Universidade Federal de Pernambuco
Centro de Ciências Sociais Aplicadas
Departamento de Ciências Administrativas
Programa de Pós Graduação em Administração – PROPAD
Albino Alves Nito da Silva Simione
Governança no Setor Público Moçambicano: um
Estudo no Município de Xai-Xai
Recife
2012
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO
CLASSIFICAÇÃO DE ACESSO A TESES E DISSERTAÇÕES
Considerando a natureza das informações e compromissos assumidos com suas fontes, o
acesso a monografias do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade
Federal de Pernambuco é definido em três graus:
- "Grau 1": livre (sem prejuízo das referências ordinárias em citações diretas e indiretas);
- "Grau 2": com vedação a cópias, no todo ou em parte, sendo, em consequência, restrita a
consulta em ambientes de biblioteca com saída controlada;
- "Grau 3": apenas com autorização expressa do autor, por escrito, devendo, por isso, o texto,
se confiado a bibliotecas que assegurem a restrição, ser mantido em local sob chave ou
custódia;
A classificação desta dissertação/tese se encontra, abaixo, definida por seu autor.
Solicita-se aos depositários e usuários sua fiel observância, a fim de que se preservem as
condições éticas e operacionais da pesquisa científica na área da administração.
___________________________________________________________________________
Título da Dissertação: Governança no Setor Púbico Moçambicano: um estudo no Município
de Xai-Xai
Nome do Autor: Albino Alves Nito da Silva Simione
Data da aprovação:
Classificação, conforme especificação acima:
Grau 1
Grau 2
Grau 3
Recife, 19 de Dezembro de 2012
_______________________________________
Assinatura do Autor
Albino Alves Nito da Silva Simione
Governança no Setor Público Moçambicano: um
Estudo no Município de Xai-Xai
Orientadora: Profa. Dra. Jackeline Amantino de Andrade
Dissertação apresentada como requisito complementar
para obtenção do grau de Mestre em Administração, área
de concentração em Gestão Organizacional, do Programa
de Pós-Graduação em Administração da Universidade
Federal de Pernambuco.
Linha de Pesquisa: Organização Cultura e Sociedade
Recife, 2012
Universidade Federal de Pernambuco
Centro de Ciências Sociais Aplicadas
Departamento de Ciências Administrativas
Programa de Pós Graduação em Administração – PROPAD
Governança no Setor Público Moçambicano: um
Estudo no Município de Xai-Xai
Albino Alves Nito da Silva Simione
Dissertação submetida ao corpo docente do Programa de Pós-Graduação em
Administração da Universidade Federal de Pernambuco e aprovada em 19 de Dezembro
de 2012.
Banca Examinadora:
________________________________________________________________
Profa. Dra. Jackeline Amantino de Andrade
Universidade Federal de Pernambuco – PROPAD/UFPE
(Orientadora)
________________________________________________________________
Profa. Dra. Helena Lúcia Augusto Chaves
Universidade Federal de Pernambuco – DSS/UFPE
(Examinador Externo)
________________________________________________________________
Prof. Dr. Sérgio Alves
Universidade Federal de Pernambuco – PROPAD/UFPE
(Examinador Interno)
Catalogação na Fonte
Bibliotecária Ângela de Fátima Correia Simões, CRB4-773
S589g
Simione, Albino Alves Nito da Silva
Governança no setor público Moçambicano: um estudo no Município de
Xai-Xai / Albino Alves Nito da Silva Simione. - Recife : O Autor, 2012.
154 folhas : il. 30 cm.
Orientador: Profª. Dra. Jackeline Amantino de Andrade.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco. CCSA.
Administração, 2012.
Inclui bibliografia e apêndice.
1. Reforma administrativa. 2. Gestão pública. 3. Interesse público. 4.
Governança interativa. I. Andrade, Jackeline Amantino de (Orientador).
II. Título.
658
CDD (22.ed.)
UFPE (CSA 2012 – 154)
Dedico este trabalho a minha família especialmente, ao meu pai
Albino Simione e a minha mãe Leonor Mavila, que graças a eles a
este mundo vim a existir.
A minha esposa querida Zita Tomás pelo companheirismo,
encorajamento e por me ter apoiado a trilhar por este caminho da
minha formação no exterior, por me ter acompanhado nos últimos
momentos da realização deste trabalho.
Uma dedicatória especial para Wathu Simione meu filho, que me
ofereceu mais uma oportunidade de ser feliz, filho querido e amado
este trabalho é inteiramente seu.
Agradecimentos
Especial a Tatana Moemedi, pelos ensinamentos e por ter iluminado os caminhos pelos quais
trilhei nestes dois últimos anos, pela benção e pela proteção divina oferecida, “Khotso Ntate”.
Agradeço ao África América Institute – IFP, nas pessoas da Dra. Célia Diniz e do Prof.
Mouzinho Mário, que na direção daquela instituição de apoio ao desenvolvimento do ensino
superior em Moçambique, me proporcionaram a oportunidade de trilhar o caminho da
formação na Pós-graduação e por terem contribuído para a concretização de um desejo
pessoal de continuação dos meus estudos no Brasil com vistas a aprimorar e desenvolver
maiores competências na área de Administração.
Agradeço, ainda, à Fundação Ford que acreditou no meu projeto e apostou em mim atribuindo
a Bolsa de Estudos que permitiu a minha estadia durante dois anos em Recife, buscando a
materialização do sonho da minha formação na Pós-graduação.
Agradeço ao Programa de Pós-graduação em Administração – PROPAD, da Universidade
Federal de Pernambuco – UFPE, primeiro por me ter aceitado no programa e pela excelência
na formação e pela oportunidade oferecida em seu curso de Mestrado em Administração, por
meu aprimoramento acadêmico, profissional e pessoal.
Faço um agradecimento especial a minha orientadora, Professora Jackeline Amantino de
Andrade, pela dedicação, competência, rigor acadêmico e pelas valiosas e fundamentais
intervenções, que contribuíram sobremaneira para o enriquecimento desta dissertação.
Aos professores do curso de Mestrado em Administração do PROPAD, com especial
destaque para Sérgio Alves e Walter Moraes de Araújo, que enquanto decorria a minha
formação sempre se mostraram preocupados e se disponibilizaram em me prestar o apoio
necessário e incondicional, seus ensinamentos muito acrescentaram e contribuíram na
elaboração deste trabalho.
Aos colegas da turma de Mestrado – 17 cujo convívio muito me alegrou e enriqueceu e direta
ou indiretamente contribuíram de várias maneiras para que o meu percurso acadêmico fosse
coroado de êxitos, especialmente para Osíris Cunha Fernandes que noite e dia nos reunimos
para discutir temas interessantes acerca do fazer científico e juntos perspectivamos um futuro
promissor para o desenvolvimento da ciência em nossa querida Mãe África. À Virginia
Vasconcelos pelas ricas ideias e sugestões em todas as ocasiões em que juntos procuramos
abordar o tema da Governança durante as nossas sessões de estudo dirigido.
Aos órgãos diretivos do Município de Xai-Xai e aos funcionários desta municipalidade que
contribuíram durante a fase de pesquisa de campo, concedendo as entrevistas realizadas
naquela instituição.
Por fim, agradeço aos representantes das organizações do setor privado em especial o
Presidente do Conselho Empresarial Provincial de Gaza e da sociedade civil nas pessoas do
Diretor Executivo e do Oficial de Programas do Fórum das Organizações Não
Governamentais de Gaza que participaram na pesquisa, pela excelente receptividade e
concessão de entrevistas que deram suporte as análises do presente estudo com suas valiosas
informações.
Resumo
Esta pesquisa aborda a questão das reformas administrativas e a aplicação de novas práticas
de gestão pública voltadas para o alcance de melhores resultados e maior efetividade das
ações da administração pública na resposta das demandas da sociedade e na implementação
de políticas públicas. Relativamente ao processo de reforma administrativa do Estado de
Moçambique, busca relacionar as concepções do modelo da EGRSP (2006-2011) com as
abordagens teóricas das novas práticas de gestão pública contemporânea. A análise empírica
desenvolvida se ocupou em compreender como têm sido implementadas essas novas práticas
de gestão pública no contexto do Município de Xai-Xai. Os resultados obtidos na pesquisa
sugerem à existência de vários condicionantes a aplicação efetiva de algumas práticas como, a
transparência, o controle social e participação pública. Esses obstáculos estão relacionados
com a fraca capacidade institucional e a ainda reduzida preparação técnica do município para
garantir uma completa e eficaz utilização desses mecanismos de gestão pública propostos. O
estudo assinala igualmente a existência de algumas ações inovadoras nesse processo,
relacionadas com a utilização de instrumentos de gestão como os planos anuais e estratégicos,
os conselhos consultivos e uma tendência positiva para o envolvimento das comunidades no
processo de formação das políticas públicas. Conclui-se que apesar de existirem esforços para
a implementação das ações de reforma ao nível do município, o processo de adoção das novas
práticas de gestão se mostra ainda desafiador no sentido de que deve ser aprimorada maior
parte das medidas e iniciativas atualmente em implementação.
Palavras-Chave: Reforma administrativa. Gestão pública. Interesse público. Governança
interativa.
Abstract
This research addresses the issue of administrative reforms and the implementation of new
public management practices focused on achieving better results and greater effectiveness of
the actions of government in response to the demands of society and the implementation of
public policies. Regarding the process of administrative reform of the State of Mozambique,
seeks to relate the concepts of model EGRSP (2006-2011) with the theoretical approaches of
new management practices. The empirical analysis busied understand how these have been
implemented new public management practices in the context of the city of Xai-Xai. The
results obtained in this research suggest the existence of various constraints to effective
implementation of some practices as transparency, public participation and social control.
These obstacles are related to weak institutional capacity and further reduced technical
preparation of the municipality to ensure full and effective use of public management
mechanisms proposed. The study also points to the existence of some innovative actions in
this case, related to the use of management tools such as annual plans and strategic advisory
councils and a positive trend for community involvement in the process of formation of public
policy. We conclude that although there are efforts to implement the actions of reform at the
municipal level, the process of adoption of new management practices is even challenging in
the sense that it must be improved most measures and initiatives currently being implemented.
Keywords: Administrative reform. Public management. Public interest. Interactive
governance.
Lista de Abreviaturas e Siglas
AGP – Acordo Geral de Paz
BAU – Balcão de Atendimento Único
BM – Banco Mundial
CIRESP – Comissão Interministerial para a Reforma do Setor Público
EDM – Eletricidade de Moçambique
EGRSP – Estratégia Global de Reforma do Setor Público
FIPAG – Fundo de Investimento do Patrimônio de Abastecimento de Água
FMI – Fundo Monetário Internacional
FRELIMO – Frente de Libertação de Moçambique
GdM – Governo de Moçambique
IFAC – International Federation of Accountants
IGF – Inspeção Geral de Finanças
MAE – Ministério da Administração Estatal
MNR – Movimento Nacional de Resistência
NODAEC – Normas de Organização e Direção do Aparelho de Estado Central
NPM – New Public Management
NPS – New Public Service
OE – Orçamento do Estado
PAA – Planos Anuais de Atividades
PEDMXX – Plano Estratégico de Desenvolvimento do Município de Xai-Xai
PPA – Planos Plurianuais
PPP – Parcerias Público-Privadas
PRE – Programa de Reabilitação Econômica
PROL – Programa de Reforma dos Órgãos Locais
RENAMO – Resistência Nacional de Moçambique
RSP – Reforma do Setor Público
SISTAFE – Sistema de Administração Financeira do Estado
TA – Tribunal Administrativo
UGEA – Unidade Gestora de Aquisições
UTRAFE – Unidade Técnica de Reforma da Administração Financeira do Estado
Lista de Quadros
Quadro 1: Resumo das dimensões conceituais da governança no setor público
55
Quadro 2: Síntese das etapas dos procedimentos de coleta e análise de dados da pesquisa 60
Quadro 3: Relação dos entrevistados na pesquisa
63
Quadro 4: Resumo dos procedimentos adotados no estudo
66
Quadro 5: Comparação das categorias de estudo identificadas na literatura e o modelo da
reforma da EGRSP
69
Quadro 6: Abordagens e mecanismos da modernização e melhoria da qualidade dos serviços
municipais
74
Quadro 7: Instrumentos utilizados para a melhoria do desempenho organizacional
83
Quadro 8: Dimensões do processo de controle gerencial no Município de Xai-Xai
89
Quadro 8.1: Instrumentos de controle dos planos e ações municipais
91
Quadro 9: Instrumentos de transparência utilizados na gestão municipal
98
Quadro 10: Práticas de participação pública na gestão do Município de Xai-Xai
105
Quadro 10.1: Limitações ao processo de controle social no Município de Xai-Xai
110
Quadro 11: Práticas de articulação município-sociedade
118
Quadro 12: Dinâmica das relações intergovernamentais entre o Município de Xai-Xai e o
Estado
126
Sumário
1 Introdução
13
1.1
15
A caracterização do problema de pesquisa
1.2 Os objetivos da pesquisa
1.2.1
Geral
1.2.2
Específicos
28
28
28
1.3
29
2
A Justificativa e Relevância do Estudo
Referencial Conceitual
33
2.1
A New Public Management e a Modernização da Gestão Pública
33
2.2
O Interesse Público e a Accountability
39
2.3
A Governança interativa
46
3
Os Procedimentos Metodológicos
56
3.1 A Classificação da pesquisa
3.1.1
O Método de pesquisa
3.1.2
A Coleta e Análise de Dados
56
58
59
3.2
66
4
4.1
As Limitações da pesquisa
Os Resultados da Pesquisa
A Comparação das Categorias do Estudo
68
68
4.2 O Caso em Estudo: a Modernização da Gestão Pública Municipal
4.2.1
A Qualidade dos Serviços Públicos
4.2.2
O Desempenho Organizacional
71
72
82
4.3 A Accountability na Gestão Municipal
4.3.1
O Controle e Responsabilidade Gerencial
4.3.2
A Transparência na Gestão
87
87
96
4.4 A Governança Interativa
4.4.1
A Participação Pública e Controle Social
4.4.2
As Articulações Externas e Parcerias Município-Sociedade
4.4.3
A Articulação e Coordenação Intergovernamentais
103
104
116
124
5
136
Conclusão
13
1 Introdução
A crescente necessidade de modernização da administração pública decorrente das
elevadas pressões e exigências socioeconômicas e políticas do mundo contemporâneo
verificadas nos últimos anos, têm suscitado aos Estados e governos desafios enormes
relacionados com a realização de reformas administrativas. Essas reformas têm em vista a
adoção de novas práticas de gestão pública consideradas fundamentais para responder aos
problemas da eficiência e eficácia, da afirmação do interesse público como fundamento da
atuação dos organismos estatais e, sobretudo do relacionamento entre o Estado e a sociedade
no processo de formação e implementação de políticas públicas.
Nesse esforço, em sentido mais global, além da preocupação permanente em elevar o
nível de desempenho da gestão pública, busca-se a transparência, a responsabilidade a
prestação de contas e maior participação pública dentro da administração pública. Para tal as
mudanças tem sido orientadas para as estruturas, processos e práticas de gestão pública como
forma de responder as também crescentes demandas da sociedade pelo oferecimento de
serviços públicos de maior qualidade.
No que se refere à realidade moçambicana, a definição pela Estratégia Global de
Reforma do Setor Público (EGRSP, 2006-2011) da necessidade de se introduzir mudanças na
administração pública possui um valor fundamental para a adoção das novas práticas de
gestão pública, o que ressalta a importância de se examinar quais as concepções que orientam
o modelo de reforma administrativa em Moçambique e sobre que pressupostos ou bases este
se estabeleceu. A EGRSP (2006-2011) representa um plano com caráter indicativo e
orientador para as mudanças pretendidas no aparelho do Estado que privilegia essencialmente
mudanças institucionais, mas também as relacionadas com a reestruturação do Estado e
redefinição da relação entre o Estado e a sociedade como medidas para a adoção dessas novas
práticas de gestão pública.
De acordo com as considerações feitas acima, a presente dissertação tem como
objetivo explorar as questões conceituais, empíricas e administrativas geradas pelas reformas
da administração pública e utilização de novos conceitos e abordagens sobre a gestão pública,
destacando a análise sobre como tem ocorrido o processo de implementação dessas novas
práticas de gestão pública no contexto do funcionamento do Município de Xai-Xai. O tema
14
governança no setor público tem como referência as práticas de gestão pública que vêm sendo
implementadas dentro das diferentes concepções que têm norteado os processos de reformas
administrativas realizadas nos diversos países do mundo inteiro. Para alcançar este propósito
o estudo realizado se auxiliou da revisão bibliográfica, análise de documento da reforma
administrativa em Moçambique e entrevistas com atores públicos, do setor privado e
representantes da sociedade civil que interagem no processo de gestão do Município de XaiXai.
Para além da presente introdução e da conclusão, a dissertação está dividida em quatro
partes: na primeira discorre sobre a contextualização do problema de pesquisa que assenta a
ênfase especificamente, nos diferentes processos de reformas administrativas realizadas em
Moçambique, considerando as mudanças no período pós-independência, passando pelas
reformas realizadas no contexto do ajuste estrutural e democratização do estado e, por fim as
ações de reformas da última década voltadas para a modernização do setor público. Aqui se
apresentam igualmente os objetivos da pesquisa, a sua justificativa e relevância.
Na segunda parte discorre-se sobre o referencial conceitual que dá suporte ao estudo e
a perspectiva exposta se baseia em três dimensões conceituais associadas às novas práticas de
gestão públicas, sendo que: (i) se apresentam as concepções que estiveram na origem da New
Public Management e modernização da gestão pública; (ii) são expostas as concepções sobre
as novas práticas voltadas a constituição o interesse público e a accountability no processo de
gestão pública e; (iii) se apresentam as concepções que advogam a constituição de práticas de
governança interativa fundamentadas no maior acesso e influência do Estado e as demais
organizações da sociedade civil e do setor privado no âmbito da gestão pública.
Na terceira parte são apresentados os procedimentos metodológicos que nortearam a
realização de pesquisa e se discorre sobre a classificação e natureza da pesquisa, o método
aplicado no processo de investigação bem como, os procedimentos que orientaram a coleta
dos dados e a respectiva análise.
Na quarta e última parte o estudo se ocupa da apresentação dos resultados do estudo e
enfatiza primeiramente a comparação entre as concepções do referencial conceitual e as do
modelo da reforma administrativa em Moçambique. Na sequência, relativamente ao caso em
estudo são apresentados os resultados das práticas de gestão pública implementadas no
contexto municipal, a partir das análises que consideram aspetos como, a qualidade de
serviços, o desempenho organizacional, o controle gerencial, as articulações externas no
contexto da gestão municipal.
15
1.1 A caracterização do problema de pesquisa
Nas últimas três décadas a administração pública moçambicana passou por
transformações profundas como resultado dos diversos fenômenos políticos, sociais e
econômicos que têm marcado a construção do Estado Moçambicano. Ao longo desse período
o país passou por vários ciclos de reformas do Estado e administrativas justificadas pela
necessidade de mudanças para promover maior eficiência, eficácia e efetividade na atuação do
Estado e das suas instituições no âmbito do cumprimento das suas funções principais. As
transformações realizadas têm repercutido tanto nas estruturas estatais e processos de gestão
pública como na relação estabelecida entre o Estado e a sociedade.
Embora possa se dizer que esses ciclos de reformas foram originados e impulsionados
por fatores relativamente diferentes em razão das justificativas políticas e econômicas que
marcaram cada período histórico específico da administração pública, maior parte das vezes
as mudanças implementadas estiveram relacionadas com a necessidade de superação dos
problemas que afetam os processos administrativos originados por um lado, pela existência de
estruturas consideradas excessivamente burocráticas e hierarquizadas, que possuem
procedimentos padronizados e, por outro, com a demasiada centralização e fragilidades no
processo de controle e accountability, entre outros.
Assim sendo, a análise das novas práticas de gestão pública delineadas na Estratégia
Global de Reforma do Setor Público (EGRSP, 2006-2011) deve ter em consideração a
dinâmica dos ciclos de reformas administrativas desencadeadas ao longo dos últimos trinta e
sete anos (1975-2012) e, as mudanças realizadas quer no caráter que foi sendo adotado pelo
Estado e o papel atribuído as suas instituições e as transformações correspondentes aos
modelos de administração que foram sendo implementados nesse período.
Nesta perspectiva, os diferentes ciclos de reformas administrativas realizadas em
Moçambique podem ser enquadrados dentro de três perspectivas em que se distinguem: (i) as
que dizem respeito à criação de uma administração pública implantada nos moldes do Estado
socialista (1975-1986); (ii) as referentes à instauração de um modelo de administração pública
descentralizada e promotora da autonomia na sua gestão (1987-2000); (iii) as que se baseiam
na institucionalização de práticas de gestão pública que consideram uma maior interação entre
o Estado e a sociedade (2001-2011).
16
Primeiramente, os programas de transformação do Estado e da administração pública
tiveram início logo após o fim do período de ocupação e colonização portuguesa decorrida de
1498 a 1974 e a ascensão da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) como a
entidade política que assumiu o governo e a orientação política básica do Estado. Deste modo,
pode-se dizer que o alcance da independência nacional em 1975 como resultado do
desencadear da luta pela liberdade contra a dominação colonial, representou o começo dos
processos recentes de reformas do Estado e administrativas em Moçambique.
Essa “mudança histórica” introduziu uma nova etapa na administração do Estado que
se fundamentou na institucionalização de um sistema político, econômico e social conduzido
pela ideologia socialista (ABRAHAMSSON; NILSSON, 1995; SOIRI, 1999; MACAMO;
NEUBERT, 2003). A principal preocupação do Governo de Moçambique (GdM) no período
após a declaração da independência nacional estava relacionada com a implementação de um
sistema administrativo que priorizasse a supressão do regime de administração colonial
portuguesa e a “destruição” das suas estruturas organizativas e funcionais – consideradas
como parte de um modelo exploratório, exclusivo, centralizador e autoritário.
Pretendeu-se que esse sistema iniciasse um projeto de revolucionalização e criação de
estruturas que permitiriam ao Estado planejar, coordenar e dirigir efetivamente os setores
econômicos e sociais, assim, como orientar a organização do povo ao nível das comunidades.
As transformações iniciadas se baseavam nas concepções de liberdade, independência e
constituição do interesse nacional compartilhado dentro de uma lógica e valores de cariz
socialista. Assim, a ruptura com a “velha ordem” instituída procurou criar as condições
necessárias para o progresso social de todo o povo moçambicano e a afirmação de um Estado
novo livre e autônomo.
Esse projeto de modernização de acordo com Macamo e Neubert (2003, p. 63) se
baseava em duas suposições importantes, a saber: primeiro que a meta de modernização era
não apenas a erradicação do subdesenvolvimento herdado do sistema colonial português, mas
também a criação de uma sociedade socialista baseada em uma aliança entre trabalhadores e
camponeses. Segundo que o projeto dispunha-se a criação de um “novo homem”, ou seja,
uma emancipação do peso e do legado opressivo da tradição colonial, com vistas a enfrentar
os desafios para a criação do bem estar e do desenvolvimento nacional.
A primeira suposição encontrava os seus fundamentos políticos e institucionais na
política de “centralismo democrático”, ou seja, a concentração do poder de decisão política no
“partido de vanguarda” – Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) – responsável
17
pela condução da luta pela libertação contra a dominação colonial definindo-se por essa via
como a força dirigente do Estado e da sociedade. A segunda suposição foi baseada na criação
de novas estruturas organizativas ao nível local (secretários e grupos dinamizadores1), de
modo a criar a coesão social e a disseminação das novas concepções sobre o caráter do Estado
independente.
Na vertente social o novo Estado revolucionário criado assentava as suas concepções
sobre a modificação da sociedade e de construção do desenvolvimento sócio econômico na
instituição de processos políticos ancorados na mobilização coletiva e transformação social
para o desenvolvimento do socialismo dentro do Estado. Argumentava-se conforme Hanlon,
(1991, p. 10) que essas concepções permitiriam inverter o cenário causado pela opressão,
exclusão e exploração por meio da atribuição de maiores oportunidades nas áreas sociais
como na saúde e educação bem como, ajudariam a transformar os setores agrário e industrial
nacionais como as alavancas importantes no processo de emancipação popular e econômica.
Na componente econômica privilegiou-se a realização de mudanças que se baseavam
na implementação da política de nacionalizações como uma das medidas de transformação
estrutural da sociedade moçambicana. A estatização dos meios de produção, a centralização
das decisões referentes à política econômica e o planejamento centralizado se impuseram
como instrumentos para a criação de formas de relações econômicas coordenadas diretamente
pelo Estado. Estabeleceu-se, também, por essa via, um Estado que se apoiava nas concepções
ideológicas do partido único e hegemônico que assumia um papel preponderante na economia
e se sustentava num aparelho administrativo burocrático e centralizador.
Com a vigência do Estado socialista algumas transformações sociais importantes
ocorreram que se traduziram em ganhos para maior parte da população alterando
sobremaneira as suas condições sociais e o seu modo vida preexistente no período colonial. O
Estado e a administração pública conseguiram, por um lado, oferecer nos primeiros anos a
seguir a independência nacional os serviços públicos básicos à população e, por outro, elevar
o crescimento da economia e manter o controle global do processo de desenvolvimento
(HANLON, 1991).
Isso foi possível, em parte, devido ao facto de que até esse período (início dos anos
1980) a autoconfiança das autoridades governamentais reforçada pelos bons indicadores
1
Representaram as novas estruturas locais que tinham como objetivo principal instituir uma rede de vigilância
popular contra as tentativas de desestabilização política e social promovidas pelo partido revolucionário.
Desempenhavam um papel importante no processo produtivo através da mobilização das comunidades ao
mesmo tempo em que asseguravam a funcionamento produtivo estatal através da difusão das orientações
político-administrativas da FRELIMO.
18
econômicos e sociais, bem como a euforia geral sobre a construção de uma nova sociedade,
foram extremamente intensos possibilitando a constituição um framework institucional
favorável à implementação das prioridades do Estado mediante as apostas nas políticas sócio
econômicas de orientação socialista.
Na componente da administração pública introduziram-se uma série de medidas
administrativas que foram legitimadas tendo como objetivo, garantir a institucionalização do
modelo típico de administração pública burocrática que concentrava todo o poder de decisão
no nível central do governo e relegava o nível local à simples implementação das decisões
centralmente tomadas. A autonomia destes últimos era reduzida, e esta situação limitou o
espírito de iniciativa dos níveis inferiores da administração, uma vez que eram desprovidos de
todo o poder de decisão e de todos os recursos e capacidades para realizar as atividades
necessárias dos interesses das comunidades.
Como marcos dessas medidas tem-se a aprovação de vários instrumentos legais tais
como, o Decreto nº 1/75 de 27 de Julho, que instituiu a organização da administração pública
para o aparelho central e das Leis nº 5/78; 6/78 e; 7/78 ambas de 22 de Abril, que
estabeleceram respetivamente, a regulamentação das funções dos governos provinciais, a
extinção todos os corpos administrativos coloniais e, a criação das estruturas administrativas
do Estado com funções executivas, fazendo emergir uma nova agenda sobre o modelo e a
estrutura da administração do Estado.
Posteriormente, no contexto do aperfeiçoamento das medidas anteriores, a criação das
Normas de Organização e Direção do Aparelho de Estado Central (NODAEC) aprovadas pelo
Decreto nº 4/81, de 10 de Junho, representou a nova forma de organização e estruturação do
Estado que reproduzia inteiramente as visões do regime socialista adotado. Esse decreto
definia, por um lado, os órgãos centrais do aparelho do Estado como o instrumento unitário
do poder e da ação governamental do Estado e, por outro, expressava as concepções sobre a
direção, planejamento e controle em que o Estado assumia e garantia o modo de produção e
de funcionamento da economia.
As caraterísticas distintivas desse conjunto de normas administrativas centralizadoras
mostra que se pretendeu a aplicação de um modelo de administração burocrática que visava
concretizar os princípios da administração pública centralmente planejada, uma vez que, as
funções do Estado e o seu papel econômico e social se orientavam fundamentalmente em um
sistema de ideias socialistas (SOIRI, 1999), ancoradas no centralismo democrático que servia
como o mecanismo de organização e funcionamento mais importante.
19
Assim, o Estado dispunha-se a afirmação dos princípios centralizadores e a
subordinação hierárquica das instituições públicas mediante a implementação de uma
estrutura de organização e administração sustentadas pela burocracia típica weberiana.
Contudo, a partir dos primeiros anos da década 1980 como explicita Hanlon (1991, p.
22-24) a situação política e econômica começou a se deteriorar. A economia experimentou
um período de recessão em 1982, influenciada pelo fraco desempenho da componente de
exportação dos principais produtos industriais do país devido às consequências da crise do
petróleo de 1979 e a queda da produção agrícola nas zonas rurais esta última motivada, por
um lado, pelo encarecimento dos insumos de produção e, por outro, pela intensificação da
guerra civil interna de desestabilização.
Doutro modo, o caráter centralmente planificado do regime socialista produziu nesse
período um expressivo conjunto de problemas e deficiências no funcionamento da economia
nacional. O Estado e a sua burocracia geraram um sistema ineficiente e ineficaz altamente
subsidiado e dependente do sistema de planejamento central que não garantiu o cumprimento
dos objetivos da centralização administrativa (CASTEL-BRANCO, 1994).
O autoritarismo que caracteriza o Estado e o centralismo dos processos de tomada de
decisão caraterísticos da burocracia socialista não permitiam o surgimento de processos de
gestão pública mais autônomos e inovadores. Este sistema de administração fragilizou a
gestão das instituições locais e produziu efeitos negativos no que diz respeito à qualidade dos
serviços oferecidos às populações. Como consequência, a estrutura organizacional e funcional
da administração pública implicou no fracasso das diretrizes de sustentação do modelo de
administração instituído com a conquista da independência nacional.
Nesse contexto, o modelo de administração socialista deu origem a uma sucessão de
problemas econômicos graves cujo impacto se refletiu, por exemplo, na redução drástica dos
níveis de produção agrícola e industrial que constituíam os pilares do Estado (PLANK, 1993).
Outros exemplos dos fracassos gerados pela rigidez do sistema socialista foram a diminuição
da produtividade dos setores chave da economia e a falência de várias empresas anteriormente
nacionalizadas. Diante desta situação, o Estado se viu na contingência de reduzir os impostos
sobre os bens de consumo e consequentemente a sua capacidade de arrecadação de receitas
públicas.
A partir daí a administração pública se deparou com três problemas graves: o
crescimento da dívida pública em razão da necessidade de financiamento das despesas
referentes à manutenção da guerra civil interna que opunha o Governo de Moçambique e o
20
Movimento Nacional de Resistência (MNR2), a redução de recursos para financiar as despesas
públicas bem como, o imperativo do Estado em continuar a cumprir a sua missão de
vanguarda e de impulsionar o desenvolvimento nacional (ABRAHAMSSON; NILSSON,
1995; SOIRI, 1999).
A gradativa erosão das capacidades do Estado colocou a administração pública em
xeque quanto a sua função principal para proporcionar o bem estar à sociedade. Em meados
da década de 1980 esse cenário de instabilidade no qual o sistema político e a administração
pública se encontravam mergulhados, trouxe uma percepção generalizada do esgotamento do
modelo socialista gerando uma grande tensão entre as expectativas sociais em expansão e as
capacidades econômicas em contração.
Como reflexo dessa conjuntura de insuficiências e de fragilidades que marcavam o
funcionamento da administração pública verificou-se a redução acentuada da legitimidade do
Estado para continuar a implementação do projeto revolucionário inspirado durante o advento
da independência nacional. A precariedade do modelo gerava a necessidade de imposição de
uma “nova ordem”, a criação de novas alternativas para a implementação das políticas
públicas e constituição de “novos eventos administrativos” dentro da administração do
Estado.
Portanto, a administração pública ressentia-se do alastramento da crise agravada pelo
ônus da dívida enorme assim como, do agravamento crescente das condições de vida da
população, sobretudo nas zonas rurais com a intensificação da guerra civil e a quase
inexistente presença do Estado nas regiões fortemente afetadas pelo conflito armado que
envolvia o governo e o MRN, o que incrementava a desilusão pública e o descrédito em
relação às instituições públicas.
Como consequência, a burocracia pública implantada no período pós-independência
começava a se mostrar insuficiente e incapaz de controlar a situação das demandas públicas
da sociedade. Nisso, a administração pública se revelava amplamente desconectada e com um
perfil que compreendia a existência de uma ordem hierárquica arraigada numa base
2
O Movimento Nacional de Resistencia (MNR) foi uma força de oposição ao regime do Estado Socialista que
iniciou uma guerra interna em Moçambique no ano de 1976. Defendia a instauração de uma ordem assente no
capitalismo e nas doutrinas de liberdade e democracia. O conflito interno conduzido por esse movimento se
intensificou no decorrer da década de 1980 agravando as condições para a construção do Estado novo e do
desenvolvimento do país. Essa guerra gerou profundas rupturas e foi responsável por uma enorme desagregação
das instituições e do tecido social moçambicano, causando insegurança e instabilidade social com a destruição de
infraestruturas sócio econômicas importantes para a produção e circulação de bens e serviços em todo o território
nacional. Com o final da guerra e a assinatura do Acordo geral de Paz em 1992, esse movimento de guerrilha se
transformou em partido político passando a se designar Resistência Nacional de Moçambique (RENAMO).
21
fragmentada de administração e de funcionários com fraca preparação técnica e profissional e
de falta de poder, sobretudo para a tomada de decisão ao nível das províncias e distritos.
No entanto, o reconhecimento por parte do governo (durante o IV Congresso 3 da
FRELIMO) sobre o agravamento da situação social e econômica do país na primeira metade
dos anos 1980 criou, por um lado, as condições para a implementação de reformas
importantes visando combater os desequilíbrios macroeconômicos, a instabilidade financeira,
a fragilidade institucional e redução das condições de vida da população (CASTELBRANCO, 1994).
Por outro, nesse mesmo período as organizações de ajuda humanitária que atuavam no
âmbito da assistência ao país e à população afetada pela situação de guerra interna primeiro e,
anos depois as organizações de desenvolvimento estabelecidas no país tornaram-se durante o
momento de crise (MACAMO; NEUBERT, 2003) cada vez mais críticas à forma de
organização do Estado moçambicano, ao modelo de funcionamento da administração e as
prioridades políticas de desenvolvimento desenhadas segundo o argumento do regime
socialista.
Desse modo, a necessidade da reforma do Estado adquiriu centralidade crescente
influenciada pelo debate sobre as condições para o enfrentamento dessa conjuntura política,
social e econômica dominada pela crise que afetava o país a partir dos primeiros anos da
década de 1980. Portanto, o quadro de desiquilíbrios macroeconômicos e a deterioração do
modelo de Estado socialista vigente, tornaram imprescindível à realização de reformas dentro
do Estado e na administração pública moçambicana (BATLEY
i
i., 2006).
Nessa perspectiva, com a adesão de Moçambique em 1986 às instituições financeiras
internacionais, o Banco Mundial (BM) e o Fundo Monetário Internacional (FMI) formou-se
uma agenda de reforma cuja implementação foi condicionada por essas agências de ajuda
externa (CASTEL-BRANCO, 1994). A partir daí, pode-se verificar que as reformas
propostas, na maior parte das vezes passaram a ser externamente induzidas. No bojo dessas
mudanças esteve à redefinição do sistema econômico do país, através da instituição do
sistema de economia de mercado e liberalização de preços materializada no Programa de
Reabilitação Econômica (PRE) aprovado e implementado a partir do ano de 1987.
Entretanto, com a implementação do PRE o processo de reformas e as transformações
econômicas passaram a obedecer aos critérios dos condicionalismos impostos pelas agências
3
No IV Congresso da FRELIMO realizado em Abril de 1983, foi consolidada a necessidade de realização de
reformas urgentes na organização e funcionamento do Estado moçambicano. Doutro modo, o IV Congresso
constituiu um marco importante para a mudança do sistema político de governação e abandono do modelo de
economia planifica para a adoção do modelo de economia de mercado em Moçambique.
22
de financiamento externo, o que configurou o surgimento da dependência do país à ajuda dos
organismos internacionais (SOIRI, 1999). O acesso aos empréstimos das instituições
multilaterais e a negociação da dívida que o país tinha, foram condicionados pela revisão das
estratégias socialistas quer na política com a instituição do pluralismo político como na
economia pela implantação do liberalismo econômico.
Relativamente ao último aspecto, a ajuda passou a ser condicionada a uma série de
condições impostas, a saber: “reformas no comércio exterior; eliminação dos controles
administrativos sobre os preços internos; privatização; reforma jurídico-institucional; reforma
do sistema financeiro; desregulamentação do mercado doméstico; expansão do sector
financeiro para novos empreendimentos e produtos” (TEMBE, 1995, p. 88-89). Compreendese que a cooperação internacional estabelecida entre as entidades governamentais e as
instituições multilaterais impôs sobre o país, reformas que, independentemente do contexto
político, histórico e as peculiaridades do sistema administrativo se destinaram à
institucionalização e desenvolvimento de um projeto social, político e econômico
fundamentado nas concepções neoliberais das décadas de 1980 e 1990.
Por sua vez, no que refere às transformações políticas destacam-se a realização da
revisão da Constituição a 2 de Novembro de 1990 e a assinatura do Acordo Geral de Paz
(AGP) de Roma a 4 de Outubro de 1992. Os processos de revisão e aprovação da nova
constituição liberal centraram seus esforços, principalmente, na implantação da democracia
política e o multipartidarismo (ABRAHAMSSON; NILSSON, 1995) e na criação de um
Estado unitário gradualmente descentralizado norteado pela separação tripartida e
interdependência de poderes, o executivo, o legislativo e judiciário.
No que se refere ao AGP, este foi determinante para o fim da guerra civil que durou
dezesseis anos (1976-1990) como referido anteriormente que opunha o governo e o
movimento de oposição ao regime político vigente na altura. Desta feita, a revisão
constitucional e o AGP constituíram-se nos pilares fundamentais (BRITO, 2010, p. 22) para o
desenvolvimento do sistema democrático e o estabelecimento da unidade nacional. A
estabilidade social proporcionada pela ausência de guerra permitiu o início da reestruturação
sócio política do Estado e a afirmação de novos objetivos que orientariam o processo de
desenvolvimento do país.
Com essas reformas políticas, por um lado, novos valores relacionados com a
participação popular nos assuntos públicos, o exercício pleno da cidadania através de mais
direitos e liberdades foram enfatizados contribuindo de forma decisiva para a instauração das
23
concepções políticas e sociais da sociedade democrática. Por outro, as transformações sócio
políticas implicaram no estabelecimento de novas relações entre o Estado e os diferentes
atores sociais. Nesse contexto, a conjugação desses fatores permitiu a realização em 1994 das
primeiras eleições multipartidárias e a instauração do primeiro governo eleito por sufrágio
universal no quadro do aperfeiçoamento do novo sistema político do país.
Especificamente, no contexto da administração pública verifica-se em Maio de 1992 o
primeiro sinal da adoção de alguns princípios administrativos que vieram estabelecer uma
“nova ordem” assente na aplicação de novos conceitos sobre a gestão pública como resultado
da aprovação pelo governo do Programa de Reforma dos Órgãos Locais (PROL). Esses
conceitos são caraterizados pela implementação do processo de descentralização
administrativa e participação pública ao nível local como espaço para o exercício da
cidadania.
O PROL iniciou um quadro de reformas institucionais direcionadas para o nível local,
que estavam orientadas para a descentralização político-administrativa, envolvendo a
devolução de poderes para as comunidades locais e a criação dos municípios (MAZULA
i
i., 1998). Nesse sentido, esses princípios romperam com o centralismo da administração
pública e se impuseram como as alavancas para o desenvolvimento da democracia
participativa e a partilha do poder de decisão pelos diferentes níveis de administração, isto é,
entre os órgãos centrais e locais do Estado (SOIRI, 1999).
Como lembra (PLANK, 1993, p. 424-426) procurava-se através dessas medidas
reverter os constrangimentos da administração pública excessivamente burocrática e,
argumentava-se a fraqueza institucional do Estado para garantir a sua presença e cobertura em
todo o território nacional de modo a prestar serviços sociais básicos. Assim, impunha-se a
constituição de um aparelho administrativo do Estado adaptado às circunstâncias da
liberalização econômica e da democratização da sociedade moçambicana.
Desse modo, surgiram as concepções a favor da transferência de responsabilidades na
gestão das políticas públicas e de que os serviços prestados pelas entidades públicas situadas
ao nível local podiam ser oferecidos através de uma administração indireta com a
institucionalização de organismos públicos investidos de competências próprias e autonomia
de sua gestão. Nesses termos, com a institucionalização do Poder Local4 em 1996 foram
4
O Parlamento procedeu a uma reforma parcial da Constituição em 1996, introduzindo um novo título (TÍTULO
IV) consagrado ao Poder Local. Esta reforma constitucional introduziu novas figuras jurídicas de que era
necessário tomar em conta na elaboração das leis e regulamentos futuros para a implementação do processo de
descentralização política e administrativa concretizado a partir de 1998 com a realização das primeiras eleições
municipais no país.
24
criadas as autarquias locais, como organismos providos de autonomia administrativa,
financeira e patrimonial, inaugurando uma nova configuração da administração do Estado
moçambicano.
Na sequência, em 1998 no âmbito do fortalecimento do sistema democrático do país
(MAZULA,
i
i., 1998) foram realizadas as primeiras eleições municipais que
materializaram as concepções da descentralização político-administrativa. Os pressupostos da
descentralização adotados na administração do Estado moçambicano consistem na
valorização das comunidades locais e no aprimoramento dos mecanismos de sua participação
nos processos da gestão pública.
Entretanto, apesar dos progressos decorrentes do processo de democratização do
Estado e da retomada do desenvolvimento social e econômico ao longo da década de 1990,
surgiram no país várias críticas acerca das fragilidades e deficiências que ainda
caracterizavam as instituições e o funcionamento da administração pública moçambicana.
Nessa perspectiva, surgiram novas concepções sobre a introdução de uma reforma
administrativa e a constituição de um aparelho do Estado cada vez mais forte e eficaz no
atendimento das demandas da sociedade. A reforma passou a ser vista como a implementação
de mudanças na forma de organização e de estruturação da gestão pública em Moçambique no
início do Século XXI.
Como forma de responder aos problemas persistentes do funcionamento deficiente das
instituições públicas no ano de 2001 o Governo de Moçambique (GdM) aprovou a Estratégia
Global da Reforma do Setor Público (EGRSP, 2001-2011), através da qual se defende a
adoção pelas instituições do setor público de novas práticas de gestão pública. No bojo desta
reforma administrativa estão às concepções que apregoam a implementação de medidas
reformistas na componente de administração do Estado e nos processos de gestão pública, de
modo a responder aos desafios impostos pela necessidade de modernização administrativa e
criação de processos de gestão pública adaptados à realidade atual do país.
Os pressupostos dessas reformas estão embasados nas doutrinas da nova gestão
pública que alegam, por um lado, a necessidade de modernização dos processos de gestão
pública através da implementação de novas concepções acerca da organização e
funcionamento da administração pública de modo a promover maior eficiência e eficácia das
ações governativas. Essas mudanças nos processos de gestão pública se fundamentam
igualmente na adoção de novas práticas de gestão pública tais como, a accountability,
transparência e responsabilização na atuação dos organismos estatais.
25
Por outro, as reformas se baseiam nas concepções da governança interativa que se
apoiam na importância da elevação do desempenho das instituições públicas e encaram-nas
como
inônimo de busca de alternativas no sentido de melhorar os resultados e elevar a
interação entre o Estado e os vários stakeholders inseridos no processo de formulação e
implementação de políticas públicas.
Desse modo, sob a influência das mudanças nas linhas centrais5 de ação e nas políticas
das agências de financiamento externo do BM no decurso da década de 1990, associadas à
promoção da boa governança e o fortalecimento da sociedade civil nas administrações dos
Estados – a agenda recente de reforma coloca seu foco para as questões relacionadas com as
reformas institucionais e administrativas propondo que se dê maior atenção ao modo como se
efetivam as interações entre o Estado e as demais organizações da sociedade civil que,
juntamente com o Estado almejam maior acesso ao processo da governança no setor público
encarada, nesta perspectiva, como um mecanismo que permite a atuação da administração
pública de forma mais participativa e coordenada. Novos agentes provenientes do setor
privado assim como a sociedade civil são vistos como atores que devem interagir com maior
frequência com o Estado, reduzindo as fronteiras existentes de modo a elevar a participação
pública no processo de formação e tomada de decisão das políticas públicas.
Nesses termos, durante a primeira fase de sua implementação a EGRSP (2001-20056)
preconizou basicamente a criação das condições institucionais para a realização da reforma
administrativa, cuja orientação se baseou em cinco componentes estratégicas principais. De
um modo geral, o objetivo central da operacionalização das reformas foi a realização de
profundas transformações de natureza estrutural, sobretudo no nível central das instituições do
governo moçambicano. Pode-se citar como exemplos, a criação da Unidade Técnica de
Reforma do Setor Público (UTRESP), da Unidade de Reforma Tributaria dos Impostos
Internos (URTI), da Unidade Técnica de Reforma da Administração Financeira do Estado
5
Após a muito criticada experiência com programas de ajuste estrutural devido, sobretudo aos fracos resultados
nos países africanos as novas concepções de reforma do BM representam um deslocamento de preocupações de
caráter mais técnico, ligadas às reformas burocráticas e ao gerenciamento de política econômica, para temas mais
abrangentes, como a legitimidade e o pluralismo político. Em linhas gerais, o Banco Mundial estabeleceu quatro
dimensões-chave para a boa governança: administração do setor público; quadro legal; participação e
accountability; e informação e transparência (World Bank, 1992, 1997).
6
A Estratégia Global da Reforma do Setor Público (EGRSP) foi concebida para ser implementada em duas
fases: A 1ª Fase corresponde ao período 2001 a 2005, que privilegiou a criação das condições básicas para a
implementação da Reforma do Setor Público, em particular as condições organizacionais, técnico metodológicas
e legais para a gestão da reforma e a mobilização de recursos financeiros e humanos. A 2ª Fase corresponde ao
período 2006 a 2011 e assenta em quatro prioridades, nomeadamente, a melhoria na prestação de serviços,
fortalecimento dos órgãos locais com enfoque no distrito, a profissionalização da função pública e a boa
governança e combate à corrupção.
26
(UTRAFE), apresentadas cruciais para introduzir as mudanças pretendidas dentro da
administração pública, tais como eficiência e qualidade na gestão, participação nas políticas
públicas, prestação de contas e avaliação de resultados.
As ações específicas conduzidas no âmbito das transformações pretendidas estiveram
votadas (CIRESP, 2001, p. 23-30) para: (i) a restruturação e descentralização de estruturas e
processos de prestação de serviços; (ii) a melhoria no processo de formulação e monitoria de
políticas públicas; (iii) a profissionalização dos funcionários públicos; (iv) a melhoria da
gestão financeira e prestação de contas e; (v) a boa governança e combate a corrupção.
Observa-se que a questão de fundo da reforma administrativa nesta fase era dar início
ao processo de modernização da gestão pública, sustentada, por um lado, pela criação das
bases para a construção de um serviço público que atende as demandas e expetativas da
sociedade e, por outro, pela melhoria e elevação da capacidade da ação governativa do Estado
para a implementação de políticas públicas. Ela se sustenta nas mudanças nos valores e
comportamentos dos funcionários, na cultura administrativa, nas competências e
responsabilidades dos organismos públicos, na coordenação institucional e na fiscalização das
formas de atuação da administração pública.
Portanto, as mudanças implementadas – processos de natureza estrutural e
institucional – se destinaram principalmente “ao lançamento dos fundamentos da organização,
planejamento e gestão da reforma, bem como o detalhamento dos instrumentos técnicos
necessários para o desenvolvimento e aprofundamento das ações da reforma no período
subsequente” – processos de natureza administrativa – (CIRESP, 2001, p. 22).
Por sua vez, o embasamento e os pressupostos da segunda fase da EGRSP (20062011) assinalam para o desenvolvimento dos programas e projetos introduzidos na primeira
fase como forma de ampliar os efeitos e o impacto da reforma administrativa, com vistas à
consolidação do modelo de gestão em construção, que assenta na aplicação de novas práticas
de gestão pública contemporânea.
Desse modo, a gestão pública passou a se preocupar com a transparência, tanto no que
diz respeito à utilização dos bens e recursos públicos, quanto no que se refere aos
procedimentos e avaliação de resultados, com a descentralização e simplificação
administrativa, com a elevação da capacidade de prestação de serviços e maior representação
da administração pública ao nível das comunidades e um enfoque na qualidade dos serviços
prestados ao púbico, baseados no alto grau de institucionalização de formas participativas e de
responsabilidade.
27
Aliás, as concepções apresentadas no modelo da EGRSP (2006-2011) reforçam os
pressupostos e fundamentos essenciais dessa visão, dado que definem de forma expressiva as
aspirações do sector público referindo-se à importância da adoção de práticas de gestão
pública que,
orientem o conjunto das instituições públicas a melhorar a qualidade de serviços e
das respostas do Estado à sociedade, através da adequação do funcionamento das
instituições públicas aos desafios internos e externos que requerem também, uma
cultura pública voltada à integridade, transparência, eficiência e eficácia (CIRESP,
2006, p. 4-5).
Assim, as propostas de reformas formuladas na EGRSP (2006-2011) vieram suscitar a
efetivação de importantes transformações nos processos de gestão pública, tendo sujeitado as
instituições do Estado moçambicano nos níveis central, provincial e distrital como ao nível da
administração municipal a um desafio enorme objetivando a modernização de suas práticas de
gestão pública. Esses esforços são considerados atualmente como o meio principal para
elevação dos níveis de desempenho e de resultados das políticas públicas e das diferentes
ações governativas enquadradas no processo de satisfação das demandas públicas.
Com a implementação dessas ações da reforma administrativa espera-se que as novas
práticas de gestão pública possam operar como instrumentos que promovem melhorias
significativas quer na organização como na estruturação e relacionamento da administração
pública com a sociedade. Busca-se a institucionalização de processos de gestão pública
através do desenvolvimento de uma ampla participação, abrindo o espaço para a intervenção e
maior coordenação entre as instituições públicas e os grupos de interesse da sociedade civil.
Neste contexto, compreende-se que as mudanças propostas pela EGRSP (2006-2011)
sujeitam as instituições do Estado e principalmente aos municípios a um desafio enorme
relacionado com a implementação dessas práticas de gestão pública. No caso específico dos
municípios, importa referir que foram estabelecidos como estratégicos para garantir a
reestruturação da administração pública, assim como, ampliar e reforçar as capacidades do
Estado Moçambicano de prestação de melhores serviços à sociedade e de implementação de
políticas públicas com maior qualidade e eficácia.
O argumento é o de que os governos locais podem se adequar mais facilmente à
implementação de políticas públicas definidas ao nível local, reduzindo os problemas da
ineficiência e complementando as medidas para ampliação da participação pública e da
prestação de contas no processo de gestão pública. Nesta perspectiva, a adoção de novas
práticas de gestão pública ao nível municipal é encarada como o esteio fundamental para
28
reorientar a postura dos serviços públicos e a constituição de uma gestão moderna,
responsável e que responde às exigências da promoção do desenvolvimento local.
A implementação da reforma administrativa no contexto municipal tem como foco
principal os aspetos orientados para a inclusão social e o reforço da democratização do Estado
em que se dá relevância à colaboração no processo de gestão pública local. Isso implica, por
um lado, a promoção de processos de coordenação, consolidação e ampliação da participação
pública dos cidadãos nos processos decisórios relacionados com as políticas públicas locais,
por outro, o fortalecimento dos governos locais.
À luz das considerações que norteiam o processo de reforma administrativa da
administração pública em Moçambique mencionadas acima, formula-se nesta ocasião a
seguinte questão de pesquisa;
Como se traduz a institucionalização das novas práticas de gestão pública
contemporânea apresentadas no modelo de reforma administrativa em Moçambique
dentro do contexto da gestão municipal?
1.2 Os objetivos da pesquisa
1.2.1 Geral
Analisar como as novas práticas de gestão pública delineadas no modelo de reforma
administrativa em Moçambique (EGRSP, 2006-2011) têm sido implementadas no processo de
organização e funcionamento dos municípios moçambicanos, considerando especificamente o
caso do Município de Xai-Xai.
1.2.2 Específicos
Identificar as concepções sobre a reforma administrativa e modernização da gestão pública
que estabelecem os embasamentos que fundamentam a introdução de mudanças nas práticas
de gestão pública;
Comparar os pressupostos da reforma da administração pública moçambicana delineados na
EGRSP (2006-2011) com as concepções sobre a modernização da gestão pública de modo a
constituir as categorias de análise das novas práticas de gestão pública;
29
Identificar como se articula o processo de institucionalização das novas práticas de gestão
pública no Município de Xai-Xai, destacando as condições que permitem ou impedem a
realização das reformas administrativas propostas;
Sistematizar os elementos e mecanismos principais que caracterizam as práticas de gestão
pública adotadas no contexto da organização e funcionamento do Município de Xai-Xai.
1.3 A Justificativa e Relevância do Estudo
Nos últimos tempos os diversos Estados do mundo inteiro têm sido desafiados a
realizar profundas mudanças (reformas administrativas) na forma como as suas instituições
são administradas e dirigidas. Contribuições de vários autores e estudos da área de gestão
pública abordam a questão dessas mudanças institucionais como sendo motivadas pela
necessidade de conferir à administração pública as condições necessárias para a sua melhor
atuação na resposta das demandas da sociedade.
Por um lado, enfatiza-se a implementação de reformas administrativas voltadas para a
adoção de novas práticas de gestão pública com vistas à flexibilização da gestão pública e
para conferir à administração pública uma maior responsabilidade, controle e prestação de
contas. Por outro, ressalta-se a importância das reformas e a criação de processos de gestão
baseados na governança interativa que levam em consideração a participação e coordenação
entre as entidades públicas, privadas e a sociedade civil no contexto da formulação e
implementação de políticas.
Tendo em consideração, por um lado, que essas concepções reformistas não se
aplicam de forma linear nos diversos Estados e mesmo ao nível interno de cada país elas
tendem a incorporar nuances características às condições próprias da realidade local e, por
outro, que as ações de reformas administrativas ocorrem mediante uma ampla variedade de
formas apresentando, por isso, diferenças relativamente às experiências dos diferentes
contextos administrativos envolvendo preocupações e necessidades nacionais completamente
distintas, seja no que se refere aos tipos específicos de práticas adotadas como nos modelos de
gestão pública implementados importa, pois, analisar neste estudo essas diferenças e
especialmente ao modelo de reforma adotado e aos processos que refletem as novas práticas
de gestão pública em implementação no âmbito da reforma da administrativa (EGRSP, 20062011) em Moçambique.
30
Assim sendo, tendo como base o modelo de reforma administrativa proposto para a
administração pública moçambicana, este estudo busca analisar como têm sido
implementadas as novas práticas de gestão pública no contexto da gestão municipal,
considerando especificamente o caso do Município de Xai-Xai, explorando para o efeito as
experiências de gestão adotadas na organização e funcionamento desta municipalidade.
Portanto, o interesse pela realização de uma pesquisa sobre o processo da reforma
administrativa na realidade moçambicana se justifica em primeiro lugar pela pertinência de se
evidenciar as experiências que caracterizam a adoção dessas práticas no contexto da gestão
municipal, tendo em consideração igualmente que a municipalização foi apresentada nos
últimos quinze anos em Moçambique, como um mecanismo fundamental para a melhoria do
funcionamento da administração pública e do processo de formação das políticas públicas
locais.
Em segundo lugar, a realização desta pesquisa interessa pelo fato de que com a
implementação da reforma administrativa a partir da década de 2000, verificou-se uma
alteração significativa no enfoque dado aos processos de gestão pública em Moçambique,
impondo transformações profundas e ações complexas que têm impactado na dinâmica das
práticas de gestão assim como na forma de organização e funcionamento da administração
pública no geral e principalmente ao nível municipal.
Este estudo busca contribuir com subsídios teóricos e práticos acerca das novas
práticas de gestão pública e procura apresentar de forma integrada as diferentes dimensões
que norteiam os processos de reformas administrativas e de implementação das novas práticas
de gestão pública. Nisto, o estudo realizado se baseou nas principais categorias analíticas
associadas ao conceito de governança que se fundamentam nas concepções da modernização
da gestão pública apresentadas nas vertentes da (i) New Public Management; (ii) do interesse
público e a accountability e; (iii) da governança interativa.
Nessa perspectiva, procura relacionar basicamente os pressupostos dessas abordagens
com as concepções que orientam a reforma da administração pública moçambicana e,
sobretudo com a dinâmica da implementação dessas novas práticas de gestão pública no
contexto do Município de Xai-Xai. Desse modo, como contribuição central o estudo pode
ajudar na superação da lacuna teórica existente atualmente, relativamente à inexistência de
estudos que abordam especificamente análises ao processo de implementação das novas
práticas de gestão pública na realidade municipal em Moçambique. Nesses termos, a pesquisa
representa um ganho interessante, pois, diferentemente dos estudos precedentes que se
31
debruçam sobre a questão da gestão pública de forma desagregada, ela apresenta um enfoque
que integra as diferentes categorias associadas às novas práticas de gestão pública em um
único processo de análise.
Os estudos sobre a reforma administrativa e os processos de gestão pública –
formulação, gestão e avaliação de políticas públicas – em Moçambique têm concentrado o seu
enfoque nas análises ao nível macro e, estão relacionados especialmente com as questões da
organização institucional (MACUANE; WEIMER, 2003) e a reforma e descentralização
administrativa (FORQUILHA, 2007). Portanto, esses estudos dão pequena atenção às análises
sobre realidade da gestão local nos municípios.
Quando os municípios são objeto de estudo, muitas vezes os poucos trabalhos se
ocupam especificamente das questões relativas à transferência de recursos entre as esferas
governamentais (CANHANGA, 2009); da articulação entre os organismos municipais e as
autoridades locais tradicionais (FORQUILHA, 2009); da execução de políticas públicas e a
capacidade institucional de gestão desses entes públicos (NORONHA; BRITO, 2009), entre
outras. Contudo, esses enfoques privilegiam estudos em cujas dimensões de análise se
mostram restritas a apenas algumas questões que envolvem o processo de gestão municipal
sem, contudo, discorrerem de forma profunda sobre as contribuições e influências das novas
práticas de gestão pública no contexto atual da gestão municipalizada.
A análise efetuada nesta dissertação inova ao deslocar o foco para uma análise em que
se busca relacionar como referido anteriormente, o modelo da Estratégia Global de Reforma
do Setor Público (EGRSP, 2006-2011) às concepções e pressupostos teóricos da reforma
administrativa e, adicionalmente por enfatizar como as novas práticas de gestão pública estão
sendo implementadas no processo de gestão pública municipal. Nesta perspectiva, ofereceu
inúmeras vantagens, dado que, permitiu compreender como as entidades municipais
materializam as concepções da reforma administrativa bem como, identificar que práticas de
gestão pública foram institucionalizadas e têm orientado as ações governativas ao nível local
no Município de Xai-Xai.
Considerando os benefícios que o estudo trás em relação aos administradores públicos,
pesquisadores e a sociedade em geral compreende-se que o mesmo irá oferecer diversos
elementos que caracterizam o processo de reforma administrativa ao nível municipal
destacando os aspetos positivos e críticos existentes no caso específico do Município de XaiXai, possibilitando, desta feita, uma melhor interpretação sobre as práticas de gestão pública
que estão sendo implementadas naquela municipalidade. Assim, o estudo se mostra
32
importante uma vez que, ao levantar os problemas decorrentes da implementação das
reformas administrativas, apresenta novos temas, desdobramentos analíticos e possibilidades
para pesquisas futuras acerca do processo de gestão pública no contexto municipal.
Importa referir que a escolha do tema quanto do caso da pesquisa estão basicamente
relacionados às experiências profissionais e pessoais do autor desta dissertação, em relação à
administração pública em Moçambique em geral e ao processo de gestão do Município de
Xai-Xai em particular. O envolvimento profissional e o interesse acadêmico com diferentes
áreas de estudo da administração pública, da gestão municipal, assim como o potencial de
aplicação do conhecimento adquirido como resultado das atividades profissionais realizadas
no âmbito desta entidade pública, concorreram para a constituição da relevância no
desenvolvimento do estudo aqui apresentado.
Por fim, no que diz respeito à escolha do município como a unidade de pesquisa,
destaca-se o conhecimento que o autor possui do historial, estrutura e funcionamento das
atividades desta entidade bem como, a facilidade de acesso para a realização das entrevistas
que constituíram o esteio principal da análise desenvolvida nesta pesquisa.
33
2 Referencial Conceitual
Este estudo tem o seu enfoque em três dimensões conceituais sobre a governança no
setor público. Na primeira dimensão, discorre-se a respeito das abordagens da New Public
Management (NPM). Aqui, o enfoque apresentado assenta na compreensão de que em geral, o
movimento da NPM influenciou o surgimento de reformas administrativas que estão
relacionadas com a incorporação pela administração pública de práticas gerenciais oriundas
do campo da gestão privada como contraposição ao modelo tradicional da administração
pública.
Na segunda, abordam-se as concepções relativas à constituição do interesse público e
promoção da accountability no setor público. Esse processo é caraterizado pela promoção de
práticas de gestão tais como a transparência, a responsabilidade e a prestação de contas no
intuito de conformar o funcionamento das entidades públicas à sua estreita observância.
Na última, fala-se da governança interativa como um mecanismo de articulação e
interdependência entre as entidades públicas, o setor privado e a sociedade em que as bases
dessa interação se fundamentam na coordenação e participação de vários atores sociais no
processo de gestão das políticas públicas e do interesse coletivo e na aplicação de novos
arranjos administrativos e institucionais.
2.1 A New Public Management e a Modernização da
Gestão Pública
A literatura da administração pública aborda o surgimento da designada New Public
Management (NPM) como estando relacionado com as transformações vinculadas ao
movimento político e ideológico7 de ações de reformas do Estado e administrativas,
desencadeadas primeiramente nos países desenvolvidos nos primórdios da década de 1980 e
7
Barzelay (2000, p. 3-4) apresenta uma abordagem sobre o conceito a NPM entendido como uma discussão
política que engloba assuntos relativos à gestão pública, incluindo o gerenciamento de políticas, liderança, o
programa de design das organizações e das operações do governo. Encara igualmente, como um conceito de
análise cientifica das ideias definidas nas agendas de mudança organizacional evidenciadas em vários países
ocidentais durante a década de 1980. Este autor conceitualiza a NPM por um lado, como um argumento
administrativo visto como “sistemas em forma de ninhos” de ideias relacionadas a modelos organizacionais que
podem ser desagregados em sub-argumentos e que cada um permite uma análise de acordo com os seus
componentes nomeadamente, doutrinas e justificações. Por outro, como uma filosofia administrativa, formada
por doutrinas aceites que afetam a agenda governamental olhando para as questões do modelo organizacional,
para estabilizar o clima sobre a as opiniões desta matéria.
34
mais tarde nos países em desenvolvimento durante a década de 1990. As mudanças
administrativas apresentadas pela NPM têm como pressupostos a obtenção de melhores
resultados na organização e funcionamento da administração pública e a adoção de uma série
de mecanismos gerencias para alterar os valores essências da cultura administrativa imposta
pelo modelo da administração pública burocrática.
Conforme assinala Larbi (1999), a NPM passa a existir como uma abreviação de um
conjunto de doutrinas que alegam a importância da realização de reformas administrativas que
objetivam a reorientação do modelo de administração pública (tradicional) vigente para a
adoção de novas práticas gerenciais que se traduzem na efetivação de mudanças estruturais e
organizacionais nos processos de gestão pública. Na argumentação de Osborne e Gaebler
(1994) essas mudanças são expostas como estando relacionadas ao surgimento de práticas de
gestão inovadoras nas formas de oferecimento dos serviços públicos com o surgimento, por
exemplo, de governos inovadores e empreendedores.
O conceito da NPM sugere uma multiplicidade de significados o que expressa a não
existência de uma única definição que possa ser considerada abrangente aos diferentes
processos de reformas desencadeados nos diversos países sob a orientação das concepções da
NPM. Pollitt e Bouckaert (2002, p. 14-15) assinalam que apesar de as reformas
administrativas visarem fundamentalmente à melhoria do processo de gestão pública, elas
incorporam técnicas e características de matrizes diversas o que mostra uma ampla variedade
de formas e de práticas nos diferentes contextos, pois, as reformas administrativas procuram
responder também a preocupações e necessidades nacionais completamente diferentes. Sobre
este aspeto Peci et al. (2008, p. 50) afirmam que não existe uma definição conclusiva para a
noção da NPM sendo interpretada por vários autores a partir de múltiplas perspectivas que
consideram igualmente elementos de análise muitas vezes distintos.
Nessa perspectiva, as diversas reformas administrativas inspiradas pelas concepções
da NPM apresentam configurações variadas entre os diferentes países (ABRUCIO, 1997;
KETLL, 2000). Essas distinções estão relacionadas principalmente com aspetos tais como: o
modo como se desencadeia a reforma, os objetivos visados, o alcance das iniciativas, as
estratégias utilizadas, os conteúdos dominantes e formas de execução, entre outros.
Assim sendo, as reformas administrativas inspiradas pela NPM podem ser agrupadas
em três conjuntos de experiências de acordo com as suas principais características. O primeiro
conjunto refere-se ás experiências de países como o Reino Unido, Austrália, Estados Unidos e
Nova Zelândia que lideraram a NPM e a reinvenção do governo (JONES; KETTL, 2003). O
35
escopo da reforma esteve projetado para melhorar a eficiência e a efetividade do serviço
público, a gestão por objetivos e o incremento dos resultados através de instrumentos com
vistas à avaliação do desempenho organizacional (BARZELAY, 2000).
Esses instrumentos se traduziram na implantação de novos sistemas de regras e
incentivos para o funcionamento da administração pública, com destaque para a gestão por
contrato, a adoção de padrões explícitos de avaliação de desempenho, articulados com maior
flexibilidade e variedade na prestação de serviços públicos e foco na satisfação das demandas
dos consumidores/clientes. Mas, resultaram também em mudanças que enfatizam aspectos
como o aumento de competição e da qualidade dos serviços públicos e contratação na gestão
pública.
O segundo conjunto abrange as experiências dos países da Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A preocupação principal é com a
aplicação de mudanças em áreas consideradas estratégicas no funcionamento da
administração pública e, seu foco se circunscreve na reestruturação organizacional,
aperfeiçoamento da gestão e treinamento de recursos humanos, prestação alternativa de
serviços públicos e a gestão do gasto público e redução das ineficiências (CARNEIRO;
MENICUCCI, 2011). Nesta perspectiva, entre as medidas mais usuais, aparecem o
fortalecimento das ações de descentralização e desconcentração, a mensuração de resultados e
a avaliação de desempenho, ao lado de reformulações orçamentárias e no uso de mecanismos
de mercado ou quase mercado na prestação de serviços públicos.
Por último, destacam-se as experiências de reformas dos países em desenvolvimento
como os africanos cujas caraterísticas foram ditadas por pressões de natureza estrutural e
fiscal (SALOOJEE; FRASER-MOLEKETI, 2010). As ações desenvolvidas visaram
responder o desafio da capacidade do Estado e da administração pública no fornecimento de
serviços públicos e focalizaram predominantemente aspetos relativos à redução de custos que
a promoção de desempenho do setor público. As medidas implementadas enfatizam
propósitos macroeconômicos com enfoque no ajuste estrutural, nas ações de privatização, no
reforço nos mecanismos de controle financeiro e cortes profundos sobre as despesas com
pessoal do aparelho do Estado.
O que essas abordagens salientam é a compreensão de que as concepções da NPM
expressas nos dois primeiros conjuntos de experiências de reformas administrativas, por um
lado, representam uma variante de mudanças que se preocupa principalmente com a prestação
de serviços à população, através da incorporação e aprimoramento de mecanismos baseados
36
nas técnicas empresariais. Por outro, representam a utilização de práticas de gestão e
processos organizacionais pela administração pública, para reduzir as deficiências na resposta
às demandas da sociedade com maior eficiência e eficácia.
Relativamente ao último conjunto de experiências as medidas de reformas
administrativas implementadas representam, por sua vez, uma variante que implicou em
mudanças na gestão pública baseadas em aspetos cujas características centrais são o
planejamento, controle e a avaliação orçamentária, mas que se mostram bastante distintas das
concepções que nortearam a introdução das novas práticas de gestão pública amplamente
difundidas pela NPM.
A despeito dessa multiplicidade de significados pode-se dizer que as reformas
administrativas desenvolvidas sob as concepções da NPM representam um conjunto de
mudanças que afetam as estruturas e os processos de gestão da administração pública. Essas
reformas privilegiam a aplicação de novas técnicas e valores na administração pública
(CAIDEN, 1994; FERLIE et al., 1996; DOLLERY; WALLIS, 2000; BARZELAY, 2000;
O’FLYNN, 2007; OSBORNE, 2010; TOONEN, 2010), inspirados pelos mecanismos de
operação do mercado considerados mais flexíveis e menos padronizados.
Com essas mudanças modificam-se as práticas de gestão pública, por exemplo, a
avaliação do sucesso ou fracasso da administração pública se altera, passando a ser delimitada
por critérios próximos àqueles utilizados pela administração privada ou empresarial. Nesta
perspectiva, a NPM preocupa-se com a busca de eficiência e à redução do gasto público, o
foco em resultados e a qualidade dos serviços prestados. Refere-se, igualmente, à utilização
de princípios renovados de eficiência, eficácia e competitividade no processo de gestão
pública contemporânea.
Nesses termos, tanto a qualidade do serviço quanto o aumento da produtividade têm
sido metas amplamente defendidas. Como faz referência O’Flynn (2007) a preconização de
mudanças associadas à efetividade e melhoria da eficiência gerencial na prestação de serviços
à sociedade são apresentadas nesta abordagem como as prioridades no funcionamento do
setor público. Portanto, o enfoque de mudanças dado pela NPM modifica a ênfase da
administração pública tradicional caraterizada pelos princípios da legalidade, imparcialidade e
equidade bem como, pelos processos de especialização funcional e a estrita observância e o
cumprimento de procedimentos na atuação da administração pública para a utilização de
novas práticas de gestão pública baseadas no controle pelos resultados e elevação do
desempenho e a orientação para a qualidade dos serviços prestados ao cidadão.
37
Segundo Hood (1991) a NPM é um termo utilizado para definir as diferentes reformas
do setor público de modo a enfatizar os elementos comuns e cujas concepções se opõem ao
núcleo das doutrinas básicas da administração pública tradicional, particularmente
substituindo a ênfase em regras gerais pela ênfase em resultados. Ainda, de acordo com este
autor a sua caraterística principal é o destaque que atribui a valores e princípios do setor
privado, associados à incorporação na organização e funcionamento do aparelho do Estado.
Por vez Peci et al. (2008) compreendem que as reformas administrativas promovidas
pela NPM incidiram na transformação dos mecanismos tradicionais de estruturação e de
atuação da administração pública com a introdução de novas práticas de gestão provenientes
do setor privado. O objetivo é tornar mais flexíveis os procedimentos, a adoção de critérios de
avaliação de resultados, a competitividade, a descentralização, a desconcentração, a atribuição
de maior autonomia às agências públicas e a preocupação com a prestação dos serviços ao
cidadão, visto nesta vertente, como cliente-cidadão.
Na mesma perspectiva Ferlie et al. (1996) argumentam que esse processo de reformas
da administração pública envolve o redesenho das estruturas, procedimentos e práticas das
organizações do setor público, incorporando mudanças de grande magnitude na dimensão
institucional, em que se incluem questões atinentes aos princípios e valores que orientam o
funcionamento das organizações do setor público.
Autores como Osborne e Gaebler (1995) explicam que com o surgimento das
concepções da NPM verificou-se uma transformação na administração pública tradicional
anteriormente predominante para uma abordagem que incorporara novas ferramentas e
estratégias de gestão para as instituições públicas essencialmente inovadoras, empreendedoras
e que promovem maiores resultados no processo de gestão pública.
Para estes autores com a utilização das práticas gerenciais surgidas com a NPM são
assumidas dentro da administração pública relações concorrenciais entre as unidades de
serviços independentes dentro de qualquer política de domínio público, com a finalidade de
oferecer serviços de maior qualidade e de forma eficiente à sociedade ocorrendo, dentro de
um mercado organizado de forma horizontal onde, o mecanismo de alocação de recursos se dá
através da combinação variável de competição, o mecanismo de preços e relações contratuais.
O que está em voga é, por um lado, a modernização da administração pública e dos
processos de gestão através da adoção de novas práticas gerenciais encaradas como sendo
mais flexíveis, competitivas e amplamente inovadoras. Por outro, com a modernização
administrativa busca-se a prestação de serviços públicos de qualidade com base na união de
38
sinergias entre o setor público e o privado que permite reorientar a ação governativa do
Estado para além de prestadora de serviços, para se tornar catalisadora de uma nova estrutura
de orientação de políticas públicas e dos processos de tomada de decisão que privilegiam a
integração de atores do setor privado (OSBORNE; GAEBLER, 1995).
Na explicitação de Tohá e Solari (1997) as novas concepções relacionadas com a
modernização da administração pública propostas pela NPM, pretendem a aplicação de uma
nova visão ancorada na lógica gerencial e na flexibilidade explicadas pela alteração de
determinadas práticas consideradas como os obstáculos que contribuem para o excesso do
formalismo e a baixa eficiência do setor público tornando-o frágil, não competitivo e pouco
preocupado com o cidadão.
Nesses termos, as reformas preconizadas pela NPM promovem uma ampla inflexão
nos pressupostos da administração pública tradicional “movendo” o Estado e as suas
instituições para a aplicação de práticas de gestão pública que estão concentradas no “ataque”
ao núcleo de suas doutrinas básicas, particularmente substituindo a ênfase nas regras pela
ênfase nos resultados. Como lembra Toonen (2010) essas novas concepções estão dirigidas de
forma geral para:
 A descentralização que foi apontada como elemento de particular relevo
enquanto motor da capacidade criativa e de inovação organizacional e, indiciou
como imperativa a redução dos níveis hierárquicos (achatamento obrigatório
dos tradicionais designs piramidais);
 A desregulamentação que veio contribuir para que os gestores pudessem
intervir diretamente na gestão dos recursos financeiros, humanos e materiais,
na tentativa de alcançarem os objetivos organizacionais;
 A delegação das competências como forma de o poder político se permitir
afastar das preocupações da gestão corrente e da implementação das políticas
públicas e;
 O abandono dos processos de padronização caraterísticos da administração
pública tradicional e a instituição de práticas de controle por resultados
baseados na elevação do desempenho e na orientação para a qualidade dos
serviços prestados ao cidadão.
Tudo visto, compreende-se que as razões mais evidentes para a implementação da
reforma administrativa têm como fundamento a preocupação dos governos em empreender
39
esforços para modernizar e agilizar os processos de funcionamento da administração pública.
Observa-se como foi mencionado anteriormente, que mesmo que as prioridades relativas às
ações da reforma da administração pública variem com o tempo e de acordo com as
circunstâncias e os pontos de partida específicos de cada país, a sua maior motivação tem
estado relacionada à busca de redução da ineficiência da gestão pública e um amplo desejo de
reduzir o fraco desempenho das instituições públicas no contexto da satisfação das demandas
públicas da sociedade.
2.2 O Interesse Público e a Accountability
A literatura da área de administração pública testemunhou no decorrer da década de
1990 o surgimento de estudos que apresentavam abordagens diferentes das concepções da
New Public Management (NPM), cujas alegações influenciaram sobremaneira a forma como
a gestão pública tem sido compreendida e encarada atualmente. Nessas abordagens destacamse os conceitos de interesse público e a accountability que consideram que a qualidade das
ações dos governos e da administração púbica depende, não exclusivamente, mas em grande
medida, dos incentivos para a constituição de práticas de gestão que se baseiam no interesse
coletivo e nos controles a que estão submetidos os governantes e a burocracia.
Nesse contexto, foram apresentadas críticas ao modelo da NPM ao considerar a
presunção de que existe objetivamente uma superioridade dos mecanismos e das técnicas da
gestão privada relativamente às da administração pública para promover uma gestão pública
que se pretende que seja mais eficiente nos processos e efetiva nos seus resultados. A questão
é que o modelo gerencial voltado para a eficiência e melhoria do desempenho limita o alcance
do interesse púbico enquanto prestador de serviços, assim como, a cobrança de resultados e a
prestação de contas (accountability) da administração pública perante a sociedade (POLLITT;
BOUCKAERT, 2002).
Para Denhardt e Denhardt (2000) ao concentrar sua ênfase exclusivamente na
eficiência e eficácia dos serviços públicos sem comtemplar, por exemplo, as modificações
organizacionais impostas pelo exterior e os grupos de interesse como dimensões cruciais para
a implementação de políticas públicas, os pressupostos da NPM são susceptíveis de críticas na
implementação de suas concepções. Essas críticas se estabeleceram dentro das concepções
que defendem, por um lado, a necessidade de constituição do interesse público (public service
orientation) como fator importante no processo de gestão pública. Por outro, surgiram dentro
40
das concepções desenvolvidas por organismos internacionais sobre a necessidade de se
introduzir práticas de gestão que promovem maior transparência e responsabilidade no
processo de gestão pública.
Para Abrucio (1997) a public service orintation vem resgatar as concepções sobre a
participação política dentro de um conceito mais amplo, o de esfera pública que se utiliza da
transparência como proteção contra novas formas particularistas de intervenção no âmbito da
administração do Estado. Neste sentido, é a partir do conceito de esfera pública que é
estruturado o conjunto de concepções da public service orientation acerca da participação dos
cidadãos no processo de gestão pública.
Autores como Denhardt e Denhardt (2000, 2003) compreendem que as concepções da
public service orientation consideram que a administração pública é influenciada
contemporaneamente por um conjunto expressivo de ideias e de práticas de gestão que estão
voltadas para a constituição do novo serviço público e, que mostram uma evolução e
mudanças nas formas de gestão, muito além das que são apresentadas pela NPM. Nesses
termos, as reformas do Estado e administrativas passam a estar preocupadas com a
revalorização e reorientação do seu papel, particularmente, enquanto promotor da inclusão e
redução das desigualdades.
Esta abordagem sobre o serviço público dá maior atenção às transformações que visam
maior aproximação entre os atores políticos, os agentes públicos e os cidadãos e a ação
coletiva dentro de um contexto em que o referencial da esfera pública é o mais importante.
Assim sendo, essas mudanças se fundamentam nas proposições da New Public Service (NPS)
que consiste na aplicação de ideias renovadas da teoria da cidadania e sociedade civil, do
humanismo organizacional e da administração pública pós-modernista.
Na abordagem da NPS, o Estado é encarado como uma entidade que existe para
assegurar as escolhas dos cidadãos e os seus interesses. Enfatiza-se que no setor público
serve-se aos cidadãos e não a clientes como consideram as concepções do movimento da
NPM, cujo enfoque central está direcionado à adaptação e transferência para a administração
pública de técnicas e mecanismos gerenciais desenvolvidos no setor privado.
No bojo dessas concepções defende-se conforme discorrem Denhardt e Denhardt
(2000, p. 552-553) que os cidadãos devem se encontrar ativamente envolvidos no processo de
governança, no sentido de que a gestão pública necessita de dar maior atenção aos interesses
coletivos para além dos interesses particulares que emergem no âmbito das organizações
públicas.
41
A alegação principal que fundamenta os pressupostos das ideias da NPS é a de que os
gestores públicos devem se sujeitar à confiança dos cidadãos através de três princípios
importantes: (i) a responsabilidade; (ii) o engajamento social com vistas ao fortalecimento dos
interesses coletivos e; (iii) a dependência mútua alinhada para a criação e elevação do diálogo
comum. Esse modelo sustenta que, via atividade de coprodução entre comunidades,
organismos públicos e privados é possível estimular uma maior participação, cidadania e
accountability na sociedade.
Segundo argumentam Denhardt e Denhardt (2000) especificamente a NPS defende
que as políticas são um complexo resultado dos interesses de vários grupos, opiniões e
interesses. No novo contexto de relações o papel do governo se transforma tornando-se um
ator não exclusivo que controla a sociedade e oferece serviços, mas que agrega, negocia,
facilita e busca soluções com outros atores privados e a sociedade civil.
O interesse público é concebido como uma noção construída coletivamente em que
são partilhados interesses e responsabilidades baseadas na deliberação conjunta, onde o
Estado promove a articulação e o interesse público, justiça e a equidade (DENHARDT;
DENHARDT, 2000). Sob estas condições, o papel principal do governo sobre a direção e
controle da sociedade se altera, gerando uma fragmentação na sua responsabilidade sobre as
políticas públicas a partir da descentralização dos interesses políticos que dão lugar ao
surgimento de um novo caráter nas interações e o envolvimento da sociedade.
Isso acontece, pois, o processo de formulação e implementação de políticas públicas
no contexto da NPS não se materializa por meio de relações hierárquicas entre os agentes
públicos e a sociedade, mas pela integração dos grupos de interesses compostos por empresas,
sindicatos, organizações sem fins lucrativos, grupos de interesse governamentais e cidadãos
comuns nas “arenas do desenvolvimento das políticas públicas” (DENHARDT;
DENHARDT, 2003, p. 4).
Assim sendo, como compreende Stocker (1998) o enfoque dado à gestão pública
resulta de um processo instituído a partir da mudança na forma de encarar como o interesse
público se constitui e a sociedade é governada. A questão importante que permeia a discussão
sobre o interesse público explicita este autor tem a ver, com o caráter das novas relações e
interações que se estabelecem no âmbito da atuação política e administrativa do Estado.
Na mesma perspectiva Mintzberg (1996) lembra que o papel do sector público é o de
servir o interesse público considerando, o caráter da relação recíproca e interdependente que
se estabelece entre o Estado e os cidadãos. As relações devem constituir-se com base nas
42
ideias da cidadania em se que promove a colaboração em vez do controle, a interatividade em
vez de segmentação, no intuito de garantir que a influência mútua estabelecida proporcione
um ambiente favorável à construção de políticas públicas cada vez mais efetivas em seus
resultados para a sociedade.
Neste sentido, as relações são encaradas como “um sistema interconectado, uma rede
complexa de relações concebidas para solucionar problemas à medida que surgem”, onde
existem canais informais de comunicação e colaboração que permitem uma ampla
interconexão entre as partes envolvidas (MINTZBERG, 1996, p. 157).
Por sua vez, nas abordagens acerca da constituição de práticas de accountability no
processo de gestão pública defende-se (PRZEWORSKI, 1996, p. 23) que as reformas da
administração pública devem se traduzir na implementação de práticas de gestão voltadas
para promover maior controle da sociedade, responsabilidade e prestação de contas sobre as
ações desenvolvidas pelas organizações do setor público.
Em sua argumentação Klijn (2010, p. 303) compreende que tais controles e incentivos
às práticas que promovem accountability se fundamentam na necessidade do aperfeiçoamento
de práticas administrativas para garantir uma atuação responsável dos governos e dos
administradores públicos dentro do complexo e dinâmico processo de gestão das políticas
públicas.
Nesta perspectiva, o Cadbury Committee Report8 (1992) apresentou um modelo
analítico organizacional que serviu de inspiração para diversas reformas institucionais
realizadas em vários países, no que diz respeito aos processos de controle dos recursos
financeiros e a prestação de contas, podendo ser citado como exemplo para o caso do setor
público a criação do Study 13 denominado Governance in the Public Sector: A Governing
Body Perspective do IFAC9 (2001).
8
O Cadbury Committee Report foi criado em Maio de 1991 pelo Financial Reporting Council, do London Stock
Exchange e profissionais da área contábil para tratar dos aspectos financeiros da corporate governance. Os seus
proponentes estavam preocupados com o funcionamento do sistema corporativo dado o registro de falhas na
gestão verificadas em várias organizações e, por críticas à falta de mecanismos eficazes de responsabilidade para
os concelhos de direção. A gestão pública passou a ser considerada também como a instituição de um sistema
pelo qual as organizações são dirigidas e controladas, portanto, específica às estruturas e responsabilidades dos
conselhos de direção, apresentando um código sobre as melhores práticas associadas a três princípios
fundamentais que caminham em paralelo, a transparência (openness), integridade (integrity) e a responsabilidade
em prestar contas (accountability). Esta perspectiva inspirou o Study 13 do IFAC denominado, Governance in
the Public Sector: A Governing Body Perspective.
9
O International Federation of Accountants – IFAC (2001) é um comitê formado para tratar de forma
coordenada ao nível internacional, as necessidades de controle financeiro, da contabilidade e auditoria no setor
público, sejam relacionadas às instituições do governo central (estadual, provincial, regional), os governos locais
(municípios) e outras entidades governamentais (agências, conselhos, comissões e empresas). O estudo
concentra-se na apresentação de arranjos de governança no setor público, especificamente relacionados com a
43
Para o International Federation of Accountants IFAC (2001) a gestão pública tem a ver,
com o desenvolvimento de uma série de novas práticas de gestão aplicadas às entidades
públicas, tendo em vista a assegurar no seio das instituições governamentais maior abertura,
integridade e accountability (prestação de contas) como forma de elevar a boa governança.
Essas práticas visam em primeiro lugar à fixação dos padrões de comportamento na
gestão das organizações públicas; em segundo a determinação das estruturas organizacionais e
processos que garantem como as responsabilidades são definidas; em terceiro o
estabelecimento do controle a partir de uma rede de vários controles que permitam a
realização dos objetivos organizacionais, a eficácia e eficiência das ações realizadas e; em
último a utilização de relatórios externos para a demonstração das responsabilidades pela
administração dos recursos públicos e seu desempenho no uso dos recursos (IFAC, 2001, p.
12).
De acordo com essas abordagens, as preocupações recentes sobre os processos de
gestão pública têm sido principalmente em relação à criação de estruturas internas e externas
de prestação de contas, que têm como objetivo central promover o bom desempenho gerencial
das organizações públicas tendo como critérios a promoção da governança corporativa ao
nível das instituições do Estado.
Conforme indica Hughes (2010, p. 93) a motivação para a adoção dessas práticas de
gestão pública se deve, principalmente, ao imperativo de manter e aumentar a confiança das
entidades governamentais e dos gestores sobre os processos e mecanismos do exercício de
suas atividades. Barrett (2002, p. 2) compreende que a questão essencial da gestão pública
tem a ver com a forma como uma organização é gerenciada, sua corporação e outras
estruturas, a sua cultura, suas políticas e estratégias e, a maneira pela qual ela lida com os
vários stakeholders10 no processo da gestão pública.
Nesse sentido, o autor chama a atenção para o que considera crucial na aplicação
efetiva das melhores práticas de gestão no setor público e menciona o uso de práticas de
gestão que promovem à integridade, informação, compromisso, controle, accountability e
transparência. Essas práticas remetem para a importância da visibilidade do funcionamento do
adoção de princípios de responsabilidade e de controle que contribuem para a boa governança e a prestação de
contas.
10
O conceito de stakeholders segundo o IFAC (2001, p.12) tem a ver, com as partes interessadas na
atuação do setor público e pode incluir um corpo de indivíduos com responsabilidade de avaliar o desempenho
institucional, os provedores de recursos (contribuintes, credores e obrigacionistas), prestadores de serviços e
parceiros (funcionários, fornecedores e outras entidades governamentais), os usuários de serviços (pessoas
físicas e organizações que se beneficiam dos serviços que a entidade proporciona), grupos de interesse,
(analistas, políticos), a mídia e a comunidade em geral.
44
Estado e das suas instituições, contribuindo para o fortalecimento da cidadania e, em última
instância da democracia.
De acordo com este autor, reconhece-se nesta abordagem, por um lado, a importância
dos cidadãos no conhecimento, na participação e avaliação dos resultados da implementação
das políticas públicas. Por outro lado, são criados ou instituídos na gestão pública novos
relacionamentos que privilegiam modalidades de participação pública assentes na sociedade
civil e no setor privado como forma de beneficiar a melhoria dos resultados organizacionais e
a transparência na atuação do setor público.
Nesses termos, as práticas administrativas relacionadas com a accountability –
controle gerencial por meio da lógica de resultados segundo Behn (1998) e controle social na
administração pública conforme argumenta Cunill Grau (2000, 2009), são apresentadas como
mecanismos que visam ampliar o modelo de prestação de contas da ação governamental pelos
organismos públicos e responsabilização do processo de gestão das políticas públicas.
Para Cunill Grau (2000, p. 269) a accountability representa uma obrigação que se
impõe aos governantes e agentes públicos de assumirem responsabilidades e prestarem contas
perante os cidadãos relativamente às políticas e programas governamentais. Corresponde ao
exercício do controle social constituído por dois momentos: (1) a prestação de contas ou
informações a respeito do funcionamento da administração pública, das ações e políticas
públicas realizadas (transparência e justificação de ações) e; (2) o poder de interferir, direta ou
indiretamente, caso algo esteja diferente do proposto ou das metas definidas (controle da
legalidade das ações).
Assim, compreende a accountability como um processo que promove a integração de
múltiplos stakeholders numa ampla discussão sobre a definição dos sentidos das políticas
públicas e ações do Estado, não se limitando apenas aos sujeitos diretamente interessados nos
resultados de uma política ou ação governamental. É uma forma específica de participação da
sociedade no processo de controle social sobre os assuntos de interesse público dentro da
administração pública (CUNILL GRAU, 2000).
Para tal, a prestação de contas efetiva dá-se concretamente em espaços ou através de
mecanismos que possibilitam a troca de informações e interação profunda entre essa
pluralidade de atores da sociedade e atores do Estado ou de governos, definindo novos
sentidos e horizontes para as políticas públicas visando gerar transformação com a ativa
participação da sociedade.
45
Na mesma perspectiva relacionada com a prestação de contas O’Donnell (1998, p. 28)
encara a accountability em duas vertentes, sendo uma vertical e a outra horizontal. A primeira
é referente aos mecanismos políticos que permitem a realização de ações, seja
individualmente ou por meio de ação organizada e/ou coletiva, com referência àqueles que
ocupam posições em instituições do Estado, eleitos ou não. O canal principal através do qual
se efetiva esse mecanismo de controle são as eleições em que os cidadãos premeiam os
resultados das ações governamentais com mais um mandato ou punem com a reprovação de
seus programas governativos na eleição seguinte (O’DONNELL, 1998).
A segunda relaciona-se à existência de instituições do Estado que têm poder legal e
estão capacitadas para realizar ações cuja natureza implica na supervisão e controle de rotina
e aplicação de sanções legais sobre as irregularidades constatadas no processo de gestão de
outras organizações do setor público. De acordo com O’Donnell (1998), o mecanismo de
accountability horizontal envolve, sobretudo instituições do executivo, do legislativo e do
judiciário podendo se estender a outras instituições com autoridade e responsabilidades para a
fiscalização e prestação de contas.
Esse conjunto de mecanismos de prestação de contas tem em vista promover a
abertura e a participação ampla e garantir que o conteúdo das decisões seja acessível a todos
os indivíduos dentro da sociedade. A compreensão central é a de que a accountability
horizontal tem como consequência a demanda por um alto grau de transparência na tomada
das decisões das políticas públicas.
Por sua vez, Ceneviva (2007) salienta que a gestão pública deve privilegiar a
introdução de processos que permitem, por lado, a gestão e, por outro a fiscalização da
organização, ao mesmo tempo em que são estabelecidos mecanismos de coordenação entre
esta última e os diversos grupos de interesse11 (stakeholders) de modo a fortalecer o processo
de prestação de contas à sociedade. O autor ressalta que a gestão pública deve ser concebida
como a aplicação de práticas orientadas para o estabelecimento de mecanismos de controle,
responsabilização e transparência das ações de domínio público como os elementos
fundamentais para vincular a atuação das organizações do setor público.
11
Ambler e Wilson (1995) proporcionam uma discussão importante acerca d da formação dos grupos de
interesse, discorrendo sobre a teoria dos stakeholders. Por um lado, mencionam a sua relevância como uma
forma de articulação estabelecida de entre as organizações e os grupos de interesse. Por outro lado, estes autores,
apresentam as várias abordagens teóricas que se propõem a explicar o alcance deste conceito e, elucidam sobre
os problemas a ele relacionados como, a determinação de um grupo de interesses, representação, competição,
distribuição de benefícios, entre outros (AMBLER; WILSON, 1995, p. 33-35).
46
A compreensão que se tem sobre as concepções da formação do interesse público e a
accountability no processo de gestão pública é a de que elas destacam as mudanças impostas à
administração pública de modo a garantir, por um lado, que as ações governativas sejam
orientadas às necessidades e demandas das sociedades e elevar o nível de credibilidade das
instituições públicas inseridas no contexto da prestação de serviços públicos. Por outro, as
práticas de transparência, responsabilidade e prestação de contas são encaradas como a
criação de um sistema de valores pelo qual as organizações são dirigidas e controladas, que
exige que todos os atores governamentais envolvidos nas ações e atividades do setor público
adotem de forma efetiva procedimentos de abertura e de accountability relativamente aos
processos de gestão desenvolvidos.
2.3 A Governança interativa
Na literatura referente aos estudos das áreas da ciência política e da administração
pública o termo governança é definido num sentido amplo e tem sido utilizado de forma
bastante heterogênea e com múltiplos entendimentos, podendo compreender desde a aquisição
e distribuição de poder pela sociedade (PETERS; PIERRE, 1998), até a forma com as
instituições são administradas.
Nos estudos e relatórios de agências multilaterais apresentados durante os primeiros
anos da década de 1990, em especial do Banco Mundial (1992, 1994), o conceito de
governança (governance) surgiu inicialmente restrito às concepções de desempenho gerencial
e administrativo. Este surge como referência às concepções do good governnment e na
competência do Estado e da administração pública em executar de forma consistente as
políticas públicas. Com a intensificação de sua utilização, a noção de governança passa a
incorporar outras variáveis – além daquelas relacionadas ao bom desempenho da
administração pública – dando atenção particularmente à atuação da sociedade civil como ator
político. A ideia de hierarquia, como princípio organizador da relação Estado e sociedade,
transforma-se numa relação de cooperação e colaboração entre os atores sociais principais
(Estado, setor privado e sociedade).
Nesta perspectiva, compreende-se que as concepções acerca da governança interativa
vão desde a ampliação do relacionamento entre o Estado e a sociedade até o estabelecimento
de redes de articulação no processo de formação das políticas públicas conduzidas por
47
relações mais horizontais e amplamente coordenadas, ou seja, tem como traço distintivo a
dimensão relacional entre o sistema governamental e o ambiente que circunda o governo.
Portanto, as relações hierárquicas entre o Estado e a sociedade são substituídas por
outras formas de relacionamento cujas caraterísticas se distinguem pela atuação conjunta entre
atores públicos e privados. Nessa ótica, a gestão pública adota um novo foco que deixa de ser
sobre os processos para a constituição de padrões de interação entre vários interesses em torno
da explicitação e promoção do interesse coletivo.
Assim sendo, o conceito de governança sugere elementos que articulam a gestão
pública com a dimensão democrática e, portanto, com a dimensão política, não se restringindo
a aspectos instrumentais e técnicos com vistas à eficiência em um sentido restrito, mas à
definição da própria atuação das instituições do Estado e à sua eficácia perante as demandas
da sociedade. A questão central está relacionada com a definição de novos arranjos
institucionais que servem de incentivo às sociedades promovendo a constituição de novas
práticas de articulação entres atores públicos, privados e a sociedade civil.
Nestes termos, Kooiman e Vliet (1993) caracterizam a governança como um conceito
renovado de gestão pública que enfatiza, por um lado, a realização de mudanças nos
processos administrativos dentro da administração pública e a consideração dos aspectos
internos das organizações públicas focalizando de forma concomitante, a relação entre a
dimensão interna e a exterior das organizações públicas na busca de eficiência administrativa.
Por outro lado, a governança encerra a ideia da formação de uma maior consciência ética que
se move da ética individual para um sistema ético onde predomina a responsabilidade e a
accountability no processo de atuação da administração pública.
No entendimento destes autores, a governança trata de examinar como a administração
pública encara o seu mundo exterior no ambiente contemporâneo de relações estabelecidas
entre o Estado e a sociedade, cada vez mais influenciadas por problemas que se mostram mais
complexos, dinâmicos e diversos. Essa conjuntura é marcada muitas vezes pela “necessidade
de elevação dos níveis de integração e interdependência no processo de constituição dos
interesses coletivos das sociedades hodiernas” (KOOIMAN; VLIET 1993, p. 60-63).
Em outra vertente, Kooiman (1993, p. 140-142) sustenta que a moderna governança
envolve o interesse pelas interações sociais e pode ser tratada de acordo com os diferentes
níveis, modos e ordens de governança que representam os padrões de articulação societária e
consequentemente, ela tem a ver com a forma de governar. Nessa abordagem, este autor
discorre sobre a teorização da governança político-social nas sociedades modernas em que o
48
conceito de interações é visto como central para a governança. Portanto, ela se baseia em
profundas e sistemáticas interações entre quem governa e os que são governados podendo ser
aplicada às interações do tipo público-público, como nas do tipo público-privado cuja ênfase
está nos aspectos bilaterais ou multilaterais de governança.
Assim sendo, a governança interativa implica não apenas o envolvimento de atores
não estatais no planejamento e implementação das políticas públicas, mas também em todo o
processo de coprodução e cogestão de políticas. Rhodes (1997) compartilha igualmente desta
visão, afirmando que “o Estado torna-se uma coleção de redes interorganizacionais compostas
por atores governamentais e sociais sem nenhum ator soberano capaz de conduzir e regular
exclusivamente o processo de tomada de decisão” (RHODES, 1997, p. 57). Deste modo, a
governança representa um processo complexo de mecanismos orientados para promover a
agregação e articulação de interesses coletivos, que fazem com que os atores sociais e as
organizações dentro de sua arena de atuação adotem condutas determinadas que satisfaçam
suas necessidades e respondam às suas demandas.
Peters e Pierre (1998), por sua vez, sustentam que a governança modifica a questão
dos procedimentos e práticas dentro da administração pública, dando origem a novos
mecanismos de tomada de decisão, de articulação público-privado na formulação de políticas
públicas e de participação dos diferentes setores interessados nos processos administrativos do
Estado. Estes autores destacam que nos novos arranjos institucionais estabelecidos no
contexto dessas relações interorganizacionais, o Estado e as suas instituições mantêm o seu
papel na condução e liderança na elaboração das políticas públicas, apesar do processo de
governança gerar a criação de centros múltiplos de formação das políticas nas diversas esferas
de governo. A administração pública não perde a importância, mas sim desloca o seu papel
primordial de planejar, formular e implementar políticas públicas para a adoção de uma
postura interativa caracterizada pela coordenação, cooperação e articulação das ações
governativas dentro do Estado.
Observa-se que o que essas abordagens acima destacam é que existe uma mudança
circunstancial nas fronteiras que são estabelecidas entre o Estado e a sociedade, mas também
no caráter de organização entre ambas as esferas tornando-as mais permeáveis no sentido de
que as interações passam a fundar-se no reconhecimento da necessidade de (inter)
dependências mútuas. Nessa ótica a governança interativa cria instrumentos de colaboração e
práticas de integração dos diferentes atores públicos e privados no processo de gestão
utilizadas, deste modo, como meios para o alcance de interesses coletivos.
49
No entanto, Kooiman (1993, p. 140-143) esclarece que “para se compreender a
governança em particular a social e política torna-se necessário ter atenção a três questões a
ela relacionadas e que estão interconectadas,” tais como: (i) a sua diversidade, relacionada
com as características das entidades que formam um determinado sistema e a natureza e o
grau em que elas podem diferir; (ii) a complexidade, que é um indicador da arquitetura das
relações entre as partes envolvidas em um sistema e entre o sistema e o meio ambiente e; (iii)
a dinâmica, que se aplica às tensões geradas no sistema e entre sistemas.
Nota-se nessa articulação que o conceito de diversidade aliado à governança chama a
atenção para os atores dentro de um sistema político social – cingindo-se aos aspectos
importantes das entidades como os objetivos, as intenções e o poder. Por sua vez, o conceito
de complexidade examina as estruturas, interdependências e inter-relações nos e entre
diferentes níveis. A consideração sobre a dinâmica de um sistema político e social reflete os
seus problemas e as irregularidades que se desencadeiam dentro do sistema e como se lida
com eles (KOOIMAN, 1993).
Nesses termos, como salienta Kooiman (1993) além de ser considerada como uma
forma de constituição de interesses coletivos, a governança diz respeito especialmente às
interações político-sociais que devem ser compreendidas como um fenômeno social geral que
orienta o processo de organização do Estado e de suas instituições. Assim, as várias entidades
públicas estão envolvidas em influências mútuas no nível das ações e das estruturas de
governança constituídas.
Este enfoque ressalta que cada interação consiste em processos e estruturas dado que os
primeiros referem-se ao aspecto das ações na interação que envolve a expressão de valores,
objetivos, interesses e propósitos. Por sua vez, o aspeto estrutural das interações indica a
matéria estrutural social e cultura onde as interações acontecem, isto é, o nível estrutural
exprime as circunstancias que limitam e condicionam o nível das ações – instituições,
estruturas sociais em geral, possibilidades materiais e tecnológicas.
Nesse sentido, o conteúdo principal do conceito de governança interativa de acordo
com Kooiman (2010, p. 73-74) representa um conjunto de interações assumidas para resolver
problemas dentro da sociedade e criar oportunidades sociais, incluindo a formulação e
aplicação dos princípios orientadores dessas interações de modo a viabilizar os arranjos
institucionais estabelecidos entre o Estado e os atores sociais. A ênfase na interação constitui
a principal inovação dessas abordagens acerca das mudanças na administração pública.
50
Portanto, as interações são tidas como formas específicas de ação realizadas a fim de
enfrentar e remover os obstáculos da coordenação dos atores sociais e seguir novos caminhos
dentro do processo de gestão pública pelo que, a definição dos problemas ou das
oportunidades depende dos interesses comuns constituídos e das posições e compreensão que
se estabelece entre os atores públicos, privados e a sociedade civil.
Na mesma perspectiva Peci et al. (2008, p. 41) explicam que a governança assume
uma importância mais intensa, para vincular a ação da sociedade civil e do setor privado no
estabelecimento de relações mais complexas com o Estado influenciadas pelo contexto do
crescimento da democratização do Estado. O argumento central é o de que com as novas
práticas de gestão pública constituídas no âmbito da governança interativa modificam-se as
formas de relacionamento do Estado e a sociedade no processo de gestão pública,
intensificando-se a maior abertura das instituições públicas às influências e participação de
novos atores sociais.
Para Stoker (1998, p. 17) a governança é concebida como a “criação de condições para
a ordenação de regras e a ação coletiva”. Em seu argumento explica que enquadrada num
contexto de mudança nas ações e na organização do Estado, conforme explicita Rhodes
(1996) a governança lida com os resultados, embora estes sejam diferentes com os resultados
referenciados nas instituições dominadas pela lógica das hierarquias introduzida pelo modelo
de administração pública tradicional. Portanto, este autor corrobora Kooiman (1993, p. 141143) ao elucidar a governança nos termos em que há a considerar nela a aplicação de
mecanismos não regidos pela autoridade do Estado, mas na criação de uma estrutura, uma
ordem em torno da qual não se lhe é externamente imposta, mas que representa sim um
resultado das interações de uma multiplicidade de atores que participam no processo de
governança e que exercem sua influência mutuamente.
Essas abordagens realçam a importância da compreensão da governança como a
constituição de um quadro teórico dentro do qual é possível compreender o processo de
mudanças intensas concernentes aos pressupostos da administração pública tradicional, uma
vez que, elas oferecem um conjunto de práticas de gestão pública (STOKER, 1998, p. 18)
fundamentadas na maior integração e articulação entre os organismos públicos e os atores na
busca de soluções para os problemas e na resposta às demandas da sociedade.
Em outra abordagem, o conceito de governança é encarado como a interação de redes
de políticas (BÖRZEL, 1998; TORFING, 2005; RHODES, 2007; KOOIMAN, 1993; BEVIR;
RICHARDS, 2009; McGUIRE, 2006; PROVAN; KENIS, 2007; OSBORNE, 2010) cujas
51
ligações são estabelecidas a partir de vínculos e de relações institucionais formais e informais
entre o governo e outros atores sociais. Conforme discorre Rhodes (2007, p. 1244) estas
ligações surgem em torno de interesses partilhados no processo de formulação e
implementação de políticas o que suscita a necessidade de cooperação entre o governo e
vários grupos interessados nas políticas públicas. Aqui, as redes surgem como uma estratégia
de configuração organizacional para lidar com a complexidade da formação e da gestão
coordenada das políticas públicas. A governança seria um mecanismo que disponibiliza
plataformas organizacionais que permitem a diversos atores com relativa interdependência o
alcance de objetivos públicos a partir do seu envolvimento na construção de políticas, fazendo
o uso de ferramentas de democracia deliberativa e redes de políticas públicas.
Por seu turno, Osborne (2010) compreende que a governança interativa representa a
concepção de uma configuração organizacional constituída por um Estado plural em que
vários atores interdependentes contribuem para a prestação de serviços públicos e, um Estado
pluralista onde vários processos influenciam o sistema de tomada de decisões. Nessa
perspectiva, a preocupação principal da governança é com a formação de um ambiente
institucional e externo constituído por arranjos organizacionais que permitam lidar com as
pressões que possibilitam e dificultam a implementação de políticas públicas e a prestação de
serviços públicos dentro dessa pluralidade de intervenientes. Deste modo, segundo este autor,
do ponto de vista institucional o foco na pluralidade de intervenientes na gestão das políticas
públicas transcende os relacionamentos interorganizacionais, ela concerne aos processos de
governança que ressaltam a eficácia dos serviços e os resultados organizacionais conseguidos
a partir dos processos de colaboração constituídos entre as entidades públicas com seu
ambiente.
O que estas abordagens realçam como assevera McGuire (2006) é a compreensão de
que a gestão pública colaborativa representa “uma forma de governar em rede mais eficaz
quando o propósito é resolver problemas que não podem ser atendidos por organizações
convencionais e individuais baseadas nos mecanismos tradicionais de disposição hierárquica”
(McGUIRE, 2006, p. 33-34). Dentro dessa perspectiva, argumenta-se que o mecanismo de
alocação de recursos (POWELL, 1990) requer formas diferentes que são mais flexíveis e
adaptadas a operar com maior velocidade do que as organizações governamentais
convencionais. Tais mecanismos se fundamentam nos arranjos institucionais em rede
multiorganizacional ou redes de políticas conforme menciona Börzel (1998), com a
52
responsabilidade de constituir processos de gestão a serem negociados no nível
interorganizacional e interpessoal dentro dessas redes.
Já para Thomson e Perry (2006) processos de colaboração se tornaram imperativos
devido às mudanças que tem ocorrido no contexto da gestão pública influenciada por fatores
como a devolução, as rápidas mudanças tecnológicas, a escassez de recursos e crescentes
interdependências organizacionais que estimularam a elevação dos níveis de colaboração
entre esferas governamentais assim como a sociedade. Salientam ainda que a colaboração na
gestão de políticas públicas implica no fortalecimento da capacidade de intervenção do Estado
e das suas instituições para responder com efetividade as demandas da sociedade e, desse
modo, alcançar êxito em seus objetivos e resolver os dilemas da ação coletiva.
As práticas colaborativas como sustentam Thomson e Perry (2006, p. 20) incentivam
as organizações, por um lado, a celebrarem acordos e a estabelecerem coalizões tendo em
vista a agregação de preferências privadas em escolhas coletivas através do auto-interesse de
negociação e, por outro a integrarem a buscarem compromissos baseados na implementação
de prioridades e compromissos compartilhados na gestão das políticas públicas. Destarte,
compreende-se que a governança colaborativa “traz múltiplos atores (estatais e não estatais)
para fóruns comuns com os organismos públicos” (ANSEL; GASH, 2007, p. 544-545), no
intuito de participarem no processo de tomada de decisão orientado por uma estrutura
ordenada cooperativamente e que permite o alcance de consensos mútuos. Esse mecanismo de
articulação proporciona, sobretudo aos atores não estatais o seu envolvimento direto no
processo de policy making e não são apenas consultados pelos organismos públicos, de tal
modo que as estruturas estabelecidas favorecem a mudança dos padrões de relação e a
constituição de redes de políticas que representam um complexo modelo de cooperação
intergovernamental.
Börzel (1998) e Klijn e Koppenjan (2000) argumentam sobre a acuidade no tratamento
das redes de políticas, dado que trazem consigo diversas interpretações e por isso suscitam
várias críticas sobre as suas fundações teóricas tradicionais. A questão central relacionada
com as redes é que elas integram uma variedade de atores sem, contudo, identificar
claramente como as novas relações de poder são processadas no interior dessas redes. Nestes
termos, Klijn e Koppenjan (2000, p. 138-139) compreendem que as redes estão baseadas nas
abordagens da teoria interorganizacional que analisa a implementação de políticas e as
relações intergovenamentais, para explicar os padrões de interação entre as organizações e
53
avaliar a influência dos padrões e as consequências dessas interações que caracterizam os
processos complexos e dinâmicos das políticas públicas.
Por sua vez, Börzel (1998, p. 259-261) salienta que em geral, as redes de políticas têm
sido encaradas como uma metáfora relacionada à análise organizacional e, referem-se aos
relacionamentos gerados entre Estado e a sociedade, em que se modifica a maneira de
interação retirando assim, o caráter hierárquico da autoridade central para se promover um
envolvimento mais plural de participação de organizações públicas e privadas no processo de
formulação das políticas públicas. De acordo com Kenis e Schneider (1991) esta situação
origina uma mudança real na estrutura da política que surge através da coordenação horizontal
e a interdependência que daí emerge, passando os atores sociais a produzir soluções para os
problemas existentes, fazendo surgir assim uma nova forma de governança intermédia –
diferente da hierarquia e do mercado.
Na perspectiva destes autores, a governança é compreendida como estando relacionada
ao surgimento [...] “de redes de políticas que conferem um padrão de governança baseado na
formação de estruturas que refletem uma mudança na forma de relacionamento entre o Estado
e a sociedade”. As estruturas constituídas interagem de forma interdependente no processo de
constituição de políticas públicas tornado as fronteiras entre o público e o privado indefinidas
(KENIS; SCHNEIDER 1991, p. 41-42). Igualmente, as estruturas formadas nessa nova
conjuntura comportam uma combinação que integra a burocracia, o mercado e a sociedade
civil que de forma interdependente colaboram no processo de formulação de políticas
públicas. Administração integrada tradicional sucede um Estado fragmentado que promove
uma colaboração com outros atores.
Entre os novos arranjos interinstitucionais, destacam-se a coordenação de atores
estatais e não estatais nas operações de governo, as formas híbridas, como as parcerias
público-privadas (PPP) e as redes (networks). A esse respeito Klijn e Teisman (2002, p. 191)
definem as PPP como “cooperação entre atores públicos e privados de caráter temporário no
qual os atores desenvolvem produtos mutuamente e/ou serviços e onde riscos, custos e
benefícios são compartilhados”. Para Firmino (2011, p. 399) as formas híbridas de articulação
constituídas na governança podem assumir diferentes tipologias e promover fins variados. Por
exemplo, a sua constituição pode percorrer diversos sectores de atividade integrando atores
privados e sem fins lucrativos bem como, envolver mecanismos de articulação que se
materializam desde o desenho e a concepção de projetos, até à construção, manutenção e
exploração de infraestruturas ou a provisão de bens e serviços públicos. Peters e Pierre (1998,
54
p. 225) ressaltam que essas concepções implicam numa forte presença das organizações
privadas na influência do processo das políticas públicas incentivando práticas
interorganizacionais, intersetoriais e gestão integrada como alternativas para o alcance do
interesse público. A explicação principal destes autores está relacionada à necessidade de
superação das limitações da ação governamental que surgem no contexto das estruturas
convencionais da administração do Estado, através da criação de relacionamentos mais
intensos entre o governo e os atores privados e da sociedade civil.
O que essas abordagens acima destacam é que a governança interativa se tornou um
tema dominante no contexto da promoção de mecanismos de articulação interorganizacional
entre diferentes atores sociais, significando uma forma através da qual novas práticas de
gestão pública são concebidas e implementadas. Na maioria das vezes, a preocupação está na
crescente necessidade de introduzir melhorias quer na organização, estrutura, atuação, assim
como na qualidade dos serviços oferecidos à sociedade, tendo como enfoque o
aperfeiçoamento dos arranjos institucionais que possam garantir melhorias significativas na
gestão das políticas públicas.
Enfim, compreende-se que as três dimensões conceituais da governança no setor
público apresentadas neste capítulo, envolvem as questões das reformas administrativas que
vêm romper com os valores e os padrões tradicionais da administração pública com a
imposição de novos modelos de gestão pública que apontam no sentido da redução dos
processos de padronização e hierarquização. São adotadas novas práticas gerenciais que se
preocupam fundamentalmente com a efetividade governamental e melhoria da capacidade de
administração, a elevação do desempenho e dos resultados organizacionais.
Doutro modo, em sentido mais amplo a governança se apoia na utilização de práticas
de gestão pública que promovem a accountability e a responsabilidade dentro da
administração pública como preocupações presentes nos esforços para se concretizar os
objetivos da comunicação pública e prestação de contas para o benefício da sociedade, como,
também, para tornar o processo de gestão púbica mais transparente e comprometido em
assegurar a integridade das ações governativas do Estado. Observa-se, igualmente que a
governança está vinculada a adoção de mecanismos que promovem maior interação e
participação entre os atores públicos, privados e a sociedade civil. Através da incorporação
dessas práticas na administração pública busca-se a criação de um ambiente favorável para
aumentar a geração de oportunidades, por meio da inclusão social e fortalecimento da
capacidade de formulação e implementação de políticas públicas.
55
Importa mencionar que, por não ser conclusiva e unívoca relativamente a sua
definição e concepções principais conforme foi mencionado ao longo deste capítulo, a noção
de governança está aberta a desenvolvimentos, agregação e combinações de vários elementos
relacionados à gestão pública. Considera-se que não existe um modelo organizativo e
funcional exclusivo de validade universal sobre a governança no setor público. Ela deriva sim
dos diferentes processos de reformas administrativas e adoção de novas práticas de gestão
pública que têm sido implementadas ultimamente nos diversos países do mundo inteiro.
O Quadro 1 a seguir apresenta de forma detalhada os diferentes enfoques das reformas
administrativas que estão associados ao processo de governança no setor público, de acordo
com as abordagens e concepções discutidas neste capítulo. A sua apresentação visa sintetizar
as abordagens consideradas e, igualmente, elencar o conjunto de categorias representativas
das novas práticas de gestão pública que foram sendo identificadas em cada uma dessas
dimensões conceituais apresentadas.
Quadro 1: Resumo das dimensões conceituais da governança no setor público
Governança no Setor Público
Dimensões do
Conceito
New Public
Management e
Modernização da
Gestão
Pressupostos e Abordagens Teóricas da
Governança no Setor público
Categorias
Representativas
das Novas Práticas
de Gestão Pública
Reforma do aparelho do Estado focada na adoção de novas formas de
organização e de estruturação da administração pública;
Eficiência
Reforma do Estado e aplicação de novas técnicas gerenciais
consideradas mais flexíveis e dinâmicas;
Efetividade
Competição e aumento da eficiência, eficácia e efetividade na gestão
pública e melhoria dos serviços prestados ao cidadão;
Melhoria e elevação do desempenho e resultados na atuação das
instituições do setor público.
Utilização de mecanismos de gestão pública que dão ênfase na forma
de organização, nas boas práticas e conduta, e nos resultados;
Interesse
Público e a
Accoutability
Governança
Interativa
Gestão pública votada para a aplicação de práticas que consideram a
transparência dentro do setor público;
Gestão pública associada à aplicação dos princípios da integridade,
liderança, informação, controle, accountability no setor público;
Governança como mecanismo de melhoria da performance
organizacional.
Reformas na gestão pública que dão ênfase na relação entre a dimensão
interna e a exterior da administração pública;
Interações entre o Estado e a sociedade baseadas em diferentes níveis,
modos e ordens de governança;
Governança societária fundamentada na criação de novos arranjos
administrativos e institucionais bem como na eliminação das fronteiras
entre setor o público e o privado;
Interdependências mútuas que traduzem a diversidade, complexidade e
dinâmica do sistema de governança;
Partilha dos interesses no processo de tonada de decisão, formulação e
implementação de políticas públicas;
Coordenação e cooperação horizontal entre as entidades públicas e os
vários stakeholders interessados nas políticas públicas.
Eficácia
Resultados
Competitividade
Desempenho
Accountability
Transparência
Responsabilidade
Controle
Boa Governança
Coordenação
Participação
Cooperação
Interdependência
Fonte: Elaborado pelo autor com base no referencial conceitual do estudo.
Fontes Principais
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Osborne; Gaebler (1995);
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Behn (1998);
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Ceneviva (2007); Klijin (2010);
Hughes, (2010).
Kenis; Schneider (1991);
Kooiman (1993); Kooiman; Vliet
(1993); Stoker, (1998);
Peter; Pierre, (1998);
Börzel (1998);
Lynn (2000);
McGuire (2006);
Rhodes (2007);
Provan; Kenis, (2007);
Kooiman et al. (2008);
Bevir; Richards (2009);
Osborne (2010).
56
3 Os procedimentos metodológicos
Neste capítulo são apresentados os procedimentos metodológicos aplicados para o
desenvolvimento da presente dissertação. Destarte, primeiramente, abordam-se as questões
inerentes ao arcabouço geral que norteou a realização do estudo, identificando-se a natureza e
a classificação da pesquisa – que explicitam o delineamento do estudo.
Sucessivamente são descritos os procedimentos relacionados com o processo de coleta
dos dados em que se apresentam as fontes de dados usadas, os critérios utilizados para a
escolha dos participantes do estudo e abordam-se as técnicas e os instrumentos aplicados no
processo da análise dos dados coletados e, por fim, se discorre sobre as limitações desta
pesquisa.
3.1 A Classificação da pesquisa
A fim de responder a questão central definida para a realização desta investigação,
optou-se pela realização de um estudo de caso qualitativo como estratégia de pesquisa. A
intensão foi compreender a reforma administrativa e a aplicação das novas práticas de gestão
pública no Estado de Moçambique, a partir da realização de uma investigação que permitisse
aprofundar a análise sobre como tem sido a implementação das novas práticas de gestão
pública no contexto municipal.
Assim sendo, a efetivação de um estudo com natureza qualitativa se mostrou mais
adequado para pesquisar o problema apresentado nesta dissertação, dado que a abordagem
qualitativa torna possível a realização de pesquisas reveladoras da realidade e dos contextos
sociais que são pesquisados (DENZIN; LINCOLN, 2000; FLICK, 2009; STAKE, 2010) e
permite a utilização de um conjunto alargado de disciplinas e práticas interpretativas dentro de
uma ênfase sobre a natureza socialmente construída da realidade.
Nesse sentido, como ressalta Creswell (2010) a prática investigativa qualitativa se
apresenta como uma estratégia eficaz para explorar e entender os significados que os
indivíduos ou grupos atribuem a um problema social ou humano. Desta feita, ela permite a
utilização de novas vertentes de análise que se baseiam na busca de uma ampla interpretação e
reconceituação dessas problemáticas sociais. O seu caráter interpretativo permite uma
descrição do problema em análise (GODOY, 2010, p. 124), tornando possível encontrar
57
padrões nos dados e desenvolver categorias conceituais que possibilitam ilustrar, confirmar ou
opor-se a suposições teóricas subjacentes ao mesmo através de um conjunto de informações
que permitem uma interpretação aprofundada do problema levantado na investigação.
A pesquisa realizada classifica-se como exploratória, pois, se dedicou no plano teórico
a obter, por um lado, uma maior compreensão sobre as diferentes abordagens e pressupostos
da reforma administrativa que têm dado sustentação ao processo de aplicação de novas
práticas de gestão pública. Por outro, porque se dedicou sob o ponto de vista prático a
explorar o processo de reforma administrativa em Moçambique e compreender como essas
novas práticas de gestão pública têm sido implementadas no contexto da gestão municipal.
Nesta perspectiva, a opção pela realização de uma pesquisa com caráter exploratório se
justificou pela importância de se abordar as mudanças administrativas proporcionadas pelo
novo modelo de reforma administrativa, destacando a dinâmica do processo de gestão pública
local (município), os problemas e as limitações impostas pelo próprio modelo.
Importa referir que, de modo a alcançar os objetivos propostos para a realização do
estudo, o pesquisador partiu para o processo de pesquisa imbuído de um conjunto de
subsídios e de um referencial conceitual – mais precisamente acerca do embasamento dos
diferentes processos de mudanças na gestão pública – que contribuíram para a aplicação do
procedimento de categorização prévia adotado no estudo (conforme mostra o Quadro 1
anterior). Esta postura foi fundamental para a constituição do desenho de pesquisa adotado e,
sobretudo porque possibilitou um melhor enquadramento dos processos analíticos utilizados
posteriormente nas duas etapas que constituíram a realização desta investigação.
A pesquisa foi assim centrada em dois eixos: o primeiro diz respeito à realização de
revisão bibliográfica, seguida da análise do modelo de reforma administrativa em
Moçambique, expresso pela Estratégia Global de Reforma do Setor Público (EGRSP, 20062011). O segundo é referente à análise das falas obtidas através de entrevistados, a propósito
de suas representações e experiências sobre as ações institucionais que caracterizam as
práticas de gestão pública adotadas no contexto da gestão municipal. É importante esclarecer
que no primeiro momento pretendeu-se identificar as principais categorias explicitadas nas
diferentes abordagens sobre os processos de reformas administrativas, bem como identificar
que práticas de gestão pública foram propostas no modelo de reforma da administração
pública moçambicana e, no segundo buscou-se compreender por meio da interpretação das
falas dos indivíduos pesquisados como tem decorrido o processo de implementação das novas
práticas de gestão pública no contexto municipal.
58
3.1.1 O Método de pesquisa
Para compreender a reforma administrativa e a implementação das novas práticas de
gestão pública em Moçambique, especificamente no contexto municipal adotou-se o método
de estudo de caso único de Yin (2005).
Os critérios de escolha para a realização de um estudo do tipo caso único são
justificados em primeiro lugar, pela sua pertinência teórica (em relação aos objetivos
propostos na pesquisa). Em segundo lugar pela pertinência prática que se traduziu na
possibilidade de se aprender com as informações e as experiências do caso bem como, a sua
acessibilidade para a investigação. Por último pelo interesse do pesquisador na realização de
uma pesquisa voltada para a compreensão das novas práticas de gestão pública adotadas no
setor público moçambicano.
Pesquisas desenvolvidas com base no método de estudo de caso se tornam adequadas
quando o propósito é “investigar um fenômeno empírico e evidenciar a complexidade social
no qual este se manifesta, sejam as situações problemáticas para análise dos obstáculos, seja
em situações bem sucedidas para ilustrar os modelos exemplares” (YIN, 2005, p. 32). A sua
apropriabilidade nesta pesquisa decorreu da possibilidade de realização de uma investigação
aprofundada e contextualizada sobre a reforma administrativa na realidade municipal, tendo
se revelado profícuo para evidenciar as diversas situações do caso escolhido (práticas de
gestão pública em implementação), portanto, as suas especificidades, caraterísticas e
interfaces relativas ao objeto em investigação.
Optou-se pelo método de estudo de caso uma vez que se desejou analisar uma unidade
social com o objetivo de aprofundar a descrição das novas práticas de gestão pública
adotadas, a partir do entendimento da dinâmica da vida organizacional no que diz respeito às
atividades e ações estabelecidas (GODOY, 2010). Desse modo, o método se mostrou
vantajoso à intenção de compreender como têm sido implementadas as novas práticas de
gestão pública ao nível municipal.
A unidade de análise a respeito da qual a dissertação se ocupou é o Município de XaiXai. Nesse sentido, a pesquisa se destinou a realização de uma análise que considerasse as
experiências da introdução da reforma administrativa em Moçambique, refletidas em uma
realidade empírica que permitisse a interpretação das práticas de gestão adotadas, como forma
de destacar os seus principais elementos distintivos e as suas peculiaridades. O delineamento
da pesquisa assumiu um recorte transversal, uma vez que se privilegiou a realização do estudo
59
das novas práticas de gestão pública tendo como base de análise o documento da Estratégia
Global de Reforma do Setor Público (EGRSP, 2006-2011), que diz respeito à implementação
da IIª Fase da reforma da administração pública.
Optou-se por este recorte primeiro porque, neste documento estão descritos os
objetivos da reforma da administração pública moçambicana que estabelecem a importância e
reiteram a necessidade da aplicação de novas práticas de gestão pública. Segundo porque o
desenho da pesquisa pretendeu que a realização da análise sobre a implementação das novas
práticas de gestão pública no contexto do Município de Xai-Xai incidisse especificamente no
período acima referido. Embora se concentre no período referenciado acima, o estudo não
desconsidera os processos de reformas administrativas que antecederam o período em
referência, sendo mencionados de acordo com a sua pertinência ao longo do processo de
análise realizada na pesquisa.
3.1.2 A Coleta e Análise de Dados
A coleta e a análise de dados desta pesquisa foram realizadas de forma simultânea e
em duas etapas. Na 1ª Etapa realizada no período de Outubro e Novembro de 2011, o estudo
se baseou no documento da reforma administrativa em Moçambique – fonte secundária – e na
2ª Etapa realizada no período de Janeiro a Junho de 2012, se baseou em entrevistas
semiestruturadas – fontes primárias – como técnicas para a coleta de dados qualitativos (YIN,
2005). As escolhas dessas fontes se fundamentaram na sua eficácia e adequação ao problema
levantado e aos objetivos definidos para a pesquisa.
Em ambas as etapas, foi utilizada a análise de conteúdo como técnica para a análise
dos dados coletados e adotou-se a função heurística da análise de conteúdo com a finalidade
de enriquecer o processo exploratório da pesquisa. Esta técnica possibilita a “utilização de
procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das informações obtidas,
que permitem a inferência de conhecimentos relativos ao sentido e significados dessas
mensagens” (BARDIN, 2004, p. 37).
O Quadro 2 a seguir mostra o desenho de pesquisa que orientou a realização dos
processos de coleta e análise de dados da investigação.
60
Quadro 2: Síntese das etapas dos procedimentos de coleta e análise de dados da pesquisa
1ª ETAPA – COLETA E ANÁLISE DE DADOS EM
2ª ETAPA – COLETA E ANÁLISE DE DADOS DAS
DOCUMENTO
ENTREVISTAS
Procedimento 1
Realização da
Análise de
Conteúdo
do documento
da EGRSP
(2006-2011)
para
Identificação
das Novas
Práticas de
Gestão Pública
propostas no
modelo de
reforma
administrativa
do setor
público
moçambicano
Realização
da
Análise
Comparativa
Práticas de
Gestão Pública
propostas no
documento da
EGRSP em
Moçambique
Categorias
Representativas
das Novas
Práticas de
Gestão Pública
identificadas no
Referencial
Conceitual do
Estudo
Procedimento 2
Síntese de
Categorias
geradas da
comparação
entre os
Padrões de
Governança
da EGRSP e
as Categorias
da
Governança
identificadas
no
Referencial
Conceitual do
Estudo
Definição do
Roteiro
para a realização
de
Entrevista
Semiestruturada
Procedimento 3
Realização
da Coleta
de Dados
por meio
de
Entrevistas
Realização
da Análise
de
Conteúdo
das Falas dos
Atores
(públicos,
privados e da
sociedade
civil)
Entrevistados
no Estudo
Procedimento 4
Realização da
Interpretação
das Práticas de
Gestão Pública
implementadas
no Município de
Xai-Xai tendo
como referência
as concepções
de reforma
administrativa
apresentados no
modelo da
EGRSP e no
Referencial
Conceitual
Apresentação
dos
Resultados do
Estudo
Fonte: Elaborado pelo autor para a representação do desenho de pesquisa adotado.
Na primeira etapa realizou-se a coleta de dados privilegiando-se a utilização da fonte
secundária – documento referente à Estratégia Global de Reforma do Setor Público (EGRSP,
2006-2011) – por meio do qual se procurou descobrir os conteúdos e elementos que
consideravam a aplicação de novas práticas de gestão pública no setor público moçambicano.
Desse modo, a análise de conteúdo efetuada começou pela constituição do corpus da
análise – que se baseou nos significados e concepções das novas práticas de gestão pública
adotadas no modelo de reforma administrativa da EGRSP (2006-2011). Para o efeito,
utilizaram-se como critérios para a constituição do corpus da análise as diferentes abordagens
apresentadas nas três dimensões conceituais que estabelecem os embasamentos dos processos
de reformas administrativas, a saber: (i) New Public Management e a modernização da gestão
pública; (ii) o interesse público e a accountability e; (iii) a governança interativa. Esse
procedimento analítico se ocupou basicamente em identificar que práticas de gestão pública
foram propostas para a administração pública moçambicana, sobre que bases foram
estabelecidas, quais os seus pressupostos fundamentais e como se caracteriza o modelo de
reforma administrativa adotado.
Em seguida, foi realizada uma comparação entre as categorias que expressam as novas
práticas de gestão pública previamente identificadas em cada uma das três dimensões
conceituais anteriormente mencionadas (no Quadro 1) e as concepções do modelo de reforma
61
administrativa proposto na EGRSP (2006-2011). As categorias utilizadas nessa comparação
foram:
eficiência, eficácia, efetividade, resultados,
competitividade,
accountability,
transparência, controle, desempenho, responsabilidade, boa governança, participação,
coordenação, cooperação e interdependência.
Aqui, o objetivo da comparação realizada foi verificar os elementos e pontos de
aproximação e de diferenciação entre as concepções da reforma no setor público
moçambicano apresentadas no documento da EGRSP (2006-2011) e as descritas no
referencial conceitual da pesquisa, de maneira a constituir posteriormente as categorias de
análise para o desenvolvimento do estudo. Importa mencionar que este último procedimento
serviu igualmente para estabelecer os embasamentos das categorias analíticas que foram
utilizadas para a definição do roteiro de entrevistas aplicado na coleta de dados empíricos para
o estudo.
Na segunda etapa realizou-se a coleta de dados com base na técnica de entrevista
semiestruturada como fonte primária – através das quais foram recolhidas falas dos
respondentes sobre as diferentes representações e aspetos que ressaltam as práticas de gestão
pública adotadas no Município de Xai-Xai. Essas falas distinguiram-se como os elementos de
interpretação que permitiram compreender como está ocorrendo o processo de implementação
das novas práticas de gestão pública nesta municipalidade.
A opção pela realização de entrevistas semiestruturadas foi baseada em uma amostra
intencional e foi selecionada de forma não representativa aos tipos de respondentes
identificados para o estudo. Essa escolha compreendeu a realização de entrevistas com os
seguintes grupos de respondentes: atores do setor público, atores do setor privado e atores da
sociedade civil, selecionados por se considerar serem os atores relevantes no processo de
gestão do Município de Xai-Xai.
Esses grupos de entrevistados foram selecionados tendo em consideração que se
pretendeu analisar o caso do Município de Xai-Xai a partir de três vertentes que consideram:
(i) as práticas voltadas para a modernização da gestão pública municipal (ii) as práticas
relacionadas com a accountability na gestão pública municipal e; (iii) as práticas estabelecidas
para criação da governança interativa na gestão pública municipal. Nessa perspectiva, se
mostrou mais adequado trabalhar com respondentes identificados previamente, como forma
de alinhar o tipo de respondentes da pesquisa com a abordagem teórica considerada nessas
três vertentes sobre a aplicação das novas práticas de gestão pública.
62
Assim sendo, foram definidos quatro segmentos de entrevistados, formados por seis
tipos de respondentes. Os critérios para a constituição dos segmentos de entrevistados e tipos
de respondentes foram as funções e as responsabilidades desempenhadas dentro de cada
grupo de atores (públicos, privados e da sociedade civil) selecionados para este estudo. A
finalidade dessas escolhas foi buscar múltiplas visões e interpretações sobre como têm sido
implementadas as novas práticas de gestão pública no Município de Xai-Xai e, gerar
confiabilidade das informações obtidas através dessa multiplicidade de informantes
(GASKELL, 2008).
Foram realizadas ao todo treze entrevistas das quinze planejadas. Não foram realizadas
duas entrevistas sendo, uma com um ator individual – representante do setor privado e outra
com um ator individual – representante da sociedade civil, devido a limitações relacionadas
com a falta de disponibilidade dos pesquisados até a data prevista pelo pesquisador para o
termino da pesquisa de campo.
A distribuição dos segmentos entrevistados e o tipo de respondentes elencados para o
estudo é apresentada, a seguir no Quadro 3.
63
Quadro 3: Relação dos entrevistados na pesquisa
Grupos de
Atores da
Governança
Segmentos
Entrevistados
Tipo de
Respondentes
Funções/Responsabilidades dos
Entrevistados
Duração
N° de
Pesquisados
Presidente
Presidente do Município de Xai-Xai
Vereador da Área de Atividades
Econômicas
Vereador da Área de Administração e
Finanças
Vereador da Área dos Transportes e
Agricultura
Vereador da Área dos Serviços Urbanos
Diretor de Administração e Finanças do
Município de Xai-Xai
Chefe de Departamento de Recursos
Humanos do Município de Xai-Xai
Chefe do Departamento de Estudos e
Planejamento do Município de Xai-Xai
Presidente da Assembleia Municipal de
Xai-Xai
52m18s
57m29s
1
Vereadores
Atores do
Setor Público
Administradores
Públicos
Técnicos
Representantes
Eleitos dos
Munícipes
Atores da
Sociedade
Civil
Representantes
das
Organizações da
Sociedade Civil
Atores do
Setor
Privado
Representante
do Setor
Privado
Membros da
Assembleia
Municipal
Dirigentes do
FONGA12
Dirigente do
CEP13
Chefe da Bancada na Assembleia Municipal
de Xai-Xai
Diretor Executivo do Fórum Provincial das
Organizações da Sociedade Civil de Gaza –
FONGA
Oficial de Programas do Fórum Provincial
das Organizações da Sociedade Civil de
Gaza – FONGA
Presidente do Conselho Empresarial
Provincial de Gaza – CEP
40m22s
4
51m02s
01h01m
42m10s
29m48s
3
36m26s
43m52s
2
58m53s
57m13s
2
48m04s
57m13s
Número Total de Pesquisados
1
13
Fonte: Elaborado pelo autor com base nas entrevistas aos atores públicos, privados e da sociedade civil.
A definição do roteiro de entrevista foi efetuada na Iª Etapa da coleta de dados como
referido anteriormente e, se embasou no resultado da síntese de categorias geradas da
comparação entre o modelo da EGRSP (2006-2011) e as categorias representativas das novas
práticas de gestão pública identificadas no referencial conceitual deste estudo conforme
12
O FONGA – Fórum Provincial das Organizações da Sociedade Civil de Gaza é uma organização não
governamental criada em 1998, baseada na Cidade de Xai-Xai e está voltada para promoção da sociedade civil
através de realização de ações nas seguintes áreas: Democracia e Boa Governança; Processos Eleitorais; Direitos
Humanos; Meio Ambiente; Género e HIV/AIDS; Filantropia Local e Combate à Corrupção. Esta organização
conta atualmente com 202 organizações membros filiadas e está representada tanto ao nível provincial como nos
onze Distritos que compõem a Província de Gaza.
13
O CEP - Conselho Empresarial Provincial de Gaza é uma organização econômica, não governamental, braço da CTA –
Confederação das Associações Econômicas de Moçambique criada em 1999, que trabalha no estabelecimento da articulação
entre o Governo Provincial, Governos Municipais e o Setor Privado na Província de Gaza e está baseada na Cidade de XaiXai. A sua missão principal é contribuir para um ambiente de negócios favorável ao desenvolvimento do Sector Privado e
para um movimento associativo forte e participativo, socialmente responsável, capaz de influenciar as políticas económicas e
promover a competitividade e qualidade empresarial. É constituído por várias associações e grupos empresariais dos
diferentes setores de atividades.
64
mostra o Quadro 1. O roteiro utilizado foi constituído por duas partes principais: a primeira se
destinou a identificação dos participantes do estudo, onde foi solicitada informação referente
à: identificação do pesquisado, o cargo/função dentro da instituição, a data e a hora da
entrevista e o local onde decorreu a entrevista.
A segunda parte continha no geral um conjunto de onze questões que nortearam a
realização das entrevistas em que se procurou saber dos pesquisados – as práticas de gestão
pública adotadas tendo em vista a melhoria da qualidade dos serviços; os processos de
participação e prestação de contas da gestão municipal; os mecanismos de responsabilização e
transparência no funcionamento do município; as estruturas de articulação utilizadas no
processo da gestão pública e as práticas relacionadas com a criação de parcerias públicoprivadas, conforme mostra o Apêndice B.
Importa mencionar que, no decurso do processo de realização das entrevistas os
grupos de atores do setor privado e da sociedade civil responderam a apenas sete questões,
sendo que os atores públicos responderam a todas as questões apresentadas no roteiro de
entrevistas. Essa variação no número das questões respondidas se deveu à necessidade de dar
maior coerência ao tipo de informações coletadas nas entrevistas, pela existência de alguns
assuntos cuja natureza foi considerada específica ao processo interno de gestão do Município
de Xai-Xai, tais como: gestão financeira, procedimentos relativos ao planejamento e
mecanismos de responsabilização da gestão, não sendo por essa razão aplicáveis aos
respondentes que se acham fora do âmbito da administração municipal.
Nesta fase, depois de transcritas todas as entrevistas efetuadas para a pesquisa, a
análise de conteúdo foi utilizada para o tratamento dos textos (BARDIN, 2004, p. 139)
produzidos a partir dessas entrevistas. A análise de conteúdo começou com o exame
individual desses textos tendo se ocupado em descobrir conjuntos de significações e padrões
que expressavam as novas práticas de gestão pública e interpretar as experiências dos
diferentes atores públicos, privados e da sociedade civil, sobre como essas práticas estão
sendo implementadas na gestão municipal.
Assim, foi possível com o auxílio do programa Nvivo 9 efetuar a codificação dos
conteúdos (conjunto de significações) – selecionados das falas dos entrevistados. A
codificação serviu para reunir e organizar em cada uma das categorias de análise utilizadas no
estudo, todas as referências sobre as práticas de gestão adotadas no Município de Xai-Xai,
que foram sendo identificadas nas falas dos atores pesquisados.
65
Portanto, o programa permitiu a seleção ou recorte e agregação de frases e extratos dos
textos das entrevistas que constituíram os elementos do corpus para a interpretação das
práticas de gestão pública existentes no Município de Xai-Xai. Foram selecionados
exclusivamente aqueles extratos dos textos em que são ressaltados ou descritos os aspetos,
elementos ou características das novas práticas de gestão pública consideradas pertinentes
(significativos) para a análise e interpretação de seu conteúdo.
Esse procedimento permitiu explorar melhor o processo de busca e identificação das
caraterísticas, estruturas e/ou modelos que estão por trás dos fragmentos das mensagens
(obtidas das falas dos pesquisados) que foram tomadas em consideração, o que tornou o
procedimento inferencial da pesquisa mais preciso e objetivo. Nesse sentido, a ferramenta
contribuiu para a realização das operações prévias, relacionadas com a preparação do material
selecionado nas falas e armazenamento para usos posteriores (de interpretação). Ela permitiu
também aprimorar o rigor na organização dos dados coletados e a ordenação da fragmentação
dos relatos dos pesquisados, uma vez que tornou possível agrupar todas as respostas a cada
pergunta efetuada de modo que a análise efetuada fosse válida e confiável (BARDIN, 2004, p.
137-138).
Assim, foi possível analisar as práticas de gestão pública por meio das falas dos
diferentes atores que interagem no contexto do funcionamento do Município de Xai-Xai,
numa construção prática baseada nas suas experiências sobre a realidade administrativa e dos
processos de gestão adotados com a implementação da reforma administrativa em
Moçambique.
Este estudo não se auxiliou da técnica de observação, porque não privilegiou uma
análise processual que refletisse a descrição de situações observadas no seu contexto real,
uma vez que não se pretendeu apreender como se desenvolve o cotidiano representado pelas
interações sociais e comportamentos das pessoas, nem a análise das várias ações que ocorrem
no interior da organização pesquisada e os significados a elas atribuídos.
Em relação aos aspetos éticos na pesquisa, foi solicitada pelo pesquisador,
devidamente credenciado pelo Programa de Pós-graduação em Administração (PROPAD), a
autorização dos órgãos de direção do Município de Xai-Xai para a realização do estudo. No
final de cada entrevista todos os participantes procederam à assinatura de um termo de
consentimento que autoriza o pesquisador a fazer o uso das informações fornecidas para a
divulgação dos resultados do estudo, exclusivamente para fins acadêmicos.
O Quadro 4 apresenta o resumo dos procedimentos metodológicos adotados no
66
Quadro 4: Resumo dos procedimentos adotados no estudo
Procedimentos Metodológicos da Pesquisa
Caráter Interpretativo
Classificação da Pesquisa
Estudo de Caso Qualitativo
Método de Pesquisa
Estudo de Caso
Tipo Caso Único
Iª Etapa – Análise de conteúdo do Documento da
EGRSP (2006-2011)
Fonte Secundária de Dados
IIª Etapa – Realização de entrevistas semiestruturadas e Análise de conteúdo das entrevistas
Fontes Primárias de Dados
Coleta e Análise de Dados
Natureza Exploratória
Fonte: Elaborado pelo autor.
3.2 As Limitações da pesquisa
Nesta seção, importa sublinhar as limitações desta pesquisa e algumas implicações
para o processo de investigação. As mais significativas estão relacionadas em primeiro lugar,
com o procedimento de categorização prévia do estudo; em segundo com o grau de
subjetividade das informações obtidas dos pesquisados e; por último com o não atingimento
do número de entrevistados inicialmente planejado para o desenvolvimento da pesquisa.
Primeiramente, a despeito de a abordagem qualitativa permitir ao pesquisador
trabalhar sobre um corpus consistente de dados e estabelecer uma discriminação de categorias
variadas, ela acarretou problemas ao nível da seleção dessas categorias analíticas. Nesse
sentido, a categorização adotada neste estudo procurou tratar exaustivamente todas as
dimensões e situações relacionadas com a questão da governança no setor público. No
entanto, no processo de definição das categorias desta pesquisa, elementos importantes e
significativos podem ter sido deixados de lado, o que pode ter implicações na forma de
abordagem dos diversos assuntos discutidos no estudo.
Um segundo obstáculo que pode ser apontado a esta pesquisa está relacionado com a
eficácia e a abrangência do tipo de respondentes escolhidos para a realização da pesquisa. Se,
por um lado, a sistematização das abordagens sobre as concepções da reforma administrativa
permitiu uma leitura detalhada a propósito dos processos de transformação e mudanças a que
estão sujeitos os Estados e as suas administrações, o mesmo não se pode referir quanto às
falas sobre as experiências de indivíduos utilizados para explorar de forma completa as
práticas de gestão no contexto da administração municipalizada.
67
Assim, compreende-se que a análise das práticas de gestão pública adotadas no
Município de Xai-Xai, a partir do ponto de vista dos diferentes atores incorreu a problemas de
subjetividade dos dados coletados que são, no entanto, inerentes às pesquisas do tipo
interpretativo e por essa razão, não devem ser desconsiderados neste estudo. Informações e
dados importantes podem não ter sido relevados ou até omitidos, o que prejudica de certa
forma o processo geral de análise e interpretação dos resultados. Em alguns casos, notou-se a
existência de um elevado grau de subjetividade nas abordagens (falas) dos pesquisados
relativamente à maneira como construíam as suas leituras sobre a questão das práticas de
gestão no contexto municipal.
Por fim, o não atingimento do número de entrevistados selecionados no processo de
definição da amostra intencional, influenciou o enriquecimento da análise das práticas de
gestão pública adotadas no Município de Xai-Xai. Essa limitação reduziu a possibilidade de
se conseguir um maior aprofundamento a partir da ampliação dos múltiplos entendimentos e
diferentes pontos de vista e, restringiu a apreensão mais completa do problema pesquisado.
Embora essa situação tenha se verificado, compreende-se que no geral esse fato não
prejudicou a validade e a qualidade dos achados fundamentais alcançados nesta pesquisa.
Assim sendo, na tentativa de superação dessas limitações procurou-se, por um lado,
permear todo o processo de investigação, planejamento, categorização, coleta e análise de
dados e discussão e apresentação de resultados, com o rigor exigido pela pesquisa de natureza
qualitativa, através do cumprimento das etapas principais estabelecidas para o processo de
investigação. Esses procedimentos tiveram como finalidade garantir a confiabilidade das
abordagens e dos critérios de análise adotados no estudo.
Por outro, para ultrapassar esses obstáculos adotou-se como estratégia a exploração da
maleabilidade oferecida pela abordagem qualitativa e, procurou-se a adequação e controle do
pesquisador sobre as mudanças nos eventos e manifestações do problema investigado no
decorrer da pesquisa. Buscou-se, durante o processo de interpretação dos dados uma maior
vinculação entre os conteúdos significativos identificados nas entrevistas realizadas e as
categorias analíticas adotadas para o estudo como forma de reduzir a tendência de
subjetividade dos relatos dos pesquisados. Aqui, pretendeu-se que os dados estivessem
estritamente focados nas práticas de gestão pública do Município de Xai-Xai e, se tornassem
mais interessantes para proporcionar os achados importantes da pesquisa.
68
4 Os resultados da pesquisa
Neste capítulo apresentam-se os resultados da pesquisa, iniciando-se com os referentes
ao procedimento de comparação realizada entre as categorias representativas das novas
práticas de gestão pública identificadas na literatura e as concepções do modelo de reforma
administrativa da EGRSP (2006-2011) em Moçambique (correspondentes à primeira etapa da
pesquisa).
Na sequência, apresentam-se os resultados (correspondentes à segunda etapa da
pesquisa) da interpretação da análise dos dados coletados nas entrevistas realizadas para o
estudo. Aqui, primeiramente apresentam-se resultados das práticas de gestão pública que têm
sido implementadas no Município de Xai-Xai tendo em vista a melhoria da qualidade dos
serviços públicos e do desempenho no município.
Em seguida apresentam-se os resultados sobre a aplicação das práticas de gestão
pública relacionadas com o controle e responsabilidade gerencial e transparência dentro da
gestão municipal. Por último são apresentados os resultados referentes às práticas de
governança interativa adotadas visando o controle social e participação pública e as
articulações entre o município-sociedade e as intergovernamentais.
4.1 A Comparação das Categorias do Estudo
A comparação das categorias identificadas no referencial conceitual representativas
das novas práticas de gestão pública e as concepções do modelo de reforma administrativa da
EGRSP (2006-2011) realizada na primeira etapa da pesquisa partiu de um conjunto formado
por quinze categorias, a saber: eficiência, eficácia, efetividade, resultados, competitividade,
accountability, transparência, controle, desempenho, responsabilidade, boa governança,
participação, coordenação, cooperação e interdependência. Lembra-se que foram identificadas
previamente dentro das três dimensões conceituais – a New Public Management e
modernização da gestão pública; o interesse público e a accountability; a governança
interativa – que fundamentam as abordagens sobre os processos de realização de reformas
administrativas.
Desse processo de comparação pôde-se constar que, no geral, as concepções do
modelo da reforma administrativa da EGRSP (2006-2011) estão relacionadas com as
69
diferentes abordagens que têm influenciado os processos de mudanças na administração
pública apresentadas no referencial conceitual deste estudo. Isto é, observou-se que maior
parte das categorias representativas das novas práticas de gestão pública (catorze no total) são
apresentadas no modelo de reforma administrativa do setor público moçambicano.
Nesses termos, conforme é apresentado no quadro abaixo (Colunas 1 e 2) pode-se
dizer que o modelo de reforma da administração pública moçambicana apresenta três
vertentes importantes: (i) a primeira vertente refere aos processos administrativos através dos
quais se procura modificar a forma de atuação da administração pública com a
institucionalização de práticas de gestão que concorrem para a melhoria da prestação de
serviços e dos resultados organizacionais; (ii) a segunda vertente baseada na mudança,
sobretudo de valores e comportamento dos funcionários públicos bem como sobre a cultura
do público por meio da prestação de contas e maior fiscalização das instituições do Estado e;
(iii) a terceira a vertente em que se busca o aprimoramento de processos e práticas de gestão
relacionadas com a articulação interorganizacional, seja entre as esferas governamentais assim
como atores privados e da sociedade civil.
O Quadro 5 a seguir ilustra o processo de comparação efetuado onde, as Colunas 1 e 2
mostram como as categorias elencadas no estudo são encaradas quer no referencial teórico e
quer no modelo da EGRSP. Por sua vez, a Coluna 3 apresenta o resultado obtido da
interpretação do conteúdo das concepções descritas nessas duas abordagens em comparação.
Quadro 5: Comparação das categorias de estudo identificadas na literatura e o modelo da reforma da EGRSP
Categorias
Eficiência
Eficácia
Competitividade
Efetividade
Desempenho
DIMENSÃO CONCEITUAL: NEW PUBLIC MANAGEMENT E A MODERNIZAÇÃO DA GESTÃO PÚBLICA
Coluna 1
Coluna 2
Coluna 3
Síntese das Categorias de
Definição Operacional do Referencial Conceitual
Significado no modelo da EGRSP (2006-2011)
Análise
Significa a maximização dos recursos das entidades Setor público orientado para atingir eficiência
públicas, para atender as atividades da organização. Ela organizacional da gestão administrativa e financeira
envolve igualmente os mecanismos utilizados nesse do Estado, através da redução dos custos
processo, como planificação, objetivos, controle, e administrativos.
avaliação de resultados.
Setor público orientado para melhorar a qualidade
Medida com que os objetivos traçados pela organização de serviços e das respostas do Estado à sociedade,
Qualidade de Serviços
são alcançados, em função dos meios utilizados e das através da adequação do funcionamento a uma
cultura pública virada à integridade, transparência,
politicas traçadas para o efeito.
eficiência e eficácia.
Forma através da qual a entidade se empenha no Setor público competitivo e voltado para a
processo de melhoria da sua atuação tendo em vista a qualidade dos serviços que deve prestar, sendo
prestação de serviços de qualidade para os cidadãos, em estes prestados o mais próximo possível dos utentes
comparação com as outras entidades no oferecimento dos serviços públicos.
de serviços públicos.
Refere-se aos benefícios das ações da entidade pública Setor
público
que
aplique
processos
para a sociedade, de acordo com a satisfação das administrativos e de prestação de serviços simples,
demandas dessa mesma sociedade.
modernizados e efetivos.
Introdução de um sistema de gestão do desempenho
Refere-se ao estabelecimento de medidas ou do sector público e dos funcionários a partir da
Desempenho
indicadores que norteiam o conjunto de ações unificação de todas as iniciativas de funcionamento
Organizacional
desenvolvidas no âmbito das politicas públicas das e desenvolvimento do sector na lógica de um único
entidades do setor público, de modo a permitir a plano e programa estratégico, que estabeleça,
70
realização de avaliações sobre a eficiência e eficácia das
mesas e da organização em geral.
Categorias
Transparência
Accountability
Controle
Responsabilidade
claramente, os fundamentos (visão, estratégias,
metas e indicadores) para o desempenho quer
institucional quer individual e do coletivo.
DIMENSÂO CONCEITUAL: INTERESSE PÚBLICO E A ACCOUTABILITY NA GESTÃO PÚBLICA
Coluna 1
Coluna 2
Coluna 3
Síntese das Categorias de
Definição Operacional no Referencial Conceitual
Significado no modelo da EGRSP (2006-2011)
Análise
Refere-se à utilização de mecanismos de publicação dos
atos praticados pelas entidades públicas e comporta
meios formais que expressos por relatórios de
desempenho com caráter de documentos públicos. Ela
envolve a relação entre os principais objetivos
financeiros e não financeiros e a disposição de Fortalecimento da capacidade do Governo de
informações sobre o desempenho alcançado na formular e gerir políticas públicas, promover a
utilização de recursos. As informações devem ser descentralização, a transparência, transparente, Transparência da Gestão
fornecidas aos vários stakeholders correspondem: a tanto no que diz respeito à utilização dos bens e
entidade ou indivíduo, representantes eleitos recursos públicos, quanto ao que se refere aos
(Assembleia);
fornecedores
de
recursos
(os procedimentos e avaliação de resultados e combate
contribuintes, credores, obrigacionistas e credores); a corrupção.
prestadores de serviços e parceiros (funcionários,
fornecedores, parceiros; e de outras entidades
governativas); s alcançados; grupos de interesse; os
medias e a comunidade em geral.
Refere-se à relação entre as entidades públicas e a Fortalecimento da capacidade do Governo na
sociedade, portanto a prestação de contas pelas prestação de contas; melhoria da gestão financeira e
atividades sociais e econômicas, no sentido de que os da prestação de contas; melhoria dos processos de
cidadãos têm o direito de saber o que o município inspeção financeira e das auditorias interna e
objetivou para um determinado período de tempo, e o externa.
que ele realmente realizou no final do mesmo.
Refere-se à capacidade de a entidade pública manter-se Serviços públicos que obedecem a padrões de
informada e atualizada de todas as atividades realizadas qualidade acordados (por exemplo, em relação ao
pela organização, no sentido de promover o alcance cumprimento dos prazos estabelecidos no Decreto
permanente dos objetivos pretendidos. Ela precisa 30/2001 sobre as normas e procedimentos no
garantir em que medida tais objetivos estão ou não funcionamento
da
administração
pública);
Controle e
sendo cumpridos, e se os mesmos estão sendo instituições públicas preparando e executando os
Responsabilidade
efetivados de acordo com o que foi estabelecido. seus planos anuais de atividades mediante o
Gerencial
Entende-se que o controle permite a prestação de cumprimento das regras do sistema de gestão
contas, pois auxilia nas auditorias às atividades da financeira (SISTAFE).
organização.
Refere-se à relação que se estabelece entre as Setor público dotado de pessoal qualificado,
atribuições ou papeis da entidade pública, no sentido de profissionalizado e preparado para a mudança; com
que cada órgão reconheça e realize os seus deveres, de alto sentido de servidor público e de efetividade e
forma a contribuir para o alcance dos resultados responsabilidade no funcionamento dos organismos
pretendidos pela organização.
públicos.
DIMENSÂO CONCEITUAL: GOVERNANÇA INTERATIVA
Coluna 1
Coluna 2
Categorias
Boa Governança
Participação
Coordenação
Definição Operacional no Referencial Conceitual
É entendida como o esforço exercido pela organização
para implementar as medidas e princípios da
governança no âmbito do seu funcionamento (prestação
de contas, abertura, informação, controle, avaliação de
desempenho).
Participação implica a abertura da maquina burocrática
e a integração dos vários grupos de interesse nos
processos formulação e implementação de politicas
públicas. A participação envolve a criação de
mecanismos de controle e envolvimento dos cidadãos
na gestão pública
A coordenação refere-se à capacidade de a organização
utilizar para além das estruturas formais existentes na
organização, associar novos arranjos administrativos no
processe de gestão pública, que permitem maior
flexibilidade, participação na procura das melhores
soluções para os problemas da sociedade. Significa que
os atores públicos e privados coordenam suas ações
para o cumprimento dos objetivos.
Significado no modelo da EGRSP (2006-2011)
Coluna 3
Síntese das Categorias de
Análise
Implementação da reforma administrativa de modo
que funcione adequadamente; gere processos de
políticas
apropriados;
preste
serviços
indispensáveis de forma descentralizada; atue de
modo participativo e transparente, seja efetivo nas
ações de prevenção e combate a corrupção, aplique
processos administrativos e de prestação de
serviços simples e modernizados e efetivos.
Redução nas limitações do acesso aos serviços, à
exclusão no processo de tomada de decisões,
exposição à corrupção, a falta de participação entre
outros. Melhoria do modelo democrático vigente.
Institucionalização de formas participativas seja as
feitas pelos cidadãos, individualmente, ou enquanto
representantes de organizações da sociedade civil.
Controle Social
Necessidade de reconfigurar as funções do Estado
nas suas múltiplas relações com a sociedade, aberto
e atento às relações económicas com o seu exterior.
Parcerias
Estado-Sociedade
71
A cooperação implica que as entidades públicas não
atuam de forma exclusiva, mas se apoiam a outros
atores da sociedade para realizar os interesses coletivos.
Cooperação
Interdependência
A interdependência é encarrada como um processo de
trocas simultâneas entre o público e a sociedade, onde
ambas reconhecem a importância de uma e de outra no
processo da governança e atuam de forma conjunta.
Abertura de espaço para a participação e
intervenção de grupos de interesse da sociedade
civil no processo de implementação de Políticas
Públicas.
Nada mencionado.
Articulações
Intergovernamentais
Fonte: Elaborado pelo autor com base no referencial conceitual do estudo e no documento da EGRSP (2006-2011).
Observa-se no quadro acima, que para além da comparação dos conteúdos das
abordagens expostas, no procedimento de comparação realizado buscou-se igualmente reduzir
o número de categorias identificadas (quinze no início), de modo que se constituísse um
conjunto de categorias de análise mais objetivas que possibilitassem abordar as questões
relacionadas com as práticas de gestão pública voltadas para a modernização da gestão,
accountability e governança interativa no caso específico do Município de Xai-Xai. Como
critérios essa redução se baseou na agregação dos elementos e conteúdos significativos das –
novas práticas de gestão pública – presentes tanto no referencial conceitual do estudo como
no modelo da EGRSP (2006-2011).
O resultado obtido dessa redução e agregação como mostra a Coluna 3 foi
representado por uma síntese formada por sete categorias de análise, a saber: qualidade dos
serviços; desempenho organizacional; transparência da gestão; controle gerencial e
responsabilidade da gestão; controle social; parcerias Município-sociedade e; articulações
intergovernamentais. No entanto, importa mencionar que no processo inicial de comparação
das categorias apenas uma (sobre a interdependência) não foi apresentada no modelo de
reforma administrativa da EGRSP (2006-2011). Contudo, esse fato não representou qualquer
implicação para os objetivos do presente estudo.
4.2 O Caso em Estudo: a Modernização da Gestão Pública
Municipal
Os resultados sobre a modernização da gestão no Município de Xai-Xai são
apresentados a partir de duas abordagens, a saber: primeiro apresentam-se as práticas de
gestão pública voltadas para a busca de qualidade dos serviços públicos municipais prestados
à sociedade e, segundo as práticas de gestão pública que visam à melhoria do desempenho
organizacional.
72
4.2.1 A Qualidade dos Serviços Públicos
A discussão sobre a relevância da qualidade dos serviços públicos oferecidos pelos
organismos estatais aos cidadãos remonta ao debate iniciado pelas concepções da New Public
Management (NPM), acerca da adoção pela administração pública de práticas gerenciais
consideradas, flexíveis, eficientes e abertas ao controle baseado nos resultados (FERLIE et
al., 1996; KETLL, 2000). Essas práticas de gestão pública configuram a passagem do modelo
da administração pública baseado no poder e autoridade da burocracia para uma modelo de
gestão modernizado e com enfoque na qualidade dos serviços prestados ao público.
Nesses termos, a busca de qualidade pressupõe a adoção de uma postura de gestão
pública adaptada às exigências dos cidadãos, à prestação de serviços públicos acessíveis,
justos e equitativos, com qualidade, preocupados com a resposta eficaz na resolução das
demandas da sociedade e uma gestão eficiente no uso dos recursos públicos. Portanto, a
qualidade no âmbito público tem o seu foco nos resultados das ações governamentais e na
forma de atendimento das demandas e necessidades dos cidadãos que são os beneficiários das
políticas e dos serviços públicos (HUGHES, 2010).
Como lembram Pollitt e Bouckaert (2002), as concepções sobre a busca de qualidade
de serviços no contexto das reformas administrativas estão associadas, por exemplo, a
modernização da administração pública; a mudança nas formas de prestação e oferecimento
de serviços; a utilização de práticas voltadas para a gestão com base em resultados e; a
priorização de amplos programas de reforço de competências de gestão dentro do setor
público.
Por sua vez, as concepções do modelo da Estratégia Global de Reforma do Setor
Público (EGRSP, 2006-2011) em Moçambique preconizam, por um lado, que a qualidade dos
serviços públicos deve ser alcançada a partir do reforço dos mecanismos e processos de
gestão utilizados, de modo que a administração púbica seja regida por padrões de gestão que
permitem uma leitura antecipada das necessidades dos destinatários da sua ação, prestando
serviços públicos de qualidade e que dessa forma elevem o desempenho das organizações do
setor público.
Por outro, os pressupostos da reforma na administração pública moçambicana
(CIRESP, 2006, p. 14) apregoam que a qualidade dos serviços públicos está relacionada à
simplificação administrativa, a desburocratização e a maior interação entre os organismos
públicos com os cidadãos utentes dos serviços públicos. A qualidade dos serviços públicos
73
seria alcançável desta feita, através da ação da administração pública ao nível dos processos e
estruturas bem como, pela melhoria dos relacionamentos que se constituem entre o Estado e a
sociedade.
Nestes termos, a reforma administrativa impõe desafios, sobretudo no que concerne à
adoção de estratégias institucionais voltadas para a elevação e melhoria da qualidade dos
serviços prestados e à utilização racional e eficiente dos recursos públicos como forma de
influenciar a eficácia das ações governativas. Entretanto, a questão que se impõe é saber como
se dá o processo de modernização da gestão e a busca de qualidade no contexto do Município
de Xai-Xai?
No estudo se constatou a existência de alguns esforços que estão relacionados com a
materialização das concepções da modernização e maior qualificação da gestão do Município
de Xai-Xai, através da aplicação de práticas voltadas para melhoria da sua atuação na
prestação de serviços públicos aos munícipes. Nesta perspectiva, ao nível desta
municipalidade a qualidade é visualizada como sinônimo da prestação de serviços que sejam
eficazes e que se circunscrevem na satisfação permanente e eficaz das solicitações dos utentes
dos serviços públicos municipais.
Assim sendo, no estudo se distinguiu a existência de três abordagens que têm
conduzido a visão da modernização da gestão e melhoria da qualidade dos serviços
municipais que estão embasadas nos seguintes aspetos: (i) criação de um corpo de recursos
humanos capacitado; (ii) elevação da capacidade de recursos financeiros de modo a melhorar
a eficiência e a eficácia das atividades do município e beneficiar o oferecimento de melhores
serviços; (iii) a criação de conselhos consultivos locais14 (CCL) como forma de
aperfeiçoamento dos processos de definição das prioridades dos serviços municipais e como
mecanismo para influenciar a melhoria da qualidade de sua prestação.
O Quadro 6 apresenta a síntese que representa as abordagens sobre a implementação
das práticas de gestão pública voltadas para a melhoria da qualidade dos serviços prestados
pelo Município de Xai-Xai.
14
Conselhos Consultivos Locais (CCL) são órgãos de participação e consulta comunitária criados ao nível dos
bairros e dos postos administrativos, e possuem atribuições de natureza consultiva e deliberativa sobre as
questões sociais e os problemas que afetam as comunidades nos diversos setores como saúde, educação,
infraestruturas, agricultura, meio ambiente, entre outros. Não são órgãos que fazem parte da estrutura
administrativa formal dos municípios, embora sejam criados e orientados por estas. Basicamente a sua função é
de aproximação entre os órgãos executivos do município e os cidadãos representados por alguns membros
escolhidos pelos próprios munícipes. Não possuem poder de decisão sobre as ações do governo municipal, mas
atuam como mecanismo de pressão e de influência das decisões constituindo-se, desse modo, num órgão
importante para o desenvolvimento do processo de gestão municipal.
74
Quadro 6: Abordagens e mecanismos da modernização e melhoria da qualidade dos serviços municipais
Abordagens da
Modernização da
Gestão Municipal
Mecanismos Utilizados para a Melhoria da Qualidade
dos Serviços Prestados pelo Município
Contratação de Recursos
Humanos para apetrechar
o quadro de pessoal do
município e criação de
uma nova cultura sobre o
serviço público nos
funcionários municipais.
Colocação de Técnicos
com formação
profissional nos Postos
Administrativos de modo
a melhorar a capacidade
de resposta
dos serviços municipais
Implementação de
processos de
planejamento
estratégico e de
planos anuais na
gestão, como forma
de melhorar a
eficácia das políticas
públicas municipais.
Elevação da
Capacidade
Financeira do
Município
Melhoria das
competências de gestão
com a elevação dos
níveis de eficiência das
ações realizadas pelo
município.
Aumento dos níveis de
arrecadação fiscal dentro
do município, pela
identificação de mais
fontes de receita.
Utilização das TIC’s para melhorar os
mecanismos de gestão fiscal, com a implantação
do software para a gestão do processo de
arrecadação de impostos municipais.
Criação de
Conselhos
Consultivos Locais
(CCL)
Criação de órgãos de
consulta e participação
comunitária ao nível dos
Bairros, Postos
Administrativos e da
Sede do Município.
Definição de prioridades
sobre os serviços
demandados de acordo
com as necessidades
identificadas em cada
bairro dentro do
município.
Realização de reuniões com as comunidades
como um mecanismo para influenciar a
formulação das políticas e a qualidade dos
serviços prestados pelo município.
Capacitação
Técnica do
Município
Utilização das unidades
de atendimento
integrado - Balcão de
Atendimento Único
(BAU’s).
Fonte: Elaboração do Autor com base nos dados coletados nas entrevistas da pesquisa.
Como se observa no quadro acima, as práticas de gestão pública municipal voltadas
para a melhoria da qualidade dos serviços prestados pelo Município de Xai-Xai são norteadas
pela criação de capacidade institucional e pelo envolvimento e obtenção de compromisso de
todos os funcionários com a missão da organização. Mas, também pela redução das formas de
desperdícios a partir da implantação de mecanismos de planejamento e sistemas de gestão que
visam garantir maior eficiência na gestão e aumento de recursos financeiros, bem como, pela
orientação das ações governativas do município para os cidadãos-munícipes.
Posso dizer que a principal iniciativa de reforma e modernização para
melhorar a qualidade das atividades e dos serviços do município tem sido a
criação de um corpo de recursos humanos cada vez mais capacitados para
responder aos desafios do oferecimento de serviços de forma célere e com
qualidade para os nossos munícipes [...] esta questão da capacitação
institucional em termos de recursos humanos constitui a grande prioridade
das reformas que têm sido efetuadas [...]. Outra iniciativa é que procuramos
criar também já há três anos a figura do provedor municipal que representa
uma nova vertente da nossa preocupação com melhoria da qualidade dos
serviços prestados pelo município [...] e com este mecanismo é possível
75
conhecer os principais problemas da nossa gestão aonde as coisas vão mal e
quais as razões desses problemas o que facilita a sua resolução e isto ajuda
também a melhorarmos os nossos serviços (Fala, Chefe de Departamento de
Recursos Humanos do Município de Xai-Xai, 2012).
Na mesma perspectiva, conforme a fala da Presidente do Município de Xai-Xai, a
questão da melhoria da qualidade na prestação dos serviços públicos municipais tem sido
encarada,
[...] a partir da adoção de uma estratégia de prestação de serviços voltada ao
cidadão que privilegia a colocação em cada Posto Administrativo
Municipal15 de um técnico qualificado, por exemplo, de um topógrafo para a
área de construção que é a mais solicitada pelos nossos munícipes [...] e
estamos a ver que atuando desta forma é possível melhorar
significativamente a qualidade dos serviços [...] comparando com os anos
anteriores que não existiam técnicos formados nos postos administrativos
tínhamos várias reclamações dos cidadãos, mas atualmente isso quase que
não ocorre [...].
De acordo com o comentário apresentado acima, a qualificação da gestão dos Postos
Administrativos através de recursos humanos devidamente capacitados, retira a pressão e a
concentração dos processos nos serviços centrais do município o que permite reduzir o
excesso de burocracia e essas ações têm estado a ser implementadas porque,
[...] a proximidade do Posto Administrativo em relação ao cidadão torna
possível que este último, atualmente saia de sua residência e se dirija ao
posto onde encontra um técnico capacitado para responder de imediato ao
seu problema, enquanto que antes todos os processos de pedido de terrenos e
de autorização para construção eram centralizados e existia grande
dependência dos serviços nos postos em relação à intervenção da sede16
serviços (Fala, Presidente do Município de Xai-Xai, 2012).
A compreensão que se tem das práticas de gestão adotadas é a de que a busca de
qualidade nos serviços prestados pelo Município de Xai-Xai, se efetiva através da
implementação de ações de reformas que estão sustentadas na profissionalização da gestão
municipal. Esse processo de profissionalização da gestão envolve a contratação de
funcionários qualificados para sua integração no quadro de pessoal e a reformulação das
carreiras consideradas estratégicas no funcionamento dos serviços desta municipalidade.
15
Postos Administrativos são unidades territoriais existentes ao nível local e constituem as subdivisões
administrativas dos municípios. O órgão do Posto Administrativo é o Chefe do Posto Administrativo que dirige a
Secretaria do Posto Administrativo Municipal no respetivo território.
16
A sede refere-se aos serviços centrais onde funcionam os órgãos executivos do Município de Xai-Xai.
Normalmente funcionam os serviços administrativos principais do município tais como o departamento de
administração e finanças, o departamento de construção e infraestruturas, entre outros.
76
Portanto, as mudanças na estrutura de recursos humanos ao nível da gestão municipal
são encaradas como uma condição fundamental para a melhoria da atuação dos serviços
municipais e do aperfeiçoamento das atividades de implementação das políticas públicas
municipais. Segundo a fala da Chefe de Departamento de Recursos Humanos do Município
de Xai-Xai,
[...] nós identificamos que o município tem muitas fragilidades em termos de
recursos humanos e isso tem afetado de forma negativa o nosso desempenho,
sobretudo nas áreas que precisam de profissionais qualificados como
arquitetos, topógrafos e técnicos de administração pública [...] a reforma no
quadro de recursos humanos tem jogado um papel fundamental no processo
de melhoria dos serviços prestados pelo município [...] antes do ano de 2009
o município tinha muitos funcionários não qualificados e têm sido abertos
novos concursos para o recrutamento de funcionários com maiores e
melhores qualificações e a aposta tem sido a admissão de técnicos novos
com formação técnico-profissional e superior para todas as áreas e isso já
está trazendo melhorias em várias áreas do processo da nossa gestão [...].
A capacitação institucional em termos de recursos humanos – melhor qualificados e
treinados como tem sido a aposta desta municipalidade – proporciona, por um lado, a criação
de um quadro de pessoal a altura de resolver os problemas e implementar suas políticas
públicas com maior eficácia, dado que a melhoria da estrutura de recursos humanos torna
possível a elevação da capacidade de atendimento do município e de resposta das demandas
dos cidadãos. Por outro, uma melhor capacitação e treinamento dos recursos humanos
permitem ultrapassar o paradoxo associado à formulação e implementação das políticas
públicas municipais, uma vez que em sua maioria, são realizadas no plano local, exatamente
onde as capacidades de gestão são menos desenvolvidas ou inexistentes.
Nesses termos, a profissionalização da gestão municipal permite melhorar
sobremaneira os processos de execução das atividades e a capacidade de implementação de
projetos desta municipalidade. Ela permite, por exemplo, que com a existência de recursos
humanos melhor qualificados a análise de políticas públicas passa a constituir uma atividade
técnica específica institucionalizada e praticada ao mesmo tempo em que são utilizados
instrumentos de gestão tais como, os Planos Anuais (PPA) e os Planos Estratégicos17 cuja
complexidade de articulação e implementação exige uma preparação adequada dos técnicos
envolvidos nos processos da gestão municipal.
17
O Município de Xai-Xai aprovou o seu primeiro plano estratégico de desenvolvimento municipal em 2010,
cuja elaboração contou com a colaboração de várias entidades públicas, privadas, individuais, acadêmicas e da
sociedade civil.
77
Portanto, a elevação da capacidade técnica e, sobretudo a qualificação e a imposição
de uma nova cultura gerencial assente na prestação de serviços públicos com maior qualidade,
têm funcionado como um dos pilares fundamentais para alavancar a eficácia da gestão dentro
do Município de Xai-Xai. Como referido pelos vários administradores públicos entrevistados
neste estudo, as mudanças na componente de recursos humanos ao nível da gestão do
Município de Xai-Xai, têm estado a permitir a redução das fragilidades e a inadequação da
estrutura de pessoal existente e o surgimento de uma nova dinâmica interna constituída por
processos de gestão mais flexíveis que tendem a tornar a atuação dos serviços municipais
menos burocrática.
[...] Sentimos que os processos de prestação de serviços públicos estão sendo
positivamente alterados, pois, com a reforma estamos a reduzir os
procedimentos burocráticos para o atendimento dos cidadãos e a alterar as
hierarquias existentes visando acelerar os processos de tomada de decisão
[...] desde a criação do centro de atendimento integrado aos cidadãos no
Município de Xai-Xai criamos mecanismos para que o próprio munícipe se
sinta satisfeito com a rapidez dos processos, nós temos na cidade em
coordenação com os órgãos do nível provincial o Balcão de Atendimento
Único (BAU) onde todos os departamentos estão juntos e os processos e
solicitações da área comercial têm os despachos mais rápidos [...] se os
munícipes estão satisfeitos com os serviços que são oferecidos, significa que
a qualidade também está melhorando (Fala, Vereador da Área de Atividades
Econômicas do Município de Xai-Xai, 2012).
É evidente que a nova conjuntura de prestação de serviços criada com a
implementação das ações da reforma administrativa expressa uma significativa melhoria na
atuação do município. Isto é, com implantação do Balcão de Atendimento Único (BAU) ao
nível do Município de Xai-Xai nota-se uma relativa evolução na forma como os serviços são
oferecidos e as demandas dos cidadãos são respondidas.
No entanto, a compreensão que se tem acerca desta vertente de implementação de
ações de reforma com vistas a beneficiar a elevação da qualidade dos serviços desta
municipalidade é a de que, o BAU contribui bastante para a criação de uma nova dinâmica no
contexto da atuação dos serviços municipais, mas que não se pode tomar a introdução do
centro integrado de atendimento aos cidadãos como um mecanismo que assegura por si só a
melhoria da qualidade dos serviços.
O modelo de organização e funcionamento do BAU não incorpora a totalidade dos
serviços que são da competência da gestão do município, integrando apenas algumas áreas
que lidam essencialmente com os processos da área comercial e os relacionados com a
aprovação e expedição de licenças simplificadas e flexibilização dos processos de decisão
78
considerados menos complexos – e com um sentido mais votado da o cidadão-singular. A
questão é que essas atividades não representam as grandes áreas consideradas importantes ou
mais críticas da gestão municipal como, infraestruturas, saneamento e meio ambiente só para
citar alguns exemplos.
Portanto, a questão da qualidade dos serviços deve ser encarada, igualmente, do ponto
de vista da eficácia e efetividade na implementação das ações e programas governativos que
envolvem as políticas públicas sobre as quais se espera que tenham um grande impacto nas
comunidades locais dentro do município. Assim, torna-se fundamental que a busca de
qualidade considere a importância da constituição de processos e estruturas administrativas
que garantam, em primeiro lugar, o atingimento dos objetivos da melhoria da qualidade e, em
segundo, que as políticas públicas sejam concebidas em função desses objetivos que permitam
a sua gestão efetiva (viabilidade, coordenação, monitoria avaliação).
Relativamente ao centro integrado de atendimento aos cidadãos, mostra-se
fundamental dada a sua contribuição para a melhoria da atuação dos serviços municipais que,
sejam ampliadas as práticas de avaliação da qualidade de modo a se conhecer a situação dos
serviços que estão sendo oferecidos, por exemplo, com a realização regular de pesquisas de
satisfação com os usuários ou beneficiários dos serviços municipais.
Doutro modo, como se contatou no estudo, as transformações nos processos de gestão
no Município de Xai-Xai voltadas para a busca de qualidade dos serviços preconizam, a
implementação de práticas administrativas que visam à elevação da sua capacidade financeira.
Nesses termos, segundo a explicitação do Vereador da Área de Atividades Econômicas no
Município de Xai-Xai,
[...] faz parte também do processo de busca de qualidade dos serviços
prestados pelo município o aumento das receitas fiscais porque a prestação
de serviços com qualidade depende dos recursos existentes ou disponíveis
[...] a qualidade de serviços é garantida pela melhoria da capacidade
financeira do município e está sendo realizado um trabalho que visa à
atualização do cadastro municipal para melhorar os mecanismos de
arrecadação fiscal, está sendo realizado o cadastro sobre a ocupação do solo
urbano e do registo predial para termos a verdadeira indicação da capacidade
de arrecadação de receita do município e, dessa forma poderemos elevar a
nossa eficiência e eficácia no trabalho e nas atividades realizadas pelo
município [...] é preciso garantir recursos suficientes para que a nossa
atuação tenha êxitos.
Esses mecanismos de gestão implementados sugerem a existência de uma preocupação
com a qualidade dos serviços prestados no Município de Xai-Xai. Entretanto, precisam de um
maior aperfeiçoamento porquanto, a introdução de um modelo de gestão sustentado pela
79
dimensão qualidade como se pretende, necessita, pois, de indicadores precisos e confiáveis
para a fixação de objetivos (padrões de qualidade) e de práticas permanentes de avaliação de
resultados (EDWARDS; CLOUGH, 2000). É essencial a fixação de indicadores das ações
desenvolvidas para a implementação de uma gestão municipal que esteja adaptada aos
desafios da prestação de serviços públicos de forma efetiva e com maior qualidade, seja na
resposta às solicitações dos cidadãos como no resultado das ações e da implementação de suas
políticas públicas.
Assim, a aplicação desses procedimentos pode proporcionar a utilização de padrões de
qualidade mais concretos que podem ajudar aos órgãos executivos municipais e à “sociedade
em geral a analisarem a qualidade de serviços com base em fontes que indicam o nível de
resultados obtidos nas diversas ações e nas políticas públicas implementadas” (BOVAIRD;
LÖFFLER, 2003, p. 317-318).
No estudo se constatou que a utilização das tecnologias de informação e comunicação
se mostra como um dos maiores desafios da gestão no Município de Xai-Xai, no que se refere
ao seu uso com vistas a aproximar os serviços municipais aos cidadãos e reduzir os
procedimentos burocráticos, mas também de elevar a qualidade na prestação de serviços à
sociedade. Esses mecanismos podem melhorar a informação oferecida, simplificar processos
de suporte institucional e facilitar a criação de canais que permitam aumentar a transparência
e a participação cidadã.
Segundo a fala do Diretor de Administração e Finanças do Município de Xai-Xai,
[...] desde o ano de 2011 o município adotou a utilização de um programa
informático – software para a gestão dos impostos municipais, o que está
melhorando a nossa capacidade de arrecadação [...], por exemplo, o imposto
municipal sobre veículos que era anteriormente cobrado ao nível do governo
provincial, sobre o qual o município só recebia setenta e cinco por cento do
valor arrecadado sem que conhecêssemos a que valor global correspondia
essa percentagem, atualmente com o a utilização das tecnologias de
informação a cobrança é feita na sede do município o que melhorou as
finanças, mas também irá trazer um impacto positivo para os serviços
prestados.
Não obstante se terem registrado avanços no uso das tecnologias de informação na
componente da gestão fiscal, existem várias áreas da gestão municipal que não foram ainda
beneficiadas pelo designado e-governo. Não existe, por exemplo, informação nem dados
informatizados de algumas das áreas mais importantes na gestão municipal como a dos
mercados, feiras, terrenos e urbanização.
80
Com a utilização dos mecanismos do governo eletrônico pode-se aliar a prestação de
serviços de qualidade juntamente com os mecanismos de eficiência administrativa que
promovem a transparência das ações desenvolvidas. Por exemplo, os diversos processos de
licitações públicas atualmente coordenadas ao nível da Unidade Gestora de Aquisições
(UGEA), devem evoluir para novos métodos que envolvem não apenas o controle interno
através do Sistema de Administração Financeira do Estado (e-SISTAFE), mas que
incorporam também a visão de um maior controle social sobre os recursos públicos gerados e
utilizados pelo município.
Em outra abordagem, a busca de qualidade dos serviços prestados pelo Município de
Xai-Xai se baseia na criação de Conselhos Consultivos Locais (CCL) – que são órgãos de
consulta ao público sobre as prioridades da gestão municipal. No entanto, atuam como órgãos
fora da estrutura administrativa formal do município, funcionando apenas como um
mecanismo de interação entre os órgãos executivos municipais com os munícipes e serve para
a definição das prioridades dos serviços por parte das comunidades locais tendo em vista a
influenciar a qualidade de sua prestação.
Este mecanismo foi descrito como:
[...] A criação de órgãos de representação comunitária cuja responsabilidade
é recolher os principais problemas e prioridades das comunidades, de modo
que os serviços a serem prestados aos munícipes tenham cada vez mais
qualidade [...]. Acrescenta que [...] esses conselhos reúnem em princípio
duas vezes ao ano, mas a experiência tem demonstrado que o número de
encontros de trabalho é superior o que significa que existem mais reuniões
de acordo com as necessidades e assuntos de interesse para serem discutidos
(Fala, Presidente do Município de Xai-Xai, 2012).
A compreensão que se tem é a de que com a adoção dessa prática de gestão tem-se
como finalidade exclusivamente o reforço da capacidade de identificação das principais
preocupações das comunidades no que refere, sobretudo aos tipos de serviços demandados de
acordo com as necessidades de cada bairro ou localidade dentro do município embora,
também incorpore a ideia de melhoria dos processos de planejamento e de eficiência na
aplicação dos recursos públicos disponíveis no processo de gestão do município. Mas, essa
prática não implica que ela possa garantir por si só a melhoria da qualidade dos serviços
públicos municipais, dado o reduzido grau de eficácia desse mecanismo para influenciar
diretamente os processos correntes da gestão municipal que têm impacto na qualidade dos
serviços prestados ao público.
81
Portanto, pode-se dizer que a adoção dos CCL no município representa um fator
positivo para o envolvimento da sociedade nos processos de gestão pública, contudo, a
questão da qualidade dos serviços vai além da mera intenção ou vontade deliberada da
constituição desse tipo órgãos cuja natureza é meramente consultiva e sem poderes conferidos
para realizarem a fiscalização dos programas realizados ou não pelo executivo municipal.
Nesse contexto, a aposta na melhoria da qualidade dos serviços não deve se tornar
dependente apenas da utilização desses mecanismos de gestão sob o risco de se comprometer
a eficácia das ações de gestão governamental desejadas. Por exemplo, o número de reuniões
de trabalho estabelecidas na lógica do funcionamento desses órgãos é relativamente reduzido
(duas ao ano, podendo ser realizadas mais), o que sugere que esses órgãos podem se tornar
eficazes apenas para a definição de prioridades genéricas e constituídas dentro de uma lógica
de médio e longo prazo, sendo por essas razões inadequadas para viabilizar problemas
relacionados com demandas da sociedade que necessitam de soluções voltadas para o curto
prazo.
Entende-se que não pode ser efetivo melhorar a prestação dos serviços públicos,
centrando-se apenas nas preocupações nos destinatários dos serviços públicos como se
apresenta a lógica do funcionamento desses CCL atualmente, sem considerar como prioritário
igualmente, o reforço das capacidades de gestão referentes às atividades e projetos
municipais, assim como, a liderança e o estabelecimento de objetivos e metas consistentes no
funcionamento dos organismos públicos, fatores indispensáveis para um maior envolvimento,
responsabilização e motivação de todos os que participam na vida da organização.
Diante do que foi apresentado, pode-se afirmar que existe ao nível da gestão no
Município de Xai-Xai um conjunto de ações que objetivam a melhoria dos processos de
prestação de serviços. No entanto, o estudo constatou que existe uma necessidade do
aprimoramento dessas iniciativas através da criação de uma estrutura organizacional que seja
favorável à elevação da qualidade de seus serviços e devidamente preparada para atender a
esse propósito.
As mudanças ligadas à qualidade dos serviços implementadas no Município de XaiXai como foi mencionado anteriormente, manifestam-se com uma amplitude ainda reduzida
para promover os resultados pretendidos de uma forma mais completa e efetiva. É preciso
criar instrumentos eficazes que permitam análises objetivas sobre a prestação dos serviços
públicos e a definição de parâmetros de qualidade e compromisso da gestão municipal para
82
com a sociedade que pode ajudar dessa forma a avaliação e a responsabilização pelos
cidadãos.
Para tal, torna-se importante promover, por um lado, a criação de uma “cultura de
serviço público” que vincula os aspetos fundamentais da qualidade, isto é, o serviço prestado
e o funcionário público em estreita interação com os cidadãos. Por outro, torna-se necessária à
aplicação de procedimentos, padrões e sistemas organizacionais alinhados às necessidades
(políticas públicas) ou demandas da sociedade, de modo que possam produzir um impacto
visível tanto ao nível interno como externo. A definição de um conjunto de padrões e
princípios de prestação de serviços que possam permitir aos cidadãos reclamar e exigir que os
mesmos sejam cumpridos, o que possibilitará uma maior objetividade nas relações entre o
município com a sociedade no que concerne à avaliação da satisfação desta com os serviços
prestados.
4.2.2 O Desempenho Organizacional
O processo de melhoria do desempenho organizacional no setor público é encarado
como sendo inerente a existência de um padrão de referência (MISOCZKY; VIEIRA, 2001,
p. 165) que está muitas vezes relacionado com a melhoria da qualidade de serviços e com a
modernização dos processos e mecanismos da gestão. Nesta perspectiva, a modernização da
gestão pública e a melhoria do desempenho referem-se à existência de indicadores precisos de
produtividade ou incentivos que o possam estimular, através da clareza a respeito dos
objetivos e produtos de cada setor específico de atividade que compõem os serviços públicos
(TOHÁ; SOLARI, 1997).
Consequentemente, para se refletir o desempenho organizacional devem ser definidos
critérios e criados mecanismos que exerçam este papel e, sobretudo a adoção de mecanismos
de avaliação que sejam coerentes com a realidade institucional do setor público. Nestes
termos, a questão que se coloca é como se dá a melhoria do desempenho no Município de
Xai-Xai?
No estudo se constatou que existem ao nível da gestão do Município de Xai-Xai duas
perspectivas que têm norteado o objetivo da melhoria do desempenho, a saber: a primeira está
relacionada com a definição de um conjunto de ações que permitam o cumprimento das
funções e missão institucional (planos estratégicos e anuais) e, a segunda refere-se às práticas
de avaliação dos serviços prestados aos cidadãos (avaliação de resultados). Apesar de ser
83
positiva a prática de elaboração de planos estratégicos e anuais, se constatou que esses
mecanismos implementados na gestão desta municipalidade não têm permitido a realização de
análises profundas acerca do seu desempenho, uma vez que são aparentemente limitados no
que diz respeito às informações que possuem.
Desse modo, considera-se que as limitações ao processo de avaliação de desempenho
estão associadas, por um lado, à forma como estão estabelecidos os sistemas de planejamento
do município e, por outro, às condições em que é realizada a avaliação das ações da gestão
municipal. O Quadro 7 apresenta os mecanismos utilizados na gestão municipal tendo em
vista a melhoria do seu desempenho.
Quadro 7: Instrumentos utilizados para a melhoria do desempenho organizacional
Instrumentos Utilizados
para a Melhoria do
Desempenho
Organizacional no
Município
Processo de Avaliação de Desempenho Organizacional
Elementos Positivos
Destacados
Aprovação do Plano
Estratégico de
Desenvolvimento do
Município de Xai-Xai
(PEDMXX) em 2009.
Plano Estratégico
(PE)
Estabelecimento de objetivos
relacionados com a avaliação
e monitoria do Plano
Estratégico municipal.
Institucionalização de
mecanismos de planejamento
baseados na elaboração de
Planos Anuais de Atividades
(PAA).
Planos Anuais de
Atividades
(PAA)
Elementos Críticos Identificados
Ausência de uma abordagem no PE que integra as questões da
governança e melhoria de desempenho organizacional.
Falta de uma base de dados complementar que espelha as ações
implementadas no âmbito do PE desde 2009 que permitam a
realização de análises comparativas acerca do desempenho
alcançado nos projetos definidos.
Ausência de um sistema de avaliação claro que proporcione a
visualização dos objetivos do PE e sua materialização nos vários
instrumentos de execução de atividades do município.
Reduzida divulgação do PE para o conhecimento dos vários
atores individuais ou coletivos interessados nas questões da
governança municipal identificadas neste instrumento de gestão.
Fragilidade do sistema de planejamento que não identifica os
indicadores das diversas ações definidas e implementadas de
acordo com os PAA.
Reduzida capacidade técnica para conduzir o processo de
monitoramento das atividades baseando-se em métodos de
análise de impacto sólidos e confiáveis.
Ausência de metas claras nos PAA que indicam como as
diversas atividades inseridas neste instrumento de gestão são
operacionalizadas para o alcance dos resultados pretendidos.
Especificação de objetivos
sobre prioridades da gestão
organizacional com caráter
rotineiro.
Falta de definição específica de resultados pretendidos nas
ações identificadas nos projetos municipais implementados
anualmente.
Falta de clareza e de padrões de desempenho organizacional
susceptíveis de serem submetidos à avaliação externa pelos
munícipes.
Fonte: Elaboração do Autor com base nos dados coletados nas entrevistas da pesquisa.
84
Pode ser observado no quadro acima, que a despeito da existência de um sistema de
planejamento dentro do Município de Xai-Xai e de nos diferentes instrumentos de
planejamento adotados se encontrar definidas as funções necessárias para o cumprimento da
missão da organização, se constatou que existem deficiências no que concerne aos processos
de análise do desempenho organizacional. Essas limitações estão relacionadas basicamente
com os métodos de gestão adotados e com os processos de avaliações de resultados utilizados,
sobretudo para o monitoramento das ações e projetos governamentais do munícipio.
Esta constatação pode ser demonstrada a partir da fala do Vereador da Área de
Atividades Econômicas do Município de Xai-Xai,
[...] penso que quem melhor avalia o desempenho é a pessoa que se beneficia
dos serviços, se o munícipe já se apresenta satisfeito com as nossas
realizações, por exemplo, na área de atividades econômicas significa que
estamos a melhorar cada vez mais [...].
A afirmação acima sugere, por um lado, que o processo de avaliação de desempenho
não tem representado uma prática regular dentro da gestão municipal e, por outro, que a
organização não está ainda preparada para implementar um sistema de avaliação sólido e
baseado em critérios objetivos que norteiam esse exercício de gestão. Apesar de nas suas falas
os vários administradores públicos entrevistados neste estudo terem afirmado, existir uma
preocupação em relação ao assunto, o estudo constatou que existem atualmente
constrangimentos de caráter metodológico que comprometem o aprimoramento do sistema de
avaliação. Como referiu o Vereador da Área de Atividades Econômicas do Município de XaiXai,
[...] existem algumas avaliações feitas de forma superficial e voltadas mais
para a análise interna sobre as atividades pontuais que são realizadas pelos
departamentos não temos um sistema de avaliação complexo que retrata as
várias situações da gestão municipal como um todo [...] o que temos que
continuar a fazer já que estamos a realizar várias reformas e constituir um
mecanismo de avaliação mais completo [...] devemos fazer a investigação
contínua sobre aquilo que pensamos que hoje está bom e o que não está por
meio de avaliações periódicas, é preciso verificar as pequenas falhas e
corrigirmos, criarmos condições para que cada vez mais se altere o cenário
dos problemas na nossa gestão [...].
Compreende-se a partir desses comentários que os mecanismos de avaliação do
desempenho são ainda incipientes e insuficientes no sentido de poderem oferecer um conjunto
de informações e subsídios sobre a gestão realizada que sejam mais consistentes e confiáveis
85
no que diz respeito ao atingimento dos resultados desejados. Embora na gestão municipal se
reconheça a importância da avaliação externa acerca de seu desempenho pelos cidadãosusuários dos serviços prestados pelo município, não existem ações dessa natureza que sejam
consistentes nem padrões objetivos que permitam realizar avaliações. Essa fraqueza deve-se,
em parte, à precariedade dos sistemas de planejamento e monitoramento das atividades e
projetos existentes, mas também às limitações de natureza técnica (fraca capacitação técnica
do pessoal e institucional) enfrentadas no processo de gestão municipal.
O único mecanismo existente que se pretende que seja de monitoria do processo de
gestão municipal é o Plano Estratégico de Desenvolvimento do Município de Xai-Xai
(PEDMXX, 2009-2019) que inclui alguns indicadores ligados às várias reformas
institucionais a serem realizadas tendo em vista, a melhoria do desempenho da gestão
municipal nas áreas de gestão financeira, do meio ambiente, das infraestruturas e habitação,
entre outras.
Porém, dado que o PEDMXX é um plano essencialmente voltado para o
desenvolvimento municipal, a questão do desempenho organizacional não é ainda abordada
nesse instrumento de gestão de forma integrada, havendo aspectos críticos da gestão
municipal que não são sequer mencionados como, por exemplo, a definição de critérios e de
indicadores sobre a participação dos cidadãos na avalição da implementação desse
instrumento.
A avaliação que se faz no quadro do PEDMXX é de caráter trienal como prevê o
próprio plano. Entretanto, não existe um sistema consistente baseado em metodologias
orientadas, sobretudo para a criação e geração de bases de dados que possam permitir a
realização de análises comparativas sobre o desempenho do processo de gestão organizacional
no município. O que essas limitações mostram é que a avaliação com base no PEDMXX não
proporciona uma visão global do processo de gestão municipal que envolva, por exemplo, a
especificação clara dos recursos despendidos e os correspondentes aos resultados obtidos nas
políticas públicas municipais já implementadas ou em implementação em um determinado
período. A falta desse tipo de informação compromete em grande medida a efetivação do
exame completo das capacidades existentes e da qualidade da gestão realizada no processo de
gestão municipal.
No estudo se constatou igualmente que embora nos últimos anos com a
implementação das ações da reforma do setor público tenham se registrado avanços
consideráveis no que refere aos processos de planejamento organizacional, como referiram os
86
vários administradores públicos entrevistados no estudo no seu computo geral, faltam ainda
indicadores específicos e claros sobre as metas e os objetivos definidos no âmbito dos
projetos da gestão municipal.
Por exemplo, no desenho e conteúdo dos Planos Anuais de Atividades (PAA),
verificam-se insuficiências de ordem técnica e metodológica e tendem a ser pouco inovadores
mencionando, de forma simples e repetida algumas prioridades e atividades que possuem um
caráter rotineiro. Esses planos são sustentados por uma base de orçamentação pouco precisa e
fragmentada, pois não referem muitas vezes os resultados concretos pretendidos nos vários
programas e projetos municipais existentes ou que são definidos para cada período específico
de sua implementação.
Desse modo, a utilidade desse sistema de planejamento adotado fica comprometida em
grande medida por essas limitações que derivam da ausência de instrumentos de gestão
rigorosos, incorporando e integrando os sistemas de gestão financeira do município tais como,
o planejamento, a execução e controle (sobretudo no que diz respeito ao controle exterior
pelos cidadãos) de uma forma eficaz e confiável.
No plano administrativo, os sistemas de planejamento e execução de atividades que
são utilizados na gestão do Município de Xai-Xai se mostram ainda convencionais,
burocráticos e muitas vezes condicionados pela reduzida capacidade de arrecadação fiscal
(limitada às poucas fontes de arrecadação existentes) para sustentar as necessidades do
funcionamento do município e dos seus projetos. Assim sendo, a ausência de clareza sobre
como as atividades inseridas nos PAA são operacionalizadas e de mecanismos objetivos
acerca da implementação dos vários projetos apresentados nesses planos anuais, refletem as
fragilidades dos critérios utilizados para a melhoria do desempenho nesta municipalidade. No
geral, as limitações que se apresentam no funcionamento do Município de Xai-Xai, dentre
outros aspectos, estão fortemente relacionados à fraca articulação entre as várias componentes
que concorrem para o seu bom desempenho.
Diante disso, torna-se necessária a incorporação de dois aspetos importantes relativos
à capacitação institucional do município para lidar com os desafios da melhoria do
desempenho organizacional. Em primeiro lugar, é importante a capacitação dos atores da
instituição (funcionários em geral e dirigentes do município) de modo a permitir o
desenvolvimento de um sistema de planejamento orientado por métodos e ferramentas que
viabilizem as ações de melhoria do desempenho organizacional. Os mecanismos de avaliação
do desempenho são frágeis e quase inexistentes e, quando existem, estão mais voltados para
87
os processos internos e pouco têm de prestação de contas à sociedade, tornando-se
fundamental alterar o seu caráter auto referido para um sistema mais aberto à avaliação da
sociedade.
Em segundo, a abordagem que norteia o processo da gestão municipal necessita de
maior aprimoramento, priorizando práticas consistentes de avaliação mediante a utilização de
indicadores de caráter financeiro e de aspectos da gestão organizacional que destacam o
monitoramento das ações e metas estabelecidas nas políticas públicas municipais. É
fundamental para a contínua melhoria do desempenho organizacional do município que este
seja mais aberto para um maior escrutínio da sociedade, através da fixação de padrões de
desempenho organizacional, na base dos quais as ações e atividades desta municipalidade
podem ser avaliadas.
4.3 A Accountability na Gestão Municipal
Neste tópico apresentam-se os resultados sobre as práticas de gestão adotadas tendo
em vista a implementação de processos e estruturas de controle interno como externo sobre as
atividades e programas desempenhados na gestão do Município de Xai-Xai, consubstanciadas
no controle e responsabilidade gerencial e na transparência na gestão desta municipalidade.
4.3.1 O Controle e Responsabilidade Gerencial
O controle e responsabilidade gerencial representam um componente crucial da gestão
pública estando relacionados com a accountability (prestação de contas). Portanto, é
fundamental para assegurar que as atividades das organizações públicas se realizem de forma
desejada e adequada por todos os intervenientes nas ações da organização, de modo a
contribuírem para a consecução dos planos e programas consentâneos com a implementação
das políticas públicas.
Nesse sentido, o controle e responsabilidade da gestão pública passam a estar
intimamente ligados à obrigação dos agentes públicos de prestarem contas sobre as suas
ações, podendo ser aos organismos de controle no interior da estrutura das próprias
instituições, ao parlamento ou mesmo à sociedade. A questão do controle exercido pela
sociedade será retomada mais adiante na discussão sobre os processos de participação pública
88
e a gestão interativa na gestão municipal. Nesta ocasião aborda-se a accountability apenas na
perspectiva do controle gerencial.
No âmbito da reforma da administração pública em Moçambique o controle e
responsabilidade gerencial são apresentados como sendo equivalentes à aplicação de novas
práticas de gestão pública que envolvem a “introdução de mudanças nas estruturas e nos
processos de prestação de contas dentro do setor público” (CIRESP, 2006, p. 21). Tais
práticas visam apoiar as instituições do setor público na realização dos seus objetivos, na
busca pela eficácia e eficiência das suas ações, na confiabilidade dos relatórios internos e
externos e, no cumprimento das leis e regulamentos aplicáveis e as políticas internas das
organizações públicas.
Assim, as concepções do modelo de reforma da administração pública moçambicana
encaram a prestação de contas como um mecanismo que contribui para o aperfeiçoamento da
gestão pública e a construção de um setor púbico que se apoia na criação de uma rede de
vários controles sobre os processos administrativos das instituições do Estado e das ações de
seus agentes com vistas, a melhorar a sua atuação e elevar os níveis de responsabilização na
gestão. No entanto, a questão que se impõe é saber de que forma é garantida aplicação do
controle gerencial e responsabilização na gestão do Município de Xai-Xai? Quais as
implicações do controle nas ações, programas e políticas públicas desenvolvidas na gestão
municipal e como este funciona?
No estudo se contatou que ao nível da gestão do Município de Xai-Xai a questão do
controle e responsabilidade gerencial envolve a utilização de mecanismos de gestão que
visam garantir que a organização conheça em que medida os planos e programas de ação
estão funcionando. Com isso, procura-se assegurar o cumprimento dos objetivos
organizacionais e a implementação eficaz das políticas públicas estabelecidas. Através desse
processo busca-se também responsabilizar os agentes públicos conforme o desempenho e
resultados dos programas e projetos governativos implementados.
Esse processo de controle e responsabilização é realizado, por um lado, através dos
órgãos do próprio município que possuem autoridade hierárquica sobre as unidades
organizacionais que executam as atividades das políticas públicas, por outro, pelas instituições
que exercem tradicionalmente o controle administrativo-financeiro sobre os planos e
programas desenvolvidos pelo município. Nota-se que o novo aqui nem tanto são os atores
que fiscalizam, mas sim o quê se procura fiscalizar. Nessa modalidade de controle e
responsabilização gerencial, a ideia é que o órgão executivo municipal e os agentes que atuam
89
na gestão do município sejam avaliados substantivamente pelo cumprimento das metas
propostas.
Portanto, os mecanismos de controle e responsabilização da gestão pública estão
alicerçados em três dimensões que correspondem: (i) às práticas de controles com caráter
administrativo (internos), sobre os resultados alçados pelos diferentes setores na execução das
atividades da gestão municipal; (ii) às práticas de controle com caráter horizontal (externos),
sobre a legalidade dos procedimentos administrativos no cumprimento dos planos e
orçamentos aprovados e; (iii) às práticas de controle com caráter parlamentar (baseados no
controle da legislatura), sobre os resultados da ação governativa desenvolvida pelo executivo
do município.
O Quadro 8 a seguir apresenta as dimensões do controle gerencial existentes.
Quadro 8: Dimensões do processo de controle gerencial no Município de Xai-Xai
N° de
Ordem
1
2
3
Dimensões do
Controle e
Responsabilização
Exercidos
Controle
Administrativo
Controle
Horizontal
Controle
Parlamentar
Tipo de Accontability Desempenhado
Controlador
Realizado através de mecanismos de responsabilização hierárquica e
prestação de contas, envolvendo superiores hierárquicos e subordinados
dentro da estrutura organizacional do município, envolve frequentemente
o cumprimento de normas e procedimentos administrativos e a
apresentação dos resultados da execução de atividades.
Presidente do
Município e
Conselho
Municipal
Exercido também através de práticas de controle interno relacionadas
com o monitoramento das atividades realizadas pelos diferentes setores
do município.
Inspeção do
Município
Efetivado através de mecanismos que correspondem à verificação da
observância das normas e os procedimentos legais pelo órgão judiciário
que realiza a auditoria formal da execução orçamentária, das contas e dos
resultados em conformidade com os planos aprovados no processo de
gestão do município.
Tribunal
Administrativo
Realizado por meio de inspeções regulares conduzidas pelas instituições
do governo central com responsabilidade e autoridade para prestação de
contas.
Inspeção Geral
de Finanças e
Ministério da
Administração
Estatal
Exercido a partir dos mecanismos de responsabilização política dos
resultados das ações governativas do município perante o legislativo, que
fiscaliza e monitora o grau de cumprimento dos planos e a execução dos
projetos definidos no âmbito da implementação das políticas públicas ao
nível municipal.
Assembleia
Municipal
Fonte: Elaboração do Autor com base nos dados coletados nas entrevistas da pesquisa.
90
Como pode ser observado no quadro acima, o controle de resultados representa o
principal mecanismo de accountability ou de controle gerencial presente no processo de
gestão municipal, pois, a partir da apresentação dos vários relatórios aos diferentes órgãos de
controle (interno e externo) procura-se espelhar as metas que são alcançadas no processo de
gestão do Município de Xai-Xai.
Observa-se que os processos de prestação de contas operacionalizados pelos controles
administrativos e parlamentar focalizam maior parte das vezes os resultados das atividades no
contexto da implementação dos planos e projetos do executivo municipal. Contudo, apesar do
controle horizontal estar voltado principalmente para os procedimentos legais das ações de
gestão desta municipalidade, em última instância incorpora a vertente de resultados, a
observar pelas análises que são feitas em relação à aplicação dos recursos públicos e os
aspectos substantivos que envolvem a eficiência e a efetividade das políticas públicas.
Tendo em vista a concretização desses controles como mencionado por vários
administradores públicos entrevistados no estudo, são utilizados vários instrumentos de
controle gerencial das ações desenvolvidas pelo município, em que se destaca o Plano Anual
de Atividades (PAA) que representa o principal instrumento que norteia o processo de gestão
da organização.
[...] Nele estão estabelecidas as prioridades da gestão municipal e abrange
especificamente a elaboração de planos de atividades que são divididos em
períodos determinados para sua implementação e avaliação, e estas últimas
são realizadas tendo em consideração a execução das atividades que dizem
respeito aos períodos trimestrais, semestrais e também as referentes às
atividades de caráter anual. [...] Durante a implementação do PAA são
elaborados relatórios periódicos sobre os resultados da execução das
atividades, que são utilizados igualmente como instrumentos de
monitoramento e de controle da gestão das políticas púbicas municipais
(Fala, Vereadora da Área de Administração e Finanças do Município de XaiXai, 2012).
Na mesma perspectiva, segundo a fala da Presidente do Município de Xai-Xai o
controle gerencial dentro do município é efetuado como necessidade de acompanhamento e
avaliação dos resultados que são alcançados do decurso da implementação das diversas
atividades desta municipalidade e,
[...] como prática de controle sobre os vários aspetos da nossa gestão temos,
por exemplo, a cada final de ano os balanços sobre o que foi planificado e o
que foi realizado e são apresentados igualmente os resultados dos custos
financeiros que compreendem as atividades realizadas nesse mesmo período.
[...] Essas informações são prestadas aos órgãos da Assembleia Municipal no
91
contexto da fiscalização do executivo municipal e ao Tribunal
Administrativo no âmbito da prestação de contas sobre a gestão financeira e
o cumprimento dos planos de atividades aprovados para gestão do município
[...].
Doutro modo, de acordo com a fala do Diretor de Administração e Finanças do
Município de Xai-Xai foram adotadas como práticas de controle interno das realizações de
cada setor dentro do município,
[...] a apresentação de informes periódicos pelos responsáveis dos diversos
setores de atividade do município ao órgão executivo do município [...] e
todas as semanas existe um encontro entre o presidente do município e os
diretores dos departamentos da instituição para a prestação de contas [...]
mas é exigida também a prestação de informação mensal acerca do ponto de
situação de tudo que foi planejado e sobre o grau de cumprimento do plano
de atividades, os constrangimentos existentes e tudo aquilo que aconteceu
em relação a cada setor [...] e para lidar com os problemas que envolvem as
falhas na implementação é acionada a inspeção interna do município [...].
De acordo com esta perspectiva, os diversos instrumentos de prestação de contas
utilizados no Município de Xai-Xai funcionam como mecanismos de controle e
responsabilização da gestão desenvolvida nesta municipalidade. O Quadro 8.1 a seguir mostra
os instrumentos de controle de atividades utilizados na gestão municipal.
Quadro 8.1: Instrumentos de controle dos planos e ações municipais
N° de
Ordem
Instrumento de Controle e
Responsabilidade Gerencial
Responsável pela
Elaboração
Documentos das atividades inseridas no
PAA implementado pelos diferentes
setores.
Relatório de execução financeira do
Município.
Relatório de execução dos planos e
projetos das atividades do município.
Setores de Atividades
e Departamento de
Planejamento
Departamento
Financeiro
4
Relatórios dos resultados de desempenho
setorial.
Vereadores
5
Relatório anual de atividades que espelha
os resultados da gestão do município.
Conselho Municipal
Tribunal
Administrativo e
Assembleia Municipal
Anual
6
Relatório de execução do orçamento
referente à realização de despesas e
arrecadação fiscal e implementação de
ações governativas do município.
Departamento
Financeiro/Setores de
Atividades
Inspeção Geral de
Finanças e Ministério
da Administração
Estatal
Semestral e
Anual
1
2
3
Chefes de
Departamentos
Órgão Controlador
Periodicidade
Conselho Municipal
Semestral e
Anual
Conselho Municipal
Trimestral
Presidente do
Município
Presidente do
Município
Fonte: Elaboração do Autor com base nos dados coletados nas entrevistas da pesquisa.
Semanal
Semanal
92
Observa-se, assim, que o processo de controle e responsabilidade gerencial dentro do
Município de Xai-Xai é operacionalizado, basicamente por um conjunto de relatórios que
expressam os resultados da atuação desta organização ao longo de vários períodos de
implementação de atividades ou projetos municipais. Portanto, a utilização desses relatórios
serve para a viabilização do processo de prestação de contas aos diferentes órgãos que
realizam o controle interno.
Entretanto, o estabelecimento da função de controle interno deve ser efetivo no sentido
de garantir uma revisão sistemática, a avaliação e a adequação dos relatórios sobre os
processos gerenciais, financeiros e operacionais cada vez mais consistentes e contribuir para o
fortalecimento das práticas de responsabilização ao nível da gestão do Município de Xai-Xai.
O processo de controle interno não deve se esgotar apenas na simples elaboração de
relatórios. É importante, por um lado, que sejam incluídos nesses relatórios elementos de
análise e de comparação que permitam uma demonstração clara sobre os níveis de
cumprimento dos objetivos organizacionais e, por outro, sejam incorporadas medidas de
desempenho que apresentam informações comparativas acerca dos resultados das políticas
públicas implementadas num determinado ano específico com os alcançados nos anos
anteriores.
Isso possibilitará uma representação que confronta os níveis de execução dos
diferentes projetos em cada período de realização de atividades. Mas, também pode
proporcionar, por exemplo, uma visualização mais completa acerca da execução prevista nos
orçamentos programados e os níveis de desempenho alcançados na implementação das
políticas públicas do município em cada ano, permitindo elevar a accountability perante os
cidadãos.
De acordo com as constatações do estudo registram-se avanços consideráveis nos
mecanismos utilizados para a efetivação do controle interno, mas para que esses processos
ocorram com maior efetividade é preciso reduzir as limitações existentes, por exemplo, no
processo de elaboração do PAA que serve como instrumento indicativo das atividades e
projetos (avaliados nos relatórios periódicos) que são realizadas no âmbito das políticas
públicas. É preciso reduzir a distância existente entre o micro planejamento das unidades
administrativas do município e macroplanejamento envolvendo os organismos públicos do
governo provincial a partir do reforço da coordenação intersetorial com vistas a tornar mais
efetivas as ações e os programas da gestão pública municipal.
93
Conforme mencionado nas falas dos vários administradores públicos entrevistados
neste estudo,
[...] dado à natureza das várias atribuições e competência dos municípios que
são comuns a algumas funções das instituições da esfera do governo
provincial o processo de planejamento municipal deve envolver também a
troca de informações com os organismos desse nível governamental [...]
existe atualmente uma fraca coordenação no processo de planejamento que
envolve as instituições públicas ao nível do Estado e o município (Fala,
Vereadora da Área de Administração e Finanças do Município, 2012).
Como exemplos das falhas no processo de planejamento intersetorial foram
mencionados, a descoordenação na articulação e prestação de contas sobre atividades
realizadas no setor de saúde dentro do município e na definição de prioridades e
implementação de projetos de construção de infraestruturas na área de educação.
Ainda relacionado com o os mecanismos de controle interno dos resultados
operacionais, vale mencionar a questão referente aos mecanismos de gestão orçamentária
estabelecida ao nível do município. Sobre este aspecto se constatou que apesar de a reforma
do setor público ter introduzido em 2002 o Sistema de Administração Financeira do Estado
(SISTAFE) e em 2005 o Regulamento do Pocurement18 (revisto em 2011) que é parte
integrante do primeiro para a gestão financeira, o Município de Xai-Xai não utiliza ainda a
componente eletrônica deste mecanismo de gestão dos recursos financeiros. Como
mencionado na fala do Diretor de Administração e Finanças do Município de Xai-Xai,
[...] estamos na expetativa de que a gestão orçamentaria seja efetuada com
recurso ao e-SISTAFE, pois este instrumento irá melhorar muito a eficiência
da nossa administração e espera-se que a implantação do sistema seja
realizada ao longo de 2012 [...].
A utilização deste mecanismo pode reforçar o controle interno e externo sobre os
recursos financeiros do município e reduzir espaço para a ocorrência de práticas irregulares
que comprometam os processos de implementação das políticas públicas. O e-SISTAFE pode,
por exemplo, introduzir melhorias nos processos de execução orçamentária e promover maior
eficiência na gestão, mas também pode proporcionar informações tempestivas e mais
confiáveis aos processos de elaboração dos relatórios periódicos no contexto da prestação de
contas reforçando uma vez mais a accountability da organização.
18
Aprovado pelo Decreto n° 15/2010, de 24 de Maio – Regulamento de Contratação de Empreitada de Obras
Públicas, Fornecimento de Bens e Prestação de Serviços ao Estado.
94
No que diz respeito às práticas de controle gerencial externo aos processos de gestão
do Município de Xai-Xai, destacam-se as ações de auditoria promovidas pelo Tribunal
Administrativo, por um lado, como mecanismo de prestação de contas sobre a execução
orçamentária dos planos e atividades. De acordo com as falas dos administradores públicos
entrevistados neste estudo foi mencionado que,
[...] o controle gerencial externo é efetivado através das ações de auditorias
conduzidas pelo Tribunal Administrativo (TA) [...]. Este organismo de
controle externo realiza as auditorias através da solicitação do relatório de
execução orçamentaria que é analisado em conformidade com o plano
referente ao período sobre o qual é realizado o processo de fiscalização
(Fala, Vereador da Área de Serviços Urbanos do Município de Xai-Xai,
2012).
Sobre o processo de prestação de contas e auditorias externas o Diretor de
Administração e Finanças do Município de Xai-Xai elucidou que,
[...] as ações de auditoria são realizadas uma vez ao ano e durante o período
em que os auditores estão no município sempre que necessário nos é
solicitada informação complementar para justificar ou comprovar as ações
que temos estado a realizar no ato da execução do orçamento [...] e temos
procurado corresponder a essas exigências que são feitas por este órgão, ao
que recebemos frequentemente o relatório final das auditorias realizas para a
apresentação dos nossos contra argumentos sobre os resultados do TA e,
temos procurado seguir as orientações e sugestões para melhorarmos ou
corrigirmos as falhas que são constatadas [...].
Por outro lado, foi realçado pelos administradores públicos entrevistados no estudo,
que o controle gerencial é realizado também pelas instituições do governo central com poder
de tutela sobre o município.
[...] Existem ações de supervisão promovidas pelos organismos públicos do
nível central, que no contexto da tutela administrativa do governo aos órgãos
executivos dos municípios realizam inspeções financeiras através da
Inspeção Geral de Finanças (IGF), que monitora as ações da gestão
financeira por meio da avaliação de relatórios que ilustram os processos de
execução do plano e do orçamento do município. Ainda no âmbito das ações
de monitoria existe a inspeção administrativa realizada pelo Ministério da
Administração Estatal (MAE) que tem como objetivo a supervisão da
conformidade das ações realizadas no âmbito da gestão corrente do
município (Fala, Vereadora de Administração e Finanças, 2012).
95
Em outra perspectiva, o controle político sobre os resultados da administração
municipal, realizado através da Assembleia Municipal tem um impacto positivo no processo
global da gestão dado que a fiscalização promovida pelas comissões especializadas deste
órgão proporciona, por um lado, a redução das limitações do processo de elaboração
orçamentaria e da ocorrência de irregularidades na implementação das políticas públicas e,
por outro, cria-se um espaço para ampliar a prestação de contas à sociedade.
O controle exercido por este órgão de representação dos munícipes enquadra-se no
processo do exercício das competências de supervisão legislativa, que envolve o controle na
gestão do orçamento e também a prestação de contas sobre as atividades do executivo
municipal ao legislativo, assim como o monitoramento dos projetos implementados pelo
município – através das comissões da assembleia destinadas a avaliar as políticas públicas e a
investigar o processo de transparência dos atos governativos.
De acordo com as falas dos administradores públicos e membros do legislativo
entrevistados no estudo,
[...] o controle das atividades é uma das responsabilidades da Assembleia
Municipal e o executivo municipal tem como obrigação legal apresentar
informações através de relatórios que expressam o grau de realização do
plano e orçamento, como mecanismo de prestação de contas à Assembleia
Municipal que representa os cidadãos-munícipes [...] funciona através do
estabelecimento de uma interação permanente entre os dois órgãos como
forma de garantir que os processos de gestão municipal se traduzam numa
maior transparência para a sociedade (Fala, Presidente da Assembleia
Municipal de Xai-Xai, 2012).
Observado esse conjunto de mecanismos de controle gerencial implementados – a
compreensão que se tem é a de que as abordagens dos controles burocráticos, horizontais e
políticos existentes nesta municipalidade dão enfoque ao que a International Federation of
Accountants (IFAC, 2001) considerada ser fundamental para a elevação da transparência e
prestação de contas dos organismos públicos, isto é, que o controle e a supervisão das ações
de gestão municipal devem ser encaradas como a criação de um sistema e estruturas através
dos quais a organização é dirigida e controlada.
Nessa visão enfatiza-se que os processos de prestação de contas e, sobretudo através
da submissão dos organismos públicos às auditorias devem se constituir em instrumentos que
proporcionam a revisão da adequação das políticas e práticas à conformidade com os padrões
e princípios da governança no setor público como meio de ampliar a accoutability.
96
Assim, a forma como uma organização pública é gerenciada, as estruturas, a sua
cultura, as políticas e estratégias pelas quais se lida com os stakeholders devem expressar a
aplicação de práticas que promovem a transparência na administração pública (BARRETT,
2002). O objetivo principal é que as entidades públicas divulguem relatórios periódicos
(O’DONNELL, 1998) com os resultados da aplicação dos recursos públicos previstos nos
instrumentos orçamentários, cuja finalidade é promover o acompanhamento por parte da
sociedade da aplicação dos recursos públicos e responsabilizar as práticas que representam o
descumprimento das normas estabelecidas.
Com a utilização dessas práticas busca-se reorientar a visão tradicional que tem
norteado o funcionamento da administração pública que se baseia nos processos e
procedimentos da burocracia, por meio dos quais se tem revelado excessivamente auto
referida e restringida ao insulamento. Trata-se de difundir as práticas de prestação de contas
por parte dos administradores públicos, responsabilizando-os e exigindo da sua atuação a
aplicação de mecanismos administrativos que configuram maior transparência nos processos e
programas públicos desenvolvidos dentro das organizações do setor público.
Enfim, esses controles internos e externos providenciam especialmente informação
importante sobre os organismos auditados acerca do seu desempenho e cumprimento das
respectivas responsabilidades, ao mesmo tempo em que proporcionam também um conjunto
de informações importantes para os cidadãos sobre os resultados dos organismos públicos.
4.3.2 A Transparência na Gestão
A transparência na gestão se tornou fundamental nos últimos tempos no âmbito da
introdução das novas práticas de gestão pública e da implementação das reformas
administrativas. Nesse contexto, as práticas de transparência na gestão pública passaram a ser
aplicadas com recurso a múltiplos mecanismos que têm em vista, sobretudo a divulgação de
informação e o acesso para os diversos stakeholders e a sociedade em geral às informações
institucionais que afetem seus interesses.
Assim sendo, através das práticas de transparência busca-se disponibilizar elementos e
informações sobre as ações governamentais desenvolvidas pelos agentes públicos na gestão
das instituições do Estado, mas também para a divulgação das informações referentes à gestão
dos recursos públicos devendo ser disponibilizadas com certa regularidade para o público ou
para outras organizações interessadas (BARRETT, 2001).
97
No contexto da reforma administrativa em Moçambique a transparência na gestão é
apresentada como estando relacionada à institucionalização e uso de práticas de gestão que
promovem a prestação de contas dos agentes públicos e o controle dos recursos públicos.
Nesta perspectiva, a EGRSP (2006-2011) expressa à importância da constituição de um setor
público “guiado pelas práticas de transparência, tanto no que diz respeito à utilização dos bens
e recursos públicos, quanto ao que se refere aos procedimentos e avaliação de resultados”
(CIRESP, 2006. p. 6).
É de realçar que existe uma grande relação entre a transparência e a prestação de
contas, no sentido de que algum nível de prestação de contas é necessário, a fim de assegurar
a transparência da gestão no setor público. A divulgação de informações sobre os resultados
da ação governamental é uma condição necessária, ainda que não suficiente para assegurar
que a atuação das instituições públicas seja efetivamente transparente.
Por essa razão, torna-se fundamental que os recursos governamentais sejam utilizados
de forma apropriada e os gastos sejam efetuados de acordo com as leis e regulamentos, que os
programas e projetos governamentais sejam conduzidos de acordo com seus objetivos e
finalidades estabelecidas. Nesta perspectiva, a transparência na gestão expressa a ideia de que
as instituições públicas devem orientar todas as suas ações imbuídas da obrigação de
prestação de contas à sociedade e aos entes públicos com poder para exigir contas aos
diferentes organismos do Estado.
Entretanto, a questão que se impõe é saber qual o significado que se dá a transparência
na gestão do Município de Xai-Xai e quais são as práticas adotadas? De que forma essas
práticas garantem a efetividade da transparência dos processos de gestão nesta
municipalidade?
No estudo se constatou a adoção de algumas formas e mecanismos através dos quais a
questão da transparência na gestão é tratada ao nível do Município de Xai-Xai, que sugerem
de certa maneira um avanço substancial no tratamento desta questão. Observou-se,
igualmente, que embora seja evidente a tendência para a utilização de práticas de
transparência, estas não são utilizadas com a devida frequência e regularidade.
O que parece acontecer de fato é que a maneira como os mecanismos adotados são
utilizados não conduzem ao exercício integral da transparência, por um lado, pela falta de
informações abrangentes sobre o desempenho da ação governativa no município e, por outro,
pelo conteúdo e qualidade das informações que são disponibilizadas pelos agentes públicos
desta municipalidade à sociedade.
98
A questão central é que algumas práticas de transparência adotadas no Município de
Xai-Xai não têm proporcionado aos usuários dos serviços do município e à sociedade em
geral informações suficientes ou completas sobre os processos de gestão, de modo a se formar
um quadro referencial que ajude a consolidar as suas opiniões acerca a atuação das entidades
governamentais do município.
O Quadro 9 apresenta as formas utilizadas para a promoção da transparência no
Município de Xai-Xai.
Quadro 9: Instrumentos de transparência utilizados na gestão municipal
Instrumentos de
Transparência na Gestão
Formas de Procedimento
Abordagem Principal das Práticas Adotadas
Relatórios financeiros da
gestão municipal
Submissão
ao
processo
de
fiscalização realizado pelo órgão
legislativo e disponibilização para
consulta e apreciação pública da
população.
Apresentação do orçamento de forma detalhada
relativamente a cada programa de receita e despesa
sendo discriminada para cada programa implementado
no processo de gestão do município.
Mapas diários sobre o
resultado da arrecadação
de receitas fiscais no
município
Elaboração e afixação dos mapas
das receitas fiscais em locais
públicos dos edifícios dos Postos
Administrativos e da sede do
município.
Criação de um sistema de prestação de contas sobre os
recursos financeiros do município para assegurar o
acompanhamento do público sobre o decurso do
processo de arrecadação fiscal e a integridade das
informações contidas nos relatórios orçamentários.
Controle sobre o desempenho dos
projetos
desenvolvidos
pelos
diferentes setores de atividades do
município.
Divulgação dos resultados das ações governamentais
para apresentar os outcomes (impactos) subjacentes à
execução do orçamento, bem como o reforçar as
responsabilidades e a continuidade do executivo
municipal no cumprimento do seu papel e a suas funções
na administração do município.
Balanços periódicos
sobre os projetos das
políticas públicas
municipais
Acesso do público interessado aos
instrumentos técnicos de gestão que
espelham o municipal.
Apresentação dos outputs (resultados) de maneira
detalhada para traduzir a prática de prestação de contas
do município ao público e promover o acompanhamento
de todos os relatórios e demais documentos a ele
relacionados.
Planejamento das
prioridades da ação
governativa do município
com as comunidades
Identificação
conjunta
de
problemas que afetam a população
e definição de prioridades das ações
governativas do município.
Promoção de práticas de envolvimento das comunidades
locais (cidadãos e organizações da sociedade civil) no
âmbito da formação das políticas públicas do município.
Reuniões com a
população para
divulgação dos resultados
da gestão municipal
Fonte: Elaboração do Autor com base nos dados coletados nas entrevistas da pesquisa.
Como pode ser observado no quadro acima, existe uma preocupação com a
implementação de práticas de gestão que visam à concretização da transparência na gestão do
Município de Xai-Xai. As práticas de abertura e transparência na gestão municipal têm sido
utilizadas como forma de providenciar ao público a confiança sobre os processos de tomada
99
de decisão e das ações de caráter administrativo desenvolvidas pelos diferentes órgãos desta
municipalidade. Conforme mostra a fala do Vereador da Área de Agricultura e Transportes do
Município de Xai-Xai,
[...] a transparência na gestão do município é promovida através da abertura
do município para com o público [...] em relação aos relatórios e os planos
de atividades do município qualquer cidadão está em altura de poder ter
acesso a essas informações, chegando à secretaria do município estes são
postos à disposição do interessado.
Mas, apesar de se verificar uma tendência positiva para a ampliação das práticas de
transparência na gestão municipal, no estudo se constatou que no plano administrativo a
obrigação de informar os processos de gestão não tem sido espontânea, rápida e dentro de um
clima de confiança particularmente com exterior da organização. Nesta perspectiva, os vários
atores da sociedade civil consideram as práticas de transparência adotadas pelo Município de
Xai-Xai pouco efetivas para promover um grau elevado de transparência na gestão desta
municipalidade. Várias críticas foram apresentadas às práticas que têm sido implementadas e,
a principal delas está relacionada com a forma como as informações são divulgadas pelos
órgãos executivos do Município de Xai-Xai.
Segundo a fala do Diretor Executivo do Fórum Provincial das Organizações da
Sociedade Civil de Gaza (FONGA),
[...] a forma como é promovida a transparência na gestão não assegura que
os mecanismos algumas vezes utilizados garantam a confiança total das
poucas informações que são postas a disposição do público [...] existe
relacionado a isso uma falta de abertura efetiva na prestação de contas no
município [...] e o fato de não temos uma lei de acesso à informação em
Moçambique, torna o processo mais complexo, portanto, a prestação de
informação se torna facultativa, pois, não há nenhum instrumento que obriga
aos gestores públicos a fornecerem informação sem qualquer restrição [...] o
que temos é que nada pode se feito se os funcionários se recusarem a prestar
informações sobre a gestão dentro das instituições públicas [...] sentimos que
essas limitações prejudicam a transparência e reduzem o conhecimento do
público sobre como são geridos os recursos públicos.
Esta apreciação mostra o paradoxo existente no processo de comunicação e acesso à
informação da gestão municipal, tais como: demonstrações financeiras, relatórios de
auditorias e planos e orçamentos. Por um lado, existe uma determinação legal (Decreto n°
30/2002 de 15 de Outubro, que aprova as Normas de Funcionamento dos Serviços da
Administração Pública) que sugere a abertura das instituições e a garantia do direito de acesso
100
a esses instrumentos da gestão e à informação de caráter público e não confidencial em
virtude do caráter democrático das instituições do Estado.
Por outro, a comunicação tem sido afetada negativamente pelos mecanismos de
operacionalização do direito à informação, pois, não são precisos e quando existem as
informações relacionadas com a gestão financeira não são facilmente disponibilizadas pelos
órgãos desta municipalidade. O que acontece é que a solicitação de informações pelos
cidadãos e a resposta a essas solicitações por parte dos serviços municipais se torna muitas
vezes excessivamente burocrática e não efetiva, isto é, os relatórios não apresentam
indicadores ou referências objetivas e substanciais que possam garantir a transparência no
processo de gestão municipal dificultando desta feita à ampliação do controle sobre os
recursos públicos por parte dos cidadãos.
Os vários administradores públicos que participaram neste estudo mencionaram que
uma das principais práticas adotadas no município com vistas a promover a transparência
pública na gestão dos recursos financeiros é a publicação das receitas fiscais diárias do
município. Segundo a fala do Diretor do departamento de Administração e Finanças do
Município de Xai-Xai,
[...] o controle financeiro é efetuado por todos os munícipes e a prática tem
sido a de divulgar os resultados diários da arrecadação de receitas. [...] Neste
caso as receitas são arrecadadas nos três postos administrativos (Inhamissa,
Pratrice Lumumba e Praia de Xai-Xai) e nos serviços de administração
financeira que funcionam na sede do município é recebido o valor
correspondente a essas receitas sendo os valores totais arrecadados em todos
os postos administrativos divulgado regularmente [...] essa informação é
publicada diariamente o que permite ao público e aos interessados
conhecerem os montantes dessas receitas que são arrecadadas.
Na mesma perspectiva que enfatiza a promoção da transparência na gestão tendo como
base a publicação de informações referentes à gestão municipal, o Vereador da Área dos
Serviços urbanos do Município de Xai-Xai assinalou que,
[...] as práticas principais de transparência na gestão estão relacionadas com
a divulgação em primeiro lugar das ações a serem realizadas e, em segundo
lugar a divulgação das atividades e resultados do que foi realizado [...]
prioriza-se a disponibilização de informes e relatórios de caráter público [...]
podemos afirmar que as formas apresentadas espelham os mecanismos
utilizados para promover maior transparência sobre as diversas situações de
gestão que caracterizam o funcionamento deste município [...].
101
Relativamente a estas práticas, nota-se que existe certa preocupação com a
transparência, embora as práticas utilizadas não impliquem por si só que esta seja efetiva. Por
um lado, é importante enquadrar a transparência dentro de um contexto amplo de uma
sociedade democrática e, por outro, considerar que os cidadãos devem ter o acesso integral e a
total compreensão das informações e relatórios prestados pela administração pública, o que
incorpora a ideia de que só assim as atividades e as decisões dos gestores públicos podem ser
acompanhadas e melhor percebidas pela sociedade.
A questão é que esses processos não aprofundam muitas vezes os aspectos ligados à
gestão das finanças municipais e a execução orçamentária que é desenvolvida. Desse modo,
compreende-se que tornar públicos alguns atos e ações administrativas apenas não implica
necessariamente ser transparente (BARRETT, 2001; 2002). Citando como exemplos, a
divulgação de informações sobre a gestão dos recursos financeiros ocorre apenas no processo
de arrecadação das receitas, não sendo divulgados na mesma perspectiva os procedimentos e
mapas que acompanham o gasto desses mesmos recursos. Por sua vez, as práticas de
divulgação de resultados das ações governativas nas reuniões com as populações não permite
o acompanhamento das metas que tinham sido definidas, de modo a permitir às comunidades
a avaliação do impacto real dos resultados que são apresentados.
Neste sentido, dado que a transparência deve considerar uma relação direta entre as
informações sobre os atos praticados pela administração pública e os processos de
planejamento e de execução orçamentária existentes sobre tais processos, compreende-se que
ao nível do Município de Xai-Xai as práticas de transparência não se devem limitar
exclusivamente à divulgação de simples relatórios de atividades. Conforme se constatou não
se pode considerar a transparência apenas pela prática de divulgação de relatórios, aliás, essa
prática é desde logo previamente exigida dentro das instituições sendo, por essa razão, um
dever inerente ao próprio funcionamento dos organismos públicos. Portanto, a prática de
transparência na atuação dos serviços municipais deve-se efetivar, também, pelo acesso
facilitado do cidadão à informação sobre os processos de gestão desenvolvidos.
No estudo se constatou que embora a legislação específica sobre a prestação de contas
da gestão dos recursos municipais, a Lei n° 1/2008 de 16 de Janeiro, que define o regime de
gestão financeira, orçamental e patrimonial das autarquias locais e o sistema tributário, assim
como, o Decreto n° 30/2001 de 15 de Outubro, referente às normas do funcionamento da
administração pública estabeleçam, por um lado, os mecanismos de operacionalização da
transparência por meio de práticas de informação e publicitação das ações da gestão e, por
102
outro, o direito de informação ao cidadão, no contexto do funcionamento do Município de
Xai-Xai esses mecanismos não têm sido amplamente enfatizados como fundamento para a
transparência na gestão dos recursos e para a correspondente comunicação externa ao público.
Nesta perspectiva, compreende-se que a questão da transparência envolve uma
componente de vontade e consciência dos administradores públicos em prestar informação
relevante e sem burocracia à sociedade. Ela encerra uma dimensão de prestação de contas ou
accountability democrático da administração pública em geral e das entidades municipais
especificamente perante os cidadãos. Assim, as insuficiências que se verificam nos
mecanismos de promoção da transparência da gestão do Município de Xai-Xai, como a falta
de detalhes e articulação entre planos, resultados e orçamento nas informações que são
tornadas públicas mostram que é importante o aperfeiçoamento e a vinculação das práticas
implementadas aos procedimentos técnicos e normativos relacionados à publicitação de
informações tendo em vista a tornar a gestão mais transparente.
Segundo a fala da Presidente do Município de Xai-Xai,
[...] a transparência no processo de gestão do município compreende também
a abertura e participação de outros atores da sociedade no processo de
formulação das políticas públicas municipais e esse envolvimento demonstra
a nossa preocupação com a transparência nas ações que são realizadas pelos
diferentes setores do município [...].
De acordo com esta perspectiva, a promoção da transparência dentro do Município de
Xai-Xai considera o uso de mecanismos de gestão que visam providenciar aos stakeholders
maior confiança sobre as ações governamentais realizadas pela administração municipal no
processo de desenvolvimento das suas atividades. Essa prática funciona como uma forma de
proporcionar uma “atitude e uma crença” entre os intervenientes chave da gestão municipal,
governantes, agentes públicos e outros stakeholders interessados nas políticas públicas locais,
a quem as informações têm de ser apresentadas. Pretende-se que a administração municipal
seja cada vez mais aberta, com significativos encontros com os stakeholders, com
comunicações completas e informação segura e transparente.
Práticas de promoção da transparência na gestão por meio de maior abertura do
municipal às influências externas mostram-se essenciais, visto que permitem, de algum modo,
assegurar que os agentes públicos e os governantes envolvidos na gestão do município sejam
verdadeiramente responsáveis. Nesta perspectiva, o aumento da transparência implica a
correspondente responsabilização desses atores constituindo-se em dois eixos fundamentais
para garantir uma gestão mais confiável.
103
Conforme se constatou no estudo, é evidente a existência de algumas práticas que
buscam a promoção da transparência na gestão do Município de Xai-Xai. Contudo, como foi
mencionado anteriormente torna-se importante aprofundar e alargar os mecanismos existentes
para além dos relatórios e balanços periódicos das suas ações governamentais. Por exemplo, é
importante a adoção de mecanismos que exploram a utilização das tecnologias de informação
para promover a transparência. Relativamente a este último aspecto, no estudo se constatou
que na gestão municipal não existem práticas de divulgação de informação através de meios
eletrônicos de acesso público, isto é, o Município de Xai-Xai não possui ainda uma página na
internet que permita ao público seguir as ações realizadas, o que constrange de certa forma o
acesso à informação.
Compreende-se, que esse tipo de mecanismos de gestão pode ajudar a promover a
transparência na gestão perante os cidadãos, uma vez que, o governo eletrônico (e-governo)
pode favorecer um conjunto de situações tais como: “a contínua optimização da prestação de
serviços públicos, a participação dos cidadãos na governança através da transformação das
relações internas e externas com recurso à tecnologia, internet e novos media” (CIRESP,
2006. p. 40). Nessa perspectiva, a utilização das tecnologias de informação na administração
municipal pode proporcionar um meio para disponibilizar de forma ampla e mais acessível
informação relevante sobre a gestão aos cidadãos e, permitiria a facilitação na troca rápida e
simplificada de informação à distância, o aperfeiçoamento e a multiplicação das formas de
comunicação.
Finalizando, é de salientar que o uso das ferramentas do governo eletrônico constituise em oportunidade para a implementação de novas práticas de gestão que promovem o
accountability e a transparência. Ao nível institucional o e-governo se estabelece como
desafio em si mesmo. A ideia é a de que o uso de inovação tecnológica pode criar vantagens
no desenvolvimento e oferecimento de serviços do município, mas também pode permitir a
criação de imagens positivas e garantir a informação e a comunicação adequadas para os
munícipes.
4.4 A Governança Interativa
Neste tópico apresentam-se os resultados das práticas de gestão adotadas no Município
de Xai-Xai, relacionadas primeiro ao processo de controle social e participação pública,
104
segundo as referentes à criação de parcerias entre o setor público e o privado e, por último os
que dizem respeito às formas de articulação intergovernamental.
4.4.1 A Participação Pública e Controle Social
O período compreendido entre os anos de 1975 até 1986 em Moçambique no qual
vigorou o modelo de administração pública centralizadora dos primeiros anos após a
independência nacional refletia a exclusão dos diferentes atores da sociedade civil e do setor
privado na formulação das políticas públicas.
No entanto, a partir das reformas iniciadas em 1987 com a adoção do modelo de
economia de mercado e com a aprovação da Constituição pluralista e democrática de 1990,
observou-se uma abertura para a maior participação de novos atores na administração pública
moçambicana. No que refere aos municípios à questão da participação ganhou centralidade a
partir de 1997 como resultado da descentralização do processo de tomada de decisão para as
comunidades locais.
Recentemente, a partir do início da década de 2000 o interesse pela participação
pública e controle social surgiu no contexto da constituição de novas práticas de gestão dentro
do setor público e, conheceu um crescimento assinalável como consequência de vários
fatores, por exemplo, o desenvolvimento dos valores da cidadania, a consolidação da
democracia e a importância do controle social sobre as ações governamentais dentro da gestão
pública.
Doutro modo, a EGRSP (2006-2011) consagrou como um dos principais vetores da
reforma em Moçambique a constituição de
[...] um setor público participativo e mais aberto às influências externas e ao
controle da sociedade. Pretende-se que a reforma possibilite a criação de
uma administração pública, participativa, desburocratizada que promove a
integração de novos atores públicos e privados no processo de gestão pública
moçambicana (CIRESP, 2006, p. 6).
Assim sendo, a questão que se impõe é saber como é garantida a participação pública
efetiva da sociedade nas ações desenvolvidas pelo Município de Xai-Xai? De que forma os
atores da sociedade civil, do setor privado e os cidadãos em geral desempenham o controle
social sobre a gestão desta municipalidade?
105
No estudo se constatou que o processo de participação pública no Município de XaiXai é realizado através de práticas de gestão que combinam duas características principais.
Por um lado, a utilização de formas convencionais de participação que não proporcionam uma
abertura completa dos órgãos municipais às influências externas, sobretudo no que diz
respeito à tomada de decisão acerca das questões orçamentárias.
Por outro, o uso de algumas formas inovadoras de participação pública relacionadas
com a criação de estruturas organizativas que promovem o envolvimento da população no
processo de definição de prioridades das políticas públicas ao nível do município.
O Quadro 10 a seguir apresenta as práticas de participação pública adotadas na gestão
do Município de Xai-Xai.
Quadro 10: Práticas de participação pública na gestão do Município de Xai-Xai
Processo de
Participação
Caraterização das Práticas de Gestão Adotadas no Município
Formas
Convencionais
de Participação
Pública
Formas
Inovadoras de
Participação
Pública
Centralidade dos
Agentes Públicos
Comunicação Externa
Gestão Orçamentária
Controle Público da
Gestão
Existência de práticas de
gestão que compreendem
a centralidade e a
intervenção
exclusiva
dos agentes públicos na
tomada de decisão dos
assuntos relativos às
políticas
públicas
municipais.
Utilização
de
mecanismos de gestão
que não consideram a
comunicação
direta
com o público e
limitações
nas
informações sobre a
execução das decisões
sobre
a
gestão
municipal.
Uso de padrões de gestão
orçamentária
fechada,
que não consideram o
envolvimento
dos
cidadãos
na
orçamentação conjunta e
a
publicitação
dos
processos de gestão.
Existência de uma
administração sem um
processo
de
participação visível da
população que permita
ampliar o controle
social sobre a gestão
municipal.
Consulta Comutaria
Envolvimento de
Atores Privados
Interação Gestores
Públicos e Comunidade
Governança Aberta
Criação de práticas de
gestão que privilegiam a
organização
das
comunidades
locais
através de conselhos de
consulta
comunitária
para
influenciar
as
políticas públicas.
Existência de processos
de administração, que
incorporam
o
envolvimento em parte
de
alguns
atores
privados no âmbito da
gestão municipal.
Utilização
de
mecanismos
de
acompanhamento
das
ações governativas do
município, através da
intervenção
dos
vereadores municipais e
a população na resolução
dos problemas locais.
Aplicação
de
mecanismos de gestão
baseados na interação
periódica (uma vez
por) entre o presidente
do município e os
cidadãos
com
realização de encontros
em todos os bairros do
município.
Fonte: Elaboração do Autor com base nos dados coletados nas entrevistas da pesquisa.
De acordo com o quadro acima, pode-se dizer que apesar de se notar uma tendência
para a constituição de novas formas gestão participativa, no geral o processo de gestão do
Município de Xai-Xai é maioritariamente marcado por práticas de participação pública
106
consideradas convencionais. Tais práticas de participação existentes na gestão desta
municipalidade são caraterizadas por processos e mecanismos de gestão pública que
envolvem os cidadãos apenas depois que as questões ou problemas estejam definidos e maior
parte das decisões tenham sido tomadas. Desse modo, essas práticas se mostram não efetivas,
uma vez que não promovem níveis satisfatórios de envolvimento dos cidadãos nos processos
de gestão do município. Como mostra a fala do Chefe do Departamento de Estudos e
Planejamento do Município de Xai-Xai,
[...] os problemas até podem vir da base, mas a solução nunca vem da base
em termos de gestão [...] a gestão no Município de Xai-Xai é feita ao nível
do topo e não da base, isso é o que acontece de fato [...] embora exista a
participação das comunidades em algum momento, no entanto esta acontece
somente na fase de auscultação pública. [...] As preocupações e informações
trazidas da auscultação aos munícipes, segundo a minha experiência, surgem
depois do plano ter sido aprovado e, porque o sistema de planejamento
utilizado não permite incorporar todas essas preocupações até mesmo nos
planos seguintes, a sua resolução é feita de forma ad hoc sem uma
participação visível da população.
Nesta perspectiva, nota-se, por um lado, que no cenário de participação convencional
existente no Município de Xai-Xai o processo de gestão é estruturado de forma a manter os
agentes públicos como o centro principal da gestão municipal controlando a habilidade dos
cidadãos para influenciarem uma situação determinada ou um processo dentro desta
municipalidade. Os agentes públicos do município têm atuado como autoridades que
manipulam e operam os processos e estruturas administrativas. Por outro, existem dentro
desse contexto de participação pública convencional grandes diferenças entre a administração
pública e os cidadãos, uma vez que os últimos se encontram distantes dos problemas, as
estruturas e processos administrativos são fechados e os agentes públicos são os que
intermedeiam as estruturas e os cidadãos.
A questão principal é que os cidadãos são encarados como “clientes” dos profissionais
da administração municipal que mantem e exercem a sua autoridade e técnica administrativa.
A participação do cidadão caracteriza-se como simbólica do que real. Assim, tem-se que na
abordagem convencional o sentido da participação contrasta com as concepções da
governança interativa que têm na participação efetiva o seu modo e a expressão da sua
manifestação no processo de gestão pública (KING; FELTEY; SUSEL, 1998, p. 320),
ampliando dessa forma o espaço e as possibilidades de maior transparência e controle social
da sociedade às ações sobre as políticas públicas realizadas pelo executivo municipal.
107
Embora, os diversos atores entrevistados neste estudo tenham concordado acerca da
importância da promoção de práticas de participação na gestão pública municipal, na
compreensão dos representantes das organizações da sociedade civil que atuam no Município
de Xai-Xai os cidadãos têm pouca confiança no governo municipal, o que tem contribuído
para a redução do interesse pela participação na gestão ao nível local.
O ponto principal levantado nesse argumento é que os cidadãos ou grupos de cidadãos
organizados acreditam existir por parte dos administradores públicos do município uma
preocupação com os assuntos internos da gestão sem estarem, contudo, profundamente
vinculados aos anseios de uma participação efetiva que integre cada vez mais os cidadãos na
gestão desta municipalidade.
[...] É necessário mudar os mecanismos utilizados frequentemente nos
processos de participação da gestão municipal, pois, não são completamente
inclusivos e seus critérios não se baseiam em regras claras e conhecidas por
todos, o que reduz a confiança nas ações dos agentes públicos [...] é urgente
que a participação nas instituições públicas em geral e no Município de XaiXai em particular, seja realizada de modo que os grupos de interesse
organizados imponham as suas opiniões e influenciem o processo de
funcionamento do município e não apenas para legitimar os processos por
meio do envolvimento de alguns poucos cidadãos como tem sido feito
atualmente (Fala, Diretor Executivo do Fórum Provincial das Organizações
da Sociedade Civil de Gaza – FONGA, 2012).
Por sua vez, na compreensão do setor privado a questão da participação no Município
de Xai-Xai deve ser encarada do ponto de vista das estruturas que têm sido utilizadas. Nessa
visão entende-se que é importante multiplicar e diversificar o tipo de estruturas de
organização participativa existentes atualmente dado, por um lado, o ambiente cada vez mais
complexo que exige respostas rápidas aos problemas e demandas que surgem, por outro,
devido à dinâmica sócio econômica que vem sendo empreendida ao nível do município.
[...] A participação deve envolver uma maior interligação e parcerias entre as
entidades municipais e o setor empresarial do município, que privilegie a
criação de unidades administrativas mais flexíveis e com responsabilidades
bem delimitadas ao nível dos bairros para o levantamento dos problemas que
surgem, assim como, pela busca de soluções conjuntas entre os agentes
públicos e as comunidades (empresários locais), criando espaços para que o
potencial das iniciativas e contribuições desse grupo e também as dos
cidadãos possam ser largamente aproveitados em benefício da gestão
município [...]. Isto é, [...] a gestão não deve ser realizada apenas pelos
vereadores do município sem envolver os cidadãos (Fala, Presidente do
Conselho Empresarial Provincial de Gaza – CEP, 2012).
108
A utilização de práticas de participação pública convencionais tem afetado
negativamente o envolvimento (a qualidade e a forma de participação) dos cidadãos no
processo de orçamentação das diversas ações relacionadas com as políticas públicas dentro do
Município de Xai-Xai. Em primeiro lugar, porque os processos de participação na formação
das políticas públicas realizados frequentemente não são acompanhados pela respectiva
orçamentação conjunta entre os agentes públicos do município responsáveis pela gestão e as
comunidades que interagem nos processos de auscultação (consulta pública) existentes
atualmente.
Em segundo, porque quando são realizados encontros com o objetivo de promover a
participação dos cidadãos e grupos interessados nas políticas, estes não possuem
conhecimento técnico nem informação suficiente sobre como se desenvolvem os processos de
gestão o que fragiliza, sobremaneira o caráter da participação pública e o exercício do
controle social efetivo da gestão desta municipalidade. A questão do controle social será
retomada mais adiante nesta secção. Nesse contexto, os representantes das organizações da
sociedade civil acreditam que a verdadeira participação só é possível,
[...] se promovida com humildade em um espaço aberto e não fechado, no
qual os cidadãos percebem e compreendem o que está acontecendo do ponto
de vista da gestão financeira, da planificação e de definição das prioridades
nos programas municipais [...] a sociedade civil organizada poucas vezes e
convidada a participar ativamente na gestão do Município de Xai-Xai
melhor da gestão dos recursos financeiros do município e sabemos que
algumas formas de participação existentes se baseiam apenas no
envolvimento de pequenos grupos muitas vezes ligados diretamente a
problemas específicos existentes ao nível dos bairros [...] os grupos não são
representativos e participam como disse na resolução de problemas e não
dentro de um verdadeiro processo de gestão orçamentária participativa (Fala,
Diretor Executivo do Fórum Provincial das Organizações da Sociedade Civil
de Gaza – FONGA, 2012).
Ainda nesta perspectiva, a implementação de práticas de participação pública efetivas
conforme mencionado na fala do Oficial de Programas do Fórum Provincial das Organizações
da Sociedade Civil de Gaza (FONGA) deve se basear na confiança, no debate aberto e na
integração dos diferentes atores da sociedade civil e do setor privado considerados relevantes
para o processo de gestão do município. Esses elementos são essenciais para promover
práticas de participação efetivas e,
[...] para tornar os debates promovidos ao nível dos bairros mais proveitosos
para ambos os atores públicos municipais, as comunidades e os cidadãos em
geral [...] para que se tenham bons resultados nesses processos de integração
109
e articulação com os diferentes grupos de interesse da sociedade civil é
importante melhorar a qualidade de informação dotando as comunidades
locais de conhecimentos básicos sobre os principais processos que envolvem
a gestão das políticas públicas que lhes afetam promovendo também o seu
maior envolvimento na administração municipal tendo em consideração que
é para atender a sociedade que o município existe (Fala, Oficial de
Programas do Fórum Provincial das Organizações da Sociedade Civil de
Gaza - FONGA, 2012).
Por sua vez, relativamente às formas inovadoras de participação pública existentes no
processo de gestão do Município de Xai-Xai destacam-se, por exemplo, as experiências
constituídas pela criação de estruturas organizativas das comunidades em conselhos
comunitários de participação pública. Mas, também a realização de reuniões periódicas (uma
por ano) dirigidas pelo presidente do município em todos os bairros do município. Essas
práticas de gestão participativa,
[...] estão relacionadas com a implementação de processos de gestão
participativa que buscam promover a adequação dos mecanismos da nossa
gestão às abordagens da governação participativa dos tempos modernos [...]
a participação não termina no nível técnico da organização vai até as pessoas
que beneficiam dos serviços envolvendo também a criação de parcerias com
o setor privado porque entendemos que estes devem ajudar a realizar a
gestão de forma conjunta com o município. [...] A promoção da participação
dos cidadãos na gestão do município passa pelos processos de definição de
prioridades das nossas políticas de ação nos quais a auscultação sobre as
necessidades das comunidades e preocupações da população jogam um papel
importante principalmente porque pretendemos que as nossas ações
representem as verdadeiras aspirações das comunidades (Fala, Presidente
do Município de Xai-Xai, 2012).
Pode-se observar que o enfoque da gestão participativa que se procura implementar na
gestão do Município de Xai-Xai (por meio da consulta pública), indica que algumas
mudanças nos mecanismos de participação pública estão sendo realizadas, com benefícios
para a qualidade das políticas públicas desta municipalidade. Por exemplo, as novas práticas
de participação criadas que envolvem a interação entre os agentes públicos e as comunidades
locais dentro no contexto da auscultação das comunidades, à medida que são estabelecidos e
assumidos como expressões de integração e colaboração entre os diferentes atores individuais
ou coletivos, permitem que ocorra um aprendizado sobre os processos das políticas públicas
enquanto arena de alianças, comprometimento e negociação de questões conflitantes e
barganhas.
Os atores iniciam o processo de interação sobre as ações governativas e da formação
das políticas com uma visão micro (apenas sobre pequenos problemas das comunidades) e
110
uma agenda maximalista (demandando todas as necessidades básicas) e, paulatinamente, com
o desenrolar do processo, aproximam-se de uma visão mais compreensiva das prioridades
para o município, a propósito dos problemas urbanos e das limitações governamentais
existentes, passando a defender uma agenda mais realista.
Neste sentido, significa que a formação das políticas públicas deixa de ser vista,
apenas como um processo de agregação de preferências e passa a incorporar uma dimensão
deliberativa, que envolve também a formação e a transformação das preferências, a
construção do consenso e a explicitação do dissenso e da diferença. Mas, apesar da existência
desses aspetos positivos persistem questões que limitam significativamente a participação
pública, relacionadas, por exemplo, com o défice de participação dos cidadãos em todo o ciclo
da formação das políticas públicas municipais e na respectiva orçamentação como
mencionado anteriormente.
Assim sendo, os aspetos críticos relacionados com os mecanismos de participação da
sociedade no processo de gestão municipal, têm uma influência no caráter das formas de
controle social que são promovidas no âmbito da gestão desta municipalidade. Isso contribui
para a constituição de práticas que apresentam limitações originadas por (i) barreiras de
natureza técnica que condicionam o tipo de informação sobre os processos de gestão
municipal disponibilizada ao público e, (ii) barreiras de natureza estrutural que afetam os
mecanismos de controle social da gestão no Município de Xai-Xai. O Quadro 10.1 apresenta
as barreiras que limitam o processo de controle social nesta municipalidade.
Quadro 10.1: Limitações ao processo de controle social no Município de Xai-Xai
Caraterização das Limitações do Processo de Controle Social
Barreiras de Natureza Técnica
Barreiras de Natureza Estrutural
Elevado domínio técnico dos processos de
planejamento e de gestão orçamentária por parte dos
agentes públicos em relação aos cidadãos.
Caráter consultivo e propositivo dos CCL, sem poder
e capacidade fiscalizadora sobre as ações e atividades
do executivo municipal.
Fraca cultura de participação e de controle social no
contexto do funcionamento da administração
municipal.
Falta de uma definição clara sobre as
responsabilidades dos CCL no processo de tomada de
decisão no contexto da auscultação das comunidades.
Baixo nível de preparação e instrução formal dos
membros que compõem os órgãos dos CCL.
Reuniões para a prestação de contas envolvem
maioritariamente cidadãos com capacidade reduzida
influenciar os debates da auscultação das comissões
de trabalho da Assembleia Municipal.
Relatórios e Atas das auscultações realizadas às
comunidades elaboradas e conhecidas exclusivamente
pelos funcionários do município.
Inexistência de legislação que obriga os agentes
públicos a prestar informação sobre os diversos
processos de gestão pública ao nível do município.
111
Fonte: Elaboração do Autor com base nos dados coletados nas entrevistas da pesquisa.
De acordo com a fala do Oficial de Programas do Fórum Provincial das Organizações
da Sociedade Civil de Gaza (FONGA), as limitações técnicas condicionam o controle social,
pois,
[...] existe uma grande diferença de conhecimento e de domínio técnico
sobre os assuntos de gestão entre os funcionários do município e os
membros dos fóruns de consulta utilizados no processo de auscultação
pública, sendo que não possuem capacidade técnica para intervir com
qualidade acerca dos processos complexos de planificação e orçamentação e,
estabelecimento de indicadores de avaliação o que torna a sua presença
nesses conselhos mais voltada para a legitimação das ações governativas
uma vez que não demonstram uma ampla participação dos munícipes [...]
comprometendo a qualidade da transparência dos dispositivos institucionais
utilizados e a gestão em si, ao mesmo tempo em que afeta abertura de espaço
para a construção do interesse coletivo ao nível da gestão do município.
Argumenta-se ainda que,
[...] a comunicação entre o município e o seu exterior é tênue e quase
inexistente que se traduz no reduzido espaço para a criação de um diálogo
profundo com a sociedade [...] quando o Presidente do Município realiza as
visitas de trabalho aos bairros, não vai com humildade esclarecer aos
cidadãos sobre as soluções existentes para os problemas do município,
apenas escuta as preocupações das comunidades e a resolução dessas
preocupações é feita exclusivamente pelos gestores municipais que possuem
poder de decisão na gestão sem contemplar o envolvimento dos munícipes,
quem decide de fato são os dirigentes do município e não as comunidades
(Fala, Diretor Executivo do Fórum Provincial das Organizações da
Sociedade Civil de Gaza – FONGA, 2012).
Na perspectiva da sociedade civil o controle social no município é muitas vezes
condicionado por esses fatores técnicos e pela situação precária de prestação de contas que
envolvem a fraca cultura de participação pública dos cidadãos. Nas entrevistas deste estudo,
vários administradores públicos argumentaram que,
[...] existe um esforço para integrar todos os munícipes nas ações
governativas os fóruns de consulta comunitária utilizados para dar
informação sobre o que está a ser feito pelo conselho municipal, espelham
essa visão, o problema é que a sua contribuição para a gestão municipal é
fraca [...] os membros destes órgãos só escutam e não apresentam ideias para
os processos de gestão deixando tudo o resto ao critério de decisão do
conselho municipal (Fala, da Vereadora da Área de Administração e
Finanças do Município de Xai-Xai, 2012).
112
No entanto, segundo a fala do Oficial de Programas do Fórum Provincial das
Organizações da Sociedade Civil de Gaza (FONGA), as barreiras à prestação de contas
[...] são agravadas, por um lado, pelo baixo nível de instrução formal e de
informação dos membros dos conselhos consultivos formados nos bairros e
postos administrativos [...] o que torna o processo de participação
unidirecional e a comunicação nesses órgãos flui em um único sentido, dos
agentes públicos para os cidadãos. Por outro, [...] as atas e os relatórios
dessas auscultações são elaborados e conhecidos apenas pelos técnicos que
são funcionários do município [...] o mecanismo de participação por meio
dos CCL funciona como mera formalidade dentro da ação governativa e
política e, na realidade o processo de gestão pública é exercido dentro dos
objetivos da administração em si e, não da maior concretização da
participação efetiva que favorece a estreita prestação de contas. Como
afirmaram os representantes da sociedade civil [...] os cidadãos são vítimas
dos processos e não parte deles entregam-se a eles processos que ignoram
totalmente o fundamento dos mesmos [...].
Em outra abordagem o Chefe da Bancada da FRELIMO na Assembleia Municipal no
Município de Xai-Xai explicou que,
[...] o défice de participação dos munícipes nos processos deliberativos da
Assembleia Municipal mostra a necessidade de se trabalhar para elevar a
ligação entre os órgãos municipais com os munícipes, fornecendo mais
informações sobre o que acontece dentro da instituição, de modo a reduzir o
problema da fraca participação. [...] Devido a esses problemas muitas vezes
as decisões são deixadas para que sejam tomadas pelo executivo municipal
enquanto deveriam ser tomadas de forma participativa. No entanto, segundo
este entrevistado [...] temos também lacunas em processos de auscultação
pública, devemos envolver mais a sociedade civil organizada que atualmente
pouco ou quase nunca interage com os órgãos municipais como, por
exemplo, os grupos sociais, empresários, professores, entre outros [...].
A compreensão que se tem dos problemas práticos relacionados com as lacunas
mencionadas no processo de interação com os membros do legislativo, é a de que elas são
resultado da fragilidade dos próprios mecanismos utilizados no caso concreto as Comissões
de Trabalho da Assembleia Municipal19. Por exemplo, as reuniões promovidas por essas
comissões contam em sua maioria com a participação de cidadãos a título individual e muitas
vezes com um número reduzido de participantes que representam as organizações civis
formais (entidades patronais e de trabalhadores, de movimentos sociais, instituições
19
Implantadas com o objetivo de aproximar os órgãos de representação dos munícipes (Assembleia Municipal)
às comunidades e de fazer o acompanhamento das ações governativas do executivo municipal, desempenham as
suas funções de acordo com os setores de atividades do município, constituindo-se, assim em áreas temáticas
cujas competências se circunscrevem na supervisão de todo o processo e, especialmente, pelo monitoramento e
avaliação da implementação institucional das várias ações contidas nos planos e projetos municipais.
113
acadêmicas, órgãos públicos e organizações não governamentais), que possuem maior força
para influenciar os assuntos discutidos por essas comissões.
Apesar de a iniciativa de organização dessas reuniões ser positiva e os assuntos
debatidos nesses encontros (muitas vezes para auscultação) serem relevantes para a população
do município, as propostas de resolução dos problemas levantados não se tornam eficazes
para servirem de subsídios às atividades desenvolvidas no município. Elas resultam apenas na
percepção de que a participação pública confere legitimidade às ações dos órgãos municipais.
Contudo, a integração de grupos de interesses formais pode proporcionar maior
interação dos membros da Assembleia Municipal com uma multiplicidade de atores coletivos,
altamente interessados nas questões em discussão e portadores de diferentes orientações
políticas e ideológicas em relação a essas questões.
Outro aspecto diversas vezes mencionado pelos representantes das organizações da
sociedade civil e do setor privado entrevistados nesta pesquisa está relacionado com as
limitações impostas pelas barreiras de natureza estrutural e envolve os mecanismos de
controle social exercido nos conselhos de consulta comunitária (CCL). Os CCL existentes ao
nível do Município de Xai-Xai são no geral, consultivos e propositivos, aliás, como a própria
designação já faz referência. Pode-se dizer, que apenas em alguns casos dispõem de “poder e
capacidade” fiscalizadora em relação às políticas previamente definidas pelo executivo
municipal para cada setor.
Esses órgãos exercem uma relativa pressão sobre algumas ações e projetos do
município cuja definição ou formulação contaram com a sua participação e envolvimento,
mas isso acontece frequentemente apenas com os projetos relacionados com o Programa
Estratégico para a Redução da Pobreza Urbana20 (PERPU), voltado para o financiamento das
iniciativas empreendedoras dos munícipes. Portanto, atualmente, eles não possuem, em sua
maioria, caráter deliberativo e fiscalizador sobre a implementação das políticas públicas uma
vez que funcionam como mecanismo de liberação de verbas e, não se encontram integrados
em todo o ciclo de planejamento desta municipalidade.
20
O Programa Estratégico para a Redução da Pobreza Urbana (PERPU), é uma iniciativa do governo central que
se destina a implementação de ações que conduzem à melhoria das condições de vida da população pobre,
através do aumento do emprego e do fortalecimento da proteção social nos municípios do país. Esse programa
está voltado para atingir vários objetivos a saber: Melhorar a educação de base, das competências técnicas e da
formação em gestão; Criar ou incentivar associações de produtores em sectores, por exemplo, agricultores da
cintura verde das cidades; vendedores de produtos do mar; confecção de vestuário entre outras; Facilitar o
crédito a estas iniciativas, das famílias mais pobres, as associações destes produtores e a operações de
comercialização dos seus produtos; Promover as pequenas e médias empresas nos sectores onde não exista uma
saturação no mercado. A definição das prioridades do financiamento dos projetos no âmbito do PERPU é feita
pelos CCL que analisam e avaliam juntamente com os órgão municipais a atribuição dos montantes
correspondentes aos projetos solicitados pelos munícipes.
114
Ainda nesta perspectiva, segundo a sociedade civil o controle social sobre a gestão
municipal se torna limitado dado que a conjuntura que norteia o processo de participação, isto
é, as estruturas e as práticas de gestão pública adotadas no geral, não são completamente
adequadas para garantir a constituição de um modelo de prestação de contas ao público mais
eficaz. Desse modo,
[...] os níveis e a qualidade da participação pública promovida são baixos,
uma vez que no contexto atual não é fácil dizer com a devida clareza o que
existe no município, por exemplo, em termos de finanças municipais, o que
existe em termos de programas, o que existe em termos de performance, o
que restringe a capacidade do exercício de controle social sobre a ação
governativa. Esses fatores influenciam sobremaneira o modo de prestação de
contas ao público, porque [...] a comunicação torna-se deficiente dado que os
agentes públicos não se sentem obrigados a fornecer informação sobre os
diversos processos de gestão municipal (Fala, Diretor Executivo do Fórum
Provincial das Organizações d Sociedade Civil de Gaza, 2012).
Nisto, como afirmou este representante das organizações da sociedade civil à questão
principal da fraca participação no Município de Xai-Xai está diretamente relacionada com
[...] a ausência de um quadro legal21 que obriga os agentes públicos a
fornecerem informações sobre os processos de gestão do município e que
não acontecendo, responsabilize os indivíduos que se recusarem a fazê-lo
[...]. Para alguns administradores públicos entrevistados nesta pesquisa, [...]
o processo de participação torna-se deficiente, pois dentro dos fóruns de
consulta comunitária entende-se que a responsabilidade da gestão pública no
Município de Xai-Xai cabe aos órgãos executivos municipais, o que faz com
que os processos de tomada de decisão nesses órgãos sejam dominados
apenas pelos agentes públicos (Fala, Diretor Executivo do Fórum Provincial
das Organizações d Sociedade Civil de Gaza, 2012).
Essas considerações sugerem que a sociedade civil e o setor privado compreendem
que o processo de prestação de contas é usualmente controlado e manipulado de tal forma que
acaba limitando a capacidade dos cidadãos conhecerem e dominarem os processos de gestão
do município. A participação efetiva no município deve encarar os cidadãos como principais
fazedores das políticas públicas deixando-os próximo das estruturas e processos
administrativos e da definição dos problemas.
21
O acesso público à informação das instituições do Estado está previsto na Lei de Imprensa, que consagra a
faculdade aos cidadãos de se informarem sobre diversos assuntos de nível nacional e internacional. Porém o
direito à informação ainda não está regulamentado, o que restringe a possibilidade de garantir a sua
materialização do ponto de vista do acesso efetivo à informação sem restrições, reduz dessa maneira, a
transparência da gestão das instituições públicas e a eficácia do processo de prestação de contas.
115
Para o efeito, compreende-se que os administradores públicos devem constituir o elo
entre as estruturas e os problemas, dando dessa forma oportunidade para os cidadãos
influenciarem os processos e os resultados. No contexto da participação efetiva existe assim a
mútua influência entre os atores públicos e privados e as estruturas e processos
administrativos da gestão pública.
Deste modo, para uma gestão pública efetivamente participativa e autêntica é
importante que mudanças sejam realizadas, quer nas estruturas e processos administrativos, ao
nível dos cidadãos (sociedade) e dos administradores públicos. Estas devem incidir na forma
como as relações são estabelecidas, nas relações de poder entre os cidadãos e a administração
pública (KING; FELTEY; SUSEL, 1998, p. 223).
Esse processo deve levar em conta três abordagens: a primeira refere-se ao
empodeiramento e educação dos membros das comunidades para lidar com processos de
gestão pública. Isso significa desenhar processos de participação nos quais os cidadãos
percebam que o seu envolvimento tem grande potencial para produzir impacto, onde a maior
parte dos cidadãos é representada e os resultados são visíveis.
A segunda abordagem diz respeito à alteração do status quo dos agentes públicos e,
implica na mudança na sua forma de relacionamento com os cidadãos. Isto é, reduzindo a sua
expertise administrativa que tem dominado todo o processo de comunicação e de interação
com a sociedade, para uma situação de interação cooperativa e interdependente (KENIS;
SCHNEIDER, 1991) fundamentada na humildade e troca de informações suficientes, que
facilitem o controle social sobre as ações governamentais. Nesta perspectiva, é importante que
este processo decorra com capacidades mínimas equivalentes disponíveis (CUNILL GRAU,
2000) entre as autoridades municipais e os múltiplos atores da sociedade, de modo a
exercerem uma ação de contrabalanceamento que permita lidar com a prestação de contas e
facilitar o monitoramento das políticas públicas municipais.
Finalmente, as estruturas e os processos administrativos associados à participação
púbica e o controle social necessitam de mudanças na forma como o município interage e se
relaciona com os cidadãos. A questão central envolve a aplicação de procedimentos que
permitam o maior envolvimento dos cidadãos desde o início e não apenas no final dos
processos de tomada de decisão e formação das políticas públicas. Os cidadãos devem possuir
condições e instrumentos para monitorar o desempenho dos órgãos públicos (PREZTROWKI,
1996), como forma de efetivar o controle social sob pena de se tornar ineficaz e apenas
simbólico.
116
A governança interativa que promove efetivos processos de participação pública e
controle social exige a utilização de padrões de relações que reforçam o papel da sociedade
não apenas pelo seu controle sobre as ações das organizações públicas, mas também pela sua
própria ação estratégica e decisória dentro do espaço público que se constitui. A ideia central
é a criação de consciência de uma participação autêntica (STOKER, 1998), que move os
administradores públicos da sua posição tradicional fundamentada na técnica e expertise para
modelos ou arranjos administrativos que envolvem processos de tomada de decisão e gestão
de políticas públicas mais participativas.
4.4.2 As Articulações Externas e Parcerias Município-Sociedade
A descentralização administrativa e a consequente criação dos municípios no final da
década de 1990 trouxeram consigo grandes desafios para a gestão pública local que estão
relacionados com a constituição de novos relacionamentos entre os organismos públicos e a
sociedade. Esses desafios surgiram também como resultado das novas concepções e valores
sobre a cidadania e a participação social nos processos de gestão das políticas públicas que
passaram a dominar a sociedade moçambicana.
Desse modo, práticas de gestão pública que consideram a criação de relações
horizontais e de cooperação interorganizacional passaram a ser apresentadas como
fundamentais com a aprovação e implementação nos últimos tempos da Estratégia Global de
Reforma do Setor Público (EGRSP). O entendimento principal é o de que os novos
relacionamentos gerados por essas articulações permitem maior participação de grupos
organizados da sociedade na formação, implementação e fiscalização das políticas públicas.
De acordo com a EGRSP (2006-2011) implementada em Moçambique pretende-se
que “a reforma da administração pública influencie e incentive a criação de mecanismos de
articulação, participação e desburocratização que promovem a integração de novos atores da
sociedade no processo de gestão pública moçambicana” (CIRESP, 2006, p. 19). Neste
sentido, argumenta-se a propósito da importância de se introduzir mudanças de modo a alterar
a dinâmica estabelecida nos velhos processos de gestão pública baseados nas hierarquias, para
a criação de uma nova ordem que se fundamenta na existência de “teias de relações” que
agregam práticas de gestão baseadas nas parcerias e redes de políticas (CIRESP, 2006. p. 2023).
117
Nesta ocasião importa questionar como se constituem as parcerias entre o Município
de Xai-Xai, a sociedade civil e o setor privado e, como elas se materializam nesta
municipalidade?
No estudo se constatou que têm surgido práticas inovadoras na gestão pública
municipal, cuja adoção está relacionada com a necessidade de integrar os atores privados e da
sociedade civil no processo de implementação das políticas públicas. Essas práticas de gestão
pública envolvem a criação de redes e parcerias público-privadas (PPP) dentro da gestão do
Município de Xai-Xai. Entretanto, essas práticas são recentes e não estão ainda consolidadas
devido a fatores como: (i) existência do município há apenas treze anos22; (ii) falta de
capacidade e de preparação técnica para lidar com processos de gestão desta natureza e; (iii) a
inexistência de legislação específica que enquadrasse e orientasse com clareza esse tipo de
processos de gestão no contexto moçambicano.
Relativamente ao último aspecto, importa ressaltar que o cenário de vazio legal foi
alterado com a aprovação da Lei nº 15/2011 de 10 de Agosto, que estabelece as normas para a
constituição de relações entre as entidades do setor público e o privado. Desse modo, as PPP
são encaradas como uma forma de articulação entre o setor público e os atores privados que
visa garantir a provisão eficiente, qualitativa e quantitativa de serviços. Com a adoção de
práticas que envolvem o estabelecimento das PPP a gestão pública é assumida como um
processo que envolve também a formação de políticas públicas a partir de uma realização
coletiva que integra diferentes grupos de interesse numa perspectiva de múltiplos e diferentes
atores.
De acordo com as falas dos vários atores, administradores públicos, membros do
legislativo, representantes da sociedade civil e do setor privado entrevistados neste estudo se
constatou que os objetivos relacionados com a criação de articulações entre os órgãos
municipais, o setor privado e a sociedade em geral se operacionalizam a partir de três
vertentes principais. A primeira tem representado uma forma de participação dos atores
privados no oferecimento de serviços ao público e é concernente à atração de investimentos
do setor privado no âmbito do processo de desenvolvimento do município, principalmente
22
A municipalização em Moçambique foi instituída em 1997, quando o chamado Estado centralizador, abriu
mão de parte de suas funções e competências para que se criasse uma nova esfera de governo – as Autarquias
Locais, que são pessoas coletivas públicas territoriais que visam a prossecução de interesses próprios das
populações, dispondo para o efeito de órgãos representativos eleitos e da liberdade de administração das
respectivas coletividades. Elas surgem com a institucionalização do processo de descentralização democrática
que obedece ao princípio do gradualismo na criação das autarquias locais no país. As primeiras eleições
autárquicas no país ocorreram em 33 cidades e vilas. Em 2008 realizaram-se as terceiras eleições que tiveram
lugar em 43 cidades e vilas.
118
para as áreas de comércio e serviços. A segunda refere-se à criação e estabelecimento de
estruturas de gestão representadas pelas práticas de contratação pública que permitem o
envolvimento e a influência dos grupos de interesse privado na gestão das políticas públicas
do município, sobretudo nas áreas de gestão de resíduos sólidos e de gestão de parques e
jardins. A terceira refere-se à formação de redes que atuam na área de assistência social.
Importa mencionar que embora tenha sido aprovada recentemente legislação sobre as
PPP em Moçambique, a utilização de mecanismos de parcerias entre o Município e o setor
privado no processo de gestão municipal esteve alicerçada basicamente na legislação referente
aos contratos públicos e regulamentos específicos para cada tipo de iniciativas eram
estabelecidas anteriormente. O Quadro 11 representa o conjunto de iniciativas implementadas
no contexto das articulações município e o setor privado.
Quadro 11: Práticas de articulação município-sociedade
Práticas de
Articulação na
Gestão
Municipal
Contratação
Pública para
Melhoria de
Serviços
Atração de
Investidores
Privados
Criação de
Redes para
Implementação
de Políticas
Municipais
Projetos que Representam a Cooperação com o Setor Privado e as
Organizações da Sociedade Civil na implementação de Politicas Públicas do Município
Implementação
do
projeto de melhoria do
transporte
público
realizado com a empresa
pública TPM-Delegação
de Xai-Xai.
Implementação
do
projeto de melhoria e de
expansão da rede de
distribuição de água
realizado com a empresa
FIPAG.
Implantação de cinco (5)
projetos
da
área
comercial relacionados
com a construção de
infraestruturas
para
abertura
de
novos
empreendimentos
econômicos
no
município.
Institucionalização das
redes de políticas da área
de transportes ao nível
do município que atuam
no
processo
de
fiscalização
e
regulamentação do setor.
Implementação
do
projeto de gestão de
resíduos
sólidos
e
saneamento do meio
através da construção de
infraestruturas
nos
mercados e escolas do
município.
Institucionalização das
redes de solidariedade e
de assistência social no
âmbito da melhoria dos
serviços de saúde
Implantação do projeto
de expansão da rede de
fornecimento de energia
elétrica para cobertura de
mais
bairros
no
município realizado com
a empresa EDM.
Implementação
do
projeto
de
gestão
privada dos parques e
jardins do município,
Implementação do projeto da área de energia
relacionado com a construção de um posto de
combustível ao nível do município.
Institucionalização das redes de solidariedade e de
assistência social (para pessoas desabrigadas) e da
prestação de serviços de saúde (para pessoas
afetadas pelo HIV/AIDS) às comunidades,
realizados com organizações não governamentais
nacionais e internacionais que atuam no município.
Fonte: Elaboração do Autor com base nos dados coletados nas entrevistas da pesquisa.
Observa-se no quadro acima que na gestão do Município de Xai-Xai o processo de
articulação município-sociedade tendo em vista o envolvimento dos diferentes atores privados
119
na gestão local, tem privilegiado como práticas principais a criação de parcerias com o setor
privado como forma de atração de investidores privados para a criação de mais serviços ao
nível do município e a contratação pública para a implementação de projetos de
desenvolvimento municipal. De acordo com a fala da Presidente do Município de Xai-Xai a
utilização desses mecanismos de articulação externa representa um novo enfoque no processo
de gestão e, visa responder os desafios que se impõem atualmente nesta municipalidade que
têm permitido,
[...] a realização de parcerias para a concretização de sete projetos diferentes
constituídos a partir da cooperação e um forte envolvimento entre o setor
privado e o município nas áreas de comércio (5), tratamento de resíduos
sólidos e saneamento (1) e energia (1) todos desenvolvidos durante os
últimos três anos [...].
Para o setor privado o processo de articulação entre as entidades municipais e o
empresariado local tem conhecido nos últimos tempos um grande crescimento com o
estabelecimento de várias parcerias em que se destacam as voltadas para os programas de
desenvolvimento de infraestruturas nos setores de educação e saúde (construção de escolas e
hospitais). Neste contexto, segundo a fala do Presidente do Conselho Empresarial Provincial
de Gaza (CEP) ao nível municipal,
[...] o cenário atual de cooperação entre as entidades governativas do
município e o setor privado mostra uma grande melhoria e a prova disso é a
interação baseada na aproximação e o acesso do empresariado ao diálogo
com o governo para a discussão das questões pertinentes que afetam as
atividades desenvolvidas pelos empresários. [...] Esse tipo de articulações se
tornaram mais frequentes, sobretudo nas relações constituídas com as esferas
dos governos central e provincial [...]. Menciona ainda que [...] depois da
abertura iniciada pelo governo com a implementação da reforma do setor
público, nós começamos a ver algumas mudanças importantes [...] foram
criadas várias parcerias na área de infraestruturas (estradas) com o
Município de Xai-Xai e nesse contexto o setor privado conduziu, por
exemplo, a construção da estrada que parte da Praça da Juventude até ao
Hospital Provincial de Xai-Xai [...].
Os exemplos relacionados com os mecanismos de articulação externa que têm sido
implementados no processo de gestão do Município de Xai-Xai mencionados pelos
administradores públicos e o representante do setor privado entrevistados nesta pesquisa,
mostram a existência de alguns avanços na utilização das práticas de cooperação
interorganizacional e parcerias na gestão pública local. Porém, o caráter das articulações
existentes e os padrões de interação estabelecidos não estão ainda ajustados à dinâmica de
120
uma cooperação que facilite o surgimento de redes e parcerias público-privadas efetivas, no
sentido de que representem arranjos institucionais conduzidos por processos de gestão
devidamente estruturados e organizados.
Conforme se constatou no estudo, isso se deve a fatores como (i) a existência de um
empresariado local emergente; (ii) a ainda reduzida capacidade técnica do Município de XaiXai em lidar com esse tipo de mecanismos de gestão e; (iii) a natureza recente na
implementação da parcerias existentes. Por exemplo, o organismo que coordena o setor
privado (associações e grupos empresariais locais) e articula com os Governos Provincial e
Municipal no processo de influência das políticas públicas nas áreas econômicas e de
desenvolvimento, se estabeleceu ao nível deste município em 2007.
Por sua vez, algumas práticas de articulação, sobretudo as relacionadas com a criação
de parcerias do tipo contratual se tornaram predominantes apenas a partir do ano de 2009 em
determinadas áreas como o comércio e transportes públicos não obstante, o recurso ao modelo
de concessões (por exemplo, de infraestruturas no setor de educação) já fosse utilizado desde
a institucionalização da municipalização nos finais da década de 1990. Nesses termos,
segundo a fala do Vereador da Área dos Serviços Urbanos do Município de Xai-Xai,
[...] o município está a trabalhar no sentido de criação de parcerias públicoprivadas que possam promover ganhos elevados para ambas às partes [...]
elas existem atualmente ainda que de forma inicial não forte, mas nós
sentimos que isso já está a acontecer [...] precisamos constituir bases mais
sólidas de articulação com o setor privado que se tornem impulsionadoras do
desenvolvimento municipal e para isso é preciso constituir estruturas que
possam ajudar tanto o município como o setor privado a aproveitarem as
possibilidades das parcerias [...].
Na mesma abordagem sobre a necessidade do aperfeiçoamento do caráter e tipo de
parcerias existentes na gestão municipal, a Presidente do Município de Xai-Xai afirmou que,
[...] a criação de parcerias dentro do município é ainda muito reduzida, mas
temos alguns exemplos de parcerias com algumas organizações locais, como
o caso da empresa representada pelo Fundo do Investimento do Patrimônio
de Água (FIPAG) que juntamente com o município têm estado a desenvolver
projetos de expansão da rede de fornecimento de água a todos os bairros do
município e, o outro exemplo é o projeto de parceria para a eletrificação do
município realizado com a empesa Eletricidade de Moçambique (EDM), são
parcerias muito boas e têm estado a ajudar a melhorar os problemas que
existem nas áreas que estão sendo implementadas, mas temos muito trabalho
ainda a fazer temos que partilhar mais experiências com o setor privado e
aprimorar os processos de cooperação [...].
121
De salientar que, apesar de as práticas de articulação externa na gestão do Município
de Xai-Xai se concentram na constituição de parcerias nos setores de água, energia, comércio
e serviços como mostra o quadro acima existe, também, uma tendência para a criação de
mecanismos de cooperação com algumas organizações da sociedade civil. Essas interações
estão voltadas, por um lado, para os processos de regulamentação de atividades e definição de
políticas públicas em que se destaca a articulação com a Associação Provincial dos
Transportadores de Gaza (ASTROGAZA). A parceria criada com esta organização tem como
objetivo principal a melhoria da prestação de serviços de transporte semicoletivo, controle e
fiscalização das atividades desenvolvidas no setor de transportes dentro do Município de XaiXai.
Por outro lado, há a destacar as experiências relacionadas com as práticas de
organização do trabalho em rede, especificamente – as redes de solidariedade e redes de
sistemas locais de saúde23 – que trabalham ao nível das comunidades dentro do território
municipal. Elas são constituídas por organizações da sociedade civil da área social e da saúde
que buscam o apoiar os grupos de indivíduos desfavorecidos e carenciados que necessitam de
ajuda do governo municipal para lidar com os problemas que os afetam. A existência de um
reduzido número de práticas de articulação e criação de redes com as organizações da
sociedade civil no processo de gestão do Município de Xai-Xai sugere que existem ainda
grandes desafios para o aperfeiçoamento e multiplicação desse tipo de iniciativas.
Para tal, é importante que esses arranjos institucionais formados pelas redes de
cooperação organizacional sejam vistos como instrumentos de gestão de políticas públicas e
de prestação de serviços através dos quais os processos de gestão municipal (voltados apenas
para o seu interior) se transformam, passando a se basear em práticas de agregação e
combinação entre entidades públicas, atores da sociedade civil e privados (cooperação
externa), como forma de unir sinergias e maximizar os recursos existentes para beneficiar o
melhoramento dos objetivos organizacionais. Portanto, elas devem ser encaradas como sendo,
muito mais que a aplicação de simples técnicas administrativas (HODGE; GREVE, 2009, p.
34) no processo de gestão municipal, mas como alternativas a prestação de serviços eficazes e
com maior qualidade para os munícipes.
23
Essas redes de articulação entre os organismos municipais e a sociedade incluem ONG’s nacionais e
internacionais do setor de saúde, que atuam principalmente no contexto do apoio e assistência social às famílias
carenciadas e aos grupos de indivíduos afetados pela doença da HIV/AIDS, que em conjunto com o município
implementam projetos em diversos bairros do Município de Xai-Xai tendo em vista providenciar tratamento e
assistência gratuitas para esses grupos de necessitados.
122
As formas híbridas de gestão representadas pela criação de redes e parcerias podem
proporcionar ao município a economia de recursos e a eficiência das ações governativas (por
exemplo, para as áreas de saneamento e estradas) com a diminuição ou partilha de gastos
públicos, pois, permitem aos organismos públicos aceder a mais recursos financeiros
(FIRMINO, 2011, p. 400), podendo realizar projetos de maior envergadura ou novos projetos
com a liberação dos recursos que teriam que ser dispendidos, caso a parceria não fosse
celebrada.
Esta visão sobre a relevância das formas hibridas de gestão como mecanismo para
gerar maior eficiência na aplicação de recursos é partilhada pelo representante do setor
privado entrevistado neste estudo. Em sua fala, assinalou que,
[...] é importante que o município procure estabelecer parcerias com o setor
privado forma também de garantir a aplicação eficiente de recursos e de
incentivo à criação de projetos conjuntos num futuro mais próximo e que
envolvimento do empresariado local se torne uma rotina no contexto da
gestão municipal, não estamos ainda satisfeitos com as ações de cooperação
existentes é preciso que sejam criadas muito mais parcerias dentro da gestão
municipal [...] a complexidade dos problemas de natureza sócio econômica
que afetam o município exigem a massificação da cooperação entre o
município e o setor privado e chamam a atenção para a necessidade de
mudanças profundas nas formas de articulação de modo a se maximizar os
recursos existentes [...] precisamos aprender todos setor privados e órgãos
municipais a utilizar as parcerias como forma de melhor a nossa cidade e
impulsionar o seu rápido desenvolvimento (Fala, Presidente do Conselho
Empresarial Provincial de Gaza – CEP, 2012).
Nesse contexto, compreende-se que reduzir o “aparente afastamento” entre o
município, a sociedade civil e setor privado no processo de gestão do Município de Xai-Xai,
através da criação de novos espaços de cooperação e de interação que beneficiem o processo
de implementação das políticas públicas pode-se tornar mais proveitoso. Assim, para elevar o
processo de articulação município-sociedade torna-se fundamental que o contexto atual da
cooperação e parcerias supere as intenções de sua promoção sem, contudo, lograrem
efetivamente um amplo envolvimento dos atores privados e da sociedade no processo de
tomada de decisões das políticas públicas municipais.
Não basta que no processo de gestão municipal se estabeleçam os seus objetivos e se
cumpram as suas responsabilidades exclusivas torna-se necessário considerar, igualmente, que
as ações setoriais são de per si incompletas (PETERS; PIERRE, 1998), devendo o município
envolver-se com a ação e participação de outros atores na sua gestão. Esse processo deve
representar a criação de parcerias que possam revelar o seu valor acrescentado para todas as
123
partes, mas também, possam proporcionar um elevado grau de disposição dos órgãos
municipais como do setor privado para operarem por meio de mecanismos de articulação e
interação onde se desenvolvem alternativas viáveis para a implementação das políticas
públicas, por meio da partilha e de exploração dos recursos existentes.
Importa, pois, que no âmbito da gestão do Município de Xai-Xai a utilização desses
mecanismos de cooperação interorganizacional ganhe proeminência e se reflita no
funcionamento efetivo de órgãos municipais, em práticas de articulação de redes e parcerias,
em função das quais são estabelecidos projetos cooperativos mais concretos. Por exemplo, é
preciso evoluir para novas formas de exploração dos serviços de transportes urbanos, da
recolha e tratamento de resíduos sólidos e atividades de lazer a partir da constituição de
contratos e concessões de gestão para o setor privado.
Estes mecanismos de gestão pública podem surgir num primeiro momento como
improváveis e incertos do que o modelo tradicional através do qual têm sido conduzidos os
processos de gestão municipal, mas a criação de redes de políticas públicas sólidas e
comprometidas com o alcance de melhores resultados na ação governativa local, pode se
mostrar mais forte e mais efetiva no alcance dos objetivos da descentralização administrativa
e a promoção do desenvolvimento local.
Portanto, para assegurar a consistência do processo de articulação com o setor privado
e as organizações da sociedade civil no Município de Xai-Xai, no sentido de que as práticas
de cooperação sejam mais efetivas, sobretudo na formulação e implementação de políticas
públicas através do envolvimento desses atores é preciso modificar e inovar na maioria das
práticas de parcerias existentes no município, melhorar a situação atual de fragilidade do
caráter das redes de cooperação e principalmente, introduzir profundas transformações na
cultura interna que tem orientado o processo da gestão municipal.
Enfim, é preciso constituir uma abordagem de gestão pública municipal que focalize
processos de interação não apenas espontâneos como os que têm sido atualmente
estabelecidos, mas que consideram e assumem a interdependência entre as entidades
municipais e os atores privados como o diferencial fundamental no processo de
relacionamento das redes a serem instituídas de modo que as políticas e as estratégias da
gestão municipal sejam a consequência dessa interação. Argumenta-se que esta postura de
criação de alianças mútuas pode ajudar a formar uma base de cooperação e coparticipação
mais efetiva que beneficia o alcance de elevados resultados na resolução dos problemas e
aspirações das comunidades locais dentro do município.
124
4.4.3 A Articulação e Coordenação Intergovernamentais
O processo de descentralização política e administrativa (que resultou na criação dos
municípios) ocorrido nos últimos treze anos em Moçambique veio trazer novas influências na
forma como as articulações dentro do setor público se constituem tendo em vista, a satisfação
das demandas da sociedade nos diferentes níveis de governo. Foi durante esse período que se
registrou um grande crescimento na provisão de serviços públicos e das demandas sociais ao
nível dos municípios, mas esse crescimento trouxe novos problemas relacionados com o
estabelecimento de novos tipos de relações intergovernamentais que se tornaram, por essa via,
mais complexas e profundamente dinâmicas.
Essas transformações nas articulações Estado-Município multiplicaram, por exemplo,
as esferas de decisão sobre a implementação de políticas públicas e criaram, por um lado, uma
nova coabitação entre agentes públicos e departamentos da esfera municipal e da esfera
provincial nos diversos setores de atividade como na educação, saúde, meio ambiente,
transportes, entre outros. Ampliaram também o espaço para a articulação e coordenação nos
processos de execução de programas e políticas no contexto da governança interativa ao nível
local. Portanto, essa nova abordagem de gestão fez emergir no campo da administração
pública inter-relações (SMITH, 2010, p. 621) entre decisores políticos locais e representantes
de interesses especiais localizados nos níveis central e provincial.
Por outro, com a redistribuição das responsabilidades e a definição de novas
atribuições entre as diferentes esferas governamentais, multiplicaram-se as visões sobre o
enfrentamento dos problemas sociais que afetam as comunidades locais, tornando o processo
de coordenação um dos instrumentos centrais no âmbito implementação das políticas
públicas. Mas, essas mudanças criaram também novas relações de poder entre representantes
das áreas locais (presidentes de municípios e vereadores municipais) e aqueles de fontes de
poder externas, particularmente (ministros, governadores provinciais, diretores provinciais
entre outros). Formou-se assim, uma nova organização territorial de poder e decisão que está
relacionada com as influências dos atores nacionais sobre processos de gestão dos atores
locais.
125
Nesses termos, o modelo de articulação intergovernamental existente em Moçambique
baseado na partilha de recursos e competências comuns24 nas diversas áreas de política
pública – saúde e assistência social; acesso à cultura e educação; preservação ao meio
ambiente; fomento da produção agropecuária; construção de estradas; defesa e consolidação
do domínio público e do patrimônio do Estado impõe que se questione como ocorrem as
articulações e a coordenação intergovernamental no processo de gestão do Município de XaiXai? De que forma as relações entre as esferas de governo são estabelecidas para responder as
demandas das comunidades locais nesta municipalidade?
No estudo se constatou que as relações intergovernamentais entre o Município de XaiXai e o Estado (representado pelas esferas dos governos central e provincial) são constituídas
por três dimensões, a saber: (i) o poder de decisão e a coordenação das políticas públicas dos
setores comuns; (ii) as formas de partilha de recursos e; (iii) a natureza do modelo de
descentralização. Por sua vez, essas dimensões incorporam três elementos principais que
caracterizam o processo de coordenação intergovernamental existente, respectivamente: as
restrições externas à ação governamental local; a descentralização fiscal e; o princípio do
gradualismo na implementação da descentralização.
Ambos são encarados pelo conjunto de administradores públicos entrevistados no
estudo como “dilemas” da colaboração intergovernamental e, dada à complexidade dos
vínculos que se formam na gestão intergovernamental eles tendem a constranger
frequentemente as interações estabelecidas pelos diferentes níveis de governo.
O Quadro 12 apresenta a síntese da dinâmica das articulações intergovernamentais
existente.
24
O Decreto n° 11/2005 de 25 de Abril, estabelece os mecanismos da coordenação entre os órgãos locais do
Estado (esfera provincial) e os órgãos municipais no que diz respeito aos planos, programas e projetos comuns
no respetivo território. Determina, igualmente que estes podem estabelecer entre si, sem prejuízo das suas
competências respectivas, formas de parceria para melhorar a prossecução do interesse público nomeadamente,
no domínio da programação e coordenação da implementação das políticas setoriais nacionais e locais do
desenvolvimento.
126
Quadro 12: Dinâmica das relações intergovernamentais entre o Município de Xai-Xai e o Estado
Dimensões das
Articulações
Intergovernamentais
Poder de Decisão
e Coordenação das
Políticas Públicas
Elementos do
Processo de
Coordenação das
Esferas de Governo
Caraterização das Articulações Intergovernamentais
Resistência para a adaptação às mudanças impostas pela criação da
municipalização e adoção de novas formas cooperativas de planejamento e
execução dos projetos e ações governativas de natureza comum às
atribuições do município e dos diferentes setores de atividade do Estado ao
nível provincial.
Restrições à Ação
Governamental Local
Dificuldade para desenvolver e manter as práticas de coordenação criadas
e o estabelecimento de mecanismos permanentes de compartilhamento dos
processos de tomada de decisão sobre as políticas públicas locais.
Deficiências no processo de harmonização e integração das várias
iniciativas desenvolvidas em ambas as esferas, constituído muitas vezes
sem a observância de padrões sólidos de coordenação intergovernamental.
Constrangimentos relacionados com o processo de transferências fiscais
entre o Estado (esfera central) e o município, caraterizado por um baixo
volume de recursos em comparação com a contribuição do município para
a arrecadação nacional.
Formas de
Partilha
de Recursos
Descentralização
Fiscal
Limitada capacidade de arrecadação fiscal e elevada dependência do
município em relação aos fundos provenientes das transferências de
recursos do Estado.
Desequilíbrios na divisão das fontes de recursos FCA (Fundo de
Compensação Autárquica) e o FIIA (Fundo de Investimento da Iniciativa
Autárquica) entre o nível central e o município o que condiciona a
capacidade de elevação dos recursos próprios e o processo de gestão
municipal.
Natureza do
Modelo de
Descentralização
Princípio do
Gradualismo da
Descentralização
Inexistência de uma política de desenvolvimento da descentralização local
que incorpore as prioridades e as estratégias para a melhoria do processo
de municipalização.
Falta de clareza sobre o princípio de gradualismo da descentralização que
orienta o processo de transferência de mais competências e funções para a
gestão municipal e retardamento da implementação do Decreto n° 33/2006
de 30 de Agosto.
Fonte: Elaboração do Autor com base nos dados coletados nas entrevistas da pesquisa.
Como se observa no quadro acima, a primeira dimensão referente às articulações
intergovernamentais tem a ver com a forma como a transferência de poder de gestão para as
entidades municipais é encarada pelos atores públicos. Aqui a questão principal está
relacionada com implantação da descentralização e as influências provocadas pela criação da
municipalização na redução de poder e da influência da esfera do Governo Provincial sobre a
implementação das políticas públicas ao nível local.
A municipalização deu origem à constituição de uma nova maneira de planejar,
executar e controlar a prestação de serviços ao nível local e, por isso, implicou na criação de
novas formas de articulação entre as diferentes esferas de governo. No entanto, as mudanças
127
provocadas por esses novos processos de gestão têm acarretado resistência para se encarar os
municípios como órgão detentores de autoridade própria e com objetivos voltados para a
satisfação de interesses das comunidades locais a quem servem e representam, sobretudo ao
nível das instituições do Estado do Governo Provincial.
Portanto, o deslocamento e criação de novos centros de poder de decisão ainda que
funcione como um meio para criar autonomia e democratizar a gestão pública através dos
órgãos situados mais próximo dos problemas e demandas das comunidades locais, não tem
permitido estimular a dinâmica da articulação intergovernamental, mediante a exploração
efetiva dos canais de coordenação.
A questão é que o contexto atual da gestão intergovernamental entre o Município de
Xai-Xai e o Governo Provincial tem enfrentado dificuldades, sobretudo para harmonizar os
processos de gestão (planejamento, execução e controle) limitando, desta feita, a ocorrência
de práticas de articulação permanentes particularmente nas áreas programáticas ou de
políticas públicas. A compatibilização do princípio da autonomia com o de interdependência
como resultado da divisão de funções e poderes entre os níveis de governo, não tem
funcionado muitas vezes para favorecer o desenvolvimento das ações municipais.
Neste contexto, apesar de ter sido assinalada muitas vezes a importância da
materialização de práticas de coordenação, conforme a fala da Presidente do Município de
Xai-Xai ela não sido satisfatória.
[...] A coordenação no processo de planejamento é um aspecto importante da
nossa gestão pública no caso concreto do município e do governo provincial
através dos seus diferentes setores [...] este mecanismo de articulação
significa que as diferentes esferas governamentais devem coordenar e traçar
em conjunto as prioridades das políticas públicas a serem implementadas,
mas a realidade tem se revelado distante dessas aspirações e existem muitas
falhas na implementação de projetos dentro da área municipal porque a
coordenação não tem sido muito boa [...] pensamos que uma maior
participação dos municípios em reuniões ou atividades que envolvem o
planejamento do governo provincial possibilitaria reforçar os níveis e os
mecanismos de cooperação entre os dois níveis governamentais.
Na mesma perspectiva conforme a fala do Vereador da Área de Serviços Urbanos do
Município de Xai-Xai, a articulação entre as esferas governamentais é assinalada pela
existência de deficiências que têm se refletido no processo de gestão intergovernamental.
Nisso, como explicou este administrador público,
128
[...] a relação entre os órgãos do município e do governo provincial pode ser
considerada razoável, no entanto ela deveria se isentar dos conflitos de
interesse em cada uma das esferas de governo [...] é fácil encontrar barreiras
no processo de implementação das nossas ações municipais com as
abordagens dos órgãos de nível provincial, sobretudo nos projetos da área de
educação e nas ações comuns do setor de saúde e isso é resultado muitas
vezes da deficiente coordenação e, existindo uma coordenação deficiente
não pode haver uma cooperação é necessário que haja uma coordenação
eficaz para que exista uma cooperação sem que sejam com tem acontecido
apenas de caráter formal e no âmbito da coexistência dos dois níveis de
governo [...].
A fragilidade dos mecanismos de articulação entre as esferas governamentais é
afetada, por um lado, pela ausência de uma harmonização e integração das várias iniciativas
desenvolvidas em ambas as esferas, o que leva muitas vezes que as políticas de
desenvolvimento local e os demais instrumentos que orientam a ação governativa do país
tomem direções quase opostas. Nesta perspectiva, segundo a fala do Vereador da Área de
Agricultura e Transportes do Município de Xai-Xai,
[...] o processo de coordenação das esferas governamentais é influenciado no
geral pelo nível de desenvolvimento do próprio processo de descentralização
[...] um aspecto a ter em consideração é o fato dos municípios possuírem
apenas treze anos de existência [...] as relações entre estas esferas estão ainda
muito longe de serem bem sucedidas e achamos que o motivo está ligado ao
fato de a municipalização ser uma experiência nova e ambas as partes
necessitam de melhorar muitos aspetos para permitir uma maior cooperação
e interação para além da existente atualmente.
Por outro, a cultura dominante de centralização das formas de gestão e os baixos
níveis de interação das organizações públicas nas diferentes esferas governamentais revela
uma fraqueza nos mecanismos de integração utilizados, apesar dos instrumentos legais
estabelecerem algumas formas de articulação25 para os governos central e provincial e os
municípios.
[...] A grande questão que afeta negativamente a coordenação entre o
município e os setores do governo provincial é que não há estruturas eficazes
que impõem a coordenação de forma explicita e nas leis existem disposições
muito abstratas que sugerem a coordenação, mas não estabelecem a
obrigação para a articulação e a pergunta que fica é como é que se faz isso
[...] a ideia de cooperação entre as diferentes esferas não é um assunto
25
O Decreto n° 11/2005 de 25 de Abril, expressa, por um lado, que os Órgãos Locais do Estado coordenam em
conjunto com as Autarquias Locais os seus planos, programas, projetos e ações compreendidas no respetivo
território, visando a realização harmoniosa das suas atribuições e competências. Por outro, define que com a
finalidade de coordenar ações específicas e programas de dimensão territorial comum, poderão ser organizados
encontros de coordenação entre o órgão executivo autárquico e o órgão local do Estado, em matéria de
planejamento, cooperação e criação de parcerias.
129
amadurecido [...] temos que ter mecanismos mais claros dessa articulação e
coordenação (Fala, Vereador da Área de Serviços Urbanos do Município de
Xai-Xai, 2012).
Estas considerações mostram que os mecanismos de colaboração intergovernamental
previstos no Decreto n° 11/2005 de 25 de Abril (que define as formas de articulação entre os
órgãos locais do Estado e os Municípios) não têm sido explorados para o estabelecimento de
um processo de coordenação mais efetivo. As poucas práticas de coordenação que têm
existido constituem-se numa base espontânea sem implicar, necessariamente, a observância
permanente de padrões sólidos que orientem as articulações entre as esferas governamentais.
Desse modo, compreende-se que a gestão intergovernamental necessita da adoção de
um enfoque mais negociado em vez de uma abordagem que privilegia a auto-suficiência
organizacional na qual o nível provincial decide, anuncia e defende suas atividades no
contexto da implementação das políticas nos diferentes setores de atividade, muitas vezes sem
se preocupar com a coordenação com o nível local (municípios) em que são implementadas.
É fundamental que as esferas governamentais se dediquem a adoção de um processo
de administração negociada (RADIN, 2010, p. 611) que incorpora novas concepções
consultivas sem por em causa as atribuições de cada uma das esferas governamentais, que
geram mediadas que são aceitáveis e vão em direção a fins produtivos para ambos os níveis
de governo. Isso envolve a construção do consenso e o aperfeiçoamento das comunicações
entre os níveis de governo como um modo de administrar o dilema provocado pelo
surgimento dos novos centros de poder e tomada de decisão.
Como se constatou no estudo, poucos incentivos à articulação intergovernamental têm
sido estabelecidos. As práticas de coordenação intergovernamental entre o Município de XaiXai e o Governo Provincial, por um lado, mostram uma grande tendência de auto-suficiência
organizacional entre os níveis de governo do que o estabelecimento de laços permanentes de
coordenação entre eles. Por outro, as práticas de coordenação intergovernamentais
constituídas possuem uma forte tendência de distanciamento entre os diferentes setores de
atividade de ambas as esferas governamentais e de defesa da sua autonomia, sem
considerarem que vários problemas têm soluções adequadas quando encarados de forma
abrangente. Por esse motivo, a auto-suficiência referida tende a afetar diretamente (e de forma
negativa) os resultados das políticas públicas locais.
É fundamental, alterar a lógica segmentada das políticas públicas em razão da fraca
coordenação existente e reforçar a colaboração organizacional, por exemplo, com a
priorização de ações intersetoriais e programas transversais que incorporam parcerias entre a
130
esfera municipal e a provincial. Ainda nesta componente é crucial que se explorem
efetivamente os mecanismos de coordenação previstos no Decreto n° 11/2005 de 25 de Abril,
pois, a efetividade das políticas públicas depende muito do entrosamento entre os vários
níveis de governo, dado que os entes locais executam as ações, mas precisam de colaboração
horizontal e vertical para tais que ações sejam desempenhas com maior sucesso.
A segunda dimensão que caracteriza o processo de articulação das esferas
governamentais nacional, provincial e municipal está relacionada com as formas de partilha
de recursos. A questão principal é que os mecanismos legais que orientam a descentralização
fiscal26 são insuficientes para proporcionar os recursos financeiros demandados no processo
de gestão municipal.
O processo de descentralização significou uma relativa melhoria na gestão pública
com o fortalecimento dos governos municipais, observando-se uma maior autonomia política,
administrativa e financeira dos municípios em relação ao período de administração
centralizadora. Porém, têm surgido vários constrangimentos no que concerne aos processos de
transferência efetiva dos fundos do Estado e de arrecadação de receitas municipais tendo em
vista a concretização do conjunto de atribuições e responsabilidades no domínio dos órgãos
municipais.
[...] Um dos grandes problemas existentes no contexto da gestão
intergovernamental é a partilha de receitas fiscais arrecadadas pelo Estado
dentro do território do município [...] o nosso município até possui grandes
fontes de receitas, mas o grande volume arrecadado fica ao nível central e as
transferências feitas pelo Estado através do FCA (Fundo de Compensação
Autárquica) desde a criação desta municipalidade não tem correspondido aos
limites impostos pelo sistema tributário autárquico [...] notamos que a
redução das alíquotas percentuais sobre essas transferências fiscais não tem
ajudado a manter um processo de compartilhamento de recursos que ajude o
município a melhorar as suas finanças (Fala, Vereador da Área de
Atividades Econômicas do Município de Xai-Xai, 2012).
Nesta perspectiva, as grandes questões estão relacionadas com a forma através da qual
são materializados os processos de transferências fiscais, isto é, o reduzido valor dos repasses
de recursos do nível central quando comparadas com a participação do município na
arrecadação de receitas nacionais. Por exemplo, entre os anos 2008 e 2009 não se registrou
26
A Lei n°1/2008 de 16 de Janeiro, estabelece o regime financeiro e patrimonial dos municípios e expressa os
mecanismos de descentralização fiscal do Estado para os Municípios em Moçambique.
131
qualquer variação no volume das transferências do nível central27 por meio de fundos de
participação do FCA, embora tenha se registrado um substancial aumento de 12% no
montante de 2011 e 2012. Contudo, o volume de transferências intergovernamentais para o
município não tem aumentado expressiva e proporcionadamente de acordo com o aumento
equitativo a participação do município na receita nacional28.
Os problemas relacionados com o processo de transferências fiscais são
acompanhados pela insuficiência do sistema tributário, como referiram os administradores
públicos entrevistados no estudo,
[...] a descentralização fiscal ainda está longe de oferecer mecanismos de
tributação que sejam complemente abrangentes às necessidades da gestão
municipal e enquanto o nível central e o sistema de partilha de recursos não
permitirem ou atribuírem novas fontes de receitas locais para além das
existentes atualmente será impossível à criação de capacidade ao nível do
município em termos de recursos próprios [...] o sistema tributário municipal
tem revelado a fragilidade dos impostos municipais para se atingir níveis
elevados de recursos pela via da tributação local [...] a última reforma
tributária de 2008 introduziu mais duas fontes de receita para a cobrança
municipal os impostos sobre veículos e transmissão de imóveis, mas à
medida que o tempo passa vão crescendo as demandas das comunidades e os
recursos arrecadados se tornam cada vez mais insuficientes (Fala, Vereadora
da Área de Administração e Finanças do Município de Xai-Xai, 2012).
O critério que orienta o processo de partilha de recursos fiscais entre esferas
governamentais sofreu recentemente uma alteração que reduziu o volume de transferências
intergovernamentais do Estado para os municípios restringindo, desse modo, os recursos à
disposição do governo municipal. A questão é que com a aprovação da Lei n° 1/2008, de 16
de Fevereiro, o governo central reduziu os limites para as transferências fiscais29 estabelecidos
anteriormente entre 1,5% e 3% das receitas fiscais, fixando apenas único limite de 1,5% como
27
As transferências orçamentais do governo central para o município em 2008 e 2009 foi de 14.778,52 Milhões
de Meticais, tendo registrado um aumento em 2011 para 26.526,86 e de 30.539,71 Milhões de Meticais em 2012,
de acordo com os dados dos planos e orçamentos do Estado dos anos referenciados.
28
Escasseiam estudos focalizados e aprofundados sobre as finanças autárquicas em Moçambique. Isso torna
difícil a obtenção de dados sistematizados que permitam uma análise coerente e consistente sobre a matéria.
Porém, em 2003, o Governo de Moçambique, no âmbito do Projeto de Desenvolvimento Municipal (componente
de Reforma Legal e Institucional), realizou o primeiro e até agora o mais aprofundando estudo sobre a situação
das autarquias nacionais.
29
Representam as transferências de recursos financeiros entre o governo central e as entidades públicas
descentralizadas com vista à manutenção do equilíbrio dos encargos e rendas ou do equilíbrio orçamentário. O
fundamento da criação desses fundos foi o reconhecimento da reduzida capacidade financeira dos municípios
desde a sua criação, e a necessidade de garantir o repasse do nível central para cobrir essas insuficiências. O
FCA – Fundo de Compensação Autárquica foi estabelecido para apoiar a capacidade dos municípios para
financiar despesas correntes de seu funcionamento; o FIIA – Fundo de Investimento para Iniciativa Autárquica
foi criado para investimentos locais e é uma transferência do Estado para o financiamento de projetos de
investimento de iniciativa autárquica.
132
critério sobre a partilha de recursos entre as esferas governamentais. É importante frisar que
esse limite constitui a base para a determinação do montante do FCA transferido do nível
central para o município.
A compreensão que se tem é que existe um grande desiquilíbrio na descentralização
fiscal e autonomia financeira o que contribui para o enfraquecimento da capacidade
governativa dos municípios. Em termos relativos, a divisão das fontes de recursos com base
na arrecadação fiscal continua beneficiando a esfera central, uma vez que a política de acesso
aos tributos restringe as possibilidades de arrecadação de maior volume de receitas por parte
do município e a autonomização da gestão não tem contribuído para reduzir a subordinação
financeira em relação aos níveis superiores de governo.
Por exemplo, nota-se que no geral, o nível de transferências fiscais do Estado a favor
dos municípios é bastante reduzido apenas 0,21%, em 2009 e 0,22% em 2010 sobre o PIB30,
embora a participação das autarquias locais para o OE (Orçamento do Estado) seja
correspondente a cerca de 85% da receita tributária global. Não obstante, o sistema tributário
autárquico em Moçambique apresente uma concepção voltada para a maior capacitação dos
municípios em termos de arrecadação de receitas próprias para satisfazerem as
responsabilidades no âmbito das políticas públicas municipais, a tributação local é reduzida.
Isto está relacionado com a limitada base económica/tributária local sendo, por essa
razão, o Município de Xai-Xai ainda dependente das transferências fiscais concedidas pelo
nível central através do FCA (Fundo de Compensação Autárquica) e FIIA (Fundo de
Investimento de Iniciativa Autárquica), que correspondem ambos a 50% das necessidades de
recursos desta municipalidade em 2012. As fontes para a arrecadação própria são insuficientes
para proporcionar um nível elevado de recursos para a gestão municipal. O sistema
tributário31 autárquico existente mostra-se limitado, dado que as receitas próprias do
município cobrem apenas metade das despesas funcionais (cerca de 48% em 2011 e 50% em
2012 da cobertura total das despesas municipais), o que tem prejudicado a capacidade do
Município de Xai-Xai de fazer frente às demandas das políticas públicas municipais.
30
Dados extraídos dos resultados apresentados na Conta Geral do Estado referente ao ano de 2010.
O sistema tributário autárquico é constituído por sete fontes, nomeadamente: o imposto pessoal autárquico
(IPA), o imposto predial autárquico (IPRA), o imposto autárquico de veículos (IAV), imposto autárquico de sisa,
sobre as transmissões onerosas de imóveis (IAS), contribuição de melhorias, (CM), taxas por licenças
concedidas e por atividade económica; e tarifas e taxas pela prestação de serviços. O conjunto de recursos
financeiros autárquicos compreende o produto destes tributos, as transferências fiscais do Estado e outras
receitas que provenham de empréstimos ou doações. O Código Tributário Autárquico aprovado pelo Decreto nº
63/2008, de 30 de Dezembro, operacionaliza as principais fontes de receitas tributarias municipais.
31
133
Conforme assinalaram vários administradores públicos entrevistados no estudo, a
reduzida capacidade de arrecadação de receitas municipais e a grande dependência em relação
ao FCA têm uma significativa influência nas relações intergovernamentais constituídas entre
o município e o Estado, pois, afetam a autonomia das finanças locais. Com a municipalização
constituíram-se vários encargos e reponsabilidades para os governos municipais, no entanto, a
implementação dos programas e projetos no contexto da gestão municipal tem sido
profundamente condicionada pela frágil base econômica, ao lado da ineficiência
administrativa e da insuficiência de meios para garantir a sua autonomia financeira32.
Nesta perspectiva, os recursos próprios do município são destinados muitas vezes para
o financiamento das atividades de caráter rotineiro da administração local e possuem um
reduzido impacto sobre as políticas públicas locais, como mencionado anteriormente e, por
essa razão, a autonomia no seu funcionamento com vistas a realizar suas próprias políticas
sem contar com o apoio do nível central é mínima.
Por sua vez, a última dimensão sobre a dinâmica das relações intergovernamentais está
relacionada com os constrangimentos derivados da operacionalização efetiva do processo de
reforma do Estado e a ausência de uma estratégia de desenvolvimento da descentralização
local. A questão principal é que o princípio do gradualismo33 adotado para a implementação
da descentralização político-administrativa tem contribuído para o retardamento do processo
de transferência de mais funções e competências para a responsabilidade da gestão municipal,
sobretudo nas áreas de saúde e educação e turismo que são detentoras de maiores volumes de
recursos.
Eu entendo que à medida que o retardamento da transferência de funções vai
se mantendo a descentralização no setor de educação, por exemplo, tende a
ser fictícia o que é comprovado pela centralização institucional que
caracteriza as ações que são realizadas pela Direção Provincial de Educação
e Cultura no próprio território do município [...] apesar de uma relativa
articulação, sobretudo nos períodos de realização de exames nacionais, a
permanência da centralização limita o desenvolvimento das políticas
públicas municipais neste setor [...] o grande problema é que essa
centralização não permite o acesso do município aos recursos existentes nas
32
A autonomia financeira do município é limitada pela natureza própria do poder regulamentar conferido pela
Constituição para a prossecução das suas atribuições, uma vez que no contexto da administração municipal os
governos locais não possuem competência legislativa para a criação de novos impostos municipais. Portanto,
essa competência é exclusiva da Assembleia da República.
33
O princípio do gradualismo é um critério regulador da institucionalização das autarquias locais em
Moçambique definido na Constituição de 2004. Representa também um padrão (instrumental ou formal) para
nortear o processo da criação das autarquias locais e de transferência de funções e competências para a gestão
dos municípios, não têm nem devem ser feitos de uma só vez (ou dentro de um único prazo), mas sim de maneira
faseada em razão da existência de condições políticas e materiais para a concretização deste princípio
constitucional.
134
áreas em que a transferência está atrasada (Fala, Vereador da Área de
Serviços Urbanos no Município de Xai-Xai, 2012).
Este aspecto, de acordo com os vários administradores entrevistados no estudo,
dificulta ainda mais a constituição de relações intergovernamentais melhor coordenadas e com
benefícios para ambas às esferas de governo. A consequência mais evidente tem sido o
agravamento na articulação e realização das políticas públicas de natureza comum entre a
esfera de Governo Provincial e o Município de Xai-Xai.
Doutro modo, no contexto da implementação da EGRSP (2006-2011) foi definido
como prioritário a aprovação de uma política e estratégia da descentralização local (CIRESP,
2006, p. 20) de modo a clarificar a estruturação do processo de desenvolvimento do poder
local em Moçambique e reduzir os constrangimentos do processo de coordenação
intergovernamental, mas que até o presente momento não foi ainda aprovada. Embora se
constatem avanços, por exemplo, com a aprovação do Decreto n° 33/2006 de 30 de Agosto,
sobre a transferência de funções dos órgãos do Estado, contudo, não foram ainda dados passos
decisivos para a materialização deste dispositivo legal, devido a vários fatores políticos e
técnicos que não cabe neste estudo serem discutidos.
Esta situação é sustentada na fala da Vereadora da Área de Administração e Finanças
do Município de Xai-Xai,
[...] no plano teórico as atribuições das autarquias foram ampliadas, mas
registra-se uma grande resistência ao nível do governo provincial para
materializar as disposições estabelecidas pelo Decreto n° 33/2006 sobre a
transferência de funções, o que tem contribuído para agravar as
insuficiências da coordenação intergovernamental, por exemplo, na área de
saúde instituições como o Centro de Saúde da Cidade são dirigidas e prestam
contas à Direção Provincial de Saúde, embora desenvolvam os seus serviços
na área municipal e o mesmo acontece em relação à área de educação [...]
para reverter estas questões estamos à espera da conclusão do processo de
transferência de funções e competências para a gestão municipal que dura há
mais de três anos sem uma solução visível [...].
Neste contexto, a compreensão que se tem acerca desses problemas é a de que apesar
dos avanços alcançados com a municipalização, permanecem vários elementos que têm
comprometido as articulações intergovernamentais. Mas, esta situação é também prejudicada
pela falta de incentivos à efetiva implementação do princípio do gradualismo da
descentralização político-administrativa.
Finalmente, o contexto atual de indefinição das fronteiras de atuação das esferas
governamentais, por um lado, tem resultado na sobreposição ou desarticulação das atividades
135
desempenhadas. Por outro, o receio da perda recursos por parte dos diferentes setores da
esfera do governo provincial, compromete os esforços da implementação de práticas de
articulação intergovernamentais mais efetivas e colaborativas.
136
5 Conclusão
Este estudo foi realizado com a finalidade de pesquisar a aplicação das novas práticas
de gestão pública no contexto das reformas da administração pública que têm sido
implementadas nos últimos tempos em Moçambique. A pesquisa permitiu analisar as práticas
de gestão pública adotadas no setor público moçambicano de acordo com o modelo de
reforma administrativa proposto na EGRSP (2006-2011), ao mesmo tempo em que
possibilitou explorar como essas novas práticas de gestão pública têm sido implementadas na
gestão municipal, especificamente no Município de Xai-Xai.
Em um primeiro momento, foram apresentadas três dimensões conceituais sobre as
concepções das reformas administrativas que têm orientado a constituição de novas práticas
de gestão pública em diversos países do mundo inteiro. A primeira dimensão é a da New
Pública Management e a modernização da gestão pública na qual foram abordadas as
concepções que apregoam a utilização pela administração pública de práticas gerenciais
oriundas da gestão empresarial, tais como a competitividade, preocupação com os resultados e
a ênfase na qualidade dos serviços públicos prestados aos cidadãos. Essas práticas de gestão
pública concentram-se na introdução de transformações na administração pública no intuito
de conferir mais flexibilidade e, sobretudo a melhoria do desempenho das organizações
públicas, muitas vezes considerada excessivamente burocrática, ineficiente e ineficaz no
processo de atendimento das demandas da sociedade.
A segunda dimensão é referente à constituição do interesse público e a accountability
cuja centralidade se fundamenta na promoção de práticas de gestão pública que se preocupam
com a maior aproximação entre atores políticos, agentes públicos e os cidadãos no processo
de gestão, baseado na ação coletiva, assim como, na transparência e responsabilidade na
gestão pública. Essas práticas estão voltadas, por um lado, a promoção e fortalecimento dos
interesses coletivos no processo de gestão pública e, por outro a submissão das instituições e
os agentes públicos a um processo de controle e prestação de contas, seja ao nível interno por
meio dos controles hierárquicos ou através mecanismos externos concretizados pelas
instituições com autoridade para fiscalizar a atuação da administração pública e ao controle
social. Nesta abordagem, a questão central na gestão pública está relacionada com a maior
responsabilização os governantes e a burocracia pelos resultados das suas ações e dos
programas governamentais implementados.
137
A última dimensão diz respeito à adoção de práticas de gestão pública fundamentadas
na interação entre os diferentes atores, isto é, se baseiam em incentivos que buscam a
integração e participação de novos atores públicos e privados nos processos de tomada de
decisão e de formação das políticas públicas. Essas práticas estão relacionadas com a criação
de redes de políticas e as articulações externas das organizações do setor público com
diversos stakeholders, por meio da abertura da administração pública a uma maior influência
e participação da sociedade civil e do setor privado para beneficiar a melhoria das políticas
públicas.
Algumas conclusões emergem da revisão efetuada nessas três abordagens. Por um
lado, existem diferenças no enfoque e intensidade das reformas administrativas realizadas em
diferentes contextos nacionais sob a influência das concepções associadas à NPM. Apesar de
a NPM se preocupar com o desempenho, a elevação dos resultados e a melhoria na qualidade
de serviços públicos, as ações desenvolvidas nas reformas dos diferentes países não são
unívocas uma vez que, as reformas administrativas dependeram ou dependem de prioridades,
circunstâncias e pontos de partida particulares de cada país.
Por outro, as reformas iniciadas com o movimento da NPM deram atenção reduzida à
questão do interesse coletivo, o que suscitou críticas à capacidade do Estado para
desempenhar seu papel na busca dos interesses coletivos. Particularmente, com seu enfoque
inspirado nas técnicas gerencias do setor privado não prioriza os aspetos democráticos e de
accountability ao limitar a participação dos “cidadãos considerados clientes” ao controle dos
serviços, sem constituir mecanismos de integração da sociedade nas políticas públicas. Mas,
embora possam ser feitas essas críticas, compreende-se que alguns princípios e práticas de
gestão trazidos pela NPM permanecem atualmente, tais como a preocupação com os
resultados, a garantia de eficiência e efetividade das políticas públicas.
Porém, a noção de resultados está incorporada atualmente a um sentido mais amplo
que envolve a questão da responsabilidade na ação governativa no atendimento das demandas
da sociedade, com um enfoque não dissociado da importância da relação Estado-sociedade no
enfrentamento dos desafios impostos ao setor público na contemporaneidade. Neste último
sentido, as novas práticas de gestão pública indicam para a constituição da governança
interativa, para a agregação e articulação dos interesses coletivos através de uma base
participativa de diferentes atores públicos, privados e a sociedade civil.
Quanto ao contexto moçambicano às concepções sobre as novas práticas de gestão
pública ganharam maior centralidade no início da década de 2000, com o surgimento da
138
reforma administrativa que visa a modernização do setor público. Essas reformas focalizam a
implementação de práticas de gestão para melhorar a efetividade da administração pública nos
níveis central, provincial e principalmente nos município.
Nessa perspectiva, a EGRSP (2006-2011) está voltada à realização de mudanças e
transformação na forma como as organizações são administradas, apresentando com
prioridade da reforma a construção de novas práticas de gestão pública que garantem a
promoção de atitudes consideradas inovadoras, mais flexíveis e voltadas para os resultados.
Com a sua implementação ao setor público passou a ser cobrada a aplicação de padrões de
gestão associados às práticas que sugerem maior transparência, participação pública,
prestação de contas e com uma preocupação constante em atender aos anseios e necessidades
da sociedade com maior qualidade.
Nesse sentido, os diversos organismos públicos como o Município de Xai-Xai
passaram a implementar algumas dessas práticas de gestão pública, não só em função da
modernização administrativa, mas também pela necessidade de a administração municipal
impor-se perante os novos desafios da prestação de serviços e preocupação com os resultados
das ações e políticas governamentais ao nível local. Um aspecto interessante a ser
mencionado é que a despeito de as concepções reformistas da nova gestão pública pregarem a
descentralização, o corte de gastos públicos, a redução de funcionários só para citar alguns
exemplos, o processo de reforma na realidade moçambicana tem como uma das principais
prioridades a profissionalização do setor público e a contratação de servidores qualificados
que têm representado os grandes problemas estruturais da administração pública, o que
representa na prática a necessidade de fortalecimento do aparelho do Estado fundamentada
nesses mecanismos como forma de modernização administrativa. Isso mostra que essas
concepções não se aplicam em todos os contextos como um receituário de validade universal
sobre a implementação das reformas administrativas.
Os resultados das análises efetuadas no estudo, sobre o contexto em que são
implementadas essas novas práticas de gestão pública mostram que existe uma preocupação
do Município de Xai-Xai em promover de certo modo mudanças na forma como a
organização é administrada. Mas, muitos dos mecanismos de gestão que configuram as novas
práticas de gestão ainda não foram devidamente assimilados, permanecendo vários problemas
que têm comprometido os objetivos da modernização e elevação da qualidade dos serviços e
das políticas públicas locais.
139
Na sua maioria essas práticas são aplicadas de forma deficiente e sem incentivos que
garantam a sua utilização permanente, para além do simples sentido de que foram
introduzidas apenas para o cumprimento de uma determinação legal. O estudo mostrou que
existem também diversas barreiras de natureza técnica e institucional que condicionam a
implementação efetivas das novas práticas de gestão pública ao nível municipal.
Por exemplo, a preocupação com a modernização da gestão e a necessidade de
melhoria da qualidade dos serviços ao nível do Município de Xai-Xai fez com que o
executivo municipal adotasse medidas como: a capacitação técnica do município, a melhoria
do sistema de arrecadação fiscal e a criação de conselhos consultivos locais como as vertentes
crucias para promover a melhoria da qualidade dos serviços no contexto da gestão municipal.
Para tal, a profissionalização da administração municipal e a contratação de recursos
humanos qualificados são encaradas como os vetores principais para se reduzir as fragilidades
técnicas e a inadequação da estrutura de pessoal existente. Por seu turno, a optimização dos
recursos à disposição desta municipalidade constitui o principal enfoque da busca pela
eficiência e eficácia das finanças municipais, como forma de influenciar a melhoria da
qualidade dos serviços prestados. Entretanto, o estudo sugere que essas medidas representam
avanços importantes, mas não são suficientes para garantir uma efetiva melhoria da qualidade
dos serviços.
O fato é que não existem instrumentos claros que garantem a operacionalização da
busca pela qualidade dos serviços do município, inexiste uma ligação objetiva entre o sistema
de planejamento e as diversas ações desenvolvidas e a definição de metas a serem alcançadas
na gestão não é de um todo rigorosa, o que dificulta a criação de um mecanismo de avaliação
preciso e confiável. Não existem práticas de avalição permanente por parte dos cidadãos
acerca dos serviços prestados, o que não permite identificar com maior clareza como tem
ocorrido o processo de satisfação das demandas dos cidadãos.
Dado que a melhoria da qualidade está intimamente ligada atualmente à utilização de
mecanismos como o e-governo, a falta de um portal eletrônico que permita aproximar os
serviços municipais aos cidadãos compromete os esforços da redução dos procedimentos
burocráticos influenciando, desse modo, a elevação da qualidade desejada. Embora, a
utilização das tecnologias de informação esteja sendo feita no processo de gestão fiscal, elas
não são integrais no sentido que, a sua aplicação não abrange outras áreas desta
municipalidade dificultando, por exemplo, o acompanhamento dos processos de gastos e a
elevação da transparência e a participação cidadã.
140
Buscar a melhoria dos serviços prestados por meio dos conselhos consultivos locais
(CCL) representa uma inovação importante na gestão municipal. O estudo sugere que os CCL
funcionam como um instrumento que permite exercer influência apenas sobre a definição das
prioridades da gestão ao nível dos bairros onde são formados, mas que se mostram ineficazes
para garantirem diretamente a melhoria das ações governamentais, uma vez que a sua
natureza consultiva não garante o exercício da fiscalização das ações governamentais que são
ou não realizadas. Neste sentido, ignorar essa fragilidade associada a esses órgãos não pode
ser favorável ao processo de busca de melhoria da qualidade sendo, pois, importante
considerar outros mecanismos que se mostram mais efetivos.
A análise sobre modernização da gestão pública e desempenho organizacional no
Município de Xai-Xai mostrou que o foco tem sido dado a constituição de sistemas de
planejamento que se dividem em: plano estratégico (PE) e planos anuais de atividades (PAA)
como instrumentos utilizados com vistas a orientar as ações governamentais e permitir a
melhoria do desempenho organizacional. Não obstante, a utilização dessas práticas de
planejamento o processo geral de avaliação de desempenho organizacional do município não
se mostra ser completo e, por isso é pouco confiável.
O exemplo disso, é que o único instrumento que poderia ser utilizado de alguma forma
para o monitoramento do processo de gestão municipal, o Plano Estratégico de
Desenvolvimento do Município de Xai-Xai (PEDMXX, 2009-2019) não possui indicadores
que se baseiam em metodologias precisas que permitem avaliações comparativas realizações
entre períodos de atividades. Esse instrumento não faz referência às questões relacionadas
com a governança no contexto municipal, mesmo sendo esses aspectos fundamentais para se
introduzir mudanças relativas à melhoria do desempenho organizacional.
Por sua vez os diversos Planos Anuais de Atividades (PAA) são em parte
desarticulados daquele primeiro e não mostram muitas vezes as ligações entre orçamentos,
resultados e metas. Por essas razões, a utilidade desses sistemas de planejamento torna-se
quase nula devido às limitações impostas pelo conteúdo dos próprios instrumentos que, apesar
de serem úteis para a gestão municipal não permitem o desenvolvimento de práticas de
avaliação de desempenho confiáveis.
Relativamente à questão do controle e responsabilidade gerencial na gestão do
Município de Xai-Xai o estudo distinguiu três dimensões principais que correspondem a:
práticas de controle administrativo, de controle horizontal e de controle parlamentar. A ideia
subjacente a cada uma delas é a criação de mecanismos de promoção de accountability no
141
processo de gestão, seja a partir da responsabilização hierárquica por meio de controles
internos realizados essencialmente pelo Presidente do Município e pelo Conselho Municipal
que constituem os órgãos executivos desta municipalidade, seja pelo controle externo
exercido pelos organismos autônomos como o TA, IGF e MAE.
Esses mecanismos de controle e responsabilidade gerencial são efetuados sobre os
resultados das ações governamentais do município. Nesse contexto, o estudo assinalou a
existência de práticas de controle gerencial como um grande avanço nas formas de controle
interno e externo, pois, tem possibilitado, por exemplo, aos órgãos executivos do município
exercer uma espécie de monitoramento direto sobre os agentes e setores de atividades
executores das decisões tomadas bem como, permitem o exercício do controle sobre os
recursos e o cumprimento dos planos e as realizações desta municipalidade.
No que refere a questão da transparência na gestão municipal o estudo mostrou que a
despeito da existência de práticas de divulgação de informações sobre a gestão visando
garantir a promoção da transparência na gestão, as formas de divulgação dessas informações
não têm sido exploradas de forma suficiente para garantirem a elevação da transparência. A
abertura para a disponibilização das informações não é efetiva, uma vez que podem ser
encontradas várias limitações no acesso à informação bem como, no conteúdo desses dos
relatórios existentes, o que os torna pouco confiáveis.
Nesta perspectiva, o estudo apontou a existência de um paradoxo entre a vontade de
prestação de informação e a acessibilidade aos instrumentos de gestão como as demonstrações
financeiras e os relatórios das auditorias aos planos de execução de atividades. Essa
contradição deriva da fraca qualidade das informações contidas nesses documentos, isto é,
não apresentam dados que espelham a situação real sobre a execução orçamentária, nem
articulam os planos e os resultados apresentados de forma detalhada. Na esteira das
insuficiências do sistema de transparência na gestão municipal, o estudo apontou que a
inexistência de mecanismos eletrônicos como o e-governo comprometem os esforços do
aumento dos níveis de transparência na sua gestão.
No concernente ao controle social e participação pública o estudo assinalou que existe
uma preocupação em promover práticas de participação pública na gestão municipal. A
criação dos CCL organizados ao nível dos postos administrativos e dos bairros espelha como
o município tem procurado concretizar esse objetivo. Apesar de serem inovadoras, as
caraterísticas dessas práticas implementadas mostram que não existem procedimentos
padronizados que conduzem o processo de participação, pois, não consideram de forma
142
abrangente a integração dos diversos atores a sociedade civil e do setor privado e,
consequentemente o controle social e a prestação de contas se mostram insuficientes e não
efetivos. Embora existam normas legais que determinam a promoção de práticas de
participação pública, observou-se que a accountability a sociedade é frágil ou quase
inexistente.
Essas deficiências resultam de fatores técnicos e estruturais que envolvem o processo
de controle social desempenhado pela sociedade. Os vários CCL constituídos não possuem
capacidades para lidar com as informações complexas relacionadas com questões
orçamentárias nem estão treinados para conduzir processos de fiscalização das atividades
desenvolvidas pelo município. Há necessidade de se aperfeiçoarem os processos de controle
social através da articulação com organizações representativas que possam exercer um papel
amplo de influência que permita a constituição de debates públicos mais inclusivos sobre a
implementação das políticas públicas municipais.
No que diz respeito ao processo de articulações externas, o estudo identificou que
existe uma tendência de constituição de redes e parcerias dentro da gestão municipal embora,
representem experiências muito recentes e que necessitam de ser aprofundadas. Os grandes
desafios em relação a esta questão são: o fortalecimento da capacidade do município para
lidar com essas novas práticas de gestão pública e a necessidade de as parcerias constituídas
serem mais bem delimitadas e exploradas de modo a beneficiar a melhoria da implementação
das políticas públicas.
A cooperação interorganizacional com o setor privado e as organizações da sociedade
civil no processo de implementação das políticas públicas e prestação de serviços é ainda
reduzida, o que é demonstrado pelo também reduzido número de projetos existentes
constituídos nos últimos três anos no Município de Xai-Xai. Mas, esse cenário mostra como
referido anteriormente o desafio para a continuação de esforços com vistas a uma maior
cooperação entre o município e a sociedade.
Por
fim,
o
estudo
assinalou
como
grandes
problemas
da
articulação
intergovernamental a fraca coordenação entre o município e a esfera do governo provincial no
que diz respeito aos processos de planejamento e implementação de ações de natureza comum
entre as duas esferas governamentais bem como, o retardamento do processo de transferência
de funções e competências da esfera provincial para o município que tem comprometido ainda
mais o processo de partilha de recursos.
143
Ao nível do município e do governo provincial tem se pautado pela tradicional divisão
da estrutura governamental em departamentos o que faz com que quase sempre, as estas
esferas governamentais se fechem em suas práticas particulares, não acessando e nem tendo
como referência para seus respectivos planejamentos, as atividades desenvolvidas por outros
setores dos diferentes níveis de governo, cenário que provoca contradições e redundâncias na
execução das ações.
Dado que a fraca coordenação intergovenamental compromete as ações das políticas
públicas há necessidade de assegurar que as entidades públicas atuem de forma conjunta no
trabalho de elaboração e execução de políticas públicas, de modo a evitar sobreposições e/ou
desarticulação entre as mesmas. O exemplo mencionado sobre os problemas gerados no
processo de construção de salas de aulas mostrou o caráter deficiente das articulações
existentes.
Os mecanismos estabelecidos para a partilha de recursos entre os níveis central e
municipal assim como o sistema tributário local não têm sido suficientes para garantir à
gestão municipal os recursos necessários, seja em termos de repasses ou de arrecadação
própria para a implementação das suas políticas públicas. Neste contexto, as transferências
fiscais realizadas através do FCA não têm correspondido aos limites impostos pelo sistema
tributário, uma situação que foi agravada com a recente redução pelo governo central dos
limites de 1,5% a 3% para apenas 1,5% da arrecadação fiscal para o orçamento do Estado o
que aumenta os desiquilíbrios sobre a arrecadação e repasse de recursos entre as esferas
governamentais.
As receitas fiscais próprias do Município de Xai-Xai são reduzidas e os tributos locais
não permitem cobrir a maior parte dos encargos e responsabilidades do governo municipal
dado a sua frágil base econômica e insuficiências para garantir a sua autonomia financeira e
redução da dependência em relação ao nível central. Mas, compreende-se que o argumento
dos administradores públicos de que as deficiências no funcionamento do município estão
fortemente relacionadas às limitações no processo de transferências fiscais ou de recursos
para financiar as despesas públicas ao nível local é questionável, visto que esse nem sempre é
o principal problema conforme se constatou no estudo. Em diversas áreas, os recursos estão
disponíveis através da arrecadação de receitas próprias do município, mas tem faltado
eficiência na execução orçamentária devido aos problemas de capacidade técnica para
implementar as vária práticas de gestão aqui abordadas, comprometendo-se desta feita os
objetivos da eficácia e da efetividade das políticas publicas municipais.
144
Em suma, pode-se observar que o processo de implementação da reforma
administrativa e a utilização das novas práticas de gestão pública no Município de Xai-Xai
precisa ser aprimorado, de modo a incorporar o conjunto de mecanismos e instrumentos de
gestão identificados no estudo como sendo ainda críticos para se assegurar a construção de
uma administração municipal modernizada, inovadora, flexível e efetiva no alcance de seus
resultados.
Muitas das medidas deverão envolver a continuação da capacitação institucional da
organização, melhorando os recursos humanos, alinhamento dos sistemas de planejamento da
organização com a utilização de mecanismos de avaliação de desempenho e de resultados que
permitirão a criação de bases sólidas para o controle gerencial e social, este último
fundamentado em práticas efetivas de envolvimento e participação pública dos diferentes
atores da sociedade civil e do setor privado em todos os ciclos da formação e implementação
das politicas públicas.
145
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Apêndice – A
RELAÇÃO DOS ENTREVISTADOS NO ESTUDO
RITA MUIANGA
Presidente do Município de Xai-Xai / Realizada: 4 de Janeiro de 2012
ABDUL RASAQUE
Vereador da Área de Atividades Econômicas / Realizada: 14 de Fevereiro de 2012
ARGENTINA SIMBINE
Vereador da Área de Administração e Finanças / Realizada: 16 de Janeiro de 2012
FRANCISCO NHANCHENGO
Vereador da Área dos Transportes e Agricultura / Realizada: 20 de Fevereiro de 2012
ANSELMO SITOE
Vereador da Área dos Serviços Urbanos / Realizada: 14 de Fevereiro de 2012
BREQUIAS TETE
Diretor de Administração e Finanças do Município de Xai-Xai / Realizada: 15 de Fevereiro de
2012
ESPERANÇA LAURA
Chefe de Departamento de Recursos Humanos do Município de Xai-Xai / Realizada: 22 de
Fevereiro de 2012
MAURÍCIO MAHANJANE
Chefe do Departamento de Estudos e Planejamento do Município de Xai-Xai / Realizada: 27
de Fevereiro de 2012
MATIAS PARRUQUE
Presidente da Assembleia Municipal de Xai-Xai / Realizada: 06 de Janeiro de 2012
FELIPE MAHANJANE
Chefe da Bancada na Assembleia Municipal de Xai-Xai / Realizada: 27 de Fevereiro de 2012
ANASTANCIO MATAVEL
Diretor Executivo do Fórum Provincial das Organizações da Sociedade Civil de Gaza –
FONGA / Realizada: 28 de Fevereiro de 2012
INÁCIO MUCAVEL
Oficial de Programas do Fórum Provincial das Organizações da Sociedade Civil de Gaza –
FONGA / Realizada: 28 de Fevereiro de 2012
PAULINO HAMELA
Presidente do Conselho Empresarial Provincial de Gaza – CEP / Realizada: 24 de Fevereiro
de 2012
153
Apêndice – B
Universidade Federal de Pernambuco
Centro de Ciências Sociais Aplicadas
Departamento de Ciências Administrativas
Programa de Pós Graduação em Administração - PROPAD
1 - Identificação do entrevistado(a)
Nome:________________________________________________________________
Cargo/Função:__________________________________________________________
Data:_____/_____/2012
Horas:______H______
Local da entrevista:______________________________________________________
Desde o ano de 2001 vem sendo implementada a Reforma do Setor Público tendo em
vista a introdução de mudanças para a melhoria do funcionamento das instituições
públicas bem como dos serviços prestados aos cidadãos. Os resultados esperados na Fase
II (2006-2011) têm a ver com a eficiência administrativa; a participação das
comunidades no processo de formulação e implementação de politicas públicas; maior
controle e prestação de contas; funcionamento orientado para resultados; avaliação do
desempenho das instituições; realização de auditorias internas e externas e a boa
governança.
2 - Questões a serem respondidas
1. Pode nos dizer como se dá o processo de modernização da gestão e a busca de
qualidade no contexto do Município de Xai-Xai?
154
2. Relativamente à questão do desempenho organizacional, pode nos explicar como tem
sido tratada dentro desta municipalidade?
3. De que forma é garantida aplicação do controle gerencial e responsabilização na
gestão do Município de Xai-Xai?
4. Quais as implicações do controle nas ações, programas e políticas públicas
desenvolvidas na gestão municipal e como este funciona?
5. Em sua opinião qual o significado que se dá a transparência na gestão do Município de
Xai-Xai e quais são as práticas adotadas?
6. De que forma essas práticas garantem a efetividade da transparência dos processos de
gestão nesta municipalidade?
7. Pode nos dizer como se constituem as parcerias entre o Município de Xai-Xai, a
sociedade civil e o setor privado e, como elas se materializam nesta municipalidade?
8. No que diz respeito às articulações e a coordenação intergovernamental pode nos dizer
como ocorrem no processo de gestão do Município de Xai-Xai?
9. De que forma as relações entre as esferas de governo são estabelecidas para responder
as demandas das comunidades locais nesta municipalidade?
10. Pode nos dizer como é garantida a participação pública efetiva da sociedade nas ações
desenvolvidas pelo Município de Xai-Xai?
11. De que forma os atores da sociedade civil, do setor privado e os cidadãos em geral
desempenham o controle social sobre a gestão neste município?
Obrigado pela atenção dispensada.
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um Estudo no Município de Xai-Xai - Ford Foundation International