Uma Breve História do Pensamento (Neo)liberal1
Eduardo José Monteiro da Costa2
Resumo
A “espinha dorsal” do neoliberalismo está fundamentada em um tripé analítico
formado por uma visão do Estado, das instituições e do mercado. Com o foco nesta assertiva,
este artigo tem por finalidade apresentar os principais fundamentos teóricos que deram subsídios
para a implementação de práticas políticas neoliberais, tanto nos países desenvolvidos como em
regiões subdesenvolvidas. Para isto, procura sistematizar as visões das diversas escolas de
pensamento que conformam o corpo analítico teórico do neoliberalismo, passando desde os
desdobramentos iniciais do liberalismo nas escolas Clássica (Adam Smith) e Neoclássica (Leon
Walras), como pelos avanços recentes de Friedrich von Hayek (Escola Autríaca), e das escolas
Monetarista, Novo-Clássica, Novo-Keynesiana e da Teoria da Escolha Pública.
Palavras-chave: neoliberalismo, Estado, mercado e instituições
Abstract
The neoliberalism core is based on an analitic tripod formed by a vision of the State,
institutions and market. Focussing on this assertive, this article has as a goal to present the main
teoric bases which gave subsidy to the implementation of neoliberal politc practices, either in
developed countries as in subdeveloped regions. With this goal, it tries to organaize the visions
of the different schools, that form the theorical analitic body of neoliberalism, passing through
the initial unfolding of the liberalism in the schools Classic (Adam Smith) and Neoclassic (Leon
Walras), as by recent advances of Friedrich von Hayek (Austric School), and the schools
Monetarist, New Classic, New Keynesian and the Public Choice Theory.
Key-words: neoliberalism, State, market and institutions.
1
Artigo apresentado no XV Encontro Nacional de Economia Política, realizado em São Luis, na Universidade
Federal do Maranhão (UFMA), de 01 a 04 de junho de 2010.
2
Doutor em Economia Aplicada (IE/Unicamp) e professor do Programa de Pós-Graduação em Economia da UFPA.
Correio eletrônico: [email protected].
1
Introdução
O neoliberalismo constitui-se como a base ideológica e teórica da cosmologia
analítica que fundamenta as práticas políticas em grande parte do mundo contemporâneo. Surge
inicialmente na década de 1940 como uma reação ideológica ao Estado intervencionista.
Todavia, somente ganha maior projeção nos anos de 1970 quando o Paradigma Keynesiano, o
Estado de Bem-Estar Social e o Nacional Desenvolvimentismo entram em crise, amparado por
desenvolvimentos teóricos que deram o respaldo necessário para que efetivamente suas
recomendações de políticas fossem efetivadas e tornadas hegemônicas na década de 1980 por
governos neoconservadores como os de Margaret Teacher na Inglaterra, Ronald Reagan nos
Estados Unidos, Felipe Gonzáles na Espanha, Fançois Mitterand na França e Helmudt Khol na
Alemanha3.
O termo neoliberalismo assume vários significados concomitantes, podendo ser
definido desde uma corrente de pensamento, uma ideologia ou um movimento intelectual
organizado, como também um conjunto de políticas adotadas pelos governos neoconservadores
e propagadas por instituições multilaterais – Banco Mundial (BIRD), Fundo Monetário
Internacional (FMI), Grupo dos Sete (G-7), Acordo Geral de Tarifas e Comércio (Gatt) e
Organização Mundial do Comércio (OMC) –, denominadas genericamente de “Consenso de
Washington”, abrangendo um amplo programa de reformas comerciais, financeiras,
patrimoniais, fiscais, cambiais e monetárias. Em linhas gerais estas reformas tinham como
objetivo devolver ao mercado a função de regulador maior do sistema capitalista e fomentar as
bases para o amplo desenvolvimento do capital financeiro globalizado, criando, desta forma, um
mundo sem fricções ao mercado, o que pressupunha o enfraquecimento das fronteiras nacionais
e a criação de um amplo mercado mundial.
O fato é que o neoliberalismo alcançou enorme êxito apoiado na crença de que não
havia alternativas para os seus princípios e, em função disto, tais práticas passaram a ser
denominadas por muitos de “pensamento único”. Estas práticas, em resumo, pautadas pelas
idéias de busca pela eficiência, aumento da competitividade e equilíbrio macroeconômico,
visavam: a desregulamentação dos mercados de trabalho; a abertura comercial; a abertura
financeira, com um projeto de desenvolvimento pautado na captação de poupança externa; a
quebra do poder dos sindicatos e das associações; o desmantelamento das redes de proteção
social; a privatização das empresas estatais e dos serviços públicos; a “desregulamentação”, ou
3
É importante destacar que as primeiras grandes experiências de “ajuste” neoliberal ocorreram na América Latina
em governos militares. Em 1973 no Chile com o governo do General Pinochet, e em 1976 na Argentina com o
governo do General Videla.
2
antes, um novo quadro legal capaz de minimizar a interferência do setor público sobre o setor
privado; a diminuição da carga tributária; o equilíbrio monetário e o controle da inflação; o
equilíbrio das finanças públicas; a garantia do direito de propriedade dos estrangeiros,
principalmente nas zonas de fronteira tecnológica e dos novos serviços; e, o desenvolvimento
das vantagens competitivas, ou seja, de uma economia voltada para a exportação.
Todas estas recomendações de políticas foram fortemente respaldadas por
desenvolvimentos teóricos nos campos da Ciência Econômica e da Ciência Política. Este artigo
tem por finalidade apresentar os principais fundamentos teóricos que deram subsídios para a
implantação das políticas neoliberais, tanto nos países desenvolvidos como em regiões
subdesenvolvidas. Para isto, analisando mais especificamente o papel atribuído ao Estado, as
instituições e ao mercado, procura sistematizar as visões das diversas escolas de pensamento que
conformam o corpo analítico neoliberal, passando desde os desdobramentos iniciais de Adam
Smith (Escola Clássica) e Leon Walras (Escola Neoclássica), como pelos avanços recentes de
Friedrich von Hayek (Escola Autríaca), e das escolas Monetarista, Novo-Clássica, NovoKeynesiana e da Teoria da Escolha Pública4.
1. O Liberalismo em seu primórdio: Adam Smith e Leon Walras
Adam Smith ao publicar em 1776 A Riqueza das Nações fundou formal e
oficialmente a Ciência Econômica como ciência independente da filosofia. Para isso, construiu
um modelo abstrato, hermético e relativamente coerente da natureza, estrutura e funcionamento
do
capitalismo,
fundando
uma
cosmologia
que
iria
influenciar
decisivamente
os
desenvolvimentos teóricos posteriores da economia.
Sua visão de mundo e formulação teórica foi fortemente influenciada por três
acontecimentos5. Em primeiro lugar, pelo ambiente da Grã-Bretanha nos idos da Revolução
Industrial, onde a visão de mundo anteriormente apregoada estava ruindo em prol de uma nova
sociedade regulada pelo e para o mercado, culminando num mundo cada vez mais dominado
pela produção mercantil. Em segundo lugar, a sua análise fundamentava-se na doutrina do
individualismo, crendo ser desnecessária qualquer intervenção externa para dar sentido à vida
social. A terceira fonte de influência foi o iluminismo, mais especificamente a concepção de
“ordem natural” das coisas, importando a idéia de que o mundo é sempre regido por “leis
4
De acordo com Moraes (2001: 42), existe outra linha teórica, não tratada no corpo deste trabalho, integrante do
corpo analítico neoliberal denominada de “Escola Anarco-Capitalista” no qual Robert Nozick assume
proeminência.
5
Para uma leitura mais detalhada sobre a teoria de Adam Smith, sugere-se: Napoleoni (1974), Screpanti e Zamagni
(1997), Belluzzo (1998; 1999) e Mazzucchelli (2000).
3
naturais”. Desta forma, o desiderato da então nascente Ciência Econômica passou a ser a
interpretação dos fenômenos econômicos dentro de um sistema inteligível e coerente.
Estes três pilares que influenciaram diretamente o pensamento de Adam Smith se
uniram no que ele chamou de Axioma da Mão Invisível, segundo o qual os homens, apesar de
seus atos individuais e egoístas, são conduzidos por uma “força superior” de modo a contribuir
para a realização de um equilíbrio econômico benéfico à sociedade. Segundo este axioma, em
condições de equilíbrio competitivo: a oferta de mercadorias e serviços é sempre igual a sua
procura no mercado; os métodos de produção escolhidos são sempre os mais eficientes; e, as
mercadorias são vendidas pelo menor preço.
Esta visão acabou fundamentando a crença de que o mercado tem o poder de se
auto-regular e de que a ação do Estado deve ser limitada, devendo: manter a ordem e a justiça na
sociedade, preservando a propriedade privada e os contratos; criar e manter instituições e obras
públicas, que embora benéficas para a sociedade como um todo não são atrativas em termos de
retornos econômicos para investidores privados; e, proteger a nação contra inimigos externos. É
esta visão de Estado que acaba permeando os desenvolvimentos teóricos da ortodoxia
econômica, inicialmente com Leon Walras e a Escola Neoclássica, e, posteriormente, com as
escolas Austríaca, Monetarista, Novo-Clássica, Novo-Keynesiana e da Escolha Pública.
Com base nos escritos de Adam Smith, Leon Walras promoveu uma sofisticação
analítica que veio a se tornar a base da Análise Neoclássica. Walras afirmava que a economia é
formada por vários mercados e sempre tende ao equilíbrio, bastando este ser atingido em apenas
um de seus mercados constitutivos. Um ponto central de seu Teorema do Equilíbrio Geral é a
crença de que as forças de mercado corrigem automaticamente qualquer desequilíbrio. Ou seja,
quando há de fato um conjunto de preços em desequilíbrio, o mecanismo de mercado (oferta e
demanda), automaticamente atua restaurando a situação de equilíbrio.
Esta hipótese, que pressupõe a plena flexibilidade dos preços e nenhum tipo de
intervenção exógena, foi aceita por quase todos os economistas neoclássicos, que além de
confiarem nesse mecanismo automático de ajustes do mercado, os julgavam rápido e eficaz.
Desta forma, para Leon Walras o mercado funcionaria como uma espécie de “leiloeiro
onisciente” que teria uma “mão invisível” capaz de corrigir as imperfeições, caso houvessem,
cabendo ao Estado somente as funções clássicas apresentadas por Adam Smith.
2. O Nascimento do Neoliberalismo no Pensamento de Friedrich von Hayek
4
A visão de mundo desenvolvida pela Escola Clássica e aprimorada pela Neoclássica
prevaleceu hegemônica até a publicação da Teoria Geral de John Maynard Keynes em 1936.
Entretanto, em um rápido e preciso contra-ataque a ortodoxia incorporou parte da teoria de
Keynes. Assim, em princípios da década de 1950 emergiu um amplo consenso teórico baseado
na integração de muitas das idéias de Keynes com as idéias de seus antecessores, sendo
chamado por alguns de Síntese Neoclássica-Keynesiana, e que acabou permanecendo como
visão dominante por um longo período que se estendeu desde o pós-guerra até a década de 1970.
O cerne de tal pensamento consubstanciou-se no ferramental de análise denominado “Modelo
IS-LM”, no qual a idéia de equilíbrio clássica com o Leiloeiro Walrasiano volta a ter um papel
de destaque. A diferença é que o papel do Estado passou a ser admitido na solução de eventuais
falhas de mercado, com o intuito de controlar o nível de demanda efetiva da economia. Os
principais teóricos que ajudaram a construir este corpo de análise foram James Tobin, Paul
Samuelson, Franco Modigliani e Robert Solow, todos premiados com o Nobel de Economia.
Contudo, ainda não satisfeitos com a “parcial domesticação” da Teoria Geral de
Keynes, os neoclássicos elaboraram uma doutrina para combater a teoria derivada de seu próprio
contra ataque ortodoxo, o neoliberalismo. Assim, sem abrir concessões, procuraram excluir das
análises qualquer forma de interferência do Estado no livre jogo do mercado.
O surgimento da doutrina neoliberal pode ser atribuído à publicação do livro
“Caminho da Servidão” de Friedrich von Hayek na Inglaterra em 1944, que questionava o
planejamento centralizado, a intervenção do Estado na economia e a ação dos sindicatos e
organizações sociais. Logo após, em 1947, um grupo de 37 intelectuais liberais, composto por
nomes como Karl Popper, Michael Polanyi, Milton Friedman, Lionel Robins, George Stigler,
Ludwig von Misses, Walter Lipman, Frank Knight, e o próprio Friedrich Hayek, realizou uma
reunião na cidade de Mont Pelerin na Suiça financiada por importantes empresários e
banqueiros, com o propósito de defender os ideais liberais em oposição as políticas do Estado de
Bem-Estar Social Europeu e do New Deal americano. Tal grupo acabou sendo batizado de
Sociedade de Mont Pelerin e como desiderato fundaram inúmeros institutos liberais com o
intuito de divulgar os seus ideais. A importância da Sociedade de Mont Pelerin pode ser
evidenciada pelo fato de que dentre os seus membros nada menos do que oito ganharam o
Prêmio Nobel de Economia: Friedrich August von Hayek (1974), Milton Friedman (1976),
George Stigler (1982), James Buchanan (1986), Maurice Allais (1988), Ronald Coase (1991),
Gary Becker (1992) e Robert Lucas Jr. (1995).
Sem embargo, durante o interregno da ortodoxia neoclássica – período de auge do
keynesianismo –, é no pensamento de Hayek que a ideologia neoliberal encontraria o seu
principal propugnador. Hayek nasceu em Viena (Áustria) em 1899. Formou-se em Direito
5
(1921) e Ciência Política (1923) pela Universidade de Viena. Logo depois começou a trabalhar
com Ludwig von Misses no Instituto de Estudos da Conjuntura, de quem tornou-se herdeiro
intelectual. Filiado à tradição dos economistas da Escola Austríaca, em 1931 Hayek foi
convidado para dar aulas na London School of Economics. Hayek permaneceu ali até 1950
quando então emigrou para os Estados Unidos radicando-se em Chicago, onde lecionou até se
aposentar, indo depois lecionar na Universidade de Freiburg.
Para Hayek o sistema de mercado é a melhor ordem social para garantir a
maximização da informação dispersa, respeitando a primazia do indivíduo, na medida em que os
preços agem como elementos de coordenação das ações individuais de diferentes sujeitos em um
contexto social complexo por meio da conciliação de objetivos competitivos. Nele o sistema de
preços com um mínimo de esforço informa os indivíduos no mercado sobre a gama de
necessidades de outros indivíduos e o quanto os mesmos desejam que essas necessidades sejam
satisfeitas.
Conforme a sua visão na sociedade de mercado os homens são naturalmente
desiguais e somente os mais aptos sobrevivem. Desta maneira, qualquer tentativa de suprimir
referida desigualdade é um ataque irracional ao próprio funcionamento harmonioso da ordem
social, podendo inclusive em alguns casos gerar o próprio caos na sociedade.
As instituições sociais, sejam elas econômicas, políticas ou culturais, contém em si
informações vitais, sem que o conteúdo desse conhecimento chegue a ser entendido pelos
indivíduos que agem dentro dessas instituições, e são produto espontâneo da sociedade, estando
submetidas a um darwinismo social marcado pela sobrevivência das mais aptas e por um
lamarckismo social caracterizado pela transmissão dos caracteres adquiridos6. É por isto, que
Hayek combatia a crença de que as instituições sociais poderiam ser recriadas de forma
induzida, o que poderia acabar por destruir a complexa ordem social a qual deveria ser
melhorada.
Para Hayek a sociedade apresenta uma harmonia intrínseca natural. E o principal
inimigo desta ordem é a ação dos sindicatos e do Estado. No tocante a este último, Hayek afirma
que a intervenção política na economia abre caminho para o totalitarismo e provoca desordem
no mercado, uma vez que gera fricções ao livre funcionamento do mecanismo de mercado e da
competição criadora, na medida em que de maneira nenhuma a autoridade central tem
disponível o conjunto de informações necessário para a realização do cálculo econômico. Neste
sentido, qualquer intromissão do Estado seria perniciosa e irracional na medida em que destrói a
liberdade dos cidadãos e a vitalidade da concorrência, da qual depende a prosperidade de todos.
6
Moraes (2001: 43).
6
Se houvesse um objetivo na política geral de uma sociedade livre, este deveria ser o
de não tentar impor uma única escala de valores e de propósitos sobre esta ordem, mas, em
oposição, permitir a consecução da maior variedade de propósitos individuais. O cerne da
análise de Hayek é, portanto, sua Teoria das Decisões Descentralizadas e do Conhecimento
Disperso, que considera como um ideal de otimização no uso dos recursos e da geração de
relações sociais livres, harmônicas e dinâmicas. Esta idéia está presente em todo o pensamento
neoliberal posterior.
Desta forma, o monopólio de coerção do Estado somente poderia ser usado para
impedir os cidadãos de infringirem as regras da sociedade e praticarem atividades nocivas à
coletividade. Somente os indivíduos que infringem as regras estariam sujeitos à coerção, sendo
os demais deixados livres dentro dos limites do comportamento regido por normas. Em suma, o
papel reservado para o Estado segundo Hayek seria o de preservar as instituições que garantam
o pleno funcionamento do mercado.
3. O Neoliberalismo de Milton Friedman e da Escola Monetarista
Em que pese os enormes esforços de difusão dos ideais da Sociedade de Mont
Pelerin e de Friedrich von Hayek, o neoliberalismo permaneceu durante muito tempo como uma
exótica e marginal vertente analítica. Isto aconteceu porque com o fantástico crescimento
econômico vivido pelas economias capitalistas centrais no que foi chamado de Era de Ouro,
muitos macroeconomistas passaram a acreditar que o futuro era promissor para o corpo teórico
predominante. Contudo, nos anos 1970 o capitalismo vivenciou um período de estagnação
econômica com elevados níveis inflacionários, batizado de estagflação. Este fenômeno permitiu
que o neoliberalismo saísse da marginalidade e passasse à cena principal por meio da análise
teórica monetarista desenvolvida por Milton Friedman.
Filho de imigrantes do Império Austro-Hungaro e nascido nos Estados Unidos em
1912, Friedman formou-se pela Universidade de Rutgers, indo posteriormente fazer pósgraduação na Universidade de Chicago de onde viria a se tornar posteriormente professor. Nesta
universidade tornou-se o fundador e líder da Escola Monetarista, onde auxiliado por
pesquisadores como Gary Backer e George Stigler procurou dentro da macroeconomia
operacionalizar a filosofia social e moral de Hayek. Em função de seus desenvolvimentos
teóricos na área de macroeconomia ganhou o Prêmio Nobel de Economia em 1976.
Posteriormente, transferiu-se para Califórnia no Herbert Hoover Institute da Universidade de
Stanford, tornando-o a base de operações da Escola Monetarista.
Friedman começara a produzir os primeiros ensaios monetaristas em meados da
década de 1950. Embora concordasse que muito progresso estava sendo feito, não compartilhava
7
do entusiasmo geral acreditando que a compreensão da economia permanecia muito limitada.
Questionava, desta forma, as motivações dos governos, assim como a noção de que eles tinham
informações e instrumentos adequados para melhorar o desempenho da economia. Na década de
1960 os seus debates com os keynesianos dominaram a academia. Estes se focavam em três
pontos: a efetividade da política fiscal versus a política monetária, a Curva de Phillips e o papel
da política econômica.
Apesar das batalhas entre keynesianos e monetaristas, a macroeconomia por volta de
1970 parecia um campo bem sucedido e maduro para explicar os acontecimentos e orientar as
intervenções em termos de políticas econômicas. A estagflação mudou este quadro e fez de
Friedman o principal intérprete da crise, e de sua teoria a nova fonte de orientação para as
políticas governamentais com a principal diretriz da intervenção passando da dicotomia
inflação-desemprego exclusivamente para a contenção do fenômeno inflacionário.
Para Friedman a tentativa de utilizar políticas fiscais e monetárias ativas para
suavizar o ciclo econômico é uma prática desnecessária e nociva que tende a gerar maiores
instabilidades econômicas. Segundo ele, a economia possui a propriedade de ser auto-ajustável,
havendo pequenas flutuações auto-restritivas. Em que pese admitir algum efeito no curto prazo,
ao questionar existência da Curva de Phillips no longo prazo, acabando com o espaço de gestão
da demanda agregada por meio da dicotomia inflação-desemprego, Friedman afirma que no
longo prazo políticas fiscais e monetárias7 ativas são inócuas, gerando apenas um efeito residual
inflacionário8. Os gastos do governo simplesmente deslocam os possíveis gastos privados por
meio do efeito crowding-out9, o que torna incerto se estes gastos podem realmente aumentar a
demanda agregada da economia. Haveria, assim, um efeito de substituição dos gastos privados
por gastos públicos. Por sua vez, uma política monetária expansionista lograria apenas um efeito
inflacionário sobre a economia, ou seja, apenas alteraria o Produto Interno Bruto Nominal. Em
vez disto, Friedman sugere a adoção de regras monetárias simples e mecânicas ao lado da
adoção de taxas nominais de juros e de câmbio flexíveis.
Por outro lado, o fato dos agentes formarem suas expectativas de modo adaptativo,
ou seja, com base em eventos passados, torna a interferência do governo na economia, quando
feita de modo recorrente, inócua, já que os agentes tendem a adiantarem-se às intervenções
públicas, esterilizando os seus efeitos.
7
Para Friedman a demanda de moeda é, no longo prazo, uma função estável da renda permanente e apresenta baixa
elasticidade em relação à taxa de juros.
8
Para Madi (1997: 231): “...a contribuição de Friedman é mais uma tentativa de inserir a moeda num modelo de
equilíbrio geral, tornando-a neutra no longo prazo.”
9
Isto ocorreria porque os gastos públicos, financiados pela colocação de títulos do tesouro no mercado, acabaria
elevando a taxa de juros e diminuindo o nível de investimento na economia.
8
Friedman é, portanto, um neoliberal na acepção plena do termo. Em sua visão o
mercado significa a liberdade e o Estado a opressão. Logo, segundo o autor, quem não deseja o
totalitarismo deve adotar o livre mercado que tem o predicado de impedir a concentração das
forças econômicas e diminuir a concentração do poder político, multiplicando os centros de
poder. Consequentemente, a luta pela liberdade é simplesmente a luta contra o Estado e qualquer
intervenção estatal no jogo do mercado.
Qual seria então o papel do Estado para Milton Friedman?
Para Friedman qualquer atividade econômica deve ser regulada pelo mercado. O
papel do Estado seria, neste sentido, mínimo, e sua intervenção apenas justificada em condições
muito particulares. O seu dever principal seria o de manter a ordem, preservar a propriedade
privada e, quando não houver interesses privados em jogo, assumir obras públicas. Em suma,
não sendo o liberal um anarquista10, caberia ao Estado manter as “regras do jogo”.
No tocante à política monetária, Friedman aconselha que as autoridades monetárias
deveriam possuir total independência e que a oferta de moeda deveria ser rigorosamente
controlada, com o Estado não devendo ter nenhum poder discricionário sobre o crédito e o
investimento. Em relação à gestão pública, esta deve ter um orçamento equilibrado, sendo que
os gastos públicos devem ser mínimos, e, preferencialmente, financiados por impostos sobre o
consumo, de modo a não penalizar os produtores e o investimento e, por outro lado, estimular a
poupança individual. Friedman defende a eliminação11: dos impostos sobre as sociedades
anônimas; do Imposto de Renda progressivo; da educação pública gratuita; da previdência
social; da regulamentação pelo governo da boa qualidade dos alimentos e dos remédios; da
regulamentação do mercado de trabalho; do monopólio dos serviços do correio; das
indenizações pagas pelo governo em casos de sinistros naturais; das leis do salário mínimo; dos
tetos das taxas de juros cobradas por credores; das leis que proíbem as vendas de heroína e de
quase todas as outras formas de intervenção do governo que vão além da garantia de
cumprimento dos direitos de propriedade, das leis contratuais e da defesa nacional.
4. O Neoliberalismo da Escola Novo-Clássica
10
“Um governo que mantenha a lei e a ordem; defina os direitos de propriedades; sirva de meio para a modificação
dos direitos de propriedade e de outras regras do jogo econômico; julgue disputas sobre a interpretação das regras;
reforce contratos; promova a competição; forneça uma estrutura monetária; envolva-se em atividades para evitar
monopólio técnico e evite os efeitos laterais considerados como suficientemente importantes para justificar a
intervenção do governo; suplemente a caridade privada e a família na proteção do irresponsável, quer se trate de um
insano, quer de uma criança; um tal governo teria, evidentemente, importante funções a desempenhar. O liberal
consciente não é um anarquista.” (Friedman, 1985: 39).
11
Hunt (1989: 489).
9
Friedman e a Escola Monetarista ganharam amplo espaço tanto na academia quanto
na simpatia dos formuladores de política na década de 1970. Contudo, a sua teoria seria logo
superada nos anos 1980 por outro corpo teórico mais complexo também oriundo da
Universidade de Chicago. É bom frisar rapidamente os motivos deste avanço.
A década de 1970 começa com a crise da Síntese Neoclássica-Keynesiana, cujo um
de seus principais sustentáculos era a dicotomia inflação-desemprego expressa pela Curva de
Phillips. Esta análise, como já salientado, perde o seu poder explicativo com o fenômeno da
estagflação. Surge daí uma tentativa através da Escola Monetarista de explicar os
acontecimentos reais em função da oferta de moeda na economia. Mas, em que pese o largo
espaço ganho no início, a Escola Monetarista logo seria questionada no seio da academia e pelos
formuladores de política em função da crescente insatisfação com suas explicações ante aos
erráticos movimentos de preços, do produto e do emprego12.
De posse desta constatação buscou-se dentro da academia superar as falhas
metodológicas dos modelos de modo a dá-los u’a maior aplicabilidade como mecanismos de
previsão e formulação de políticas. Foi por isso que a busca dos fundamentos microeconômicos
da macroeconomia acabou tornando-se o desiderato principal dos macroeconomistas. Segundo
Olivier Blanchard13, aqueles que optaram por reconstruir a teoria macroeconômica resgatando
plenamente os fundamentos da microeconomia neoclássica tornaram-se conhecidos como
novos-clássicos. Já aqueles que sentiram que a visão básica da macroeconomia por volta de
1975 era essencialmente correta, mas urgentemente necessitada de mais embasamento teórico,
microfundamentos, vieram a ser conhecidos como novos-keynesianos.
A Escola Novo-Clássica apesar de ter emergido ainda nos anos 1970 somente
triunfaria como paradigma principal na década de 1980. Dentre os seus principais expoentes
destacam-se: Robert Barro (Universidade de Havard), Thomas Sargent (Universidade de
Stanford), Neil Wallace (Universidade de Minnesota), Edward Prescott (Universidade do Estado
do Arizona), Gary Becker (Universidade de Chicago) e Robert Lucas Jr. (Universidade de
Chicago). Foi, entretanto, este último, laureado com o Prêmio Nobel de Economia em 1995, que
acabou tornando-se o principal expoente desta escola de pensamento.
O principal desenvolvimento teórico dos novos-clássicos foi a incorporação do
pressuposto de que os agentes formam suas expectativas de modo racional, num amplo esforço
de tentar subordinar a macroeconomia à lógica axiomática da ortodoxia walrasiana14. Portanto, a
volta ao paradigma de mercado, no qual os agentes possuem uma lógica otimizadora e no qual a
12
Kandir (1989: 56-58), Barro (1992: 3) e Lopes (1992: 1).
Blanchard (1992: 20-22).
14
Lopes (1992), Lima (1999: 65) e Kandir (1989: 59).
13
10
mão invisível atua de modo eficiente garantindo nos diversos mercados o equilíbrio via preços
plenamente flexíveis, ressurge no centro da análise teórica da macroeconomia, defendendo,
consequentemente, que nenhuma política econômica ativa deva ser utilizada pelas autoridades
econômicas15. A causa dos ciclos econômicos seria a informação imperfeita dos agentes16. Logo,
na ausência de erros expectacionais, os níveis de produto e de emprego de equilíbrio somente se
alteram se houver mudanças de caráter estocástico produzidas por deficiência no sistema de
informações ou diretamente por choques aleatórios como mudanças de gostos e/ou choques
tecnológicos17. Consequentemente, conforme assinala Blanchard, esta escola de pensamento
encontrou pouca utilidade em qualquer dos elementos da economia keynesiana: “Mais
especificamente, duas características chaves, rigidezes nominais e desemprego involuntário,
foram descartadas como estratégias de pesquisa. A revolução varreu para fora da mesa aquilo
que tinha parecido ser, às gerações anteriores, as questões centrais.” 18
Na perspectiva novo-clássica, seguindo o pressuposto de que os agentes formam as
suas expectativas de modo racional, um aumento previsto na oferta de moeda não provoca,
conseqüentemente, aumento no produto real, agindo somente como catalisador do aumento de
preços na economia. Isto ocorre porque os agentes acabam, ao antever as ações do governo,
tomando atitudes que tornam os efeitos reais ineficientes. Desta forma, destaca Antônio
Kandir19: “É importante ressaltar que a concepção novo-clássica chega a uma conclusão mais
radical do que a proposta pelo monetarismo. Este propõe a idéia de que existe a possibilidade de
não neutralidade da moeda, porém muito restrita ao chamado curto prazo. Tal possibilidade
temporária de desdobramentos reais da administração monetária, todavia, é negada pelos
economistas novos-clássicos. Para eles, os agentes econômicos concretizam a aceleração
inflacionária tão logo percebam que o governo está criando as condições para uma mudança no
ritmo de expansão monetária. Dessa forma, a previsão da inflação deixa de ser uma simples
média ponderada das inflações passadas, como no modelo das expectativas adaptativas, para ser
função direta da previsão da expansão do estoque de moeda acima da tendência de crescimento
real da economia.”
15
Lima et alli (1999: 19-20) e Barro (1992: 4).
Conforme destaca Kandir (1989: 59): “Os economistas novos-clássicos não pressupõem, a exemplo de seus
inspiradores – os chamados clássicos -, perfeita informação. Em lugar de trabalhar com perfeita informação, essa
escola trabalha com a idéia de que os agentes econômicos se utilizam da informação disponível, indo a busca de
informações novas até o ponto em que o custo marginal de adquiri-las e processá-las iguala o benefício marginal
decorrente. Por essa razão, o conceito de equilíbrio dos novos-clássicos é distinto do conceito dos clássicos.
Enquanto estes vêem uma única solução possível para o sistema, os novos-clássicos admitem diversos equilíbrios
possíveis, dependendo do conjunto de informações disponíveis.”
17
Sicsú (1999: 84), Barro (1992: 7) e Kandir (1989: 61).
18
Blanchard (1992: 32).
19
Kandir (1989: 61).
16
11
Por sua vez, a política fiscal é igualmente ineficiente, existindo uma “taxa natural de
desemprego” para onde a economia tende naturalmente. Isto ocorre devido a aceitação por parte
dos novos-clássicos do Teorema da Equivalência Ricardiana20 que assinala que apesar dos
títulos do governo aumentarem a riqueza no presente, as obrigações de impostos crescem com
eles no futuro quando o governo tem que pagar a divida. Consequentemente, um consumidor
com expectativas racionais leva em conta essas futuras obrigações e capitaliza os seus fluxos.
Desta forma, como os agentes esperam que futuramente o governo cobre impostos para financiar
sua dívida, poupam, em conseqüência, o equivalente a este montante de impostos.
Em decorrência de tais suposições, as ações previsíveis do governo são
completamente ineficientes, e as ações imprevistas, que podem causar algum tipo de efeitos de
ajustamento, impactam a economia somente no curto prazo, momento este em que os agentes
assimilam com base nas informações disponíveis as causas, os instrumentos e as conseqüências
das ações do governo. Assim, segundo Kandir21, para ter um efeito real, a política econômica
deve ser aleatória: “Somente um choque estocástico pode surpreender os agentes econômicos,
levando-os a erros de previsão e, por conseguinte, a variações em relação ao equilíbrio anterior.”
É, portanto, em função disto que a Teoria dos Jogos passa a desempenhar neste corpo teórico um
papel extremamente importante nas análises da interação entre os formuladores de políticas e o
setor privado.22
A recomendação básica dos novos-clássicos é que a melhor política pública é não ter
política nenhuma. A ação do Estado, neste sentido, é tida como extremamente prejudicial à
saúde do sistema. Não há mais fundamento para qualquer tipo de política econômica
discricionária com o Estado não devendo estabelecer nenhum tipo de regulamentação de
mercado e nem controle de preços. Os administradores públicos devem exercer um caráter
eminentemente de “gerenciamento técnico” na manipulação das variáveis macroeconômicas,
como finanças públicas, política monetária, política cambial, juros e superávits. Os novos
clássicos, assim, pregam a plena liberdade dos capitais especulativos, a desregulamentação dos
mercados financeiros, o fim das barreiras sobre o comercio internacional, o equilíbrio
orçamentário e a constituição de bancos centrais independentes com o objetivo único de
estabilizar os preços.23
20
O Teorema da Equivalência Ricardiana exprime a idéia de que dívida e crédito são um único e mesmo fenômeno,
e que nenhum dos dois pode criar permanentemente poder de compra. Se o governo contrai uma dívida ele tem de
cobrar impostos para cobri-la em seguida. Ou seja, a oferta de obrigações do governo cria logicamente a sua própria
procura. O governo não pode gerar riqueza a partir do nada. Portanto, neste teorema, considera-se que dívida
pública e tributação são equivalentes.
21
Kandir (1989: 61).
22
Barro (1992: 6).
23
Lima et alli (1999: 24).
12
5. O Neoliberalismo da Escola Novo-Keynesiana
A Escola Novo-Clássica inicia a década de 1980 com total supremacia acadêmica
configurando-se como núcleo teórico principal da macroeconomia. Em que pese isto, a década
de 1980 iria presenciar o surgimento de um grupo de pesquisadores, intitulados de novos
keynesianos, que iriam rivalizar com os novos clássicos por esta primazia. É centrado no debate
entre estas duas escolas de pensamento que nas últimas duas décadas do Século XX a atenção
dos principais pesquisadores e formuladores de políticas macroeconômicas estiveram focadas.
Na seção anterior foi demonstrado que a Escola Novo-Clássica fundamenta-se na
crença da existência de uma mão invisível que conduz o mercado para um nível de equilíbrio
eficiente com uma “taxa natural de desemprego”. É na crítica da eficiência automática deste
mecanismo de mercado que vai girar o debate desta escola com os emergentes novos
keynesianos, cujos principais expoentes são: Gregory Mankiw (Universidade de Stanford),
David Romer (Universidade de Stanford), Joseph Stiglitz (Universidade de Stanford), Olivier
Blanchard (Universidade de Havard), Stanley Fisher (MIT), George Akerlof (Universidade da
Califórnia), Assar Lindbeck (Universidade de Estocolmo) e Robert Gordon (Universidade de
Northwestern).
Para os pesquisadores da Escola Novo-Keynesiana os avanços teóricos em torno da
teoria das expectativas racionais são basicamente corretas. Porém, de maneira diferente dos
novos clássicos, questionam, como mencionado, a automaticidade dos ajustamentos por meio da
ação da mão invisível. Para eles, o ajustamento de mercado por meio da ação de uma mão
invisível é correto, mas este ajustamento não é automático. Algumas rigidezes de preços e
salários na economia, ou melhor, imperfeições de mercado, fazem com que o período temporal
de tal ajustamento seja mais longo do que acreditam os novos clássicos, o que acaba gerando,
temporariamente, no período denominado de curto prazo, efeitos sobre o nível real do produto e
do emprego, com reflexo na existência de desemprego involuntário. É, portanto, em outras
palavras, uma teoria de ajuste gradual frente a mudanças no produto agregado nominal na qual a
microeconomia walrasiana torna-se inadequada enquanto instrumento de análise de curto prazo.
As
pesquisas
dos
novos
keynesianos
buscaram,
nesta
trilha,
fornecer
microfundamentos mais adequados para a compreensão destas rigidezes, sem, contudo,
dissolver os agregados macroeconômicos em um conjunto de simples fundamentações
microeconômicas. No longo prazo, por sua vez, continuariam valendo as hipóteses dos novos
clássicos fundamentadas no equilíbrio geral walrasiano24. É neste sentido que Luiz Antonio
Lima25 e Paul Davidson26 acabam classificando os novos keynesianos apenas como um
24
25
Lima (1999: 65 e 66).
Lima (1999: 66 e 69).
13
subconjunto do corpo teórico neoclássico, tendo em mira que a hipótese das expectativas
racionais produz no longo prazo os mesmos efeitos que a plena flexibilidade de preços27.
Os principais microfundamentos estudados pelos novos keynesianos que gerariam
na economia inflexibilidades decrescentes de preços e salários foram: os custos de menu, os
contratos formais e implícitos, a hipótese de salários de eficiência e a relação insiders-outsiders.
Estes quatro principais fundamentos da Escola Novo-Keynesiana, acabaram sendo batizados por
Robert Barro28, de “os quatro cavaleiros da economia novo-keynesiana”.
A Teoria do Custo de Menu pressupõe que as firmas são formadoras de preços e
explica o porque delas numa queda de demanda preferirem cortar a produção em vez de realizar
ajustamentos via preços ou salários. Quando a firma deseja modificar o preço de determinado
produto alguns custos de ajustamento são impostos, como, por exemplo, discutir as possíveis
alterações e estudar os eventuais impactos na demanda e imprimir uma nova lista de preços e
informar os consumidores sobre as alterações nos preços, muitas vezes através de novas
campanhas publicitárias. É quando estes custos se tornam muito altos que as empresas optam
por simples ajustes na quantidade produzida, mais simples e menos dispendioso para as firmas,
porém prejudicial para o nível de demanda agregada da economia via efeito multiplicador.29
A Teoria dos Contratos Formais e Implícitos parte do pressuposto de que os
sindicatos, em geral, pressionam por contratos de longo prazo que contém cláusulas de
aumentos nominais embutidos. Em momentos de queda do nível de demanda agregada os
salários mantém-se rígidos forçando os produtores a buscar outras formas de ajustamento, ou
diminuindo sua margem de lucro numa eventual redução no nível dos preços – o que implicaria
o caso do custo de menu descrito acima –, ou diminuindo a produção e o nível de emprego. Um
pressuposto aceito nesta argumentação é que os sindicatos estão mais abertos para algumas
demissões do que para a queda do nível geral de salários da categoria.
Outra hipótese que explica a rigidez de salários é o da defasagem temporal de
reajuste. Nela, pressupõe-se que cada grupo de trabalhadores poderia aceitar uma redução
salarial caso esta fosse generalizada. Entretanto, como as datas de reajuste são temporalmente
defasadas, todos relutam em serem os primeiros porque acabaria implicando numa perda relativa
de remuneração e, também, porque nada garantiria que os outros trabalhadores teriam seus
salários reduzidos, ou aceitariam tal redução. Isto acaba tornando o nível salarial da economia
26
Davidson (1994: 292).
De acordo com Mankiw apud Lima (1999: 69), “a teoria clássica está correta no longo prazo (..) (e) o longo prazo
está muito distante (..) nesta perspectiva, um título mais honesto para a teoria geral de Keynes seria, ‘O caso
especial da Teoria do Emprego, Juro e Dinheiro (Por que falhas de mercado impedem preços e salários flexíveis de
realizar sua missão)’.” De acordo com Paul Davidson (1994: 292), em grosso modo “a economia novo-clássica é a
teoria geral e a economia novo-keynesiana é um caso especial”.
28
Barro (1992: 11).
27
14
rígido30. Esta argumentação leva João Sicsú31 a fazer a seguinte afirmativa: “Para novoskeynesianos, se vigorasse plena flexibilidade de salários reais e as remunerações variassem
negativamente diante da ocorrência de desemprego involuntário, o mercado de trabalho estaria
sempre equilibrado. Tal construção teórica, longe de ser uma afirmativa revolucionária, está
integralmente em sintonia com a teoria do desemprego da velha escola clássica.”
O terceiro microfundamento é a Teoria do Salário Eficiência. Pressupõe que embora
muitos trabalhadores não sindicalizados não trabalhem sob contratos formais ou explícitos, eles
operam sob contratos implícitos informais. A redução salarial, seja dos trabalhadores com
contratos formais ou informais, faz com que os melhores funcionários migrem para outras
empresas que estão oferecendo melhores remunerações. A vinda de trabalhadores menos
qualificados/eficientes, dada esta redução salarial, traz, todavia, a ela associada, uma série de
novos custos com a gestão desta mão-de-obra, como por exemplo: gastos com treinamento,
aumento da supervisão no processo produtivo, perda da eficiência e da produtividade e grande
rotatividade da força-de-trabalho. Isto faz com que, mesmo nos contratos informais, haja certa
inflexibilidade para baixo nos salários nominais. Assim, qualquer ajustamento produtivo da
firma deve passar ao largo da redução do nível salarial.32
O último deste principais microfundamentos estudados pelos novos keynesianos é o
Modelo Insider-Outsider do mercado de trabalho, muitas vezes estudado como complemento da
Teoria do Salário Eficiência. Parte do pressuposto que existem dois tipos de trabalhadores, os
insiders e os outsiders. Os primeiros são os trabalhadores experientes, com maior qualificação,
e, em geral, filiados a sindicatos fortes. Já os seguintes são os que estão involuntariamente
desempregados. Neste caso, portanto, aceitariam trabalhar por um salário inferior ao pago a um
insider. Todavia, para a firma, a troca de um trabalhador insider por um outsider não é
compensada na medida em que os gastos para reintroduzir os outsiders são demasiadamente
elevados. Esta abordagem procura mostrar que, em alguns casos, os insiders acabam obtendo
uma posição de monopólio nas alocações de trabalho, dificultando o acesso dos outsiders e
conduzindo o mercado a uma determinação do nível de emprego e do produto Pareto-ineficiente.
Assim, a rigidez imposta pelos insiders acaba se sobrepondo à flexibilidade dos outsiders. Este
mecanismo é frequentemente estudado sob o título de histerese33.
O papel reservado para o Estado na visão novo-keynesiana, consequentemente,
deriva da constatação destas fricções, que entravam o pleno funcionamento do mercado. No
29
Barro (1992: 4), Sicçu (1999: 87) e Brue (2005: 454).
Sicsú (1999: 89 e 90).
31
Sicsú (1999: 90).
32
Brue (2005: 455), Sicsú (1999: 89), Lima (1994: 7) e Barro (1992: 13).
33
Sicsú (1999: 89) e Barro (1992: 14).
30
15
longo prazo, segundo eles, no qual vigoraria o mundo novo-clássico, não existe nenhum papel
ativo a ser desempenhado pelo Estado na medida em que o próprio mercado se encarregaria de
conduzir a economia para uma situação de pleno emprego. Se houver algum papel a ser
atribuído aos planejadores público este deve ser limitado ao curto prazo. Neste sentido, a ação
do governo deve estar centrada justamente na quebra das rigidezes de preços e salários, o que
possibilitaria ao mercado resolver todos os outros problemas. Para isto, o Estado deve,
prioritariamente, promover políticas que contribuam para o enfraquecimento sindical, para a
abertura da economia favorecendo u’a maior competitividade, para a promoção da disseminação
de informação de mercado e remoção de falhas de coordenação empresarial e para a manutenção
de uma taxa de câmbio perfeitamente flexível. Qualquer política que vise ativar a economia, sem
passar por estas medidas, é para eles uma mera solução provisória já que não prioriza o cerne da
problemática34. É, portando, em função disto que Sicsú35 afirma que a Escola Novo-Keynesiana
não é a negação da Escola Novo-Clássica, apenas destaca sua inadequação para o curto prazo.
6. O Neoliberalismo da Escola da Escolha Pública
Pelo exposto, é fácil perceber que as práticas neoliberais fundamentaram-se
amplamente no corpo teórico desenvolvido pela ortodoxia macroeconômica passando pelas
escolas Monetarista, Novo-Clássica e Novo-Keynesiana. Entretanto, existe outro corpo teórico
no campo da Ciência Política que também veio a dar fundamentação para as ações neoliberais. É
este corpo, conhecido como a Escola da Escolha Pública, que será brevemente analisado,
encerrando esta breve história acerca dos fundamentos teóricos da doutrina neoliberal.
A Escola da Escolha Pública, como é conhecida, possui como seus principais
expoentes James M. Buchanan, George J. Stigler e Gordon Tullock. Buchanan é considerado o
maior representante desta visão. Elaborou inicialmente suas teorias na Universidade de Virgínia,
fato que logrou a esta vertente analítica outro codinome o de a Escola de Virgínia. Em 1957,
Buchanan cria a Thomas Jefferson Center for Studies in Political Economy, que posteriormente
daria lugar ao Center for Study of Public Choice no Virginia Polytechnick Institute, e que
posteriormente seria transferido para a Universidade George Mansur em Fairfax, atual centro de
difusão desta escola de pensamento. Outro grande pilar desta vertente é George J. Stigler36,
ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 1982. Stigler é atualmente considerado com um dos
maiores expoentes do pensamento liberal radical, com uma postura ideológica contrária a
intervenção estatal em mercados, e com boa parte de sua pesquisa dirigida no sentido de
34
35
Sicsú (1999: 97), Lima (1999: 67), Davidson (1999: 59 e 60), Davidson (1996: 38), Mankiw e Romer (1991: 3).
Sicsú (1999: 86).
16
demonstrar a força do mecanismo de mercado como sistema alocativo na economia37.
Finalmente, o terceiro autor com grande proeminência desta escola é Gordon Tullock que
juntamente com James Buchanan fundou o Center for the Study of Public Choice e o jornal
acadêmico Public Choice.
O ponto de partida para as análises da Escola da Escolha Pública é assumir um
comportamento básico dos agentes sociais como sendo similares ao comportamento dos agentes
da microeconomia neoclássica. Ou seja, os indivíduos são por natureza individualistas, racionais
e hedonistas, e todas as suas ações procuram maximizar o seu nível de satisfação pessoal
(utilidade). A partir deste pressuposto, qualquer fenômeno macropolítico, ou mesmo social,
histórico e legal, deve ser entendido pela ótica dos comportamentos individuais e egoístas.
A ordem organizada espontaneamente pelo mercado é para este corpo analítico a
melhor forma de organização da sociedade, sendo inclusive copiada por diversas instituições
sociais, e dentre elas pelo próprio Estado. Assim, qualquer ação pública é, também, pautada pelo
princípio da maximização, só que não do consumo ou do lucro, mas do voto e do poder. Desta
forma, um Estado que ouse desempenhar funções maiores do que as “recomendadas”, acaba
capturado por diversos interesses particulares, num processo por eles denominados de “captura
de renda”.
A “captura de renda” ocorre quando alguns membros da sociedade, com interesses
próprios, possuem determinada influência sobre o poder político ou sobre a burocracia
governamental e, desta forma, acabam influenciando as ações do governo para que seus
interesses sejam priorizados. Logo, a política acaba virando meio de troca e, consequentemente,
o funcionamento do Estado se dá de forma similar ao do mercado. Assim, no limite, toda a
intervenção governamental acaba fundamentada em algum interesse individual.
Sem embargo, o Estado, como salienta Rui Afonso38, “apesar de ser definido de
modo análogo ao funcionamento do mercado, se mostra, nos termos dessas relações de trocas
mercantis, ineficiente!” Isto ocorre devido a um eventual desvirtuamento do funcionamento do
sistema, com os agentes deixando de operarem exclusivamente via mercado e passando a
intervirem, influenciarem, ou mesmo, pressionarem o governo em favor da obtenção de
vantagens superiores às obtidas no mercado. Reginaldo Moraes39, neste sentido, destaca os dois
36
George Stigler naceu em 1922 nos Estados Unidos e obteve o doutorado em Economia na Universidade de
Chicago em 1938. Ensinou nas Universidades de Iowa State, Minnesota, Brown e Columbia, antes de regressar para
Chicago em 1958.
37
É Stigler que procura explicar o aparecimento da regulamentação estendendo a hipótese econômica de
comportamento racional à política. Para ele a regulamentação nasce dos interesses dos próprios regulamentados,
numa tentativa de se refugiarem das forças competitivas do mercado, passa a legislação a ser fator endógeno, em
vez de exógeno, ao sistema econômico.
38
Afonso (2003: 57).
39
Moraes (2001: 50).
17
principais males, ou desvirtuamentos, desta circunstância: “... esses agentes investem seus
esforços e recursos mais na busca predatória de privilégios do que aumentar o produto global; os
‘tomadores de decisão’, na administração pública, são ‘ofertantes de rendas’, isto é, empregos
ou legislação em troca de benefícios monetários (corrupção) ou apoio político.” Na mesma
linha, afirma John Gray40: “Contrariamente à teoria clássica do Estado como provedor de bens
públicos – quer dizer, bens que em virtude de sua indivisibilidade e não-excludibilidade devem
ser providos para todos ou para ninguém -, os Estados modernos são acima de tudo supridores
de bens privados. Enquanto na concepção hobbesiana o Estado existe para suprir o puro bem
público da paz civil, o Estado moderno existe na prática para satisfazer as preferências privadas
de grupos de interesses mancomunados. Ao fazer isso, ele se desviou e se omitiu das suas
funções centrais de manter a paz e conservar em bom estado as instituições da sociedade civil.”
Como pode ser percebido, estes autores são muito céticos quanto a ação política na
sociedade. Esta acabaria tendo cinco vícios bastante claros41: reforçaria o poder dos que já estão
por cima; permitiria e/ou estimularia a manipulação dos programas e das ações públicas; supõe,
aumenta e explora a ignorância dos eleitores; é dominada por grupos de interesses organizados;
e, acaba favorecendo a “troca de favores” no legislativo.
De posse desta constatação, a recomendação proposta é simples: a intervenção
política na economia deve ser minimizada aos casos nos quais a regulação do Estado é
eminentemente necessária e não pode ser substituída pelo mercado, na medida que pior do que
falhas de mercado são as falhas causadas pela intervenção pública42. Nas palavras de James
Buchanan43: “A noção básica é muito simples e, mais uma vez, representa a transferência da
teoria standard de preços para a política. Da teoria de preços apreendemos que os lucros tendem
a se igualar, devido ao fluxo de investimentos entre diferentes oportunidades. A existência ou
aparecimento de uma oportunidade de obtenção de lucros diferencialmente mais elevados atrairá
investimentos até que os retornos se equalizem em relação àqueles generalizadamente
disponíveis na economia. Portanto, o que deveríamos prever quando a política cria oportunidade
de lucros, ou rendas? O investimento será atraído em direção a essas oportunidades (...) e
engendrará tentativas de obter acesso às rendas. Quando o Estado licencia uma profissão,
quando atribui cotas de importação e exportação, quando aloca faixas de TV, quando adota
planejamento quanto ao uso do solo, podemos esperar que haverá desperdício de recursos em
40
Gray (1993: 11 e 12).
Moraes (2001: 51).
42
Neste tocante, de acordo com Rui Afonso (2003: 48), a proposição neoliberal para restringir o Estado inclui: a
redução do tamanho da administração pública, a redução do tamanho do setor público, o isolamento do estado das
pressões do setor privado, um apoio maior em regras do que em decisões discricionárias, a delegação das decisões
sujeitas à inconsistência dinâmica e a unidades independentes que não se sintam motivada a ceder às pressões
políticas.
41
18
investimentos destinados a assegurar a fatia favorecida (...) Como a expansão moderna do
governo oferece mais oportunidades para a criação de rendas, devemos esperar que o
comportamento maximizador de utilidade dos indivíduos leve-os a desperdiçar mais recursos na
tentativa de assegurar ‘rendas’ ou ‘lucros’ prometidos pelo governo.”
Com base em todas estas constatações, a Escola da Escolha Pública passa a defender
a limitação da “democracia majoritária” através44: da redução ou qualificação do acesso ao voto;
da imposição de cláusulas constitucionais pétreas que cerceiem drasticamente as deliberações
dos poderes legislativo e executivo; e, do poder do judiciário para limitar ou revogar decisões
dos eleitores, ou de seus representantes eleitos, com base numa “racionalidade social superior”.
A mensagem final é clara: as instituições sociais não podem constranger a ação do mercado.
Para o bom funcionamento do mercado, o Estado deve adotar uma estrutura mínima
e descentralizada, na qual o poder político é sobremodo pulverizado45. Esta descentralização, na
qual está incluída os encargos e as receitas, é uma forma de diminuir o apetite fiscal da máquina
pública, e de conferir aos governos subnacionais u’a maior autonomia administrativa46. Este
fato, acabaria estimulando o consenso no processo decisório, através da proximidade do
contribuinte-eleitor em relação aos benefícios dos serviços públicos, na medida em que os níveis
de provisão de certos bens e serviços públicos podem ser fornecidos de acordo com as
preferências de subconjuntos geográficos da população.
Neste sentido, em termos federativos, a Escola da Virgínia defende a implantação de
um tipo de “federalismo competitivo” pela atração de consumidores/contribuintes, no qual a
competição entre diferentes níveis de governo e entre diversos governos subnacionais
promoveria à eficiência econômica, um melhor nível dos serviços e bens públicos oferecidos aos
cidadãos e, por sua vez, a melhoria do bem-estar geral47.
43
Buchanan (1988: 8).
Moraes (2001: 50 e 51).
45
Buchanan (1971: 22).
46
Sobre as teorias hegemônicas do federalismo nas últimas décadas do século XX, ver Afonso (2003).
47
Conforme destaca Afonso (2003: 83-84 e 164): “Ao descentralizar-se em unidades menores, o Estado ‘adquiriria’
propriedades análogas às do mercado ideal (‘competitividade’ e ‘eficiência’), a competição é tão saudável e
benéfica entre governos quanto entre agentes econômicos privados (...) A descentralização, além de corresponder às
exigências de diminuição do tamanho do Estado central, propiciaria a introdução de regras de ‘comportamento
privado’ no setor público, ao estabelecer maior concorrência no âmbito de cada esfera descentralizada de governo e
ao propiciar melhores condições para a cobrança de serviços públicos eficientes por parte dos ‘usuárioscontribuintes’.”
44
19
Conclusão
Com base no que foi apresentado sobre as diversas escolas que compõem o núcleo
teórico do pensamento neoliberal é possível destacar o que pode ser chamada de a “espinha
dorsal” do neoliberalismo, composta por um tripé analítico que se fundamenta numa visão do
Estado, das instituições e do mercado.
A visão do mercado é pautada pela idéia de que ele tem o poder de se auto-regular e
nasce juntamente com a economia como ciência autônoma no Axioma da Mão Invisível de
Adam Smith. Esta idéia, sofisticada pela Escola Neoclássica em seu Teorema do Equilíbrio
Geral com o Axioma do Leiloeiro, permeia todos os desdobramentos teóricos da ortodoxia
econômica, passando pela Síntese Neoclássica-Keynesiana, e pelos avanços teóricos das escolas
Monetaristas, Novo-Clássica e Novo-Keynesiana. O cerne do problema é que qualquer
intervenção exógena ao mercado, principalmente a feita pelo Estado, somente perturba a
harmonia natural do sistema.
A visão do Estado é demarcada pelo o que eles consideram como sendo sua função
básica: preservar as instituições que garantem o pleno funcionamento do mercado, preservar a
propriedade privada, executar obras públicas que não são atrativas para a iniciativa privada,
garantir a consecução da maior variedade de propósitos individuais e desmantelar os obstáculos
que geram rigidez de preços e salários na economia.
No tocante às instituições sociais, sejam elas econômicas, políticas ou culturais, a
partir de Hayek difundiu-se a idéia de que são gestadas espontaneamente no seio da sociedade,
estando submetidas a um darwinismo social marcado pela sobrevivência das mais aptas e por
um lamarckismo social caracterizado pela transmissão dos caracteres adquiridos. Elas contém
em si informações vitais para a sociedade, ininteligíveis para os indivíduos, com qualquer
tentativa de mudá-las ou substituí-las por imposições exógenas, pelo Estado, podendo gerar
conseqüências danosas para a sociedade como um todo. Ademais, é de bom alvitre ressaltar que
os neoliberais advogam a idéia de que de maneira nenhuma as instituições sociais devem
constranger a ação do mercado.
É, portanto, possível concluir que no “DNA do neoliberalismo” está contido uma
visão de mundo fundamentada na automaticidade e na supremacia do mercado como mecanismo
de coordenação social. Ao Estado e as instituições sociais cabe o papel de não atrapalhar o
funcionamento deste sistema harmônico e, quando for o caso, intervir para que este seja
garantido.
20
Bibliografia
AFONSO, Rui de Britto Ávares. O Federalismo e As Teorias Hegemônicas da Economia do Setor
Público na Segunda Metade do Século XX: um balanço crítico. Tese de Doutorado:
Universidade Estadual de Campinas, novembro de 2003.
ANDERSON, Perry. Balanço do Neoliberalismo. In.: Pós-neoliberalismo: práticas sociais e o
Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.
ANDRADE, Rogério de. A Contraposição liberal. In.: CARNEIRO, Ricardo (org.). Os Clássicos da
Economia 2. Editora Ática: São Paulo, 1997.
BAER, Werner; MALONEY, Willian. Neoliberalismo e distribuição de renda na América Latina.
Revista de Economia Política, vol. 17, nº 3 (67), julho-setembro de 1997.
BARRO, Robert J. Novos-clássicos e Keynesianos, ou os Mocinhos e os Bandidos. Literatura
Econômica, Número Especial, junho de 1992.
BELLUZZO, Luiz.Gonzaga de Mello. A Ordem Natural da Economia Política. In.: Prefácio a
Conversas com Economistas Brasileiros II, Ed. 34, 1999.
BELLUZZO, Luiz.Gonzaga de Mello. Valor e Capitalismo. Campinas: Universidade Estadual de
Campinas, 1998.
BLANCHARD, Olivier Jean. Novos-clássicos e Novos-keynesianos: A Longa Pausa. Literatura
Econômica, Número Especial, junho de 1992.
BRUE, Stanley L. História do Pensamento Econômico. São Paulo: Pioneira Thomson Learning,
2005.
BUCHANAN, James. The Economic Theory of Politics Reborn. Challenge, 31 (2), 1988.
BUCHANAN, James. Liberty, Market and State: Political Economy in the 1980s. Sussex:
Wheatsheat Books, 1971.
BUCHANAN, James; WAGNER, Richard. Democracy in Deficit. In.: The Political Legacy of Lord
Keynes. Londres: Academic Press, 1977.
BUTLER, Eamonn. A Contribuição de Hayek às Idéias Políticas e Econômicas de Nosso Tempo.
Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1987.
CARVALHO, Fernando J. Cardim de. Mercado, Estado e teoria econômica: uma breve reflexão.
Econômica, Vol. I, nº 1, junho de 1999.
COMBLIN, José. O neoliberalismo: ideologia dominante na virada do século. Petrópolis, RJ:
Vozes, 1999.
DAVIDSON, Paul. Colocando as Evidências em Ordem: Macroeconomia de Keynes versus Velho e
Novo Keynesianismo. In.: PAULA, Luis Fernando de; Sicsú, João (orgs.). Macroeconomia
moderna: Keynes e a economia contemporânea. Rio de Janeiro: Campus, 1999.
DAVIDSON, Paul. Colocando as evidências em ordem. Ensaios FEE, ano 17, nº 2, suplemento,
pp.7-41, 1996.
DINIZ, Eli. Neoliberalismo e Corporativismo: as duas faces do capitalismo industrial no Brasil.
Revista Brasileira de Ciências Sociais, nº 20, ano 7, outubro de 1992.
DORNBUSCH, Rugiger. Novos-clássicos e Novos-keynesianos. Literatura Econômica, Número
Especial, junho de 1992.
DRAIBE, Sônia; HENRIQUE, Wilnês. “Welfare State”, Crise e Gestão da Crise: um balanço da
literatura internacional. Revista Brasileira de Ciências Sociais, nº 6, vol. 3, fevereiro de 1988.
FIGUEIREDO, Lízia. O Papel do Estado para Adam Smith. Texto para discussão, 110. Belo
Horizonte: UFMG/CEDEPLAR, 1997.
FIORI, José Luís. 60 lições dos 90: uma década de neoliberalismo. Rio de Janeiro: Record, 2001.
FRIEDMAN, Milton. A Teoria Quantitativa da Moeda: uma reafirmação. In.: CARNEIRO, Ricardo
(org.). Os Clássicos da Economia 2. Editora Ática: São Paulo, 1997a.
FRIEDMAN, Milton. O Papel da Política Monetária. In.: CARNEIRO, Ricardo (org.). Os Clássicos
da Economia 2. Editora Ática: São Paulo, 1997b.
FRIEDMAN, Milton. Capitalismo e liberdade. Coleção Economistas. São Paulo: Nova Cultural,
1985a.
FRIEDMAN, Milton. Inflação e Desemprego: A Novidade da Dimensão Política. Literatura
Econômica, 7(3): 381-408, 1985b.
21
FRIEDMAN, Milton. The optimum quanty of money and the other essays. Chicago: Aldine, 1969.
GRAY, John. Falso amanhecer: os equívocos do capitalismo global. Rio de Janeiro: Record, 1999.
GRAY, John. Post-Liberalism. In.: GRAY, John. Studies in Political Thought. Nova York/ Londres:
Routledge, 1993.
HAYEK, Friedrich A. von. Economia e Conhecimento. In.: CARNEIRO, Ricardo (org.). Os
Clássicos da Economia 2. Editora Ática: São Paulo, 1997a.
HAYEK, Friedrich A. von. A Ficção do Conhecimento. In.: CARNEIRO, Ricardo (org.). Os
Clássicos da Economia 2. Editora Ática: São Paulo, 1997b.
HAYEK, Friedrich A. von. Arrogância fatal: os erros do socialismo. Porto Alegre: Ortiz, 1995.
HAYEK, Friedrich A. von. Fundamentos da liberdade. Brasília: Universidade de Brasília, 1983.
HAYEK, Friedrich A. von. Hayek na UNB: conferências, comentários e debates. Brasília:
Universidade de Brasília, 1981.
HAYEK, Friedrich A. von. Counter-Revolution of Science: Studies on the Abuse of Reason.
Indianápolis: Liberty Fund, 1979.
HUNT, E.K. História do pensamento econômico. Rio de Janeiro: Campus, 1989.
IANNI, Octavio. O Estado-Nação na época da globalização. Econômica, Vol. I, nº 1, junho de
1999.
IANNI, Octavio. As Ciências Sociais na Época da Globalização. Revista Brasileira de Ciências
Sociais, vol. 13, nº 37, junho de 1998.
KANDIR, Antônio. A dinâmica da inflação: uma análise das relações entre inflação, fragilidade
financeira do setor público, expectativas e margens de lucro. São Paulo: Nobel, 1989.
KRAMER, Arlo. Converstion with economists. Totowa: Rowman & Allaheld, 1983.
KRUGMAN, Paul R. Vendendo prosperidade – sensatez e insensatez econômico na era do
conformismo. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1997.
LIMA, Luiz Antônio de Oliveira. Uma Reconsideração dos Fundamentos Microeconômicos da
Macroeconomia. In.: PAULA, Luis Fernando de; Sicsú, João (orgs.). Macroeconomia
moderna: Keynes e a economia contemporânea. Rio de Janeiro: Campus, 1999.
LIMA, Luiz Antonio de Oliveira. Alguns aspectos críticos do “nova macroeconomia keynesiana”.
Revista de Economia Política, vol. 14, nº 2 (54), abril-junho de 1994.
LIMA, Gilberto Tadeu; SICSÚ, João; PAULA, Luiz Fernando. Apresentação. In.: PAULA, Luis
Fernando de; Sicsú, João (orgs.). Macroeconomia moderna: Keynes e a economia
contemporânea. Rio de Janeiro: Campus, 1999.
LOPES, Carlos Magno Mendes. Os Novos Clássicos: Considerações sobre o método. UFC/CAEN,
Texto para Discussão nº 107, 1992.
MADI, Maria Alejandra Caporali. Estabilidade com regras monetárias. In.: CARNEIRO, Ricardo
(org.). Os Clássicos da Economia 2. Editora Ática: São Paulo, 1997.
MAIA, João da Silva. Uma Nota Introdutória ao Artigo “Inflação e Desemprego: A Novidade da
Dimensão Política”, de Milton Friedman. Literatura Econômica, 7(3): 375-380, 1985.
MALDONADO FILHO, Eduardo. Globalização e Neoliberalismo: Dois Passos para Frente ou um
Passo para Trás? III Encontro Nacional de Economia Política. Rio de Janeiro: Universidade
Federal Fluminense, 1998.
MANKIW, Gregory; ROMER, David. New keynesian economics. Cambridge, MA: The MIT Press,
1991.
MAZZUCHELLI, Frederico. O Pioneirismo de Smith. Campinas: Universidade Estadual de
Campinas, 2000. (Mimeo)
MELLER, Patrício. Uma revisão da crise na ciência econômica (keynesianismo x monetarismo).
Revista de Economia Política, vol. 7, nº 4, outubro/dezembro de 1987.
MELLO, João Manoel Cardoso de. Conseqüências do neoliberalismo. In.: Economia e Sociedade.
Campinas: Unicamp/Instituto de Economia, n. 1, 1992.
MORAES, Reginaldo. Neoliberalismo: de onde vem, para onde vai? São Paulo: Editora SENAC,
2001.
NAPOLEONI, Cláudio. O Valor na Ciência Econômica. Portugal: Editorial Presença, 1977.
22
OFFE, Claus. A Democracia Partidária Competitiva e o “Welfare State” Keynesiano: Fatores de
Estabilidade e Desorganização. In.: OFFE, Claus. Problemas Estruturais do Estado
Capitalista. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984.
PRZEWORSKY, Adam. Estado e Economia no Capitalismo. Rio de Janeiro: Relume Dumará,
1999.
SANTOS, Theotonio dos. O neoliberalismo como doutrina econômica. Econômica, Vol. I, nº 1,
junho de 1999.
SANTOS, Theotonio dos. O papel do Estado num mundo em globalização. Revista Sociedade
Brasileira de Economia Política. Rio de Janeiro, nº 2, junho de 1998.
SCREPANTI, Ernesto; ZAMAGNI, Stefano. Panorama de historia del pensamiento económico.
Editorial Ariel S.A. Barcelona, 1997.
SICSÚ, João. Keynes e os Novos-Keynesianos. Revista de Economia Política, vol. 19, nº 2 (74),
abril-junho, 1999.
SIMONSEN, Mário Henrique. Frenesi liberalista. Revista Veja, 20 de maio de 1992.
SMITH, Adam. A Riqueza das Nações: investigação sobre sua natureza e suas causas. Vol. 1 e 2.
São Paulo: Abril Cultural, 1983.
SOROMENHO, Jorge Eduardo de Castro. Os novos-clássicos e a teoria dos ciclos de Hayek.
Revista de Economia Política, vol. 18, nº 3 (71), julho-setembro, 1998.
THÉRET, Bruno. O Neoliberalismo como Retórica Econômica e de Modo de Ação Política: de uma
clivagem esquerca/direita a uma fratura entre o financeiro e o social – o caso francês.
Revista Brasileira de Ciências Sociais, nº 24, ano 9, fevereiro de 1994.
23
Anexo
Tabela Síntese – Visões sobre o Estado e o mercado segundo as escolas liberais e neoliberais
Escola
Clássica
Principais Autores
Adam Smith
Neoclássica Leon Walras
Austríaca
Friedrich August
von Hayek
Monetarista Milton Friedman
NovoClássica
Robert Barro,
Thomas Sargent,
Neil Wallace,
Edward Prescott,
Núcleo Teórico
Visão do Mercado
1. Axioma da Mão Invisível
O mercado é auto-regulado.
Em condições de equilíbrio
competitivo: a oferta de
mercadorias e serviços é
sempre igual a sua procura no
mercado; os métodos de
produção escolhidos são
sempre os mais eficientes; e, as
mercadorias são vendidas pelo
menor preço.
1.Teorema do Equilíbrio Geral; A economia é formada por
2. Axioma do Leiloeiro.
vários mercados que sempre
tendem ao equilíbrio, bastando
que este seja atingido em um
de seus mercados constitutivos.
1. Teoria das Decisões
O sistema de mercado é a
Descentralizadas e do
melhor ordem social para
Conhecimento Disperso;
garantir a maximização das
2. As instituições sociais são
informações dispersas.
produtos espontâneos da
sociedade, estando submetidas
a um darwinismo social
marcado pela sobrevivência das
mais aptas e por um
lamarckismo social
caracterizado pela transmissão
dos caracteres adquiridos.
1. Economia auto-ajustável;
O mercado tende ao equilíbrio
com pequenas flutuações auto2. Teoria das expectativas
adaptativas;
restritivas.
3. Efeito crowding-out;
4. Moeda neutra no longo
prazo.
1. Teoria das expectativas
racionais;
2. Lógica axiomática da
microeconomia walrasiana;
Visão de mercado walrasiana.
Os agentes possuem uma
lógica otimizadora, na qual a
mão invisível atua de modo
Críticas a Intervenção do
Estado
A ação do Estado na
economia é desnecessária e
prejudicial. Só se justifica
para manter privilégios.
O Papel do Estado
Manter a ordem e a justiça na
sociedade, preservando a
propriedade privada e os contratos;
criar e manter instituições e obras
públicas, que embora benéficas
como um todo não são atrativas em
termos de retornos para
investidores privados; e, proteger a
nação contra inimigos externos.
Perturba a tendência
espontânea de autoregulação do mercado.
Funções clássicas desenvolvidas
por Adam Smith.
Perturba a ordem social
naturalmente harmônica
abrindo caminho para o
totalitarismo e provocando
desordem no mercado.
Destrói a liberdade dos
cidadãos e a vitalidade da
concorrência.
Permitir a consecução da maior
variedade de propósitos
individuais; fornecimento de
serviços que de outra maneira não
estariam disponíveis; e,
preservação de instituições que
garantam o pleno funcionamento
do mercado.
A tentativa de utilizar
políticas fiscais e
monetárias ativas para
suavizar o ciclo econômico
é uma prática inócua,
desnecessária e nociva que
tende a gerar maiores
instabilidades econômicas e
inflação.
A ação do Estado na
economia somente provoca
perturbação da eficiência
alocativa do mercado.
Manter a ordem, determinando,
arbitrando e pondo em vigor as
“regras do jogo”; preservar a
propriedade privada; e, quando não
houver interesses privados em
jogo, assumir obras públicas.
A melhor política pública é não ter
política nenhuma. Os
administradores públicos exercem
um caráter eminentemente de
24
Gary Becker e
Robert Lucas Jr.
NovoKeynesiana
Gregory Mankiw,
David Romer,
Joseph Stiglitz,
Olivier Blanchard,
Stanley Fisher,
George Akerlof,
Assar Lindbeck e
Robert Gordon.
Escolha
Pública
James Buchanan,
George Stigler e
Gordon Tullock.
3. Axioma da Mão Invisível;
4. Taxa “natural” de
desemprego;
5. Teorema da equivalência
ricardiana;
6. Moeda neutra no longo e no
curto prazo.
1.Teoria das expectativas
racionais;
2. A Mão Invisível não atua de
modo automático: existem
rigidezes de preços e salários
na economia;
3. Teoria dos Custos de Menu;
4. Teoria dos Contratos
Formais e Implícitos;
5. Hipótese de salários de
eficiência;
6. Hipótese de relação insidersoutsiders;
7. No longo prazo o mundo é
Novo-Clássico.
1. Os agentes são
individualistas, racionais e
hedonistas, procurando
maximizar o seu nível de
satisfação pessoal;
2. Qualquer fenômeno
macropolítico, ou mesmo
social, histórico e legal, deve
ser entendido pela ótica dos
comportamentos individuais e
egoístas;
3. A ação pública é pautada
pelo princípio da maximização
do voto e do poder;
4. Teoria da “Captura de
Rendas”.
eficiente rumo ao pleno
emprego, garantindo nos
diversos mercado o equilíbrio
via preços plenamente
flexíveis.
No curto prazo criticam a
eficiência automática do
mecanismo de mercado, dada a
existência de rigidezes de
preços e salários na economia
(imperfeições de mercado). No
longo prazo prevalece a lógica
do equilíbrio geral walrasiano.
A ordem de mercado é a
melhor forma de organização
da sociedade.
“gerenciamento técnico” na
manipulação das variáveis
macroeconômicas, como finanças
públicas, política monetária,
política cambial, juros e superávits.
A ação do Estado é
prejudicial para a
manutenção do pleno
emprego na economia na
medida em que favorece as
rigidezes decrescente de
preços e salários na
economia.
Curto prazo: quebra de rigidezes
de preços e salários através de
políticas que contribuam para o
enfraquecimento sindical; abertura
econômica; promoção da
disseminação das informações de
mercado; remoção de falhas de
coordenação empresarial; e,
manutenção de uma taxa de
câmbio perfeitamente flexível.
Longo prazo: não há papel ativo a
ser desempenhado pelo Estado na
medida em que o próprio mercado
se encarrega de conduzir a
economia para uma situação de
pleno emprego.
A intervenção política na
A intervenção política na
economia: reforça o poder
economia deve ser minimizada,
dos privilegiados; permite
mantendo a paz e as instituições da
e/ou estimula a
sociedade civil, e aonde é
manipulação dos programas eminentemente necessária e não
e das ações públicas; supõe, pode ser substituída pelo mercado.
aumenta e explora a
Para isto, o Estado deve adotar
uma estrutura mínima e
ignorância dos eleitores; é
dominada por grupos de
descentralizada, na qual o poder
político é sobremodo pulverizado.
interesses organizados; e,
acaba favorecendo a “troca
de favores” no legislativo.
25
Download

Artigo_Eduardo_Costa_Neoliberalismo (SEP 2010)