RELATÓRIO PARCIAL SÓCIO-ANTROPOLÓGICO SOBRE A OCUPAÇÃO DO HIP HOP, DA GRAFITAGEM E DA PICHAÇÃO EM BELO HORIZONTE, INVESTIGANDO A VIOLAÇÃO/EFETIVAÇÃO DO DIREITO À CIDADE. Relatório parcial do Projeto Internacional de Pesquisa Cidade e Alteridade, iniciativa conjunta da UFMG, da UFV, da UI e do CES/UC, sob a Coordenação Geral da Professora Dra. Miracy Barbosa de Sousa Gustin e do Prof. Dr. Boaventura de Sousa Santos, apresentado à Coordenação de Inclusão e Mobilização Sociais do MPMG. Núcleo temático Cultura de Rua. Pesquisadores do Núcleo: Ana Beatriz V. Mendes, Ludmilla Z. Andrade, Mariana F. Gontijo, Guilherme Abu-Jamra, Guilherme M. D. Debbio, Eduardo Faria, Guilherme C. M. F. Guimarães, Amanda C. P. Santos e Pedro Virgílio. Belo Horizonte Maio de 2013 PROJETO INTERNACIONAL DE PESQUISA CIDADE E ALTERIDADE Convivência Multicultural e Justiça Urbana Coordenação Geral Profa. Dra. Miracy Barbosa de Sousa Gustin Prof. Dr. Boaventura de Sousa Santos Coordenação de gestão e planejamento Aline Rose Barbosa Pereira Fernanda de Lazari Cardoso Mundim Marisa Lacerda Coordenação de sub-eixos Aderval Costa Filho Adriana Goulart de Sena Orsini Ana Beatriz Vianna Mendes Ana Flávia Santos Eloy Pereira Lemos Iara Menezes Lima Gregório Assagra de Almeida Miracy Barbosa de Sousa Gustin Márcia Helena Batista Corrêa da Costa Rennan Lanna Martins Mafra Orientadores de campo Ana Paula Santos Diniz Carla Beatriz Marques Rocha e Mucci Gabriela de Freitas Figueiredo Rocha Luana Xavier Pinto Coelho Ludmilla Zago Andrade Mariana Fernandes Gontijo Raquel Portugal Nunes Ricardo Alexandre Pereira de Oliveira Pesquisadores Ana Carolina Rodrigues Ana Flávia Brugnara Ana Flávia Nogueira Ana Luiza Rocha de Melo Santos Clênio de Sousa Rodrigues Dilson Nascimento Evandro Alair Camargos Alves Lilian Nássara Chequer Lívia Mara de Resende Lucélia de Sena Alves Marcela Müller Maria Antonieta Gonçalves dos Santos Patrícia Rodrigues Rosa Paula Cançado 2 Fábio André Diniz Merladet Fernando Nogueira Martins Júnior Grazielly de Oliveira Spínolla Isabella Gonçalves Miranda Paulo Alves Lins Raíssa de Oliveira Murta Raquel Letícia Soares Martins Estudantes Ananda Martins Carvalho Juliana da Silva Rosa Bárbara de Moraes Rezende Lívia Bastos Lages Bruno Menezes Andrade Guimarães Nayara Rodrigues Medrado Cátia Meire Resende Patrícia Dias de Sousa Gislaine Alves Rodrigues Pedro de Aguiar Marques Guilherme Abu-Jamra Rayanna Fernandes de Souza Oliveira Guilherme Mendonça Del Debbio Regiane Valentim Leite Humberto Francisco F. C. M. Filpi Thaís Lopes Santana Isaías João Pedro Lima de Guimarães Vargas Yuri Alexandre dos Santos Equipe responsável pelo relatório: Pesquisa e redação: Núcleo Cultura de Rua Coordenadora: Profa. Dra. Ana Beatriz Vianna Mendes Orientadores de Campo: Dra. Ludmilla Zago Andrade Ms. Mariana Fernandes Gontijo Pesquisadores: Guilherme Mendonça Del Debbio Guilherme Abu-Jamra 3 SUMÁRIO CAPÍTULO 1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS 6 CAPÍTULO 2. ARCABOUÇO TEÓRICO-METODOLÓGICO 10 2.1. Abordagem etnográfica 10 2.2 O conceito de cidade, de cultura e de Estado 14 2.3 A cidade como lócus da ordem e da potência 20 CAPÍTULO 3. O GRAFFITI 26 3.1 O graffiti como inscrição do indivíduo na cidade 34 CAPÍTULO 4. O PIXO 37 4.1. Relato das conversas com os pixadores 39 4.2. Pixo, autoria e identidade 42 4.3. A experiência com o pixo no trabalho das Medidas Socioeducativas 46 CAPÍTULO 5. O GRAFFITI E A PIXAÇÃO: EMBATES COM O DIREITO 51 5.1. Primeiro relatório de campo: grafitti, pixação e Estado 52 5.2. Segundo relatório de campo: o graffiti como cultura 64 5.3. Reflexões sobre a cultura da pixação e o direito formal 69 CAPÍTULO 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS: INSCRIÇÕES NOS MUROS, DEMOCRACIA E DIREITO À CIDADE 73 4 CAPÍTULO 7. EPÍLOGO FOTOGRÁFICO DOS MUROS DO ENTORNO DO DUELO DE MCS: INTERAÇÕES ENTRE PIXO E GRAFFITI 78 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 89 ANEXOS 99 Roteiro semi-estruturado aplicado aos graffitiiros 99 Roteiro semi-estruturado a ser aplicado aos pixadores 101 Lei 12.408/11: 102 Transcrição de algumas frases pixadas pela cidade: 103 5 CAPÍTULO 1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS O foco do presente relatório gira em torno de concepções de direito à cidade a partir de alguns grupos e indivíduos que aqui definimos como “atores da cultura de rua”, a saber: pichadores e grafiteiros. Com efeito, embora muitos outros atores possam ser também investigados sob esta categoria ampla e inclusiva, “cultura de rua” – a ser melhor definida no próximo capítulo –, a equipe centrou seus objetivos nos atores citados por questões de interesse pessoal dos pesquisadores e por considerar que eles permitem o aprofundamento de algumas questões específicas de grande relevância para compreender a pluralidade de sujeitos, e, em especial, a pluralidade desses sujeitos, que dialogam com o acesso e o direito à cidade. Isso implica em compreender as complexas questões identitárias que os aproxima e os distancia e como eles se identificam. Dentre elas, de modo mais específico, o diálogo desses atores com o poder público. A partir da investigação feita junto a esses atores da cultura de rua e buscando compreender as perspectivas deles próprios, entende-se o aparato estatal, como apenas um dos elementos que constituem esses indivíduos e grupos enquanto tais, e cuja importância tem variações em graus diversos que vão da ordem do indivíduo à conformação de aspectos mais categóricos de grupos. Ou seja, ainda que em termos legais haja uma definição aparentemente clara entre pixadores e grafiteiros, conforme discussão jurídica feita especialmente no quinto capítulo, os próprios grafiteiros e pixadores se concebem de formas variadas em relação ao Estado, àquilo entendido como legal e ao que é ilegal, à ‘ordem’ e à ‘desordem’, sugerindo relativizar as fronteiras que dividem e identificam esses atores. O presente relatório é fruto de investigações que foram realizadas por equipe interdisciplinar1, aproximadamente desde o segundo semestre de 2010, na cidade de Belo 1 A equipe é composta por um aluno de graduação em Ciências Sociais (Guilherme Abu-Jamra); um psicólogo (Guilherme del Debbio); uma mestre em Direito (Mariana Gontijo); uma doutora em Literatura e psicanalista (Ludmilla Zago) e uma doutora em Antropologia (Ana Beatriz Vianna Mendes), que é a coordenadora do sub-eixo. 6 Horizonte. Vale destacar, entretanto, as especificidades da atuação dos pesquisadores, que têm inserções distintas – em termos temporais, espaciais e funcionais – em relação ao campo de investigação. Há resultados preliminares de incursão realizada por um dos integrantes da equipe na cidade de Porto (Portugal), onde o mesmo realiza intercâmbio estudantil2. Os resultados de suas observações complementam-se àqueles já obtidos por ele após mais de um ano de pesquisas em Belo Horizonte, permitindo a comparação dos dados das duas cidades nos temas por ele trabalhados (especialmente o graffiti). Além disso, ao longo da pesquisa, uma das integrantes do projeto defendeu sua dissertação de mestrado em Direito, na Universidade Federal de Minas Gerais3. Alguns dos resultados de sua dissertação também compõem os resultados parciais aqui apresentados. Há, ainda, um dos integrantes da pesquisa que traz uma análise das observações que fez durante sua atuação como técnico da Prefeitura de Belo Horizonte para definição de medidas socioeducativas de prestação de serviço à comunidade4, junto a crianças e adolescentes que cometeram o ato infracional do pixo. E, finalmente, duas das pesquisadoras têm atuado de forma bastante intensa como mediadoras e têm assessorado os atores estudados em direção ao seu empoderamento5. Desta forma, deve-se reconhecer a construção do conhecimento aqui apresentado a partir da diversidade de olhares lançada sobre os atores estudados, que são também diversos e cuja constituição identitária é complexa. É justamente a riqueza dos olhares lançados sobre esses atores plurais que permite considerar de forma mais ampla e diversificada aspectos que estão envolvidos na relação desses grupos e indivíduos entre si e com o poder público e o direito à cidade. 2 Trata-se de Guilherme Abu-Jamra, que chegou em Porto em agosto de 2012, através do programa Ciência sem fronteiras, e lá permanecerá até agosto de 2013. 3 GONTIJO, Mariana Fernandes. O direito das ruas: as culturas do graffiti e do hip hop como constituintes do patrimônio cultural brasileiro. 2012, 88f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais, 2012. 4 Conforme preconizado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069, de 1990), a ser melhor descrito no sub-item 4.3. 5 Mariana Gontijo tem acompanhado como advogada dos réus, às vezes em parceria com a Divisão de Assistência Judiciária – DAJ, da Faculdade de Direito da UFMG, alguns casos de processos judiciais envolvendo pixo. Tem também assessorado a “Família de Rua”, que é o coletivo que organiza o duelo de MCs a constituir o Estatuto Cultural. Ludmilla Zago tem proposto, a partir de sua atuação na organização não governamental Pacto e de demandas da Família de Rua, discussões sobre o uso e ocupação do espaço onde ocorre o duelo de MCs – embaixo do Viaduto Santa Teresa. São reuniões quinzenais chamadas de “Real da Rua”. 7 Cabem ainda alguns comentários relativos à grafia utilizada no presente relatório. Etimologicamente, ‘pichação’ remete a ‘piche’, “substância negra, resinosa, muito pegajosa, obtida da destilação do alcatrão ou da terebintina”, do inglês pith. (CUNHA, 2007). O termo ‘grafite’, por outro lado, tem sua raiz etimológica fundamentada no termo grego grapheín, designando “escrever, descrever, desenhar” (Cunha, 2007). Neste sentido, grafite abarcaria tanto o que hoje reconhecemos genericamente no Brasil como ‘picho’ quanto o que reconhecemos como grafite. Por outro lado, do ponto de vista do vocabulário6, ainda que com raízes etimológicas distintas, pichar e grafitar remetem, no sentido que aqui interessa, ‘a inscrições, assinaturas ou desenhos feitos em muros ou paredes’. Ou seja, são termos praticamente indistintos. No Brasil, entretanto, histórica e sociologicamente, convencionou-se distinguir entre pichar e grafitar. E essa distinção está referida e foi reconhecida pelo aparato jurídico brasileiro e certamente tem algum tipo de respaldo sociológico. O presente relatório, embora não seja um estudo etimológico, pretende contribuir para compreender as razões desta distinção a partir de análise socioantropológica dos grupos que praticam essas ações, bem como a partir da interpretação das normas e atuações do poder público na cidade de Belo Horizonte diante destes atos. Trata-se, não obstante, de um relatório preliminar. Conforme nos alerta Sahlins (2003), os significados das categorias sociais sempre correm riscos empíricos, pois são sempre mediados: Qualquer uso real de um signo em referência, seja por uma pessoa, seja por um grupo, emprega apenas uma parte, uma pequena fração, do sentido coletivo. Afora as influências do contexto, essa divisão do trabalho significativo é, de um modo geral, função das diferenças de experiência social e dos interesses entre as pessoas. (...) Agindo a partir de perspectivas diferentes e com poderes sociais diversos para a objetivação de suas interpretações, as pessoas chegam a diferentes conclusões e as sociedades elaboram os consensos, cada qual a sua maneira. A comunicação social é um risco tão grande quanto as referências materiais” (SAHLINS, 2003: 10. Grifos nossos). 6 Conforme consulta feita ao Dicionário eletrônico Priberam, que consideramos como uma fonte atualizada e de amplo acesso a informações sobre palavras, pichar assume três sentidos: “1. Aplicar piche ou pez a. 2. Escrever ou desenhar em grandes superfícies como muros ou paredes. 3. (Brasil, Informal) Dizer mal de. = escarnecer, espinafrar, maldizer”. Grafitar, por sua vez, remete ao sentido da palavra francesa graphite, que diz respeito ao “carvão mineral que é usado para escrever ou desenhar”; e ao sentido italiano da palavra graffito, que diz respeito à “técnica de incisão com ponta em superfície dura” e, no Brasil, remete a “Desenho, inscrição, assinatura ou afim, feito com tinta, geralmente de spray, feito em muros, paredes e outras superfícies urbanas”. Disponível em: http://www.priberam.pt. Acessado em 18/05/2013. 8 Assim, ainda no terreno das questões envolvendo grafia, e partindo dos resultados parciais já atingidos, opta-se aqui por utilizar ‘pixo’ – e seus derivados: pixação, pixador, etc. O estranhamento causado por este tipo de grafia remete ao contexto mais amplo de exclusão experienciado por parte da população que se reconhece como pixadora: A pixação é, neste sentido, a assinatura compulsiva de um direito à cidade. Um abaixo-assinado, às vezes surdo, às vezes cego, pleno de erros, analfabeto, precário em sua retórica, mas que, em sua forma e conteúdo, sinaliza um retrato em negativo da verdade quanto ao espaço – e nosso modo de percebê-lo – nas sociedades urbanas. Espaço atravessado, estraçalhado, pela exclusão social 7 (Tiburi) Mesmo que em termos jurídicos e gramaticais tenha se convencionado utilizar a grafia ‘picho’ – o que se reflete, de um modo geral, na bibliografia científica produzida sobre o tema –, no presente relatório priorizamos explicitar graficamente o aspecto transgressor do pixo. Esta opção está ancorada também em aspectos estéticos: A revolta geral da sociedade contemporânea contra a pichação se ampara na hipótese de seu caráter violento. Usarei a expressão pixação, com X, para tentar tocar no X da questão. A estética da brancura ou do liso dos muros, hegemônica em uma sociedade que preserva o ideal da limpeza estética, dificulta outras leituras do fenômeno da pixação. O excessivo amor pela lisura dos muros, a sacralização que faz da pixação demônio, revela enquanto esconde uma estética da fachada (Tiburi)8. Em certo sentido, a partir das concepções de alguns atores que se reconhecem como grafiteiros, há também entre eles, a contestação dessa estética de fachada e seria coerente estender a subversão gráfica que fazemos com relação ao ‘pixo’ também a eles. Mas vale ressaltar que classificação desses grupos, o poder de nomeação dos mesmos é também algo que está em debate. E o fato de eles se afirmarem grafiteiros e transgressores, deve ser considerado seriamente. Os homens em seus projetos práticos e em seus arranjos sociais, informados por significados de coisas e de pessoas, submetem as categorias culturais a riscos empíricos. Na medida em que o simbólico é, deste modo, pragmático, o sistema é, no tempo, a síntese da reprodução e da variação (SAHLINS, 2003: 9. Grifos nossos). 7 TIBURI, Marcia. 135. Disponível 22/02/2013. 8 TIBURI, Marcia. 135. Disponível 22/02/2013. “Pensamento Pixação - Para questionar a estética da fachada”. Revista Cult Uol, Edição em: http://revistacult.uol.com.br/home/2010/03/pensamento-pixacao/. Acessado em: “Pensamento Pixação - Para questionar a estética da fachada”. Revista Cult Uol, Edição em: http://revistacult.uol.com.br/home/2010/03/pensamento-pixacao/. Acessado em: 9 Trata-se, portanto, de considerar os aspectos de autoclassificação e atribuição de sentidos por parte desses atores de cultura de rua, mais do que atribuir às suas categorias sentidos nossos. Do ponto de vista da bibliografia sobre o tema, a grafia tem comumente variado entre ‘graffiti’ e ‘grafite’, sendo o segundo termo empregado mais genericamente também em outros contextos (leis, reportagens, dicionários). Optamos aqui por utilizar o termo ‘graffiti’, pois é como boa parte dos grafiteiros usa o termo. Quanto à distinção entre graffiti e pixo é preciso atentar ao fato de que: “classificar consiste nos atos de incluir e excluir. Cada ato nomeador divide o mundo em dois: entidades que respondem ao nome e todo o resto que não. Certas entidades podem ser incluídas numa classe – tornar-se uma classe – apenas na medida em que outras entidades são excluídas, deixadas de fora. Invariavelmente tal operação de inclusão/exclusão é um ato de violência perpetrado contra o mundo e requer o suporte de uma certa dose de coerção” (BAUMAN, 1999:11). A antropologia fornece ferramentas pertinentes para compreender os sentidos dados pelos outros às coisas, conforme será trabalhado no próximo capítulo, que discute o arcabouço teórico-metodológico da pesquisa. Na sequencia, no terceiro capítulo, a ênfase é na pesquisa feita por Guilherme Abu-Jamra e Mariana Gontijo sobre o graffiti. No quarto capítulo, seguem os relatos e reflexões suscitadas a partir da pesquisa com os pixadores, por parte de Ludmilla Zago e Guilherme Del Debbio. No quinto capítulo são feitas análises densas sobre processos envolvendo o poder público e os atores enfocados, por Mariana Gontijo. No sexto capítulo, são tecidas algumas considerações finais. E, finalmente, no sétimo capítulo, Ludmilla convida o leitor, com um ensaio fotográfico a perceber a interação entre pixo e graffiti numa situação específica. CAPÍTULO 2. ARCABOUÇO TEÓRICO-METODOLÓGICO 2.1. Abordagem etnográfica Toma-se como premissa que reconhecer as manifestações dos sujeitos sociais na e da cidade, suas diversas formas de ocupação, uso e expressão cultural, para além das formalizações, implica entender e valorizar o uso e a democratização da própria cidade, 10 além de propiciar o questionamento da imposição e do predomínio do sentido absoluto da mercantilização sobre a mesma (SANTOS, 2009; LEFEBVRE, 2001, 2006; VAINER, 2000; BOURDIEU, 2001). Trata-se aqui, portanto, de dar visibilidade e reconhecimento a formas de vivência e expressão na cidade que, via de regra, são marginalizadas. Vale ressaltar que o embasamento teórico-metodológico da pesquisa, apresentado nesse capítulo, tem grandes semelhanças com o que foi usado na tese da Coordenadora do sub-eixo da Cultura de Rua (Mendes, 2009). A antropologia de um modo geral tem como objeto de estudo a alteridade. A partir do convívio intenso e de um olhar e ouvir treinados que permitam obter o que os antropólogos chamam de 'modelo nativo’ (OLIVEIRA, 2000: 22), busca-se compreender os sentidos atribuídos pelos mais diversos grupos às mais variadas coisas do mundo. A ideia é que o ‘nativo’ amplie a percepção do antropólogo. Como disse Mariza Peirano: “notoriamente preocupada com a peculiaridade do objeto de pesquisa, a antropologia talvez seja, dentre as ciências sociais, paradoxalmente, a mais artesanal e a mais ambiciosa: ao submeter conceitos preestabelecidos à experiência de contextos diferentes e particulares, ela procura dissecar e examinar, para então analisar a adequação de tais conceitos” (Peirano, 1995: 15). É muito frequente, neste processo, que ocorra um desarranjo dos pressupostos de pesquisa (QUEIROZ, 1991; WAGNER, 2010; OLIVEIRA, 2000; DAMATTA, 1978; CARDOSO, 2000; GEERTZ, 1973). “A atitude hermenêutica supõe uma tomada de consciência com relação às nossas opiniões e preconceitos que, ao qualificá-los como tais, retira-lhes o caráter extremado. É ao realizarmos tal atitude que damos ao texto a possibilidade de aparecer em sua diferença e de manifestar a sua verdade própria em contraste com as ideias preconcebidas que lhe impúnhamos antecipadamente”. (Gadamer, 1998:64). Clifford Geertz (1973), apoiado na leitura do filósofo francês Paul Ricoeur, afirma que a sociedade (ou cultura) pode ser interpretada como um texto, com a aplicação dos métodos interpretativistas da hermenêutica. A hermenêutica aparece como método privilegiado para as ciências humanas em geral, e para a antropologia em particular, pois pressupõe uma apreensão da realidade relacional – e não absoluta. Assim, “a hermenêutica deve partir do fato de que compreender é estar em relação, a um só tempo, com a coisa mesma que se manifesta através da tradição e com uma tradição de onde a ‘coisa’ possa me falar. Por outro lado, aquele que efetua uma compreensão hermenêutica deve se dar conta de que a nossa relação com ‘as 11 coisas’ não é uma relação que ‘ocorra naturalmente’, sem criar problemas. Precisamente sobre a tensão que existe entre a ‘familiaridade’ e o caráter ‘estranho’ da mensagem que nos é transmitida pela tradição é que fundamos a tarefa hermenêutica. (...) No que se refere ao caráter a um só tempo ‘familiar’ e ‘estranho’ das mensagens históricas, a hermenêutica reivindica uma ‘posição mediadora’. O intérprete encontra-se suspenso entre o seu pertencimento a uma tradição e a sua distância com relação aos objetos que constituem o tema de suas pesquisas”. (Gadamer, 1998:67). Segundo Roberto Cardoso de Oliveira (2000), ao ir a campo, o olhar do antropólogo deve estar domesticado teoricamente, pois o objeto que pretendemos estudar já foi moldado pelo esquema conceitual da disciplina. Este esquema conceitual "funciona como uma espécie de prisma por meio do qual a realidade observada sofre um processo de refração" (Oliveira, 2000:19) e forma nossa maneira de ver a realidade. Mas é preciso estar atento a como se posicionar em relação ao entrevistado: “No ato de ouvir o informante, o etnólogo exerce um poder extraordinário sobre o mesmo, ainda que pretenda posicionar-se como observador o mais neutro possível, como pretende o objetivismo mais radical. Esse poder, subjacente às relações humanas - que autores como Foucault jamais se cansaram de denunciar - já na relação pesquisador/informante desempenhará uma função profundamente empobrecedora do ato cognitivo: as perguntas feitas em busca de respostas pontuais lado a lado da autoridade de quem as faz - com ou sem autoritarismo criam um campo ilusório de interação. A rigor, não há verdadeira interação entre nativo e pesquisador, porquanto na utilização daquele como informante, o etnólogo não cria condições de efetivo diálogo. A relação não é dialógica. Ao passo que, transformando esse informante em 'interlocutor', uma nova modalidade de relacionamento pode - e deve - ter lugar” (Oliveira, 2000:23). A partir do momento em que se percebe isto - e este é um esforço declarado dos hermeneutas ou "interpretativistas" - o trabalho de campo, que exigia praticamente um simples "estar lá", de forma neutralizada para entrevistar e observar os nativos, cai em desuso. Supõe agora um ver e ouvir muito mais dialógicos, em que pese um esforço para compreender o sentido que o nativo sustenta enquanto seu interlocutor e, como tal, este se esforce também por ouvir o que o antropólogo tem a dizer. Para citar Roberto Cardoso novamente, a relação dialógica permite que os horizontes semânticos em confronto abram-se um ao outro, e se transformem em um "encontro etnográfico": Cria-se, então, um espaço semântico compartilhado por ambos interlocutores, graças ao qual pode ocorrer aquela 'fusão de horizontes' - como os hermeneutas chamariam este espaço. Mas para isso é preciso que o pesquisador tenha a habilidade de ouvir o nativo e por ele ser igualmente ouvido, encetando formalmente um diálogo entre 12 'iguais', sem receio de estar, assim, contaminando o discurso do nativo com elementos de seu próprio discurso. Mesmo porque, acreditar ser possível a neutralidade absoluta, é apenas viver em uma ilusão (Oliveira, 2000:24). Ainda sob esse aspecto, há que se destacar que "o campo te obriga na Antropologia. [...] Eu não faço o que quero, eu faço o que posso" (Amaral, apud Vagner 2000:31). Por isso, o resultado deste trabalho é sem dúvida parcial e marcado por esta idiossincrasia – que, ademais, todos os trabalhos etnográficos devem comportar: a de serem fruto de situações e interações específicas, com pessoas específicas, e em contextos também característicos. “’A realidade etnográfica é construída ativamente, para não dizer inventada (Dumont 1978:66). Escrever um texto autenticamente antropológico não é apresentar uma realidade absoluta, mas dar forma a dois tipos de atividades convencionais (entre conversas, traduzir palavras faladas em palavras escritas), e, portanto, escrever a realidade social. A verdade do relato antropológico é, como na formulação de Wagner, que antropólogos inventam a cultura para seus informantes: ela é o que eles imaginam ser uma explicação plausível do que se entende que os informantes geralmente estão fazendo” (Rapport & Overing, 2000:305)9. Deve-se depreender de toda essa discussão que, embora os pesquisadores deste sub-eixo não sejam, em sua maioria, antropólogos e não tenham feito, stricto sensu, etnografia sobre esses atores, as indicações metodológicas para o desenvolvimento das pesquisas caminharam nesta direção. Assim, os relatos aqui apresentados seguiram esses pressupostos metodológicos para obtenção do conhecimento sobre o objeto investigado. Portanto, neste relatório são apresentados relatos específicos, produzidos, explicitamente por cada pesquisador e sua relação com o campo, conforme se depreenderá da leitura do capítulo. O fato de terem sido incluídos dessa forma neste relatório parcial, entretanto, não significa que o grupo não esteja de acordo com as ideias expressas pelos relatos individuais de cada um. Ao contrário. Indica que os 9 Livre tradução do texto: “’Ethnographic reality is actively constructed, not to say invented’ (Dumont 1978:66). To write an authentic anthropological text is less to represent an absolute reality than to fabricate a fit of a particular generic kind between two types of conventional activity (exchanging spoken words and arranging written words), and hence to write social reality. The truth of anthropological account, as Wagner´s celebrated formulation, is that anthropologists invent a culture for their informants: here is what they imagine to be a plausible explanation of what they understand them generally to have been doing” (Rapport & Overing, 2000:305). 13 pesquisadores reconhecem a pluralidade de vozes sobre os temas tratados e que endossam a legitimidade desses relatos, plurais, sobre os temas tratados. Cabe mencionar também que além de levantamento e análise bibliográfica relativa aos temas que são objeto desta pesquisa, o grupo realizou reuniões com uma frequência média mensal para discutir e trazer relatos sobre as observações feitas por cada um dos pesquisadores, discutir referências bibliográficas e encaminhar questões diversas. Além desses encontros, eventualmente alguns pesquisadores realizaram atividades de pesquisa de campo conjuntas. Mas, de um modo geral, cada pesquisador estabeleceu relações específicas com os indivíduos e grupos investigados e os relatos aqui apresentados refletem essa condição. De um modo geral, todos realizaram entrevistas semiestruturadas, observação participante, registro em caderno de campo, conversas informais e registros fotográficos como técnicas de pesquisa. Questões metodológicas mais específicas, quando for o caso, serão explicitadas quando da apresentação do respectivo relato. Todos os nomes de pixadores foram substituídos por nomes fictícios. No caso de outros atores da cultura de rua, cuja ação não é criminalizada, os nomes verdadeiros foram mantidos. 2.2. O conceito de cidade, de cultura e de Estado A partir da abordagem teórica proposta por Lefebvre (2001, 2006) para compreender a cidade, esta pesquisa situa-se na investigação da inter-relação entre o espaço abstrato e o espaço social. Segundo esse autor, espaço abstrato é o que se impõe como norma e se estabelece em institucionalidades determinadas pelo Estado e pelo aparato de reprodução da lógica socioespacial hegemônica. Por outro lado, o espaço social representa a dinâmica da vida na cidade, as múltiplas formas de apropriação e de vitalidade dos espaços, e as possibilidades do fazer social no cotidiano. Refletindo, portanto, de um lado, sobre os aparatos administrativo, jurídico e institucional que definem as liberdades, os direitos e os deveres em relação ao Estado e ao cidadão para com a cidade; e de outro, a realidade fática dos diversos usos e apropriações que ocorrem na cidade – à revelia, em conformidade ou a despeito de todo o aparato estatal –, esta pesquisa busca investigar as formas de subversão, de parte a parte, com a ordem estabelecida. Ou seja, tanto os agentes públicos que representam o 14 Estado gestor da cidade, quanto dos diversos grupos de cultura de rua como atores que ocupam, criam e vivenciam a cidade. Trata-se de abordar, portanto, o diálogo, às vezes mais direto, mas muitas vezes implícito, entre o que está no universo das leis e o que ocorre na prática em relação ao direito à cidade. Entretanto, a abordagem teórico-metodológica com relação ao universo jurídico, formal e oficial não difere completamente da que é feita com relação ao universo da ‘prática em relação ao direito à cidade’. Há, ao contrário, pontos em comum bastante significativos. Tanto no universo das leis e atos do poder público quanto no universo sociológico dos atores da cultura de rua há, em alguma medida, subversão entre o que existe em termos normativos (sejam esses formalizados pelo Estado, ou pelos grupos sociais, são objeto de estudo deste trabalho) e o que ocorre na prática. Ou seja, em ambos os casos, existe, de um lado, o modelo ideal e, de outro, a ação real dos sujeitos. Aquele risco que as categorias sociais correm na realidade empírica (Sahlins, 2003), por exemplo, é também ele, de forma específica, compartilhado a partir de uma análise sobre raciocínio jurídico de que se reveste o sistema judiciário do Estado brasileiro. Eduardo Couture10 tem posicionamento bastante eloquente com relação ao papel criativo e democrático da interpretação das normas jurídicas: “[...] é verdade que, em cada atitude interpretativa, existe um pressuposto, ou, como se disse, um substrato filosófico. Interpretar é, ainda que inconscientemente, tomar partido por uma concepção do Direito, o que significa dizer, por uma concepção de mundo e da vida. Interpretar é dar vida a uma norma. Esta é uma simples proposição hipotética de uma conduta futura. Assim sendo, é um objeto ideal, invisível (já que o texto escrito é a representação da norma, mas não a própria norma) e susceptível de ser percebido pelo raciocínio e pela intuição. O raciocínio e a intuição, todavia, pertencem a um determinado homem e, por isso, estão prenhes de subjetivismo. Todo intérprete é, embora não o queira, um filósofo e um político da lei” (COUTURE, 1956:23). Joaquim Gomes Canotilho, por seu turno, ressalta que o direito criado pelos juízes, a partir das normas de decisão dos casos concretos, “constitui um dos momentos mais significativos da pluralização das fontes de direito” (CANOTILHO, 2003: 705). Além disso, 10 Este autor foi citado por Alexandre Corrêa Leite, juiz de direito, para fundamentar sua decisão de indeferimento à liminar de reintegração de posse requerida por parte de proprietários que tiveram suas terras invadidas por integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra no Estado do Pará (Autos n°5018/03). COUTURE, Eduardo. Interpretação das Leis Processuais. Max Limonad (1956:23). A decisão está disponível no site: < http://www.incra.gov.br/arquivos/0269700270.pdf>, acessado em 26/01/2009. 15 acrescenta que “o direito constitucional é um direito ‘vivo’, é um ‘direito em ação’ e não apenas um ‘direito nos livros’”. A esta assertiva relaciona-se, em segundo lugar, o fato de que tanto os processos sociais, quanto o aparato jurídico das sociedades têm historicidade, pois são marcados pelas mudanças “dos carecimentos e dos interesses, das classes no poder, dos meios disponíveis para a realização dos mesmos, das transformações técnicas, etc.” (BOBBIO, 1992: 18). De modo que direitos que eram absolutos no final do século XVIII, como o direito à propriedade, nas declarações contemporâneas, sofreram radicais limitações. Ou, para usar as palavras de Norberto Bobbio, “os direitos não nascem todos de uma vez. Nascem quando devem ou podem nascer” (BOBBIO, 1992: 6): “O desenvolvimento dos direitos do homem passou por três fases: num primeiro momento, afirmaram-se os direitos de liberdade, isto é, todos aqueles direitos que tendem a limitar o poder do Estado e a reservar para o indivíduo, ou para os grupos particulares uma esfera de liberdade em relação ao Estado; num segundo momento, foram propugnados os direitos políticos, os quais – concebendo a liberdade não apenas negativamente, como não-impedimento, mas positivamente, como autonomia – tiveram como consequência a participação cada vez mais ampla, generalizada e frequente dos membros de uma comunidade no poder político (ou liberdade no Estado); finalmente, foram proclamados os direitos sociais, que expressam o amadurecimento de novas exigências – podemos mesmo dizer, de novos valores –, como os do bem-estar e da igualdade não apenas formal, e que poderíamos chamar de liberdade através ou por meio do Estado” (BOBBIO, 1992: 32, 33. Grifos conforme o original). Disso decorre que, finalmente, e em terceiro lugar, pode-se tomar como ponto de partida que o Estado Moderno, tanto quanto o sistema jurídico que lhe serve de fundamento e esteio são entes morais, posto que “cabe-lhes a tarefa de inculcar nos indivíduos os padrões de conduta, os costumes e valores da sociedade em que vivem” (CHAUÍ, 2006: 340). Nos termos de Davis (1973:10), o direito constitui uma forma específica de ideologia social, pois “é uma linguagem através da qual as sociedades culturalmente expressam conceitos de direitos e deveres legais entre os homens”. Foucault é mais crítico, mas segue na mesma linha ao afirmar que “o sistema do direito, o campo judiciário são canais permanentes de relações de dominação e técnicas de sujeição polimorfas. O direito deve ser visto como um procedimento de sujeição, que ele desencadeia, e não como uma legitimidade a ser estabelecida” (FOUCAULT, 1979: 182). 16 Assim, as ações dos atores de cultura de rua aqui enfocadas, situam-se entre constrições de éticas normativas impostas pelo Estado e seu aparato jurídico – também ele, histórico e constituído como um campo de disputas; e éticas locais, baseadas na razão, na vontade e nas paixões de sujeitos éticos com vista à felicidade (CHAUÍ: 2006: 340). Por sujeitos éticos se compreende seres racionais e conscientes que sabem o que fazem, livres para decidir e escolher o que fazem, e responsáveis pelo que fazem (CHAUÍ: 2006: 340). Segundo Marilena Chauí: “a ação ética só é virtuosa se for livre e só será livre se for autônoma, isto é, se resultar de uma decisão interior ao próprio agente e não vier da obediência a uma ordem, a um comando ou a uma pressão externos. Como a palavra autonomia indica, é autônomo aquele que é capaz de dar a si mesmo as regras e normas de sua ação” (Idem, 341). Vale ressaltar que referida razão dos sujeitos éticos deve ser vista de uma perspectiva singular, condizente com os termos de autonomia e liberdade referidos pelo próprio agente, e não vindos – unicamente – de uma instância superior e inquestionável. Evidentemente, ela insere-se em instâncias diversificadas que impõem, acolhem, escamoteiam e subsumem suas prerrogativas, o que significa que os sujeitos éticos estão a todo o momento fadados a negociar suas aspirações com os demais sujeitos éticos e instâncias reguladoras da sociedade. A pesquisa sobre os sujeitos que manifestam suas linguagens culturais nas ruas possibilita o entendimento das percepções desses atores sobre suas condições de vida, sobre seus anseios, sinalizando possíveis formas de intervenção capazes de romper com certa lógica homogeneizadora que desqualifica a vida plural e impede o exercício do direito à cidade aos marginalizados que nela vivem, atuam e dela constroem sua sobrevivência e suas formas de interações múltiplas. Michel Agier, antropólogo francês, sugere uma abordagem interessante para aplicar ao estudo da cidade ênfase nos atores e suas agências: “(...) duas operações de ordem epistemológica [são] necessárias para uma antropologia da cidade, considerada como aplicação de uma antropologia social e simbólica dos espaços contemporâneos: primeiro, deslocar o ponto de vista da cidade para os citadinos (...); em segundo lugar, deslocar a própria problemática do objeto para o sujeito, da questão sobre o que é a cidade – uma essência inatingível e normativa – para a pergunta sobre o que faz a cidade. O próprio ser da cidade surge, então, não como um dado mas como um processos, humano e vivo, cuja complexidade é a própria matéria da observação, das interpretações e das práticas de ‘fazer a cidade’” (Agier, 2011: 38-9). 17 Vale mencionar que em 1980, Ulf Hannerz propõe tomar as cidades como “lugares estratégicos para pensar a cultura em termos de uma organização da diversidade” (Hannerz, 1980: 199). Para entender a “cultura de rua” a partir da agência dos atores aqui enfocados, parte-se ideia de que: [...] em vez de comparar culturas que operariam como sistemas preexistentes e compactos, com inércias que o populismo celebra e a boa vontade etnográfica admira por causa da sua resistência, trata-se de prestar atenção às misturas e aos mal-entendidos que vinculam os grupos. Para entender cada grupo, deve-se descrever como se apropria dos produtos materiais e simbólicos alheios e os reinterpreta. [...] Naturalmente, não só as misturas: também as barreiras que se entrincheiram. (CANCLINI, 2007, p. 24) Essa abordagem permite, inclusive, tomar os atores como construtores de cultura e não apenas como reprodutores de regras sociais pré-existentes – como quando se destaca sua potencialidade em colocar as categorias sociais em risco. Neste sentido, é apropriado afirmar, como sugere Becker (2008) que o que é considerado como normal e o que é considerado como desviante numa dada situação implica na compreensão da relação entre empreendedores morais (que podem ser os ‘criadores de regras’ e os ‘impositores de regras’) e os que são enquadrados como desviantes. Mas é possível igualmente considerar que, da perspectiva dos ‘outsiders’, os outros é que são desviantes. Como será possível vislumbrar especialmente no próximo capítulo, entre grafiteiros há divergências sobre o que seja realmente a atitude do graffiti; assim como entre pixadores, também há divergências entre o que é de fato ‘pela ordem’ 11 na prática do pixo. Assim, a perspectiva de cultura adotada neste relatório pressupõe, conforme afirma Nestor Garcia Canclini, que enfatizar a: [...] incomensurabilidade, incompatibilidade e intradutibilidade das culturas, como diz Seyla Benhabib, nos desvia das negociações epistêmicas e morais, muito sutis que ocorrem entre culturas, dentro das culturas, entre indivíduos e também dentro dos indivíduos mesmos, ao lidar com a discrepância, a ambigüidade, a discordância e o conflito (CANCLINI, 2007, p. 19). Canclini sugere alterar a ênfase na cultura em si, para o cultural (como relação de sentido entre grupos). Ou seja, afirma que a compreensão da cultura deve situar-se justamente na interação entre culturas, além de entre os indivíduos que se afirmam como 11 Trata-se de termo local que designa a atitude legítima, adequada e honrada, reconhecida pelo grupo, que se deve ter em relação à prática do pixo ou do grafite. 18 participantes de tais ou quais culturas. Neste sentido, os procedimentos de pesquisa aqui adotados implicam em tomar as entrevistas realizadas como opiniões que dialogam ao mesmo tempo com uma ideia de grupo e com a própria definição do sujeito. Utilizando os termos de Becker, pode-se afirmar que elas permitem interpretar em que medida os atores de cultura de rua são impositores de regras, seguidores de regras ou criadores de regras. Essa perspectiva é coerente com a análise situacional proposta por Van Velsen (1987). Segundo o autor, esta análise: “Se refere à coleta efetuada pelo etnógrafo de um tipo especial de informações detalhadas. Mas isto também implica o modo específico em que esta informação é usada na análise, sobretudo a tentativa de incorporar o conflito como sendo ‘normal’ em lugar de parte ‘anormal’ do processo social” (Velsen, 1987, p. 345). Busca-se, assim, encontrar “regularidades nas irregularidades”. A análise do modo como as pessoas convivem com as suas normas, muitas vezes conflitantes entre si, “demanda não somente o registro e a apresentação dos ‘imponderáveis da vida real’ (Malinowski, 1922:18), mas também um relato coordenado das ações de indivíduo específicos” (ibid., p. 360). Ou seja, “normas e regras gerais de conduta são traduzidas em prática: estas são, em última análise, manipuladas por indivíduos em situações específicas para servirem a fins específicos” (ibid., p. 355). A última distinção importante a ser feita em relação ao termo cultura aqui utilizado para se referir à ‘cultura de rua’ aqui estudada diz respeito à diferença entre o que Roy Wagner, na obra A invenção da cultura12, chama de sentido geral, antropológico da palavra cultura; e o sentido restrito, marcado, que ele nomeia de sentido “sala de ópera”. Esse sentido marcado, segundo o autor13, encarna um ideal de refinamento, e é o sentido que usamos para lidar com os centros culturais, museus e corporificações que representam as mais altas representações das atividades humanas, as quais são preservadas, ensinadas e ampliadas. Diferentemente, no sentido antropológico, o conceito de “cultura” pode ser ampliado, podendo-se encontrar modos de vida e pensamento completamente distintos do que estamos acostumados na restrita noção de “cultura”. 12 WAGNER, Roy. A invenção da cultura. Tradução Marcela Coelho de Souza e Alexandre Morales. São Paulo: Cosac Naify, 2010, p. 53-72. 13 Ibid. 19 A palavra “cultura”, aqui, é usada majoritariamente no sentido abstrato e amplo descrito pelo autor, embora implique também considerações no âmbito do sentido ‘marcado’ de cultura, como se verá ao longo do relatório. No caso das culturas de rua aqui enfocadas, destaca-se a relação marginal que alguns sujeitos parecem querer manter em relação ao sistema, mas que a outros é menos relevante em termos de constituição identitária individual e de grupo. Para compreender o que se quer afirmar por sistema, introduz-se o no próximo subitem pesquisa e reflexão elaborada por um dos integrantes do sub-eixo, que permite introduzir reflexões que situam de forma mais ampla a inscrição desses diversos atores na ideia de ordem que surge desde o Iluminismo como fundadora e condição de sobrevivência da cidade moderna. 2.3 A cidade como lócus da ordem e da potência14 “A solidão do mundo se reflete nas ruas Mesmo estando vazia, ainda há vida nas ruas” Shawlin, Funkero & Zé Bolin – Ruas Vazias É notória e extensa a discussão sobre os mecanismos simbólicos e físicos de controle do Estado e da autoridade sobre as práticas urbanas, sejam elas específicas ou cotidianas. Igualmente clara é a relação dos processos de adaptação do capitalismo com estes mecanismos de acordo com a confluência de interesses e da cada vez maior inserção do capital privado no processo de decisão política, e inúmeros são os exemplos que corroboram e/ou trazem novas luzes a essa temática. O que se pretende, aqui, é analisar práticas urbanas – graffiti e pixação -, através de uma abordagem socioantropológica, relacionando-a com estes processos de controle estatal e do capital, de absorção e adaptação (antropofagia pura) das práticas que nascem e crescem na margem da legalidade, por meio de lógicas morais próprias e estímulos que muitas vezes transcendem a abordagem positivista e racional tradicional da vida humana. Discutir o “modo de vida urbano”, o conceito de “cidadão” e o cotidiano na cidade é discutir a ordenação do comportamento, dos caminhos e das práticas em diferentes níveis dentro do espaço urbano. 14 Relatório produzido por Guilherme Abu-Jamra, graduando em Ciências Sociais (UFMG) e integrante do Subeixo Cultura de Rua. 20 A modernidade e o modernismo têm sua contextualização histórica relacionadas à Ilustração, que por sua vez remonta ao século XVIII. A Ilustração seria o que Habermas denomina “projeto da modernidade”, um “extraordinario esfuerzo intelectual por parte de los pensadores de la Ilustración [...] La idea era utilizar la acumulación de conocimientos generada por muchos individuos que trabajaban libre e creativamente, en función de la emancipación humana y el enriquecimiento de la vida cotidiana” (Harvey, 1998, p. 27). Este “lado” é, sem dúvida, mais difundido e integrado na própria definição que se tem da modernidade. A busca pelo racionalismo, um vetor comum de desenvolvimento e progresso, um rumo único para a humanidade, demandaria, assim, soluções também universais para problemas universais da humanidade universalmente conectada. A ciência positivista e o domínio científico da natureza, aqui, adquirem papel protagonista: sua “função” é trabalhar pelo progresso contínuo e retilíneo desta humanidade una. O projeto modernista de cidade e planejamento urbano, representados classicamente por figuras como Le Corbusier, trabalha através de concepções funcionalistas do pensamento da cidade, traduzidos em modelos retilíneos e divisões zonais mono funcionais do espaço. Contextualizados no pós Segunda Guerra, tais pensadores e planejadores adotavam uma profunda preocupação “por la racionalización de las pautas espaciales y los sistemas de circulación de manera de promover la igualdad (por lo menos de oportunidades), el bienestar social y el crecimiento economico” (ibid., p. 88). Esta preocupação refletia uma concepção funcional do espaço, uma construção determinista do “onde” e do “por que” na vida urbana, através de agentes de planejamento e do Estado; diz respeito ao “segundo lado” da formulação de Baudelaire sobre a arte15. Há uma passagem de um texto introdutório à famosa Carta de Atenas (documento central para o urbanismo moderno, fruto do IV Congresso Internacional de Arquitetura Moderna, realizado em Atenas em 193316), onde Le Corbusier sintetiza o que seria a diretriz do pensamento sobre o urbano: “O urbanismo é a ordenação dos diversos lugares e locais que devem abrigar o desenvolvimento da vida humana em seus aspectos materiais, sentimentais e espirituais, em todas suas manifestações, individuais e coletivas. Abarca tanto as aglomerações urbanas como os agrupamentos rurais. Já não pode estar submetido a um esteticismo gratuito. Por sua própria essência é funcional. As três funções fundamentais pelas quais deve velar o urbanismo são: 1º habitar. 2º 15 “La modernidad es lo efímero, lo veloz, lo contigente; es una de las dos mitades del arte, mientras que la otra es lo eterno y lo inmutable” (Baudelaire, 1863 apud. Harvey, 1998, p. 25). 16 Disponível em: < http://portal.iphan.gov.br/portal/baixaFcdAnexo.do?id=233 > Acessado em 09/04/2013. 21 trabalhar. 3º recrear-se. Seus objetivos são: a) a ocupação do solo, b) a organização da circulação e c) a legislação”. No posterior texto da Carta de Atenas, fica claro o enfoque dado à questão espacial na formação social da cidade. O manifesto defende a divisão zonal da cidade de acordo com as funções a serem desempenhadas por cada região, “com o objetivo de atribuir a cada função e a cada indivíduo seu justo lugar” (Carta de Atenas, p. 8). A cidade deve ser planejada de acordo com a formação topográfica do terreno, e a partir daí pensar novas maneiras de formulação do espaço para continuar o trabalho que a natureza topográfica começou – o ditame da formação social nos espaços urbanos. Toda a crítica da Carta de Atenas cai sobre o “crescimento desenfreado das cidades”, que culmina em moradias insalubres e doenças, condições precárias de convivência e circulação, formação dos subúrbios – “O subúrbio é um erro urbanístico, disseminado por todo o universo e levado a suas consequências extremas na América. Ele se constitui em um dos grandes males do século” (ibid., p. 10) -, e etc. Sendo assim, surge como proposição a problemas característicos desta época de transição. As soluções postuladas são guiadas pela lógica que guia também o positivismo jurídico, por exemplo. Várias consequências surgem destes postulados, justificando políticas de gentrificação e despejo praticadas nas regiões centrais das grandes cidades. Todos eles conectados a uma concepção de ordem urbana intimamente ligada ao sentido visual. É este o ponto que importa aqui. Há uma busca por soluções globais para problemas que teoricamente também seriam globais na constituição do espaço urbano. Toda a expressão iluminista racional, atravessada pelo darwinismo social e por uma concepção una do ser humano, características centrais do que chamamos de modernidade, conectam-se intimamente com o pensamento urbano modernista. O transporte, o trabalho, o lazer e o lar organizamse racionalmente de acordo com as funções pré-estabelecidas para os espaços, de maneira a tentar otimizar o “rendimento”, o fluxo de uma cidade. As ruas, assim, são apenas o espaço físico por onde o transporte realiza-se, local que deve ser evitado, palco de “desgraças” (ibid.). Uma cidade, portanto, só funciona se houver ordem. A política, “entidade” organizadora da vida social, “necessária” para a existência social, funda-se na ordem e na coerção (Maffesoli, 2005). Esta se legitima na luta contra a multiplicidade, contra o politeísmo inimigo da unidade, do caminho racional e único rumo ao progresso, a única 22 linha da história. Mas não se deve, entretanto, refletir em termos maniqueístas. O Estado forma-se de distintos movimentos, afluentes ou contraditórios, “resultante[s] de uma multiplicidade de engrenagens e de focos que se situam a um nível completamente diferente, e que constituem, em si mesmos, uma ‘microfísica do poder’” (Deleuze, 1998, p. 48) mas que, enquanto processo, resulta também em consequências mais “universais”. Manuel Delgado traz um esquema que consegue fugir das dicotomias classicamente trabalhadas entre Estado e sociedade, sugerindo uma divisão tripla entre a polis (o espaço político), a cidade (o espaço coletivo) e a urbe (o espaço público); este último seria o espaço das potencialidades, o urbano que nunca chega a seu final, nunca chega a uma conclusão, mas é um processo constante e incontrolável. Os esforços “direcionamse” para a conversão de toda essa incerteza e potência – a urbanidade – em politização, ou seja, “en asunción del arbitrio del Estado sobre la confusión y los esquemas paradójicos que organizan la ciudad” (Delgado, 2008, p. 195). “Esboça-se sob os nossos olhos uma disposição em tons diversos. Um deslizamento progressivo e ao final das contas bastante nebuloso que vai da coação à razão dominadora e totalizante, passando pela moral e por certa forma de lógica. Mas ainda que com tonalidades diferentes, todas essas atitudes repousam essencialmente ao mesmo tempo sobre a preocupação com a perfeição e com a unidade. De maneira mais ou menos consciente, trata-se de frear a confusão e a desordem, de reabsorver a anarquia da vida; em suma, substituir o politeísmo dos valores pelo monoteísmo do utilitarismo [...] Daí a imposição de certa lógica dialética, que pretende ultrapassar todo o “não-lógico” do qual está repleta a vida social. Claro, nessa perspectiva não pode ser considerado como lógico o que não responder à injunção do útil, do projetível, do sério” (ibid., p. 43). A ordem, no entanto, é um conceito que invariavelmente conecta-se com o de autoridade, estando este também totalmente ligado à ideia de legitimidade. Uma lógica de autoridade – a racionalidade monoteísta, legítima/legitimada, através de mecanismos simbólicos e físicos de ação, determina a configuração da ordem vigente, seja através da moral ou através da lei – isso quando conseguimos separar a moral da lei. Torna-se, assim, “óbvio” e natural o que é socialmente construído. Isto porque as formas de conhecimento válidas são determinadas por limites – no caso, relativos à racionalidade positivista. Para ir além de tais limites, é necessário primeiro enxergá-los. “La necesidad de realidad se refiere al mundo como riqueza potencial que desafía al controlo organizado, riqueza gnoseológica que está sometida a una racionalidad diferente que la del conocimiento científico. Como se ha afirmado, confundir cultura con un tipo de racionalidad lleva a reducir la realidad a un tipo particular de conocimiento, y a que la ciencia se identifique con un tipo particular de conocimiento” (Zemelman, 1998, p. 40). 23 O que Hugo Zemelman explicita, aqui, é o processo de condicionamento da realidade a partir de pré definições teórico-metodológicas paradigmáticas de classificação e de análise, em vez de buscar categorias que consigam analisar a realidade enquanto potência. A luta, então, seria para conseguirmos “[...] colocarnos ante lo inédito antes de lanzar nuestras redes para atrapar la realidad con significaciones predefinidas” (ibid., p. 42). Tais redes de significação e aprisionamento da realidade em categorias pré definidas fazem-se visíveis na ordenação moral e legal, que relacionam-se invariavelmente com a construção capitalista e disciplinar do Estado moderno. Não há como dissociar tais núcleos de ordenação da realidade na formação de um pensamento crítico e propositivo. “No es que pensemos sólo en la crítica de Husserl al objectivismo de las ciencias naturales, o en Benjamin cuando recuerda que la historia como pasado es una selección de realidades, sino que en la significación profunda que tiene hablar de sociedades tecnológicas y de comunicación, que privilegian, por sobre lo que es verdadero, lo que en una acepción amplia puede definirse como posible de funcionar” (ibid., p. 70). Assim, a construção social da realidade faz-se baseada em certos valores pré estabelecidos, ou seja, em relações de poder. A constituição da ordem conecta-se com a relação de poder que se faz presente – e necessária – para tal. Deleuze mostra que a ordem, porém, não vem de “cima para baixo”, “como se fora atributo do seu poder transcendente, mas é solicitado pelos mais humildes, pelos parentes, vizinhos [...] A ordem régia surge, pois, aqui, como antepassado daquilo a que nós chamamos ‘internamento voluntário’ em psiquiatria. É que, longe de se exercer numa esfera geral ou apropriada, a relação de poder insere-se por toda parte onde haja singularidades” (Deleuze, 1998, p. 5051). Ou seja, para além de uma ideologização, há aqui uma “produção do real”, produção da norma - “normalização”. As relações de poder são produtoras da nossa vida social em amplo sentido, e portanto encontram-se em todos os pontos, micro e macro sociológicos da análise, bem como em todos os sentidos – ainda assim, admite-se a existência de “centros locais” de poder-saber, que agem como “elemento central” na rede produtora do poder. Desconstrói-se a ideia do poder maquiavélico, mas não dispensa-se a intencionalidade – ainda que “inconsciente” – por trás da sua produção. Cria-se, assim, o que chamamos de disciplina, imposta em última instância por “nós sobre nós” – afinal, apenas com a disciplina a sociedade pode funcionar. Ou seja, antes de destruir ímpetos e potencialidades, as relações de poder produzem as normas que funcionam como nossos 24 ímpetos e nossa potência. A disciplina não combate o “negativo”, mas valoriza e desenvolve o positivo – a produtividade, as aptidões, a utilidade. Assim, anteriormente a uma ordenação institucional, há a dita moral, por onde funda-se a autoridade. Juan Carlos Villegas traz um questionamento interessante logo no título de sua obra: há obrigação moral de obedecer ao direito? Em sua tese, explicita que a partir do reconhecimento de critérios que sejam referências para a formação da autoridade por parte da comunidade – ou por parte dos encarregados de administrar a justiça – fornecemos um sentido normativo ao que era sustentado somente pela força moral do grupo. “Esta práctica que consiste en el reconocimiento de un criterio de autoridad marca el paso del mundo prejurídico (o del nivel de la simple presión social) al mundo jurídico. Dicha regla de reconocimiento es tanto un hecho, se constata socialmente, como una norma, cuya racionalidad consiste en indicar las prácticas que serán guías para los ciudadanos.” (Villegas, 1996, p. 35). A obediência ao direito não é, por si só, uma obrigação moral – ou não deveria ser. Afinal, “puesto que la existencia del derecho es, ante todo, un ‘hecho’ social, que adquiere carácter normativo a través de las distintas formas del poder, no se puede decir que el Derecho, por ser Derecho, entrañe uma obligación moral cuando estos mecanismos de poder pueden responder a intereses muy distintos a los que fundamentaron la necesidad natural de su constitución” (ibid., p. 38). Mas é inegável que este dever natural de obediência às instituições defendida pelos filósofos jusnaturalistas do direito traz consequências num plano sociológico e cotidiano de formação da moral, uma vez que a autoridade das instituições para com a construção e conformação da vida social já existe e é reforçada justamente pelos mecanismos que lhes foram confiados. A disciplina racional não poderia desenvolver-se sem o que se denomina o panoptismo, ou seja, a introdução da vida social dentro de um estado permanente e consciente de visibilidade, que assegura o funcionamento automático do poder, e, consequentemente, da sociedade racional. O poder panóptico “É um tipo de implantação dos corpos no espaço, de distribuição dos indivíduos em relação mútua, de organização hierárquica, de disposição dos centros e dos canais de poder, de definição de seus instrumentos e de modos de intervenção” (Foucault, 1998, p. 170). O “mérito” reside no fato de que tal imposição do poder produz uma ordem subjetiva necessária ao funcionamento da sociedade. Deste modo, não faz sentido 25 alguém pintar as paredes de uma cidade, pois não é algo que acrescente objetivamente à conformação da ordem, e, portanto, não ajuda a sociedade a funcionar. Pelo contrário: questionar um espaço para pintar na cidade coloca em xeque toda a ideologia da maneira pela qual a vida social “obviamente” funciona. CAPÍTULO 3. O GRAFFITI17 “Tem arte no vandalismo, vandalismo na arte Algo real e comum; vejo em toda parte” (Irmãos De Tinta – Jamés Ventura) O que se discute é a relação existente dentro do universo do graffiti entre legalidade e legitimidade. O que é o graffiti legítimo aos olhos de quem o pratica? E aos olhos de quem o enxerga na paisagem urbana? Como a ética e a estética, dentro da discussão sobre o graffiti, estão em constante debate e diálogo – sempre muito bem separadas? Afinal, poder (controle) e potência (possibilidade) são mesmo retas paralelas sem possibilidade de encontro? Existem extensos e notórios trabalhos sobre a história do graffiti enquanto fenômeno social inerente à vida humana, que acompanha toda a história registrada de nossa vida – seja através de documentação escrita, seja através de registros arqueológicos. Não é objetivo aqui repetir todo este trajeto, mas partir de uma constatação: o graffiti é um fenômeno extenso e que existe, hoje, em praticamente qualquer conglomeração humana. Toda a discussão que aqui se propõe não vai de encontro às motivações por trás da prática do graffiti, mas foca-se no que vem após a sua existência. Não importa tanto a intenção, mas o ato em si e quais pontos ele afeta. A questão que se formula, então, é: quais as bases filosóficas que sustentam o caráter transgressivo do graffiti? Ou, reformulando a questão, quais paradigmas éticos, morais e sociológicos são diretamente questionados pela prática do graffiti? Foi colocado que, afinal, há um efeito bola de neve existente na legitimação do poder de certas instituições, com base numa moral anterior, em busca do que seria justo e razoável para a vida em sociedade. A reprodução desta moral, que legitima o poder e sua institucionalização, é diretamente afetada pelos mecanismos simbólicos e físicos de 17 Relato produzido por Guilherme Abu-Jamra. 26 coerção social dominados por tais instituições. Mais uma vez, vale ressaltar que não há aqui um sentimento maniqueísta com relação à formação do Estado, mas que é inegável a existência de um processo ideológico de construção das relações de poder, em última instância auto reproduzido. A ideia que forma-se do que “é possível e necessário para a cidade funcionar” tem um caráter ideológico, mesmo que se construa para além de qualquer intencionalidade individual aparente. Buscando referência mais uma vez em Foucault, quando este coloca que o poder, antes de reprimir, produz o que é real, tudo fica mais claro. É óbvio que o graffiti é prejudicial para uma cidade que se diz limpa, e a repressão parte da polícia não apenas por receberem ordens superiores, mas porque o graffiti é agressivo, é crime – não importa por que. Mais uma vez, duB traz um interessante relato, quando conta que vez ou outra, teve que correr não da polícia, mas de civis que queriam agredi-lo por sua prática (relato colhido pelo autor em 21/01/2013). Pessoas que se sentem no direito e também no dever de reprimir tal prática criminosa, que traz um prejuízo coletivo para a vida social como um todo. Prejuízo, pois constitui um dano ao patrimônio, como expressado através da imprensa pelo presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Rio, enquanto acompanhava uma das ações de limpeza e pintura de muros com graffitis realizadas pela Câmara18. Em meados de janeiro de 2013 essas ações são apoiadas por estudantes voluntários, que participam da limpeza/pintura de tais muros “degradados”. Como dito por Rui Rio na mesma oportunidade, “O turismo do Porto está tendo um crescimento enorme, e em uma altura em que o turismo é fundamental para nossa economia, eu acho que é nossa obrigação ter a cidade apresentável”. Há um paralelo claro entre esta política de atuação da Câmara Municipal do Porto e o Movimento Respeito Por BH. Esta ação, promovida pela prefeitura de Belo Horizonte num esforço conjunto de todos os órgãos da instituição, teve início em 2010. De acordo com o website da prefeitura, “O Movimento Respeito por BH é parte integrante do plano de governo do Prefeito de Belo Horizonte, Marcio Lacerda, BH Metas e Resultados e visa “garantir o ordenamento e a correta utilização do espaço urbano, através do cumprimento e efetiva aplicação da legislação vigente". O movimento busca organizar o espaço urbano, de forma colaborativa e democrática, fazendo valer as recentes modificações incorporadas ao Código de Posturas do município entre outras legislações e, em especial, aquelas que se referem ao meio-ambiente, ao 18 TV Porto, 21 de março de 2013. Disponível em http://tv.cm-porto.pt/arquivo/ambiente/rui-rio-acompanhabrigada-anti-grafito acessado em 26/03/2013. 27 direito à paisagem e à LEI Nº. 10.059, sancionada pelo Prefeito em 28 de dezembro de 2010. Os esforços empreendidos pelo Movimento Respeito por BH baseiam-se na Teoria das Janelas Quebradas, que é resultado de estudos iniciados em 1969, na Universidade de Stanford (EUA), constatando que a ocorrência de delitos é maior nas zonas onde o descuido, a sujidade, a desordem e o maltrato são maiores.”19 Este clássico estudo foi a base, também, da Política de Tolerância Zero empreendida em Nova Iorque no ano de 1994. Trata-se de um estudo que “[...] teve por base uma experiência executada por um psicólogo americano, Philip Zimbardo. Philip deixou um carro estacionado em um bairro de classe alta na cidade de Palo Alto, Califórnia. Na primeira semana, o veículo permaneceu intacto. Contudo, após ter uma de suas janelas quebradas, após poucas horas o automóvel estava completamente danificado, tendo sido após furtado por 20 marginais locais.” Esses estudos fizeram diminuir a relação de causalidade, antes óbvia, entre a criminalidade e aspectos biológicos e/ou contextuais, fortalecendo a ideia de que um delito atrai o outro, ou de que um pequeno delito não reprimido irá desembocar em crimes maiores. Parte-se, assim, de um pressuposto de que a moral e a lei são sempre constantes e inalteráveis – afinal, da mesma maneira que um vidro quebrado de um carro, a pixação/o graffiti desautorizado constrói a imagem do abandono e da falta de ordem. Há aqui uma relação com princípios éticos de organização das nossas condutas. Pode-se dizer que nossa ordenação jurídica baseia-se em valores éticos oriundos de diferentes tradições do pensamento moral. O utilitarismo clássico, o utilitarismo das regras e o imperativo categórico de Kant são alguns dos pontos básicos de partida para a formulação de nossos valores morais intrínsecos e de nossas leis instituídas. A vida social organiza-se, assim, com base em modelos racionais de classificação moral. Enquanto sujeitos racionais plenamente conscientes de nossas ações, temos estas passíveis de juízos morais; tais juízos têm que “se apoiar em boas razões – se é verdade que devemos (ou não devemos) fazer tal ou tal coisa, então tem de existir uma razão pela qual devemos (ou não devemos) fazê-la”; além disso, “quaisquer considerações que aceitemos 19 Disponível em: <http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/contents.do?evento=conteudo&idConteudo=47907&chPlc=47907&view busca=s >. Acessado em 09/04/2013. 20 Fonte: < http://jus.com.br/revista/texto/18690/broken-windows-theory-ou-teoria-das-janelas-quebradas > Acessado em 09/04/2013 28 como razões num dado caso temos também de aceitar como razões noutros casos” (Rachels, 2004, p. 185); exprime-se, aqui, a ideia fundamental do imperativo categórico de Kant: “Age apenas segundo aquela máxima que possas ao mesmo tempo desejar que se torne lei universal”. Com isto, James Rachels mostra no pensamento de Kant a base da ideia de que nossas ações têm que possuir uma intencionalidade favorável à felicidade e prosperidade da vida social. Qualquer ação que possa visar outro fim está em desacordo com esta regra básica. O que se questiona é como se define tal fim e se é possível um fim único. Há também o ponto estético da argumentação. A cidade deixa de ser apresentável ao turismo por estar degradada, feia, e a fala do presidente Rui Rio explicita a íntima conexão que ele faz entre estas características negativas e a presença do graffiti. Por ser uma prática não autorizada, sua existência traria a impressão de situarmo-nos diante de um espaço abandonado, sem vigilância ou cuidado constante. Aqui, confunde-se a argumentação puramente estética e o que se pode chamar de construção visual do sentido de ordem. A percepção sensorial é um elemento cultural, bem como um processo físico; sendo assim, transmite valores culturais, possui valores simbólicos e está conectada a outras práticas e dinâmicas culturais – é contextual. Dentro do contexto urbano ocidental, a visualidade tem valoração especial (Classen, 1997, p. 401). A partir deste entendimento, percebe-se, primeiro, como a questão estética conecta-se com a ética e com o contexto racional moderno, e também como o graffiti questiona a ordem do “Estado” através da quebra de tal ordem visual. Todas as outras formas de comunicação visual autorizadas nos muros e paredes das cidades – especialmente publicidades de lojas e tendas – não trazem o mesmo referencial negativo, pelo fato de serem autorizados e constituírem uma linguagem legítima no contexto urbano. Dessa maneira, constituem um significante com significado legítimo. Segundo Ricardo Campos, antropólogo e pesquisador do graffiti em Portugal, “Não existe um consenso total sobre o sentido daquilo que se exibe diante dos nossos olhares [...] Isto não invalida a existência de uma gramática cultural relativamente consensual, colectivamente ratificada e entendida como válida, aprendida ao longo da nossa socialização no seio de um determinado ambiente cultural” (Campos, 2010, p. 115). Isto aponta para a diferenciação clara que é feita entre o pixo e o graffiti no contexto brasileiro, ou entre as tags – forma de graffiti simples, que funciona como uma assinatura do artista (imagem 1) – e os graffitis mais elaborados, com mais cores, que 29 talvez possam passar algum significado mais claro. Os graffitis mais elaborados vêm sendo socialmente aceitos, mesmo em contextos ilegais, muito em função da discussão que se trava por sua relação com o mundo da arte e sua absorção pelo mercado. Já a pixação e as tags são indiscutivelmente degradações e moralmente erradas – ao menos é isso que nota-se no discurso de grande parte dos transeuntes citadinos abordados durante a pesquisa e que não praticam o graffiti ou a pixação. De acordo com diversos writers (praticantes do graffiti), entretanto, fica claro que as tags e os graffitis mais elaborados, como throw ups – tags trabalhadas com contornos e algumas cores, também feitos de maneira rápida (imagem 2), são, na essência, a mesma coisa. No documentário Alter Ego, de Daniel Thou, em que são entrevistados writers de diferentes países sobre questões chave do graffiti, um dos participantes (askew, de Auckland – Nova Zelândia) comenta: “Eu fui pego fazendo tags e já fui pego fazendo graffitis em trens, e a percepção que criaram sobre mim como quem faz tag e como quem faz graffiti é muito diferente [...] tags são aquelas coisas que as pessoas que não conhecem muito sobre graffiti costumam falar: ‘É, eu amo graffiti, mas odeio tags...’ (suspiros) 21 Para mim é um comentário realmente frustrante... mas não podemos culpá-los ”. 21 Transcrição e tradução livre feitas por Guilherme Abu-Jamra. 30 Imagem 1 – tag em Porto – Portugal. Foto: Guilherme Abu-Jamra Alguns chegam, inclusive, a afirmar que o graffiti verdadeiro é aquele que é ilegal. Portanto, não importa a estética, mas a atitude. Como dito por Hyper, writer brasileiro: “O graffiti que é graffiti é ilegal. Não importa se você fez o desenho de uma bola com o spray; se foi vandal, foi graffiti [...] Senão, até a minha avó fazia graffiti”. (depoimento colhido pelo autor em 11/05/2012) Já outros writers, como duB, de Porto – Portugal, dizem que uma prática – a ilegal – não exclui a legitimidade da outra – a ilegal/vandal. duB, porém, afirma que não há como comparar a sensação de liberdade que existe na prática do graffiti ilegal, e, portanto, livre (depoimento colhido pelo autor em 26/11/2012). Essa vontade de fazer, essa potência que define o que é o urbano, voltando às ideias de Manuel Delgado, traduzse bem na fala destes writers. 31 Imagem 2 – throw up em Barcelona – Espanha. Foto: Guilherme Abu-Jamra Outro ponto a se destacar é a respeito da concepção de propriedade privada que sustenta essa carga de degradação e violência estética e física ao espaço que são conferidas ao graffiti. A prática do graffiti em espaços tidos como privados – no meu e no seu muro, na fachada de sua loja – esbarra em um sentido de moral intimamente conectado com o sentido de racionalidade. “A moralidade é, antes de mais e acima de tudo, uma questão de aconselhamento racional. Em qualquer circunstância dada, a acção moralmente correcta é aquela a favor da qual existirem melhores razões” (Rachels, 2004, p. 28). Fica latente aqui a tentativa de enquadrar uma prática expressiva da potência num sistema de regras e de entendimentos prévio. No dia 25/05/2011 a presidenta Dilma Rousseff sancionou a Lei 12.408, que descriminaliza o graffiti mediante autorização prévia, mas que mantém a definição de pixação como crime ambiental – ou seja, o graffiti, através de todo esse processo histórico de normalização através de sua adoção pelo universo da arte legal/legítima, ganha novos contornos aos olhos da lei, mas a pixação é, indiscutivelmente, uma ação imoral. Foi, na verdade, uma alteração do artigo 65 da Lei 9.605/1998. O caput e o primeiro parágrafo foram mantidos; o que mudou foi o segundo parágrafo. Segundo o texto oficial22: : “Art. 65. Pichar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano: (Redação dada pela Lei nº 12.408, de 2011) Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa. (Redação dada pela Lei nº 12.408, de 2011) o § 1 Se o ato for realizado em monumento ou coisa tombada em virtude do seu valor artístico, arqueológico ou histórico, a pena é de 6 (seis) meses a 1 (um) ano de detenção e multa. (Renumerado do parágrafo único pela Lei nº 12.408, de 2011) o § 2 Não constitui crime a prática de grafite realizada com o objetivo de valorizar o patrimônio público ou privado mediante manifestação artística, desde que consentida pelo proprietário e, quando couber, pelo locatário ou arrendatário do bem privado e, no caso de bem público, com a autorização do órgão competente e a observância das posturas municipais e das normas editadas pelos órgãos governamentais responsáveis pela preservação e conservação do patrimônio histórico e artístico nacional. (Incluído pela Lei nº 12.408, de 2011)” 22 Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm > Acessado em 10/04/2013. 32 Imagem 3 – Pixação na Av. Nossa Senhora do Carmo, em Belo Horizonte – Brasil. Foto: Ana Estrela É claro que há uma diferença estética entre uma piece (imagem 4) – forma de graffiti mais complexa que o throw up, no sentido de abarcar mais elementos e cores, e teoricamente mais tempo de trabalho23 - e uma pixação ou uma tag, bem como há diferença entre as tags e entre toda criação original no mundo. Mas a criminalização e posterior descriminalização de uma parte dos elementos a partir desta diferença estética traz uma mensagem mais complexa. 23 No dia 11/05/2012, na mesma ocasião de conversa com Hyper, houve a fala de um pixador contando que gastou cerca de oito dias realizando uma pixação. A pixação, em questão, é a da imagem 3. 33 Imagem 4 – exemplo de piece (autorizada) em Porto – Portugal. Foto: duB 3.1 O graffiti como inscrição do indivíduo na cidade24 Pretende-se, aqui - quando se fala em inscrição na cidade -, enfatizar a cultura do graffiti como participação política, como forma de viver e fruir a cidade. Inscrição que envolve corpo, sentimento, pertencimento a uma vida comum no espaço urbano. Busca-se compreender como o indivíduo se relaciona, através da sua arte, com a cidade e suas leis, participando de um embate político por intermédio da arte e da afirmação de sua cultura, mesmo que ele aja contra a lei. Pode-se pensar que o próprio embate entre a arte praticada e a lei já se traduz em política e em afirmação e reivindicação de direitos. Vale trazer trecho da dissertação de Mariana Gontijo, pesquisadora do sub-eixo, em que ela trabalha o sentido dessa inscrição: “A escolha do graffiti e do hip hop tem uma razão de ser. O desejo inicial da pesquisa estava associado ao possível caráter político que a prática da arte e ela própria podem ter. Fala-se nisso no sentido de participação. Pressupõe-se que, por meio da arte, ou melhor, com a contribuição dela, o homem torna-se cidadão, participante da vida na pólis. Ao nomear esse homem cidadão, quer-se referir, principalmente, ao sentimento de pertencer à cidade – a um todo comum –, e de querer pertencer, inclusive, como sujeito de direitos, mesmo que essa relação com o direito não seja tão evidente ou desejada por ele. Em verdade, o sentimento de pertencer, a que se refere, prescinde do direito – decorre da vida natural, está mais relacionado com o indivíduo que age no comum –, mas há relações que se estabelecem entre as práticas artísticas do graffiti e o direito, inevitavelmente. Ocorre que o direito formal, normalmente, em sua aplicação, bem como na formação das normas jurídicas, não assimila bem o 25 sentimento desse indivíduo, ou seu significado para ele.” 24 Subitem escrito por Mariana Gontijo, baseado nas reflexões que apresenta em sua dissertação de mestrado: GONTIJO, Mariana Fernandes. O direito das ruas: as culturas do graffiti e do hip hop como constituintes do patrimônio cultural brasileiro. 2012, 88f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais, 2012, p. 18. 25 GONTIJO, Mariana Fernandes. O direito das ruas: as culturas do graffiti e do hip hop como constituintes do patrimônio cultural brasileiro. 2012, 88f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais, 2012, p. 18. 34 Sobre o direito formal26 em relação a esse indivíduo que se inscreve, destacou-se, no referido trabalho, ser o Estado que, com suas técnicas de policiamento – usando as palavras de Foucault27 –, assume e integra em sua esfera o cuidado da vida natural dos indivíduos (poder objetivo), e que, de acordo com as investigações realizadas pela equipe, não se comunica de forma eficaz, eficiente e efetiva com a individuação28. Considera-se, ao analisar a microfísica do poder descrita por Foucault, que as técnicas de policiamento presenciadas pelos grafiteiros na rua frequentemente não permitem uma comunicação de forma eficaz e respeitosa com os processos de individuação inscritos nas práticas e expressões do grafitti – o que certamente está relacionado com uma visão de cultura de modo restrito, amplamente adotada pelo direito formal. Busca-se enfatizar de que modo a arte gera cidadania, isto é, cria uma posição na qual o sujeito se inscreve em um espaço de fala na cidade, e como esse espaço e fala ganham sentido político. O pluralismo jurídico entra aqui, na forma que o sujeito participa politicamente. Em outras palavras, é essa forma de participação política – inscrição na cidade por meio da arte –, que, por se tratar do exercício de um direito (direito político de participação), foi tida, de imediato, como expressão da concepção pluralista de direito, isto é, como pluralismo jurídico. Deve-se dizer que o graffiti investigado foi o graffiti de rua propriamente dito. Não se pretendeu analisar o graffiti como arte que se expandiu das ruas para as galerias, mas sim investigar a vivência dessas práticas por seus autores, especialmente quando elas se dão nas ruas. Isso não afasta a atenção ao fenômeno de seleção do graffiti pelo mercado, sua expansão como arte nas galerias. Ressalte-se, contudo, que as culturas de rua de que falamos nesse relatório agem, em alguma medida, cada uma à sua maneira, contra a lógica do capitalismo global, do consumo exacerbado e da cidade higienizada, como já se destacou na parte introdutória do relatório. Na realidade, a expressão “graffiti de rua” poderia soar até redundante, pois graffiti na Europa, nos Estados Unidos e na maioria dos lugares do mundo, nomeia todas as 26 O direito formal de que se fala é o direito estatal, que é uma das formas de direito dentro da concepção pluralista tomada pela pesquisadora. 27 Retiradas da citação feita por Agamben no Homo Sacer. In: AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua I. 2. ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010, p. 13. 28 Processo que leva o indivíduo a vincular-se à própria identidade, à própria consciência e a um poder externo, vinculando-se politicamente. In AGAMBEN, 2010, p. 12-13, sobre o “duplo vínculo político” definido por Foucault. 35 formas de escrita de rua, podendo, também, ser chamado de graff, tal como destaca Maria Inês Lodi29. Nesses países, a pixação seria, também, um graffiti, portanto, tendo sido o Brasil um País no qual se cunhou a diferenciação terminológica – sociologicamente e juridicamente, não sem ambiguidades – dentre as duas práticas, como se comentou nas considerações iniciais do presente relatório. Há um modo próprio de cada grafiteiro viver e se relacionar na cidade, e com a cidade, por meio de sua arte. É esse artista que se quer ver respeitado em sua integralidade, não apenas por sua arte propriamente dita, ou melhor, pelo conteúdo de sua arte, mas pela prática de uma arte que tem sentido em seu processo de realização como indivíduo e cidadão. Trata-se de uma pintura que se faz, não dentro de um ateliê fechado, mas na rua. Os muros são as telas. Há um modo de sentir, pensar e contatar a cidade, muitas vezes contradizendo-a. É esse graffiti de rua que o nosso ordenamento jurídico tem dificuldade de permitir, autorizar e entender. Ele tem um componente de transgressão, de lugar do diverso – diferente –, ou de não lugar, tal como nos fala Foucault da noção de heterotopia: Há [...] em qualquer civilização, lugares reais, lugares efetivos, lugares que são delineados na própria instituição da sociedade, e que são espécies de contraposicionamentos, espécies de utopias efetivamente realizadas nas quais os posicionamentos reais, todos os outros posicionamentos reais que se podem encontrar no interior da cultura estão ao mesmo tempo representados, contestados e invertidos, espécies de lugares que estão fora de todos os lugares, embora eles sejam efetivamente localizáveis. Esses lugares, por serem absolutamente diferentes de todos os posicionamentos que eles refletem e dos 30 quais eles falam, eu os chamarei, em oposição às utopias, de heterotopias. Partiu-se da noção de “práticas estéticas” de Rancière para afirmar que a prática artística do graffiti ganha sentido político. O filósofo pressupõe referidas práticas como forma de visibilidade das práticas da arte, do lugar que ocupam e do que fazem no que diz respeito ao comum. Para ele a “partilha do sensível” – e sensível aqui pensado como vivência da arte – estrutura a maneira pela qual as artes podem ser percebidas e pensadas como artes e como formas de inscrição do sentido da comunidade. Essas formas, segundo ele, definem a maneira como obras e performances fazem política, 29 LODI, Maria Inês. A escrita das ruas e o Poder Público no Projeto Guernica de Belo Horizonte. 2003. 234f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2003, p. 20. 30 FOUCAULT, Michel. Outros Espaços. Conferência, 14 de março de 1967. MOTTA, Manoel Barros da (org.). Estética: literatura e pintura, música e cinema. Tradução Inês Autran Dourado Barbosa. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009. 36 quaisquer que sejam as intenções que as regem, os tipos de inserção social dos artistas ou o modo como as formas artísticas refletem estruturas ou movimentos sociais.31 Vislumbrou-se, a partir daí, a prática do graffiti como vivência da arte e forma de inscrição do sentido da comunidade. CAPÍTULO 4. O PIXO32 Carimbo, extintor, borrifador, spray, rolos, giz, canetas, canetões, desodorante, frascos de detergente. Estes são os instrumentos utilizados na pixação. Deles surgem as marcas nos muros. Podem ser frases de protesto, apenas as tags, letras de rap, mensagens de amor, desabafos, nomes de grupos (“um cumprimento da tag”, como diria nosso pixador entrevistado33). Para se escrever frases de protesto, usa-se uma letra de forma mais legível; para as tags, uma letra de um vocabulário criado na pixação. Aquele que deixar a letra mais diferente é aquele mais reconhecido. Aquele que subir mais alto é o mais reconhecido. Querem ser reconhecidos entre os próprios pixadores, mas o são por vários na cidade. Cripta Djan, artista de rua, tem sido reconhecido mundialmente. Leva a pixação para onde o chamarem. Mas desafia. A todo tempo. A partir de reportagens publicadas pela Folha de São Paulo (MARTI, 2012 e VAINER, 2012) é possível notar que Cripta Djan não pixa o que lhe oferecem. Ao invés dos tapumes ou telas deixados para ele na Bienal de Artes de Berlim, Cripta e seus colegas escalam a igreja e a pixam. E dá seu recado: a pixação é anarquia; "Não tem como dar workshop de pixação, porque pixação só acontece pela transgressão e no contexto da rua”. E mesmo assim, Cripta produziu um documentário polêmico sobre o pixo em São Paulo, apresentou-o em Paris, é entrevistado com certa constância e convidado a participar das Bienais de São Paulo e Berlim. 31 RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. São Paulo: EXO experimental org.; Ed. 34, 2005, p. 18-19. 32 Relato produzido por Ludmilla Zago e Guilherme Mendonça Del Debbio, integrantes da pesquisa. 33 Entrevista semiestruturada com um pichador, realizada no Duelo de MC´s, no dia 08 de junho de 2012, que se pautou no seguinte roteiro: quais os materiais que se utiliza para a pixação; o que se pixa; a história de vida do pichador; o quanto se gasta com a pixação; qual é a relação do pixador com o que se pixa; o que pensa sobre a lei que proíbe o ato de pixar; a relação com o uso de drogas e outros crimes; quais os principais lugares onde se pixa. Todas as entrevistas feitas com pichadores foram realizadas por Ludmilla Zago e Guilherme Del Debbio. 37 A partir das leituras de textos e notícias em blogs e jornais, além da escuta constante dos pixadores no Duelo de MC’s34 e na cidade, é possível observar que o poder público, não só na cidade de Belo Horizonte – como aponta o texto do blog O Viés – tem lidado com a questão da pixação de forma puramente repressiva. O discurso disseminado na mídia e fomentado pela polícia civil é aquele que faz do pixador um vândalo. O pixador entrevistado nos conta que é assim que eles são vistos pela cidade. Porém, aponta não acreditar ser um “bandido”, um “vândalo”. Ele diz: “Não é certo você sujar as coisas, mas se é que está acontecendo isso, significa que alguma coisa está faltando (...) É uma forma de protesto, entende?”. O que ele nos remete aí é ao fato de não haver, hoje, espaço para discussão sobre o significado do que se pixa para cada sujeito e das formas de ocupação do espaço público feitas pela pixação. O pixo ocupa um grande espaço na paisagem urbana, chega a concorrer com a publicidade. Cito Lassala que afirma, a propósito, que a pixação “possui uma gramática própria” (Lassala, 2010, 36). Outra característica muito ligada ao pixo diz respeito ao ibope: “Esse tipo de escrita tem o objetivo de gerar fama (ibope) para o indivíduo ou grupo que conseguiu, por exemplo, pixar um determinado lugar de difícil acesso e de grande visibilidade. Tal atitude causa indignação nas pessoas, que não entendem o que está sendo feito, pois não conseguem ler as letras e concluem que, por não serem autorizadas, as inscrições contribuem para a poluição visual do espaço urbano, construindo, portanto, uma imagem negativa desse tipo de escrita.” (Lassala, 2010, p.36). Ao que parece, a ilegibilidade produz, esteticamente um efeito que acaba por excluir, estigmatizar e criminalizar o pixador. Há pessoas que entendem que aquela comunicação serve para o crime, ou que é, ela própria, criminosa. Outras pessoas se incomodam com a comunicação que ocorre a partir das periferias - o que não entendem, e outras, ainda, consideram que os pixadores são componentes de uma quadrilha. Mas, o fato do pixo fazer uma comunicação entre periferias, grupos que de lá se originam, de jovens, poderia gerar esse estigma em relação ao pixador? Ou será que eles, os pixadores, se excluem de uma interlocução normal, sendo isso o que faz gerar o estigma, a exclusão ou a ideia do crime em relação a eles? Há de se considerar o fato de que o pixo é agressivo - ele traz uma mensagem que quer desfazer, intrigar, 34 O Duelo de MC´s é um movimento do hip hop que ocorre há quase 6 (seis) anos em Belo Horizonte, ao lado da Serraria Souza Pinto, embaixo do Viaduto de Santa Tereza. Ele acontece todas as sextas-feiras e é lugar já conhecido, como Duelo, do hip hop, da cultura de rua. 38 desestabilizar. Isso pode parecer agressivo e, se a mensagem não está legível, pode ser que seja mais fácil para quem vê, perceber a expressão como agressiva. A possibilidade de não julgar o pixo como certo ou errado, estando na posição de analista, etnógrafa, leitora ou outro, simplesmente, é fundamental para que se apreenda o que o pixo tem a dizer. Ou seja, para ouvir de fato o pixador, o escritor, o ator e o autor do pixo. Julgá-lo seria, no contexto de escuta e pesquisa, cair no discurso recorrente, fechado e autoritário, vigente na mídia e no poder municipal. O que o pixo significa para ele, o que representa em seu contexto, nos contextos da cidade e do país? Parte-se então à construção do relato das conversas com os pixadores. 4.1. Relato das conversas com os pixadores Para Ricardo35, pixador entrevistado, o pixo é “arte vandal”36. Arte que, para ele, tem fundamentos e regras específicas. Por exemplo, não se pixa casa, não se “esculhamba”37 a posse de quem lutou como sua mãe. E não se pixa estátua. Prédios públicos e igrejas evangélicas são os locais que Ricardo prefere pixar - não põe seu nome de rua ou de pixo em qualquer lugar. Diz que os mais jovens querem mesmo aparecer, não estão “nem aí pra nada”. Ou seja, não refletem sobre a política do pixo, sua forma de se manifestar, lugar, motivação para além do ganho narcísico do reconhecimento. Até que, mais tarde, com anos de pixo, o pixador, segundo ele, passa a pensar no que vai deixar escrito “para a cidade”. Fala dos que deixam o pixo, por não aguentarem a pressão, a opressão, dentre os quais alguns que escolhem o graffiti. Por fim, o posicionamento de Ricardo é radical em relação à política brasileira, à corrupção comum no país, à manipulação das pessoas em relação ao consumo, à fé e à sua participação política. Afirma que não aceita ou concorda com pacto ou acordo algum relacionado a políticos ou ao poder. Importante destacar que essa postura também encontra ressonância em outras falas, advindas de conversas com pixadores em Belo Horizonte e em São Paulo. 35 Nome fictício. Conforme destacado no início do segundo capítulo, todos os nomes de pixadores foram substituídos. 36 O termo vandal refere-se à essência transgressora do ato. 37 Cabe notar aqui que o pixador usa termos que os que não gostam do pixo usam para descrevê-lo. 39 Ricardo sempre apontou que o pixo, para quem o faz e para quem desenvolve certo olhar sobre ele, não é apenas jogar tinta na parede. Diz que ‘tem gente que morre por causa disso’, então a coisa é séria. O pixo é algo muito precioso ao sujeito que pixa, como é possível notar na maioria das conversas estabelecidas até este momento da pesquisa. Ricardo sempre falou mal ‘de pixador que só quer aparecer’. Não acha que o pixador merece respeito, se busca apenas isto. Este respeito, que é representado pelo respeito no contexto do pixo, mas também fora dele, depende do que o pixador deixa, ou do que inscreve na cidade, e como. O respeito se refere, segundo depreende-se de sua fala, ao percurso, na pixação, daquele que passou, que transpôs a fase inicial, de somente querer o ibope, o sucesso, a fama na cidade, seguiu adiante e fez uma longa história no pixo, na cidade. José, em depoimento aos investigadores, faz uma comparação entre pixo e graffiti em relação à arte: Um grafite eu acho uma arte. Também um desenho. Só que o cara teve um dom pra fazer uma arte bonita, entendeu? E o pixo eu acho uma arte... depois que eu ouvi uma música que fala que ousadia é arte... porque ele fala que é um artista porque ousadia é arte, fraga? Então eu identifico o pixo mais por causa disso. O pixador é ousado pra fazer a marca dele. Um artista mesmo, de verdade, que faz esses desenhos de tela que eles denominam como arte mesmo, o cara está lá tranquilão, não corre risco nenhum, não está colocando nada em risco, a integridade física, jurídica, nada. Ele está fazendo aquilo só por dinheiro. Isso aí eu não considero arte, não. Considero um dom do cara de desenhar e tal. Considero arte o pixo. Porque é uma coisa ilegal. Pra fazer, é muita coisa que você está pondo em risco, está gastando, está pondo muita coisa em jogo... (Depoimento colhido por Ludmilla Zago e Guilherme Del Debbio) Outro interlocutor da pesquisa, Fábio, explica porque considera o pixo uma arte: Eu acho que é porque é um tipo de escrita. Uma letra diferente, que ninguém faz. Se é um tipo de letra que ninguém faz, é um negócio que acaba relacionando com o grafite. Porque grafite tem técnica. Técnica do grafite. Técnica é igual pixação, aqui no caso. Então é tudo arte, né, mano? O bagulho... o negócio é que a arte é legal, né, mano? (Depoimento colhido por Ludmilla Zago e Guilherme Del Debbio) Muito interessante o que Fábio diz: se é arte, é legal. Talvez isso tenha relação com todo o discurso que se impõe ao pixo. É curioso notar o quanto a pixação, de acordo com o texto “A pixação e a ordem das aparências” (MIOTTO, 2012), faz emergir uma discussão importante sobre os padrões 40 estéticos. O pixo aponta que o belo e o feio podem ser apenas convenções sociais38. E, ainda: Se as ruas são, por suposto, espaço público, é a pixação que consegue levar isto às últimas consequências e nos mostrar o quão relativos são os conceitos com que lidamos cotidianamente: para o pixador, na prática, a rua é de todos, é o único espaço de diálogo que, genuinamente, cabe e faz caber a todos; e na prática, ao 39 agir de acordo com estes princípios, é reprimido . Também o entrevistado José afirma que, no começo, pixa-se por reconhecimento, por “ibope”, pelo nome. Mas os que pixam só por isso, param. Continuam os que, por meio do pixo, passam a se expressar politicamente, como uma atitude combativa. No caso de José, o que mais o indigna é a desigualdade social. Não seria possível, segundo ele, manter-se por tanto tempo, com tanto esforço e gasto, se o objetivo fosse apenas ‘aparecer’. Lud: Muita dedicação... José: Em troca de quase nada, não é? Sei lá. Eu não me arrependo de nada. Fiz várias amizades. Onde eu quiser ir, pro Brasil afora, se eu tiver o dinheiro só da passagem, eu vou e fico tranqüilo, aonde eu quiser. Tudo através da pixação. Às vezes, se eu não pixasse, eu nem ia ter tantos contatos assim. Gui: Em troca de quase nada? Por quê? Tem alguma coisa em troca? José: Em troca de quase nada que eu falo é financeiro, material. Pode vir acontecer alguma coisa aí que vai dar dinheiro por causa de pixação, mas intenção zero. O negócio é mais por amor mesmo, por gosto, por vício. Sei lá. Às vezes também é vício. Muitos viciam mesmo. Conhece uma coisa nova igual borrifador... nó! Neguinho vicia. Quer fazer todo dia e pah! Biquinho mais grosso, fatcap... neguinho endoida. Foda que só não tem mais pixação porque é caro pixar. Se não, ia ter mais e mais ainda, eu acho. Acho que nunca vai acabar, não. Não tem nem como ficar tentando acabar. Acho que era melhor tentar fazer a galera aceitar, entendeu? Acabar é foda. Igual eu falei: sei lá, tentar catalogar todos e, quem quiser reclamar, reclama, mas quem não quiser deixa pixado mesmo. Muita gente nem reclama, porque fala “se eu pintar vai pixar de novo mesmo. Deixa isso aí”. Sabe que não tem jeito. Está tudo errado. Mundão tá tudo errado. Tendência é piorar. Acho que a tendência é aumentar o pixo. Tem como acabar, não. (Depoimento colhido por Ludmilla Zago e Guilherme Del Debbio). 38 Conforme visto na discussão feita na segunda parte deste relatório, sobre modernidade e a estética. http://www.revistaovies.com/reportagens/2012/07/a-pixacao-e-a-ordem-das-aparencias/ Revista Vista Skateboard Art – edição nº 21. Novembro/Dezembro 2008, texto de Miotto, Tiago. 39 41 Cabe indagar sobre esse envolvimento do sujeito com o pixo. Parece que, para os que se dedicam a isto, é como “amor à primeira vista”, algo que causa no sujeito um impulso a repetir, a se dedicar, a gastar tempo e dinheiro. É uma vida, uma missão. É diversão, rebeldia, mas é, também - e principalmente - compromisso. É laço social, uso e participação da cidade, luta contra a invisibilidade. 4.2. Pixo, autoria e identidade Há, no pixo, um impulso a fazer-se autor de si, alguém, a fazer, a partir dele, um nome. Esta autoria nasce da dedicação, do cotidiano do pixo, tomado como texto e feito que engendra um nome, faz nascer aquele que o faz. O autor é filho de sua obra, o pixador é filho de seu pixo. Há algo da identidade que se reforça com o pixo, confundido também com um modo de vida, assim como com o modo próprio de fazer e deixar sua marca na cidade. Conforme destaca Lefebvre: “Necessária como a ciência, não suficiente, a arte traz para a realização da sociedade urbana sua longa meditação sobre a vida como drama e fruição. Além do mais e, sobretudo, a arte restitui o sentido da obra; ela oferece múltiplas figuras de tempos e de espaço apropriados: não impostos, não aceitos por uma resignação passiva, mas metamorfoseados em obra.” (Lefebvre, 1991, P.115) Ativo, participante da cidade, atento a ela, o pixador, não resignado, inscreve sua política de existência, visibilidade e pertencimento a partir de sua obra, seus pixos pela cidade, sua vida na rua, com outros pixadores e outros grupos. E toma o pixo como um protesto, inclusive a partir da consciência de que o que faz é ilegal aos olhos do Estado: José: Tipo, porque, sei lá... O doido é isso mesmo. O não autorizado. Porque está fazendo, porque está protestando mesmo. Fazendo a coisa errada pra ver que é uma forma de protesto mesmo. Se legalizar, vai virar igual o grafite. Vai fazer só por gosto mesmo. Não vai ser mais um protesto. Fábio: Pra mim é porque ... apesar de que já virou um vício, a questão da insatisfação, né? De não tá certo. Se não tem um trem certo, então não tem nada a ver você fazer um outro negócio que não tá. Você vai fazer um outro negócio que tá errado também. Só que tá acontecendo um monte de coisa pior que não tem nada a ver. Mas tem que ter um jeito de você fazer um negócio pra protestar umas coisas erradas que tão acontecendo também. Igual eu falei da covardia dos policiais. Eles fazem covardia e a gente fica puto. Mas a gente não pode fazer nada. O que a gente vai fazer? Vai segurar o policial? Vai impedir dele dar um tapa no mano dentro da delegacia? Não vai! Vai pixar. Vai mandar frase. Falar: “Ó. 42 Pau no cu dos policiais”, “Fuck Boris”. Vai mandar um tanto de trem que eles vão ficar doidos. Vão falar: “Nó. Como é que o mano pixou lá? Fez a cena na cara do Olho Vivo, não deu nada, ele desceu e aí? A gente não pôde fazer nada. Olha aí. Nó”. Aí eles ficam meio que se sentindo inválidos. Isso aí pra nós não tem preço. Vê os coxas se sentindo... não podendo fazer nada. Igual quando a gente fez a cena no Centro. A gente escalou 30 andares. O que eles podiam fazer com a gente? Trigésimo andar. A gente lá dependurado. Manuel, que pixa desde 2000 e tem aproximadamente 25 anos de idade, mencionou que o movimento da pixação necessita parar com o “lero-lero” e focar: seu alvo é o sistema. Ao usarem esse termo, os pixadores parecem se referir ao sistema social, econômico e político da cidade em que vivem – e do país como um todo. Esse pixador acha que o movimento será mais bem visto se houver organização estética tanto da forma como o pixo é feito por muitos (ninguém atravessa o pixo do outro, faz do lado, em cima, abaixo), quanto do seu foco, que deve ser o sistema, e não as pessoas. Acredita, assim como alguns outros pixadores, que unidos e organizados serão mais fortes e mais bem vistos. Porém, a este respeito, cabe indagar: o pixo será a mesma coisa, terá o mesmo peso, se passar a ser bem visto e tornar-se mais forte? O ato de pixar implica diretamente em transgredir e, de alguma forma, colocar a lei e o direito em estado de provocação. Pode-se citar a seguinte resposta do entrevistado Manuel, em uma conversa pelo facebook40: “Muitos pontos de vista mais minha meta e vazer a sociedade ver q não somos vandalos que queremos sujar a cidade, somos protestantes q colokam seus “nomes" ali em busca de melhorias olha as frazes q tem em toda a cidade”41. Muitas outras falas poderiam ser citadas no sentido de sugerir que a pixação não é um gesto banal que se resume a jogar tinta na parede. Pelo contrário, muitas ideias e motivos a constituem motivos intimamente ligados ao subjetivo e ao direito à cidade, à cidadania e ao espaço político. Ludmilla: Você pixa pra quem ver? 40 Ludmilla Zago utilizou, além das técnicas de investigação descritas no capítulo 1, as conversas que teve com pichadores em redes sociais como fonte de dados. 41 A grafia é dele, reproduzida exatamente como escreveu. 43 Fábio: Eu pixo pra todo mundo ver. Eu tento fazer, tipo assim, num lugar que não tem como você não ver. Entendeu? Porque se você tá, por exemplo, olhando pra árvore, no seu campo de visão, você tá enxergando o muro. Se você tá enxergando o muro, você tá enxergando o pixo. Fazer um negócio de um jeito de se destacar pra não ter como não ver. Pra não ficar intocado. Pra não ficar escondido. Sempre tem um lugar, tipo assim, que se você olhar pro prédio, não tem como você olhar pro prédio e não ver o pixo. Igual ali. Não tem como você olhar pra ali e não ver o D... lá. Você olha e já vê esparrando ali. Não tem como. Agora, se a gente fazer ali a fachada do meio, não vai ter como olhar e não ver a fachada do meio. Fazer o lugar o máximo visível possível. E acaba que, como à noite, as paradas assim, lugar mais alto, poste acaba ajudando. Como que a luz do poste, atrás do poste, ofusca. Então, lugar mais alto ajuda. Depois que você subiu, você conseguiu achar uma hora que o [?] parou, subiu sem ninguém te ver, pode brincar. Aí você brinca. Fuma um e tudo mais. Faz o que você quiser no telhado. É o que eu faço. Eu faço tranquilo. Fábio relata, então, que aprendeu isso sobre o pixo no Duelo, ouvindo as ideias dos MCs. Entendeu que, somados, fazem parte de outra cidade. No início, pixava pelo seu nome, não por querer reivindicar algo. Ele escreve: “vejo que eu tenho muito mais que um muro um nome uma caligrafia. Tenho uma arma que pode afetar os que precisam ser afetados.” Muitos dos entrevistados, principalmente os mais experientes ou que já passaram pela cadeia, discordam da criminalização do pixo. Alguns não acham que o que fazem está errado: gostam do pixo na cidade. Outros acham que o pixador deve assumir o dano causado e a reparação dele, no caso de ser flagrado em ação. Esses assumem totalmente a responsabilidade pelo que fazem e sabem das consequências desagradáveis que podem causar ao outro. Ainda assim, querem espaço para sua estética, que envolve também uma postura ética e política na cidade. Lud: Você acha a lei contra a pixação justa? José:Sei lá, viu! Pra te falar a verdade nem sei se ela é justa ou não. Eu acho que não deveria ser de cadeia. Mas deveria... sei lá... Lud: Ter alguma punição? José: É. Tipo, no caso: faz de conta que o dono do imóvel se sentiu prejudicado e quer que repare os danos. Ele, sim, fazer uma denúncia. Mas aí cabe de cada um. Agora, faz de conta que pixou ali, o cara gostou... tem muita gente que não gosta, mas tem gente que gosta. (...) José: A relação com a lei é tipo de bandido e polícia. É discriminalizando o pixo e tal... então eles vêem a gente como bandido mesmo. Vândalos. Gui: E o que você acha disso? 44 José: Sei lá. Não é certo também você sujar as coisas. Mas eles tinham que ver que se está acontecendo isso aí é porque faltou alguma coisa. Do governo... está faltando alguma coisa. Isso aí é cobrança. A galera está protestando, não é? Igual eu falei. Tem uns que estão atrás só de fama e ibope, mas a maioria é protesto. Protesto, revolta, revolta com tudo. No meu caso, a maior revolta é a desigualdade social. O pobre vai preso, o rico não vai. Em questão de saúde, eu já vivi altos casos de precisar da saúde pública e ficar na mão. Educação eu acho paia também. Entendeu? Igual vem a Copa aí. Olha as construções da cidade como é que estão a milhão. Agora, a saúde, o crack... está tudo aí ruim e ninguém, até então, resolveu nada. Estão preocupando só com a estética da cidade mesmo. Não querem nem saber da galera, se neguinho tá morrendo, tá com fome... Sei lá. Acho que a pixação só estraga esteticamente. Não prejudica ninguém. Prejudica só os pixadores mesmo. O risco que corre quando está na janela... já deram tiro na gente. Neguinho já morreu pixando, entendeu? Igual um pixo que eu sou a fim de fazer: “quem prejudica mais a cidade? Os pixadores ou os políticos?” A gente não prejudica nada. Está sujando a cidade [...] É... não é só medo. Às vezes a gente até diverte com o rolê, com o risco e tudo, mas o medo existe. Outro pixador comenta: Fábio: Não. Pra cadeia jamais. Porque, olha pra você ver: eu tô rabiscando ali, eu não tô fazendo nada com ninguém. Não tô batendo em ninguém, não tô machucando ninguém, não tô matando ninguém, não tô roubando ninguém. Não tô tirando nada de ninguém. Tô apenas fazendo um risco na parede. Às vezes eu posso tá dando prejuízo pro dono de uma casa que ele vai ter que limpar, mas... Lud: E aí? Fábio: Isso aí é se ele quiser limpar. Pra nós, ele não vai ter que limpar. Ele tem que deixar lá pra ficar eterno. Lud: Bonito... Fábio: Bonito. Por isso que a gente procura... pros pichadores que já fragam, pros manos que já conhecem, procuram mais lugar que vai ficar eterno. Porque tem lugar que você vai tá praticamente só dando prejuízo pro dono do muro. Porque tem muro aí que limpa toda semana. Manuel fala do cuidado que tem para não ser flagrado pela polícia, de sua preocupação com seu futuro. Para ele, lugar conquistado pelo pixo não pode e não deve ser violado. Isso justifica seu modo de entender: pixador pixa muro, não rouba, não mata. Depois de conquistado o muro ou superfície, nada de violar mais nada ali. Ele defende união e regras, organização interna ao movimento. Percebe-se que o pixo, assim como a vida, tem sido excluído através da criminalização, das campanhas de denúncia anônima. Por outro lado, contraditoriamente, admite-se que muitos jovens ingressam na pixação em decorrência de sua associação 45 com o crime, vista por muitos como glamour. Paradoxalmente, aquilo que provoca exclusão, também pode servir a alguns como pertencimento. “O que há de mais admirável do que a passagem do arbitrário para o necessário, que é o ato soberano do artista, pressionado por uma necessidade, tão forte e tão insistente quanto a vontade de fazer amor? Nada mais belo do que a vontade extrema, a sensibilidade extrema e a ciência (a verdadeira, aquela que criamos, ou recriamos para nós), juntas, e obtendo, por alguma duração, essa troca entre o fim e os meios, o acaso e a escolha, a substância e o acidente, a previsão e a oportunidade, a matéria e a forma, a potência e a resistência, que, semelhante à ardente, à estranha, à estreita luta dos sexos, compõe todas essas energias da vida humana, exacerba-as uma com a outra, e cria.” (Valéryapud Casa Nova, 2008, p.51). Pode-se notar que os que estão na rua, fazendo arte ou fortalecendo sua cultura, estabelecem um código de ética que tem como princípio máximo o respeito. Muitos entrevistados relataram que sempre houve esse código de ética entre pixadores e grafiteiros, não obstante ele estivesse apresentando falhas nos últimos tempos. Para muitos, no entanto, não há como sair dele, de sua forma de ser justo: ocupar e deixar ocupar. A rua congrega os que estão de fora do padrão e da conduta. E eles constituem, nessa mesma margem, éticas e códigos de respeito mútuo que, eventualmente, podem falhar. Passa-se agora à análise dos casos de medidas socioeducativas que foram acompanhados por um dos integrantes da pesquisa. É interessante destacar que este relato permite observar, de uma forma muito específica e particular, aspectos do diálogo entre os pixadores e o poder público. Cabe ressaltar que o relato foi produzido por um funcionário público específico, pesquisador do sub-eixo Cultura de Rua, a partir de sua experiência com crianças e adolescentes que cometeram o ato infracional do pixo e deveriam cumprir medida socioeducativa. Soma-se, portanto mais uma abordagem para compreensão de como poder público e atores da cultura de rua relacionam-se entre si. 4.3. A experiência com o pixo no trabalho das Medidas Socioeducativas42 Desde 2004, a Prefeitura de Belo Horizonte se tornou responsável pela execução da medida socioeducativa de prestação de serviço à comunidade. Esta medida, 42 Relato produzido por Guilherme Mendonça Del Debbio, integrante da pesquisa. 46 conforme consta no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)43, tem a função de proporcionar aos adolescentes nas idades de 12 a 18 anos condições para que eles possam se responsabilizar por seus atos, com o viés socioeducativo. É uma das cinco medidas socioeducativas estabelecidas pelo ECA, as quais são determinadas pelo juiz de acordo com alguns critérios, tais como a capacidade do adolescente de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração. São elas: 1- Advertência; 2- Obrigação de reparar o dano; 3- Prestação de serviços à comunidade; 4- Liberdade assistida; 5- Inserção em regime de semiliberdade; 6- Internação em estabelecimento educacional. Como se vê, a medida de prestação de serviços à comunidade é a terceira delas na cadeia hierárquica, sendo possível observar que, devido a isso, ela é aplicada, na grande maioria das vezes, quando o adolescente não possui uma trajetória infracional mais grave ou cometeu algum ato que, aos olhos de quem aplica a medida, não tem grande potencial ofensivo à sociedade. Na prestação de serviço à comunidade, o juiz pode determinar o tempo que achar necessário, mas sempre tendo em vista o prazo mínimo de um mês, com quatro horas semanais e o prazo máximo de seis meses, com oito horas semanais. Dentro deste intervalo, qualquer tempo de cumprimento da medida pode ser determinado pelo juiz. Importante acrescentar que a metodologia do serviço indica que cada caso poderá funcionar de um jeito e, de acordo com minha experiência, os efeitos do cumprimento da medida variam muito. Alguns cumprem o prazo determinado, outros abandonam, outros se mudam de cidade. Neste sentido conta-se, inclusive, com a possibilidade de propor ao juiz, quando se considera pertinente, o encerramento da medida antes do término do prazo estipulado, por já se ter conseguido avaliar que o adolescente responsabilizou-se por seus atos. As medidas de prestação de serviço à comunidade e de liberdade assistida (além da advertência e da reparação de dano) são aquelas em que o adolescente é 43 Lei 8.069, de 1990. 47 determinado a cumprir encontrando-se em total liberdade de ir e vir. O adolescente inicialmente é convocado em uma das Regionais da Prefeitura de Belo Horizonte (são nove ao todo) e lá constrói, junto com o técnico de referência que será responsável por acompanhá-lo no cumprimento da medida, a atividade socioeducativa que exercerá na comunidade em que vive. A metodologia do serviço, que se encontra atualmente vinculado à Política Pública de Assistência Social, define que a escolha da atividade pelo adolescente tem como função iniciar um processo de autonomia do mesmo na resposta que ele construirá diante do ato que cometeu. Ele poderá escolher o lugar e o que fazer. No trabalho das medidas socioeducativas, todos os técnicos sociais responsáveis pelo acompanhamento de cada adolescente são formados em psicologia ou serviço social. Desde que o serviço foi criado foi possível observar que, nas audiências realizadas no Juizado da Infância e da Juventude, àqueles adolescentes apreendidos pelos atos de dano ao patrimônio ou de crime ambiental (nos quais se enquadra o ato de pixação) é determinada, na maior parte das vezes, a reparação de danos ou a medida de prestação de serviço à comunidade. Sou formado em Psicologia e trabalho há três anos na Regional Noroeste da Prefeitura de Belo Horizonte como técnico de referência da medida de prestação de serviço à comunidade. Desde então, tenho recebido para acompanhamento alguns adolescentes que cometeram o ato de pixação. Ao longo destes três anos, foram 96 adolescentes atendidos. Atualmente, acompanho 17 adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa. São inseridos e desligados cerca de dois a quatro casos por mês. Dentre os 96 atendidos até o momento, oito se dizem pixadores, embora a apenas quatro deles tenha sido determinada a medida de prestação de serviço à comunidade devido à prática do ato infracional ligado à pixação. Após a construção da atividade socioeducativa nos atendimentos da Regional, o técnico de referência faz um primeiro contato com a instituição escolhida pelo adolescente, discute o caso e em seguida faz o encaminhamento. A partir daí, o técnico acompanha periodicamente o serviço prestado pelo adolescente diretamente na instituição. Cabe acrescentar, ainda, que caso o adolescente abandone o cumprimento de sua medida ou resista em iniciá-la, o processo é devolvido ao Juizado da Infância e da Juventude para que lá sejam tomadas as providências que o juiz achar necessárias. 48 Sabe-se que nesta situação, antes de qualquer decisão, o juiz providencia uma audiência com o adolescente para que ele justifique o motivo de seu abandono ou de seu descumprimento. Visto isso, pode-se afirmar que antes da construção da atividade socioeducativa a ser realizada pelo adolescente é possível, com o espaço para a palavra que lhe é ofertado, que ele relate sua trajetória infracional e, consequentemente, seus interesses e sua história de vida. Isto coloca o profissional que o acompanha a escutar o laço que o sujeito faz com, no caso, a pixação. São computados aqui alguns fragmentos de casos que ilustram essa trajetória dos adolescentes com relação à pixação. Em quase todos os relatos, os adolescentes pixadores apontam que foi a escolha por se unirem a um grupo específico de jovens que os levou a pixar pela primeira vez. Segundo seus relatos, existem vários grupos (que são reconhecidos entre eles por “bandos”) por meio dos quais os pixadores se apropriam de uma ligação fraternal e de amizade forte que os leva a pixarem juntos ou a pixarem uns os nomes dos outros. Um dos adolescentes acompanhados no cumprimento da medida de prestação de serviço à comunidade escolheu grafitar um muro de creche como sua atividade socioeducativa. Ao final do trabalho, pediu à diretora da instituição para pixar seu nome (com a caligrafia própria inerente à pixação) e, também, o nome dos amigos com quem “cola” (esta é uma forma de dizer que um sujeito se enlaça a outro). Naquela ocasião, segundo relatou o adolescente, ele já não mais pixava, mas o jeito de se manter fiel ao que antes era para ele a regra de convivência foi, após a conclusão de seu trabalho, assinar os nomes na caligrafia da pixação. Em atendimento a outro adolescente, este destacou que se atraiu pela pixação quando viu um de seus amigos pixando. Participou de um grupo específico de pixação e percebeu que alguns deles, em sua comunidade, criavam conflitos entre si, o que gerava muita violência. Isto o deixou receoso, fazendo-o desistir de pixar. “Era muita guerra entre os bandos. Não queria isso, não”. Outro ponto importante a destacar de meu acompanhamento desses adolescentes no trabalho das medidas socioeducativas é a relação específica entre o graffiti e a pixação. Um dos adolescentes acompanhados, apreendido por pixação, dizia pixar pois não gostava de forma alguma de graffiti ou grapixo (uma mistura de graffiti e 49 pixação: é a letra reconhecida no vocabulário da pixação, mas escrita com pompas, detalhes artísticos e criatividade de cores e tamanhos). Ao construir sua atividade socioeducativa, esse adolescente se dispôs a escrever na parede de uma creche o nome da instituição. Porém, a diretora acordou o seguinte: escrever o nome da creche com uma caligrafia legível e o nome do adolescente, sua assinatura, da forma como quisesse. Esse adolescente escolheu a caligrafia de sua marca e, para aprender a escrever a caligrafia “legível”, convidou um amigo para ensiná-lo (que também prestava um serviço comunitário na mesma creche por ter sido apreendido pixando). Ao terminar a escrita do nome da instituição, sem assiná-la, o adolescente abandonou a atividade. Convidado a dizer o motivo, ele apenas se limitou a contar que não mais queria estar ali, realizando tal atividade. Não pormenorizou o porquê, mas foi possível observar que a resposta girava em torno do que não lhe fazia sentido, visto que ele considerava-se ligado à pixação, não ao grapixo ou ao graffiti. Em contraposição, o mesmo amigo que lhe ajudou a escrever o nome da creche, disse ter parado de pixar e, realizando a atividade de ensinar as crianças da creche a desenhar, revelou: “grapixo surge para a gente não ser preso. A gente pode dar o nosso recado com autorização”. Outro caso a ser apresentado aqui revela mais um ponto merece ser pesquisado acerca da pixação: o do endereçamento. Ao pixar na cidade, mesmo que apenas sua marca (ou como é mais conhecido por eles, apenas o tag - nome escolhido pelo pixador e que o identifica, sua assinatura, seu pixo) e não frases políticas ou de protesto, o que se escreve na pixação é, conforme se depreende dos relatos acompanhados, destinado a alguém. No mínimo à cidade, ou aos parceiros pixadores. Um adolescente, que compareceu apenas a um atendimento e em seguida abandonou o cumprimento de sua medida, relatou sua ligação com a pixação. Durante sua fala, dentro da sala, o adolescente encontrou um pedaço de um pequeno rodapé branco no chão, pegou-o e, à medida que a conversa fluía, sem interromper o atendimento, começou a escrever nele. No fim do atendimento, mostrou-me o rodapé completamente preenchido pela sua tag e, ao perguntar-lhe o que faria com tal objeto, entregou-me dizendo: “para você”. Nunca mais entrou em contato ou respondeu aos recados deixados a ele. 50 Depreende-se desses relatos que cada adolescente que comete o ato de pixação possui uma relação única, singular, com o que o ato pode significar em sua vida. Convidados a relatarem suas histórias de vida e seus interesses e planos futuros, cada um deles revela o modo como a pixação lhes chama atenção e o motivo que os levou a fazê-la. Esses relatos permitem também perceber que ainda que haja certa dose de autonomia na definição da medida socioeducativa, alguns adolescentes não se sentem coagidos a cumpri-la, enquanto outros não só cumprem-na como também, aparentemente, deixam de pixar. Isso nos faz refletir sobre a eficácia de medidas punitivas em relação ao que é considerado crime, o que, por sua vez, está relacionado com o direito à cidade. Passa-se, portanto, no próximo capítulo, a uma reflexão mais centrada no universo jurídico-formal em relação ao pixo e ao graffiti. O relato constitui parte dos resultados defendidos pela pesquisadora Mariana Gontijo44 em sua dissertação de mestrado, defendida em 2012. Tal relato traz uma interpretação que sugere fundamentar o respeito ao graffiti como patrimônio cultural brasileiro e a descriminalização penal do pixo. CAPÍTULO 5. O GRAFFITI E A PIXAÇÃO: EMBATES COM O DIREITO Essa parte do relatório é amplamente baseada nos resultados da dissertação de uma das investigadoras e orientadoras de campo da Pesquisa, Mariana Fernandes Gontijo45, que defendeu seu trabalho em agosto de 2012, na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, com o tema “O direito das ruas: as culturas do graffiti e do hip hop como constituintes do patrimônio cultural brasileiro”. A pesquisa de mestrado se deu em Belo Horizonte46, de 2010 a agosto de 2012. Aqui, entretanto, alguns avanços foram feitos desde então. 44 GONTIJO, Mariana Fernandes. O direito das ruas: as culturas do graffiti e do hip hop como constituintes do patrimônio cultural brasileiro. 2012, 88f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Federal de Minas Gerais, 2012. 45 Graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais e mestre em Direito pela mesma Universidade. Advogada. Pesquisadora e orientadora de campo da Pesquisa Cidade e Alteridade – UFMG. 46 Município de Belo Horizonte, Estado de Minas Gerais, Brasil. 51 Tendo como foco principal o graffiti, a referida pesquisadora realizou trabalho de campo no Duelo de MCs47 durante oito meses (de março a novembro de 2011), o que lhe permitiu ter uma primeira visão geral das culturas de rua ali presentes, quais sejam: a do graffiti, a do hip hop e a da pixação. Além do trabalho de campo, a pesquisadora buscou informações e dados junto ao Estado e acabou, também, vendo-se realizando pesquisa-ação em discussões no Ministério Público Estadual acerca do combate à pixação. Ali participou como técnica do direito na Secretaria Adjunta de Planejamento Urbano de Belo Horizonte 48 e pesquisadora do graffiti. Com relação à busca de informações e dados acerca da atuação do Estado em relação ao graffiti e à pixação, a pesquisadora tentou coletar dados junto às Promotorias de Defesa do Urbanismo e Habitação, e do Meio Ambiente, ambas do Ministério Público Estadual; e no Judiciário, no Juizado Especial Criminal de Belo Horizonte. Contudo, ambas instituições não possuíam dados numéricos acerca da quantidade de processos que envolviam os crimes de grafitagem e de pixação, mas sempre foram muito receptivas aos questionamentos e à possibilidade de acesso a processos. Os dados colhidos nas Promotorias e no Juizado Especial Criminal são, portanto, sempre qualitativos, através de conversas informais sobre o graffiti e a pixação com Promotores e Juízes presentes nas instituições. 5.1. Primeiro relatório de campo: grafitti, pixação e Estado Serão colacionadas abaixo partes do relatório de campo do acompanhamento de grafiteiro no Juizado Especial Criminal49. É importante ressaltar que a pesquisadora acompanhou o grafiteiro na audiência e, a partir daí, em todo processo, até o cumprimento da composição cível, no papel de pesquisadora e advogada. O trabalho de campo passou a ser realizado – a acontecer – a partir do momento em que se decidiu ir à audiência como advogada. Mas o acompanhamento do caso começou antes, quando o grafiteiro entrou em contato por e-mail, pedindo uma orientação sobre o ocorrido. 47 O Duelo de MC´s é um movimento do hip hop que ocorre há quase 6 (seis) anos em Belo Horizonte, ao lado da Serraria Souza Pinto, embaixo do Viaduto de Santa Tereza. Ele ocorre todas as sextas-feiras e é lugar já conhecido, às sextas-feiras, como Duelo, do hip hop, da cultura de rua. 48 A pesquisadora trabalhou como Técnica em Planejamento Urbano na SMAPU-PBH de junho de 2011 a maio de 2012, em contrato temporário decorrente de Processo Seletivo Simplificado. 49 Relatório de campo citado a partir da dissertação de mestrado da pesquisadora Mariana Gontijo (GONTIJO, 2012) 52 Dividiu-se o relatório em dois momentos: o primeiro, de acompanhamento do grafiteiro na audiência; e o segundo, de acompanhamento do cumprimento da composição cível. Transcreve-se, portanto, o relatório contido na dissertação50: Processo movido contra o grafiteiro O grafiteiro foi incurso no art. 65, da Lei de Crimes Ambientais – Lei 9.605/98 –, antes da alteração instituída pela Lei 12.408, de 25 de maio de 2011. Segundo seu relato, ele estava fazendo um stencil51 (molde vazado) em um muro e foi surpreendido por um policial à paisana, que o constrangeu de forma violenta, tendo, em seguida, aparecido vários carros da polícia. Foi revistado, enquanto explicava que o que fazia não era pichação e que, inclusive, dava aulas de grafite (técnica stencil) em escolas da Prefeitura de Belo Horizonte. Levaram-no para o quartel, onde esperou durante três horas e trinta minutos até a chegada de uma viatura, que o levaria para a delegacia, local onde ficou mais três horas. Saiu com intimação para uma audiência de conciliação no Juizado Especial Criminal. Vale esclarecer que o grafiteiro é de Belo Horizonte, formou-se em publicidade, mas seu ofício, há algum tempo, é o estêncil. Relatou-me, inicialmente, que trabalha há, aproximadamente, treze anos com estêncil. É artisticamente reconhecido, de acordo com matérias de jornal que me enviou. Falou-me do seu trabalho e eu vi algumas coisas de sua autoria, inclusive, na rua. Entrou em contato comigo por meio de uma amiga em comum, que sabia da minha pesquisa, sugerindo que eu o orientasse. Inicialmente, eu não trabalharia como advogada no caso, apenas esclareceria suas dúvidas jurídicas. Toda conversa, inicialmente, se deu por email e tudo fazia crer que ele não queria estar pessoalmente comigo. Acredito – e ele, ao final, me confirmou – que não queria pagar um advogado, bem como não tinha muita confiança ou acreditava em advogados. Eu também não atuava como advogada em contencioso judicial há algum tempo e nunca havia atuado na área criminal. 50 Nas partes transcritas da dissertação, manteve-se a grafia originalmente utilizada pela pesquisadora. Nestes casos, utiliza graffiti quando se quer expressar a arte que é feita, isto é, o grafite como arte; e utilizase grafite quando refere-se à legislação que trata do tema. 51 Em português, estêncil é uma forma de grafite. 53 Conforme acima descrito, o muro que o grafiteiro estava pintando estava com a autorização vencida. Explicou-me que, normalmente, quando uma autorização expira, o muro é pintado todo de branco e, no caso do muro em questão, onde já havia, inclusive, um trabalho dele, continuava grafitado e pichado, mesmo estando sem validade a autorização. Ele me questionou se poderia alegar a questão da autorização, se contaria a seu favor no processo, além do fato de que é artista e professor nas oficinas de grafite de escola da Prefeitura de Belo Horizonte. Chegamos à seguinte conclusão: não valeria a pena prosseguirmos com o processo no Juizado Especial Criminal. Melhor dizendo: melhor seria aceitar um acordo na audiência de conciliação que se realizaria em breve no Juizado Especial Criminal. O acordo permite que o processo seja finalizado para o acusado, pois não conta como reincidência e não gera antecedentes criminais. O risco de prosseguir e perder era grande, considerando que o grafite estava definido como crime no art. 65, da Lei 9.605/98, além de não haver jurisprudência sobre o tema, conforme pesquisa feita no site do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (na parte relativa ao Juizado Especial Criminal). Achou-se, também, que não caberia invocar o desconhecimento do vencimento da autorização, pois, em tese, o grafiteiro deveria, a cada grafitagem, solicitar autorização ao proprietário ou dono do muro. Essa, no entendimento dele, seria a atitude mais adequada e menos arriscada antes mesmo da alteração da Lei 9.605/98 em 2011, quando se passou a exigir formalmente a autorização para grafitar. Contudo, a pesquisadora, como advogada do artista, explicitou-lhe a possibilidade de se prosseguir no processo e apresentar uma defesa argumentando acerca do graffiti como cultura a ser protegida constitucionalmente, deixando claro que se tratava de algo novo, com pouca probabilidade de sucesso. Toda a relação estabelecida entre grafiteiro e pesquisadora pressupunha uma ajuda em relação ao problema por ele vivenciado. Disponibilizei-me a ajudar e esclareci não possuir experiência na área penal, mas que poderia solicitar auxílio a algum advogado conhecido. O meu interesse em relação ao tema era indubitável. Era parte da minha pesquisa. Em alguns momentos, estranhei o fato de a nossa relação ser apenas 54 virtual, mas, com o tempo, ela se tornava próxima e me ofereci para acompanhá-lo à audiência de conciliação como advogada, considerando que haveria acordo. Refletia como pesquisadora e jurista sobre o fato de que, ao que tudo indicava, a maioria dos casos envolvendo o graffiti terminava em acordo. Isso impedia a discussão judicial acerca do tratamento que lhe é dado pelo ordenamento jurídico pátrio. Assim, alguma mudança na Lei de Crimes Ambientais, no sentido de descriminalizar o grafite, adviria mais do campo político, isto é, do Legislativo, e não do Poder Judiciário. Na época, não se aventou, efetivamente, a possibilidade de alegar o não enquadramento do caso no tipo penal vigente, ainda anterior à mudança na legislação, pois se poderia argumentar no sentido de que o grafiteiro não conspurcou o muro, o qual já estava todo grafitado e pichado. E, durante o trâmite do processo, como se verá, o muro continuou “sujo” Audiência Cheguei ao Juizado sozinha. Demorei a localizar o processo na pauta das audiências de conciliação do dia. Posteriormente, descobri que o número do processo na ata da primeira audiência de conciliação, que havia sido adiada, estava errado. Estava um pouco nervosa, pois o grafiteiro não chegava e, como mencionado, há muito tempo não fazia uma audiência. Ressalte-se que se utiliza aqui a palavra processo em sentido amplo, pois a audiência preliminar, nos casos julgados nos Juizados Especiais Criminais, trata-se de fase pré-processual, uma vez que não há denúncia ou queixa ainda ofertada, mas apenas um “termo circunstanciado”52, lavrado pela autoridade policial. O grafiteiro chegou. Verificamos o processo, que fica à disposição das partes quando do início das conciliações da tarde, sob a guarda de uma espécie de porteiro da entrada das salas de conciliação. Para minha surpresa, o acusado possuía um antecedente criminal no qual já havia se beneficiado pela aplicação de multa ou pena restritiva de direitos, porém há mais de 5 (cinco) anos, o que não impediria o acordo anteriormente previsto, observando-se, fielmente, a regra do art. 76, § 2°, inc. II, da Lei dos Juizados Especiais – Lei 9.099/95. Foi tenso, contudo, pois, por um momento, pensou-se que estaria tudo perdido. 52 Trata-se da formalização da ocorrência policial, referente à prática de uma infração de menor potencial ofensivo. Informação obtida In: NUCCI, 2008, p. 750-751. 55 Em realidade, a pesquisadora advogada não havia se preparado o suficiente para um prosseguimento da audiência de conciliação, que instauraria de fato a ação penal, pois a denúncia poderia ocorrer oralmente na própria audiência em que não se faria possível a transação, tal como previsto no art. 77, da Lei 9.099/95. Mas, como já haviam se passado mais de 5 (cinco) anos do benefício anterior concedido ao grafiteiro, nada modificou a possibilidade da transação penal e da composição cível que viriam no decorrer da audiência. A audiência transcorreu tranquilamente. Fomos atendidos por 2 (dois) conciliadores simpáticos. O acusado explicou aos conciliadores ter “mandado no muro”53 um grafite e não uma pichação e, em seguida, acatou a proposta de acordo do Ministério Público Estadual. Fora feito o seguinte acordo: 1) composição cível, consistente na limpeza do muro grafitado, mediante comprovação com fotos antes e depois da limpeza. Caso o local já estivesse limpo, deveria o autor do fato comparecer à CEAPA/MG (Central de Penas Alternativas do Estado) para que essa instituição indicasse outro muro, de mesma metragem, para cumprimento da medida. Definiu-se a metragem, informalmente, de acordo com o tamanho do stencil de autoria do grafiteiro no muro, não tendo, no entanto, tal definição, constado em ata. Foi o próprio grafiteiro quem atentou para o fato – o tanto que teria que limpar – e discutiu com os conciliadores. Deixei-o bem à vontade, intercedendo quando necessário, e pensando em conjunto, sugerindo, principalmente, quanto à proposta de acordo. E 2) transação penal, consistente no pagamento de multa (prestação pecuniária), em valor juridicamente razoável, a ser paga de 3 (três) vezes. No decorrer da audiência, o grafiteiro explicou a técnica do stencil e relatou bem o caso. Explicou toda a questão sobre a autorização. Deixei bem claro, e, igualmente, o grafiteiro, que se tratava de muro grafitado e não pichado, como constara na ata, que foi, assim, alterada. A audiência foi pouco formal, seguindo o critério da informalidade que orienta os processos perante o Juizado Especial. Apresentei-me como pesquisadora e pedi para conversar com a Juíza de Plantão sobre o tema da minha pesquisa. Não me deterei sobre toda minha conversa com a Juíza, mas esta expressou a opinião de que a pichação e o grafite são vistos como a mesma coisa no Juizado, sendo ambos definidos como crime pela Lei de Crimes Ambientais. Salientou, ainda, que há muitos casos de grafite e 53 Gíria utilizada pelo próprio grafiteiro ao me relatar o caso. Ela é utilizada, frequentemente, por grafiteiros e pichadores; é parte da cultura de rua. 56 pichação que não terminam em acordo, devido aos antecedentes criminais de boa parte dos acusados. Vale lembrar que a audiência se deu antes da mudança da legislação em 2011, que diferenciou o grafite e a pichação. Além disso, a Juíza mencionou, rapidamente, que a polícia faz “vista grossa” em relação ao grafite e à pichação, havendo poucos casos sobre o tema – “sobre o art. 65, da Lei de Crimes Ambientais”54 – no Juizado, isso se forem comparados a outras questões ambientais ali apreciadas. O grafiteiro, que me aguardava, não viu qualquer sentido na composição cível pactuada – a limpeza do muro, isto é, do seu trabalho –, trabalho que é, inclusive, ensinado nas escolas da Prefeitura. 4.5.3 Cumprimento da Composição Cível - A Limpeza do Muro Inicialmente, deve-se esclarecer que o grafiteiro esteve no local para cumprir o acordo e não o deixaram limpar o muro. O muro ficava ao lado de um batalhão e era parte do terreno deste. Voltamos lá juntos e não aceitaram a ata da audiência que determinava a limpeza do muro. Entenderam ser necessária a comunicação oficial da decisão judicial ao Batalhão, em nome do seu Comandante. Fomos bem atendidos pelo Major na ocasião e fiquei de providenciar o comunicado oficial. Destaca-se aqui, novamente, a burocracia da polícia, agora não da Guarda Municipal, mas da Polícia Militar, esta mais arrogante no uso do poder, para não se falar em abuso. De toda maneira, chegamos, no dia da limpeza do muro, com a autorização (comunicação oficial) e o Major nos recebeu bem, assim como a Secretária que protocolou minha petição. Na petição, o grafiteiro, representado por mim como advogada, apresentava e requeria o protocolo do Ofício da Justiça Criminal que determinava o cumprimento da transação. Ressalte-se que, sem qualquer fundamento legal, apresentou-se uma petição ao Batalhão solicitando o cumprimento de uma decisão judicial. Normalmente, a polícia tem o dever de cumprir uma decisão judicial. A polícia judiciária cumpre decisões, executa sentenças. Ao que pareceu, o militar quis se colocar no mesmo nível do juiz que determinou o cumprimento da decisão. E, no caso judicial do grafiteiro, não havia, para o 54 Transcreve-se a forma como a d. Juíza referiu-se ao tema, para destacar a linguagem forense. 57 Batalhão, necessidade de exercer qualquer poder – ato efetivo da polícia – para o cumprimento da decisão: bastava que alguns policiais, sob o comando do Major, acompanhassem o cumprimento da reparação do dano. Talvez por isso tenha sido necessário ao Major demonstrar uma relação de poder entre militar e cidadão, para ele tido, normalmente, como praticante de um crime. A Secretária do Batalhão esclareceu que emitiria Ofício ao Juizado Especial Criminal, informando o cumprimento da composição cível. O objetivo daquilo tudo era resguardar o Batalhão do cumprimento da composição cível; impor formalidades onde não havia. Mas abstraímos toda essa questão para providenciarmos a limpeza do muro. Saindo do gabinete do Major, fomos em direção ao local da limpeza, acompanhados por dois policiais, mas todo o batalhão se moveu e percebeu a nossa passagem por ali naquela tarde. Houve um policial, um dos que não nos acompanharam até o muro, que ficou querendo conversar sobre medida alternativa, de uma forma arrogante, como se quisesse falar sobre o tema e entender ao mesmo tempo o que havia ocorrido. Mas foi bastante ambíguo na sua colocação, de forma que não compreendi se achou insuficiente a “pena” 55 imposta ao grafiteiro ou se achou, também, totalmente sem sentido a limpeza do muro. Parece-me que, afinal, ele queria debochar do grafiteiro, daquela situação. Um dos policiais que nos acompanhou durante a limpeza também quis entender o que estava ocorrendo, achando aquilo tudo “coisa de louco”56. Pediu nossa ata para tirar cópia e reclamou que “o pessoal lá de cima do Batalhão” não passa nada para eles. No caso, não tinham lhe passado a ata para o acompanhamento do cumprimento da composição cível, mesmo tendo ele sido designado para realizar o referido acompanhamento. Também o Cabo que nos acompanhou achou esquisito aquele cumprimento da “pena”. O grafiteiro começou a limpar o muro. Ele foi todo preparado, com tintas, rolinho e máquina fotográfica para comprovação do fato junto ao Juizado Especial. Ele é um rapaz mais velho (entre 30/40 anos), sério, tranquilo. Relatou-me, como já mencionado anteriormente, que não pinta tanto na rua mais, pois não quer enfrentar problemas. Gosta 55 A palavra pena foi usada muitas vezes e por quase todos que estavam presentes no ato de cumprimento da composição cível. 56 Expressão que utilizei em minha anotação de campo e que representa o que vi nos olhos, no rosto do policial. 58 de pintar (“mandar o stencil”) no seu próprio bairro – quando pessoas conhecidas do bairro pedem ou ele sugere uma intervenção, para melhorar o aspecto da rua, do ambiente. Ele mencionou, no momento da limpeza: “imagina como é louco para mim”. Mencionou a questão de dar aulas de stencil, de trabalhar ensinando graffiti. Eu me sentia meio advogada, acompanhando seu cliente, meio pesquisadora. Queria viver tudo. Queria minha máquina de retratos e não estava com ela. Tive vontade de limpar o muro junto. Quando já estávamos quase no final do “serviço” – ajudei um pouco, orientando se tinha tampado ou não as figuras grafitadas no muro –, passaram dois jovens, não tão meninos, já moços, morenos, mais humildes, mas nem tanto, que pararam, olharam e perguntaram: “que grafite vai sair aí?” São coisas inesperadas e maravilhosas de se ouvir: “felicidade se acha é em horinhas de descuido”, já dizia Guimarães Rosa em “Barra de Vaca” (tutaméia) 57. Logo rimos e esclarecemos que o grafiteiro estava cumprindo uma pena, ou melhor, uma composição cível, reparação de dano por ter grafitado o muro. E um dos jovens transeuntes disse: “eu também faço grafite, eu acho massa. Os pichadores são guerreiros mesmo! Mas eu faço grafite.” Muito interessante esta última colocação desses jovens. Pichador, para eles, é homem corajoso. Veja-se que eles são reconhecidos por isso. A busca de reconhecimento contida na prática da pichação é real, bem como o próprio reconhecimento, que, de fato, ocorre muitas vezes, seja no círculo de amigos dos pixadores, no lugar em que vivem ou, talvez mais fortemente, pelo grupo culturalmente diferenciado de que fazem parte, que aqui foi denominado “cultura da pixação”, no caso circunscrita ao local e o período desta investigação, quais sejam, “comunidade de pixadores de Belo Horizonte” – pegando emprestada definição usada por Isnardis58 – e o período entre janeiro de 2011 e julho de 2012. Expliquei aos jovens passantes, no decorrer de uma conversa que acabou surgindo de todo o acontecido – da presença marcante deles ali – que, segundo a Lei, é necessária 57 Citação contida no disco Brasileirinho de Maria Bethânia, no qual todas as frases de João Guimarães Rosa foram retiradas do livro “Cf. ROSA, João Guimarães. Rosiana: Uma coletânea de conceitos, máximas e brocados. Seleção e prefácio Paulo Rónai. Belo Horizonte: Ed. Salamandra, 1983. 58 ISNARDIS, Andrei. Pinturas Rupestres Urbanas: uma etnoarqueologia das pichações em Belo Horizonte. Revista de Arqueologia, Brasil, n. 10, p. 143-161, 1997, p. 150. 59 a autorização para grafitar, o que permaneceu com a mudança recente da Lei de Crimes Ambientais. Esclarece-se que a limpeza do muro ocorreu no começo de junho de 2011, portanto, logo após a alteração da Lei 9.605/98 pela Lei 12.408, de 25 de maio de 2011. O grafiteiro pintou o muro e ficou aliviado de finalizar aquela história. Melhor dizendo, ele concluiu a limpeza do muro, pintando-o de cinza. “Comemoramos juntos, eu, o grafiteiro e meu pai, que aquele dia havia me acompanhado até o ‘local do crime’”59. Reflexões sobre o muro do quartel Depois do ocorrido, percebeu-se que o caso da limpeza do muro no quartel tratouse de algo bastante característico da sociedade brasileira atual. Muitas vezes, observa-se uma não responsabilização das pessoas em relação a algo que se refere ao comum da vida em sociedade – do viver em comunidade. As pessoas em geral e, mais gravemente, aquelas ligadas, de alguma maneira ao poder, seja ele econômico ou político, deixam de agir, algumas vezes, de forma cidadã. O desinteresse em receber o grafiteiro para o cumprimento de uma decisão judicial demonstrou a inércia do Batalhão em relação a problemas importantes de sua responsabilidade, pois o muro está ali situado e o Major e os policiais sequer estavam preocupados se o muro ainda estava todo grafitado e pichado, ou não. Questionei-os se o muro estava sem autorização para grafitagem. Eles disseram que sim e que estavam sem verba para realizar a limpeza do muro. Porém, respondiam como se o problema não fosse deles, o que pode esclarecer, por um lado, o fato de ser difícil para os grafiteiros solicitar autorizações em lugares onde, de antemão, é sentida, simultaneamente, certa imposição e negligência advindas de órgãos e servidores do poder público. Pode-se inferir que, tendo em vista a experiência relatada, não haveria qualquer vontade por parte do Batalhão de esclarecer a situação do muro – se está autorizado ou não para grafitagem – para qualquer interessado em realizar um graffiti.”60 (grifamos) Foram grifados acima, alguns pontos de destaque na fala do grafiteiro ou de outros presentes nos lugares relatados, e, também, outros pontos que nos interessam muito na 59 60 Frase retirada do caderno de campo da pesquisadora. GONTIJO, 2012, p. 54-61. 60 especificidade da proposta que se faz na Pesquisa Cidade e Alteridade, relativamente à cultura de rua. Fica claro, a partir do relato, o diálogo que se estabelece entre direito formal e cultura do graffiti. Inicialmente, ficou claro como se faz necessária a diferenciação do grafite e da pixação no Direito, tendo o problema aparecido em duas situações descritas no relatório de campo: na própria audiência e na fala da Juíza no Juizado Especial Criminal. A inovação trazida pela Lei 12.408/11 à Lei de Crimes Ambientais – Lei 9.605/98 - caminha exatamente no sentido dessa diferenciação. Não se pretende dizer que a diferença é importante para distinguir graffiti e pixação como algo bom e ruim, respectivamente, mas é importante por caminhar no sentido do reconhecimento de certas inscrições nos muros como possíveis de serem interpretadas como arte. Entretanto, analisando o contexto mais amplo do surgimento desta lei, é possível afirmar que ela reforçou sensivelmente a criminalização da pixação. Ora, o graffiti, já há algum tempo, é ensinado nas escolas públicas e no sistema socioeducativo61. Em Belo Horizonte, tem-se notícia do ensino de graffiti nas escolas integradas do Município (escolas públicas municipais) e em oficinas do programa “Fica Vivo!”, do Governo estadual. Este último incentiva sua prática como forma de prevenção à criminalidade. Há também o “Projeto Guernica”, do Governo municipal, que, de elogiado em seu início – em 1999-2000, na gestão do Prefeito Célio de Castro –, posteriormente esvaziou-se em sua atuação, estando hoje atrelado a um Governo 62 que foca na necessidade de o graffiti atuar como prevenção e cura da pixação. Entretanto, o graffiti, previsto como crime de forma genérica até maio de 2011, continua, como vimos na legislação ambiental alterada, sendo crime, caso não cumpridas as duas condições previstas na Lei 9.605/98. Hoje, para que o graffiti não constitua crime, impõe-se a necessidade de que esse ocorra com autorização e, simultaneamente, seja caracterizado como manifestação artística com o objetivo de valorizar o patrimônio público ou privado. Percebe-se que se trata de regra bastante subjetiva, muito dependente da ação discricionária do Estado. 61 Vide subrelatório do presente documento, produzido por Guilherme del Debbio, sobre o acompanhamento que prestou como técnico da Prefeitura de Belo Horizonte em casos de medidas socioeducativas. 62 Gestão do Prefeito Márcio Lacerda, com início em 2009. Uma nova gestão do mesmo Prefeito iniciou-se em 2013. 61 Claramente, percebe-se a possibilidade aberta tanto ao Poder Executivo, quanto ao Judiciário, no sentido de poderem decidir, discricionariamente, sobre o caráter artístico ou não de um graffiti em busca de autorização63. A valorização ou não do patrimônio público ou privado trata-se, também, potencialmente, de outra abertura para decisões contrárias à cultura do graffiti. Ademais, um juiz que não separe bem graffiti e pixação pode simplesmente resolver aplicar a lei de forma literal. A possibilidade desse suposto juiz buscar entender e analisar a realidade, o que possivelmente, em um caso como este, não estará tão evidente nos autos, – tendo em vista o fato de se tratar de crime de menor potencial ofensivo, de procedimento sumaríssimo, ou o fato de que o próprio grafiteiro pode resistir em procurar uma boa defesa, mesmo esta sendo oferecida pelo defensor público – é pequena. E, aqui, destaca-se um ponto do relatório de campo que demonstra a importância do caráter político do graffiti de rua, defendido pela pesquisadora, e, portanto, da proteção que se deve dar a esta prática cultural e artística. Na realidade, a discussão judicial dos crimes de grafitagem não chega a acontecer em montante significativo, de forma que alguma mudança na Lei de Crimes Ambientais, no sentido de descriminalização do graffiti, provavelmente, adviria de reivindicações do campo político. Por outro lado, ainda sobre o contexto de consolidação no aparato jurídico administrativo da diferenciação entre pixo e graffiti, vale mencionar novamente o processo de recrudecimento em relação ao pixo. Quando a Juíza opina que a polícia faz vista grossa aos crimes de pixação e graffiti, pode ser que, na época em que comentou (início de 2011), ela não tenha percebido a movimentação que já havia na política municipal relativamente ao combate à pixação. Nessa época, os Piores de Belô64 já haviam sido presos preventivamente sob a acusação de formação de quadrilha, por realizarem, em conjunto, pixações em Belo Horizonte. A prisão se deu em 2010. Aproximadamente naquele momento estava em discussão e foi anunciada em Belo Horizonte, pelos Governos estadual e municipal, a criação de uma delegacia para tratar 63 Conforme, ademais, discutido no relatório de Guilherme Abu-Jamra, que compõe este documento, essas noções do belo, do limpo e do progresso são fruto de processos sociais e históricos excludentes e pautados por uma ótica modernizante. 64 Grupo de pixadores que utilizavam esse nome e foram presos, preventivamente, em 24 de agosto de 2010, acusados do crime de formação de quadrilha, por supostamente atuarem em conjunto e planejarem suas pixações nas redes sociais. 62 exclusivamente dos casos de pixação.65 E, já havia por parte da pesquisadora, uma preocupação com o exagero das medidas tomadas pelos Governos contra os pixadores, em especial pelo Governo municipal, com o programa “Movimento Respeito por BH”. Ainda vigente, esse programa baseia-se na “Teoria das Janelas Quebradas” – aplicada com êxito em Nova York em 1994, por meio da implantação da política de “Tolerância Zero” –, para buscar garantir o ordenamento e a correta utilização do espaço urbano, através do cumprimento e efetiva aplicação da legislação vigente. No que se refere à pixação, as discussões no Judiciário ganham maior vulto, sendo importante, também, a atuação em defesa dos direitos fundamentais dos pixadores e da descriminalização da juventude brasileira. O pixo, tal como o graffiti, constitui uma cultura de rua e deve ser compreendida em sua dinâmica social e cultural. Entretanto, a ambiguidade entre identidade e diferenciação no âmbito sociológico entre pixo e graffiti é ressaltada, por outro lado, na fala dos jovens transeuntes enquanto expressões e artes de rua. Eles dizem: “eu também faço graffiti, eu acho massa. Os pixadores são guerreiros mesmo! Mas eu faço graffiti.”66 É ressaltada, inclusive, pela própria Juíza, ao afirmar que pixadores e grafiteiros têm alto índice de antecedentes criminais. Ainda que isso deva ser melhor investigado em termos quantitativos e qualitativos, os dados que colhemos na pesquisa até o momento não confirmam essa afirmação. De todo modo, a fala dela denota uma pressuposição – e talvez um preconceito – em relação a esses sujeitos: o de que eles são, em sua maior parte, criminosos de outros tipos de crime. Tem-se que, nossa cultura jurídica (a que prevalece), ao se referir a antecedentes criminais, de antemão, age com preconceito, decorrente dessa própria cultura jurídica. Além disso, ela tem vontade de punir e, mais ainda, o “diferente”. Como visto no relatório de campo, o grafiteiro era Professor de graffiti em escola da Prefeitura, ficando sem entender como o mesmo graffiti, feito por ele na rua, pôde ser considerado crime. 65 O anúncio foi feito em agosto de 2010. Referida delegacia especializada não chegou a ser aberta no Estado. 66 GONTIJO, 2012, p. 60. 63 5.2. Segundo relatório de campo: o graffiti como cultura Far-se-á uma pequena apresentação do relatório de campo baseado em conversa informal com o DJ Roger Dee, integrante da Família de Rua. Roger, Ele foi um dos primeiros a grafitar em Belo Horizonte (1984) e aqui nos interessa, principalmente, entender como a prática do graffiti se dava quando ele começou a grafitar. Conversamos informalmente no dia 26 de outubro de 2011, em reunião feita para tratar do estatuto da Família de Rua. A pesquisadora estava presente como advogada da Família de Rua e estudiosa do graffiti, em mestrado na Faculdade de Direito. Será colacionada abaixo a primeira parte do relatório de campo, pois, depois da conversa informal, a pesquisadora realizou entrevista por telefone com Roger, que se trata da segunda parte do relatório. Roger contou que, quando começou, os grafiteiros, basicamente, copiavam o que “rolava”67 lá fora, principalmente nos Estados Unidos, nos trens de Nova York. Falou de uma pessoa que, segundo ele, era o maior grafiteiro da época. Ele se chamava Ângelo e tinha o apelido de “AJ”. Roger relata que “o cara fedia spray, tinta” 68, pois andava o dia inteiro grafitando. Falou um pouco dele na escola, junto com outros meninos. Eles pintavam a escola, e conta ainda que levavam um radinho e dançavam – acredita que a dança é o elemento mais forte e coeso do hip hop. Relatou uma história dele, sobre quando grafitou com o “AJ” no Carlos Prates, em um lugar onde passava um metrô ou trem, no viaduto de Santa Quitéria. Disse que sentia muita emoção, que havia a adrenalina do trem que poderia vir a qualquer momento. Explicou-me que, nos anos 90, todos que grafitavam, andavam com livros, material e, caso fossem abordados, mostravam o material, dizendo que estavam fazendo obra de arte. Afirma que os policiais respeitavam, aceitavam, acreditando que “ah, aqueles meninos ali, estão fazendo arte.”69. 67 Transcrição da gíria utilizada por Roger, que diz respeito à ação ou ocorrência no lugar definido. Sinônimo de acontecimento. 68 Fala do informante, anotada no caderno de campo. Ressalte-se que informante é o termo utilizado na antropologia para denominar o entrevistado do grupo cultural pesquisado ou de, alguma forma, ligado à cultura investigada. 69 Roger referindo-se a fala dos policiais em relação a eles. 64 Vale aqui lembrar que na época não havia na legislação a exigência de autorização para grafitar.70 Mas os grafiteiros, segundo Roger, algumas vezes, “elaboravam” autorizações e andavam com elas. Acredita que hoje os pixadores estão fazendo aquilo que faziam. Destaca, entretanto, que, naquela época, eles copiavam, e, hoje, os pixadores têm um processo mais autônomo de aprendizagem, de ver aquilo que já foi feito e, de repente, depois de muito fazer, seguir aperfeiçoando suas práticas. Pelo que entendi, Roger acredita que os pixadores estão fazendo algo mais interessante, e diz, exatamente: “não é cópia, é a evolução dos traços.”71. Posteriormente, conversando ao telefone com Roger para confirmar sua fala e solicitar sua autorização para incluí-la neste relato – no dia 24 de junho de 2012 –, ele afirmou que a pichação é uma tag, no sentido de assinatura de um nome, a qual pode talvez, com o tempo, evoluir para outra história (tipografia ou pintura) parecida com o graffiti no Brasil. Menciona que eles – pixadores – podem tomar como base tanto o graffiti já feito aqui, como outras referências. Pensando que, nos Estados Unidos e na Europa, nos lugares onde a palavra “graffiti” refere-se a todos os tipos de escrita urbana, a tag é tida como o primeiro estilo praticado – a partir do qual houve a evolução para os estilos robustos, cheio de formas, tais como o throw-up, os bombs e outros –, a pichação poderia ser tomada como sendo um graffiti72, sem qualquer diferença. E seria um graffiti realizado, por enquanto, só por meio de tags. Ocorre que no Brasil, onde já existe a tradição do que seja grafitti (como pensamos, geralmente a escrita de rua com grandes formas), qual seja, aquele que teve início com as formas praticadas nos Estados Unidos nos anos 60-70 (estilo mais visual, icônico), houve a diferenciação entre graffiti e pixação. E poderíamos pensar se a pixação não é algo genuinamente brasileiro, da forma que ocorre aqui. Questionando-o se a pixação seria arte no Brasil, Roger respondeu-me, veementemente, que não, que a pichação é, para ele, contestação, não necessariamente política. Aliás, para ele, ela não é política, mas tem um caráter de contestação pessoal de 70 A Lei de Crimes Ambientais é de 1998 e, também, não exigia a autorização antes da alteração feita em seu texto pela Lei 12.408/11. Porém, após a promulgação da Lei de Crimes Ambientais, que tipificou o grafite como crime, a autorização passou a ser exigida administrativamente, sem regras claras. 71 Citando o caderno de campo. 72 Utilizando o termo em inglês, da forma pensada fora do Brasil. 65 seu autor, uma vontade de ser reconhecido ou ter visibilidade, aparecer. Concorda que os pixadores podem acabar “pegando carona” na ideia de ser uma contestação política. Entende que hoje a pichação é apenas uma criação tipográfica que se exterioriza através de uma tag. E diz, ainda, que muitos pixadores justificam suas práticas por meio do argumento de que essas são, também, graffitis, o que Roger não concorda, pois graffiti, no Brasil, é diferente de pixação, destaca. Voltando-se ao relato da conversa realizada em 2011, Roger me contou ali, naquela reunião, a história dos grupos de graffiti em Belo Horizonte, cronologicamente, a partir da sua época. Ele conhece bem a história do graffiti na cidade e de forma geral. Conta que, depois de um tempo, deixou um pouco a rua e virou DJ. Mas, pela sua fala, ele ainda tem uma relação forte com a pintura. Nesse momento, a pesquisadora percebeu um pouco como foi sendo construído o seu modo de vida. Hoje, Roger é DJ, produtor cultural e compositor, conforme entrevista por ele dada ao Jornal O TEMPO, publicada no dia 1° de maio 201173. Em seguida, contou-me de seu encontro com osgêmeos74, nos anos 80. Relata que são amigos. Disse-me que costumava ir a São Paulo e ficava com eles, pintando. Na realidade, dançavam e pintavam. Segundo Roger, Os Gêmeos conheceram, nos anos 90, um “cara”75 chamado “Twister”, que ensinou uma técnica de grafitti para eles e, a partir daí, eles decidiram que não iriam mais estudar, ir para a faculdade, mas só fazer graffiti, e que havia uma preocupação dos dois quanto àquela empreitada dar certo. Após esse primeiro contato com osgêmeos, ressaltou que houve muitas trocas entre os grafiteiros daqui com eles e outros artistas de São Paulo, e que eles foram transmitindo algumas técnicas para o pessoal daqui, de forma que acha que o graffiti daqui também evoluiu, ficou “legal”76. No meio da conversa, houve algumas interrupções, outros assuntos com todos presentes, tendo Roger se manifestado no sentido de que a Família de Rua faz hip hop, e não rap. E, então, questionei o porquê. Roger respondeu que o rap é algo que foca mais 73 BARBOSA, Daniel. Entrevista: A Voz do Hip Hop Reverbera. Belo Horizonte, Jornal O TEMPO, 1 mai. 2011. Entrevista. Disponível em: <http://www.otempo.com.br/otempo/acervo/?IdEdicao=2017&IdNoticia=169926>. Acesso em: 25 jun. 2012. 74 Os irmãos gêmeos idênticos Otávio e Gustavo Pandolfo, conhecidos pela assinatura osgemeos, artistas de São Paulo, consagrados no mundo. Informação obtida em: Dois é demais. Revista O GLOBO, Rio de Janeiro, nº 369, p. 34-39, 21 de agosto de 2011. 75 Mantendo a fala coloquial do informante. Segundo Roger o “cara” se chama “Twister”. 76 Destacando e trazendo para o texto a expressão utilizada pelo informante, no intuito de manter o sentido e a naturalidade da conversa. 66 no mercado hoje em dia. Ele pode não ter qualquer relação com o hip hop, pois esse tem a ver com atitude, com o jeito de vestir, com um estilo de vida. Tal como no graffiti existem artistas que não têm qualquer relação com o hip hop, o mesmo ocorreria no rap. Segundo ele, o nome “hip hop” não tem muita explicação, em termos de conceito. Afirma que um grupo, um pessoal, se reuniu, colocou música, pinturas e chamou aquele encontro, aquela festa, de hip hop, “do nada”, sem qualquer motivo. E diz Roger: “ele poderia ter qualquer outro nome.”. Hip hop é um jeito de pensar, refleti. Para Roger, o estilo nasceu no Bronx 77, assim como o graffiti. E afirmou que, antes, dialogavam com a pichação. Acha que hoje não dá para dialogar com a pichação. Disse que, nos anos 90, “pichador era pichador, não era bandido.”78, 79 (grifamos) Querendo entender essa última afirmação de meu informante, decidi perguntá-lo, por telefone, de que forma expressava sua opinião sobre os pixadores, ao falar que hoje eles eram bandidos. Queria entender o que ele realmente pensava sobre a pixação. A conversa ao telefone, realizada no dia 24 de junho de 2012, pode ser encarada como uma entrevista não estruturada que, embora não planejada previamente, em muito contribuiu para esclarecer as dúvidas existentes, brindando-nos – e fortalecendo80 – com outros pontos acerca da cultura de rua. Ela está contida nessa segunda parte do relatório de campo: Primeiramente, falarei da pergunta feita a Roger sobre a pichação. No fundo, a pesquisadora suspeitava que Roger referia-se à opinião da sociedade acerca do pichador. Ele esclareceu que hoje a sociedade é quem trata o pichador como bandido e que, em sua opinião, poucos deles estariam envolvidos na “bandidagem”81, aproximadamente 5% (cinco por cento) deles. Outros 80% (oitenta por cento), ou a maioria, ele acredita que picha para aparecer, e os outros 15% (quinze por cento) 77 Bairro de Nova York, onde havia muita criminalidade e ocorreram encontros de dançarinos de break, DJs e MC’s em festas de rua, encontros estes que foram chamados de hip hop e que, na sua origem, já tinham um tom político, contestatório. Ver em: LODI, 2003, p. 99; e ROCHA, Janaína; DOMENICH, Mirella; CASSEANO, Patrícia. Hip hop: A periferia grita. São Paulo: Ed. Fundação Perseu Abramo, 2001, p. 17-18. 78 Fala de Roger, anotada após a reunião. 79 GONTIJO, 2012, p. 36-38. 80 Palavra muito usada no hip hop, visando designar uma contribuição, um ensino, uma valorização da cultura hip hop. O uso da expressão expande-se hoje para toda arte e cultura de rua. 81 Bandidagem no sentido de envolvimento com a criminalidade. 67 estariam, talvez, viciados na adrenalina. Acha, portanto, que o problema para os pichadores é que alguns deles estão envolvidos com a criminalidade, com outros crimes mais graves, juntamente com o crime de pichação. Assim, tal como mencionado acima e no item anterior, Roger conclui que, na sua opinião, eles não agem politicamente, mas para ganhar notoriedade; e salienta que a maioria não está envolvida em crimes mais graves, o que o Estado tenta generalizar. Querem pichar, sujar, não tão preocupados com tantas outras coisas, diz Roger. Acredita que há realmente, em alguns casos, um vício de realizar aquela prática, pois ela gera muita adrenalina, o que vicia. Conta que, quando grafitavam na sua época, também pichavam. No caminho para fazer um graffiti, deixavam suas tags. E acrescenta que todo grafiteiro foi pichador. (...) (...) Tratam-se ambos de uma prática em que se escreve (grafita ou picha) em um lugar que não é seu. Um lugar público ou privado. Há uma apropriação daquele espaço. E, dessa maneira, menciona que poderíamos dizer que ambos são crimes – e são realmente. Mas conversamos muito sobre o grafite e a pichação como crime, o que seria arte e sobre a criminalização dos dois. No que se refere ao graffiti, ao final da conversa, Roger concorda que ele deveria ser descriminalizado, pois entende que ou o Estado deveria permitir o grafite, ou não. Não dá para ficar em um meio termo, em sua opinião. Já sobre a pichação, concorda que é algo mais complexo e, para ele, como já relatado no item anterior, não é arte ou cultura. Apontou a contradição entre o fato de o grafite ser crime e, por outro lado, ser ensinado pelo Estado em oficinas, como forma de prevenir a prática de crimes pelos meninos. Citou o Programa “Fica Vivo!”, já mencionado no presente trabalho. O programa, como se pode verificar no site oficial da Secretaria de Estado de Defesa Social – SEDS –, do Governo de Minas Gerais, oferece oficinas culturais, esportivas e profissionalizantes para jovens de 12 (doze) a 24 (vinte e quatro anos). Disse-me que lá fora, na Europa, fazer um mural é crime. Que grafiteiro vai preso se fizer um mural na rua. Discutimos sobre a diferença entre ir para prisão aqui e na Europa. Na realidade, refletindo bem, ir para prisão no Brasil por fazer um graffiti é um pouco paradoxal, pensando na situação do sistema carcerário brasileiro. Por esse motivo, 68 provavelmente, é que o graffiti e a pichação no Brasil têm a pena máxima de 1 (um) ano, o que possibilita que os processos sejam julgados nos Juizados Especiais Criminais, podendo ser realizados acordos, substituindo-se a pena privativa de liberdade por penas restritivas de direito ou multa (art. 76, da Lei 9.099/95). Além disso, nos crimes com pena mínima igual ou inferior a 1 (um) ano, faz-se possível a suspensão condicional do processo por dois a quatro anos, nos termos do art. 89 da Lei 9.099/95, observados os requisitos nele previstos. Porém, existe outro problema em relação ao Brasil: a nossa polícia, que é arcaica e repressiva. Arcaica no sentido de parecer estar em um regime ditatorial até o momento. E por, em grande medida, atuar abusivamente e com uso da violência, em especial contra negros, pobres e minorias vulneráveis. Fala-se aqui, principalmente, da Polícia Militar, que realiza o policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública. Além disso, o Poder Judiciário, ou melhor, o Direito, até há pouco tempo não fazia distinção entre grafite e pichação e tratava as duas práticas da mesma maneira. O fato de a lei não diferenciar as duas práticas, sem dúvida, influenciava a visão do Judiciário sobre o tema, o que, também, acabaria influenciando a atuação das polícias. (...) (...) Retomando a conversa com Roger, lembrei-me de uma discussão importante sobre a pichação, em que questionávamos a possibilidade dessa ser arte e cultura. Roger bem destacou: “ela é contracultura”82. (grifamos) Talvez possamos dizer que a pixação configura-se como uma cultura provocativamente nova e diferente, que traz uma gama de significados que ainda estamos buscando compreender. Sabe-se que sua prática é mais contra-hegemônica que a prática do graffiti atualmente e, portanto, seu embate com o direito formal e com o Estado é maior. 5.3. Reflexões sobre a cultura da pixação e o direito formal Não há como se falar em graffiti sem considerar a pixação e, tampouco, trabalhar tais culturas juridicamente, politicamente e sociologicamente sem considerar a realização de uma e outra, e o tratamento jurídico-normativo dado a elas (graffiti e pichação). Vale, 82 GONTIJO, 2012, p. 39-41 69 inclusive, aventar a hipótese, a ser investigada posteriormente, de que a definição de ambos os termos (graffiti e pixação) esteja relacionada a um estado de interdependência que une, separa e hierarquiza indivíduos e grupos sociais pertencentes a essas culturas de rua, conforme analisado por Norbert Elias e James Scotson, num contexto urbano distinto, relacionado à estigmatização de parte específica de um bairro por parte dos moradores mais antigos do mesmo (Elias & Scotson, 2000). Nesse momento, gostar-se-ía apenas de trazer um pouco da experiência da pesquisadora na pesquisa-ação que vem sendo feita pelo Grupo desde meados de 2012, em parceria com a Divisão de Assistência Judiciária – DAJ, da Faculdade de Direito da UFMG. Destaca-se que a pesquisa-ação é método usado na pesquisa do Grupo e aqui se está falando de parte específica da nossa pesquisa-ação, na qual se coloca o acompanhamento jurídico como uma possibilidade aos sujeitos pesquisados. Aqueles que, de forma autônoma, buscam, por meio da pesquisa, orientação e acompanhamento, têm sido acompanhados pelos advogados do Grupo e por um estagiário do DAJ em conexão permanente com a pesquisa. A pesquisadora atua, portanto, também, como advogada nos casos em que os sujeitos pesquisados procuram o acompanhamento. Sua atuação, até então, se dá mais no acompanhamento dos trâmites dos processos, na realização das audiências e na orientação e trabalho em conjunto com o estagiário do DAJ, pois, desde o princípio, entendeu-se necessária a participação na pesquisa de um advogado criminalista. As peças processuais dos processos em andamento foram elaboradas, portanto, por um parceiro na pesquisa83, advogado criminalista e doutorando da Faculdade de Direito. A experiência de pesquisa com o grupo cultural da pixação é o que tem dado maior sentido à pesquisa-ação da cultura de rua, pois, além de o tema e a prática pesquisada serem desafiadores por si só, o grupo cultural, a partir do momento em que sente sua legitimidade existencial enxergada pela pesquisa, caminha junto no desejo de conhecer e reconhecer seus direitos, apesar de este ser um ponto de questionamento crucial da própria pesquisa: o embate das culturas de rua investigadas com o direito, o Poder 83 Fernando Nogueira Martins Júnior, advogado penalista, parceiro na pesquisa, desde quando foram realizados encontros da pesquisa com alguns pixadores na Faculdade de Direito, no intuito de propiciar discussões não só jurídicas, mas também teóricas acerca de seus direitos fundamentais, direito à cidade à cultura de rua. 70 Público. E, no caso da pixação, o embate, ao que parece, está no cerne da ação dos pixadores, faz parte da relação que eles traçam com a cidade. Endossando as asserções quanto aos adolescentes que deviam cumprir medidas socioeducativas84, verifica-se que entre os pixadores que não se enquadram na faixa etária atendida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, alguns buscam resolver seus problemas com a Justiça, outros não. Alguns buscam defesa, mas são negligentes no cumprimento das determinações simples da Justiça, tais como assinar mensalmente em Juízo caderneta em suspensão condicional do processo. Geralmente, pelo que se pode observar ao longo das investigações, os pixadores têm um sentido de grupo, de união, muito maior do que se vê no graffiti. Nas audiências de conciliação e, também, de instrução e julgamento, nos processos penais relativos ao crime de pixação em que estive com eles no Juizado Especial Criminal de Belo Horizonte, pude perceber o quanto sabem se defender, o quanto são ativos em relação às suas defesas. Porém, reconhecem de imediato a diferença entre ter um advogado os acompanhando e irem sozinhos às audiências ou a convocações de comparecimento às delegacias. A autodefesa que realizam de forma quase imediata nas audiências está relacionada, a nosso ver, com o próprio embate vivido cotidianamente com a lei, com a polícia, com o Poder Público e a própria sociedade. A relação com o Poder Público está clara ali também no Judiciário, de forma que, na ausência do advogado que atue em seu favor, eles estão sujeitos a não serem ouvidos e, ainda, a serem estigmatizados como pixadores, vândalos e potenciais criminosos, tal como os tem visto o “Movimento Respeito por BH”, da Prefeitura de Belo Horizonte, já mencionado, que atua em conjunto com as polícias (Civil e Militar), com o Ministério Público Estadual e outros órgãos. Esclarece-se que há a figura do Defensor Público, que pode atuar garantindo os direitos fundamentais desses jovens. Porém, por se tratar de cultura estigmatizada em nossa sociedade, pode não ocorrer uma defesa a contento e, além do mais, a tendência é não se reconhecer a pixação nesse sentido cultural, estético, com características muito próprias, tal como temos observado em nossa pesquisa. Sobre a política de combate à pixação, que ganhou corpo na cidade desde a criação do “Movimento Respeito por BH”, é importante pontuar como as ações e atitudes 84 Conforme trabalhado no item 4.3, quarto capítulo do presente relatório de pesquisa. 71 desta política aparecem, claramente, nos processos judiciais acompanhados pela pesquisa, em especial em um processo, que aqui se passa a relatar, no qual foram convocadas diversas “vítimas” como testemunhas em audiência de instrução e julgamento. Vítimas entre aspas, pois estas pessoas não procuraram espontaneamente o caminho do sistema penal (delegacia, justiça) para solicitar a reparação de danos. Diferente disso, elas foram convencidas pelos policiais a assinar solicitações de reparação de danos previamente elaboradas pela Polícia Civil. Muitas dessas pessoas sequer eram proprietárias dos imóveis, como se verificou no processo, constando no modelo do termo de solicitação de reparação de danos elaborado pela Polícia Civil esta qualificação para todos os solicitantes. Ressalte-se que a maioria das supostas vítimas – foram 12 solicitações assinadas e quase todas elas foram ouvidas na audiência de instrução e julgamento – eram inquilinos ou moravam de favor no imóvel. Uma delas sequer morava em um imóvel pixado, mas trabalhava em loja próxima e fora convencida pela Delegada da Polícia Civil a fornecer seus dados e assinar o termo de solicitação. Não ficou nem um pouco satisfeita – ficou indignada – com o fato de ter sido convocada para estar presente naquela audiência de instrução e julgamento e pediu para constar no processo sua insatisfação. Verificou-se, ao longo da audiência, a ocorrência de verdadeiro assédio por parte da Polícia Civil em relação aos supostos solicitantes. Tem-se que a Polícia atuou além da sua prerrogativa de investigação, “‘forçando’ uma ficcional lesividade penal de condutas”85. Assim, a pixação, que se trata de crime de menor potencial ofensivo, ganha um grau de lesividade muito superior à realidade dos fatos, exatamente como a política municipal de combate à pixação, em parceria com o Estado de Minas Gerais e seus órgãos, pretende classificá-la. Tal atuação por parte da Polícia Civil ficou evidente nos autos, tendo dois dos declarantes afirmado, em resposta às perguntas da defesa, que a pixação não os havia incomodado. Confira-se um dos depoimentos: 1. Depoimento de Leonardo Jorge, suposta vítima, fl. 168 dos autos: “quando alugou o imóvel localizado na Av. Barão Homem de Melo, nº 700, a pichação já existia; (...) a assinatura que consta do documento de fl. 29 pertence ao 85 Argumento usado nas alegações finais da defesa, nos autos do processo nº 2482468-27.2011.8.13.0024, da Justiça Estadual de Minas Gerais. 72 declarante; (...) o policial civil em uma viatura foi até o local e perguntou ao declarante se o mesmo sabia quem tinha feito a pichação, se havia muito tempo, e se o declarante sabia o significado da pichação , não orientando o declarante a fazer representação; o declarante já havia visto a pichação, mas não se sentia incomodado porque a pichação foi feita nos fundos do imóvel.” Ou seja: o Sr. Leonardo não é proprietário do imóvel, não se incomodava com o pixo em sua residência, e mesmo assim foi “convencido” a assinar uma solicitação que não expressava nem sua vontade, nem mesmo sua situação de inquilino (a Polícia Civil forjava fraudulentamente a caracterização do sr. 86 Leonardo Jorge como proprietário); (...) Os demais depoimentos das supostas vítimas demonstraram a insistência da Delegada da Polícia Civil em colher as solicitações de reparação de danos, tendo a douta Autoridade Policial ido pessoalmente nos imóveis pixados. Deixar-se-á para citar as defesas e discussões processuais mais fortemente no relatório final, mas o que se pode afirmar, desde já, é que trabalha-se com a tese (de defesa) de que há uma hipercriminalização da conduta do pixador, prescrita como crime ambiental de pixação, e diga-se novamente, de menor potencial ofensivo. Entende-se que a pixação e o grafite não devem ser considerados casos de polícia no Brasil e, portanto, crime. A proposição inicial, nesse sentido, é de que a pixação seja unicamente um ilícito civil, descriminalizando, a partir daí, a conduta praticada por uma parte significativa da juventude no Brasil – especialmente daquela pobre e de periferia. CAPÍTULO 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS: INSCRIÇÕES NOS MUROS, DEMOCRACIA E DIREITO À CIDADE Pretendeu-se neste relatório parcial apresentar contribuições à compreensão dos fenômenos do pixo e do grafite no contexto sócio-político atual, mais especificamente na cidade de Belo Horizonte, a partir de reflexões que remetem e se dão num contexto mais amplo de conformação da cidade e do acesso e direito à cidade. Para atingir esse objetivo identificou-se como fundamental compreender tais fenômenos enquanto questões identitárias que dialogam, mas não são subsumidas por definições no âmbito jurídico. Ou seja, do ponto de vista identitário, grupos e indivíduos envolvidos com o pixo e com o grafite possuem dinâmicas e conformações identitárias múltiplas, a partir de 86 Trecho das alegações finais nos mesmos autos. 73 concepções variadas sobre ética, moral, estética e justiça, o que torna inadequada uma concepção unívoca do que sejam “os pixadores” e “os grafiteiros”. O foco na agência destes atores permite desnaturalizar concepções do senso comum e do próprio direito a respeito das fronteiras identitárias entre eles, e permite aprofundar a compreensão de como as dinâmicas identitárias e os modos de sociabilidade operam nas práticas desses atores da cultura de rua. Por outro lado, a partir da ótica jurídica, constata-se que o Direito se posiciona de modo claramente distinto em relação aos atores aqui enfocados, compreendendo o caráter artístico e cultural de um em detrimento do outro. A cristalização no direito de tal distinção, temporal e sociologicamente situada, embora recente, remete a questões que dizem respeito à modernidade e a um padrão estético que vem se consolidando ao longo do tempo, mas que encontra oposições e que constitui apenas uma das versões da realidade social – e da estética social. Assim, sendo hermenêutico, o debate de fundo aqui proposto implica em reconhecer a pluralidade de vozes que conforma e produz a “cultura de rua”, suas congruências, dissenções, continuidades e descontinuidades; e, simultaneamente, compreender como esses atores estão situados, do ponto de vista do direito formal. Ainda que o próprio Estado aja com frequência fora dos limites ou, ao menos, flexibilizando os limites da legalidade (Holston, 1993; Telles, 2010), ele consiste em peça fundamental para compreender como os atores da cultura de rua se reconhecem e se situam na cidade. Observar, de um lado, o processo de consolidação no direito da legalidade ou ilegalidade de atos praticados por esses atores da cultura de rua (incluindo agentes do poder público) e, por outro, o processo de conformação desses indivíduos e grupos enquanto agentes sociais, que não se definem apenas por uma resistência ou conformação ao que é legal ou ao que é ilegal, permite refletir sobre democracia, direito à cidade, Estado (Democrático) de Direito e pluralismo jurídico. Desse modo, sugere-se a partir dos dados preliminares levantados, a descriminalização total do graffiti – e não apenas sua descriminalização parcial, como feito pela Lei 12.408/11. Tem-se por certo, na concepção de “práticas estéticas”, ser o graffiti arte que deve ser protegida e contemplada pelo direito, extrajudicialmente e judicialmente, considerando-se o caráter identitário, artístico e cultural de suas práticas. 74 Não se nega, entretanto, o respeito que deve haver à propriedade privada e aos bens de propriedade do Estado e, em especial, os protegidos pelo Estado – monumentos, bens tombados e outros -, não se vendo, frequentemente, por parte dos autores de graffiti, ofensa a bens privados e tutelados, tal como já destacado. Por outro lado, não há como exigir que a prática do graffiti, em todas as situações em que ela ocorre, tenha o objetivo de valorizar o patrimônio público ou privado, tal como fez a Lei Federal nº 12.408/11 ao alterar a Lei de Crimes Ambientais. Assim, a descriminalização proposta não exclui a regulamentação necessária a nível civil e administrativo. Sabe-se da pouca vontade política do Executivo em trabalhar o tema, assim como outros temas ligados à cultura no sentido abstrato acima mencionado. Porém, uma mudança real do tratamento das práticas do graffiti só poderá ocorrer a partir da regulamentação de políticas realizadas a nível local, estadual e federal. O graffiti deve ser trabalhado como política cultural e urbana, como já se mencionou, fazendo valer a democratização cultural conquistada constitucionalmente no Brasil, a partir de 1988. A Constituição de 1988 avançou nesse sentido, pois permitiu a abertura na formação do patrimônio cultural brasileiro. Conforme destacou Mariana Gontijo em sua dissertação: A arte do graffiti, sua cultura, modo de vida, pode e deve ser tomada como bem cultural imaterial a partir dos valores de referência ligados à identidade e à ação de grupos formadores da sociedade brasileira, tal como dispõe o art. 216, da nossa Constituição. Ressalta-se, (..), que, sendo o direito ao patrimônio cultural – ou o direito à cultura – um direito fundamental previsto na Constituição de 1988, a qual prevê, em seu art. 215, caput e § 1°, a garantia do pleno exercício dos direitos culturais, bem como o incentivo e a valorização das manifestações culturais, verifica-se um conflito entre esse dispositivo constitucional – e os seguintes do mesmo capítulo intitulado “Da Cultura” – e a Lei Federal 9.605/98. Assim, como o direito fundamental à cultura é norma de hierarquia superior à Lei de Crimes Ambientais e indica, além disso, que a seleção dos bens merecedores de tutela deve ser feita via interação Estado-sociedade, tem-se que a sociedade passa a ter papel ativo e participativo na formação do patrimônio cultural brasileiro, já que tem o poder de conferir valores culturais a bens ainda não selecionados e 87 tutelados pelo Poder Público. Finalmente, sabe-se que, anteriormente à Lei de Crimes Ambientais, o graffiti poderia ser considerado como crime de dano, mas, geralmente, apenas a pixação, à época, enquadrava-se nesse tipo penal. Não havia, como se pôde depreender de relatos dos atores de cultura de rua, uma preocupação em relação à prática do graffiti, que era, 87 GONTIJO, 2012, p. 66. 75 ainda, desconhecida pelo sistema jurídico e era relativamente pequena, comparando-se com sua frequência e amplitude nos dias de hoje. Nada impede que hoje se aplique o crime de dano, na forma prevista no Código Penal, a práticas lesivas que possam decorrer da grafitagem. Mas esta em si, a nosso ver, não deve permanecer criminalizada no País, afastando-se a sua subsunção ao sistema penal. Com relação à pixação, o embate com o direito, o Estado e a cidade é bem mais elevado. Há ofensas a bens protegidos e à propriedade privada, mas busca-se, também, sua descriminalização, mantendo o ato como ilícito civil. A prática no Brasil continuaria ilegal, mas apenas no âmbito civil, pois a entendemos como fenômeno estético, cultural e social (em especial no Brasil). A pixação é prática realizada pela juventude mais excluída socialmente, dos bairros afastados do centro, das periferias, da “cidade ilegal”. Muito ainda se pretende avançar na análise da relação entre as culturas do graffiti e da pixação, o Poder Público e o direito formal. Mas desde já, afirma-se a importância da proteção das culturas que se expressam em nosso ordenamento e, antes de tudo, para nós do direito, a necessidade de conhecer as dinâmicas desses grupos culturais, de ir à realidade social antes de aplicar, sem maiores reflexões, a força da lei. Márcia Tiburi, no texto em que questiona a estética da fachada, aborda a relação entre a pixação e a democracia: Não é possível negar o direito ao muro branco ou liso em uma sociedade democrática, na qual está sempre em jogo a convivência das diferenças. O direito ao muro branco é efeito da democracia. Mas a questão é bem mais séria do que a sustentação de uma aparência ou de um padrão do gosto. A pixação é também um efeito da democracia, mas apenas no momento à ela inerente em que ela nega a si mesma. Ela é efeito do mutismo nascido no cerne da democracia e por 88 ela negado ao fingir a inexistência de combates intestinos e velados (Tiburi) . O que dizer da tal “educação patrimonial” que, além de toda a marginalização exercida, incentiva o denuncismo anônimo? O respeito imposto não parece constituir uma ética. Como pensar em democracia onde o que incomoda ou é polêmico deve ser banido? Onde nos levará a obsessão pelo ordenamento e regulamentação? Qual, nesse contexto, será o espaço para o outro, para a convivência urbana, a multiplicidade de pessoas, 88 TIBURI, Marcia. “Pensamento Pixação - Para questionar a estética da fachada”. Revista Cult Uol, Edição 135. Disponível em: http://revistacult.uol.com.br/home/2010/03/pensamento-pixacao/. Acessado em: 22/02/2013. 76 culturas e discursos presentes na cidade? Onde nos levará a obsessão pelo consenso definitivamente harmonioso dessa democracia que querem nos empurrar goela abaixo? No dicionário Aurélio, a transgressão está definida como o “ato ou efeito de transgredir, infracionar, violar”. Dentre as definições, existe a transgressão marinha, que é o movimento das águas do mar ao invadirem um trecho de continente. O mar é uma força incontrolável, assim como o pixo. O que fazer com eles? Falar do pixo, ou tentar desvendá-lo, seria como colocar um pouco de água do mar na garrafa: aquilo é água do mar, mas não é a mesma coisa enquanto contida ali, naquela garrafa. Essa talvez seja a verdadeira ou a primeira transgressão do pixo, a invasão que o pixo faz na vida do pixador (“sei lá”, “num dá nem pra explicar” “é mais que um sentimento”). Tentar definir o pixo em um só signo, aprisioná-lo numa tela, é inviável. Como o Estado e a sociedade se posicionam em relação ao pixo ou ao graffiti, entretanto, embora faça referência às próprias expressões mencionadas, diz muito mais dos que o condenam ao banimento ou à exclusão, os que traçam as linhas classificatórias – sempre de cunho hierarquizante – entre o que é belo e permitido e o que é feio e deve ser excluído. Ainda que no presente relatório nosso foco tenha sido nas manifestações dos muros, essa segregação hierarquizante é mais geral e perversa. São justamente essas situações de construção de muros e exclusões que o projeto Cidade e Alteridade pretende estudar e, naturalmente, denunciar. 77 CAPÍTULO 7. EPÍLOGO FOTOGRÁFICO DOS MUROS DO ENTORNO DO DUELO DE MCS: INTERAÇÕES ENTRE PIXO E GRAFFITI Grafitte Hyper 78 Parte do graffite de Sérgio Anjo (reprodução do espaço sob o viaduto, em torno ao Duelo de MC’s Serginho Anjo, Wera, Tiago Dequete, Hyper, Ed Mun, Surto, Nilo Zack, Musa, Viber, Dagson Silva, Raison Silva (todos graffitiiros), foram encarregados pela Família de rua a renovar o muro do fundão. Ali onde não há banheiro para os moradores de rua, nem para os frequentadores do Duelo. Onde é escuro e onde, por vezes, pela ausência ou omissão total da polícia, acontece uso e compra, venda de drogas. Ainda que a Família de Rua lute para ter ajuda com tais contingências e prosseguir com seu intuito cultural e político. Sérgio Anjo, graffitiiro das primeiras gerações, inserido na cultura Hip Hop, ocupou boa parte do muro reproduzindo o lugar onde o duelo acontece, inclusive os muros, a base do viaduto e o próprio muro do fundão. A ideia foi chamar o pixo pra interagir. José (pixador) foi chamado pra coordenar os outros. 79 Nunca vi tanta fissura por um ato!!! Impulso quase irrefreável de riscar a parede. José mandou logo as presas dos que morreram, seus amigos, integrantes do mesmo bonde. Perguntou a grafia de outros pixos, dos que soltos, ainda não estavam ali. Foi um tumulto tão grande que até ele, pixador, começou a achar ruim a falta de limite dos outros. Foi muito engraçado isso. E a admiração e o respeito que ele ainda sustentava com a moçada insaciável. 80 Na foto, jovens marcam sua presa. Impressionante como muitos pixadores que já morreram tiveram presas deles por lá. Um pixador chegava e, em alguns casos, ía mandando vários pixos, de pixadores do mesmo bonde que o seu ou não. A propósito do descontrole dos pixadores, evidenciado nesse convite à interação com o graffite, inédito até então por ali, vemos, na foto que virá a seguir, na réplica do espaço do Duelo, feita pelo Sérgio Anjo, os vidros das janelas, sob o viaduto, pixadas. Foi pedido inúmeras vezes, aos que chegavam, pra não ocuparem esse espaço do desenho. Esforço vão, que desanimou até os pixadores mais antigos no pixo, que ficaram na liderança. Por fim, alguns passaram em pequenos pedaços dos graffitis. Mesmo sendo poucos espaços, um graffitiiro se manifestou na rede. Posição depreciadora do pixo, entendido ali não como interação, mas como atropelo. Mas, pra nós que víamos, a ideia, o foco, era interagir. Também chama atenção o efeito plástico da interação das escritas, pinturas da rua entre si. 81 82 O viaduto de Santa Tereza, o Duelo de MC’s, local de encontro dos pixadores, local de alta concentração de pixos na cidade. Algumas imagens: 83 “Nossos sonhos não cabem em suas urnas” – Canditada à eleição, no período eleitoral do ano de 2012, colocou um cavalete de campanha no meio do “Point” dos pixadores. Logo estava tudo pixado à caneta. Essa é uma frase, pixada entre os detonos dos jovens. 84 85 86 A marquise acima, do Nelson Bordello, na Aarão Reis, em frente ao lugar onde acontece o Duelo, foi feita por um graffitiiro, Pedro Ninja, a pedido da casa. O graffitiiro queria um pixo em seu trabalho. Pediu um pixo GOMA ao lado de sua figura. Abaixo, mais uma foto do Bordello. Observa-se os outros graffites da parede e o pixo, esse feito sem convite de ninguém. Ainda sim, a interação acontece. O pixador é das primeiras gerações do pixo na cidade. 87 88 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua I. 2. ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010. ______. Profanações. São Paulo: Boitempo, 2007. AGIER, Michel. Antropologia da cidade: lugares, situações, movimentos. São Paulo, SP: Editora Terceiro Nome, 2011. ALCKMIN, Maria Lucia. Funcionalismo. Disponível em < http://www.belasartes.br/chocolatedigital/wpcontent/uploads/2010/05/Funcionalismo.pdf> Acessado em 10/04/2013. ARANTES, Otilia. 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LINKS (textos vídeos) http://www.youtube.com/watch?feature=player_detailpage&v=MmYVbXG1urI http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=821&PHPSESSID=099cbc670a7e 8a6c998a4f532aaf76c9&fb_source=message 97 http://v0.urbanage.net/0_downloads/archive/_SA/15_NewsPaper_Essay_Caldeira_por.pdf http://direito.folha.uol.com.br/1/post/2012/06/pichao-na-bienal-de-berlim-arteou-crime.html http://www.revistaovies.com/reportagens/2012/07/a-pixacao-e-a-ordem-dasaparencias/ http://revistacult.uol.com.br/home/2010/03/pensamento-pixacao/ Vídeo graffiti na Praça da Estação http://www.youtube.com/watch?v=MmYVbXG1urI Sites de referência para a pesquisa sobre Hip Hop http://rap.about.com/od/hiphop101/a/hiphoptimeline.htm http://www.youtube.com/watch?v=Ze4DM4HbJ04&feature=plcp (The History of Hip Hop – documentário) http://www.mrwiggles.biz/hip_hop_influences.htm http://www.daveyd.com/raphist1.html http://www.noticiario-periferico.com/2007/08/histria-do-hip-hop.html http://www.zulunation.com/ http://hiphop.sh/afrika http://hiphop.sh/koolherc http://en.wikipedia.org/wiki/DJ_Kool_Herc#1520_Sedgwick_Avenue http://en.wikipedia.org/wiki/Afrika_Bambaataa http://www.overmundo.com.br/overblog/historia-da-cultura-hip-hop http://www.youtube.com/watch?v=bj1r6u8zLPo (Scratch – documentário) ARTIGOS DE JORNAL https://www.seds.mg.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=707& ;Itemid=71 http://noticias.r7.com/cidades/noticias/pichadores-de-bh-terao-que-pagar-multa-20100910.html. http://www.gp1.com.br/noticias/policia-apreende-materiais-de-pichacao-em-bh-219453.html http://www.uai.com.br/htmls/app/noticia173/2010/08/24/noticia_minas,i=175804/JUSTICA+EST A+MAIS+SEVERA+COM+PICHADORES+DE+BH.shtml 98 http://www.uai.com.br/htmls/app/noticia173/2010/08/24/noticia_minas,i=175804/JUSTICA+EST A+MAIS+SEVERA+COM+PICHADORES+DE+BH.shtml http://www.hojeemdia.com.br/minas/palacio-das-artes-amanhece-pichado-1.439008 http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2012/04/28/interna_gerais,291540/vandalos-pichamfachada-do-palacio-das-artes.shtml http://www.cidadedemocratica.org.br/topico/1847-movimento-respeito-por-bh-combate-apichacao http://www.cidadedemocratica.org.br/topico/1847-movimento-respeito-por-bh-combate-apichacao http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2012/04/16/interna_gerais,288986/altar-com-pinturaem-graffiti-surpreende-fieis-na-igreja-do-padre-eustaquio.shtml http://www.divirtase.uai.com.br/html/sessao_13/2008/10/27/ficha_ragga_noticia/id_sessao=13&id_noticia=4 287/ficha_ragga_noticia.shtml http://www.favelaeissoai.com.br/noticias.php?cod=102 http://culturahiphop.uol.com.br/noticia/582/acontece-em-belo-horizonte-a-exposicao-graffitisem-limite-trabalhos-ficarao-expostos-entre-os-dias-16-e-25-de-janeiro http://www.dcs.pucminas.br/coreu/omundo/index.php?page=noticias/bienal-graffiti https://www.seds.mg.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=1162&am p;Itemid=71 http://midia-radical.blogspot.com.br/2008/11/histria-recente-do-graffiti.html ANEXOS Roteiro semi-estruturado aplicado aos graffitiiros 1) 2) 3) 4) 5) 6) 7) 8) 9) 10) 11) 12) Onde mora? Com o que trabalha? Como entrou no hip hop? O que o hip hop representa pra vc? O que seus pais fazem? Até quando estudou? Como você começou a grafitar? O que te levou a grafitar, ao graffiti? Você tinha ou tem hoje ligação com a cultura hip hop de Belo Horizonte? Você acredita em luta política (através da arte)? Tem algo forte neste sentido no seu trabalho? Em que medida você diferencia o político e o artístico no seu trabalho? O que você acha do tratamento dado pelo ordenamento jurídico ao graffiti e à pixação? E pelo poder público? Esclarecer a mudança na lei. Como vocês veem a pixação? 99 13) Vcs acham que o pixo ou o grafiti são arte? – o que eles tem de artístico? 14) Qual a diferença de mandar um pixo ou um grafitti em local autorizado e não autorizado? O que preferem? Por que? 15) Qual sua experiência com a policia e com a justiça até hoje? 16) O pixo ou o graffiti querem embelezar a cidade? 17) Tem alguma diferença grafitar em lugar autorizado e grafitar em local não autorizado? 18) Você sempre fez seu graffiti em local autorizado? (se a resposta for não, perguntar porque) Por que? 19) Houve a descriminalização do graffiti desde que haja autorização. O que vocês acharam dessa alteração? Tem diferença? 20) Geralmente, vocês pedem autorização? Antigamente, antes da alteração na lei pediam? E antes da lei de crimes ambientais (antes de 1998), vocês lembram como era? Já grafitavam? 21) O que distingue o seu graffiti dos outros? Qual é o seu traço específico? 22) O graffiti pra você quer dizer alguma coisa pra cidade? É um modo de dizer algo pra cidade? Ou você não quer dizer nada, quer apenas curtir, usufruir de uma coisa bonita, bem desenhada? 23) A tendência é se tornar um trabalho. Você já pensou nele como trabalho /cadastro formalização? Como nas escolas. Algo regulamentado? Ou é mais interessante ser um artista independente, artista, artista de rua, como um artista plástico? 24) Você vê o graffiti mais como uma profissão ou como um lazer? 100 Roteiro semi-estruturado a ser aplicado aos pixadores 1) 2) 3) 4) 5) 6) 7) 8) 9) Onde mora? Com o que trabalha? Como entrou no hip hop? O que o hip hop representa pra vc? O que seus pais fazem? Até quando estudou? Como você começou a grafitar? O que te levou a grafitar, ao graffiti? Você tinha ou tem hoje ligação com a cultura hip hop de Belo Horizonte? Você acredita em luta política (através da arte)? Tem algo forte neste sentido no seu trabalho? 10) Em que medida você diferencia o político e o artístico no seu trabalho? 11) O que você acha do tratamento dado pelo ordenamento jurídico ao graffiti e à pixação? E pelo poder público? (Esclarecer a mudança na lei) 12) Vcs acham que o pixo ou o grafiti são arte? – o que eles tem de artístico? 13) Qual a diferença de mandar um pixo ou um grafitti em local autorizado e não autorizado? O que preferem? Por que? 14) Qual sua experiência com a policia e com a justiça até hoje? 15) O pixo ou o graffiti querem embelezar a cidade? 16) Gostariam de ser vistos pela sociedade como vândalos mesmo ou de outro modo? 17) Técnicas e conteúdo 18) História de vida. Como e porque começou a pixar 19) Economia do Pixo 20) História da tag 21) Locais: como são selecionados, onde são, por que 22) Rotina do Pixo – sistemática/ rotina de vida 23) Relação com a família (algum artista na família? Moralidade, ética, valores) 24) Economia/relação dinheiro e pixo 25) Relação com a lei, com a transgressão e com a criminalidade 26) Endereçamento da pixação 27) O que seria um mundo e uma cidade mais justas? Sonhos 28) O que é arte? 29) Drogas 30) Crítica política/social 101 Lei 12.408/11: o o 1 Esta Lei altera o art. 65 da Lei n 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, dispondo sobre a proibição de comercialização de tintas em embalagens do tipo aerossol a menores de 18 (dezoito) anos, e dá outras providências. o Art. 2 Fica proibida a comercialização de tintas em embalagens do tipo aerossol em todo o território nacional a menores de 18 (dezoito) anos. o o Art. 3 O material citado no art. 2 desta Lei só poderá ser vendido a maiores de 18 (dezoito) anos, mediante apresentação de documento de identidade. Parágrafo único. Toda nota fiscal lançada sobre a venda desse produto deve possuir identificação do comprador. o o Art. 4 As embalagens dos produtos citados no art. 2 desta Lei deverão conter, de forma legível e destacada, as expressões “PICHAÇÃO É CRIME (ART. 65 DA LEI Nº 9.605/98). PROIBIDA A VENDA A MENORES DE 18 ANOS.” Art. 5 o Independentemente de outras cominações legais, o descumprimento do disposto nesta Lei sujeita o infrator às sanções previstas no art. 72 da Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. o o Art. 6 O art. 65 da Lei n 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 65. Pichar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa. o § 1 Se o ato for realizado em monumento ou coisa tombada em virtude do seu valor artístico, arqueológico ou histórico, a pena é de 6 (seis) meses a 1 (um) ano de detenção e multa. o § 2 Não constitui crime a prática de graffiti realizada com o objetivo de valorizar o patrimônio público ou privado mediante manifestação artística, desde que consentida pelo proprietário e, quando couber, pelo locatário ou arrendatário do bem privado e, no caso de bem público, com a autorização do órgão competente e a observância das posturas municipais e das normas editadas pelos órgãos governamentais responsáveis pela preservação e conservação do patrimônio histórico e artístico nacional.” (NR) o Art. 7 Os fabricantes, importadores ou distribuidores dos produtos terão um prazo de 180 (cento e oitenta) dias, após a regulamentação desta Lei, para fazer as alterações nas o embalagens mencionadas no art. 2 desta Lei. o o Art. 8 Os produtos envasados dentro do prazo constante no art. 7 desta Lei poderão permanecer com seus rótulos sem as modificações aqui estabelecidas, podendo ser comercializados até o final do prazo de sua validade. o Art. 9 Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. 89 89 BRASIL. Lei 12.408, de 25 de maio de 2011. Altera o art. 65, da Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, para descriminalizar o ato de grafitar, e dispõe sobre a proibição de comercialização de tintas em embalagens do tipo aerossol a menores de 18 (dezoito) anos. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, Distrito Federal, 26 mai. 2011. Disponível em: 102 Transcrição de algumas frases pixadas pela cidade: o sistema tem que xorar o sistema abala mas não intimida viva o crack o juiz soltou o deputado e prendeu o pixador pé rapado prenda-me se for capaz odeio político, a única campanha que faço é pelo ensino enfia a copa no cú eles só querem controlar mas estão todos descontrolados a sociedade entra em choque dê lírios nada volta chupa burguesia! Estarei ao lado de todos que estão contra o Márcio. Ass: Délio Malheiros Fume Maconha Coma bagulho Foda-se o sistema Pode por 1000 watts O que é pior o pixo ou o crack? Anti copa Tempo rei Copa=despejo Pilantras traiçoeiros não vote em sujão a ocasião faz o político. <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12408.htm>. julho 2011. (grifo do autor) (grifo nosso em negrito) 103 Acesso em: 1