissociado da importância da relação Estado-sociedade no enfrentamento dos desafios impostos ao setor público na contemporaneidade. Neste último sentido, as novas práticas de gestão pública indicam para a constituição da governança interativa, para a agregação e articulação dos interesses coletivos através de uma base participativa de diferentes atores públicos, privados e a sociedade civil. Quanto ao contexto moçambicano às concepções sobre as novas práticas de gestão pública ganharam maior centralidade no início da década de 2000, com o surgimento da 138 reforma administrativa que visa a modernização do setor público. Essas reformas focalizam a implementação de práticas de gestão para melhorar a efetividade da administração pública nos níveis central, provincial e principalmente nos município. Nessa perspectiva, a EGRSP (2006-2011) está voltada à realização de mudanças e transformação na forma como as organizações são administradas, apresentando com prioridade da reforma a construção de novas práticas de gestão pública que garantem a promoção de atitudes consideradas inovadoras, mais flexíveis e voltadas para os resultados. Com a sua implementação ao setor público passou a ser cobrada a aplicação de padrões de gestão associados às práticas que sugerem maior transparência, participação pública, prestação de contas e com uma preocupação constante em atender aos anseios e necessidades da sociedade com maior qualidade. Nesse sentido, os diversos organismos públicos como o Município de Xai-Xai passaram a implementar algumas dessas práticas de gestão pública, não só em função da modernização administrativa, mas também pela necessidade de a administração municipal impor-se perante os novos desafios da prestação de serviços e preocupação com os resultados das ações e políticas governamentais ao nível local. Um aspecto interessante a ser mencionado é que a despeito de as concepções reformistas da nova gestão pública pregarem a descentralização, o corte de gastos públicos, a redução de funcionários só para citar alguns exemplos, o processo de reforma na realidade moçambicana tem como uma das principais prioridades a profissionalização do setor público e a contratação de servidores qualificados que têm representado os grandes problemas estruturais da administração pública, o que representa na prática a necessidade de fortalecimento do aparelho do Estado fundamentada nesses mecanismos como forma de modernização administrativa. Isso mostra que essas concepções não se aplicam em todos os contextos como um receituário de validade universal sobre a implementação das reformas administrativas. Os resultados das análises efetuadas no estudo, sobre o contexto em que são implementadas essas novas práticas de gestão pública mostram que existe uma preocupação do Município de Xai-Xai em promover de certo modo mudanças na forma como a organização é administrada. Mas, muitos dos mecanismos de gestão que configuram as novas práticas de gestão ainda não foram devidamente assimilados, permanecendo vários problemas que têm comprometido os objetivos da modernização e elevação da qualidade dos serviços e das políticas públicas locais. 139 Na sua maioria essas práticas são aplicadas de forma deficiente e sem incentivos que garantam a sua utilização permanente, para além do simples sentido de que foram introduzidas apenas para o cumprimento de uma determinação legal. O estudo mostrou que existem também diversas barreiras de natureza técnica e institucional que condicionam a implementação efetivas das novas práticas de gestão pública ao nível municipal. Por exemplo, a preocupação com a modernização da gestão e a necessidade de melhoria da qualidade dos serviços ao nível do Município de Xai-Xai fez com que o executivo municipal adotasse medidas como: a capacitação técnica do município, a melhoria do sistema de arrecadação fiscal e a criação de conselhos consultivos locais como as vertentes crucias para promover a melhoria da qualidade dos serviços no contexto da gestão municipal. Para tal, a profissionalização da administração municipal e a contratação de recursos humanos qualificados são encaradas como os vetores principais para se reduzir as fragilidades técnicas e a inadequação da estrutura de pessoal existente. Por seu turno, a optimização dos recursos à disposição desta municipalidade constitui o principal enfoque da busca pela eficiência e eficácia das finanças municipais, como forma de influenciar a melhoria da qualidade dos serviços prestados. Entretanto, o estudo sugere que essas medidas representam avanços importantes, mas não são suficientes para garantir uma efetiva melhoria da qualidade dos serviços. O fato é que não existem instrumentos claros que garantem a operacionalização da busca pela qualidade dos serviços do município, inexiste uma ligação objetiva entre o sistema de planejamento e as diversas ações desenvolvidas e a definição de metas a serem alcançadas na gestão não é de um todo rigorosa, o que dificulta a criação de um mecanismo de avaliação preciso e confiável. Não existem práticas de avalição permanente por parte dos cidadãos acerca dos serviços prestados, o que não permite identificar com maior clareza como tem ocorrido o processo de satisfação das demandas dos cidadãos. Dado que a melhoria da qualidade está intimamente ligada atualmente à utilização de mecanismos como o e-governo, a falta de um portal eletrônico que permita aproximar os serviços municipais aos cidadãos compromete os esforços da redução dos procedimentos burocráticos influenciando, desse modo, a elevação da qualidade desejada. Embora, a utilização das tecnologias de informação esteja sendo feita no processo de gestão fiscal, elas não são integrais no sentido que, a sua aplicação não abrange outras áreas desta municipalidade dificultando, por exemplo, o acompanhamento dos processos de gastos e a elevação da transparência e a participação cidadã. 140 Buscar a melhoria dos serviços prestados por meio dos conselhos consultivos locais (CCL) representa uma inovação importante na gestão municipal. O estudo sugere que os CCL funcionam como um instrumento que permite exercer influência apenas sobre a definição das prioridades da gestão ao nível dos bairros onde são formados, mas que se mostram ineficazes para garantirem diretamente a melhoria das ações governamentais, uma vez que a sua natureza consultiva não garante o exercício da fiscalização das ações governamentais que são ou não realizadas. Neste sentido, ignorar essa fragilidade associada a esses órgãos não pode ser favorável ao processo de busca de melhoria da qualidade sendo, pois, importante considerar outros mecanismos que se mostram mais efetivos. A análise sobre modernização da gestão pública e desempenho organizacional no Município de Xai-Xai mostrou que o foco tem sido dado a constituição de sistemas de planejamento que se dividem em: plano estratégico (PE) e planos anuais de atividades (PAA) como instrumentos utilizados com vistas a orientar as ações governamentais e permitir a melhoria do desempenho organizacional. Não obstante, a utilização dessas práticas de planejamento o processo geral de avaliação de desempenho organizacional do município não se mostra ser completo e, por isso é pouco confiável. O exemplo disso, é que o único instrumento que poderia ser utilizado de alguma forma para o monitoramento do processo de gestão municipal, o Plano Estratégico de Desenvolvimento do Município de Xai-Xai (PEDMXX, 2009-2019) não possui indicadores que se baseiam em metodologias precisas que permitem avaliações comparativas realizações entre períodos de atividades. Esse instrumento não faz referência às questões relacionadas com a governança no contexto municipal, mesmo sendo esses aspectos fundamentais para se introduzir mudanças relativas à melhoria do desempenho organizacional. Por sua vez os diversos Planos Anuais de Atividades (PAA) são em parte desarticulados daquele primeiro e não mostram muitas vezes as ligações entre orçamentos, resultados e metas. Por essas razões, a utilidade desses sistemas de planejamento torna-se quase nula devido às limitações impostas pelo conteúdo dos próprios instrumentos que, apesar de serem úteis para a gestão municipal não permitem o desenvolvimento de práticas de avaliação de desempenho confiáveis. Relativamente à questão do controle e responsabilidade gerencial na gestão do Município de Xai-Xai o estudo distinguiu três dimensões principais que correspondem a: práticas de controle administrativo, de controle horizontal e de controle parlamentar. A ideia subjacente a cada uma delas é a criação de mecanismos de promoção de accountability no 141 processo de gestão, seja a partir da responsabilização hierárquica por meio de controles internos realizados essencialmente pelo Presidente do Município e pelo Conselho Municipal que constituem os órgãos executivos desta municipalidade, seja pelo controle externo exercido pelos organismos autônomos como o TA, IGF e MAE. Esses mecanismos de controle e responsabilidade gerencial são efetuados sobre os resultados das ações governamentais do município. Nesse contexto, o estudo assinalou a existência de práticas de controle gerencial como um grande avanço nas formas de controle interno e externo, pois, tem possibilitado, por exemplo, aos órgãos executivos do município exercer uma espécie de monitoramento direto sobre os agentes e setores de atividades executores das decisões tomadas bem como, permitem o exercício do controle sobre os recursos e o cumprimento dos planos e as realizações desta municipalidade. No que refere a questão da transparência na gestão municipal o estudo mostrou que a despeito da existência de práticas de divulgação de informações sobre a gestão visando garantir a promoção da transparência na gestão, as formas de divulgação dessas informações não têm sido exploradas de forma suficiente para garantirem a elevação da transparência. A abertura para a disponibilização das informações não é efetiva, uma vez que podem ser encontradas várias limitações no acesso à informação bem como, no conteúdo desses dos relatórios existentes, o que os torna pouco confiáveis. Nesta perspectiva, o estudo apontou a existência de um paradoxo entre a vontade de prestação de informação e a acessibilidade aos instrumentos de gestão como as demonstrações financeiras e os relatórios das auditorias aos planos de execução de atividades. Essa contradição deriva da fraca qualidade das informações contidas nesses documentos, isto é, não apresentam dados que espelham a situação real sobre a execução orçamentária, nem articulam os planos e os resultados apresentados de forma detalhada. Na esteira das insuficiências do sistema de transparência na gestão municipal, o estudo apontou que a inexistência de mecanismos eletrônicos como o e-governo comprometem os esforços do aumento dos níveis de transparência na sua gestão. No concernente ao controle social e participação pública o estudo assinalou que existe uma preocupação em promover práticas de participação pública na gestão municipal. A criação dos CCL organizados ao nível dos postos administrativos e dos bairros espelha como o município tem procurado concretizar esse objetivo. Apesar de serem inovadoras, as caraterísticas dessas práticas implementadas mostram que não existem procedimentos padronizados que conduzem o processo de participação, pois, não consideram de forma 142 abrangente a integração dos diversos atores a sociedade civil e do setor privado e, consequentemente o controle social e a prestação de contas se mostram insuficientes e não efetivos. Embora existam normas legais que determinam a promoção de práticas de participação pública, observou-se que a accountability a sociedade é frágil ou quase inexistente. Essas deficiências resultam de fatores técnicos e estruturais que envolvem o processo de controle social desempenhado pela sociedade. Os vários CCL constituídos não possuem capacidades para lidar com as informações complexas relacionadas com questões orçamentárias nem estão treinados para conduzir processos de fiscalização das atividades desenvolvidas pelo município. Há necessidade de se aperfeiçoarem os processos de controle social através da articulação com organizações representativas que possam exercer um papel amplo de influência que permita a constituição de debates públicos mais inclusivos sobre a implementação das políticas públicas municipais. No que diz respeito ao processo de articulações externas, o estudo identificou que existe uma tendência de constituição de redes e parcerias dentro da gestão municipal embora, representem experiências muito recentes e que necessitam de ser aprofundadas. Os grandes desafios em relação a esta questão são: o fortalecimento da capacidade do município para lidar com essas novas práticas de gestão pública e a necessidade de as parcerias constituídas serem mais bem delimitadas e exploradas de modo a beneficiar a melhoria da implementação das políticas públicas. A cooperação interorganizacional com o setor privado e as organizações da sociedade civil no processo de implementação das políticas públicas e prestação de serviços é ainda reduzida, o que é demonstrado pelo também reduzido número de projetos existentes constituídos nos últimos três anos no Município de Xai-Xai. Mas, esse cenário mostra como referido anteriormente o desafio para a continuação de esforços com vistas a uma maior cooperação entre o município e a sociedade. Por fim, o estudo assinalou como grandes problemas da articulação intergovernamental a fraca coordenação entre o município e a esfera do governo provincial no que diz respeito aos processos de planejamento e implementação de ações de natureza comum entre as duas esferas governamentais bem como, o retardamento do processo de transferência de funções e competências da esfera provincial para o município que tem comprometido ainda mais o processo de partilha de recursos. 143 Ao nível do município e do governo provincial tem se pautado pela tradicional divisão da estrutura governamental em departamentos o que faz com que quase sempre, as estas esferas governamentais se fechem em suas práticas particulares, não acessando e nem tendo como referência para seus respectivos planejamentos, as atividades desenvolvidas por outros setores dos diferentes níveis de governo, cenário que provoca contradições e redundâncias na execução das ações. Dado que a fraca coordenação intergovenamental compromete as ações das políticas públicas há necessidade de assegurar que as entidades públicas atuem de forma conjunta no trabalho de elaboração e execução de políticas públicas, de modo a evitar sobreposições e/ou desarticulação entre as mesmas. O exemplo mencionado sobre os problemas gerados no processo de construção de salas de aulas mostrou o caráter deficiente das articulações existentes. Os mecanismos estabelecidos para a partilha de recursos entre os níveis central e municipal assim como o sistema tributário local não têm sido suficientes para garantir à gestão municipal os recursos necessários, seja em termos de repasses ou de arrecadação própria para a implementação das suas políticas públicas. Neste contexto, as transferências fiscais realizadas através do FCA não têm correspondido aos limites impostos pelo sistema tributário, uma situação que foi agravada com a recente redução pelo governo central dos limites de 1,5% a 3% para apenas 1,5% da arrecadação fiscal para o orçamento do Estado o que aumenta os desiquilíbrios sobre a arrecadação e repasse de recursos entre as esferas governamentais. As receitas fiscais próprias do Município de Xai-Xai são reduzidas e os tributos locais não permitem cobrir a maior parte dos encargos e responsabilidades do governo municipal dado a sua frágil base econômica e insuficiências para garantir a sua autonomia financeira e redução da dependência em relação ao nível central. Mas, compreende-se que o argumento dos administradores públicos de que as deficiências no funcionamento do município estão fortemente relacionadas às limitações no processo de transferências fiscais ou de recursos para financiar as despesas públicas ao nível local é questionável, visto que esse nem sempre é o principal problema conforme se constatou no estudo. Em diversas áreas, os recursos estão disponíveis através da arrecadação de receitas próprias do município, mas tem faltado eficiência na execução orçamentária devido aos problemas de capacidade técnica para implementar as vária práticas de gestão aqui abordadas, comprometendo-se desta feita os objetivos da eficácia e da efetividade das políticas publicas municipais. 144 Em suma, pode-se observar que o processo de implementação da reforma administrativa e a utilização das novas práticas de gestão pública no Município de Xai-Xai precisa ser aprimorado, de modo a incorporar o conjunto de mecanismos e instrumentos de gestão identificados no estudo como sendo ainda críticos para se assegurar a construção de uma administração municipal modernizada, inovadora, flexível e efetiva no alcance de seus resultados. Muitas das medidas deverão envolver a continuação da capacitação institucional da organização, melhorando os recursos humanos, alinhamento dos sistemas de planejamento da organização com a utilização de mecanismos de avaliação de desempenho e de resultados que permitirão a criação de bases sólidas para o controle gerencial e social, este último fundamentado em práticas efetivas de envolvimento e participação pública dos diferentes atores da sociedade civil e do setor privado em todos os ciclos da formação e implementação das politicas públicas. 145 Referências ABRAHAMSSON, Hans; NILSSON, Andres. Mozambique: the troubled transition. From socialist construction to free market capitalism, London: Zed Books, 1995. ABRUCIO, Fernando. O impacto do modelo gerencial na administração pública: breve estudo sobre a experiência internacional recente. Cadernos ENAP, n. 10, 1997. _______. Reforma do Estado no federalismo brasileiro: a situação das administrações públicas estaduais. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, n. 39, v. 2, p. 401420, mar./abr. 2005. AMBLER, Tim; WILSON, Andrea. Problems of stakeholder theory. European Review, v. 1, n.1, p. 30-35, jan.1995. ANSELL, Chiris; GASH, Alison. Collaborative Governance in Theory and Practice. Journal of Public Administration Research and Theory, n. 18. p. 543-571. nov. 2007. BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. 3. ed. Lisboa: Edições 70, 2004. BARRETT, Pat. Corporate Governance in the public sector context. Australian National Audit Office, Canberra, apr. 2001. Disponível em: <http://www.anao.gov.au>. Acesso em: 04 set. 2011. _______ . Achieving better practice corporate governance in the public sector. Australian National Audit Office, Canberra, Jun. 2002. Disponível em: <http://www.anao.gov.au>. Acesso em: 04 set. 2011. BARZELAY, Michael. The new public management: a bibliographical essay for Latin American (and other) scholars. International Public Management Journal, v. 3, p. 229265, 2000. BATLEY, Richard; BJORNESTAD, Liv; CUMBI, Amélia. Relatório de Moçambique: Avaliação conjunta do apoio orçamental geral 1994-2004, DFID. University of Birmingham, 2006. BEHN, Robert. O novo paradigma da gestão pública e a busca da accountability democrática, Revista do Serviço Público. n. 4, p. 05-44, out-dez. 1998. BEVIR, Mark; RICHARDS, David. Decentering policy networks: a theoretical agenda. Public Administration, v. 87, p. 3-14, 2009. BOVAIRD. Tony, LÖFFLER. Elke. Evaluating the quality of public governance: indicators, models and methodologies, International Review of Administrative Sciences, v. 68, n.3, p. 313–328, 2003. BÖRZEL, Tanja. Organizing Babylon: on the different conceptions of policy networks. Public Administration, v. 76, p. 253-273, Summer. 1998. 146 BRITO, Luís. Uma dimensão crítica da representação política em Moçambique. In: BRITO; Luís et al. (org). Desafios para Moçambique 2010, IESE, Maputo, p. 17-29, 2009. CAIDEN, Gerald. Administrative reform. In: BAKER, R. Comparative public management: putting U. S. public policy and implementation in context. Westport: Praeger Publishers, 1994, p. 107-118. CARNEIRO, Ricardo; MENICUCCI, Telma. Gestão Pública no Século XXI: as reformas pendentes. IPEIA. Brasília, Texto para discussão n. 1683, p. 7-76, dez. 2011. CASTEL-BRANCO, Nuno. Moçambique-perspectivas económicas. Maputo: UEM, 1994. _______. Economia extrativa e desafios de industrialização em Moçambique, Cadernos IESE. n. 1, p. 3-96, 2010. CENEVIVA, Ricardo. Avaliação e accountability no setor público: um vínculo possível e desejável. Revista Alcance, v. 14, n. 1, p. 7-26, jan/abr. 2007. CIRESP. Estratégia Global de Reforma do Sector Público: 2006-2011. Maputo, 2001 ________. Estratégia Global de Reforma do Sector Público: 2001-2011. Maputo, 2001. CRESWELL, John. Projeto de pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto. 3.ed. Artmed/Bookman: Porto Alegre, 2010. CUNILL GRAU, Nuria. Responsabilización por el control social. In: La responsabilización en la nueva gestión pública latinoamericana. Consejo Científico del CLAD. Buenos Aires: CLAD; BID; EUDEBA, p. 269-327, 2000. ___________. Contraloría social y derechos sociales: el desafío de la integralidade. Gestión y Política Pública, v. XVIII, n. 1, p. 3-36, I sem. 2009. DENHARDT, Robert; DENHARDT, Janet. The New Public Service: Serving Rather than Steering. Public Administration Review, v. 60, n. 6, p. 549-559, 2000. ________. The new public service: an approach to reform. International Review of Public Administration, v. 8, n. 1, p. 3-10, jul. 2003. DENZIN, Norman; LINCOLN, Yvonna. (orgs). O Planejamento da pesquisa qualitativa: teorias e abordagens; Tradução de Sandra Regina Netz. Artmed: Porto Alegre, 2006. DOLLERY, Brian; WALLIS, Joe. A note on the coherence of new public management as a managerial philosophy. International Review of Public Administration, v. 5, n. 1, p. 81-91, 2000. EDWARDS, Meredith; CLOUGH, Robyn. Corporate governance and performance: an exploration of the connection in a public sector contest. Canberra, n. 1, Issues Series, Paper, jan. 2005. Disponível em: http://www.governanceinstitute.edu.au/. Acesso em: 06 set. 2011. 147 FERLIE, Ewan; ASHBURNER, Lynn; FITZGERALD, Louise; PETTIGREW, Andrew. The new public management in action. Oxford: Oxford University Press, 1996, p. 30-55. FIRMINO, Sandra. Os novos arranjos institucionais na governança pública: o caso das parcerias público-privadas, estudo comparativo entre o sul e o norte da Europa. Sociologia On Line, n. 2, p. 389-422, abr. 2011. FLICK, Uwe. Introdução à pesquisa qualitativa. 3.ed. Bookman/Artmed: Porto Alegre, 2009. GASKELL, George. Entrevistas individuais e grupais, In: BAUER, Martin; GASKELL, George. (org.) Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som. 7. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2008, p. 64-113. GODOY, Arilda. Estudo de caso qualitativo, In: GODOI, Christiane; et al. Pesquisa qualitativa em estudos organizacionais: paradigmas, estratégias e métodos. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 115-145. JONES, Rosanne; KETTL, Donald. Assessing public management reform in an international context. International Public Management Review, v. 4, Issue 1. 2003. HANLON, Joseph. Mozambique: who calls the shots?, London: Indiana University Press, 1991. HODGE, Graeme. GREVE, Carsten. PPPs: the passage of time permits a sober reflection. Economic Affairs, p. 33-39. mar. 2009. HOOD, Christopher. A public management for all seasons? Public Administration. v. 69, p. 03-19, Spring. 1991. HUGHES, Owen. Does governance exist? In: OSBORNE, Stephen. (org.) The new public governance? Emerging perspectives on the theory and practice of public governance. New York: Routledge, 2010, p. 87-104. ________. Public management and administration: an introduction. 3rd ed. New York: Palgrave Macmillan, 2003. IFAC. International Federation of Accountants. Governance in the public sector: a governing body perspective. Study 13. 2001. Disponível em <http://www.ifac.org>. Acesso em: 04 set. 2010. KETTL, Donald. The transformation of governance: globalization, devolution, and the role of government. Public Administration Review, v. 60, n. 6. p. 488-497, nov/dec. 2000. KING, Chery; FELTEY, Kathryn; SUSEL, Bridget. The question of participation: toward authentic public participation in public administration. Public Administration Review, v. 58, n. 4, p. 317-326, jul/aug. 1998. 148 KLIJN, Erik-Hans; KOPPENJAN, Joop. Public management and policy networks: foundations of a network approach to governance. Public Administration, v. 2, Issue 2, p. 135–158, 2000. _________. TEISMAN, Geert. Partnership arrangements: governmental rhetoric or governance scheme? Public Administration Review, v. 62, Issue 2, p. 197–205, mar/apr. 2002. _________. Trust in governance networks: looking for conditions for innovative solutions and outcomes. In: OSBORNE, Stephen. (org.) The new public governance? Emerging perspectives on the theory and practice of public governance. New York: Routledge, 2010, p. 303-321. KOOIMAN, Jan. (ed.) Societal governance: levels, modes, and orders of social-political interactions. In: _______. Modern Governance: New Government-Society Interactions. London: Sage Publications, 1993, p.139-161. ________. VLIET, Geert. Governance and public management. In: KOOIMAN, Jan; KJELL, Eliassen. Managing public organizations: lessons from contemporary European experience. London: Sage Publications, 1993, p. 56-72. ________. Governance and governability. In: OSBORNE, Stephen. (org.) The new public governance? Emerging perspectives on the theory and practice of public governance. New York: Routledge, 2010, p. 72-86. KENIS, Patrick; SCHENEIDER, Volker. Policy networks a policy analysis: scrutinizing a new analytical toolbox. In: MARIN, B; MAYNTZ, R. (eds.) Policy networks: empirical evidence and theoretical considerations. Tilburg: Westview Press, 1991, p. 25-59. LARBI, George. The new public management approach and crisis states. United Nations Research Institute Social Development, Discussion Paper n. 112, sep. 1999. MACAMO, Elísio; NEUBERT, Dieter. When the post-revolutionary state decentralizes: the reorganization of political structures and administration in Mozambique. Cadernos de Estudos Africanos, v. 5, n. 6, p. 51-74, 2003. MAZULA, Aguiar. Quadro institucional dos distritos municipais. In: MAZULA, Aguiar. et al. Autarquias Locais em Moçambique. Antecedentes e Regime Jurídico. Lisboa-Maputo: ed. UEM, 1998, p. 57-71. McGUIRE, Michael. Collaborative public management: assessing what we know and how we know it. Public Administration Review, Special Issue, p. 33.43, dec. 2006 MINTZBERG, Henry. Managing government, governing management. Harvard Business Review, p. 75-83, may/jun. 1996. MISOCZKY, Maria, VIEIRA, Marcelo. Desempenho e qualidade no campo das organizações públicas: uma reflexão sobre significados. Revista de Administração Pública, v. 35, n. 5, p. 163-177, set./out. 2001. 149 O’DONNELL, Guillermo. Accountability Horizontal e Novas Poliarquias. Lua Nova, São Paulo, n. 44, p. 27-54, 1998. O’FLYNN, Janine. From new public management to public value: paradigmatic change and managerial implications. The Australian Journal of Public Administration, v. 66, n. 3, p. 353–366, 2007. OSBORNE, David; GAEBLER, Ted. Reinventando o Governo: como o espírito empreendedor está transformando o setor público. 8.ed. Brasília: MH Comunicação, 1995. OSBORNE, Stephen. The (New) Public Governance: a suitable case for treatment? In: _______. (org.) The new public governance? Emerging perspectives on the theory and practice of public governance. New York: Routledge, 2010, p. 1-16. PECI, Alketa; PIERANTI, Octavio; RODRIGUES, Silva. Governança e New Public Management: convergências e contradições no contexto brasileiro, Organização e Sociedade, v. 15, n. 46, p. 39-55, jul/set. 2008. PETERS, Guy; PIERRE, Jon. Governance without government? Rethinking public administration. Journal of Public Administration Research and Theory, p. 223-243, apr. 1998. ________. Meta-governance and public management. In: OSBORNE, Stephen. (org.) The new public governance? Emerging perspectives on the theory and practice of public governance. New York: Routledge, 2010, p. 36-51. PLANK, David. Aid, debt, and the end of sovereignty: Mozambique and its donors. The Journal of Modern African Studies, v. 31, n. 3, p. 407-430, sep. 1993. POLLITT, Christopher; BOUCKAERT, Geert. Avaliando reformas da gestão pública: uma perspectiva internacional. Revista do Setor Público, n. 3, p. 05-29, jul/set. 2002. POWELL, Walter. Neither market nor hierarchy: network forms of organization. Research in Organizational Behavior. v. 12, p. 295-336. 1990. PROVAN, Keith; KENIS, Patrick. Modes of network governance: structure, management, and effectiveness. Journal of Public Administration Research and Theory, v. 2, p. 229– 252, aug. 2007. PRZEWORSKI, Adam. Reforma do Estado: responsabilidade política e intervenção econômica. Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 32, a.11, p.18-40, out. 1996. RADIN, Beryl. Os instrumentos da gestão intergovernamental. In: PETERS, Guy; PIERRE, Jon. (org). Administração pública. São Paulo: Editora UNESP, 2010, p. 619-636. RODHES, W.A.W. The new governance: governing without government. Political Studies, v. 44, n. 4, p. 652-667, 1996. ________. Understanding governance: policy networks, governance, reflexivity and accountability. Maidenhead and Philadelphia: Open University Press, 1997. 150 ________. Understanding governance: ten year on. Organizations Studies. Sage Publications, p. 1243-1264, 2007. STAKE, Robert. Qualitative research: studding how things work. The Guilford Press: New York, 2010. SALOOJEE, Anver; FRASER-MOLEKETI, Geraldine. Desafios comuns a reforma administrativa em países em desenvolvimento. In: PETERS, Guy; PIERRE, Jon. (org). Administração pública. São Paulo: Editora UNESP, 2010, p. 491-512. SMITH, Andy. Governança de múltiplos níveis: o que é e como pode sr estudada. In: PETERS, Guy; PIERRE, Jon. (Org). Administração pública. São Paulo: Editora UNESP, 2010, p. 637-647. SOIRI, Linda. Moçambique: Aprender a caminhar com uma bengala emprestada? Ligações entre descentralização e alívio à pobreza. Maastricht, European Centre for Development Policy Management, 1999. STOKER, Gerry. Governance as theory: five propositions. International Social Science Journal, v. 50, p. 19-28, 1998. TEISMAN, Geert; KLIJN, Erik-Hans. Partnership Arrangements: Governmental Rhetoric or Governance Scheme? Public Administration Review, v. 62, n. 2, p. 189-198, mar/apr. 2002. TEMBE, Daniel. Key points on structural adjustment program in Mozambique. In: KAPOOR, Kapil. (ed.) Africa's Experience with Structural Adjustment. Harare: World Bank Discussion, n.288, p. 88-90, 1995. TOHÁ, Carolina; SOLARI. Ricardo. A modernização do Estado e a gerência pública. Revista do Serviço Público, n. 3, p. 85-184, set/dez. 1997. THOMSON, Ann; PERRY, James. Collaboration processes: inside the black box. Public Administration Review, Special Issue, p. 20-3, dec. 2006. TOONEN, Theo. Reforma administrativa analítica. In: PETERS, Guy; PIERRE, Jon. (org). Administração pública. São Paulo: Editora UNESP, 2010, p. 473-490. TORFING, Jacob. Governance network theory: towards a second generation. European Political Science, v. 4, p. 305-315, 2005. WUYTS, Marc. Foreign aid, structural adjustment, and public management: The Mozambican experience, Working Papers Series. 206, nov. 1995. YIN, Robert. Estudo de caso: planejamento e métodos. Tradução de Daniel Grassi. 3.ed. Bookman: Porto Alegre, 2005. WORLD BANK. Governance and development. Publications, 1992. Washington D.C.: World Bank 151 _________. Governance: World Bank Experience, Washington D.C.: World Bank, 1994. ________. World development report: the State in a changing world. Washington, Oxford University Press, 1997. 152 Apêndice – A RELAÇÃO DOS ENTREVISTADOS NO ESTUDO RITA MUIANGA Presidente do Município de Xai-Xai / Realizada: 4 de Janeiro de 2012 ABDUL RASAQUE Vereador da Área de Atividades Econômicas / Realizada: 14 de Fevereiro de 2012 ARGENTINA SIMBINE Vereador da Área de Administração e Finanças / Realizada: 16 de Janeiro de 2012 FRANCISCO NHANCHENGO Vereador da Área dos Transportes e Agricultura / Realizada: 20 de Fevereiro de 2012 ANSELMO SITOE Vereador da Área dos Serviços Urbanos / Realizada: 14 de Fevereiro de 2012 BREQUIAS TETE Diretor de Administração e Finanças do Município de Xai-Xai / Realizada: 15 de Fevereiro de 2012 ESPERANÇA LAURA Chefe de Departamento de Recursos Humanos do Município de Xai-Xai / Realizada: 22 de Fevereiro de 2012 MAURÍCIO MAHANJANE Chefe do Departamento de Estudos e Planejamento do Município de Xai-Xai / Realizada: 27 de Fevereiro de 2012 MATIAS PARRUQUE Presidente da Assembleia Municipal de Xai-Xai / Realizada: 06 de Janeiro de 2012 FELIPE MAHANJANE Chefe da Bancada na Assembleia Municipal de Xai-Xai / Realizada: 27 de Fevereiro de 2012 ANASTANCIO MATAVEL Diretor Executivo do Fórum Provincial das Organizações da Sociedade Civil de Gaza – FONGA / Realizada: 28 de Fevereiro de 2012 INÁCIO MUCAVEL Oficial de Programas do Fórum Provincial das Organizações da Sociedade Civil de Gaza – FONGA / Realizada: 28 de Fevereiro de 2012 PAULINO HAMELA Presidente do Conselho Empresarial Provincial de Gaza – CEP / Realizada: 24 de Fevereiro de 2012 153 Apêndice – B Universidade Federal de Pernambuco Centro de Ciências Sociais Aplicadas Departamento de Ciências Administrativas Programa de Pós Graduação em Administração - PROPAD 1 - Identificação do entrevistado(a) Nome:________________________________________________________________ Cargo/Função:__________________________________________________________ Data:_____/_____/2012 Horas:______H______ Local da entrevista:______________________________________________________ Desde o ano de 2001 vem sendo implementada a Reforma do Setor Público tendo em vista a introdução de mudanças para a melhoria do funcionamento das instituições públicas bem como dos serviços prestados aos cidadãos. Os resultados esperados na Fase II (2006-2011) têm a ver com a eficiência administrativa; a participação das comunidades no processo de formulação e implementação de politicas públicas; maior controle e prestação de contas; funcionamento orientado para resultados; avaliação do desempenho das instituições; realização de auditorias internas e externas e a boa governança. 2 - Questões a serem respondidas 1. Pode nos dizer como se dá o processo de modernização da gestão e a busca de qualidade no contexto do Município de Xai-Xai? 154 2. Relativamente à questão do desempenho organizacional, pode nos explicar como tem sido tratada dentro desta municipalidade? 3. De que forma é garantida aplicação do controle gerencial e responsabilização na gestão do Município de Xai-Xai? 4. Quais as implicações do controle nas ações, programas e políticas públicas desenvolvidas na gestão municipal e como este funciona? 5. Em sua opinião qual o significado que se dá a transparência na gestão do Município de Xai-Xai e quais são as práticas adotadas? 6. De que forma essas práticas garantem a efetividade da transparência dos processos de gestão nesta municipalidade? 7. Pode nos dizer como se constituem as parcerias entre o Município de Xai-Xai, a sociedade civil e o setor privado e, como elas se materializam nesta municipalidade? 8. No que diz respeito às articulações e a coordenação intergovernamental pode nos dizer como ocorrem no processo de gestão do Município de Xai-Xai? 9. De que forma as relações entre as esferas de governo são estabelecidas para responder as demandas das comunidades locais nesta municipalidade? 10. Pode nos dizer como é garantida a participação pública efetiva da sociedade nas ações desenvolvidas pelo Município de Xai-Xai? 11. De que forma os atores da sociedade civil, do setor privado e os cidadãos em geral desempenham o controle social sobre a gestão neste município? Obrigado pela atenção dispensada.