Especial Um Sonho Possível Baseado em fatos reais, Um Sonho Possível, produção norte-americana dirigida por John Lee Hancock, é um ótimo filme para dar continuidade aos temas dentro do contexto Mídia e sociedade debatidos no site que, geralmente, envolvem preconceito racial, educação, violência doméstica e outros que caminham nesta linha tênue. Um Sonho Possível faz um diálogo interessante com outros escritos nossos, além de trazer um enredo tecido com bastante seriedade, envolvendo temas profundos como etnicidade, educação e literatura. Como vestibulando, você vai perceber ao longo do filme (se já tiver assistido) que não está diante de uma trama perfeita: Um Sonho Possível tem os seus momentos enfadonhos e desnecessários, mas como já dito em outros ensaios, o papel do crítico é justamente esse. Debater-se com a obra e analisá-la de uma ponta a outra, selecionando o que se pode retirar de bom e, consequentemente, encontrando as suas falhas, mostrando distanciamento necessário para assim, sentir-se preparado para realização de uma prova de vestibular com a segurança necessária. Leigh Anne (Sandra Bullock), explicando o “Blind Side (Lado Cego) ao Big Mike. Embaixo, avistando a casa da mãe do garoto num bairro repleto de pobreza, o “lado cego” da sociedade americana. O filme começa com Leigh Anne Touhy (Sandra Bullock, ótima no papel) narrando algumas regras do jogo de futebol americano. Na tv, há cenas do esporte. Sabemos, então, que Michael Oher (Quinton Aaron) é um adolescente negro, que não tem onde morar. Ele recebe a ajuda de Leigh Anne ao encontrá-lo na rua, em plena noite de intenso frio. Michael passa a receber o apoio dos Tuohy, que o trata como se fosse um dos integrantes da família. A partir deste momento, o garoto passa a ser incentivado a alcançar seus sonhos, especialmente quando demonstra ter talento para o futebol americano. Um Sonho Possível é um filme que enaltece a “bondade cristã”, a ascensão social através do esporte e que trata os problemas sociais com delicadeza – maquiando a realidade, o que no cinema da retomada brasileiro, chamaríamos de Cosmética da fome. Lançado pela ensaísta Ivana Bentes, a “cosmética da fome” é uma expressão que representa a fome e a miséria, dentro do panorama do cinema da Retomada, período de novo fôlego das produções nacionais, que estavam em plena decadência no início dos anos 90. Segundo ela, a fome apresentada na “estética da fome” de Glauber Rocha no Cinema novo foi remodelada no cinema da Retomada, que a apresenta de forma lírica, cheia de colorido e maquiagem, como em Deus é brasileiro e Eu Tu Eles. Um Sonho Possível consegue fazer algo de efeito similar: até nos momentos de pura miséria, a trama se apresenta de forma lírica, seja por sua trilha sonora ou pelos planos escolhidos, principalmente nas cenas apresentadas pela atriz Sandra Bullock, numa surpreendente atuação, talvez a melhor da sua carreira, representadas de forma profunda, seja pelo olhar ou por sua performance maternal. Algumas pessoas (uma minoria, na verdade) criticaram o filme por mostrar o esporte como uma forma de ascensão social. Mas não foi isso que pérolas nacionais brilhantes como Linha de Passe, dirigido por Walter Salles, também apresentaram? Ainda neste encalço, alguns alegaram a bandeira dos Estados Unidos, que aparece em alguns momentos-chave do filme como um problema. Vale ressaltar que estamos diante de uma produção americana, que traz alguns temas ditos universais, mas que no frigir dos ovos, vai realmente pender para o lado “nacional” da questão: se fosse no Brasil, a coisa não seria diferente. Nossa belíssima bandeira verde, amarela, azul e branca estaria lá, no ar, pomposa. É preciso estar bastante atento a esse sentimento de pertença para, assim, mostrar-se crítico diante de uma prova de vestibular, ou mais, num bate-papo culto entre amigos. Sabe-se que o imperialismo norte-americano irrita muita gente, portanto, é preciso separar bastante as coisas e analisar determinadas questões com distanciamento. Isso é ser um ser “crítico”. Educação: O preconceito nosso de cada dia e um punhado de literatura Acima, Leig Anne lendo para o filho e o mais novo agregado. Logo abaixo, num momento de “crise”, Big Mike vai receber apoio da sua nova mãe. Michael vai enfrentar preconceito e estranheza ao chegar na sala de aula. Alguns professores mostram-se disponíveis para ajudar no seu crescimento. Outros, nem tanto. Michael é um herói e, em Um Sonho Possível, estamos diante de uma sociedade que necessita de heróis. O pai de Mike se jogou do viaduto. A mãe vive em meio as rédeas com drogas. Crescido num lar desequilibrado, Mike vai conseguir vencer na vida devido ao apoio recebido pela família de Leigh Anne. Um outro ponto positivo é que a trama apresenta personagens que trabalham para ter o lar equilibrado que será apresentado para a sociedade. São ricos, portanto, Leigh Anne é uma profissional bemsucedida, não uma rica mimada, como a personagem Jean Cabot, representada pela mesma atriz (Sandra Bullock) em Crash – No Limite, que ganhou um especial em nosso site, ano passado. A família, vendo o talento do rapaz, vai contratar uma professora particular para ajudar Mike, conhecido por muitos por Big Mike (apelido que o mesmo renega). Sue, professora exemplar vivida pela atriz Kath Bates vai colaborar com o desenvolvimento das atividades intelectuais do rapaz. Vai ser neste encontro que ela indicará a leitura e análise do romance Grandes Esperanças, clássico absoluto de Charles Dickens. Segundo ela, o moço possui muitas características do personagem principal, Pip. Grandes Esperanças, de Charles Dickens, já foi adaptado para os cinemas em diversas ocasiões. Neste cartaz, temos a versão de 1998. Muito popular, vai ser citado no roteiro de Um Sonho Possível, numa ilação coerente com a trama. Grandes Esperanças é considerado por muitos o melhor romance de Dickens, devido ao equilíbrio alcançado ao usar os elementos habituais da sua escrita, conjugando realidade e fantasia, a crítica social ao melodrama e a reflexão sobre o destino humano com o humor e irreverência. A história do livro é bonita e já foi adaptada diversas vezes, seja para televisão ou cinema: trata do órfão Pip que abandona uma vida de miséria e de pobreza. Posteriormente, um benfeitor anônimo oferece-lhe a possibilidade de viver como gentleman. Citado na trama, percebemos as possibilidades de ilação entre enredo literário e cinema, guardada as suas devidas proporções. Etnicidades: panorama dos ainda vitimados pela diáspora africana Antes de nos aprofundarmos neste tópico, vamos aproveitar para fazer um breve panorama do conceito (no senso comum) de diáspora africana, já que o tema é recorrente de outros especiais em nosso site, como Cinema e 11 de setembro, Faça a coisa certa e Preciosa. Um Sonho Possível vai dialogar com O Contador de Historias, de Luiz Villaça. A produção nacional mostra um enredo similar numa perspectiva nacional. Nem todos têm a chance de encontrar uma mão amiga para levantar-lhe e garanti-lhe forças. Caso contrário é o menino Sandro, de Última Parada 174, baseado em fatos reais: entregue à marginalidade, vai acabar envolvido numa tragédia de proporções absurdas. Estudos da Unesco comprovam que a taxa nacional de vítimas de assassinatos na faixa dos 15 aos 24 anos, em duas décadas, passou de 30 (1980) para 52,1 (2000), definidos em grupos de 100 mil, muitos envolvidos com drogas e afins. Vítimas deste efeito diáporico, muitos jovens acabam envolvidos nas drogas por falta de oportunidade, diferente dos casos citados neste especial. Segundo pesquisa, ambientada no roll dos especialistas em Cultura e atualidade da Faculdade de comunicação da Universidade Federal da Bahia, a palavra diáspora foi tomada de empréstimo da experiência da comunidade judia com o objetivo de explicar a dispersão ocorrida com estes povos durante os séculos desde Abraão, um dos profetas judeus. Com a palavra diáspora, os intelectuais e religiosos judeus não só classificaram a dispersão, mas também a identificaram com aquela palavra, um tipo de comunidade que, embora vinculada às tradições da comunidade judaica em Israel, ainda assim preservava um conjunto de características particulares e, ainda, recriavam em muitos aspectos as próprias tradições. Quer dizer que, além de preservarem marcas ancestrais, as comunidades da diáspora judaica recriaram e inventaram tradições como resultante do diálogo entre as diversas culturas envolventes. Nesse caso, com a cultura americana. Ótimos filmes sobre o tema: o primeiro vai mostrar as bases da diáspora africana. O segundo, Crash, vai apresentar o tema numa ótica contemporânea, os tais efeitos pós-diáspora. Sendo assim, o conceito diáspora passou a ser utilizado por religiosos e intelectuais ligados às tradições africanas. Assim, também como os judeus, os descendentes de africanos se espalharam pelo mundo. A diferença é que os descendentes de africanos o fizeram, como resultado da escravidão. Uma vez instalados em quaisquer dos continentes, por mais que as tradições fossem represadas ou aniquiladas, os descendentes de africanos davam início a um processo de criação, invenção e recriação da memória cultural para preservação dos laços mínimos de identidade, cooperação e solidariedade. Tais informações ganham mais força se analisadas junto ao especial sobre o filme “Faça a coisa certa”, publicado no mês passado. Nesta rede de interação, as múltiplas culturas africanas que se espalharam pelo mundo preservaram marcas visíveis dos traços africanos, sendo que, as mais marcantes manifestam-se na música (através da força do ritmo), na dança (através dos movimentos assimétricos), na culinária e nas curas (sabedoria da fauna e flora tropical). A diáspora africana é uma forma atualizada de traduzir a reflexão do pan-africanismo. Esse é um fenômeno que deve ser analisado pelos aspectos: político, ideológico e econômico. Procuramos aprofundar o conceito de diáspora para melhor fazer um panorama de todo preconceito racial que permeia a narrativa de Um Sonho Possível, que mostra personagens que não se preocupam em manter o racismo de forma velada. Segundo a crítica especializada, Um Sonho Possível agrada muitos dos americanos por abordar um enredo que favorece os republicanos e democratas. Sabemos que tais expressões são recorrentes em diversos outros filmes que chegam aos cinemas com bastante intensidade, mas será que você, vestibulando, sabe exatamente o conceito de cada termo? Cinema e política de mãos dadas: conheça o significado de algumas terminologias Leigh Anne em dois momentos: dando ordens, a personagem é forte e matematicamente bem-construída pela atriz Sandra Bullock. Segundo dados da pesquisa para elaboração deste especial, os democratas são adeptos de uma política mais liberal (gestão Clinton e Carter mostram isso), enquanto que os republicanos se utilizam de um conservadorismo forte (Bush e Reagan). Por questões ligadas a recorte, apresentamos características gerais e que dependem de pontos de vista, pois, muitas vezes, eles são bem similares. Dentre eles mesmos existem parcelas partidárias mais ou menos radicais, mais ou menos liberais, que variam muito. De acordo com fontes da história dos Estados Unidos, o Partido Republicano foi criado em 1854 em oposição à escravidão. Desenvolveu-se rapidamente e conquistou pela primeira vez a Casa Branca com a eleição de Abraham Lincoln, que provocou a Guerra de Sucessão. O GOP dominou a política americana desde então até a grande depressão dos anos 30. Depois da Segunda Guerra Mundial, esteve à frente do combate ao comunismo, em especial durante o período conhecido como McCarthismo. Com o fim da Guerra Fria, uma nova onda conservadora tomou conta do partido, cuja base eleitoral se estendeu do nordeste moderado até o sul e oeste. O eleitor típico do Partido Republicano é branco, religioso, favorável ao capitalismo e às reduções de impostos. No campo social, defende políticas conservadoras de defesa da família, opõe-se ao casamento entre homossexuais ou ao financiamento de abortos com recursos públicos. Vale ressaltar que este especial não exala opinião em relação ao “certo” e “errado” dentro do perfil dos personagens. As informações contidas neste tópico não são de cunho crítico, apenas prezam pela informação completa e coesa, visando não deixar termos soltos, sem explicação mais detalhada. O filme é considerado “queridinho” para os Democratas e Republicanos. A bandeira dos Estados Unidos causa ojeriza em alguns, o que pode resultar em análise equivocada de filmes e outras informações. Partido Democrata está mais bem representado nas grandes cidades de ambos litorais dos Estados Unidos, particularmente na Califórnia e Nova York, e em especial entre as minorias. Em 2000, nove de cada dez negros americanos e dois de cada três hispanos votaram nele. Cerca de 30% dos eleitores se definem como democratas. Aproximadamente 36% dos eleitores se consideram independentes. Um Sonho Possível e outros temas possíveis Cena do filme em que todos estão integrados por uma causa: o esporte. O título do filme seria fincando no original, The Blind Side, ou seja, O Lado Cego, visto que a distribuidora nacional visava maior lucro em seu lançamento, alegando Um Sonho Possível como título mais atrativo. Independente disso, a trama não perde em nada. Fazendo referência direta com o título original, o tal lado cego citado na trama, além de ser uma tática do esporte da linha narrativa de Um Sonho Possível, também é uma metáfora para o outro lado da sociedade americana, o lado que ninguém enxerga, repleto de pobreza e miséria, que os ricos não conhecem, ou preferem não conhecer. Em 2005, Willian Fisher lançou um artigo interessante, comentando que o ditado "os ricos enriquecem e os pobres empobrecem" costuma ser usado para ilustrar a situação dos países em desenvolvimento, mas que naquele período, descreve o panorama econômico dos Estados Unidos, a única superpotência mundial. Segundo ele, os últimos estudos do Escritório de Censos dos Estados Unidos a esse respeito refletem, segundo muitos economistas, o impacto negativo da "sociedade de proprietários", uma plataforma programática proposta à população pelo presidente George W. Bush. O esquema se caracteriza pela redução de impostos ao investimento de capital, à poupança e à privatização da previdência social. A tendência regressiva ficou evidente em todos os lares norte-americanos pelas imagens mostradas pela televisão de desesperadas vítimas do furacão Katrina no sudeste do país, cuja esmagadora maioria é de pobres e negros. Não é preciso ir muito longe para discutir o assunto: em tempos de tragédias no Haiti, por exemplo, as celebridades americanas disputavam os melhores vestidos e colares em cerimônias como Globo de Ouro, Grammy e SAG Awards. Do outro, elas mesmas recolhiam donativos e dinheiro para ajudar as vítimas de tal tragédia. Mesmo cheia de contradições, a sociedade norteamericana apresenta um manancial de acontecimentos que merecem uma reflexão mais profunda. Cabe a você, depois da leitura deste especial, iniciar sua reflexão perante estes mecanismos, visando aguçar o seu senso crítico e, como já dito anteriormente, analisar o que lê e vê de forma distanciada, fugindo dos equívocos e excessos, ganhando uma postura acadêmica séria antes mesmo de adentrar na Universidade. Pense nisso e esteja atento aos próximos especiais. O filme em 6 momentos Acho que aquela escola precisa de um pouco de cor ! Ao encontrar estranheza e preconceitos na escola, Mike, inicialmente, vai se mostrar capisbaixo, sendo guiado sempre pelo otimismo de Leigh Anne e sua família. Você sabe que há um menino de cor em seu cartão? Ao enviar um cartão de natal para as amigas, Leigh Anne vai ser vítima de zombaria destas, apontando para a cor do rapaz. Você viu o Teesy minúsculo ao lado dele? Como a Jessica Lange e o King Kong… Complemento do trecho anterior. As amigas, durante um jantar, vão comparar Mike ao gorila King Kong, da versão clássica de 1978, estrelada por Jane Fonda. Eu vejo gente branca por toda parte: chão branco, paredes brancas e gente branca! Mais um devaneio do rapaz, que passa a viver numa redoma de pessoas brancas cheias de preconceito. “Não mãe, ele está mudando a minha vida!” Numa conversa com a mãe, Leigh Anne escuta tal frase. Ela retoma a conversa e explica à sua mãe que na verdade, quem está mudando a vida dela é o rapaz, Mike, uma experiência inavadora para ela e, consequentemente, a família. “Por que você não escreve sobre Grandes Esperanças? Você é parecido com Pip… quero dizer, ele era pobre e orfão e alguém o encontrou…” Momento em que o roteiro faz uma ilação com o romance clássico de Charlees Dickens.