REPORTAGEM
Mixtapes
O começo de tudo foi nos anos 70. DJs como Grandmaster Flash, Afrika
Bambaata, Kool Herc, Breakout, The Funky Four costumavam distribuir
cópias de suas performances em cassetes de áudio
Daniel Tamenpi
[email protected]
A
s fitas eram originalmente feitas pelos DJs para tocar
mixtapes eram basicamente amostras de DJs ou exposição
enquanto não podiam estar nos toca-discos. Elas re-
da sua habilidade. Eram como uma vitrine para mostrar o
presentavam o conceito de cada DJ, desde a ordem do set,
talento de um Disc Jockey. Também serviram como vitri-
as entradas e saídas das mixagens, etc.
nes da produção local de determinada cena. Da mesma for-
Lançada pela Phillips na década de 60, a fita cassete esta-
ma que ocorreu com o hip-hop, também funciona hoje.
beleceu-se como uma mídia barata e viável para divulgar
Exemplo disso é o grime, novo estilo da música urbana in-
com eficiência a produção musical em cenas underground
glesa: baseou sua popularização com as mixes, que hoje po-
- como no início do hip -hop, nos subúrbios nova-
dem ser encontradas nas prateleiras de uma megastore.
iorquinos, final dos anos 70. Com a entrada dos aparelhos
Com o tempo, alguns desses tapes começaram a apresentar
de som nos carros e a invenção do Walkman pela Sony, no
MCs mais do que DJs mixando e eram comercializados nas
início dos anos 80, as fitinhas ganharam fôlego na cultura
lojas de discos underground ou na rua. A partir de meados
jovem. Assim, trabalhos de grandes nomes como Grand-
dos anos 90, a mixtape foi um celeiro de novos talentos nos
master Flash, Afrika Bambaata, e outros ultrapassaram
Estados Unidos. Delas, surgiram grandes nomes do rap
fronteiras físicas, sociais e culturais. A mixtape virou sinô-
comercial atual como Eminem, 50 Cent, Jay-Z, Kanye
nimo de hip-hop. A música rap é um estilo muito dinâmi-
West, Lil Wayne, como também os principais nomes do
co, evolui a cada momento e não foi diferente com as
rap undergound, talentos como Mos Def (atualmente
mixtapes. O formato dos anos 70 ainda permanece vivo,
mais ator de cinema do que MC), Lupe Fiasco, Talib
mas não é o mais comum. Até meados da década de 90,
Kweli, entre outros.
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REPORTAGEM
Nessas “novas” mixtapes, o DJ traba-
mentais de outros produtores e esti-
tros projetos com fórmulas comerci-
lha também como produtor, fazendo
los, uma espécie de mash-up. Grande
ais, mas não funcionou. As gravado-
batidas próprias, usando versões ins-
exemplo disso foi o do DJ Danger
ras abandonaram o hip-hop, e em
trumentais de músicas já conheci-
Mouse, que atualmente faz parte da
95, 96 começou um movimento
das. Convidava diversos MCs para
dupla Gnarls Barkley. Em 2004, pe-
underground. “Apareceram novos
fazer versos inéditos ou improvisos
gou a capella do “The Black Album”
grupos, mas praticamente só produzi-
(freestyle). Usando dois toca-dis-
do rapper Jay-Z e misturou com ins-
am mixtapes. Não se editavam álbuns,
cos, editava os sons de forma a não
trumentais que ele produziu usando
porque não havia dinheiro”, diz Valete
ficarem com grande duração, inse-
samples do “The White Album”, dos
(www.myspace.com/valete115), um
rindo scratches, sons de sirenes e
Beatles. O sucesso do “The Grey
dos MCs mais importantes do rap
outros ruídos urbanos entre as fai-
Album” foi estrondoso com mais de
português, e que também apareceu
xas. Nessa época, a indústria da mú-
um milhão de downloads na Internet.
por meio das mixtapes. “Em Portugal,
sica rap não era como hoje, lançando
A cultura das mixtapes é essencial-
a maior parte dos MCs e DJs que já
milhões de cópias e com novos artis-
têm uma base de fãs e uma carreira
tas aparecendo todo mês. A mixtape
sustentada, fizeram nome em mix-
era onde as gravadoras iam procurar
novos talentos. Por meio delas, você
sabia quem estava em evidência,
quem não estava mais, e descobriamse os novos nomes. As mixtapes eram
como um filtro, um amortecedor entre a rua e as gravadoras. Elas nunca
assumiam o risco de contratar um
Hoje, nomes como Dj
Green Lantern, Dj Drama,
Kay Slay, Mick Boogie e
Whoo Kid são artistas
conhecidos graças às
suas mixtapes, que
chegam a vender cem
mil cópias
tapes. As mixtapes eram uma rampa
de lançamento para os MCs. Todo o
MC novo queria entrar em uma mixtape para poder espalhar o seu talento. Aqui, se um MC lança um álbum e
não tem história nenhuma em mixtapes, ninguém lhe dá importância”,
acrescenta Valete. O mesmo aconte-
artista que não tinha percorrido
ce com os DJs. Em Portugal foram as
esse caminho.
mixtapes que suportaram o cresci-
Hoje, nomes como Dj Green Lantern,
mente norte-americana, mas em al-
mento do hip-hop. Passavam de mão
Dj Drama, Kay Slay, Mick Boogie e
guns lugares da Europa, como França
em mão, circulavam pelas cidades e
Whoo Kid são artistas conhecidos
e Portugal, a mixtape teve grande im-
levavam o nome dos MCs e DJs a to-
graças às suas mixtapes, que chegam a
portância na cena hip-hop. Em Por-
dos os cantos do país. Atualmente os
vender cem mil cópias. Existe até
tugal, sem as mixtapes, a cultura hip-
artistas da cena hip-hop em Portugal
uma premiação anual para mixtapes,
hop, provavelmente, não seria tão
são reconhecidos, como comprova a
o Annual Mixtape Awards, que já
forte como é hoje. Lá, o hip-hop teve
escalação do Rock In Rio Lisboa, que
está em sua décima primeira edi-
um primeiro estouro com a break
teve palcos com vários artistas da
ção, com mais de 20 categorias.
dance, nos anos 80. Também aparece-
cena local.
Mesmo nas premiações exclusivas
ram alguns MCs na época, mas o pri-
No Brasil essa cultura nunca teve
de música rap, existe uma categoria
meiro álbum de hip-hop português só
muita força. Aqui, a mixtape era mais
de melhor mixtape.
foi lançado em 94. Era uma coletânea
um cartão de visita, um set gravado
Nesse nicho, surgiram alguns outros
com alguns dos melhores grupos da
das principais músicas de cada DJ;
estilos. Bem interessantes são os ta-
época. Foi enorme sucesso e chegou a
nunca foi algo realmente levado a sé-
pes de mixagens em versões a cappela
disco de ouro. Com isso, as grandes
rio. Mas, de três, quatro anos para cá,
de rappers, misturadas com instru-
gravadoras quiseram arriscar em ou-
vem acontecendo lançamentos nas
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REPORTAGEM
DJ Drama
MC Funkero
Poesia Marginal
ruas, sempre de maneira independente e
to backs um pouco da história do rap
tos produzidos pelo próprio DJ. A em-
com pouco apoio. Mesmo assim, bastan-
brasileiro, desde o pessoal mais anti-
balagem foi muito bem pensada; tem
te coisa de qualidade. Um dos primeiros
go até novos nomes em que ele acre-
a forma de uma fita cassete em pape-
exemplos foi o MC /produtor Parteum
dita. O resultado é bem interessante.
lão, em que vêm o CD e o DVD.
(www.myspace.com/parteum), conheci-
Lançada pelo seu selo 4P e gravada,
O Rio de Janeiro também está en-
do do rap alternativo de São Paulo. Ex-
mixada e masterizada no Studio Mun-
trando nesse caminho. Em 2008, dois
skatista profissional, Parteum lançou
do Novo, do produtor Buguinha, a
bons lançamentos: o MC Funkero
uma mixtape intitulada “Patrocínio
mixtape traz ainda uma novidade:
(www.myspace.com/funkero), consi-
Quebrado”, antes de lançar seu disco
derado um dos MCs mais velozes do
oficial, “Raciocínio Quebrado”, pela
país, que também integrou os vocais
gravadora Trama. Nessa mix fez um
da banda F.U.R.T.O de Marcelo Yuka,
CD com alguns remixes de músicas
que iam para o álbum, músicas novas
de seu grupo, Mzuri Sana e músicas
instrumentais, “a intenção foi divulgar meu trabalho sem ter de esperar
pelo lançamento oficial do Raciocínio Quebrado”, explica. Depois do
Lançada pelo seu selo 4P, e
gravada, mixada e
masterizada no Studio
Mundo Novo, a mixtape
traz ainda uma novidade:
vem com um dvd que
mostra a gravação ao vivo
acaba de lançar sua “Poesia Marginal”,
em que mistura o rap com o funk dos
morros cariocas, sem clichês. O produtor de Volta Redonda, Iky Castilho
(www.myspace.com/ikycastilho) lança a segunda edição de sua mixtape em
outubro. A “Ikyxtape” teve seu pri-
lançamento do disco oficial, lançou
meiro volume em 2005 e revelou no-
novas mixtapes, “a arte independe
mes que se consagraram nas batalhas
da sazonalidade do ‘Mercadão’. Ven-
de MCs pelo país. “Minha intenção
do as mixtapes nos shows e em algu-
vem com um DVD que mostra a gra-
era colocar o meu bloco na rua. Uma
mas lojas de skate, nada muito divul-
vação ao vivo. Mostra as cenas de gra-
mixtape com algumas músicas mi-
gado”, complementa.
vação dos convidados, comentários
nhas, outros nomes em que acredito
Em junho, o DJ KL Jay, uma das maio-
do DJ e tudo relacionado aos bastido-
para rimar nos meus beats; e botei
res referências no Brasil, DJ do grupo
res da “fita mixada”. Uma inovação
para download de graça na Internet; a
paulistano Racionais MCs, lançou
bem pensada pelo DJ. Nesse lança-
idéia foi essa”. “Durante o processo
sua primeira mixtape, com distribui-
mento, KL Jay valorizou o rap feito
de gravação, algumas pessoas ouvi-
ção nacional. “Rotação 33” conta
em terras brasileiras. Todos os instru-
ram e acharam que valia a pena fazer
através de mixagens, scratches e back
mentais são de grupos do Brasil, mui-
uma tiragem em CD”, explica Iky. A
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dor de reggae. “A cultura das mix-
com um processo contra os DJs que
tapes é essencialmente norte-ame-
fazem mixtape. E sobrou para os
ricana, veio do hip-hop, que por
dois nomes que mais vendiam na
sua vez é descendente direto do
época. Acusados de “falsificação e
reggae. Na música jamaicana até
violação da legislação de direitos
existem algumas mixtapes, mas é
autorais”, os DJs Drama e Don
nos “soundclashs” e nos “dubpla-
Cannon e, por meio deles, todo o
tes” que os jamaicanos extravasam.
mercado paralelo foi implicita-
Nas minhas mixtapes também cos-
mente responsabilizado pelas per-
tumo gravar alguns ‘dubplates’,
das da indústria fonográfica, tanto
versões exclusivas com MCs brasi-
no que se refere ao número de uni-
“Ikyxtape Vol. 2” já está em processo
leiros ou gringos” diz. Por que en-
dades vendidas (queda de 12,8% só
de mixagem e masterização. Esses
tão fazer mixtapes de reggae? “Sou
no formato CD) quanto em relação
dois lançamentos têm prensagem em
DJ de hip-hop também, mas o reggae
aos resultados financeiros globais
CD SMD, o que barateia muito os
e a cultura jamaicana sempre foram
de 2006 (queda de 6,2%). A mes-
custos. Para quem não conhece, o
minha fonte primordial de pesqui-
ma indústria que se aproveitou
SMD (Semi Metalic Disk) é uma
sa. Assim, nada mais natural que
das mixtapes, durante anos, para
tecnologia semelhante ao CD. Foi
unir as duas culturas e fazer uma
garimpar novos talentos, agora se
criada com o objetivo de baratear
releitura através de mixtapes”.
volta contra esses produtores in-
o preço de comercialização de um
Nem tudo são flores, no entanto,
dependentes em uma constatação
Compact-Disc (CD) em quase 80%, e
no cenário das mixtapes. No início
clara do fracasso de uma indús-
também combater a pirataria, já que
de 2007, a RIAA (Recording Industry
tria arcaica incapaz de se adaptar
seu preço fica entre 5 e 6 reais (com
Association of América) entrou
ao fenômeno.
DJ KL Jay
direito a uma revista em que o artista
coloca sua biografia, letras, apoios e etc).
Isso torna possível o lançamento dessas
mixtapes pelo menor custo para o produtor e para o consumidor.
E não é só na música rap que as
mixtapes estão aparecendo no Brasil.
Um exemplo são as mixtapes lançadas
pelo DJ paulistano, Pedrinho Dubstrong
(www.myspace.com/dubstrong). Ele já
está em sua quarta mixtape de música
jamaicana. Seu primeiro lançamento,
“Original Fever”, com participação do
rapper francês Pyroman, foi um sucesso de crítica. Nela, Dubstrong
mixava grandes clássicos do Roots
Reggae, junto com raridades que ele
possui, como colecionador e pesquisa66 www.backstage.com.br
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