A FORMAÇÃO LINGUÍSTICA NO CURRÍCULO DO LICENCIADO EM PEDAGOGIA NA UNEMAT, CAMPUS DE CÁCERES Maria José Landivar de Figueiredo Barbosa UNEMAT/UNICAMP∗ Resumo: A questão que se apresenta para este artigo diz respeito à formação linguística no currículo de licenciatura em Pedagogia a partir do que é pensado na História das Idéias Linguísticas - HIL, dada a importância da Instituição e as condições de produção que institucionalizam relações entre saberes e poderes que estão na base da relação entre o conhecimento, a sociedade e o Estado. Palavras-chave: Formação linguística, HIL, Alfabetização 1. Introdução A partir dos estudos da História das Idéias Linguísticas, tomar o estudo da língua portuguesa, enquanto língua nacional, logo, de Estado, torna-se uma área de conhecimento que trabalha a partir de uma indissociabilidade entre ciência, Estado e formação social. Segundo Orlandi, “diante de qualquer fato, de qualquer objeto simbólico, somos instados a dar sentido, a significar” (1996, p. 89). E a proposta deste Simpósio, como sabemos, é a de possibilitar a reunião de pesquisas em torno de uma História das Idéias Linguísticas, conjugando a língua com a história na produção de sentidos, os estudos do discurso trabalham o que se vai chamar de “forma material (...) que é a forma encarnada na história para produzir sentidos: esta forma é portanto linguístico-histórica.” (ORLANDI, 2005, p. 19). Um Projeto Político Pedagógico – PPP – de um curso de graduação no âmbito de uma universidade pode ser um instrumento de análise para diferentes áreas ou campos teóricos. Nesse sentido, apresento uma análise do PPP como um arquivo de diferentes sentidos que perpassam pela interpretação de sua conjuntura pensado para um curso de formação de professores, especialmente de alfabetizadores, como é o caso do *Doutoranda em Linguística – IEL/Unicamp e professora do departamento de Pedagogia da Universidade do Estado de Mato Grosso, campus de Cáceres-MT. Orientadora: Profa. Dra. Maria Bernadete Marques Abaurre. Coorientadora: Profa. Dra. Ana Maria Di Renzo. curso de Pedagogia, da Universidade do Estado de Mato Grosso. 2. Contextualização e discussão Esse objeto simbólico (PPP) foi, a princípio, elaborado/produzido dentro de uma determinada condição de produção. A História das Idéias Linguísticas, a partir do quadro epistemológico do materialismo histórico, exige refletir sobre o político que sustenta essa história: a construção de uma política de língua na formulação do Projeto Político pedagógico do curso de Pedagogia. No contexto imediato servimo-nos daquilo que dispõe a Resolução CNE/CP nº 1, de 15 de maio de 2006, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia. Vejamos: Art. 2º. As Diretrizes Curriculares para o curso de Pedagogia aplicam-se à formação inicial para o exercício da docência na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade normal, e em cursos de Educação Profissional na área de serviços e apoio escolar, bem como em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos. Como um dos atributos do contexto sócio-histórico, a nossa memória, quando pensada em relação ao discurso, nos remete a algo que já foi falado, visto, lido ou dito em outro lugar que não o da resolução. A nossa memória é atravessada pelo interdiscurso. Nesse caso, somos remetidos à Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, atual LDB, como sítios de significância em relação à memória discursiva. Nesta perspectiva, a memória é tratada como interdiscurso. No nosso caso específico, o interdiscurso disponibiliza dizeres que afetam, por exemplo, o modo como a LDB afeta o modo de significar o PPP. A LDB preceitua, em seu artigo 1º: a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. O nosso foco é o processo formativo na instituição do ensino superior, aquele que, predominantemente, desenvolve um trabalho mais específico com as séries iniciais da educação básica. Refiro-me aqui ao curso de Pedagogia, por isso, é que as condições de produção do PPP me interessam. Assim, os conhecimentos relativos à Língua na formação inicial do pedagogo poderiam explicar alguns dos problemas na educação básica, especialmente, naquilo que diz respeito à forma do como trabalhar a língua. Ou seja, qual é a ética e a política linguística que sustentam essa forma? Orlandi, na apresentação de uma publicação relativa a um trabalho extremamente significativo tanto para o Brasil quanto para a França sobre a história da produção de idéias linguísticas assevera que do interior do conhecimento linguístico é possível realizar uma reflexão que se inscreve em novas práticas de leitura. Como ela diz “o próprio dessas práticas é relacionar o dizer com o não dizer, com o dito em outro lugar e com o que poderia ser dito” (ORLANDI, 2001, p. 7) O dito em outro lugar como, por exemplo, no art. 61º da LDB que trata da formação de profissionais da educação, que deve atender aos objetivos dos diferentes níveis e modalidades de ensino e às características de cada fase do desenvolvimento do educando. Esta concepção dá visibilidade a uma filiação teórica – a cognição, uma vez que os diferentes níveis de ensino e modalidades devem atender a cada uma das fases do desenvolvimento. Fase é uma noção própria da área da biologia, postulada pelos cognitivistas. Segundo a própria lei, essa formação teria dois fundamentos. O da associação entre teorias e práticas e o do aproveitamento da formação e experiências anteriores em instituições de ensino. Nota-se aqui que o preparo do docente deve “trilhar” a relação teoria e prática. Em que medida essa relação acontece no curso de Pedagogia, especialmente, na formação linguística? Mais detalhadamente, o artigo 62 prevê que a formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação admitida como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental (...). Dizemos, assim, que os sentidos de educação colocados em evidência no PPP de Pedagogia retomam, sob a forma de paráfrase, a Resolução CNE/CP nº 1, de 15 de maio de 2006 enquanto Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, na modalidade de licenciatura, na medida em que o curso de Pedagogia aplica-se à formação inicial para o exercício da docência na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Isso implica em discutir questões que estão em jogo no estabelecimento de políticas sobre línguas, pois Orlandi, 1998, afirma que “a língua, enquanto unidade, só é apreensível porque circulam pela sociedade diferentes instrumentos linguísticos que lhe dão visibilidade”. Os instrumentos linguísticos de que fala são objetos de conhecimento determinados sócio-historicamente, que fazem parte dos processos através dos quais os sujeitos se constituem. “Ou seja, fazem parte da construção histórica das formações sociais, suas instituições, sua ordem cotidiana” A História das idéias Linguísticas, inscrita em uma visão histórica das Ciências da Linguagem, concebe instrumentos linguísticos, tais como: gramáticas, dicionários, manuais, normas, etc. — como objetos discursivos e a Análise de Discurso faz com que esses objetos discursivos sejam relacionados as suas condições de produção e, portanto, sejam tomados, como bem diz Horta “como modos específicos de produzir conhecimento em determinadas conjunturas históricas e que tecem determinados efeitos para os sujeitos, para os sentidos, para a história dos saberes”. (HORTA, 2008, p. 109). Nesse contexto, os instrumentos linguísticos tomam várias formas. Além das gramáticas e dicionários, penso que podem ser considerados também programas curriculares, livros didáticos, leis, como a LDB, os Parâmetros Curriculares Nacionais, as Resoluções, as Normativas, Projetos Políticos Pedagógicos, Matrizes Curriculares, Ementários e muitos outros. Esses diversos instrumentos linguísticos constituem um arquivo para o analista de discurso, um conjunto heterogêneo de textos que podem ser tomados em seu funcionamento discursivo. Nesse sentido, podemos tomar o PPP de Pedagogia como um instrumento que institui uma política de língua na medida em que habilita professores para alfabetizar. E surge então uma outra questão. O que é alfabetizar? Para Silva, a alfabetização é uma prática textual, social e política (SILVA, 1998, p. 253), concepção esta que não está posta em evidência no PPP do curso em questão. Se ser alfabetizado é o sujeito falante assumir uma função de autoria e construir um lugar de interpretação, isso no Brasil, sempre foi para poucos, não só pela exclusão dos indivíduos do processo de escolarização, mas sobretudo, pelos modos de individuação social e histórica que instala e pela configuração que tal função adquire na prática pedagógica. A questão não estaria, portanto, na alfabetização mecânica ou uma alfabetização crítica-criativa – como algo inerente à escrita -, mas nas possibilidades de se ser, ou não autor (SILVA, 1998, p. 254). O currículo do curso é composto por um conjunto de saberes expressos pelos ementários de várias disciplinas, estabelecendo relações de aprendizagem, imbricado em valores e atitudes político-pedagógicos que se desencadeiam no cotidiano do curso, o que, de certa forma, consubstancia a nossa preocupação no que diz respeito a que saberes sobre língua e linguagem adquirem o pedagogo para trabalhar com a educação infantil e as séries iniciais, ou seja, alfabetizar. O aparecimento dos instrumentos linguísticos não deixa intactas as práticas linguísticas humanas, pois ao analisarmos as discursividades nas quais se inscreve o projeto em análise, compreenderemos de que forma se constitui o sujeito alfabetizador na medida em que conjugamos os objetivos e as propostas de ensino. Nessa medida, damos visibilidade às bases linguísticas que sustentam a formação do alfabetizador. Ao observar a matriz curricular enquanto instrumento linguístico, encontramos algumas disciplinas cujos nomes enunciam língua e linguagem. Entretanto, ao observarmos a carga horária destinada a cada uma delas, é possível perceber que há um silenciamento sobre a construção do saber sobre a língua e o funcionamento da linguagem. Tomar a posição histórica para tratar o conhecimento faz com que nos ocupemos dos processos de sua produção e daquilo que resulta como seu produto. Ou seja, não se toma a questão do conhecimento como lógica, nem em uma relação de causa e efeito, mas como uma prática que deixou e deixa resultados na história do homem (ORLANDI, 1998, p. apud SCHERER, 2005, p. 12). Nesse sentido, podemos compreender como as práticas de linguagem nas séries iniciais marcam a relação do sujeito professor com a língua a partir da matriz curricular. No 1º semestre, a disciplina Produção de Texto e Leitura (PTL) tem carga horária de 75h/a; no 4º semestre, Linguagem na Educação Infantil, 45h/a; no 5º semestre, Conteúdos e Metodologia de Língua Portuguesa I – 60h/a, e, por fim, no semestre seguinte, Conteúdos e Metodologia de Língua Portuguesa II – 60h/a. Se observarmos a carga horária de PTL em relação às demais disciplinas que compõe os créditos para o 1º semestre (Introdução à Sociologia – 60; Introdução à Filosofia -45; Metodologia Científica, Informática e Tecnologia de Educação -75 cada uma; Antropologia e Educação - 45) percebemos inicialmente um tratamento de igualdade, que, como efeito, valoriza a maioria das disciplinas desse semestre em termos quantitativos. Porém, em relação às três disciplinas de linguagem, a carga horária torna-se inferior. No 4º semestre, em relação à disciplina Linguagem na Educação Infantil, percebemos o inverso. A carga horária da disciplina equipara-se com uma outra disciplina, ficando em último lugar em relação à carga horária no rol das disciplinas do semestre em questão: conta com apenas 45 h/a. E, aqui, as condições de produção nos remete a um dos objetivos do curso. Ora, se um dos objetivos do curso é formar professores para exercer a docência na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, como desenvolver os conteúdos fatores determinantes do desenvolvimento linguístico da criança; competência linguística, desenvolvimento cognitivo e ambiente cultural gráfico; funções da linguagem infantil; comunicação linguística em crianças e linguagem adulta dirigida à criança; organização de ambiente de aprendizagem que oportunizem o desenvolvimento linguístico da criança; desenvolvimento da linguagem na criança: fonológico, lexical, sintático e pragmático; estudo e discussão do referencial curricular de educação infantil no que se refere à linguagem em 45h/a? Que lugar é esse que a língua ocupa no currículo do curso em questão? Assim, essa disciplina deveria ser de fundamental importância para um curso de formação de professores que atuarão na escolarização. Nota-se que Linguagem na Educação Infantil funciona como um apêndice no currículo do curso de Pedagogia, uma vez que a maior carga horária está distribuída em disciplinas como: Fundamentos teóricos e metodológicos na educação infantil; Didática I; Conteúdos e metodologias de Educação Física; Estudos de currículo, com 75 horas, e Epistemologia da Educação, 60 horas. As disciplinas Conteúdos e Metodologia de Língua Portuguesa I, no 5º semestre, e Metodologia de Língua Portuguesa II, no 6º semestre, possuem a menor carga horária dentre as demais. Mais uma vez o lugar que a língua ocupa nesse contexto em que se licencia o professor para alfabetizar dá visibilidade a uma política de formação que exclui a relação com a língua. Não há nas ementas nenhuma formação acerca das concepções de leitura e escrita, nem tampouco de texto. Ao que se pode agregar que a formação está centrada nos métodos de ensino, e não sobre o que se vai ensinar. Em um universo de 3.325 h/a, encontramos apenas quatro disciplinas que aportam ou pelo menos enunciam questões referentes à língua/linguagem, cuja carga horária totaliza apenas 240h/a (cf. PPP, 2007). A análise dá visibilidade a um saber sobre a língua oferecido aos acadêmicos do curso de Pedagogia que a compreendem como método. A matriz curricular nos possibilita ler, compreender enquanto um instrumento linguístico, o lugar ocupado pela língua na formação docente para alfabetizar. 3. Algumas considerações Do ponto de vista da língua apresentamos algumas considerações/indagações: essa proposta curricular é suficiente para o pedagogo adquirir conhecimentos linguísticos necessários, fundamentados teoricamente sobre os processos de alfabetização, letramento, aquisição da linguagem, quer na modalidade oral ou escrita para trabalhar com a língua no seu campo de atuação? Outras questões poderiam ser formuladas: Que critérios são utilizados para a seleção e formalização dos conhecimentos a serem ministrados num curso de formação de professores para as séries iniciais? Que filiações teóricas são eleitas para trabalhar a leitura e a escrita? Quais as concepções de língua são adotadas no curso de Pedagogia? Fazer História das Idéias Linguísticas supõe tratar a própria produção do conhecimento sob a perspectiva de uma política do conhecimento sobre linguagem. Pôr em relação, num mesmo movimento, essas questões, fez com que compreendêssemos que o lugar da língua no curso de Pedagogia é significado pelas metodologias de ensino. Investigar essa relação nos permite, ainda, que, de forma tênue, compreender em que condições de produção o PPP foi formulado, uma vez que alfabetizar é compreendido do ponto de vista metodológico. Nesse sentido, é através da memória e do interdiscurso que se pode dizer que o PPP produz um olhar político-histórico sobre a própria formação linguística do formador. Nessa perspectiva, é possível produzir novos conhecimentos no sentido de compreender como o currículo do curso constitui, imaginariamente, o perfil do cidadão a ser alfabetizado. Referências Bibliográficas BRASIL. CNE/CP nº 1, de 15 de maio de 2006. Conselho Nacional de Educação. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rcp01_06.pdf>. BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diretrizes e Bases da Educação Nacional. 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