UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO LUIZ GUSTAVO GONÇALVES BRETAS FERREIRA CRESCIMENTO SAUDÁVEL E SUSTENTABILIDADE: UMA ANÁLISE LONGITUDINAL DAS EMPRESAS BOTICÁRIO E NATURA Mestrado em Administração Orientadora: Denise Lima Fleck, Ph.D. Rio de Janeiro 2009 1 Luiz Gustavo Gonçalves Bretas Ferreira CRESCIMENTO SAUDÁVEL E SUSTENTABILIDADE: UMA ANÁLISE LONGITUDINAL DAS EMPRESAS BOTICÁRIO E NATURA Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração, Instituto Coppead de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Administração (M.Sc.). Orientadora: Denise Lima Fleck, Ph.D. Rio de Janeiro 2009 2 FICHA CATALOGRÁFICA Ferreira, Luiz Gustavo Gonçalves Bretas Crescimento saudável e sustentabilidade: Uma análise longitudinal das empresas Boticário e Natura. / Luiz Gustavo Gonçalves Bretas Ferreira – Rio de Janeiro, 2009. 174 fl.: il Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Instituto COPPEAD de Administração, 2009. Orientador: Denise Lima Fleck 1. Responsabilidade Social. 2. Sustentabilidade. 3. Crescimento da Firma – Teses. I. Fleck, Denise Lima (Orientadora). II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto COPPEAD de Administração. III. Crescimento saudável e sustentabilidade: Uma análise longitudinal das empresas Boticário e Natura. 3 4 RESUMO Ferreira, Luiz Gustavo Gonçalves Bretas. Crescimento saudável e sustentabilidade: Uma análise longitudinal das empresas Boticário e Natura. Dissertação (Mestrado em Administração) – Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2009. O presente estudo buscou, utilizando a história da Natura e de O Boticário, contribuir para o entendimento da forma com que as empresas incorporam, ao longo de sua trajetória, atitudes relacionadas à Responsabilidade Social Corporativa – RSC e à Sustentabilidade nos Negócios. Além disso, o trabalho procurou analisar os possíveis impactos da incorporação dessas atitudes na propensão das empresas ao crescimento. Para qualificar a forma de uma empresa atuar de modo sócioambientalmente responsável, foram propostas duas abordagens com base na literatura sobre o tema. A primeira abordagem foi utilizada para caracterizar empresas que incorporam atitudes sócio-ambientalmente responsáveis de forma reativa ao ambiente externo, condicionadas à existência de lucros e não relacionada com as suas operações . A segunda abordagem foi utilizada para definir firmas que incorporam essas atitudes independentemente do ambiente externo e com o intuito de tornar suas atividades mais aderentes ao desenvolvimento sustentável do planeta. Para se entender em que medida a incorporação das atitudes ligadas à RSC favorecem o crescimento de uma empresa, foi utilizado o Modelo de Fleck (2006). Cada condição necessária ao crescimento saudável da firma proposta pelo referido Modelo teve seus aspectos relacionados às duas abordagens. A pesquisa histórica longitudinal realizada demonstrou que, pelo que pôde ser observado na trajetória da Natura e de o Boticário, há indícios de que atitudes ligadas a RSC incorporadas de forma independente, sistemática e relacionada às operações da empresa são mais condizentes com os aspectos necessários ao crescimento saudável das empresas. Também pôde ser visto que, muitas vezes, esses aspectos necessários ao crescimento inerentemente contribuem para uma postura sustentável da empresa. 5 ABSTRACT Ferreira, Luiz Gustavo Gonçalves Bretas. Crescimento saudável e sustentabilidade: Uma análise longitudinal das empresas Boticário e Natura. Dissertação (Mestrado em Administração) – Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2009. The present study, based on the history of Natura and O Boticario, intends to understand the way in which companies incorporate throughout its history, attitudes towards Corporate Social Responsibility - CSR. In addition, the study analyzed the possible impacts of the incorporation of CRS on the growth propensity of companies. In order to qualify the way that companies act in issues related with CSR, two ideal types have been developed in this research. The first ideal type was based on companies that incorporate CSR attitudes and actions responding only to its external pressures, subjected to the existence of profits and unrelated to their business. The second approach was used to define firms that incorporate these attitudes regardless of the external environment in order to make their activities more responsive to development of the planet. To analyze the relation between business growth and incorporation of CSR attitudes, Fleck’s (2006) model of arquetypes of success and failure was used. Each condition required for the healthy growth of the firm proposed by the model had its aspects related to the two ideal types. The Historical research and the longitudinal analysis have shown that, based on what could have been observed in the trajectory of the Natura and Boticario, when CSR actions were related to the company's activities soma aspects of healthy growth of companies were stimulated. Besides, generally the aspects that were taken as necessary for growth intrinsically underpin the type of CSR more concerned with the sustainability of the planet. 6 LISTA DE GRÁFICOS GRÁFICO 3. 1 – DISTRIBUIÇÃO TEMPORAL DOS FATOS E EVENTOS .............................................................................. 58 GRÁFICO 4.1 – RESULTADO INTERNACIONAL DA NATURA 1993-1998 ........................................................................ 81 GRÁFICO 4.2 – EVOLUÇÃO DO LUCRO OPERACIONAL NATURA 1993-1998 ................................................................ 82 GRÁFICO 4.3 – ENDIVIDAMENTO DA NATURA 2001-2003 ........................................................................................... 94 GRÁFICO 5.1 – NATURA: ATITUDES/INICIATIVAS PERTINENTES À DIMENSÃO DA INSTITUCIONALIZAÇÃO .................... 128 GRÁFICO 5.2 – BOTICÁRIO: ATITUDES/INICIATIVAS PERTINENTES A DIMENSÃO DA INSTITUCIONALIZAÇÃO ................ 133 GRÁFICO 5.3 – NATURA: ATITUDES/INICIATIVAS PERTINENTES A DIMENSÃO DO INVESTIMENTO ............................... 136 GRÁFICO 5.4 – BOTICÁRIO: ATITUDES/INICIATIVAS PERTINENTES A DIMENSÃO DO INVESTIMENTO ........................... 138 GRÁFICO 5.5 – NATURA: ATITUDES/INICIATIVAS PERTINENTES A DIMENSÃO DA INSERÇÃO DE VALORES .................. 142 GRÁFICO 5.6 – BOTICÁRIO: ATITUDES/INICIATIVAS PERTINENTES A DIMENSÃO DA INSERÇÃO DE VALORES ............. 145 GRÁFICO 5.7 – NATURA: VENDAS/PIB ...................................................................................................................... 169 GRÁFICO 5.8 – BOTICÁRIO: VENDAS/PIB .................................................................................................................. 170 GRÁFICO 5.9 – NATURA X BOTICÁRIO: VENDAS/PIB ................................................................................................. 170 LISTA DE EQUAÇÕES EQUAÇÃO 3.1 – CURVA DE CRESCIMENTO ................................................................................................................... 60 LISTA DE QUADROS QUADRO 2.1 – DIMENSÃO DA INSTITUCIONALIZAÇÃO ................................................................................................... 27 QUADRO 2.2 – DIMENSÃO DO INVESTIMENTO .............................................................................................................. 28 QUADRO 2.3 – DIMENSÃO DA INSERÇÃO DE VALORES ................................................................................................ 30 QUADRO 2.4 - OS CINCO DESAFIOS ORGANIZACIONAIS PARA A PROPENSÃO À AUTOPERPETUAÇÃO ........................... 33 QUADRO 2.5 – RESUMO DA RELAÇÃO ENTE OS DESAFIOS E A ABORDAGEM “A” ......................................................... 37 QUADRO 2.6 – RESUMO DA RELAÇÃO ENTE OS DESAFIOS E A ABORDAGEM “B” .......................................................... 41 QUADRO 3.1 – PRINCIPAIS DOCUMENTOS UTILIZADOS E TABULADOS........................................................................... 51 QUADRO 3.2 – RELAÇÃO DAS PRONUNCIAÇÕES DE LÍDERES DA EMPRESA UTILIZADAS NA ANÁLISE ............................. 54 QUADRO 3.3 – RELAÇÃO ENTREVISTAS NA NATURA E BOTICÁRIO ............................................................................. 56 QUADRO 3.4 – TRECHO DA TABELA DE ORGANIZAÇÃO DOS FATOS .............................................................................. 57 QUADRO 3.5 – TRECHO DA TABELA DE ORGANIZAÇÃO DE DADOS QUANTITATIVOS ...................................................... 57 QUADRO 5.1 – DIMENSÃO DA INSTITUCIONALIZAÇÃO: ANÁLISE DAS ATITUDES/INICIATIVAS DA NATURA .................... 132 QUADRO 5.2 – DIMENSÃO DA INSTITUCIONALIZAÇÃO: ANÁLISE DAS ATITUDES/INICIATIVAS DO BOTICÁRIO ............... 135 QUADRO 5.3 – DIMENSÃO DO INVESTIMENTO: ANÁLISE DAS ATITUDES/INICIATIVAS DA NATURA ............................... 138 QUADRO 5.4 – DIMENSÃO DO INVESTIMENTO: ANÁLISE DAS ATITUDES/INICIATIVAS DO BOTICÁRIO ........................... 140 QUADRO 5.5 – DIMENSÃO DA INSTITUCIONALIZAÇÃO: ANÁLISE DAS ATITUDES/INICIATIVAS DA NATURA .................... 144 QUADRO 5.6 – DIMENSÃO DA INSTITUCIONALIZAÇÃO: ANÁLISE DAS ATITUDES/INICIATIVAS DO BOTICÁRIO ............... 147 7 Sumário 1. INTRODUÇÃO........................................................................................................................................9 1.1 Objetivos detalhados........................................................................................................................12 2. REVISÃO DE LITERATURA ..............................................................................................................14 2.1 Responsabilidade social: Introdução das abordagens “B” e “A”.....................................................14 2. 1.1 Abordagem “A” Foco nas ações socialmente responsáveis..................................................17 2.1.2 Abordagem “B”: Foco nos valores do desenvolvimento sustentável ......................................20 2.1.3 Diferenciando as abordagens (Modelo 3-In)...........................................................................23 2.2 Crescimento da firma a propensão a auto-perpetuação....................................................................30 2.2.1 Os desafios do crescimento de Fleck (2006)...........................................................................32 2.3 A relação entre os desafios da auto-perpetuação e as abordagens “A” e “B”..................................36 2.3.1 Abordagem “A” e os cinco desafios ........................................................................................36 2.3.2 Abordagem “B” e o cinco desafios..........................................................................................41 3. MÉTODO...............................................................................................................................................47 3.1 Descrição da pesquisa......................................................................................................................47 3.2 Níveis de análises ............................................................................................................................48 3.3 Caracterização da pesquisa ..............................................................................................................49 3.4 Coleta e preparação dos dados.........................................................................................................50 3.4.1 Dados coletados.......................................................................................................................51 3.4.2 Preparação dos dados .............................................................................................................56 3.5 Técnicas de análise de dados ...........................................................................................................58 4. HISTÓRICO DAS EMPRESAS ............................................................................................................61 4.1 Natura ..............................................................................................................................................61 4.2 O Boticário ......................................................................................................................................97 5. RESULTADOS ....................................................................................................................................127 5.1 Associação das empresas às abordagens........................................................................................127 5.1.1 Quanto à Dimensão da Institucionalização ...........................................................................127 5.1.2 Quanto à Dimensão do Investimento .....................................................................................135 5.1.3 Quanto à dimensão da Inserção de Valores ..........................................................................141 5.1.4 Associação geral....................................................................................................................147 5.2 Relação entre os desafios do crescimento e os comportamentos ligados à RSC e a sustentabilidade .............................................................................................................................................................149 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ...............................................................................................................155 6.1 Conclusões.....................................................................................................................................155 6.1.1 O modelo das abordagens “A” e “B” ...................................................................................155 6.1.2 A relação entre o crescimento saudável e as Abordagens .....................................................156 6.2 Sugestão para pesquisas futuras.....................................................................................................158 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .....................................................................................................159 ANEXOS..................................................................................................................................................167 8 1. INTRODUÇÃO De maneira geral, cresce no Brasil e no mundo a preocupação com a Responsabilidade Social Corporativa (RSC), tanto em trabalhos acadêmicos quanto nas organizações. Muitos têm sido os motivos apontados para a necessidade de se pensar e refletir sobre o tema, mas ainda não se chegou a um consenso sobre o que exatamente seria tal responsabilidade, nem como deveria ser implementada ou mensurada nos cálculos gerais das organizações (ASHLEY; 2005; p. 77). Além disso, o contexto da Responsabilidade Social é dinâmico porque o mix ideal de objetivos das empresas e da sociedade coevoluem ao longo do tempo. (WHETHER e CHANDLER; 2006; p. 18). Mas é consenso atualmente que, se algum negócio procura criar valor no longo prazo, é necessária uma perspectiva responsável com o meio ambiente e a força de trabalho (HAWKINS; 2006; p. 43). Esse fato tem se agravado, pois novas demandas da sociedade têm surgido. Isso aumenta os desafios das empresas preocupadas com a longevidade e faz, de acordo com Andrews (1973), com que os gestores necessitem de mais competência e de mais ética. De acordo com Hawkins (2006; p. 145), à medida que aumentam as pressões para tornar públicas as políticas e práticas sustentáveis e de RSC, os stakeholders se sentem no direito de julgar a performance socioambiental das empresas. Assim, as idéias acerca de responsabilidade social corporativa e desenvolvimento sustentável nos negócios fazem emergir uma complexidade maior no contexto no qual as empresas estão inseridas. De acordo com May, Cheney e Roper (2007; p. 9), a discriminação clara das idéias e visões que circundam a responsabilidade social é importante para entender a complexidade inerente à ética nos negócios em múltiplos contextos e, assim, poder explorar as ações responsáveis e irresponsáveis das empresas, bem como as iniciativas que são utilizadas, formuladas ou suspendidas. Campbell (2007; p. 951) ainda ressalta que se deve ter cuidado ao lidar com comportamentos socialmente responsáveis das empresas porque o termo pode significar coisas diferentes, dependendo do contexto. A responsabilidade social corporativa possui várias das características dos modismos gerenciais (ZORN e COLLINS; 2007; p. 410) e por isso deve ser 9 encarada com cautela. Existem várias visões acerca do tema e elas devem ser consideradas para que se possa entender melhor o porquê da adoção da responsabilidade social e de comportamentos em prol do desenvolvimento sustentável. Ashley (2005; p. 2) afirma que uma empresa socialmente responsável é aquela que está atenta para lidar com as expectativas de seus stakeholders atuais e futuros. Essa definição incorpora a idéia de sustentabilidade nos negócios, mas normalmente o desenvolvimento sustentável corporativo e a RSC são tratados de maneiras distintas. Cada uma das visões engloba desafios diversos, contribuindo de maneira diferente para a sobrevivência da organização e seu crescimento saudável. Windsor (2006) defende que a falta de consenso entre as diferentes perspectivas acerca de RSC somente nos permite comparar diferentes visões. Partindo dessa idéia, este trabalho propõe duas visões distintas acerca da RSC e explora a contribuição de cada uma delas na sobrevivência da organização no longo prazo. A primeira visão é calcada no argumento econômico para a responsabilidade social, que defende a idéia que valor é adicionado à empresa através da RSC, pois ela revela as preocupações e as necessidades dos vários stakeholders da firma (WHETHER e CHANDLER; 2006; p. 18). Essa visão possui uma lógica instrumental focada nas ações estratégicas com os stakeholders organizacionais. Além disso, embora a abordagem seja permeada por ética e transparência, a RSC sob essa perspectiva possui cunho estratégico e coloca eficácia organizacional como objetivo final. Ela evoca questões como a gestão do risco, a imagem corporativa e a atratividade para investidores. Essa abordagem alinha-se com a idéia de Hawkins (2006; p. 156), que entende que o papel RSC é remoldar as ações da empresa. A segunda abordagem, mais relacionada com o desenvolvimento sustentável do planeta terra, vai mais além, considerando todos os níveis organizacionais. Essa segunda visão parte da idéia de que as formas atuais de produção estão ameaçando os recursos que garantem a qualidade de vida das pessoas no planeta (STEAD e STEAD; 2004; p. 9). Stead e Stead (2004; p. 36) afirmam que a implementação de um desenvolvimento sustentável requer que as filosofias e valores das empresas sejam consistentes com a causa. Assim, a 10 segunda visão está ligada ao enraizamento de valores e não na mudança de ações. De acordo com Willard (2006; p. 141), para alcançar o desenvolvimento sustentável é importante uma mudança cultural na organização. Essa mudança nos valores empresarias garantiriam à organização um comportamento ético com seus Stakeholders, uma conduta socialmente aceita e o comprometimento da organização com a sustentabilidade da empresa e do planeta. Assim, essas duas perspectivas têm focos de ações distintos. A primeira, que focaliza nas ações socialmente responsáveis e nos benefícios que essas ações podem trazer para a organização será chamada de abordagem “A”. A segunda, que atua na mudança de valores e da cultura para que o crescimento da organização envolva práticas sustentáveis de gestão será chamada de abordagem “B”. As abordagens trabalhadas podem ser entendidas como tipos ideais opostos que, apesar de não representarem exatamente a realidade, ajudam a compreender como é a postura da empresa em relação a questões ligadas a Responsabilidade Social. O crescimento saudável não é uma abordagem convencional para mensurar o desempenho das empresas, apesar de Chandler (1990; p. 138) destacar o crescimento como um objetivo básico das empresas. Como afirma Deetz (2007; p. 269), a utilização de indicadores de curto prazo em vez do crescimento para valorizar a empresa coloca, normalmente, o lucro como atividade fim e não como um meio para a sustentabilidade de um negócio. Sendo o foco da responsabilidade social corporativa a longevidade de uma organização, o crescimento saudável se mostra um indicador coerente para mensurar as vantagens e desvantagens de adotar as práticas de RSC e de sustentabilidade. Outro argumento em favor da utilização do crescimento das organizações como medida de desempenho é ressaltado por Starbuck (1965; p. 165), que afirma que o crescimento da firma não é um evento randômico e único. Assim, diferente do lucro em um exercício ou de uma súbita valorização das ações frente a eventos extraordinários, o crescimento é fruto do comprometimento organizacional com a sobrevivência no longo prazo. Apesar da adequabilidade da utilização do crescimento contínuo e saudável da organização, para ser analisado à luz das abordagens da responsabilidade social da empresa e do desenvolvimento sustentável, a utilização desse construto deve ser feita com cautela. A dificuldade de se 11 estudar o crescimento continuado e saudável das empresas emerge de diversos aspectos. O crescimento saudável está ligado à capacidade da firma de se perdurar e crescer continuamente. Além disso, quando se busca entender um processo de crescimento, é difícil estabelecer relações causais, que impliquem condições necessárias e suficientes entre dois eventos (FLECK, 2003; p. 11). O presente trabalho busca responder "De que maneira diferentes atitudes sócio-ambientalmente responsáveis podem afetar o desenvolvimento de uma propensão ao crescimento saudável e à autoperpetuação da organização? "Deve-se lançar mão de um modelo que considere as particularidades do crescimento das organizações. Assim, far-seá uso do modelo desenvolvido por Fleck (2009), que considera os desafios do crescimento contínuo e as possíveis respostas organizacionais às condições necessárias para uma empresa se auto-perpetuar ao longo do tempo. Cada desafio é fundamentado em elementos trans-históricos do processo de crescimento das empresas. Os desafios devem ser respondidos adequadamente para que a organização seja capaz de crescer continuamente e se perpetuar. A resposta adequada a esses desafios permitiria que a organização crescesse, se renovasse e não se fragmentasse, sendo essas as condições necessárias e não suficientes para a perpetuação da organização no longo prazo. Utilizando tal modelo poder-se-á identificar como as duas abordagens de responsabilidade social são capazes de contribuir para que a empresa se perpetue. A fim de entender tal relação, foi preciso eleger empresas para análise empírica, que estejam comparativamente avançadas nas práticas de gestão ligadas à responsabilidade social e ao desenvolvimento sustentável nos negócios. 1.1 Objetivos detalhados • Contribuir para o entendimento da RSC, desenvolvendo duas abordagens sobre o tema. • Entender potenciais impactos das características de uma RSC do tipo “A” na trajetória de crescimento das empresas estudadas. 12 • Entender potenciais impactos das características de uma RSC do tipo “B” na trajetória de crescimento das empresas estudadas. • Propor relações entre os dois tipos de RSC desenvolvidos e os desafios para o crescimento saudável. 13 2. REVISÃO DE LITERATURA A primeira seção do capítulo de revisão de literatura aborda a responsabilidade social e os dois tipos ideais propostos no trabalho. Os “Tipos Ideais”, termo atribuído à Max Weber, tem o intuito de expor um determinado curso de ação baseado nas propriedades essenciais de certos fenômenos sociais (OLIVEIRA, 2008; p. 8). O tipo ideal, surgiu nos do sociólogo para subsidiar seus estudos históricos comparativos com o intuito de entender a economia moderna e a ordem social associadas ao capitalismo (WEBER, 1964; p. 4). Um tipo ideal é uma ferramenta analítica que reflete um tipo puro de um fato ou conjuntos de fatos sociais, não podendo ser encontrado na realidade. A necessidade de se criar os tipos idéias surgiu diante da complexidade inerente à forma das empresas praticarem a Responsabilidade Social Corporativa. Acredita-se que, com a utilização dos tipos ideais propostos, será possível estabelecer associações entre o padrão de comportamento percebido na realidade das empresas estudadas e a sua forma de atuar no Âmbito da RSC. As duas abordagens que serão descritas ao longo da primeira sessão deste capítulo visam sintetizar idéias antagônicas em dois tipos opostos. 2.1 Responsabilidade social: Introdução das abordagens “B” e “A” Apesar de responsabilidade social ser um assunto que existe há décadas, apenas agora está sendo reconhecido como um campo de estudos dentro da administração (FREEMAN e HARRISON, 1991). Segundo Duarte e Dias (1986) e Hay, Gray e Smith (1989), em 1953, Howard Bowen, com o lançamento do livro “Responsibility of the Businessman”, criou o termo responsabilidade social para denominar as atividades que os gestores de negócios deveriam conduzir para manter as empresas em consonância com os objetivos e valores da sociedade. O conceito evoluiu, mas, apesar dos vários debates promovidos sobre o tema ao longo dos anos em diferentes contextos, ele ainda encontra-se em processo de consolidação, acarretando interpretações distintas, tanto por parte 14 dos gestores quanto por parte de acadêmicos. De acordo com Carlisle e Faulkner (2004), os conceitos atuais derivam do conceito formulado por Carrol (1979), que propôs um modelo piramidal que divide a Responsabilidade Social nas quatro categorias apresentadas abaixo, que vão da base ao topo da pirâmide: • Responsabilidade econômica: produção de bens e serviços que sejam necessários à sociedade e que garanta a sobrevivência da empresa. • Responsabilidade legal: espera-se que as empresas alcancem seus objetivos e, ao mesmo tempo, observem a estrutura e exigências legais promulgadas pelo governo federal, estadual e local. • Responsabilidade ética: envolve comportamentos ou atividades que a sociedade espera das empresas. Os responsáveis pela tomada de decisão devem agir com equidade, justiça e imparcialidade, respeitando os direitos individuais. • Responsabilidade filantrópica: envolve as ações voluntárias das empresas no sentido de promover o bem-estar humano e contribuir para projetos sociais ou instituições benevolentes. Além de servir de base para conceitos atuais, a Pirâmide de Carrol (1979) permitiu a ampliação do conceito de responsabilidade social, assim como uma visão evolucionária da responsabilidade social, na qual a empresa evolui de uma empresa que apenas cumpriria os requisitos legais e econômicos para uma empresa em consonância com os vários públicos que afetam ou são afetados por ela. De acordo com Carlisle e Faulkner (2004), várias empresas começam com uma atuação estreita, que vai se ampliando ao longo do tempo. De acordo com Windsor (2006), a falta de consenso entre as diferentes perspectivas acerca da responsabilidade social corporativa somente nos permite comparar as diferentes visões. Para o autor, existem visões que tentam simplificar a RSC abordando-a sob uma perspectiva meramente econômica, que associa as ações de responsabilidade social com o retorno financeiro ou com a valorização das ações da empresa. 15 Como empresas são criações sociais cuja sobrevivência depende do apoio da sociedade (REICH, 1998), essa ótica puramente econômica não consegue captar a complexidade inerente às emergentes demandas da sociedade. De acordo com Duarte e Dias (1986; p. 38), a sociedade está exigindo uma redefinição do papel social da empresa. Atualmente, o ambiente dos negócios é definido pelo aumento das demandas da sociedade (STEAD e STEAD, 2004; p. 72). Isso trouxe uma série de novas abordagens sobre a responsabilidade social, como a idéia de que as empresas devem cumprir um papel importante no desenvolvimento sustentável do planeta na preservação dos recursos naturais para as gerações futuras. De acordo com Bullis e Le (2007; p. 327), o desenvolvimento ligado à sustentabilidade pode ser entendido como a mais idealista das perspectivas, pois sugere a existência de uma ideologia interna em que a organização deve trabalhar para o desenvolvimento de um mundo ecologicamente sustentável. A responsabilidade social, sob essa ótica, também se fundamenta nas relações éticas e transparentes com todos os stakeholders, mas uma abordagem focada na sustentabilidade requer uma reformulação da teoria dos stakeholders que reconheça o planeta terra como o stakeholder primordial (STEAD e STEAD, 2004; p. 73). Assim, essa visão mais voltada para o desenvolvimento sustentável do planeta – “B” – se distingue de uma abordagem mais instrumental, que visa entender os custos e benefícios da RSC. Essa segunda visão, ou abordagem – “A” – não é nem uma visão puramente econômica nem puramente filantrópica, sendo focada nas ações das empresas para atender as necessidades de seus públicos interessados à medida que elas vão aparecendo (WINDSOR, 2006). Whether e Chandler (2006; p. 18) entendem que a visão de todos os stakehoders da firma é importante, pois ajuda a balancear os interesses divergentes na formação de políticas empresarias. Sob essa mesma abordagem, de acordo com Clarke e Gibson-Sweet (1999), a RSC também pode ser entendida como meio de garantir legitimidade e gerenciar a reputação da corporação. Isso ocorre porque a legitimidade de uma organização pode ser entendida de várias formas, inclusive sob uma ótica mais pragmática que envolve ações diretas da empresa para melhorar sua imagem frente a seus públicos (SUCHMAN, 1995). 16 As duas visões introduzidas não buscam esgotar as possibilidades de entendimento da responsabilidade social e do desenvolvimento sustentável. Elas foram escolhidas por possuírem focos diferentes quanto à forma de trabalhar a responsabilidade dentro da empresa além de ambas serem consideradas adequadas e benéficas por seus defensores. As sessões seguintes buscam aprofundar cada uma delas. 2. 1.1 Abordagem “A” Foco nas ações socialmente responsáveis A abordagem “A” é uma abordagem de responsabilidade social ligada aos riscos inerentes ao não engajamento em ações socialmente responsáveis. Esses riscos, na visão de Hawkins (2006; p. 125), permitem que as organizações definam suas ações de responsabilidade social de forma mais adequada. A questão dos riscos é extremamente importante para as empresas que adotam uma abordagem “A”, pois, de acordo com Duarte e Dias (1986; p. 73), a delimitação do campo de atuação é complicada. Para tal estudo é importante que o risco seja entendido, como define Penrose (2006; p. 105), como os possíveis resultados de uma ação, especialmente no que se refere às perdas que se pode incorrer com a prática desta ação. Essa abordagem aceita também, como proposto por Whether e Chandler (2006; p. 45), que quanto maior o impacto de uma empresa na sociedade, mais importante é a migração da consideração de um leque estreito de stakeholders para uma gama mais ampla e abrangente. Assim, defende também uma abordagem contingencial para responsabilidade social corporativa, que invoca as diferenças na competição das indústrias e as possíveis estratégias a serem adotadas pelas empresas, em vez de uma verdade global sobre a forma como a responsabilidade social deve ser adotada (VAN DE VEN e JEURISSEN, 2005; p. 315). De acordo com Duarte e Dias (1986; p. 77), a definição das áreas de engajamento da empresa demanda uma racionalidade que deve levar em conta o contexto particular, as características e a gravidade do problema. Ações de responsabilidade social, dentro dessa linha “A”, devem deixar claro qual público interessado motivou os esforços. Sendo assim, a análise dos Stakeholders é um fator determinante para identificação das audiências chaves 17 que impulsionarão os esforços de RSC. Essa idéia, apresentada por Clarke e Gibson-Sweet (1999), chama atenção para um aspecto crucial dessa abordagem: a análise dos stakeholders da organização. As empresas precisam assegurar que suas ações não contradigam as expectativas desses públicos (WHETER e CHANDLER, 2006; p. 26). Entretanto, os mesmos autores (2006; P 25) assumem que, muitas vezes, os stakeholders estão dispostos a ignorar comportamentos não sustentáveis quando outras questões exercem maiores pressões. Na literatura, encontram-se vários tipos de definição para o termo Stakeholders, que variam em termos de sua abrangência (FRIEDMAN e MILES, 2007; p. 4). Uma definição mais estreita, que classifica os Stakeholders como os grupos que são vitais para a sobrevivência e sucesso da organização (GREENWOOD, 2001), é mais coerente com a abordagem “A”. É necessário entender que cada organização possui diferentes stakeholders e é influenciada por cada grupo deles de uma maneira diferente (ROWLEY, 1997) e que cada Stakeholder possui importância e poder diferente frente à organização (DONALDSON e PRESTON, 1995). De acordo com Greenwood (2001), os conceitos mais estreitos são baseados na idéia de que existem limitações de recurso, tempo e paciência da gerência em considerar todos os possíveis stakeholders. Além desse argumento a favor da utilização de um conceito estreito, pode-se argumentar que informações de verdadeira utilidade estratégica requerem a adoção de conceitos mais estreitos e específicos (FREEMAN e REED, 1983). Os principais propulsores para as ações socialmente responsáveis, alinhada com a abordagem “A”, são as adaptações às mudanças legislativas e às mudanças nas expectativas dos Stakeholders. Como afirmam Fukukawa, Balmer e Gray (2007; p. 4), são vários os motivadores para que uma empresa persiga a RSC e, nessa abordagem, os motivadores são, majoritariamente, os que os autores classificam como externos. Dentre esses motivadores, podemse destacar a padronização da indústria, as regulamentações e a competição. De acordo com Pirsch, Gupta e Grau (2006), existem evidências de que as empresas que efetuam ações de responsabilidade social alcançam benefícios na relação com seus Stakeholders. 18 Hawkins (2006; p. 125) afirma que uma organização socialmente responsável ajuda a manter os investidores e os consumidores, pois contribui para a reputação da empresa, fortalecendo sua marca. Os gestores, já há muito tempo, reconheceram que ações sociais e investimentos comunitários melhoram a imagem, a legitimidade, aumentam a credibilidade e a confiança do consumidor e de outros stakeholders (STEAD e STEAD, 2004; p. 77). Hay, Gray e Smith (1989; p. 129) afirmam que a responsabilidade social corporativa melhora a imagem da empresa e diminui a chance de ações de regulação do governo. Esses dois pontos mencionados são grandes motivadores para a responsabilidade social na abordagem “A”, pois as regulamentações ambientais são complexas e possuem altos custos (STEAD e STEAD, 2004; p. 90). Na visão de Whether e Chandler (2006; p. 17), a espera de sanções e regulamentações sobre a atuação das empresas não são o meio mais eficiente de alcançar uma conduta socialmente responsável. No entanto, a abordagem “A” concorda com a idéia de Peterson (2007; p. 354), que entende que em certo nível a responsabilidade social implica algumas repostas defensivas a escândalos ou mudanças no mercado. A responsabilidade social busca retorno econômico, social, institucional e tributário-legal (DUARTE e DIAS, 1986; p. 28). E em parte funciona como uma lente que filtra as possíveis ações que uma dada firma pretende executar para realizar sua missão e alcançar sua visão (WHETER e CHANDLER, 2005; p. 45), não atuando assim diretamente nos valores centrais das organizações. De acordo com Stead e Stead (2004; p. 39), os valores centrais são os que determinam os ideais e a essência da empresa. Eles perduram e são a base da visão e orientam o que a organização será no futuro. Existem também os valores instrumentais que apóiam os valores centrais. Eles definem os meios pelos quais a estratégia é implementada. Assim, a abordagem “A” é mais periférica, se resumindo a atuar de forma instrumental. A abordagem “A” se relaciona fortemente com a visão dicotômica da Responsabilidade Social Corporativa apresentada por Ashley (2005; p. 41). Nessa visão, uma racionalidade que separe o desempenho socio-ambiental do desempenho econômico é justificável, bem como as pesquisas que buscam avaliar as contribuições de um sobre o outro. Além disso, para o sucesso da 19 abordagem, é recomendável que as políticas sócio-ambientais sejam mensuradas com indicadores financeiros e de mercado. Por último, vale destacar que um determinante fundamental da intensidade e profundidade dentro dessa abordagem, para que as empresas se engajem em comportamentos ligados à responsabilidade social, é a existência de folga organizacional (slack resources). Kraft e Hage (1990; p. 17) defendem a idéia de que uma organização somente será socialmente responsável na presença de folga organizacional suficiente. Além desse fator determinante, ainda há um ponto destacado por Campbell (2007), que defende a idéia que o ambiente institucional das organizações é que irá determinar as ações socialmente responsáveis de uma organização. A abordagem “A” apresentada não coloca em cheque a ética e os valores morais das organizações e nem assume que uma empresa, agindo dessa forma, possui um comportamento questionável ou errado para com a sociedade e o meio ambiente. A abordagem “A” traz inúmeros benefícios para as organizações. Segundo Van De Ven e Jeurissen (2005; p. 301), para uma estratégia ser socialmente responsável, não é necessário que o interesse próprio da organização seja inexistente. Enquanto a Abordagem “A” apenas viabiliza a coexistência de interesses organizacionais e de práticas ligadas a Responsabilidade Social Corporativa, a próxima abordagem se caracteriza por uma relação intensa entre o propósito da firma e as causas sócio-ambientais. De acordo com Hay, Gray e Smith (2007; p. 9) e Peterson (2007; p. 355) o interesse organizacional deve ser convergente desenvolvimento sustentável do planeta. 2.1.2 Abordagem “B”: Foco nos valores do desenvolvimento sustentável A abordagem “B” se distingue da abordagem “A”, tanto pela forma de engajamento da empresa quanto pelas premissas básicas que sustentam essa visão. Uma administração estratégica sustentável baseia-se na idéia de que a firma co-evoluiu com seu ambiente competitivo, social e ambiental (STEAD e STEAD, 2004; p. 73). De acordo com Bullis e Le (2007; p. 328), a transição para um modelo sustentável de desenvolvimento implica uma mudança verdadeira na concepção do papel da empresa na sociedade. Essa abordagem 20 compartilha a visão de Stead e Stead (2004; p. 24), de que a sustentabilidade deve estar enraizada em uma nova forma de pensar e é um conceito complexo que engloba três dimensões: a Econômica, a Social e a Ecológica. Se qualquer uma dessas dimensões se enfraquece, o sistema organizacional não será sustentável ao longo do tempo (PASCALE, MILLEMANN e GIOJA, 2000; p. 68). Uma outra premissa importante dessa visão é que entender RSC sob uma lente econômica ou meramente instrumental é insuficiente, tanto para as empresas quanto para a sociedade (WINDSOR, 2006). Isso ocorre, pois a RS nesse sentido tem como um de seus papéis justamente atenuar as disfunções sociais causadas pela racionalidade econômica imperante nas empresas (NETO e FROES, 2004; p. 6). E, segundo Stead e Stead (2004; p. 35), as decisões estratégicas são a chave para solucionar o quebra-cabeça da sustentabilidade global. Os dois principais desafios da sustentabilidade e, consequentemente da abordagem “B”, são o desenvolvimento de um entendimento suficiente para que ela se torne um ideal entre as pessoas na organização e o encontro de meios efetivos de transformar a sociedade em uma sociedade sustentável (STEAD e STEAD, 2004; p. 33). Como as estratégias de longo prazo, a implementação de uma estratégia sustentável requer que as filosofias e valores sejam consistentes com a causa, e que haja também capacitações, estruturas e processos necessários para a transformação. Empresas podem incorporar a RSC por meio da abordagem pós-lucro, ou mais profundamente pela abordagem pré-lucro. Ou ainda utilizar uma visão instrumental (Should do) ou uma abordagem normativa (Must do) (ASHLEY, 2005; p. 52). Enquanto a idéia da abordagem “A” alinha-se mais com a incorporação pós-lucro e da visão instrumental, já a linha “B” se alinha com a responsabilidade social corporativa pré-lucro e com uma visão normativa. Os motivadores mais importantes para que a firma insira os valores sustentáveis em sua identidade, como deve ocorrer na abordagem “B”, são os chamados por Fukukawa, Balmer e Gray (2007; p. 4) de motivadores internos. Dentro desses motivadores podem-se destacar a iniciativa de líderes, a missão corporativa e a atuação dos funcionários. 21 De acordo com Hawkins (2006; p. 26), para sustentabilidade ser verdadeiramente alcançada, ela precisa ser enraizada na cultura da organização. A cultura e os valores são os principais focos de atuação das empresas que priorizam a abordagem “B” à abordagem “A”. A promoção de cultura organizacional forte em torno da sustentabilidade é importante, pois isso afeta não só o comportamento, mas a atitude dos stakeholders ao longo do tempo (STEAD e STEAD, 2004; p.171). A atitude se define como sendo uma pré-disposição para realizar determinado comportamento, diferente do comportamento em si, que já é a realização de uma ação, podendo ser efetuado independentemente da atitude. Valores servem tanto de filtros que processam as informações quanto como moldadores de decisões, que estabelecem os critérios sob os quais as decisões são tomadas. A mudança de responsabilidade para oportunidade é um importante sinal da adoção de uma prática da sustentabilidade proativa (HAWKINS, 2006; p. 152) e é uma característica importante da abordagem “B”. Os problemas ambientais e sociais devem ser encarados como oportunidades para crescimento pelos responsáveis pela estratégia da organização. O sucesso da sustentabilidade empresarial necessita que seus gestores estejam aptos a criar o futuro de sua organização e a "pensar fora da caixa" (STEAD e STEAD, 2004; p. 77) e das atuais regras da competição em sua indústria. A análise de uma indústria sob a ótica sustentável não pode ignorar o contexto não mercadológico como as análises tradicionais normalmente o fazem (STEAD e STEAD, 2004; p. 72). De acordo com Neto e Froes (2004; p. 184), deve haver uma mudança no entendimento da sobrevivência empresarial, que extrapola a guerra contra os concorrentes. Segundo Senge e Carstedt (2001; p. 27), empresas que buscam a sustentabilidade em seus negócios abandonam uma visão mais segura de mundo e começam a competir de uma forma ainda desconhecida. Não existem modelos a serem seguidos nem diretrizes absolutas para empresas que estariam atuando ou pretendem atuar da forma “B”. As organizações devem assumir a idéia de Stead e Stead (2004; p. 44), que defende que a busca da sustentabilidade envolve a criação de estruturas de aprendizado que facilitam a renovação contínua da firma via recursos humanos e outros processos organizacionais. 22 Assim como na abordagem “A”, na “B” existem benefícios para as organizações adeptas. Segundo Willard (2005; p. 141), o desenvolvimento sustentável promove a retenção de talentos na organização, uma vez que os funcionários possuem seus valores alinhados com o que a organização busca em termos de benefícios sociais e ambientais para o planeta. De acordo com Hay, Grey e Simth (2007; p. 5) e Kanter (1999; p. 123), a abordagem “B” faz surgir oportunidades lucrativas, à medida que está atenta para os problemas sociais não solucionados. Além disso, de acordo com Willard (2005; p. 150), aumenta a capacidade da organização de atrair investimentos. Finalizando as idéias que constroem a abordagem denominada “B”, é importante mencionar dois aspectos fundamentais. Primeiro que a escala do crescimento das empresas é uma questão crítica. Pensar em crescimento em escala apropriada é um desafio da sustentabilidade que não é fácil de ser contornado (STEAD e STEAD, 2004; p. 136). Uma organização sob essa ótica, não estará buscando o crescimento desenfreado a qualquer custo. Um limitador para a taxa de crescimento das empresas na abordagem “B” é a capacidade de renovação dos recursos produtivos utilizados pela empresa. Segundo, o fato da empresa estar indo mal não é uma desculpa para justificar comportamentos socialmente irresponsáveis. A empresa diante de dificuldades continua atuando de maneira sustentável considerando seu desempenho econômico juntamente com o social e o ambiental. 2.1.3 Diferenciando as abordagens (Modelo 3-In) As duas visões desenvolvidas, apesar de estarem distantes na teoria, na prática e no dia-a-dia empresarial são diferenciadas por detalhes. Acredita-se que, na prática, elas não existam em seus tipos ideais ou puros. As descrições foram construídas com base em idéias presentes em textos de diversos autores e, embora elas não possam ser observadas exatamente como descritas, seus elementos ou características são de grande valia para entender como as empresas encaram a RSC e os desafios da sustentabilidade. A fim de sistematizar uma forma de diferenciar a abordagem “A” da “B”, é preciso fornecer um ferramental mais estruturado. Esta seção tenta se concentrar em aspectos chaves e antagônicos nas duas abordagens para 23 tornar viável a operacionalização das mesmas. Isso também viabilizaria o estudo empírico proposto no presente trabalho. Assim, a identificação de tais aspectos caracterizaria a forma de atuar das empresas nas duas abordagens e permitiria associar as atitudes das mesmas as modalidades “A” ou “B” desenvolvidas. São três os aspectos chaves a serem observados e entendidos nas abordagens. O primeiro deles possui forte relação com a origem da motivação das firmas para incorporar comportamentos e atitudes sócio-ambientalmente responsáveis, e será chamado de “Dimensão da Institucionalização”. O segundo é diretamente ligado à forma como a organização emprega recursos para se tornar sócio-ambientalmente responsável, e será chamada de “Dimensão do Investimento”. A última, denominada “Dimensão da Difusão de Valores”, lida com o grau profundidade com que os valores e crenças ligados à responsabilidade social estão presentes na organização. A seguir, as três dimensões são descritas. 2.1.3.1 Dimensão da institucionalização A dimensão da institucionalização, como o nome indica, busca, na teoria institucional, uma explicação para entender por que as empresas se engajam em comportamentos responsáveis. Campbell (2007) ressaltou a importância da teoria institucional para entender porque as empresas adotavam a RSC. O autor afirma que as restrições do ambiente institucional moldariam a forma pela qual a empresa se engaja em comportamentos sócio-ambientalmente responsáveis. Entretanto, Campbell (2007), ao propor como o ambiente institucional molda as ações de RSC de uma empresa, trabalha majoritariamente com as pressões institucionais externas. São elas: muita ou pouca competição no setor (p. 953); fortes exigências legais de órgãos externos (p. 955); auto-regulação dos membros da indústria (p. 956); presença de pressões de ONGs (p. 958); o fato de a firma pertencer a associações comerciais ou de funcionários (p. 960); o fato de ela operar em um ambiente onde os gestores foram “condicionados” a 24 agir em prol da RSC (p. 959) e, finalmente, o fato de a empresa estar engajada em um diálogo com sindicatos, a comunidade e os acionistas (p. 962). Essas pressões institucionais observadas por Campbell (2007), apesar de válidas para explicar a adoção de comportamentos sócio-ambientalmente responsáveis por parte de empresas, não consideram as pressões institucionais internas, que se originam nas crenças e normas internas da organização. Desta forma, ela não lida com todos os aspectos institucionais que potencialmente explicariam porque uma firma assumiria uma postura sócio-ambientalmente responsável. Indo de encontro a essa idéia, vale a pena relembrar que, de acordo com Bullis e Lê (2007), uma atitude verdadeiramente ligada à sustentabilidade prevê que exista uma ideologia autêntica que impulsione as ações e atitudes da empresa. ambientalmente Isso significa responsáveis que, além poderem dos ser comportamentos adotados por sócio- pressões institucionais externas, como visto no trabalho de Campbell (2007), a RSC também pode ser adotada por pressões institucionais internas. Essa orientação ideológica adviria de uma liderança dentro da organização. Esse segundo tipo de pressão para que a empresa seja sócioambientalmente responsável também seria fruto de instituições. Entretanto, na pressão intrínseca, a institucionalização estaria ligada à infusão de valores, crenças e normas por lideranças dentro da organização (SELZNICK, 1972, p. 15). Esse líder institucional, de acordo com Selznick (1972, p. 24), seria um especialista na promoção e manutenção dos valores. Assim, essa liderança institucional pode promover a RSC e os valores de sustentabilidade na empresa, independente das pressões externas. A empresa que adota a RSC por essa motivação não apenas reage ao ambiente, mas tende a ser pioneira e a construir sua própria maneira de agir sócio-responsavelmente sendo, eventualmente, um exemplo para as demais empresas. Ela age proativamente, pois não espera que o ambiente condicione suas ações de RSC ou voltadas para a sustentabilidade. Essas duas vertentes da teoria institucional, a que foca nas pressões institucionais externas e a que foca na pressão institucional dos valores imputados por uma liderança dentro da empresa, possuem conseqüências diferentes. Fleck (2007) separa esses dois processos distintos e qualifica-os 25 em institucionalização organizacional (Organization institucionalization process) e institucionalização ambiental (Environmental institucionalization process). Desta forma, essa “Dimensão da institucionalização”, aqui desenvolvida, possui essas duas vertentes distintas que ilustram as formas com que a RSC surge na empresa pelas abordagens “A” e “B”. Fleck (2007) chamou atenção para o aspecto responsivo do processo institucional ambiental e para o aspecto próativo do processo de Institucionalização Organizacional. O processo de institucionalização ambiental da RSC, representado pelas pressões externas propostas por Campbell (2007), corresponde a uma forma mais inerte de adoção dos comportamentos responsáveis. Essa vertente de ação socialmente responsável é um indicador de que uma dada empresa possui um traço ou uma característica de RSC tipo “A”. O processo de institucionalização organizacional, representado pelas pressões intrínsecas geradas por valores e crenças imputados por uma liderança na firma como proposto por Selznick (1972), caso fosse o motivador dos comportamentos e de atitudes de RSC, faria com que a empresa tivesse uma proposta diferenciada e única. Essa vertente da “Dimensão da Institucionalização” seria um indicador de que uma dada empresa possui um traço de uma RSC do tipo “B”. É importante ressaltar que, à medida que a organização começa a sofrer maiores pressões externas, ela se tornará mais perto do traço dependente e, conseqüentemente, da abordagem “A”. A medida que lideranças intrínsecas vão imputando crenças e normas ligadas à sustentabilidade e de RSC, a organização se aproxima de uma RSC mais Pro-ativa e conseqüentemente da abordagem “B”. Assim, se teria na “Dimensão da Institucionalização” dois pólos opostos de um mesmo contínuo, referentes às abordagens “A” e “B”. O Primeiro, correspondente à abordagem “A”, seria o pólo da RSC Reativa, o segundo, correspondente à abordagem “B”, seria o pólo da RSC Pro-ativa. O quadro a seguir ilustra a “Dimensão da institucionalização”. 26 Quadro 2.1 – Dimensão da institucionalização Atitudes Pioneiras RSC Reativa <------------------> Motivação Extrínseca RSC Pro-ativa Motivação Intrínseca Abordagem “B” Abordagem “A” Atitudes Seguidoras Fonte: elaborado pelo autor Em suma, dois aspectos desta dimensão devem ser considerados para estabelecer um enquadramento adequado de uma dada firma no âmbito dessa Dimensão. Primeiramente, uma iniciativa de RSC ou sustentabilidade de uma empresa seria analisada quanto ao aspecto da origem da motivação que influenciou a adoção de tal iniciativa. Essa origem poderia ser intrínseca ou extrínseca. Depois, seria observada a originalidade de tal iniciativa, sendo que, iniciativas Pioneiras e pioneiras posicionariam a empresa na vertente independente da dimensão. Iniciativas que reproduzissem as mesmas práticas de outras empresas seriam classificadas como “Seguidoras” . Após uma análise da originalidade e fonte de algumas iniciativas relevantes sobre RSC, seria possível enquadrar uma empresa nesta dimensão. Assim seria estabelecido se a empresa pratica uma RSC Reativa ou uma RSC Pro-ativa. 2.1.3.1 Dimensão do investimento A dimensão do investimento lida com os investimentos em ações de responsabilidade social e de sustentabilidade da empresa. Essa dimensão surge, majoritariamente, da idéia de Ashley (2002), que defende que uma dada empresa pode se engajar em ações de RSC por uma abordagem pós-lucro ou por uma abordagem pré-lucro. As empresas pós-lucro podem possuir vários focos de ações socialmente responsáveis, mas caso haja conflitos entre o social e o econômico, o econômico sempre prevalecerá. Ela será socialmente responsável até que isso não ameace os lucros, ou, desde que, ela lucre em suas atividades. Essa característica é típica de uma empresa que aborde a RSC do tipo “A” , pois adeptas a esta abordagem só investem em projetos 27 sociais caso existam lucros disponíveis para tal investimento. Dessa forma, uma empresa pratique o tipo “A” é lucro dependente. Uma empresa do tipo “B” possui um traço oposto, sendo caracterizada por atuar em RSC sob uma vertente pré-lucro de Ashley (2002). Uma empresa com o tipo “B” não condiciona suas ações de RSC à existência de um resultado financeiro positivo. De acordo com a autora, uma empresa pré-lucro age de forma socialmente responsável, pois acredita que o resultado positivo só é alcançado quando medido de forma social, econômica e ambiental. Além disso, esse traço favorece que a RSC ou os valores de sustentabilidade se equilibre com a busca pelo retorno financeiro da organização Para uma empresa na vertente lucro-independente, na existência de conflitos entre o social e o econômico, haverá um balanceamento no qual os retornos ambientais e sociais serão considerados conjuntamente com os econômicos. Se a empresa aderir à vertente lucro-dependente, caracterizada por realizar investimentos em ações de RSC condicionadas à existência de lucros e por não possuir métricas de desempenho sociais e ambientais, seria indicativo de que a empresa possui um RSC do tipo “A”. Se a empresa estiver na vertente lucro-Independente, caracterizada por possuir investimentos em ações de RSC independentemente da existência de lucros e métricas de desempenho que considere o Tripple botton-line, seria um indicativo de que a empresa possui um RSC do tipo “A”. As duas vertentes seriam pólos extremos do mesmo contínuo. O quadro abaixo ilustra a “Dimensão do investimento” e os dois aspectos que devem ser observados ao analisar atitudes concernentes à essa dimensão. Quadro 2.2 – Dimensão do investimento Lucro-Dependente Condicionado ao Lucro Foco Balanceado <------------------> Lucro-Independente Não condicionada ao Lucro Abordagem “B” Abordagem “A” Foco apenas econômico Fonte: elaborado pelo autor Na Dimensão do Investimento, assim como na Dimensão da Institucionalização, análise verifica dois aspectos. O primeiro, diz respeito ao 28 fato de uma iniciativa de responsabilidade social estar, ou não, condicionada a resultados financeiros positivos. A segunda, lida com os objetivos e metas buscadas pela empresa. Uma empresa pode possuir iniciativas equilibradas, que objetivam retorno social e ambiental conjuntamente com o econômico, ou podem possuir iniciativas desequilibradas que não possuem preocupação com aspectos sócio-ambientais. 2.1.3.3 Dimensão da Inserção de Valores Essa dimensão lida com o processo de difusão dos valores de responsabilidade social e de sustentabilidade e a profundidade que esses valores estão inseridos na organização. Esse aspecto de análise parte da idéia básica de que proposta de responsabilidade social da empresa pode estar nos valores periféricos ou centrais da organização. Essa idéia é trabalhada por Stead e Stead (2004; p. 39), que afirmam que a sustentabilidade nos negócios pode estar, ou não, no cerne da organização. Para os autores, os valores centrais são a fonte da disseminação da atitude responsável na empresa. Como visto na descrição da abordagem “B”, é importante que a ideologia sustentável esteja enraizada na cultura da organização e em todas as suas atividades. Dessa forma, na “Dimensão da inserção de valores”, para que uma empresa se caracterize como tendo um RSC do tipo “B”, ela deve estar na vertente na qual os valores de sustentabilidade permeiem toda a organização, seus departamentos e busque afetar todos os stakeholders. Essa vertente recebe o nome de central, e possui os valores enraizados na organização e integrados com as operações da empresa. Como visto na descrição da RSC do tipo “A”, as ações são contingenciais, variando sempre em função das necessidades imediatas e dos riscos envolvidos. Sendo assim, na vertente periférica da “Dimensão da inserção de valores”, a RSC existe, mas é desligada das operações da empresa, não afetando as atividades dos departamentos de forma geral. Assim, nessa vertente, uma RSC desligada caracteriza uma empresa que atua pelo tipo “A”, que tenderia a não vincular a RSC às suas operações. 29 Se a empresa atuasse de acordo com essa vertente periférica, caracterizada por iniciativas sócio-ambientais não relacionadas com suas atividades, ela estaria se aproximando de uma forma de atuação do tipo “A”. Se a empresa aderir à vertente central, caracterizada por uma integração entre as operações da empresa e as ações de RSC, ela possuiria uma RSC do tipo “B”. As duas vertentes seriam pólos extremos do mesmo contínuo. É importante ressaltar que, à medida que a organização começa a desligar suas ações de RSC de suas operações, estará mais perto do traço da vertente Periférica e conseqüentemente da abordagem “A”. À medida que as iniciativas ligadas à RSC vão sendo integradas às atividades da empresa, ela se aproxima da vertente Central e conseqüentemente da abordagem “B”. Além disso, quando mais sistematizadas as medidas de RSC estiverem, mais uma firma estaria apta a disseminar as essa medidas e, conseqüentemente, mais adepta à vertente central da dimensão a firma estaria. Segue abaixo o quadro resumo da dimensão em questão. Quadro 2.3 – Dimensão da Inserção de Valores Fragmentada Não Sistemática Sistêmica <------------------> Central Sistemática Abordagem “B” Abordagem “A” Isolada Fonte: elaborado pelo autor Na análise da presente dimensão, iniciativas isoladas, que não exercem interferência em outras atividades da empresa, e implementadas de forma não sistemática caracterizam a empresa como adepta a Abordagem “A”. Em oposição, uma empresa que possuir iniciativas ligadas a RSC e a Sustentabilidade relacionada com as atividades operacionais e que fossem adotadas de forma sistemática estaria adotando a Abordagem “B”. 2.2 Crescimento da firma a propensão a auto-perpetuação O termo “crescimento” é usado na linguagem cotidiana das organizações e, na maioria das vezes, ele envolve apenas um simples aumento quantitativo de tamanho (PENROSE, 2006; p. 31). Neste trabalho, procurou-se lidar com uma outra forma de crescimento, também relacionado ao aumento do tamanho, 30 mas especialmente preocupado com o desenvolvimento da firma. A escolha pelo crescimento com essa conotação foi motivada por ele ser o melhor indicador encontrado para o sucesso de uma dada firma. Como um dos objetivos do trabalho visa relacionar a responsabilidade social de uma empresa com sua propensão ao sucesso, essa sessão do trabalho é dedicada ao crescimento das empresas. O presente trabalho assume a idéia de Charan e Tichy (1998; p. 7), que entendem que o crescimento equilibrado é a chave para o sucesso de uma organização. Entretanto, apesar de esses autores transmitirem bem a idéia da importância do crescimento equilibrado de uma firma, eles não conseguem sistematizar uma teoria para entender os fatores que propiciam tal crescimento. Ao invés disso, eles trabalham separadamente uma série de temas ligados ao assunto. Para se avançar no sentido de compreender quais as possíveis relações entre o crescimento das organizações e a responsabilidade social corporativa em seus vários significados, foi necessária a utilização de um arcabouço teórico que sintetizasse a propensão das empresas ao crescimento contínuo e saudável. O crescimento deve ser contínuo, pois, de acordo com Pascalle, Millemann e Gioja (2000), a estagnação tende a levar uma organização ao declínio. Weitzel e Jonsson (1989) também discutem que o declínio pode ser iniciado pela estagnação. Além disso, quando assumimos uma relação positiva entre crescimento contínuo e o sucesso, assume-se também que a longevidade isolada não garante o sucesso. Organizações podem ser longevas se mantendo estagnadas. Esse tipo de organização é estudado por Meyer e Zucker (1989), e esses autores, em seu trabalho, exemplificam como uma empresa consegue perdurar por muitos anos sendo ineficiente e permanecendo estagnada. Ainda nesta linha, Chandler (2004; p. 6) associa o aumento dos lucros e a redução dos custos ao crescimento continuado das empresas. Dessa forma, o autor também considera que o crescimento é necessário para a evolução da empresa. O Crescimento associado ao sucesso além de contínuo também deve ser saudável. A continuidade de uma empresa, promovida pelo crescimento, contribui para a institucionalização de práticas ultrapassadas fazendo com que 31 a organização se torne rígida e menos propensa à adaptação (GREINER, 1998; p. 56). A inabilidade de se adaptar é, de acordo com Weitzel e Jonsson (1989), um sintoma de declínio que pode levar a empresa a sua destruição. Dessa forma, nem todo crescimento aumenta a propensão da firma ao sucesso. Considerando essas restrições, para entender quais fatores relacionados à RSC possuiriam relação com o sucesso de uma empresa, optou-se pelo Modelo de Fleck (2006). A autora desenvolveu um estudo no sentido de entender os fatores que levariam a empresa a crescer continuamente de forma saudável. Assim, Fleck (2006) argumentou que a propensão das empresas a se manterem em uma trajetória de crescimento aumentaria na medida em que elas conseguissem responder de forma adequada cinco desafios: Empreendedorismo (Enterprising), Navegação em um Ambiente Dinâmico (Navigating into the Dynamic Environment), Gerenciamento da Diversidade (Managing Diversity), Provisão de Recursos Gerenciais (Managerial Resources Provisionig) e Gerenciamento da Complexidade (Complexity Management). Esses desafios percorrem diversas questões empresariais e, de acordo com o padrão de resposta a cada um deles adotado pela empresa, ela pode se tornar, ao longo de sua trajetória mais propensa ao sucesso. Na próxima seção cada desafio e será explorado. 2.2.1 Os desafios do crescimento de Fleck (2006) Inicialmente, é apresentado o quadro 2.4 que resume as idéias presentes em cada desafio e o padrão de resposta associado à propensão à autoperpetuação da firma e à autodestruição. 32 Desafio Quadro 2.4 – Os cinco desafios organizacionais para a Propensão à Autoperpetuação Descrição do Desafio Características das Respostas opostas Contestável ou pior Empreendedorismo Promover o empreendedorismo continuado por meio de expansões capazes de gerar valor e que previnam uma exposição exagerada aos riscos. Lidar com os múltiplos stakeholders Navegação em um da firma para assegurar a captura Ambiente Dinâmico de valor e a legitimidade organizacional Gerenciamento da Diversidade Manutenção da integridade da firma e estimulação dos conflitos e rivalidade organizacional Provisão de Recursos Gerenciais Garantir prontamente que a empresa tenha os recursos humanos necessários Baixo nível de ambição, de tino empresarial, de versatilidade e capacidade de capitalização. Utilização expansão de motivação defensiva A deriva Monitoramento fraco do ambiente. Utilização de respostas fora do tempo ou inadequadas às pressões institucionais. Fragmentada Falha em estabelecer relações e coordenar as capacitações da organização Tardia Ações atrasadas ou em cima da hora Alto Alto nível de ambição, de tino empresarial, de versatilidade e capacidade de capitalização. Utilização de expansão motivação produtiva ou Híbrida Na vanguarda Monitoramento regular. Utilização de respostas adequadas às respostas às pressões institucionais. Integrada Sucesso em estabelecer relações e coordenar as capacitações da organização Cedo Provisionamento planejado e antecipado Ad hoc Gerenciamento da Complexidade Gerenciar de questões complexas e solucionar questões relacionadas ao aumento de complexidade Fraca solução de problemas, busca por solução imediatistas e sem estimular o aprendizado Sistemática Solução definitiva de problemas, promoção de busca organizada por soluções e promoção do aprendizado. Fonte: traduzido de Fleck (2006) A seguir são apresentadas as idéias básicas contidas em cada desafio. • Empreendedorismo De acordo com Fleck (2006) o desafio consiste na manutenção continua do ímpeto da firma em expandir continuadamente. O desafio se baseia nos serviços empreendedores propostos por Penrose (2006) e nas características das iniciativas de expansão adotadas pela organização. São quatro os serviços empreendedores que precisam ser fornecidos para a organização. A “ambição”, que seria a vontade da firma de crescer e melhorar ao longo do tempo. A “versatilidade”, que envolve questões relacionadas à visão e a imaginação necessária para captação das melhores oportunidades. A “habilidade de captar recursos financeiros” e o “tino empresarial”. Esse último serviço está relacionado à capacidade da firma de evitar riscos exagerados e estabelecer critérios adequados de julgamento para decisão. 33 Além de dispor desses serviços, para a empresa apresentar um padrão de resposta ao desafio condizente com a autoperpetuação, ela precisa se engajar em iniciativas de expansão produtivas ou híbridas. A expansão produtiva, de acordo com Chandler (1977), seria aquela que geraria uma melhor utilização dos recursos da empresa proporcionando ganhos de escala ou escopo. A expansão Híbrida favoreceria uma maior eficiência na utilização dos recursos produtivos e ao mesmo tempo protegeria os negócios existentes da empresa. Uma empresa que não fosse provida dos serviços empreendedores abordados e realizasse iniciativas de expansão de motivação defensiva teria uma resposta inadequada ao desafio. A forma de expansão defensiva proposta por Chandler (1977) é caracterizada por ter como objetivo apenas a proteção dos negócios existentes e a redução de incertezas. • Navegação em um Ambiente Dinâmico O Segundo desafio envolve relação da empresa com o ambiente institucional. Toda empresa tem sua capacidade de atuar limitada pelo seu contexto. De acordo com Fleck (2006). uma empresa que monitoriza constantemente seu ambiente e os múltiplos stakehoders tem uma propensão a responder de forma adequada a este desafio. Além desse monitoramento constante é importante que a empresa saiba responder adequadamente as pressões institucionais utilizando, quando forem necessárias, as respostas estratégicas descritas por Oliver (1991). É importante que a empresa saiba moldar as pressões, utilizando as estratégias de manipular e confrontar o ambiente, e neutralizar as pressões, utilizando a resposta estratégica de neutralizar. Eventualmente a empresa também deve estar apta a “Transigir” (Compromise) e se tornar “Aquiescente” com as pressões ambientais. Utilizando de modo adequado essas respostas, ela não fica a deriva do ambiente e não tem sua legitimidade ameaçada. 34 • Gerenciamento da Diversidade Como à medida que uma firma cresce sua diversidade aumenta (FLECK, 2006), é necessário que ela desenvolva elos que permitam o compartilhamento de recursos. Esse compartilhamento favorece a utilização adequada de recursos como a reputação, o conhecimento acumulado e outros recursos socialmente complexos. Cuidar para a manutenção da integridade da firma e favorecer a socialização de elementos do processo produtivo permite que a empresa seja mais dificilmente copiada ou imitada pelas concorrentes. Os recursos socialmente complexos, também conhecidos como organizacionais, são dificilmente imitáveis e dificilmente definidos. Essa dificuldade de definição impossibilita que eles sejam assimilados por outras empresas. Essa qualidade permitiria, de acordo com Barney (1991), uma empresa sustentar vantagens competitivas. Tendo em vista esse aspecto, deve-se salientar a importância do desenvolvimento desses recursos na organização. • Provisão de Recursos Gerenciais A resposta adequada a este desafio envolve o planejamento com antecedência dos recursos humanos que serão necessários para a firma continuar e expandir suas atividades. A renovação dos recursos humanos com certa antecedência é vital para a organização. Uma equipe administrativa que compartilhe a experiência da firma e tenha condições de manter a firma se expandido não é algo disponível no mercado (PENROSE 2006; p. 91). • Gerenciamento da Complexidade O último desafio trata da maneira que uma firma lida com todas as questões complexas envolvidas no processo de crescimento. Fleck (2006) afirma que a qualidade da resposta a esse desafio afeta a qualidade das respostas dos 35 outros desafios. Isso ocorre pois o gerenciamento da complexidade lida diretamente com a capacidade da firma de sistematizar o aprendizado e utilizar o conhecimento adquirido novamente. Uma resposta inadequada a esse desafio pode ser identificada quando uma organização possui como padrão a utilização de métodos ad hoc para solucionar problemas complexos. 2.3 A relação entre os desafios da auto-perpetuação e as abordagens “A” e “B” A proposta desta sessão é verificar dentro da literatura de Responsabilidade Social Corporativa e de Desenvolvimento Sustentável como as perspectivas “A” e “B” se relacionam com as respostas aos desafios do crescimento contínuo. Isso vai ao encontro da idéia de entender em que medida cada uma das abordagens pode contribuir para que a organização se oriente para o crescimento longevo e saudável. Vale a pena lembrar que o conteúdo dos desafios vai além das questões relacionadas com a sustentabilidade nos negócios e a RSC. Portanto, nem tudo que é abordado no modelo de Fleck (2006) será trabalhado nesta sessão. Serão relevados apenas os aspectos dos desafios que possuem relação com a literatura estudada de RSC e Sustentabilidade. Na fase empírica do trabalho, os casos estudados serão utilizados na tentativa de embasar as relações possíveis encontradas na análise da teoria. 2.3.1 Abordagem “A” e os cinco desafios Antes de iniciar a discussão segmentada por cada desafio do modelo Fleck (2006), é apresentado, abaixo, um quadro resumo, que relaciona a Dimensão em questão com os cinco desafios do modelo. Procurou-se estabelecer relações evidentes entre a a abordagem desenvolvida e cada desafio. 36 Vertentes Seguidora Gestão da Diversidade Provisão de Recursos Humanos Gerenciamento da Complexidade Discurso responsável promoveria a atratividade da empresa. Extrínseca Institucionalização Navegação em um Ambiente Dinâmico Foco Econômico Condicionado ao Lucro Investimento À deriva das pressões externas a empresa Melhor arrecadação de seguidora é refém de capital pela adesão aos seu ambiente no que índices de RSC. tange a TRC Não estimula a expansão, pois não percebem as necessidades sociais e ambientais como oportunidades Não sistêmica Inserção de Valores Empreendedorismo Atuação isolada não garante luma legitimidade completa. Não sistemática Dimensão Quadro 2.5 – Resumo da relações sugeridas entre os desafios e a Abordagem “A” Atuação isolada não contribuiria para a retenção de pessoal Iniciativas não sistemáticas não favorecem a captura de valor Iniciativas não sistemáticas não estimulam o aprendizado em termos de RSC Fonte: Elaborado pelo autor Nos tópicos abaixo, cada uma das relações do quadro acima é comentada e contextualizada com os aspectos dos desafios e das abordagens desenvolvidas. • Empreendedorismo A primeira relação entre a abordagem “A” e os cinco desafios é apoiada na idéia de Hawkins (2006; p. 125). O autor afirma que a reputação sócioambiental da empresa ajuda a manter e a atrair investidores. Esse aspecto da abordagem relaciona-se diretamente com serviço empreendedor de captação de recursos (fund raising). Entretanto, na dimensão “A” ,a iniciativa seria motivada por fontes externas, como a adequação à expectativa do investidor, e, além disso, não seriam Pioneiras, pois se baseariam em práticas já estabelecidas. Outra relação ressaltada entre a Abordagem “A” e o primeiro desafio tem relação com caráter reativo da RSC adotada por uma empresa de postura “A”. 37 O caráter defensivo da RSC dessa Abordagem, destacado por Whether e Chandler (2006; p. 64), levaria a apenas a evitar conflitos com seus stakeholders. Isso não instiga a busca de oportunidades produtivas, e, com isso, apenas contribui para manter a organização em seus negócios atuais. Uma empresa “A” investe em RSC condicionadamente à existência de Lucros e, portanto, não visualiza as necessidades ambientais e sociais como problemas capazes de gerar oportunidades produtivas. Essa idéia se alinha a um aspecto de uma resposta inadequada ao desafio em questão, pois estimula a expansão apenas defensiva. A forma de expansão defensiva proposta por Chandler (1977) é caracterizada por ter como objetivo a proteção dos negócios existentes e a redução de incertezas. • Navegação em um Ambiente Dinâmico A princípio, poderia se pensar que, pelo segundo desafio estar diretamente ligado às respostas aos interesses dos stakeholders, a abordagem “A” estaria alinhada a uma resposta adequada da Navegação no Ambiente Dinâmico. Entretanto, ela pode promover uma reposta inadequada ao desafio, uma vez que certas respostas ao ambiente institucional, que podem ser cruciais para a navegação adequada ao ambiente, são desmotivadas pela aderência à Abordagem “A”. Dado que as instituições são críticas para a adoção de ações socialmente responsáveis (ASHLEY, 2005; p. 49) e que a propensão a agir de forma socialmente responsável é maior quando a indústria é regulamentada, é razoável inferir que a abordagem “A” tenderia a favorecer ações reativas às pressões institucionais. Assim, essa abordagem, em aspectos relacionados à responsabilidade social, estimula as empresas a utilizar apenas duas das respostas estratégicas às pressões institucionais de Oliver (1991): Aquiescência (Aquiescence) e Transigir (Compromise). Ela favorece a Aquiescência, pois a abordagem está sempre alinhada com as principais ações de RSC existentes e, de acordo com Oliver (1991; p. 152), essa estratégia imita as normas vigentes e faz com que a organização obedeça às regras estabelecidas. A abordagem “A” também favorece a utilização da estratégia “Transigir” que busca balancear interesses dos 38 stakeholders negociando adequadamente com tais públicos (OLIVER, 1991; p. 153). Isso vai de encontro às idéias da abordagem “A” que visa entender as necessidades dos vários públicos interessados na organização. Essas respostas estratégicas estariam alinhadas com a postura favorecida pelos dois aspectos da vertente Dependente da Dimensão Institucional da Abordagem “A”. O segundo desafio também lida com a questão da legitimidade da organização ao longo da sua trajetória. Nesse ponto, a abordagem “A” também não contribui com um padrão de resposta adequada ao desafio “Navegação em um Ambiente Dinâmico”. Isso se dá, pois existem três formas de conseguir legitimidade de acordo com Suchman (1995): Pragmática, Moral e a Cognitiva. A abordagem “A” consegue a legitimidade pragmática com sucesso, pois essa lida com a aderência às expectativas e interesses dos stakeholders. Consegue também parte de sua legitimidade moralmente, uma vez que suas estruturas e processos internos são compatíveis com os valores vigentes na sociedade. Entretanto, essa abordagem não garante a legitimidade chamada por Suchman (1995) de Cognitiva, pois a legitimidade cognitiva presume que a organização seja continuadamente legítima por sua própria razão de existir. Como a abordagem “A” possui uma forma de atuação episódica e isolada de Responsabilidade Social Corporativa, é possível que a empresa não consiga manter-se legitima em determinado momento. A perda da legitimidade por uma empresa pode levar à perda da liberdade da empresa de buscar seu crescimento (WHETER e CHANDLER, 2005; p. 49). • Gestão da Diversidade A relação entre a abordagem “A” e o terceiro desafio não é tão explícita. No entanto, pode-se argumentar que, pela empresa estar apenas seguindo as tendências, a RSC sob essa ótica não seria capaz de integrar a organização na medida que ela fosse aumentando seu tamanho. Iniciativas isoladas e não sistemáticas também, que não envolveriam as pessoas dentro da organização, não estimulariam a integração. O desafio de “Gerenciar a Diversidade” propõe que a manutenção da integridade da firma é fator determinante para uma resposta adequada. Quanto 39 a esse aspecto, pode-se dizer que a abordagem “A” não exerce contribuição positiva nem negativa. Entretanto, vale lembrar que a Abordagem “A”, que se associa à idéia de Van de Ven e Jeurissen (2006; p. 315), que defendem uma RSC contingencial, não contribuiu assim para um pensamento sistêmico na organização. Assim, as ações de RSC, nessa abordagem, atuam com atenção seqüencial aos problemas enfrentados e isso, na visão de Cyert e March (1963), pode gerar efeitos colaterais indesejados. • Provisão de Recursos Humanos A abordagem “A” se preocupa com a retenção e captação de talentos que proverão os serviços gerenciais, que, de acordo com Penrose (2006), é o maior limitador da capacidade de crescimento. Ela se preocupa com os interesses dos Stakeholders e, devido a isso, atende à necessidade de seus empregados atuais e se mostra atraente para a força de trabalho disponível. Uma empresa socialmente responsável atrairia os melhores profissionais. Uma pesquisa realizada pela You & Company revelou que mais de 50% dos estudantes de MBA prefeririam trabalhar em empresas éticas, mesmo que isso significasse menores salários (ASHLEY, 2005; p. 9). Contudo, como a abordagem não trabalha para integrar e alinhar os valores de sustentabilidade, ela consegue reter os recursos humanos baseando-se na atitude da corporação frente à sociedade e ao meio ambiente. Para profissionais talentosos, ficaria evidente se a proposta de ação sócioambiental de uma empresa fizesse apenas parte do discurso para que ela se mostre mais atrativa. Uma empresa, atuando apenas na abordagem “A”, usufruiria das vantagens de ser socialmente responsável apenas na captação de recursos humanos, mas não na retenção destes recursos. • Gerenciamento da Complexidade A Responsabilidade Social Corporativa na abordagem “A” está alinhada com um padrão não satisfatório de resposta ao quinto desafio. Isso é um problema, pois de acordo com Fleck (2006), esse desafio impacta em todos os outros. Apesar de a visão considerar o interesse dos stakeholders nas decisões 40 e na implementação das estratégias, ela não prioriza o aprendizado na organização nem uma reposta sistemática aos problemas enfrentados. A forma “A” parece ser inerente a uma organização que “apaga incêndios” e não a uma organização que valoriza as capacitações geradas pela atuação sustentável. 2.3.2 Abordagem “B” e o cinco desafios Assim como na análise da primeira abordagem, também foi preparado, para a segunda Abordagem, um quadro resumo com todas as relações percebidas ao longo do estudo teórico sobre RSC e Sustentabilidade. Vertentes Gestão da Diversidade Pioneira Motivação intrínseca Provisão de Recursos Humanos Gerenciamento da Complexidade Não fica à deriva, moldando e manipulando o ambiente a seu favor Promove a versatilidade ao assumir solucionar os problemas sócioambientais Métricas equilibradas para mensurar o desempenho Sistêmica Busca oportunidades produtivas nos problemas sócioambientais Garante que a própria operação da empresa consiga legitimidade Possibilita a criação de valor oriundo dos princípios éticos e os valores disseminados na empresa Favorece a geração de numa experiência compartilhada entre os gestores Iniciativas sistemáticas contribuem para o aprendizado para lidar com a complexidade. sistemática Institucionalização Navegação em um Ambiente Dinâmico As iniciativas contribuem para atrair e manter gestores de talento Foco Equilibrado Investimento Inserção de Valores Empreendedorismo Não condicionada ao lucro Dimensão Quadro 2.6 – Resumo das possíveis relações ente os desafios e a Abordagem “B” Fonte: Elaborado pelo autor Abaixo, seguem as análises divididas por cada um dos desafios do modelo 41 • Empreendedorismo Tudo indica que a abordagem “B” se alinha a uma resposta adequada a esse desafio. Esse desafio, ao lidar com a propensão da firma a assumir riscos e a identificação de oportunidades produtivas, é influenciado positivamente pela abordagem. A abordagem “B”, por estar aliada ao caráter ofensivo da RSC que, de acordo com Whether e Chandler (2005; p. 64), vê na responsabilidade social uma oportunidade para identificar novas fontes de vantagem competitiva, favorece a expansão produtiva em detrimento da defensiva. De acordo com Stead e Stead (2004; p. 64), as oportunidades de mercado estão surgindo para gestores que pensam de maneira sustentável. Esse aspecto é reforçado pela aderência à vertente lucro-independente. A empresa, nessa vertente, acredita que oportunidades lucrativas de negócios podem ser identificadas nos problemas sociais e ambientais. Já na vertente lucro-dependente, a existência de lucros seria uma oportunidade para investir em projetos sócio-ambientais. Assim, o aspecto equilibrado da vertente, que favoreceria investimentos que buscam retornos sócio-ambientais e econômicos, favoreceria as expansões produtivas. A Versatilidade, um dos serviços empreendedores propostos por Penrose (2006) também é favorecido pela vertente central da dimensão da Inserção de Valores. Uma empresa atuando sob essa vertente teria uma restrição em suas expansões atuando apenas em negócios alinhados com o aumento do bem estar econômico, social e ambiental. Em uma perspectiva em que restrição contribuiria para a criatividade (SENGE, CARSDTADT e PORTER, 2001; p.37), esse aspecto favoreceria a Versatilidade. Esse estímulo à versatilidade estaria ligado ao aspecto Sistêmico da RSC da Dimensão da Inserção de Valores. • Navegação em um Ambiente Dinâmico Considerando o ambiente institucional, é possível entender em que a empresa sob a abordagem “B” priorizaria a institucionalização ativa promovida pela firma. Uma empresa que responde adequadamente ao desafio de Navegação no Ambiente Dinâmico vê nos processos de institucionalização um 42 instrumento para sua perpetuação. Essa idéia, de acordo com Fleck (2007), se oporia à institucionalização reativa, mais condizente com a abordagem “A”, que vê os processos institucionalizantes como fatos negativos que se impõem na vida organizacional. Esse é um aspecto importante da abordagem “B” que permite que a organização lide de forma adequada com as pressões de seu ambiente. Analisando a abordagem à luz das respostas estratégicas de Oliver (1991), percebe-se que as empresas que priorizassam uma forma “B”, sobretudo pela vertente independente da Dimensão da Institucionalização, lançariam mão das respostas “Desafiar” (Defy) e Manipular (Manipulate) com maior facilidade. Isso ocorre, pois empresas dentro dessa visão carregariam os valores sustentáveis enraizados em sua cultura, e não dependeriam das práticas já existentes para atuar de forma responsável. O próprio conteúdo organizacional seria o fator institucional determinante na atuação da firma, uma vez que Abordagem “B” tem sua origem nos valores internos da Organização. As organizações sob a vertente independente não esperariam que as pressões institucionais fossem oriundas de outros fatores destacados por Oliver (1991), como o contexto legal e regulatório. Além disso, a vertente central também garantiria a legitimidade cognitiva à empresa abordada por Suchman (1995). Enquanto a proposta de atuação fosse relacionada às necessidades sócio-ambientais percebidas, a empresa garantiria legitimidade a sua própria operação. • Gerenciamento da Diversidade A manutenção da integridade da organização, na medida em que ela aumenta sua diversidade, é uma questão crítica para a sustentabilidade e consequentemente para a abordagem “B”. A diversidade, de acordo com Stead e Stead (2004; p. 136) é crítica para a sustentabilidade, pois contribui para a provisão de talentos e aumenta o entendimento do mercado, contribuindo também para a solução de problemas sociais que emergem em diversos contextos. A abordagem “B” releva a integridade da organização a todo o momento. A integridade é um termo que incorpora tanto a moral individual dos 43 tomadores de decisão como o well-being do corpo da corporação. A integridade dos gestores contribui para o compromisso ético autêntico da organização. Esse compromisso é capaz de alinhar a empresa em torno de uma causa comum. Um elo forte entre as diversas áreas funcionais é criado em torno dos valores éticos sustentáveis promovidos na organização. Esse elo contribui para que rotinas criadas possam se tornar recursos capazes de gerar vantagem competitiva, que na definição de Ghemawat (2000; p. 59) seria a capacidade que uma dada firma tem de auferir retornos acima da média dentro de sua indústria. Na linguagem de Barney (1991), a perspectiva “B” permitiria que recursos raros, valiosos, insubstituíveis e de difícil imitação fossem gerados com maior facilidade, aumentando as chances de a empresa sustentar e criar vantagens competitivas. Assim, o compromisso autêntico dos gestores da empresa com os preceitos éticos, ligado à vertente independente, influenciaria a empresa a se tornar menos diversa facilitando a criação de rotinas socialmente complexas e contribuindo para a resposta adequada ao desafio do Gerenciamento da Diversidade. Se as pessoas são a única fonte de vantagem competitiva sustentável é importante criar uma visão comum para que elas trabalhem juntas em busca de um objetivo compartilhado (SENGE, CARSDTADT e PORTER, 2001; p.30). De acordo com Pascalle, Millemann e Gioja (2000; p. 92) agir de maneira consistente em uma visão de sustentabilidade oferece uma possibilidade maior de integração na organização. A integridade do corpo organizacional também é importante para uma resposta adequada ao terceiro desafio. Ela permite que a organização consiga alinhar seus negócios e construir bases de aprendizado que serão exploradas por diversos negócios. Essa integridade promove a unidade da firma e possibilita a solução de problemas complexos. Isso ocorre, porque os preceitos de RSC inerentes à abordagem “B” estimulariam a empresa a perceber seu ambiente de forma mais ampla (MCINTOSH, 2006; p. 50). Esse pensamento sistêmico é provido pelo aspecto equilibrado da vertente lucro-independente que estimula consideração de variáveis de natureza econômica, social e ambiental. 44 • Provisão de Recursos Humanos De acordo com Hawkins (2006; p. 193), um perfil sustentável robusto ajuda a atrair e a reter recursos humanos capacitados, além de reduzir os custos com treinamento e recrutamento. Assim, essa é uma contribuição positiva da abordagem “B” ao desafio. Apesar de as empresas que possuem uma RSC do tipo “A” tenderem a responder adequadamente ao desafio de “Aprovisionar Recursos Gerenciais Humanos”, as empresas que possuem uma RSC do tipo “B” são mais eficazes quanto a essa questão. Um grupo administrativo que proporciona serviços gerenciais é mais que um conjunto de pessoas (PENROSE, 2006; p. 91). Trata-se de um conjunto de indivíduos com experiências conjuntas. O fato de empresas que buscam construir à abordagem “B” promoverem valores relacionados com as estratégias adotadas, também contribui, de certa forma, para a harmonia do corpo gerencial, aumentando a capacidade de possuir serviços gerenciais alinhados à proposta da empresa. De acordo com Penrose (2006; P. 53), políticas consistentes favorecem a unidade administrativa da firma, possibilitando que julgamentos adequados possam ser efetuados por um grande número de pessoas dentro da firma. • Gerenciamento da Complexidade O pensamento sistêmico da abordagem contribui de forma positiva para o desafio de gerenciar a complexidade. De acordo com Robèrt (2000; p. 249), um dos princípios que uma empresa que busca o crescimento sustentável deve adotar é o da precaução, principalmente quando a organização lida com complexidades inerentes à gestão. Além disso, a abordagem também promove a utilização de métricas elaboradas para assegurar que a postura sustentável nos negócios esteja sendo efetivamente implementada. Isso contribui para a sistematização da busca por problemas que auxilia na resposta a esse desafio (Fleck, 2006; p. 23). À medida que a organização aumenta de tamanho, mais complexidade é adicionada à tomada de decisão. Esse stress leva os gestores a simplificar em demasia, precipitar nas conclusões e utilizar velhos hábitos que foram bem 45 sucedidos no passado (PASCALE, MILLEMANN e GIOJA, 2000; p. 68). Os mesmos autores argumentam que para que isso não aconteça é necessário que a organização aprenda a solucionar problemas ainda não explorados e que haja uma conexão entre o sistema organizacional e seu ambiente externo (2000; p. 91). Indo ao encontro a essa idéia, a abordagem “B” provê um entendimento da organização como parte de um sistema maior. Finalmente, a visão sistêmica favorece também que os efeitos colaterais negativos causados por um tratamento imediatista dos problemas organizacionais não aconteçam. Isso é um ponto positivo dentro da abordagem “B”, porque nela as soluções devem ser sustentáveis. Soluções sustentáveis, de acordo com Pascalle, Millemann e Gioja (2000; p. 92), consideram para todas as partes dos sistemas complexos. 46 3. MÉTODO 3.1 Descrição da pesquisa A pesquisa realizada consiste em um estudo de dois casos. De acordo com Yin (1989; p. 23), os estudo de casos são uma estratégia de pesquisa na qual o contexto pesquisado não é evidente. Desta forma, tal método é adequado para a investigação onde se pretende entender o processo de incorporação de atitudes e comportamentos relacionados com RSC e sustentabilidade, bem como identificar aspectos das respostas adequadas aos desafios do crescimento saudável. A estruturação da pesquisa se deu de maneira linear e estruturada que, de acordo com o mesmo autor (1989; p. 139), apresenta primeiro o problema que está sendo estudado, depois os métodos seguidos pelos achados dos dados coletados e as análises realizadas e, por último, as implicações oriundas dos achados. Apesar do estudo possuir intenção de comparar os dois casos selecionados, esse fato não foi o único fator que orientou a decisão de investigar dois casos. De acordo com Yin (1989; p. 52), a utilização de mais casos acrescenta robustez ao estudo proposto. A busca por uma maior robustez é importante para a presente pesquisa, sobretudo para contribuir com a formação e entendimento das abordagens propostas de RSC propostas. Assim, além de permitir uma comparação, a utilização da Natura e do Boticário como contexto de estudo ajuda a perceber as falhas e propor sugestões para as abordagens. Com dois casos, também são maiores as chances de se detectar relações existentes entre as abordagens “B” e “A” e os desafios do crescimento propostos por Fleck (2006). A presente pesquisa poderia até ser enquadrada como sendo do tipo qualitativa, uma vez que esta pode ser definida como a que se fundamenta principalmente em análises qualitativas, caracterizando-se, em princípio, pela não utilização de instrumental estatístico na análise dos dados (VIEIRA, 2004;p. 21). É importante que o caráter longitudinal das análises pretendidas também seja ressaltado. Isso ocorre porque a grande maioria das análises, como poderá ser visto mais adiante neste capítulo de método, consideram 47 alguma espécie de evolução ao longo do tempo. O estudo com perspectiva longitudinal, de acordo com Vieira (2004; p. 21), tem a sua coleta de dados realizada em um determinado momento, mas resgata dados e informações de outros períodos. Diferentemente da separação entre pesquisa qualitativa e pesquisa quantitativa, que não agrega muito para o entendimento do método empregado neste trabalho, existe a separação entre pesquisa de variância e pesquisa de processo. As análises propostas, por envolverem um aprofundamento das relações entre eventos, iniciativas e atividades, podem ser caracterizadas como sendo de uma pesquisa focada no Processo. A pesquisa focada no processo também pode englobar uma série de dados qualitativos e quantitativos (LANGLEY, 1999; p. 693). Os tipos de dados e informações coletadas e as técnicas de análises utilizadas ainda serão descritas em outra sessão deste capítulo de método. No Anexo C, é apresentada uma breve discussão sobre os fatores que influenciaram a escolha das duas organizações eleitas. 3.2 Níveis de análise Como as pesquisas possuem objetivos múltiplos, é extremamente importante delimitar os níveis e unidades de análise. As unidades de análise, por sua vez, se referem às unidades a respeito das quais inferências serão feitas e devem ser representativas do nível de análise (VIERA, 2004; p. 22). Pode-se dizer que o nível principal de análise é o organizacional. Isso ocorre porque as organizações escolhidas foram investigadas no intuito de se obter um enquadramento às abordagens propostas. Essa análise mostrará a forma com que cada empresa incorporou comportamentos e atitudes relacionadas à RSC. Além da análise no âmbito das organizações, também serão investigadas as possíveis relações existentes entre os desafios e os dois tipos ideais propostos. O fato do arcabouço teórico delimitador dos tipos “B” e “A” estar em processo de desenvolvimento faz com que essa análise seja necessária para explorar dimensões estabelecidas e suas vertentes, antes de 48 buscar alguma conclusão sobre a relação entre os arquétipos do crescimento saudável e as abordagens. Desta forma e de acordo com os tipos básicos de Yin (1989; p. 46), o multicaso pode ser caracterizado como sendo do tipo embutido (embedded). Essa taxonomia designa estudos de mais de um caso onde existem mais de uma unidade de análise. Por último, vale ressaltar que por mais que tenha havido um esforço em delimitar os níveis de análises, é possível que durante as análises eles se misturem em algum momento. Ao se coletar subsídios para a análise de processos, de acordo com Langley (1999; p. 692), é muito difícil isolar as unidades de análises. Ao tentar qualificar a empresa quanto à forma de atuar de forma socialmente responsável, é possível que comportamentos de departamentos isolados, ou de pessoas específicas na organização sejam estudados para que depois se possa se concluir algo no nível organizacional. 3.3 Caracterização da pesquisa Para caracterizar a presente pesquisa é importante relembrar ao final das análises e conclusões que se pretendeu alcançar três objetivos distintos. Embora todos os objetivos do estudo sejam relacionados, eles exigem perspectivas diferentes de pesquisa. Assim, cada um dos objetivos pretendidos é relacionado a um tipo de pesquisa. As relações são tratadas a seguir. O estudo promovido no sentido de qualificar a forma de uma empresa incorporar atitudes sócio-ambientalmente responsáveis pode ser caracterizado, de acordo com Vergara (1997; p. 45), como um estudo metodológico. Essa taxonomia designa estudos que visam adaptar ou propor instrumentos de captação de informações, com o interesse de estabelecer procedimentos para alcançar determinado fim. Portanto, o esforço de desenvolver uma estrutura teórica para entender em que medida a responsabilidade social de uma empresa é central, Pioneira e equilibrada está associado a esse tipo de pesquisa. O estudo também possui caráter descritivo. Isso ocorre porque, para se entender os processos que afetaram crescimento e a RSC das empresas, um minucioso trabalho de descrição e caracterização das empresas escolhidas 49 teve que ser efetuado. Esse tipo de estudo também possui relação com a intenção de determinar a forma das empresas de atuarem de forma socialmente responsável. A descrição, ou o método descritivo, de acordo com Yin (1989; P. 67), pode servir como base para estruturação geral de um estudo, uma vez que serve para levantar os aspectos que serão trabalhados e analisados pelo pesquisador. A última taxonomia empregada para tipificação da presente pesquisa é definida por Vergara (1997; p. 45) como pesquisa de caráter exploratório. De acordo com a mesma autora, a pesquisa exploratória é normalmente, utilizada para áreas nas quais há pouco conhecimento acumulado. No caso deste trabalho, não se pode determinar que o conhecimento acumulado acerca dos temas não é vasto, mas foi assumido que as relações propostas entre RSC e os desafios do crescimento saudável não são evidentes e, por isso, precisam ser mais bem exploradas. Dessa maneira, em vez de testar as relações identificadas, o trabalho pretendeu verificar quais dessas relações têm potencial para se tornarem hipóteses de trabalho no futuro. Além disso, é importante lembrar que muito acerca da estrutura teórica proposta precisa ser explorado. O trabalho visou aperfeiçoar e questionar o modelo proposto para distinguir as duas abordagens de RSC e esse objetivo invoca também uma pesquisa de caráter exploratório. Por mais que tenha havido esforços no sentido de embasar a distinção entre as duas formas de uma empresa incorporar atitudes voltadas para a sustentabilidade empresarial, é necessário um trabalho empírico orientado a perceber falhas e a propor melhorias neste framework desenvolvido. 3.4 Coleta e preparação dos dados Vieira (2004; p. 23) ressalta a importância da descrição exaustiva da forma com que os dados foram coletados e tabulados. Assim, nesta sessão, primeiro foram descritos os tipos de dados coletados, e depois, os procedimentos de tabulação e preparo dos dados para análises foram comentados. 50 3.4.1 Dados coletados Grande parte dos dados coletados não foi definida a priori, ou seja, foi buscada gradual e continuamente durante a seleção, a coleta e a interpretação do material. Os dados foram coletados ao longo do ano de 2008. Dentre as seis formas de evidências mencionadas por Yin (1989; p. 85), somente duas formas não foram utilizadas para compor o material para estudo dos casos selecionado: Artefatos Físicos e Observação com Participação do Investigador. As outras quatro formas de evidências, que foram efetivamente empregadas, serão comentadas a seguir. • Documentos No âmbito desse grupo podem ser destacados os documentos publicados na mídia de massa, documentos administrativos, outros estudos formais publicados acerca dos mesmos casos e livros relacionados às duas empresas estudadas. Abaixo segue um quadro expondo a quantidade de fontes pesquisadas e utilizadas. Apenas foram tabuladas as referências utilizadas na presente pesquisa e as outras referências acessadas não foram contabilizadas no quadro 3.1. Quadro 3.1 – Principais documentos utilizados e tabulados Tipo Quantidade Jornal 63 Revistas 10 Relatórios Anuais 6 Relatórios sociais 1 Notícias de Internet 7 Livros 3 Dissertações sobre as empresas 3 Estudos de casos 4 Privilegiou-se as informações coletadas de grandes jornais de circulação nacional, pois esta foi a principal fonte de dados mais antigos que se referiam aos primeiros anos de existência das empresas. As reportagens foram 51 buscadas junto à sede dos próprios jornais e na Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro. Várias reportagens foram conseguidas por meio de um serviço de busca do jornal Folha de São Paulo. Esta fonte de dados foi utilizada para todos os tipos de informações sobre as empresas, mas foi determinante para se obter os dados sobre o faturamento e investimentos das empresas. Utilizou-se cinco relatórios anuais de 2003 até 2007 da Natura e o relatório social da mesma empresa do ano 2001, que mostrou a evolução dos indicadores sociais de 1999 e 2000. Pouco dos relatórios anuais da Natura foi aproveitado devido ao fato dos dados numéricos já terem sido obtidos por meio de outras fontes. As inconsistências encontradas nos números não foram muito dispares. Nesses casos optou-se por adotar os dados fornecidos pela própria empresa. Três dissertações foram pesquisadas, uma sobre o processo de internacionalização do Boticário, outra sobre a Fundação Boticário de Preservação da Natureza – FBPN e uma outra que trata exclusivamente sobre a linha Ekus da Natura. Os estudos de caso utilizados se enquadram na categoria que Yin (1989; p 14) denomina de casos “ferramentas de ensino”. Dois estudos de casos no âmbito do Boticário foram utilizados, um primeiro sobre um projeto de devolução de embalagens vazias implantadas pela empresa e outra que foca na história da empresa em geral. No âmbito da Natura foi utilizado um estudo de caso elaborado pela London Business School – LBS e a Fundação Dom Cabral – FDC, que abordava vários aspectos organizacionais e outro focado no complexo de Cajamar, uma moderna unidade produtiva da empresa inaugurada no início do século. Apesar de terem sido apenas três livros, esse tipo de documento foi bem relevante para coleta de dados. Especialmente o Livro que dedica um capítulo para relatar a história de vida de Yara do Amaral Pricolli. Esse documento foi crucial para se entender o surgimento das empresas que impulsionaram as vendas da Natura a partir de 1974. Um livro específico sobre a FBPN foi utilizado. Ele contribuiu para um maior entendimento desse importante Investimento Social-Privado – ISP do Boticário. O terceiro foi um livro comemorativo do Boticário, lançado em 2002 e distribuído apenas para funcionários da empresa. Nele, muitos dados sobre os produtos e propagandas utilizadas puderam ser extraídos. 52 No âmbito das revistas pode-se dizer que foram buscadas também reportagens antigas, mais especificamente no período entre 1986 e 1992. Nas reportagens de internet privilegiou-se utilizar reportagens direcionadas aos temas de estudo tratadas na parte teórica deste trabalho. O Portal Exame, que consiste em um acervo repleto de informações a respeito de várias companhias brasileiras, foi enquadrado no próximo grupo de evidências: Archival Records. Esse portal proveu dados de várias revistas de negócios e foi acessado via internet. • Archival Records Dentro desse grupo, a principal fonte de dados foi o Portal Exame, que arquiva e disponibiliza informações tabuladas e consolidadas sobre vários aspectos das empresas estudadas. Nesta fonte de dados foram encontradas informações quantitativas das empresas e, em especial, da Natura. Foram utilizadas informações sobre a receita total desde 1991 e a variação nos investimentos imobilizados desde 1996. O guia exame de sustentabilidade publicado desde 2000 e do qual a Natura foi mencionada desde o ano 2000 foi crucial para os dados mais atuais sobre os ISP da empresa e algumas práticas de gestão relacionadas ao tema. Também foram encontrados no referido Portal os dados consolidados publicados na edição especial da revista exame que aborda as melhores empresas para se trabalhar em cada setor. A Natura apareceu em todas as edições desde o ano 2000 até o ano 2007, com exceção do ano 2001. Apesar de não terem sido encontrados dados consolidados sobre o Boticário, por meio do site do Portal Exame foram acessadas notícias relevantes da empresa. Pode ser destacada a notícia que trata da premiação da empresa como melhor do setor de cosméticos e perfumaria no ano 2001. Notícias sobre a Natura também foram acessadas e utilizadas por meio do Portal Exame. A segunda fonte de dados utilizada foi o portal eletrônico da Endeavor. Nele estavam disponibilizados palestras de importantes lideranças dentro da empresa. O site pode ser acessado por meio do endereço 53 http://www.endeavor.org.br. Foi utilizado o conteúdo de quatro palestras e pronunciações que estão expostas no quadro 3.2 abaixo. Quadro 3.2 – Relação das pronunciações de líderes da empresa utilizadas na análise Líder Tema Guilherme leal “Papel social do empresário” Guilherme leal Receita de sucesso da Natura – “Feitas para durar” Pedro Passos “Como fazer uma empresa dar certo em um país incerto” Arthur Grynbaum As dificuldades por traz do sucesso do Boticário Fonte: elaborado pelo autor Ano 2002 2003 2005 2003 Empresa Natura Natura Natura Boticário O conteúdo das palestras foi importante para entender os discursos dos líderes das duas empresas. Também puderam ser levantadas algumas das intenções declaradas que orientaram certas decisões ao longo do tempo. A terceira e última fonte de dados dentro desse grupo de evidências foram dois vídeos da série Pequenas Empresas Grande Negócios, transmitida pelo canal Globo de televisão, gravados e disponibilizados pela equipe da biblioteca do Instituto Coppead de Administração. Eles foram importantes para o entendimento do contexto inicial das duas firmas estudadas, pois mostravam vários relatos dos fundadores da empresa com um pouco da sua história inicial. Os vídeos também contribuíram para contextualizar outras fontes de dados, pois mostravam imagens antigas das duas empresas. O vídeo que tratava do Boticário foi produzido em 1994 e o que tratava da Natura foi produzido 1993. • Observação direta As três visitas realizadas à sede da Natura na cidade Cajamar e as duas visitas realizadas a sede do Boticário em São José dos Pinhais permitiu que informações fossem coletadas. A Observação Direta permitiu que fosse visto o grau de tecnologia aparente dos centros de armazenagem das duas empresas bem como outros aspectos das fábricas das duas empresas. Entre os outros aspectos podem ser destacados a forma de relacionamento dos empregados e a infra-estrutura das duas empresas. • Entrevistas 54 Para completar o conjunto dos dados observados e utilizados, realizouse uma série de entrevistas com funcionários das organizações estudadas. As entrevistas foram cruciais para complementar todo o material documental utilizado na análise. Como se tratava de uma pesquisa processual optou-se por uma entrevista não estruturada. A intenção era coletar relatos sobre eventos e atividades que iriam agregar a análise processual pretendida. A grande maioria das entrevistas realizadas pode ser caracterizada como entrevista narrativa que, de acordo com oferecer aos entrevistados um escopo para Flick (2004; p.115), visa que relatem sua experiência. Nessas entrevistas, as intervenções do entrevistador foram evitadas ao máximo. Apenas uma entrevista foi realizada com uma estruturação prévia. Optou-se por entrevistar o presidente atual da Natura nessa forma pela limitação de tempo existente. Neste caso, algumas perguntas foram previamente preparadas, focando em assuntos relacionados à navegação da empresa no ambiente dinâmico. Também é importante mencionar que três entrevistas não foram realizadas pelo autor da presente pesquisa. Duas delas foram cedidas por outros pesquisadores e uma foi realizada pelo portal Planeta Web e disponibilizada na Internet no endereço http://www.terra.com.br/planetanaweb/346/reconectando/grande_teia/preservan do_01.htm. Na seleção dos indivíduos que seriam entrevistados, tentou-se conciliar o procedimento de amostragem teórica com o acesso às pessoas. A amostragem teórica, de acordo com Flick (2004; p.79), não tem sua representatividade garantida pela aleatoriedade nem pela estratificação, em vez disso, indivíduos ou grupos são selecionados de acordo o nível esperado de novos insights para o trabalho em elaboração. Assim, procurou-se entrevistar funcionários mais antigos, que conheciam as histórias das empresas e que pudessem contribuir com relatos de vários eventos. Também foram realizados esforços no sentido de realizar entrevistas com pessoas de diferentes áreas e níveis hierárquicos, bem como entrevistar pessoas que possuíssem alguma relação com responsabilidade social e com a sustentabilidade nos negócios. 55 A dificuldade de acesso a funcionários das empresas restringiu a seleção de potenciais entrevistas. Assim, adotou-se o critério da conveniência que, de acordo com o mesmo autor (2004; p. 83), se refere à seleção daqueles casos mais fáceis de serem acessados. Abaixo nos quadro 3.3 são relacionados os entrevistados de cada uma das empresas. Quadro 3.3 – Relação Entrevistas na Natura e Boticário Nº Cargo na data da entrevista Período de atuação Ano da Entrevista Empresa 1 Analista de comunicação corporativa 2007-Atual 2008 Natura 2 Coordenadora de pedidos 1983-Atual 2008 Natura 3 Presidente** 1994-Atual 2008 Natura 4 Vice-Presidente de Tecnologia* 1995-2006 2005 Natura 5 Gerente de RSC 2003-2005 2008 Natura 6 Consultora Natura 1996-Atual 2008 Natura 7 Analista de processos 2006-2007 2008 Natura 8 Diretor de operações 1981-Atual 2008 Boticário 9 Diretor de Sustentabilidade* 1990- Atual 2005 Boticário 10 Gerente da FBPN 1999-Atual 2008 FBPN 11 Gerente de RSC 1995-Atual 2008 Boticário 12 Secretaria do sócio fundador 1981-Atual 2008 Boticário 13 Analista de suprimentos 2004-2007 2008 Boticário 14 Design de lojas e criação 2002-Atual 2008 Boticário 15 Analista de Suply chain 2007-Atual 2008 Boticário 16 Comunicação interna 1995-Atual 2008 Boticário 17 Coordenadora administrativa 1986-Atual 2008 Boticário 18 Sócia da 1º rede de Franquia Boticário*** 1996-Atual 2009 Boticário 19 Vice Presidente* *Entrevistas não realizadas pelo autor do trabalho ** Entrevista Semi-Estruturada *** Entrevista cuja gravação foi perdida ou danificada 1990-Atual 2004 Boticário 3.4.2 Preparação dos dados Todos os dados coletados foram devidamente preparados antes de servirem de subsídios para as análises. Antes da tabulação dos fatos e eventos que comporiam a etapa de análise, vários preparativos foram realizados. Assumindo que a transcrição é uma etapa necessária para interpretação (FLICK, 2004; p. 180), apenas uma entrevista realizada pelo autor da pesquisa não foi transcrita. Também foram transcritas as 4 palestras utilizadas. Os dados oriundos de documentos e os dados oriundos de entrevistas foram tabulados e organizados. Montou-se para tal uma tabela agrupando todos os eventos e fatos relevantes para a análise dos estudos de caso. Nesta tabela de fatos, procurou-se colocar a data do evento ou fato relevante e o tipo 56 de informação à qual o evento fazia relação. A seguir, o quadro 3.3 mostra um trecho da tabela de fatos construída para auxiliar o desenvolvimento das análises. Quadro 3.4 – Trecho da Tabela de organização dos fatos Data Evento / Fato relevante Empresa - Tipo de informação* Fonte Referencia Criado o Projeto "Fabrica de Talentos", que visa oferecer B - Social uma possibilidade de qualificação de mão de obra para a comunidade local. Em Busca do Aroma da Inovação. Verve Comunicação, 27/01/2006. 2002 Internet Disponível em http.verveweb.com.br/clipping acessado em 06/06/2008. Entrevista: Miguel Milano - Diretor Boticário publica o último 2002 B - Social Entrevista de Responsabilidade social balanço social Corporativa - 15 de FBPN (2005). Natura distribui 9% de seu Natura investe US$ 800 milhões em N - Recursos 1995 lucro aos 2500 jornal dez anos. O Estado de São Paulo, humanos colaboradores. 23/09/1996. *A letra “B” designava os fatos correspondentes ao Boticário e a “N” a Natura. Fonte: elaborado pelo autor Após a construção da tabela de eventos e fatos, foram selecionados todos os recortes que apresentavam algum tipo de dado numérico, como informações sobre o faturamento das empresas e informações sobre o número de funcionários. A construção desta tabela exclusiva de dados quantitativos foi importante para detectar incoerências entre as informações apresentadas nas reportagens utilizadas e possibilitar uma melhor visualização dos números das duas empresas. A seguir, segue um trecho recortado da tabela de dados quantitativos construída. Quadro 3.5 – Trecho da tabela de organização de dados quantitativos Data 1993 1997 Valor 10.000.000,00 1.433 Espécie Empresa – Descrição* Evento real NInvestimento em P e D Eram investidos 10 milhões no desenvolvimento de novos produtos e 3 milhões em aperfeiçoamento do canal de venda. Unidades B – Número de Lojas O Boticário está informatizando todas as 1433 lojas. Fonte Referência Saída de Yara não altera comando da Jornal Natura. Estado de São Paulo, 22/04/1993. jornal Real duplica a venda de cosméticos. Folha de São Paulo, 11/08/1997. *A letra “B” designava os fatos correspondentes ao Boticário e a “N” a Natura. Fonte: elaborado pelo autor Procurou-se cadastrar todos os dados relevantes encontrados. Isso fez com que fosse possível visualizar os eventos de cada ano, permitindo que a história das empresas fosse narrada. Os dados dos dois vídeos assistidos e das observações realizadas nas visitas às empresas não foram catalogados ou tabulados. A seguir, é apresentado um gráfico que mostra a distribuição dos 57 eventos por ano. A interrogação significa que não se conseguiu identificar a data do fato no tempo. Gráfico 3. 1 – Distribuição temporal dos fatos e eventos 50 45 40 Número de Fatos 35 30 25 20 15 10 5 2008 ? 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 1940 1942 1961 1963 1968 1969 1970 1971 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 0 Anos Fonte: Elaborado pelo autor Como era de se esperar, a maior concentração de fatos e eventos se deu em períodos mais recentes. Os dados coletados anteriores ao surgimento das empresas, se relacionaram com a história de vida dos fundadores das empresas estudadas. 3.5 Técnicas de análise de dados Até agora, neste capítulo de método, falou-se muito sobre o contexto da pesquisa realizada e sobre os dados utilizados, restando discorrer quais análises foram efetivamente realizadas para tentar alcançar os objetivos propostos. No presente tópico é abordado que tipo de técnicas foram utilizadas para buscar um maior entendimento acerca das abordagens propostas e para captar as relações entre os desafios do crescimento e as vertentes de cada uma das dimensões. Como a pesquisa é do tipo processo, foi preciso lançar mão de estratégias que auxiliassem a interpretação de eventos e atividades 58 que poderiam impactar a incorporação de atitudes ligadas à RSC e à sustentabilidade ambiental. A primeira técnica de análise foi a construção da história das duas empresas do estudo de caso. A descrição da trajetória da empresa, especialmente quando se trata de alguma pesquisa transversal, é muitas vezes utilizada apenas com o intuito de contextualizar a análise de algum aspecto da organização. Contudo, em uma pesquisa como esta, de caráter longitudinal e focada no processo, a descrição da trajetória é parte importante dos resultados obtidos, pois é por meio dela que muitos traços e eventos são detectados. Assim, a técnica primordial de análise utilizada foi a construção, por meio do conjunto de dados levantados, da trajetória das duas empresas. Essa técnica de pesquisa é denominada por Langley (1999; p. 695) de Estratégia Narrativa. De acordo com a autora, ela tem não só o intuito de preparar cronologicamente os dados para outras análises como também servem para alcançar um entendimento do contexto organizacional. Na construção das duas trajetórias buscou-se seguir a orientação de Langley (1999; p. 696) de não se ater apenas aos fatos relacionados ao crescimento saudável ou à RSC nas duas empresas e relatar toda a história das organizações. A segunda técnica utilizada é chamada de Estratégia de Mapas Visuais (LANGLEY, 1999; p. 699). Os gráficos, bem como os mapas visuais, de acordo com Langley (1999; p. 700), contribuem para apresentação de uma grande quantidade de informações, facilitando o entendimento do processo analisado. Essa sistematização foi necessária para visualizar e compreender melhor a presença das altitudes ligadas à RSC na trajetória das duas empresas. Após a análise que visou entender as empresa quanto às abordagens, buscou-se estabelecer relações entre as vertentes das abordagens “A” e “B”. Nesta segunda parte da análise dos dados, foi analisada cada uma das relações encontradas entre os aspectos positivos das respostas ao desafio do crescimento e as iniciativas associadas às vertentes das abordagens. Essa análise permitiu sugerir relações entre as respostas aos Desafios do Crescimento Saudável propostas por Fleck (2006) e a incorporação de comportamentos ligados à responsabilidade social. 59 Nesse âmbito, também se procurou detectar algum padrão ou algum relacionamento entre a curva de crescimento da empresa e a Curva ““A” & “B””, fornecida pela análise sintetizada das três dimensões e descrita pela equação 5.1. A seguir, é apresentado o indicador de tamanho desenvolvido por Fleck (2001), que mostra a evolução do tamanho da empresa ao longo de sua trajetória. Equação 3.1 – Curva de crescimento Tamanho da = empresa ano Fonte: elaborado pelo autor Vendas ano x 100 PIB ano Os dados referentes ao PIB do Brasil foram coletados por meio do site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IPEA data. 60 4. HISTÓRICO DAS EMPRESAS 4.1 Natura A Natura nasceu em 1969 de uma associação entre um economista e um farmacêutico, quando Antonio Luiz da Cunha Seabra e Jean Pierre Berjeaut abandonaram a Bionat para iniciar as atividades da empresa. Na Bionat, empresa do pai de Jean, eram manipulados produtos de higiene pessoal e alguns cosméticos. O nome “Natura” surgiu por acaso, em uma época onde não era tão usual valorizar a natureza e seus subprodutos. Na Bionat, Seabra teve seu primeiro contato com o mundo dos cosméticos. Entretanto foi na Remington, aos 16 anos, que ele teve seu primeiro contato com a tecnologia de ponta, onde teve a oportunidade de participar do projeto de um barbeador elétrico inovador para os padrões brasileiros no início da década de 60. Em 1963, três anos antes de entrar para a Bionat, Seabra era chefe do departamento de pessoal da empresa no Brasil, que possuía 900 funcionários. Enquanto Jean Berjeaut possuía um contato mais íntimo com a manipulação de cosméticos, para Seabra foi necessário realizar cursos sobre fisiologia, bioquímica e outros tópicos para poder gerenciar as operações da Bionat e conseguir conhecimento suficiente para atender pessoalmente seus clientes na sua nova empresa. A empresa iniciou suas operações em uma pequena instalação nos fundos do colégio Arquidiocesano em São Paulo, mas após poucos meses de atividade, os dois sócios transferiram as instalações da empresa para a Rua Oscar Freire em São Paulo, ficando mais perto dos consumidores de classe A, os quais os sócios acreditavam ser seu principal público. Em 1970, um ano depois de iniciar suas atividades, a Natura alcançou um faturamento de 13 mil dólares, e apostava no atendimento personalizado e na qualidade dos produtos para atrair cada vez mais clientes. Seabra considerava sua empresa uma “Antiempresa”, uma vez que propunha aos clientes tratamentos e não apenas cosméticos. 61 Apesar da boa aceitação dos produtos, a comercialização ainda era o ponto fraco da empresa que, mesmo com a loja na Rua Oscar Freire, não tinha muita penetração no mercado. Em 1972, Luiz Seabra deu o primeiro passo para a mudança no modelo de vendas da empresa ao decidir utilizar uma distribuidora independente para comercializar os produtos. O diretor dessa distribuidora conhecia o trabalho de Yara do Amaral Pricoli, uma ex-professora que trabalhava com vendas diretas desde 1968. Yara, então, se reuniu com Seabra e o diretor da empresa a fim de elaborar um modelo de distribuição para comercializar os produtos da Natura. Tais negociações, entretanto, serviram para aproximar Seabra da pessoa que construiria o modelo de vendas diretas da Natura. Yara iniciou seu contato com vendas na Editora do Povo Brasileiro, onde trabalhou como vendedora e aprendeu a vencer a sua timidez e, com um ano de experiência, foi convidada para ser chefe de equipe, pois havia sido considerada a melhor entre as vendedoras. Apesar do sucesso na editora, Yara buscava atuar em um mercado mais interessante e se candidatou a chefe de vendas da Rhodia, empresa do setor de perfumaria que estava entrando no setor de cosméticos com a linha Isabelle Lancracy. Como chefe de vendas da Rhodia, a futura sócia da Natura desempenhou funções de recrutamento de vendedoras e segmentações de regiões de venda. Yara sabia que, apesar de estar dedicando muitas horas às atividades da empresa, contava com um salário quase cinco vezes maior que em seu antigo emprego na editora. A maneira que Yara utilizava para atrair as vendedoras era mostrandolhes como poderiam desenvolver uma atividade lucrativa sem que se afastassem muito de seu lar. Yara permaneceu na Rhodia por mais dezoito meses antes de ingressar na Algermarin, uma empresa alemã que lhe ofereceu o dobro do salário na época. Yara aperfeiçoou suas técnicas de vendas e, em 1973, foi promovida a gerente de vendas em São Paulo. Foi neste cargo que ela teve seu contato com Seabra e a Natura, mas, apesar de interessar-se pela filosofia e produtos da empresa, inicialmente recusou a oferta de participar de sua direção para introduzir o modelo de vendas diretas na Natura. No fim de 1973, como Yara esperava, a distribuidora Algermarin acabou fechando por falta de direção adequada e desconhecimento do sistema de vendas domiciliares. 62 Meses depois, o médico Miguel Bove Netto procurou Yara para abrirem um negócio independente no ramo dos cosméticos. A idéia era que ele contribuísse com o capital e ela com o Know-How, tanto no setor de perfumaria e cosméticos como em vendas diretas. Yara, então, procurou Luiz Seabra para fundar a Pro-Estética em outubro do 1974. Essa nova empresa iria distribuir exclusivamente os produtos Natura. A princípio, o negócio seria arriscado para a Pro-Estética pela dependência do suprimento dos produtos da Natura. Assim, Yara e Miguel convenceram Seabra a entrar como sócio na nova empresa, o que sugeria uma redução neste risco. Entrando como sócio, Luiz Seabra também garantiria que a empresa se especializasse em seus produtos e contribuísse para fortalecer sua marca. Com quatro funcionários internos, quatro promotoras e uma equipe de 250 consultoras, a Pro-Estética já se mostrou viável no primeiro ano e, em maio de 1975, Miguel Netto saiu da sociedade vendendo sua participação pelo dobro do valor investido. Em 1975, primeiro ano de operação da distribuidora, a Natura faturou 400 mil dólares e encerrou suas atividades na Rua Oscar Freire. Após dobrar o faturamento em 1976, a Natura começou a experimentar um incremento ainda mais volumoso de seu faturamento de vendas. Em 1977, a tendência de culto ao corpo começou a ganhar popularidade, o que impulsionava a busca por produtos naturais, que remetiam ao nome da empresa. O grupo, formado pelas duas empresas, abrigou sua distribuição em uma casa na Avenida Brasil, em uma das zonas mais sofisticadas de São Paulo. Yara trabalhava mais de 12 horas por dia na Pro-Estética para administrar uma equipe de mais de 4.000 consultoras autônomas e ainda tinha que tomar conta de seus filhos e seu lar. A dedicação integral à distribuição dos produtos da Natura não permitia que Yara descansasse. A sócia da Pro-Estética afirmou que nunca saía do trabalho mais cedo para resolver questões pessoais e que sua motivação não era apenas a vontade de crescer. Ela acreditava que precisava do dinheiro para sustentar suas filhas após o divórcio. Mesmo com a garantia de exclusividade dos produtos Natura para a ProEstética, Yara ainda tinha receio quanto à possibilidade de uma eventual saída 63 do fornecedor dos produtos que distribuía. A Natura já crescia em termos de prestígio e a marca se tornava cada vez mais conhecida. No ano 1979, foi fundada outra distribuidora para os produtos Natura, que se especializaria na distribuição para o Nordeste e Sul do país, regiões que não estavam atendendo às expectativas de vendas. Jean Berjeaut convidou seu cunhado, Guilherme Peirão Leal, e um amigo chamado Romuel Mattos para integrar a Meridiana. Luiz Seabra foi convidado para integrar à sociedade, mas declinou o convite dos demais sócios. O Nordeste do Brasil era uma região pouco explorada pelas empresas nacionais e o clima quente não privilegiava as fragrâncias e produtos importados. A Meridiana atendia melhor a região pois atentava para as suas especificidades. Mesmo com o faturamento aumentando de 3 milhões de dólares em 1979 para 8 milhões em 1980, o Grupo passava por problemas na gestão e os líderes das empresas se desentendiam constantemente. Em 1981, quando o Grupo Natura era composto pela Natura, a Meridiana e a Pro-Estética, Guilherme Leal e Yara associaram-se outra vez para criar uma nova linha de produtos compatíveis com os já vendidos pela Natura. Em associação com Anísio Pinotti eles fundaram a L´arc en Ciel, que posteriormente mudou seu nome para YGA. A nova empresa se especializou em artigos de maquiagem de alto padrão, segmento ainda não atendido pela Natura. Além disso, Yara e Guilherme conseguiram eliminar parte do risco de não possuírem participação na Natura, se precavendo contra uma eventual saída do fabricante. Mais uma vez, Luiz Seabra foi convidado para participar da sociedade mas não aceitou. A empresa de Yara, Guilherme e Anísio era a quarta empresa do grupo, que se impulsionava cada vez mais com a vontade de Yara do Amaral de crescer. A linha de produtos, assim como a empresa, foi batizada de L´arc em Ciel e diversificava os produtos comercializados pelo grupo. A Natura se restringia a produzir cremes de tratamento para pele e cabelo nesta época. No ano de 1981, o faturamento do grupo não manteve o ritmo de crescimento, alcançando apenas sete milhões de dólares. O início da década de oitenta foi um período complicado, pois a Natura muitas vezes tinha seu faturamento superado pelo da Pro-Estética. 64 Em 1982, a Natura lançou a linha Natura Sève, que consistia em uma série de óleos vegetais para reduzir estrias e aumentar a elasticidade da pele. Essa linha foi muito importante para a empresa e muitos dos produtos se encontram em seu portifólio até hoje. Guilherme Leal, em 1983, convidou seu companheiro de futebol Pedro Passos para trabalhar no grupo. Pedro, que mais tarde se tornaria sócio da empresa, iniciou suas atividades como gerente de materiais nas instalações da Rua João Dias. Era atencioso com todos os seus subordinados, se mostrando disponível e acessível. Logo após a entrada de Guilherme e o lançamento da Natura Sève, o grupo começou a trabalhar com produtos com refis, ainda em 1983. Esta iniciativa, em um primeiro momento, permitia que clientes acessassem os produtos da empresa por um preço mais baixo. Trabalhar com refis contribuía na eliminação dos custos na produção de embalagem, que muitas vezes era a parcela mais cara na composição dos custos dos produtos comercializados pela empresa. Vale ressaltar que, de acordo com integrantes da empresa, a Natura foi a pioneira na utilização de refis no setor de vendas diretas no mercado brasileiro. A força de trabalho da empresa era majoritariamente composta por mulheres, mesmo desconsiderando-se as consultoras de vendas. Era prática usual nas instalações da companhia levar filhos pequenos para o ambiente trabalho, sem que houvesse qualquer repreensão por parte dos chefes que trabalhavam na produção. O aumento do desemprego, especialmente na classe média, verificado no início dos anos oitenta, impactou negativamente nas vendas do setor, mas acabou sendo positivo para a Natura, pois muitas das mulheres que perderam seus empregos se tornaram consultoras Natura. Isso fez com que o nível de qualificação das profissionais que lidavam diretamente com o consumidor da Natura aumentasse consideravelmente, fato que contribuiu para a retomada do crescimento das vendas em 1984. Yara, em 1985, aumentou o grupo de empresas com uma nova distribuidora. Ela inicialmente se associou a Nagib Salles, empresário carioca, para abrir uma empresa dedicada exclusivamente à comercialização no Rio de Janeiro. Como não poderia se ausentar de São Paulo com muita freqüência, 65 Yara conseguiu com que Leal e Mauro Augusto Amim se juntassem a ela e ao empresário carioca nesse novo empreendimento. A nova distribuidora funcionaria como as demais empresas do grupo, dividindo o território em regiões de vendas que seriam administradas pelas promotoras, que por sua vez faziam o contato com as consultoras de venda. Luiz Seabra também não participou da nova distribuidora, permanecendo sócio apenas da Pró-Estética. A entrada da Éternelle, como foi chamada, fez com que o faturamento global do grupo aumentasse para quarenta milhões em 1985. Enquanto Yara se empenhava em expandir a rede de distribuição dos produtos da empresa de Seabra, o fundador remanescente da Natura ensaiava como poderia internacionalizar sua companhia. A tentativa frustrante de abrir uma loja em Miami, entretanto, fez o empresário adiar estes planos. Ainda em 1985, a L´arc en Ciel passou a se chamar YGA e começou a comercializar, além de maquiagem, produtos sofisticados de perfumaria. A empresa ampliou suas instalações, que funcionavam de forma independente das utilizadas pela Natura. A nova fábrica da YGA era bastante extensa, buscando otimização deste espaço via produção para terceiros. A Pro-Estética também transferiu suas operações da Av. Brasil para instalações na mesma Avenida e posteriormente para dois prédios. As empresas de Yara se expandiam rapidamente, impulsionando a Natura. Seabra cuidava pessoalmente do lançamento de produtos e muitas vezes se apoiava na astrologia para tomar decisões: desde os 17 anos Seabra fazia mapas astrais regularmente, confiando bastante nos rumos que eram apresentados. Em 1986, a Natura lançou a Bothânica Banho, produzida com ingredientes naturais que buscava resgatar, de acordo com o fundador da empresa, “o prazer do banho”. O produto era inovador utilizando o Pentaglycan, substância que atua na regeneração das células. No mesmo ano, entretanto, outras empresas lançaram produtos com o mesmo princípio ativo, não sendo claro se houve vazamento de informação ou se foi mera coincidência. Dessa forma, a Natura não conseguiu se estabelecer como a única empresa a comercializar esse princípio ativo no mercado, deixando de se diferenciar por meio dessa nova tecnologia. 66 Em 1986, uma mudança na legislação de IPI reduziu seu prazo de recolhimento de 180 para 45 dias, gerando impactos significativos no setor de perfumaria e cosméticos. Esta modificação, ainda que impactasse a Natura, teve influência mais significativa em seus concorrentes, uma vez que tinham um portifólio mais concentrado em itens que estavam sujeitos a alíquotas mais elevadas, como os de perfumaria. Concorrentes como o Boticário e a Avon tiveram que reajustar seus preços em até 170%, fator que permitiu à Natura penetrar em mercados de renda um pouco mais baixa, aumentando consideravelmente a visibilidade da marca. Mesmo possuindo metade das ações da Pro-Estética, mais de um terço das ações da YGA e 10% da Éternelle, Yara ainda considerava sua posição arriscada. A marca Natura ofuscava os produtos L´arc em Ciel, fazendo com que ela ainda dependesse do contrato de distribuição firmado com a empresa. Ela também se sentia desconfortável em estar inteiramente exposta ao modelo de vendas direta, mesmo com o sucesso de suas distribuidoras. Assim, ela se juntou mais uma vez com Peirão Leal e abriu a Croma. A Proposta desta nova empresa era utilizar o mercado tradicional para comercializar duas linhas de produtos, uma esportiva e outra exclusivamente masculina. A marca Natura, apesar de conhecida em todo o Brasil e de ter aumentado sua visibilidade com o aumento dos preços de seus concorrentes, ainda era majoritariamente consumida apenas pelas classes mais favorecidas. Isso, apesar de condizente com a proposta inicial dos fundadores, deixava concorrentes como o Boticário menos ameaçados na comercialização de produtos de beleza para consumidores de classe média. Miguel Krigsner, fundador do Boticário, chegou a afirmar em 1987 que o foco da Natura era diferente do de sua marca, pois focava apenas no público de alta renda. Miguel admirava os produtos mais do que se sentia ameaçado pelos mesmos. Além disso, a Natura já tinha um faturamento de aproximadamente 100 milhões dólares, bem mais expressivo do que o do Boticário e de todos os seus concorrentes nacionais. Nesta época, outro fator externo contribuiu para fazer com que a Natura penetrasse ainda no segmento de classes mais baixas. Além da já mencionada diminuição do prazo de recolhimento de IPI que impactou proporcionalmente 67 mais no preço final de seus concerrentes, o congelamento dos preços pelo governo fez com que mais consumidores conseguissem acessar os produtos da marca. Assim, a Natura ganhou participação de mercado preocupando os concorrentes que, como o Boticário, atendiam outros segmentos de mercado. O aumento do prestígio da Natura teve impacto não só nos concorrentes, mas nas empresas que faziam parte do Grupo Natura. A YGA, de Yara e Guilherme, começou a adotar as cores e conceitos da Natura. Assim, a marca L´arc em Ciel começou a incorporar os conceitos da Natura nas suas linhas de maquiagem e perfumes. Essa incorporação foi acontecendo aos poucos porque, inicialmente, a idéia da L´arc em Ciel era caminhar independente da Natura, compartilhando apenas o sistema de distribuição. Consumidores mais atentos poderiam observar esta interferência nas cores dos novos produtos que a L´arc em Ciel vinha criando, nos quais a cor vinho, que remetia a realeza, foi substituída pelo preto e amarelo da Natura. O preto se relacionava com a auto-análise e a introspecção, já o amarelo, era associado ao brilho e à facilidade de comunicação. Também era possível notar que a L´arc em Ciel começou a incorporar o apelo de tratamento, que antes era inexistente nos itens da marca. Assim, aos poucos, foi aumentando a interferência da Natura na atividade das outras empresas do grupo. Até as distribuidoras dos produtos estavam sofrendo com os conflitos gerados pelas marcas Natura e L´arc em Ciel. Em dezembro de 1988, os sócios das empresas decidiram formalizar o que, na prática, já vinha acontecendo. Foi criada a holding Stellium, com uma redistribuição societária das empresas do grupo. A palavra, que significa “estrelação”, remete ao alinhamento de três ou mais astros. Assim, o nome foi adequado ao contexto das empresas do Grupo Natura, que iniciaram seu processo formal de alinhamento. Das seis empresas que Leal, Seabra e Yara participavam, somente a Croma ficou de fora da reorganização. Seabra afirmou que a Natura e a YGA eram empresas irmãs e como já compartilhavam a estrutura de distribuição da Pro-Estética, Meridiana, e Éternelle, a fusão já poderia ter ocorrido há mais tempo. 68 O fundador da Natura reconhecia que as várias empresas, cada uma com seus próprios donos e seus próprios esquemas administrativos, impulsionaram a Natura ao longo de seus primeiro anos. Isso ocorreu, sobretudo, entre os anos de 1980 e 1985, período em que a produção aumentou quatro vezes. Mesmo assim, o descompasso era problemático, uma vez que cada uma das empresas tinha suas próprias metas. A interdependência, após muita discussão dos sócios, foi transformada em sociedade. Além da junção das distribuidoras e das duas marcas, foi criada outra empresa para compor o grupo. Luiz Seabra estava convencido de que o mercado externo era importante e como já faturavam 250 mil dólares, provenientes das vendas de Chile, Bolívia e Portugal, aumentou os esforço na penetração internacional da empresa. Assim, foi criada a Natura Comercial Exportadora com metas audaciosas de multiplicar por 12 vezes o faturamento oriundo das exportações da empresa em três anos. Jean Berjeaut não ficou satisfeito com idéia de criação da Stellium e decidiu mudar de atividade. Ele vendeu os 50% que detinha da Natura para o Grupo. Os co-fundadores da Éternelle também deixaram a sociedade e as operações da empresa foram incorporadas pelas outras distribuidoras. Romuel Matos, da Pro-Estética, e Anísio Pinotti, um dos donos da YGA, também possuíam cotas da nova holding. Seabra era o acionista majoritário, com vinte sete por cento da holding. Yara e Leal ficaram com 26,5% cada. Os outros sócios e Pedro Passos, que era executivo da empresa, ficaram com o restante das ações. Após a fusão, deu-se início aos preparativos para a construção de uma nova unidade produtiva, que substituiu a unidade instalada na Vila Clementino, da Natura, e a de Santo Amaro, que fabricava os produtos da antiga YGA. Os investimentos foram orçados em 20 milhões de dólares, prevendo a compra de máquinas, aprimoramento profissional e aprimoramento dos processos de regionalização comercial. Esse montante foi despendido até 1990. Assim, a nova holding aumentou e modernizou a produção do grupo. O projeto foi além da reestruturação jurídica e, de acordo com funcionários da Natura, trouxe mudanças que incluíram a modernização, não 69 só das máquinas, mas de toda a empresa. Os sócios priorizaram os investimentos nas novas instalações e no sistema de distribuição que atendia bem o Rio de Janeiro e São Paulo, mas precisava ser reforçado nos locais onde a Meridiana costumava atender. São Paulo e Rio de Janeiro representavam juntos 55% das vendas do grupo. Comparado com os investimentos de 20 milhões em produção, o investimento de dois milhões em publicidade foi relativamente pequeno. Não se fez nenhuma campanha para reforçar a nova estrutura organizacional e todo o valor foi despendido para promover os novos lançamentos da Natura no ano. Os produtos da antiga L´arc em Ciel começaram a ter mais benefícios em sua composição e os novos lançamentos também tentaram aliar a estética com as propriedades terapêuticas. O principal lançamento da empresa neste novo conceito foi a linha Somma, de produtos para verão. Ela foi lançada em novembro de 1989 e seus produtos possuíam um sistema de bronzeamento e a capacidade de filtrar conjuntamente os raios UVB e UVA, que provocam, respectivamente, a vermelhidão e o envelhecimento da pele. De acordo com Seabra, a Natura tinha o único produto que reunia todos esses benefícios em um só frasco. Com a mesma tendência dual, também foram lançados produtos, dentro da Somma, que ajudavam fixar o bronzeamento ao mesmo tempo em que aceleravam a recuperação epidérmica. A intenção de alinhar as empresas impactava também a produção. Tudo começou a ser pensado e as embalagens, que apesar de terem sofrido interferência quanto às cores e a disponibilidade de informações, ainda não estavam padronizadas. Elas sofreram modificações que facilitavam a estocagem em prateleira e se tornaram mais resistentes. A linha Somma e a Dr. N ganharam produtos com versões com refis. A nova empresa, formada em dezembro 1988, chegava ao início do ano de 1990 com 1300 funcionários e 36 mil consultoras que levavam os produtos até os clientes. A nova fábrica foi construída em Itapecerica da Serra, em São Paulo, e foi inaugurada em junho de 1990. Foram cogitadas várias localizações para as novas instalações e consideradas propostas de vários Estados, que ofereceram benefícios fiscais e possuíam uma mão-de-obra mais barata, mas a 70 opção escolhida foi a de abrir nos arredores da cidade São Paulo. Essa decisão, de acordo com Pedro Passos, foi difícil de ser tomada e, para muitos, seria mais vantajoso que a Natura realizasse a produção em localidades menos custosas. A escolha por Itapecerica da Serra foi embasada pelo argumento de que o município está localizado a apenas 45 km da grande São Paulo, o maior mercado da empresa. O sistema de distribuição deveria zelar pala agilidade e velocidade para fazer com que os produtos chegassem até as consultoras. O ciclo de renovação dos catálogos, espécie de revista com todos os produtos e seus preços, era de 21 dias e, mesmo que os produtos se mantivessem, o preço sempre sofria reajustes por causa da alta inflação. Pedro Passos também afirma ter considerado os funcionários da empresa no processo. Era preocupante o fato de trocar a sede produtiva da Natura, para um lugar onde não seria possível manter a maioria dos colaboradores que participavam da produção. Mas mesmo assim, os funcionários sentiram a mudança e o aumento da distância, demorando a se adaptar às novas condições de trabalho. A fábrica tinha refeitórios e um sistema de transporte que levava e buscava os funcionários em São Paulo. Outra novidade era uma pequena creche que viabilizava o trabalho das mulheres, que eram quase setenta por cento dos empregados. Assim, com a capacidade produtiva aumentada pela metade, a Natura iniciou a década de noventa descapitalizada. O modelo de negócio foi completamente mantido e os sócios contavam com a sua capacidade de geração de caixa para manter os investimentos em inovação e desenvolvimento de produtos. A Natura e a L´arc em Ciel contribuíam para a holding com um portfólio de 120 produtos no início do processo de fusão e, já em 1990, o número de produtos aumentou para 200. Sem a liberdade para gerir as distribuidoras, Yara do Amaral, mesmo com 26,5% das cotas, se afastava da empresa nesta nova fase. Ela nunca havia participado do desenvolvimento de produtos e dos processos internos que não eram ligados à distribuição e comercialização dos produtos. Ela, desde o início, confiava nos produtos desenvolvidos por Seabra na Natura e nas idéias de Guilherme Leal e Anísio Pinotti na administração da marca L´arc em Ciel. 71 Um novo produto surgiu em 1990 para se tornar uma das estrelas da empresa: o Chronos, elaborado com ácidos de frutas e ceramidas. Muitas pesquisas ainda seriam feitas para concluir a linha de produtos que retardava os sinais de envelhecimento. A linha Chronos só foi lançada dois anos depois do primeiro produto com esse nome, mas desde o início, a comunicação escolhida para promoção não foi baseada em estereótipos de beleza. “Estética com ética” foi o slogan que começou a ser utilizado pela empresa nesse ano. O momento era decisivo e, de acordo Luiz Seabra, a empresa precisava assumir um porte de grande empresa. Em uma época em que a inflação era de quase 90% ao mês e Estellium passava por vários desafios de administração, uma decisão incomum foi tomada envolvendo dois líderes da empresa. Frente aos novos desafios, Guilherme Leal e Pedro Passos se afastaram dois meses da empresa para voltar a estudar. Eles acreditavam que a empresa estava na direção certa, mas estava defasada em práticas de gestão. Os dois líderes voltaram dos estudos decididos a profissionalizar mais a gestão da empresa e iniciaram uma mudança no quadro de funcionários. Vários gestores foram trazidos de fora da empresa para compor um conselho de administração, com capacidade de administrar a empresa que havia sido reestruturada. Seabra confiava no aumento das consultoras e no foco nas classes mais altas para contornar as crises e, assim, apostava no crescimento da empresa mesmo em épocas de recessão. Com a chegada de vários profissionais de fora e a decisão de profissionalizar a gestão da empresa, novos desafios de alinhamento apareceram. Se a criação da holding permitiu que o ritmo de crescimento das empresas fosse ajustado e que houvesse uma maior padronização da produção, a iniciativa de Leal e Passos fez com que a empresa sofresse a interferência de profissionais de várias culturas diferentes que não eram acostumados com o modelo de negócios da Natura nem com a proposta que a empresa trazia. Isso foi uma preocupação dos líderes da empresa, que teriam que pensar em uma forma para corrigir esse problema. No final de 1991, a busca por produtos que remetiam à natureza era mais forte e mais compreensível para todos no ramo da perfumaria e cosméticos, mas isso não era suficiente para orientar a administração da 72 Natura. Dos 11 membros da alta administração, apenas três eram originalmente das empresas do antigo Grupo Natura. O contexto fez crescer a necessidade de formalizar os valores da empresa. Embora os novos gestores contribuíssem para melhorar as práticas da empresa, o choque cultural, de acordo com Pedro Passos1, foi grande. Por fim, foi decidido que a empresa devia formalizar a razão de ser e sua visão de mundo. A empresa até hoje não mudou as frases que a orientavam naquela época. Nos estudos que Leal e Passos realizaram, eles tiveram a oportunidade de discutir ética nos negócios, fator que contribuiu para a tradução da forma de atuação da empresa em palavras. A Natura passou a nortear suas decisões com base em sua razão de ser, que passou a ser “Criar e comercializar produtos e serviços que promovam o Bem-Estar/Estar Bem". Bem-Estar seria a relação harmoniosa, agradável, do indivíduo consigo mesmo, com seu corpo. Já Estar Bem seria a relação empática, bem-sucedida, prazerosa, do indivíduo com o outro, com a natureza da qual faz parte e com o todo. Com a razão de ser formalizada, a Natura iniciou o ano de 1992 mais organizada. Entretanto, se a alta inflação e a crise prejudicavam mais seus concorrentes do que ela, a abertura econômica feita pelo presidente Collor trouxe concorrentes internacionais. Pode-se destacar a entrada da Amway, que utilizava o mesmo sistema de distribuição da Natura. Os concorrentes estrangeiros aumentaram a disputa, sobretudo nas camadas dos consumidores mais ricos, público alvo da empresa de Seabra. Nessa época, a empresa começou um processo de demissão que fez com que sua força de trabalho reduzisse em 200 pessoas, passando de 1800 funcionários em 1991 para aproximadamente 1600 em 1992. Essa era a maior demissão da história da empresa, que havia sempre crescido em número de colaboradores, inclusive quando mudou suas instalações produtivas para Itapecerica da Serra. A produção também se retraiu, pois, vários produtos foram descontinuados no referido ano. Entretanto, novas linhas foram desenvolvidas com base na tecnologia e na razão de ser. A linha Chronos teve seus trinta 1 Informado em palestra “Como fazer uma empresa dar certo em um país incerto” em 2005. 73 meses de desenvolvimento finalizados e chegou ao mercado com uma proposta de comunicação inovadora. Se o slogan “Estética com Ética” já era incomum, a Natura inovou ainda mais ao utilizar anúncios comerciais que não utilizavam modelos na campanha de lançamento dos produtos da linha. A proposta era trazer mulheres comuns, cada uma com uma beleza diferente, sem falsas promessas para os potenciais consumidores dessa linha anti-rugas. Também foi desenvolvido um novo slogan que apostava na transparência e na realidade em cosméticos. No ano de lançamento oficial da linha, o slogan utilizado foi “A Verdade em Cosméticos”. Além disso, a Chronos trazia produtos anti-rugas de acordo com as idades. Eram atendidas pela linha mulheres de 30 a 60 anos de idade e, atualmente, a linha atende também mulheres de 25 anos de idade. Ainda em 1992, um ano problemático no qual a Natura reduziu seu volume de vendas e viu seu faturamento cair, Guilherme Leal se associou ao Pensamento Nacional das Bases Empresariais – PNBE, que visa promover a cidadania do empresário e a sua participação mais ativa na vida nacional. O PNBE, que foi fundado no ano da adesão de Leal, promovia encontros e debates com empresários de sociedades de todos os portes sobre questões como democracia, ética nos negócios e, principalmente, o papel das empresas na promoção da cidadania. A profissionalização da gestão que influenciou na decisão de demitir os 200 funcionários também promoveu a implantação de um sistema de monitoramento das práticas de gestão e monitoramento dos processos internos. Com a contratação de novos diretores, os processos foram atualizados e se tornaram compatíveis com as modernas instalações de Itapecerica da Serra. O centro de pesquisas da empresa em São Paulo, mesmo em dificuldades, funcionava normalmente. Enquanto a média do setor costumava investir um e meio por cento do faturamento em P&D, a Natura investia 2%. A produção foi crescendo e, para o ano de 1993, era esperada uma retomada no volume de vendas para o patamar observado em 1991. Entretanto, quando as coisas estavam melhorando, a empresa anunciou a saída de Yara do Amaral Pricolli. Os vinte e seis e meio por cento das ações da 74 Stellium, que a fundadora da Pro-Estética e da YGA possuía, foram vendidos por vinte e cinco milhões de dólares aos outros sócios. Seabra, Leal e Passos aumentaram suas participações na empresa ficando com 37,794% e 36,068% e 8,897% respectivamente. Seabra afirmou que a saída de Yara não atrapalharia as operações da empresa e que a Natura ganharia maior flexibilidade para tomadas de decisões. A ex-acionista havia se casado com um empresário do ramo de turismo e estava iniciando novas empreitadas no ramo imobiliário. Anísio Pinotti passou a ser o quarto maior acionista seguido por Romuel de Mattos, ex-sócio fundador da distribuidora Meridiana. A linha Mamãe e Bebê foi criada ainda no início de 1993. Sua proposta era estreitar as relações entre mãe e filho por meio de produtos para as diferentes fases da gestação e os primeiros anos de vida da criança. Diferentemente das linhas infantis que traziam produtos para as crianças e das linhas para grávidas, que já existiam no mercado, a proposta da Mamãe e Bebê era uma novidade. Os produtos eram divididos pelos momentos em que a mãe se relaciona com a criança, como o “Momento do Banho” e o “Momento da Troca de Fraldas”. À frente dos negócios, Leal e Seabra reforçaram o processo de vendas e promoveram o programa para capacitação das consultoras. A Natura começou a fornecer um treinamento mais especializado para algumas consultoras, aumentando o número de encontros entre elas e as promotoras. A Natura já havia constatado que um aumento da capacitação da mão-de-obra tinha um impacto significativo nas vendas da empresa. O braço internacional da holding, a Natura Comercial Exportadora, não havia atingido as metas estipuladas de aumentar o faturamento em doze vezes em três anos. As vendas para o mercado externo cresceram para dois milhões de dólares, um milhão a menos do que o pretendido na época da criação da empresa. A empresa já tinha representações no Chile, na Bolívia, no Peru e na Malásia. A idéia agora era criar parcerias internacionais para incrementar as vendas, pois Seabra considerava o mercado nacional estacionado. Além disso, a competição havia se acirrado após a abertura de mercado, fato que pressionava ainda mais a investir para aumentar as exportações. 75 No Mercado interno, as vendas também estavam abaixo do esperado e a empresa continuou contratando profissionais de fora do mercado para compor a alta administração. Para aumentar mais o volume de produção, novas contratações foram feitas no nível operacional. A idéia era utilizar toda a capacidade produtiva das instalações em Itapecerica da Serra. A empresa terminou o ano 1993 com quase trinta por cento a mais de funcionários. A produção da holding aumentou com o aumento da capacidade produtiva, mas a produtividade por funcionário piorou expressivamente. Se dois anos antes, mil e oitocentos funcionários produziram vinte e seis milhões de unidades, em 1993, dois mil e duzentos funcionários produziram um milhão de unidades a menos. Gráfico 4.1 – Unidades Produzidas e Númeor de Funcionários (1991-1995) 3000 60 2500 50 2000 40 1500 30 1000 20 500 10 0 0 1991 1992 Funcionários (Esquerda) 1993 1994 1995 Produção (em milhões de Unidades) Fonte: Elaborado a partir dos dados disponíveis no Estado de São Paulo, 23/09/1996. A política de recursos humanos se tornou mais expressiva no ano de 1994. Os funcionários recém contratados já tinham direito a quatorze salários e a Natura começou a oferecer bonificação para o nível gerencial. O sistema de distribuição dos resultados passou a ser atrelado a metas. O time de diretores que se envolviam na criação dos produtos e em sua distribuição passou a se envolver mais na administração dos recursos humanos da empresa. O Plano Real trouxe estabilidade econômica e oportunidades de crescimento para o setor de perfumaria e cosméticos. A Natura havia passado por toda uma reestruturação que a ajudaria a crescer em uma economia mais estável. 76 Com o aumento do poder aquisitivo de classes mais baixas, o perfil do consumidor dos produtos da Natura começou a mudar. Os produtos da empresa começaram a ter seu consumo viabilizado em classes mais baixas, enquanto a paridade do real com o dólar fez com que as classes mais elevadas consumissem mais os produtos importados. Outra mudança no perfil de consumo foi o aumento do público masculino consumidor de produtos de beleza. Isso fez com que a empresa voltasse mais a atenção ao desenvolvimento de produtos específicos para esse público, segmento que concorrentes como o Boticário já vinham atendendo desde a década de oitenta. O número de Consultores Natura do sexo masculino também estava aumentando e já era cinco por cento do total. De acordo com Alessandro Carlucci, que à época era gerente comercial, esse fato era positivo paras as vendas, pois quando homens decidiam virar Consultores Natura, normalmente dedicavam tempo integral à atividade. Um ano mais tarde, em 1995, o número de consultores aumentou novamente para oito por cento do total. Com uma carteira de 250 clientes e uma jornada de trabalho de oito horas diárias, era possível que os consultores lucrassem até dois mil reais por mês. Após dois anos de resultados ruins, a Natura voltou a atingir resultados satisfatórios, assim como várias empresas do setor. O faturamento aumentou em vinte por cento e ultrapassou o recorde de vendas alcançado em 1991. A empresa contratou muitos funcionários para 1995 e se preparou para aproveitar o novo período de estabilidade. A empresa, que buscava os talentos gerenciais no mercado, passou a desenvolver seus funcionários para assumir posições mais importantes. Até o chão de fábrica passou a ter mais oportunidades, sendo oferecidos inclusive cursos de informática. Com um crescimento maior do que o da sua principal concorrente, a americana Avon, a Natura aumentou os investimentos em pesquisa e desenvolvimento em 1995. Os investimentos de dois por cento do faturamento, que já eram acima da média do setor, subiram para três e meio por cento em 1995. Dessa forma, a Natura elevou seu patamar para os padrões realizados pelas gigantes internacionais L´Oréal e Procter & Gamble. Além do aumento dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento, a Natura começou a reforçar suas parcerias para desenvolver seus produtos. Além dos projetos em que a empresa contratava tecnologia de processos nas 77 áreas químicas e farmacêuticas, a empresa estabeleceu parcerias com a Universidade de São Paulo – USP, com a Universidade de Campinas – Unicamp e com o Instituto Mauá de Tecnologia. Com isso, passou a ser mais agressiva no lançamento de novos produtos, se tornando mais parecida com a Avon, que lançava em média 120 produtos novos a cada ano. A Natura acreditava que ela investia mais em treinamento para suas vendedoras que sua concorrente e também acreditava declaradamente na projeção e força de sua marca. Pedro Passos afirmou ter reconhecido na época que tecnologia e produtos se tornariam semelhantes com o tempo e a principal forma de diferenciação passaria a ser os valores básicos que a empresa levava. Ao longo do ano foram investidos 16 milhões de reais em cursos. Em outubro do ano de 1995, melhor ano da história da empresa até então, iniciou-se um projeto de investimento social privado. A Natura, em parceria com a Fundação Abrinq, lançou o projeto Crer para Ver para arrecadar recursos para serem investidos em educação. O projeto foi elaborado para ter continuidade e utilizou as consultoras da Natura para realizar a captação de recursos. Com o dinheiro, inicialmente arrecadado por meio da venda de cartões de natal, seriam patrocinadas iniciativas ligadas à educação que visavam assegurar o acesso à aprendizagem, aprimorar os modelos de ensino e a capacitação dos educadores. No primeiro ano, o Crer para Ver conseguiu arrecadar 659 mil reais, que patrocinaram inúmeros projetos de até 30 mil reais. Guilherme Leal teve o primeiro contato com a Fundação Abrinq por meio do PNBE em 1992. A campanha, que seria permanente, recebia projetos ao longo de todo o ano, e estes eram analisados por um comitê de especialistas da Fundação Abrinq, que deveriam eleger quais projetos seriam patrocinados com o dinheiro arrecadado pelas Consultoras Natura. Com a produção e as contratações de novos funcionários aumentando, a Natura planejava mais uma expansão em suas instalações. À época, sabiase que para manter o ritmo de aumento das vendas, seria preciso aumentar a capacidade instalada de fabricação. No início de 1996, nada foi declarado a respeito de como seriam as novas instalações, exceto que os novos 78 investimentos na modernização de suas máquinas e equipamentos seriam de 36 milhões até o final do projeto. A Natura, ao longo do ano, estudou duas possibilidades para a nova fábrica. Ela poderia construir novas instalações que dobrariam sua capacidade de 51 milhões de unidades, investindo 50 milhões de reais, ou poderia quase triplicar sua capacidade investindo 100 milhões de reais. Ao longo de 1996, já se tinha idéia de que o montante total a ser investido seria de 200 milhões. A empresa, que normalmente reinvestia os próprios lucros, e que havia crescido muito nas suas duas primeiras décadas com a entrada de novos sócios aportando capital, iria pegar metade do valor a ser investido com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social BNDES. Finalmente, a opção foi investir os 100 milhões e, assim, quase triplicar a capacidade instalada de produção. O local da nova fábrica ainda não estava especificado, mas a firma havia mais uma vez descartado a possibilidade de receber incentivos fiscais superiores de outros estados e havia planejado seu investimento para os arredores de São Paulo. Essa decisão foi tomada, pois a empresa esperava poder contar com os funcionários da fábrica de Itapecerica da Serra na nova instalação. Outra opção, também descartada, foi a de ampliar as instalações em Itapecerica da Serra. Isso se deu, pois a área era uma região de mananciais, fator que poderia prejudicar o andamento das operações no longo prazo. Assim, somente ao final do ano, foi divulgado que a nova unidade produtiva seria construída em Cajamar. No ano de 1996, a Natura anunciava planos de investimentos para os próximos dez anos. Oitocentos milhões seriam investidos até 2005 com pretensões de alcançar um faturamento de 1,2 bilhões de reais. A empresa, que era vista por seus líderes e por seus concorrentes nacionais como sendo voltada para o público de poder aquisitivo mais alto, começou deliberadamente a se posicionar de forma mais atrativa para outras classes sociais. Apesar de a empresa ter ganhado projeção nas classes menos favorecidas anteriormente, devido a fatores externos, desta vez escolheu reduzir os preços e mudar seu foco de atuação. 79 Com isso, a Natura avançou rapidamente sobre os seus concorrentes e conseguiu igualar o Market Share da Avon2. A Natura que em 1989 possuía um Market Share de 6,8% passou a ter 14% em 1996. Parte disso também foi devido aos inúmeros lançamentos de produtos realizados no ano. A empresa aumentou seu portfólio para 270, chegando até a importar produtos da Itália para compor suas linhas. Ela importava batons e removedores de maquiagem, pois alegava que os produtos chegavam ao consumidor com um preço mais competitivo. Isso era possível mesmo pagando um imposto de importação com alíquota de 40% sobre itens de perfumaria, maquiagens e cosméticos. Os cursos para as consultoras tornaram-se grátis e obrigatórios em 1996. A empresa acreditava no treinamento das suas consultoras para se diferenciar da Avon. A Natura, ao mudar seu posicionamento, passou a disputar diretamente com Avon e outras concorrentes nacionais não focadas nos segmentos de maior poder aquisitivo. A empresa fechou o ano faturando 908 milhões de dólares e com 2700 funcionários. Apesar do crescimento generalizado, o indicador mais expressivo foi o aumento no imobilizado ao longo do ano. A Natura aumentou seus ativos imobilizados em 67%, ao se comparar com o ano de 1995. Assim, ela utilizava a boa fase e a estabilidade econômica para fazer planos e investir. Apesar do crescimento e do avanço sobre os concorrentes, a Natura não conseguia ter sucesso no mercado externo. Desde 1994, a empresa verificou prejuízos crescentes e expressivos, oriundos dos negócios internacionais. Os planos da Natura Comercial Exportadora não estavam se concretizando e era a segunda vez na história que a empresa repensava a sua internacionalização. Entretanto, desta vez, a empresa havia assumido um porte muito maior do que quando abriu lojas em Miami e poderia arriscar-se mais em suas investidas internacionais. Optou, mesmo com prejuízos operacionais, manter o ritmo de investimento em outros mercados latino-americanos. 2 De acordo com a reportagem “Natura vai construir sua segunda fábrica” da Gazeta mercantil, 03/07/1996. 80 Gráfico 4.2 – Resultado internacional da Natura 1993-1998 Milhões Resultado Internacional 1 0 -1 1993 1994 1995 1996 1997 1998 -2 -3 -4 -5 -6 -7 Fonte: Fundação Dom Cabral Se as investidas internacionais não estavam indo bem, em 1997, o mercado brasileiro passou a ser considerado o quinto maior do mundo em volume de vendas e cresceu mais do que a média mundial. Entretanto, o consumo per capta dos brasileiros ainda era baixo, havendo ainda espaço para crescimento. Quando comparado com o de outros países, o Brasil ocupava apenas a vigésima sétima posição no ranking. Ao longo do ano de 1997, a Natura voltou a liderar o mercado brasileiro dos cosméticos com 16% de Market Share, contra 15% da Avon. A empresa já havia ultrapassado a Avon no ano logo após a fusão das empresas do grupo Natura, mas havia passado o início da década de 90 atrás de sua concorrente em valor de vendas no mercado brasileiro. Essa conquista se deu após a Natura combinar a estratégia de lançamentos de vários produtos com a especialização das consultoras e novo posicionamento da marca. É interessante observar que, apesar do aumento das vendas, os lucros decresceram neste período. Isso se deve ao aumento das despesas operacionais, que subiram mais que a receita operacional. 81 Gráfico 4.3 – Evolução do Lucro operacional Natura 1993-1998 Lucro operacional - Brasil (Milhões de Us$) Evolução do Lucro Operacional 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 1993 1994 1995 1996 1997 1998 Fonte: Fundação Dom Cabral Entre os trabalhadores, era comentada a importância dos líderes da empresa. Pedro Passos era conhecido por ser atencioso e acessível entres os funcionários, e era quem controlava as operações com mais proximidade. Seabra percebia a necessidade dos consumidores e liderava a criação dos produtos, apontando as tendências que seriam seguidas. A sua abordagem transparente e seu carisma contribuíam para a motivação dos empregados. Ele estava constantemente ligado ao comitê de inovação dos produtos e sempre participava dos encontros com as consultoras. Leal, que na época era o presidente, traçava a estratégia da empresa. Era uma pessoa aberta a novas idéias e sua ligação com o PNBE, desde a fundação da organização, fez com que atentasse para questões sociais e o papel social do empresário. Leal afirmou, nesta época, que todas as empresas possuem uma série de recursos que não os financeiros que podem contribuir para a transformação social do país. Guilherme Leal havia se envolvido diretamente com o Crer Para Ver e havia se comprometido com a idéia do lançamento do programa desde o início. O Programa ganhou mais projeção no ano de 1997 e, consequentemente, mais projetos educacionais foram apoiados. Leal também acreditava na importância da governança corporativa e convidou membros externos ao board de diretores para compor um conselho de administração, que foi formado nesta época. Foram convidados para o conselho da empresa, José Guimarães Monforte, exexecutivo do Citibank, e Edson Vaz Musa, ex-presidente da Rhodia e dono da Caloi. Desde então, esses cinco senhores passaram a se reunir todos os 82 meses para avaliar os resultados e definir as estratégias da maior empresa nacional de cosméticos. Pedro Passos afirmou que esse foi um exercício para os valores da empresa, os quais constituem-se no grande diferencial de sua firma frente aos concorrentes. Essa experiência com governança corporativa veio antes dos pensamentos de abertura de capital e antes da onda de demissões de presidentes que assolou as companhias americanas em 1999, que teve entre suas vítimas, os principais executivos da Gillette, da Procter & Gamble e da Xerox. A Natura era reconhecida como um bom lugar para mulheres trabalharem, justamente porque vários dos benefícios que a empresa oferecia aos seus empregados estavam ligados à mão-de-obra feminina, como por exemplo auxilio educação para seus filhos. A Natura oferecia este benefício à mão-de-obra não-qualificada. A dimensão que a empresa estava ganhando no final da década de noventa era expressiva. Apesar de não ter conseguido manter a liderança em participação de mercado, perdendo-a novamente para a AVON, a Natura se projetava em termos de reconhecimento3. Em 1998, a empresa foi considerada a melhor empresa do setor de perfumaria e cosmético pela revista Exame, principalmente pelo acelerado crescimento experimentado após a criação do plano real. Em 1997, também foram aumentados os investimentos em publicidade e promoções. Mesmo com a queda nos lucros, foram mantidos os investimentos em pesquisa e desenvolvimento. Ainda em 1997, a empresa lançou produtos infantis para a sua linha Fotoequilíbrio de produtos para o verão, que foram desenvolvidos com tecnologia de ponta. Eram os únicos produtos nacionais especializados para a proteção de crianças. Pedro Passos afirmava que as economias de escala e os custos de produção que a Natura conseguia não chegavam até o consumidor final, pois a empresa aumentava seus investimentos nos lançamentos. Boa parte dos custos que a Natura conseguia reduzir era com a economia nas embalagens de seus produtos. Com a população de classe mais 3 De acordo com a reportagem “Cosméticos prevê crescer 5% em 98” da Folha de São Paulo, 02/03/1998 a Natura passou a ter 13% da participação no mercado brasileiro de Cosmético em 1998. 83 baixa consumindo mais seus produtos, os refis passaram a ser mais procurados, pois representavam economia também para o consumidor. Uma medida importante, no final de 1997, foi o estreitamento da empresa com a Inglesa Rexam, uma fabricante de embalagens para seus produtos. A Rexam foi atraída pela Natura a implantar instalações no Brasil para suprir a demanda da empresa, barateando o custo das embalagens. Outras parceiras da empresa, as francesas Augros, fabricantes de tampas e válvulas, e Saint Gobain, fabricante de frascos, também foram cooptadas a virem para o Brasil para atenderem a Natura, ao longo de 1998. A Natura argumentava que poderia garantir a demanda inicial para os produtos, enquanto a empresa teria acesso mais próximo ao quinto maior mercado de cosméticos do mundo. Muitos produtos voltados ao público masculino foram lançados em 1997 e 1998. Produtos para o banho e, principalmente perfumes, compunham o portfólio para os homens. Sabe-se que, em 1998, os produtos masculinos representavam 30% do faturamento, e os femininos 62%. Com os novos protetores da Fotoequilíbrio, os produtos infantis haviam passado a representar 8% do faturamento. Além do reconhecimento pela Revista Exame, que premiava basicamente o desempenho da empresa mensurado em termos quantitativos, o programa Crer para Ver foi premiado como o investimento social privado do ano pelo PNBE. Seus líderes passaram a incluir em seus discursos que a Natura se destacava entre as demais empresas por sua postura cidadã e seus programas sociais. Acreditando nisso, a empresa participou da fundação do Instituo Ethos em 1998. Criado por um grupo de empresários e executivos, o Instituto é uma organização sem fins lucrativos que dissemina as práticas relacionadas à responsabilidade socioambiental e de gestão empresarial sustentável no Brasil. A empresa, em 1999, iniciou o seu programa de Trainee para desenvolver lideranças dentro da empresa. Logo no primeiro ano, foram inscritas 4.354 pessoas no processo. No mesmo ano, a empresa gastou 0,38% de seu faturamento bruto no desenvolvimento profissional. A Natura, que já se destacava pelo investimento e pesquisa no desenvolvimento de novos produtos, comprou o laboratório carioca Flora 84 Medicinal, aumentando ainda mais as possibilidades de comercialização de novidades. Foram pagos pela empresa adquirida cerca de 20 milhões de reais. O laboratório adquirido era especializado em produtos Fitoterápicos, mercado com o crescimento médio anual de 12%, e havia sido fundado em 1912, pelo cientista José Moreira da Silva. A empresa era considerada uma das principais empresas brasileiras do setor por Pedro Passos e acrescentou uma relevante bagagem de pesquisas relacionadas às propriedades de plantas da flora brasileira. O laboratório carioca chegou até a publicar uma revista científica em português e espanhol na década de quarenta. A idéia da Natura era aproveitar as pesquisas realizadas com mais de 200 espécies para desenvolvimento de novos produtos. Eduardo Lupi, que foi selecionado para dirigir a Flora Medicinal, era também diretor de novos negócios da Natura. Pedro Passos afirmou conhecer a importância que a fitoterapia tinha na promoção da saúde. A compra e o processo de absorção da empresa foram acompanhados pela empresa de consultoria Booz Allen, que também forneceu um estudo do potencial do setor de atuação da Flora Medicinal para a Natura. À época, no Brasil, o segmento de fitoterápicos correspondia a 400 milhões dos 8 bilhões de dólares movimentados pelo setor farmacêutico. No ano da aquisição e dos altos investimentos que estavam sendo feitos para a construção do Espaço Natura, a empresa começava a apresentar uma queda na rentabilidade e na participação de mercado, perdendo a liderança em faturamento entre as empresas de cosméticos de venda direta. Apesar dos altos investimentos já realizados, a empresa aumentou ainda mais os desembolsos para levantar os negócios no exterior. Foram colocados anúncios em revistas na Argentina e na televisão com o slogan “La outra cara de la cosmética”. A meta de conquistar 15% dos consumidores de classe média do país vizinho foi compatível com as altas apostas no mercado externo feitas pela empresa. Alessandro Carlucci foi nomeado diretor geral da Natura Argentina e afirmou que as investidas realizadas até então foram ensaios que serviram para testar a receptividade do consumidor. Seriam investidos na difusão da marca no país, até o final de 2000, 8 milhões de dólares e mais 30 milhões de dólares seriam desembolsados até o final 2004. Embora a prioridade fosse 85 investimentos na Argentina, havia também planos para ampliar a base instalada no Chile. Em 1999, a empresa foi multada por não estar em conformidade com os padrões fixados pela Companhia de Tecnologia de Saneamento Básico de São Paulo para a Demanda Bioquímica de Oxigênio – DBO. A DBO é o parâmetro mais utilizado para medir o consumo de oxigênio na água. A Natura atentou para o tratamento de efluentes e planejou incorporar na sua nova fábrica, em Cajamar, uma estação para tratamento e reciclagem de água. A Natura, após a aquisição da Flora Medicinal, começa a integrar de forma mais intensa alguns ingredientes da flora brasileira na composição de seus produtos. O conhecimento adquirido pela empresa, aliado à capacidade de lançar novos produtos distribuindo-os rapidamente no mercado, era um diferencial competitivo que a empresa possuía. Dessa forma, a Natura foi capaz de lançar a linha Ekos, que introduziu produtos de matérias-primas oriundas do Brasil. Os dirigentes da empresa comumente alegavam em seus discursos que a referida linha fazia da Natura uma pioneira da utilização da Flora brasileira como plataforma de desenvolvimento de produtos de beleza. Apesar de concorrentes como O Boticário afirmarem que várias empresas já usavam os ingredientes da linha Ekos e das empresas estrangeiras The Body Shop e Yves Rocher já fazerem pesquisas na floresta amazônica desde a década de 80, a linha Ekos expôs o seu conceito de forma inovadora. Os seus pilares de posicionamento eram a utilização da biodiversidade brasileira, a sustentabilidade ambiental e social e o aproveitamento das tradições populares. Eles deveriam ser incorporados em todas as atividades envolvendo os produtos da linha, que iam desde a seleção de matérias-primas até o veículo de comunicação utilizado para promover os produtos. Apesar de a linha ter sido viabilizada com a aquisição do laboratório carioca, desde o início de 1999 a empresa já idealizava o seu lançamento. Um comitê de colaboradores foi à Nova York formular as premissas do projeto e eles já haviam definido os pilares da linha Ekos antes da compra da Flora Medicinal se concretizar. O nome veio depois e tentou simbolizar o conceito da linha. Ekos remete à palavra “echos” do latim, que significa ressonância, à 86 palavra “oikos” do grego que significa a “nossa casa” e a palavra ekó do tupiguarani, que é sinônimo de vida. A linha Ekos foi importante para a companhia porque fez com que algumas de suas diretrizes fossem extrapoladas para toda a empresa. No final do ano, foi estipulada a meta de inserção dos direitos dos índios nos próximos contratos da empresa. Somente após o desenvolvimento da linha, a empresa começou a apoiar estudos especializados nos povos nativos do Brasil. Os ativos que estavam sendo certificados para compor as matérias-primas dos produtos da Ekos também influenciaram para que a Natura iniciasse um programa geral de certificação de ativos. A meta, que estava presente inicialmente apenas na nova linha, também seria aplicada gradativamente a todos os componentes naturais da organização. O processo de certificação de ativos, iniciado em 2000, era longo, principalmente porque não havia trabalhos semelhantes no Brasil. Garantir que os ativos seriam extraídos da natureza de forma ambientalmente correta e socialmente justa era complicado e a intenção era seguir os princípios do Forest Stewardship Council e do Conservation Agriculture Network. Ao longo do ano 2000, foi estruturado dentro da empresa o Sistema Gerenciamento da Satisfação do Cliente Interno – GSCI. O GSCI coletava informações de funcionários que possuíam alguma crítica ou sugestão para melhorar as condições e o ambiente de trabalho na Natura. A empresa, que já fazia pesquisas para mensurar o clima organizacional, sentiu uma necessidade maior de cadastrar e acompanhar as informações sobre o nível de satisfação dos funcionários. As questões levantadas eram analisadas em grupos de GSCI, cujos integrantes eram representantes de diversas áreas em conjunto com profissionais de RH. Também na linha de comunicação com o público interno, a empresa investiu quinze milhões de reais para inaugurar um portal de relacionamento com as consultoras pela internet. Foi incorporado, entre as metas da companhia, que o site deveria ser utilizado para realizar a maioria dos pedidos das consultoras e que não deveria ser um canal de vendas concorrente da venda direta. Apesar de pressões para utilizar o portal como canal de vendas alternativo, a Natura manteve sua posição de realizar as vendas no Brasil apenas por meio das consultoras. 87 Após o início do programa de trainee, a organização diminuiu muito o número de contratações em nível gerencial. O programa para captação de talentos dobrou o número de participantes no ano 2000. A Natura foi a primeira empresa a preencher todos os indicadores do Global Report Iniciative – GRI no Brasil. A Natura já tinha ajudado a difundir as idéias do Instituto Ethos e agora participava do relatório de responsabilidade social mais aceito no mundo antes de todas as outras empresas brasileiras. Juntamente com 29 empresas estrangeiras, a Natura atendeu aos 95 indicadores do GRI, levando quase um ano para coletar todas as informações necessárias para completar o relatório. De acordo com Pedro Passos, esse era um importante passo para permitir que a empresa expandisse sua zona de atuação internacional para fora do continente latino-americano. Na opinião de Guilherme Peirão Leal, os resultados estavam muito longe das metas traçadas e o processo de internacionalização da empresa deveria considerar táticas diferentes. Estava sendo considerada a utilização de linhas de produtos diferentes das normalmente utilizadas pela empresa no Brasil. A idéia era vender apenas a linha Ekos, comercializando-a em lojas. Esperava-se que o Espaço Natura em Cajamar fosse capaz de suportar toda a demanda por produtos, chegando a produzir 300 milhões de produtos por ano. Em 2000, a empresa produziu 81 milhões de unidades. Em 2001, a Natura já possuía como seu cartão de visita a Responsabilidade Social. O manejo adequado das reservas naturais em regiões amazônicas, a linha Ekos, o programa Crer Para Ver e a forte utilização dos produtos com refil foram os principais instrumentos que ajudaram a firma a construir essa imagem. Rodolfo Guittila, diretor de assuntos corporativos, realizou no ano uma pesquisa para saber o quanto o comprometimento da empresa com a preservação do meio ambiente afetava os consumidores da marca Natura. Foi verificado que 63% dos homens e 75% das mulheres acreditavam que o atributo “Socialmente Responsável” era tão, ou mais importante que a tecnologia empregada nos produtos. Apesar do resultado, o diretor afirmava que o impacto dessas práticas nas vendas ainda era pequeno. O Espaço Natura, inaugurado no início do ano, contribuía para imagem da Natura de empresa socialmente responsável. Além de a obra ter sido reconhecida como um projeto ambientalmente responsável pelos sistemas de 88 economia de energia e tratamento de água, a nova fábrica possuía centros de treinamentos, uma creche estruturada, academia e várias áreas de integração planejadas para aumentar a qualidade de vida dos colaboradores no trabalho. A unidade de Cajamar possuía 18 prédios ocupando 77.000 m². Ela abrangia parte da produção, armazenagem, mas não incluía todas as atividades corporativas. O departamento financeiro ficava em uma unidade em Alfa Ville e muitos dos testes e pesquisas para desenvolvimento de novos produtos continuaram sendo feitos em Itapecerica da Serra. O Espaço Natura é visitado por grupos de várias instituições educacionais de diversas áreas de conhecimento e possui dois grupos de visitas guiadas por dia. Além de visitarem o centro de armazenagem, que foi considerado o mais moderno construído no Brasil, e as Centrais de Tratamento de Efluentes, os visitantes se deparam com uma bela fábrica, que parece um campus universitário. Os funcionários também exaltavam a beleza do complexo e viam no aspecto das instalações da empresa um atributo que agregava muito à qualidade do trabalho. A Natura inaugurou um departamento exclusivo para relacionar-se com o meio acadêmico, que dá assessoria a pesquisadores e professores interessados em escrever trabalhos acadêmicos sobre a empresa. Outro canal de relacionamento desenvolvido em 2001 foi o Portal Natura. Inicialmente, o portal serviu para estabelecer comunicação com as consultoras, com a imprensa, com os clientes, com os colaboradores e com profissionais do ramo. O site já no primeiro ano ganhou o prêmio do Ibest nas categorias de Higiene e Beleza. A expectativa era de reduzir os custos com os pedidos das consultoras em até 20% e acelerar a comunicação entre elas e a empresa. Como o ciclo dos produtos era de 21 dias, era desafiante mantê-las atualizadas. A internet também facilita o processo de treinamento corporativo e comunicação com alguns investidores. O BNDES, que havia emprestado metade do valor gasto no novo complexo industrial da empresa, havia estipulado contratualmente com a Natura que ela deveria abrir o capital até 2004. Parte do valor do empréstimo seria pago em ações da própria companhia. Analistas repararam que a Natura havia perdido lucratividade nos últimos anos. Especula-se que isso seria consequência dos altos custos de administrar as novas expansões. A dívida líquida sobre o patrimônio líquido da 89 empresa subiu três anos consecutivos, triplicando seu valor. O indicador que era de 39,3% foi para 95% em 2000 e chegou a 128% em 2001. Guilherme Leal afirmava que, ao não entender a contribuição que uma empresa poderia dar para a sociedade, ela estaria perdendo várias oportunidades de entregar valor aos seus consumidores. Isso fazia parte do discurso Socialmente Responsável dos líderes da empresa. Apesar desse discurso e da iniciativa do processo de certificação de seus ativos, a empresa cometeu uma falha grave em 2001. A Natura utilizou a Imbuia para fabricar a embalagem de um mix de produtos. Essa árvore é uma madeira nobre e rara e, apesar da empresa fornecedora estar devidamente registrada, ela não tinha como garantir a certificação do lote comprado pela Natura. O erro foi alertado por uma bióloga de Porto Alegre pelo canal de relacionamento com o consumidor. A Natura, para reparar o erro, procurou uma ONG de preservação das matas nativas e doou 65 milhões de reais. O valor foi calculado com base no lucro oriundo da vendas dos produtos que utilizavam as embalagens. Rodolfo Guitilla, diretor de assuntos corporativos, afirmou que a empresa, além de fazer a doação, também replantou o dobro de mata nativa que foi utilizado para a produção das embalagens. Esse fato teve pouco impacto na imagem da empresa, que começou um forte programa de controle de desperdícios. Além disso, o combustível utilizado nos caminhões que entregavam os produtos da empresa também passou a ter seu impacto ambiental considerado. O gás utilizado na refrigeração dos ares condicionados passou a ser o r134a, que é menos danoso à natureza, à base de água e que não causa impacto na camada de ozônio. A Natura nunca utilizou o CFC em seus produtos e, desde o início, já optava pelo butanopropano como propelente no desodorante aerosol. O projeto Crer para Ver, que ainda era o principal investimento social privado da empresa, fechou o ano de 2001 com um resultado pior que o de 2000. Foram investidos no Programa aproximadamente um milhão de reais para uma arrecadação de 780 mil reais. Em 2000, haviam sido investidos 346 mil reais e a arrecadação foi de 1,05 milhões de reais. Apesar das iniciativas e esforços, outros indicadores também pioraram. O número de processos jurídicos e administrativos abertos contra a empresa aumentou. 90 Em dois anos, desde 1999, quando a empresa ganhou pelo segundo ano consecutivo a melhor empresa do setor de perfumaria e cosméticos, a Natura se engajou em quatro projetos ambientais4 e seis novos projetos sociais5. A Natura também investia em outros projetos de que não participava ativamente, apoiando ações sociais (1,5 milhões de reais) e ambientais (500 mil reais). De acordo com o Alessandro Carlucci, um grande desafio da empresa era fazer com que a regulação das práticas sustentáveis se estruturasse. Nesse sentido, a empresa sempre auxiliava na promoção de palestras e na difusão de conhecimento sobre o tema de responsabilidade social e ambiental. Ao iniciar um programa estruturado de certificação de ativos da flora brasileira, a Natura teve que recorrer a órgãos externos, pois no Brasil não havia legislação que regulasse ou pelo menos legitimasse as atividades que a empresa começou a realizar. Esse fato tornava o processo mais lento e impossibilitava que uma certificação mais completa fosse desenvolvida. Nesse sentido, a companhia participava ativamente de diversos órgãos que influenciavam a regulação e disseminavam a informação sobre a biodiversidade brasileira. Eram ao todo 20 órgãos variados, nos quais presidentes, diretores e vice- presidentes atuavam representando os interesses das empresas. Dentro das participações mais notáveis estavam atuações na Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei), no Compromisso Empresarial para a Reciclagem (Cempre), no Instituto Ethos e a Fundação Dom Cabral (FDC). De acordo com Eduardo Lupi, diretor de tecnologia, a intenção da empresa era participar da formulação de diretrizes de órgãos que interessavam à empresa. Desenvolver a regulação brasileira e estruturá-la para o modelo de negócios sustentável que ela pretendia adotar faziam parte das iniciativas da Natura. A maioria das notícias envolvendo a Natura possuía alguma relação com Responsabilidade Social. Apesar das várias iniciativas, ainda era necessário dar coerência a todos os esforços que a empresa vinha fazendo nesse âmbito. Além disso, a empresa não tinha incluído em seu ciclo de planejamento as 4 Projeto Canguçu, Projeto Biodiversidade Brasil, Projeto Educação e Recuperação Ambiental da Mata Atlântica, Projeto Pomar. 5 Barracões culturais da Cidadania, Programa Cidadão em Movimento, Programa Natura Educação, Contadores de História, campanha na Trilha da Leitura, campanha Mudando o Cenário em Canudos. 91 questões relacionadas à sustentabilidade. Pedro Passos e Guilherme Leal se importavam com a implantação dos projetos e das ferramentas gerenciais ligadas à responsabilidade social e ambiental. A estrutura ligada à gestão da sustentabilidade cresceu muito a partir de 2002. Antes eram apenas coordenações isoladas para os projetos e para as relações com a comunidade local em Cajamar. O tema responsabilidade social passou a ser debatido em um fórum de discussão criado pela empresa chamado “Comitê de Sustentabilidade”. Este comitê, que definia as metas e levantava discussões sobre o tema, tinha como participantes os diretores da empresa e as partes envolvidas nas pautas em questão. Os próprios donos da empresa apoiavam as idéias ligadas à RSC naturalmente, o que tornava relativamente fácil para as respectivas iniciativas serem consideradas seriamente. Além disso, outro aspecto que impulsionava as decisões relativas a essas questões, era que ações voltadas para sustentabilidade se alinhavam facilmente à razão de ser da empresa. Os programas sociais começaram a ganhar metas. O Projeto da Biodiversidade Brasil, que tinha como objetivo estimular o diálogo sobre temas que envolviam a biodiversidade brasileira, possuía como meta a produção de 12 debates e a cobertura ampla da Semana Mundial do Meio Ambiente e do Rio Eco 2002. O Programa Natura Educação estabeleceu o número de auxílios à educação que seriam oferecidos aos colaboradores. A Natura era referência em seus projetos sociais pela forma com que a empresa divulgava essas informações. Tudo era devidamente relacionado em seus relatórios sociais e relatórios anuais. Internamente, muita coisa ainda era desorganizada. De acordo com Alessandro Carlucci, essa decisão de divulgar essas informações foi tomada partindo do pressuposto que, se a empresa quisesse ser parte da sociedade, deveria ser transparente. Ao assumir este pressuposto a empresa teve que revelar informações para seus concorrentes. Com isso, seriam divulgados os resultados da empresa e algumas das intenções de investimento. Apesar do esforço de transmitir uma imagem sustentável para seus clientes, a empresa ainda tinha como sua maior preocupação para estimular as vendas o lançamento de novos produtos. Neste período, o departamento de tecnologia realizou uma pesquisa com as consultoras e levantou que, em 92 média, elas tinham conhecimento de apenas 40% dos produtos do portfólio. A Natura estabeleceu a meta de aumentar o treinamento das consultoras. Em 2003, foram incrementados tanto o número de consultoras treinadas quanto o total em treinamento gasto por consultora. Com o compromisso de abrir o capital em 2004, a Natura iniciou no ano anterior o processo de reestruturação societária. Anísio Pinotti, Romuel Macedo, Luiz Seabra, Pedro Passos e Guilherme Leal estruturaram todas as empresas do grupo da Natura Cosméticos S.A. Antes da reestruturação, a relação das diversas empresas controladas pelo grupo era diferente e a Natura Participações, empresa dividida entre os cinco sócios, era a controladora e proprietária. Os quadros com a estrutura societária da empresa estão disponíveis no Anexo A. Após a reconfiguração, a Natura participações foi distribuída entre cinco empresas, cujos antigos sócios eram os proprietários. A estrutura ficou mais clara e a companhia, que desde 2000 já publicava relatórios anuais, estava pronta para abrir o seu capital como acordado em 1999 com o BNDES, financiador do investimento em Cajamar. Muitas empresas que faziam parte do grupo estavam em processo de liquidação. Entre elas, merecem destaques as representações internacionais no Uruguai, na Venezuela, na Colômbia, no México e em Portugal. Apesar da liquidação das empresas, a empresa não deixou de operar nestes países. As filiais internacionais foram modificadas e apenas Portugal perderia sua filial definitivamente. As empresas da Colômbia e da Venezuela continuariam existindo inativas. A filial da empresa em Portugal não seria mais a representação da Natura na Europa. Foi aberta uma filial em Paris, Chamada Natura Europa, que serviria para introduzir o produto da empresa brasileira no continente e entender os hábitos dos consumidores franceses, considerados os mais exigentes do mundo em relação a cosméticos e produtos de higiene e beleza. A loja em Paris estava prevista para ser aberta em setembro de 2004. Em 2003, Eduardo Lupi afirmou que as classes C e D eram as que mais impactavam a Natura, especialmente pelo volume de vendas. A Natura também descobriu no nordeste um mercado promissor para seus produtos de perfumaria. Setenta por cento dos produtos vendidos para a região eram itens 93 de perfumaria. Os lucros da empresa aumentaram muito em 2003, sendo grande parte usada para quitar as dívidas contraídas para suportar os investimentos. O Gráfico 4.3 mostra a diminuição da dívida da empresa no período de 2001 a 2003. Gráfico 4.4 – Endividamento da Natura 2001-2003 160.000 140.000 R$(mil) 120.000 100.000 80.000 60.000 40.000 20.000 0 2001 2002 2003 Anos Empréstimos e financiamentos de longo prazo Empréstimos e financiamentos de curto prazo Fonte: Relatório Anual da Natura 2003 A Natura, que foi pioneira na publicação do relatório social e do GRI, deixou de publicar em canais exclusivos voltados para a divulgação de informações de RSC e passou a incluir em seu relatório anual, que publicava desde 2000, todas as informações acerca do tema. Além disso, esses relatórios publicados pela Natura, que ainda não possuía ações negociadas na Bovespa, já cumpriam todas as exigências da Companhia de Valores Mobiliários para as empresas abertas. No ano do IPO os porta-vozes da empresa alegavam em seus discursos que a abertura de capital não estava sendo motivada pela busca de recursos. O Principal argumento era a que a Natura queria ser uma empresa que fazia parte da sociedade se tornando mais transparente. O argumento utilizado não corroborava com o fato de a oferta de ações da companhia ter sido acordada no final da década passada, quando a Natura buscou empréstimo com o BNDES para iniciar as obras em Cajamar. De acordo com os líderes da empresa, o compromisso com a transparência da empresa estava refletido no fato de a empresa ter ingressado no Novo Mercado. Dessa forma, ela teria que praticar os padrões mais 94 elevados de Governança Corporativa e garantir aos investidores, especialmente os minoritários, maiores direitos que os usualmente praticados. Vinte e seis de maio de 2004 foi o primeiro dia de negociações das ações na empresa na Bovespa. A ação valorizou mais de 15% no primeiro dia e continuou subindo ao longo do primeiro mês. Foram arrecadados com a oferta púbica mais de 750 milhões de reais. Em 2004, a Natura empatou tecnicamente com a Avon na disputa “Top of Mind” na categoria produtos e cremes de beleza. Esse prêmio era inédito para empresa. Alessandro Carlucci afirmava que a marca possuía sua imagem relacionada com cinco atributos. Eram eles: Inovação, Qualidade, Beleza, Transparência e Sustentabilidade. A Natura utilizava apenas metade do número de vendedoras da Avon e acreditava que o resultado relativamente melhor era oriundo do suporte fornecido às suas Consultoras. A empresa terminou 2004 com 366 mil consultoras e 2005 com 391 mil consultoras. A Natura, apesar de ter ingressado no novo mercado, ainda possuía 61,92% do capital votante sob controle dos três principais donos. Luiz, Leal e Pedro ainda mandavam nas decisões da empresa, mas pretendiam se afastar aos poucos. O desempenho das ações da companhia foi muito influenciado pelos resultados positivos nos anos 2002 e 2003, pela capacidade demonstrada de geração de caixa e pela redução substancial da grande dívida contraída. No entanto, a transparência da Natura foi questionada pelo fato de a empresa não ter apresentado os lucros auferidos no final da década de 90. De acordo com analistas, isso não condizia com o discurso de transparência da empresa. Além disso, foi especulado que o motivo para a não divulgação desses dados eram os resultados. Em 2005, a empresa articula as metas sociais ao desempenho de empresa incluindo-os no ciclo de planejamento empresarial. Apesar disso e do prestígio do comitê de sustentabilidade, funcionários ligados à responsabilidade social reclamavam que faltavam verbas para a promoção dos projetos. Apesar dos vários projetos, a empresa não conseguia implantar iniciativas como as que visavam a conectar as consultoras às cooperativas de reciclagem. Os empregados da empresa eram doutrinados em prol da Responsabilidade Social. 95 Acreditava-se que era extremamente importante se adaptar à realidade da empresa e que pessoas incrédulas nos objetivos sociais e ambientais da empresa não permaneceriam muito tempo em seus empregos na Natura6. A implantação das metas sociais e do grande número de projetos sociais só era possível pela pré-disposição que os funcionários tinham em relação a essas iniciativas. Era difícil aceitar que os bônus ao final do ano poderiam não ser concedidos se a empresa não batesse as metas de redução de emissões de carbono. Mesmo contratando funcionários mais conscientes, a Natura ainda enfrentava desperdícios. Assim, implantou um sistema rigoroso de desperdício no refeitório no início de 2006. Essas metas faziam parte do programa de redução de desperdício estabelecido pela empresa. Além disso, era um desafio para quem não estivesse acostumado ao modo de trabalhar na empresa, participar das discussões. Ao discutir-se um projeto, era comum levantar as perguntas como “o que as consultoras vão achar”, ou “o que a comunidade local em Cajamar vai pensar”. Isso era refletido e fugia do modelo mais usual de análise de investimentos. Existiam comitês para discussões sobre vários assuntos, que auxiliavam a empresa na busca pela coerência. A presença dos comitês, que analisavam cada aspecto de uma decisão, impedia que a empresa respondesse de rapidamente a algumas mudanças no ambiente externo. Essa lentidão na tomada de decisão, que fazia parte da forma de atuar da Natura, começou a causar conflitos na empresa. As decisões que passavam por várias instâncias demandavam habilidades políticas dos interessados. Eles tinham a possibilidade de procurar as pessoas responsáveis pelas deliberações, uma vez que todos eram acessíveis dentro da empresa. Muitas das metas eram discutidas entre os chefes e seus subordinados antes de serem traçadas. Em 2005, a Natura implantou a primeira fábrica fora do estado de São Paulo, no município de Benevides no Pará. O município foi escolhido por suas potencialidades naturais e abrigou uma unidade especializada na produção de sabonetes. A fábrica beneficiaria mais de 2500 famílias da região. 6 Em uma das entrevistas, foi relatado que pessoas que não compartilhavam da postura socialmente responsável da empresa não conseguiam permanecer. 96 Na Natura, ainda não eram discutidas as emissões de carbono nos transportes da empresa. Além disso, não eram todas as áreas que tinham preocupações diretas com a sustentabilidade. Apesar de faltar considerar alguns aspectos de algumas áreas, a Natura aparecia cada vez mais na mídia como empresa com atitude sócio ambientalmente responsável. Essa imagem atraía candidatos ao processo de trainee da empresa, que por sua vez fazia com que a empresa contratasse funcionários interessados em causas ambientais e sociais. 4.2 O Boticário A história do Boticário se iniciou em 22 de março 1977. Miguel Gellert Krigsner e Eliane Nadalin, recém formados em bioquímica pela Universidade Federal do Paraná abriram na rua Saldanha Marinho, no Centro de Curitiba, uma farmácia de manipulação. A idéia dos dois bioquímicos era de fundar uma farmácia que desenvolvesse produtos sob medida, adequados aos seus clientes. Os recém formados entendiam que não havia farmácias com essa proposta na cidade de Curitiba e, dessa forma, poderiam atrair um grande número de clientes. Antes de abrir a farmácia, Miguel procurou dois médicos especializados em dermatologia que aceitaram indicar o Boticário a seus pacientes. O Dr. José Shweidson Filho e o Dr. Wilhem Baumeier entraram na sociedade e garantiram que seus clientes iriam procurar o novo empreendimento. O nome Boticário não existia na época e a pequena farmácia era chamada de Botica Comercial e Farmacêutica. Quase todo o capital investido, que na época era equivalente a três mil dólares, foi utilizado para estruturar e decorar o laboratório. Havia poltronas acolchoadas no estabelecimento com intenção de manter o cliente confortável enquanto ele esperava por seus produtos ou para ser atendido. Apesar de ser apenas um recém formado ingressando em seu campo de trabalho, Miguel Krigsner já tinha experiência com vendas, pois era filho de comerciante. Os pais do Bioquímico fugiram dos horrores de Hitler e se conheceram na Bolívia. Mudaram para Curitiba e começaram vida nova. Após perder a mãe, Miguel teve que ajudar seu pai no pequeno comércio que 97 haviam montado com o dinheiro da venda de todos bens que possuíam na Bolívia. Miguel tinha apenas 12 anos quando começou a ajudar seu pai em seu negócio. Ele não era um rapaz muito estudioso e, após tentar duas vezes o vestibular para medicina, ele acabou desistindo e passando para Bioquímica. Mesmo com uma demanda garantida para os produtos encomendados, a Botica, que se dizia a primeira farmácia exclusiva de manipulação de Curitiba, funcionava com tempo ocioso. Dessa forma, os dois sócios bioquímicos começaram a desenvolver produtos de beleza. A estrutura da farmácia se adaptou um pouco para acomodar em prateleiras xampus e cremes de tratamento de pele, que eram preparados pelos donos da farmácia de manipulação em seu tempo livre. Era esperado que os clientes que aguardavam os produtos receitados experimentassem e fossem aos poucos conhecendo os produtos, contribuindo na receita do pequeno empreendimento. Inicialmente, foram apresentados aos públicos, dois produtos. Miguel e Eliana pretendiam testar a aceitação de seus clientes. Por serem aviadas apenas 20 receitas por dia, sobrava tempo para dedicar no desenvolvimento de novos produtos. Os cosméticos desenvolvidos eram feitos artesanalmente à base de produtos naturais, fato que contribuía para atrair consumidores. Nos últimos anos da década de 70, muito se falava sobre a natureza e sobre os produtos naturais. O Boticário foi, aos poucos, aumentando a produção. Quando começou a produzir os produtos de prateleira, a loja ainda não possuía uma estrutura preparada para produzir em maior escala. O espaço era adaptado para produzir sob encomenda e as poltronas acolchoadas e a música ambiente não eram usuais para lojas de cosméticos tradicionais. Isso chamava atenção da clientela. Logo no primeiro ano, já se percebia que o desenvolvimento de cosméticos de qualidade era mais promissor que o aviamento de produtos dermatológicos manipulados. O nome do empreendimento que era conhecido por Botica Comercial e Farmácia, logo deu lugar ao nome escrito nos rótulos dos produtos e, assim, a marca Boticário foi aos poucos sendo usada como o nome fantasia da nova empresa. No primeiro ano, o faturamento da empresa foi aproximadamente US$ 3004,00 dólares, mais do que o total investido nas instalações. 98 A idéia para o nome foi dado pelo Dr. Wilhelm que, apesar da participação discreta na sociedade, apoiava as iniciativas e filosofias de trabalho empregadas por Eliane e Miguel. Ele acreditava nos jovens recém formados, mas dedicava quase todo seu tempo à sua clínica de tratamento de pele e suas pesquisas na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Paraná. Em 1978, o posicionamento do Boticário era totalmente diferente. Os quatros sócios concordaram em dedicar quase que exclusivamente à comercialização e desenvolvimento de cosméticos. No ano de 1978 foram desenvolvidos mais de sessenta novos produtos. Entre os vários cremes de beleza e cabelo, eram encontrados poucos itens exclusivos de perfumaria. Os pioneiros eram o Creme de Algas, o Xampu de Algas, o Creme hidratante à base de colágeno e queratina e o bronzeador à base de óleo e cenoura. Os rótulos eram cuidadosamente elaborados com textos escritos em máquinas de escrever e os produtos eram colocados à venda em embalagens de plástico. A idéia que norteava a criação dos produtos era que os cosméticos deveriam ser adaptados às condições climáticas brasileiras e, principalmente, ao gosto do consumidor brasileiro. Acreditava-se que quase todas as opções de produtos de beleza, por serem importadas, não consideravam as características dos consumidores locais. No final do ano, Miguel foi a São Paulo comprar algumas fragrâncias que seriam usadas nos produtos da empresa. Na sede da Dragoco, o fundador do Boticário obteve a informação que uma empresa de perfumaria e cosméticos estava sendo desativada precocemente. A empresa, que lançaria a marca Chanson, seria aberta por Silvio Santos, mas nem chegou a funcionar. Miguel Krigsner viu oportunidade de adquirir a preços mais baratos uma série de insumos que poderiam ser usados no Boticário. Visitando o depósito onde se encontravam os espólios da Chanson, Miguel se deparou com um estoque de 70 mil frascos em formato de ânfora. O estoque foi negociado por Miguel por U$ 45 mil dólares. Apesar do preço extremamente alto, foram conseguidas boas condições de pagamento. Miguel assinou algumas promissórias e despachou os frascos para Curitiba. Miguel imaginava que, caso algo desse errado, ele poderia sempre devolver os frascos e, por causa do acordo feito, o prejuízo não seria muito grande. 99 Além do desafio de ter que produzir o conteúdo dos frascos, era complicado armazenar todas as caixas com os vidros nas instalações da Rua Saldanha Marinho. O Boticário se viu obrigado a direcionar sua produção para os itens de perfumaria, sendo esta a única possibilidade para preenchimento dos novos recipientes. Ainda não havia no Boticário nenhum equipamento ou material para produção dos perfumes. Tiveram que ser usados, como compartimento para preparação dos perfumes, grandes jarras de vidro que a tia de Miguel utilizava para fazer vinhos. Após destinar grande parte da receita para pagar as pequenas ânforas, Miguel teria que economizar em outros investimentos. Era necessária alguma criatividade no processo produtivo. Sem capacidade de investir em produção, além dos garrafões emprestados pela tia de Miguel, poderiam ser vistos na empresa equipamentos como batedeiras de bolo e liquidificadores. Muitas das matérias-primas que o Boticário utilizava para produzir seus produtos eram vendidas em lotes maiores que a necessidade da empresa. Dessa forma, era comum que os insumos fossem entregues apenas como amostras. O produto Aqua Fresca, principal produto da empresa até os dias atuais, foi desenvolvido nesta época. A Fragrância foi criação do perfumista Joaquim Crispim da Dragoco. Esse produto era comercializado nos frascos adquiridos e, por fazer sucesso junto aos consumidores, as dívidas contraídas facilmente seriam quitadas. O Boticário estabeleceu uma parceria com a empresa de fragrâncias, adquirindo várias essências e know how, que seriam utilizados em seus produtos. O Boticário comprava essências mais caras, que raramente era vendida para grandes indústrias. Isso permita que fossem adquiridos pequenos lotes de cada vez. Logo após a compra dos frascos, ainda antes do Boticário completar dois anos de existência, os demais sócios foram surpreendidos novamente por Miguel. O jovem de 28, voltando de outra viagem a São Paulo, negociou um ponto no novo Aeroporto Afonso Pena. Como não haviam muitas lojas ainda instaladas no local, Miguel conseguiu um bom ponto, com alto fluxo de pessoas, em condições bem favoráveis. Acredita-se que o Aeroporto de Afonso Pena somente aceitou receber uma Loja do Boticário porque foi uma das primeiras a se instalar. O lugar 100 estava, na verdade, reservado para o funcionamento de uma farmácia, mas quem ganhou a licitação foi o Boticário, pois a demanda de outros interessados foi muito baixa. Miguel conseguiu acordo com os administradores do aeroporto para colocar alguns produtos farmacêuticos à venda. Miguel tinha a percepção de que, nesse ponto de venda seriam vendidos apenas trinta produtos farmacêuticos diferentes, permitindo que o Boticário se instalasse no lugar. O segundo ponto de venda se mostrou promissor logo no início. Os viajantes que esperavam por seus vôos, por ficarem transitando sem pressa no aeroporto, sempre se dirigiam à loja. Os produtos, por serem novidades, eram uma boa opção para presente para quem estava indo ou voltando de viagem. Outro fato que auxiliava a imagem dos produtos do Boticário era o extremo cuidado com a apresentação e com o preço dos mesmos. Era uma preocupação impedir que os produtos da empresa fossem identificados como produtos ineficazes, principalmente por lidar com produtos e ingredientes naturais e brasileiros. No final de 1979 o Boticário considerou migrar para o sistema de vendas por meio de revendedoras, comum nos cosméticos, mas, de acordo com o fundador, isso não fortaleceria a marca, pois as revendedoras não seriam exclusivas. O sucesso com as vendas nesse ano também foi um fator que influenciou a decisão do Boticário de manter o canal de vendas por meio de lojas. Observando os clientes que iam até as lojas, foi constatado que, em 1979, foram atendidos mais de 1000 pedidos de produtos de pessoas que haviam tido contato por meio de pessoas que passaram pelo Aeroporto. Muitos funcionários das companhias aéreas eram clientes cativos da marca. Com um grande número de vendas realizadas na loja do aeroporto, as pessoas de outras cidades e estados começaram a ter contato com os produtos do Boticário. Muitas dessas pessoas chegaram a encomendar os produtos para quem estava de passagem por Curitiba. Apareciam também pessoas que compravam em grandes quantidades para revender os produtos com alguma margem. Nessa época, Eliane Nadalin abandonou a sociedade. A fundadora vendeu sua parte no empreendimento para Miguel Krigsner por um valor que daria para comprar um bom apartamento em Curitiba. 101 O primeiro interessado em revender os produtos da marca O Boticário apareceu no início de 1980. José Antônio Ramalho negociou com o Dr. Miguel um lote de produtos que seriam levados para Brasília para serem revendido por sua cunhada. A cunhada, Laura Oliveira, era bem relacionada e vendeu os produtos do primeiro lote gerando mais pedidos para a fábrica da Saldanha Marinho. A rede de relacionamentos da cunhada permitiu a José Antonio acabar, rapidamente, com o estoque de produtos comprado. Depois disso, Antônio Ramalho abriu com sua mulher uma empresa chamada Natureza Comércio e Representações de Produtos Naturais que venderia os produtos da marca O Boticário. Essa, que foi a primeira loja a revender os produtos da companhia originária de Curitiba, foi fundada em quatro de julho de 1980. A marca começou a ser procurada por outras pessoas e Miguel foi construindo aos poucos uma rede de parceiros que revendiam seus produtos. Não havia critérios que restringiam os interessados em revender os produtos em lojas próprias. A expansão não ocorreu de forma planejada e as parcerias não eram fomentadas pelo Boticário, que não tinha capacidade produtiva para atender uma rede de lojas. A lojas atuavam com seus nomes próprios e não eram exclusivamente dedicadas à venda de produtos do Boticário. O Boticário aceitou produzir uma linha que seria comercializada pela Mesbla, chamada Gotas da Natureza. Ela seria vendida sem relação com a marca Boticário. Com a produção crescendo, a farmácia de manipulação, que havia virado loja, já era uma fábrica. Era reconhecido que a unidade produtiva, em um prédio no centro da cidade de Curitiba, era um local de alto risco que não comportava toda a produção realizada. Um acidente grave poderia ter facilmente acontecido. Ciente desse risco, Miguel resolveu abrir uma fábrica em São José dos Pinhais, onde os valores imobiliários eram muito mais baratos que em Curitiba e havia espaço considerável para aumentar a capacidade produtiva. Miguel Krisgner optou por comprar uma chácara de 36 mil metros quadrados, anunciada por meio de uma plaqueta de venda. Ela pertencia a Estefano Letenski, que criava galinhas, patos e carneiros no lugar. Após a proposta ter sido fechada, Miguel Letenski Neto, neto de Estefano e conhecido como 102 Miguelzinho, continuou cuidando do lugar até que as obras fossem iniciadas. Após o início das obras, ele iniciou o trabalho formal pela empresa como ajudante de obras. A Fábrica em São José dos Pinhais foi inaugurada em 1982, mantendo as instalações na Rua Saldanha Marinho. A produção era dividida e foi sendo transferida para a nova unidade produtiva, à medida que a estrutura do complexo fosse aumentando. O Boticário tinha 27 funcionários envolvidos na fabricação dos produtos, sendo que 17 deles foram transferidos do centro de Curitiba para a instalação recém construída. O Boticário não tinha como arcar com os investimentos necessários para iniciar as obras e Miguel ofereceu seu carro para o empreiteiro em troca de mão-de-obra. Os demais investimentos foram sendo pagos com os lucros da companhia, que eram quase que integralmente reinvestidos na expansão da empresa. A demanda pelos produtos da empresa só crescia. O número de lojas havia crescido substancialmente em 1981 e, em 1982, o ritmo de crescimento havia acelerado ainda mais. No final de 1982 já havia 180 lojas que disponibilizavam os produtos da empresa. Esse ritmo acelerado de crescimento fez com que Miguel deixasse de ajudar o pai em seu comércio e passasse a se dedicar exclusivamente a sua empresa. Sem muitos funcionários capacitados para auxiliá-lo na administração e preparação dos produtos e, como os dois sócios remanescentes não se dedicavam operacionalmente à companhia, Miguel contratou Eliane Nadalim para coordenar toda a parte de manipulação de medicamentos. Dessa forma, ele ficaria integralmente dedicado ao desenvolvimento de perfumes de prateleiras, até o final de 1982. Miguel precisava de funcionários para auxiliar na administração e contratou um novo diretor industrial que veio de São Paulo e se chamava Roberto Papov. Ele promoveu Solange Semes, que havia começado como estagiária de farmácia em 1980. A recém formada passou a ser encarregada do laboratório. Na montagem da nova fábrica, foram atualizados os equipamentos que eram impróprios para uma produção em maior escala. Em 1983, alguns dos primeiros revendedores passaram a ser distribuidores regionais, já que o número de lojas em várias áreas já justificava 103 a existência desse novo elo na cadeia de vendas. Era especialmente importante o trabalho desses distribuidores, pois não havia no Boticário uma estrutura de distribuição organizada para fazer seu produto chegar nas inúmeras lojas. O número de distribuidores aumentou para 90 em 1984. Eles vendiam o produto para outras lojistas, sacoleiras e os disponibilizavam em suas lojas. Muitas marcas próprias surgiram com os produtos do Boticário. Neste ano, um empresário levou os produtos da empresa para serem revendidos na Bolívia. A área de manipulação, sob a direção de Eliane Nadalin, antiga sócia, também estava crescendo. Desde que ela assumiu o controle dessa área do Boticário, o número de pedidos aviados por dia cresceu bastante. Além disso, Eliane iniciou o desenvolvimento de uma linha de chás naturais. Ela acompanhava o desenvolvimento das ervas desde o plantio até a preparação dos chás. Não existia técnica agrícola estabelecida no Brasil para o plantio de ervas medicinais. As embalagens dos chás também eram especialmente desenvolvidas e acompanhadas por Eliane. Nesta época, o sócio José Schweidson Filho desliga-se da sociedade. Miguel Krigners abre um processo judicial contra o Dr. Schweidson, alegando falta de intenção de sociedade. O processo foi longo e só acabou definitivamente em 1990. Com o Dr. Wilhelm ocupado em sua clínica, Miguel era o único dono ativo da empresa. Com a saída, Miguel passou a ter 63 por cento da empresa enquanto o médico remanescente mantinha em seu poder o resto das ações. A fábrica crescia e já eram produzidos 2,5 milhões de produtos por ano e eram mais de 400 lojas que vendiam os produtos da empresa. O ano de 1985 foi um ano marcante para a empresa, na opinião de Miguel. Tudo se iniciou com a contratação de uma consultoria, que auxiliou, em julho, na promoção da primeira convenção de lojistas da empresa para mudar o sistema de vendas de produtos. Miguel decidiu evitar que em suas lojas fossem comercializados produtos de outras marcas para fortalecer a marca O Boticário. Miguel forçou todos os lojistas a utilizarem o nome O Boticário em suas lojas. Além disso, ele estabeleceu condições de apresentação da loja iniciando o sistema de franquias. 104 Isso exigiu uma série de investimentos por parte dos interessados em manter suas lojas do Boticário. Eles deveriam seguir um padrão arquitetônico único. Para compensar os investimentos que os franqueados teriam que fazer, Miguel reduziu os preços de seus produtos permitindo que eles fossem vendidos com margens mais atrativas para os remanescentes. Apesar da utilização da marca nas lojas e da composição, Miguel não conseguiu fazer com que todos os franqueados se limitassem a vender os produtos do Boticário. Após essa decisão, o processo para o próprio Boticário abrir suas lojas ficou mais rápido. Além de outras lojas em Curitiba, foi aberta uma loja em Aracaju para entender o mercado nordestino. Também foram abertas lojas em Belo Horizonte, sede da L´aqua de Fiori, um dos principais concorrentes do Boticário na época e que já funcionava sob o sistema de franquias. No final do ano, a empresa abriu sua primeira loja fora do Brasil, após participar da Feira Internacional de Lisboa. Foi percebido que havia espaço para cosméticos naturais brasileiros. Nesta época, alguma pessoa oportunista chegou até a registrar a marca “O Boticário” em Portugal. Depois de comprar a marca O Boticário de volta por 50 mil dólares, Miguel teve que enfrentar o desafio de vender seus produtos em Portugal. As vendedoras portuguesas não eram tão ativas como as brasileiras e não ofereciam os produtos aos potenciais clientes. Isso, de acordo com Miguel, era extremamente importante porque os europeus davam pouca credibilidade aos produtos brasileiros desse setor. Miguel também afirmava não ter pressa de internacionalizar sua empresa. A primeira loja foi aberta em um shopping center de Lisboa e começou com um faturamento tímido de 20 mil dólares por mês. Para montagem do ponto fixo de venda, foram usados o restante dos produtos apresentados e vendidos no estande do Boticário na feira. Miguel considerava o faturamento normal por se tratar dos primeiros três meses de existência da marca no mercado externo. As lojas no Brasil lucravam o equivalente a esse valor. Em 1986, a empresa profissionalizou seu departamento de marketing. Antes a empresa estava sendo atendida pela agência Fischer, Justo & Young Rubicam de São Paulo, que possuía uma representação em Curitiba. O Boticário criou uma estrutura interna para coordenar as ações de propaganda, eventos e material promocional. Além disso, O Boticário abriu uma empresa de 105 comunicação, chamada B&K Propaganda, que se tornou a empresa responsável pela conta da empresa de Miguel. O acordo com a empresa de publicidade foi bem planejado pelo Boticário. A empresa obrigava cada franqueado a repassar 3,5% de seu faturamento para a Agência B&K. Os investimentos em propaganda alcançaram U$ 70 mil em 1986. O Boticário baseava toda a linha de 160 itens no conceito Natural do Brasil que também passou a ser o slogan utilizado pela marca após 1986. A marca era freqüentemente exposta em novelas de primeira linha no Brasil. Essa estratégia também auxiliou a divulgação da marca em Portugal, uma vez que muitas novelas brasileiras eram transmitidas no país. Quando a loja chegou a Portugal, ela já era conhecida pelas novelas. O faturamento em Portugal ainda era tímido e, com a abertura de uma segunda loja em Lisboa, ele aumentou para 50 mil dólares. A Natura, principal concorrente nacional na concepção de Miguel era, de acordo com a mesma, voltada para um público mais velho que estava interessado em cremes anti-sinais. O Boticário, mais forte nos itens de perfumaria, iniciou a exploração de dois mercados não muito usuais. Foi lançado o perfume Thaty em 1985 e o Styletto em 1986. O primeiro produto era adaptado para adolescentes e o segundo dedicado exclusivamente ao público masculino. Eles foram os primeiros perfumes exclusivos para esses segmentos desenvolvidos no Brasil. Além desses dois produtos, O Boticário desenvolveu um bronzeador à base de extrato de urucum. O urucum é uma planta originária da América do Sul, mais especificamente da região amazônica. Era comum a utilização da planta para a confecção de corantes de batons, mas suas propriedades nunca haviam sido utilizadas em outros tipos de cosméticos. Dois problemas afetaram muito a empresa em 1986. O primeiro acontecimento foi o congelamento dos preços dos produtos. O segundo foi a interrupção do fornecimento de algumas matérias-primas, que impediu que muitos produtos chegassem aos clientes para serem vendidos. O Boticário começou a aparecer nos jornais e revistas de todo o Brasil. Miguel Krigsner começava a dar entrevistas nas quais ele sempre falava dos hábitos do consumidor brasileiro. O público masculino e os produtos adaptados ao clima mais quente sempre eram mencionados. O Boticário realizava 106 pesquisas antes para lançar seus produtos. A empresa continuava utilizando as embalagens em forma de ânforas, que se tornou a marca registrada da empresa. O Boticário lançou, em 1987, o Algen Plus com um composto inovador que utiliza o Pentaglycan, com a proposta de regenerar as células. Boticário fez campanha de seu novo produto utilizando a novela "Cambalaxo" e utilizando uma embalagem especial. A promoção já fez com que fossem vendidas 100 mil unidades do Algen Plus, apesar do elevado preço de 340 cruzados. O Grupo era composto por cinco empresas: A Fábrica "Botica Comercial Farmacêutica", a Scorpius, que cuidava da parte administrativa e de marketing, a "Aerofarma Perfumaria", que cuidava das lojas de Curitiba, A Distribuidora La Paz, única que não funcionava também como franqueada, e a "B&K House, que era responsável pela propaganda institucional. A farmácia de manipulação continuava funcionando na Rua Saldanha Marinho. Os outros três andares também eram ocupados pelo Boticário. Lá ainda existia um escritório administrativo e o laboratório onde eram produzidos os produtos que seriam aviados. Em 1987, O Boticário já possuía mais de 1000 pontos de vendas só no Brasil. A milésima loja foi aberta pela própria companhia no centro de Curitiba. Somente neste ano, o Boticário começou a cobrar exclusividade dos lojistas. Com a exigência do Boticário, vários franqueados abandonaram a parceria reduzindo o número de lojas da empresa após o fim do ano. O contrato com o franqueado ficou bem mais rígido. O sistema de franchising da empresa começou a se profissionalizar. Eram feitos treinamentos padronizados por representantes da matriz para as atendentes das lojas. Foram estabelecidas normas de condutas, uniformes e manuais de procedimentos. Após essas mudanças, a empresa passou a ganhar papel de destaque entre as empresas de franquias do Brasil e era sempre lembrada em revistas de negócios como empresa modelo desta modalidade. O Boticário era freqüentemente procurado por ambientalistas para patrocinar eventos e campanhas ecológicas. Por ter utilizado o slogan de produtos naturais, muitas pessoas associavam a empresa a causas ambientais. Os pedidos de patrocínio eram todos negados. O Diretor de 107 Marketing alegava que os pedidos foram negados, pois O boticário não tinha expertise para se engajar em projetos de ambientais. Algumas pesquisas de mercado também ligavam o Boticário ao meio ambiente. No Boticário, 93% da mão-de-obra era composta por mulheres. Era uma proporção alta, comparado com a Natura que possuía 70% de mulheres entre seus colaboradores. Várias lojas estavam sendo abertas no exterior. Os interessados procuravam o Boticário que, antes de conceder a franquia, pesquisava a receptividade de seus produtos. Era difícil conter a pressão dos interessados em abrir franquias no exterior. Apesar da procura, a expansão era restringida pela produção dos produtos com diferentes rótulos. A composição dos produtos também era ajustada para os diferentes países onde as lojas estavam sendo abertas. Eram vinte e uma lojas, sendo que dezesseis lojas eram em Portugal. As demais eram localizadas na Noruega, Escócia, Chile e Estados Unidos. O Boticário era relativamente cuidadoso no lançamento de novos produtos. Eram 160 produtos em seu portfólio. Poucos eram os produtos descontinuados. De acordo com uma pesquisa realizada, 80% das vendas eram realizadas para pessoas que já haviam comprado os produtos da marca. A maioria delas concentradas em datas comemorativas, como dias dos namorados, da secretária e dia dos pais. O Boticário despendia os maiores gastos de suas campanhas publicitárias antes das datas comemorativas. Em 1987, foram gastos 2,5 milhões de dólares em publicidade, sendo que a indústria de Miguel e Wilhelm faturava pouco mais de 8 milhões de dólares. Ao mesmo tempo em que várias lojas foram fechadas, várias outras estavam sendo abertas. A redução do número de franquias foi acompanhada por uma queda no faturamento na indústria do Boticário. A empresa faturou 6,2 milhões em 1988. A redução do número de lojas não foi proposital, mas a fila de espera para se abrir uma franquia era grande. Isso se devia ao fato de o Boticário não cobrar nenhuma taxa além dos investimentos estruturais na abertura de uma franquia e de que as lojas poderiam ser pequenas. Esse último fator, além de baratear os custos dos alugueis, permitia que as lojas fossem abertas nos mais variados lugares. O Boticário fechou duas lojas em Miami nos Estados Unidos. Os empreendimentos não estavam dando certo e Miguel pesava em mudar a 108 estratégia de oferecer seus produtos em lojas de departamento. O Internacional Mall foi um lugar inadequado para abertura das lojas, pois recebia turistas mais interessados em eletrônicos e outros produtos modernos do que pessoas interessados em cosméticos naturais do Brasil. Também foram mal sucedidas as lojas da Noruega e do Chile. Em 1988, foi lançada a linha Eros, exclusiva para o público masculino. Havia produtos como cremes de barbear, xampus e loções. O perfume Stylleto vendia bem em todos os estados do Brasil e foi um fator importante, para impulsionar novos perfumes e produtos para esse segmento. Em 1989, o Boticário reduziu o número de lojas. As franquias começaram a ser bem mais controladas e a empresa aperfeiçoava, cada vez mais, os pretendentes a entrar para a rede de lojas. A escolha dependia tanto do franqueado quanto da análise e pesquisas que o Boticário realizava, estudando o potencial de cada região. Isso era alinhado com o plano de expansão da empresa e com o desempenho dos distribuidores, chamados de Master-Franqueados. Eles eram os elos que distribuíam os produtos e administravam algumas das condições estabelecidas pela matriz nas lojas. Em geral, eram parceiros antigos e foram os primeiros a realizarem parcerias com o franqueador. Os pontos comerciais disponíveis eram analisados pelo Boticário que também avaliava o perfil pessoal do aspirante. Alguns comerciantes reclamavam que tudo se tornou muito rígido. Era falado que o franqueado tinha que rezar a cartilha elaborada pela empresa. Apesar da rigidez instituída, o suporte para instalação era excelente. O processo era acompanhado e o franqueado era treinado na operação do negócio. Para conseguir uma franquia, a seleção envolvia testes de idoneidade e verificação das relações sociais do potencial franqueado. O Boticário, em 1988, foi proibido de utilizar a palavra "Aproxima" em suas campanhas porque a Rasto, fabricante de perfumes, usava um slogan baseado na tal palavra desde 1966. A empresa de Curitiba foi multada e não pôde utilizar a palavra na campanha de dia dos namorados. Na mesma época, foram utilizados para divulgação de um novo perfume, anúncios perfumados em revistas. A idéia não agradou os leitores das revistas que solicitaram à editora a retirada dos anúncios perfumados. Concorrentes acusaram o 109 Boticário de não empregar a mesma competência técnica empregada no desenvolvimento de seus produtos na comunicação dos mesmos. O Boticário criou um canal direto e permanente de comunicação com os seus consumidores – O Centro de Relacionamento com o Cliente (CRC), criado em 1989, antes mesmo de entrar em vigor o Código de Defesa do Consumidor. O canal ficou responsável por esclarecer dúvidas, receber sugestões e observações, sempre com o objetivo de apresentar as soluções mais adequadas para cada manifestação. O Boticário passou a se responsabilizar pelas compras de seus franqueados. O controle, que era feito pelos Master-Franqueados, passou a ser feito diretamente pela sede em Curitiba. Isso prendia ainda mais o franqueado. Alguns Master-Franqueados organizavam as suas próprias campanhas publicitárias com apoio das franquias de sua região. Isso não agradava o franqueador. Em 1990, o Boticário lançou outro perfume exclusivo para o público masculino: O Quasar. O novo produto se tornou o perfume masculino de maior sucesso da empresa e o terceiro perfume da empresa mais vendido de todos os tempos. Ele ficava atrás apenas do Thaty, que em 1990 ainda era exclusivo de seu segmento, e da deo-colônia Aqua Fresca. Este último chegou a ser reconhecido como o segundo perfume mais vendido no mundo em toda a história. Ele só vendeu menos que o Chanel 5. Entretanto, de acordo com dados não oficiais da própria empresa, é bem possível que o perfume do Boticário tenha sido vendido mais do que o da Chanel. Miguel Krigsner era mais preocupado com as causas ambientais do que a média dos brasileiros. Miguel e Eloi Zaneti, diretor de Markeitng da empresa, tiveram uma idéia de realizar um programa ambiental de reflorestamento. A idéia inicial era oferecer a cada cliente uma muda de árvore para ser plantada. A proposta se mostrou inviável, tanto pelo valor que deveria ser investido nas mudas, quanto pela operacionalização da idéia. A segunda idéia era de plantar uma árvore para cada produto vendido. Dessa forma, Miguel procurou o professor Miguel Milano da Universidade Federal do Paraná, que afirmou que se o Boticário mantivesse o ritmo de venda, não haveria espaço no Brasil para o plantio de tantas árvores. Após 110 essa constatação, os dois fundaram, com o apoio da Fundação de Pesquisas Florestais do Paraná, a Fundação Boticário de Proteção a Natureza – FBPN. A FBPN foi constituída para administrar verba própria. Os Franqueados eram estimulados a fazerem suas contribuições e o Boticário destinava na época 5% de seu lucro líquido para a organização criada. O projeto da Fundação era apoiar projetos conservacionistas, proposta diferente da inicial, que era de atuar no reflorestamento e plantio de árvores. Essa proposta, definida por técnicos especializados, também definiu que a FBPN deveria atuar desenvolvendo unidades de conservação de áreas verdes nativas e proteção da vida silvestre por meio do patrocínio de projetos. Desde o início, a proposta foi de manter separada a administração da Fundação Boticário, pois ela deveria estar em total liberdade para atender melhor sua missão. As análises dos projetos eram realizadas por consultores voluntários, que auxiliavam a alocar os recursos reservados para a realização dos projetos. Apesar da intenção de se desligar, os diretores do Boticário, junto com o professor Miguel Milano participavam do conselho deliberativo da empresa nos primeiros anos. No ano de criação da fundação, o Boticário reduziu drasticamente o número de franquias. No início de 1991, eram apenas 1000 franquias contra as 1200 no início de 1989. O valor da implantação do metro quadrado de uma loja Boticário variava em torno de mil dólares. O Boticário lançou, em 1991, o Manual do Franqueadas com mais normas e estruturando mais ainda a conduta que deveria ser assumida pelo Franqueado. A redução no número de Franquias foi acompanhada pela queda no faturamento da empresa. Em 1991, o Boticário demitiu 20% do seu quadro de funcionários para se ajustar a uma queda nas vendas. Eram 840 funcionários em 1990 e em 1991 o número caiu para 700. Também optou por reduzir o número de horas trabalhadas. Se essa medida não fosse tomada, outros funcionários também seriam demitidos. O início da década de 1990 foi um período difícil na história do Boticário que evitava se endividar ao máximo. Todos os investimentos eram feitos com os lucros reinvestidos. A empresa começa a aumentar paulatinamente o número de Franquias. A idéia era contar com os já franqueados para aumentar seu número de lojas. Esse processo era mais fácil que admitir novo lojista. A fila de pessoas que 111 buscavam abrir uma loja da empresa era de 4000 pessoas. Contudo, o processo de seleção se tornou ainda mais criterioso, com o lançamento do manual do franqueado. A matriz também não abria mão dos meticulosos estudos de mercado. Estabeleceu-se a meta de aumentar o número de lojas para 1500 em 1993. Em 1992, o faturamento da empresa continuou declinando chegando a 30 milhões de dólares, cinco a menos que no ano anterior. É importante ressaltar que o Boticário transferiu parte do valor abatido do IPI pelo decreto governamental número 609 para seus preços de vendas praticados. A tentativa, que não foi eficaz, era de aumentar as vendas, reduzindo o preço pago pelo consumidor final. Houve um pequeno aumento de franqueados, mas dificilmente a meta seria atingida. O Boticário conseguira agregar mais 175 lojistas ao longo dos anos 1992 e 1993, mas isso também não resultou no aumento das vendas. Resolveu-se investir, então, na criação de novos produtos e incrementar o investimento em marketing para promover as vendas. Os investimentos que eram oriundos de um percentual do faturamento das lojas foi acrescido de 3 milhões de dólares, fornecidos pelo Boticário. O portifólio de produtos aumentou para 320 produtos. Também optou por melhorar o fornecimento de alguns insumos. O número de fornecedores de óleos e essências usadas pela empresa foi reduzido. Contudo não se obteve uma economia com a redução, pois outros fornecedores importados foram admitidos. A intenção era se adaptar ao mercado externo, utilizando fragrâncias comuns ao consumidor europeu. Isso deveria aumentar o faturamento oriundo do mercado externo. Iniciou-se um processo de programação das compras da empresa, que havia sofrido no passado pela falta de suprimento de alguns insumos. Noventa e cinco por cento dos insumos produtivos passaram a ser comprados de São Paulo. Foi calculada uma previsão de consumo de itens, como as essências e óleos utilizados. Também começou a sistematizar as negociações com os fornecedores. O álcool utilizado passou a ser comprado diretamente de usinas de subprodutos, derivados da cana de açúcar. Dessa forma, as propriedades do álcool também puderam ser mais bem selecionadas. No caso das 112 embalagens, a opção foi por lotes maiores. O Boticário acordou com a Wheaton do Brasil o fornecimento de 10 milhões de frascos. O Boticário lançou, no final de 1993, a linha Bio Active em parceira com a Sociedade Francesa de Laboratórios de Bioquímicas. A linha voltada para o tratamento de pele explora um segmento que não era explorado pela empresa em seus produtos de prateleira vendidos por seus franqueados. A linha era semelhante à linha Chronos lançada pela Natura em 1992, com a diferença de segmentar os produtos por tipo de pele em detrimento da idade do público ao qual os itens eram destinados. Apesar do orientar o desenvolvimento dessa linha para os padrões de pele dos brasileiros, Miguel acreditava que seria possível aumentar as vendas no exterior com os novos cosméticos. Isso tudo foi pensado e as matériasprimas escolhidas para a fabricação desses produtos atendiam os padrões e as normas internacionais. Os rótulos e as embalagens também foram desenvolvidos com informações em três línguas diferentes: espanhol, português e inglês. A campanha de Marketing não foi elaborada pela agência da empresa. Foi contratada a Wbrasil para realização dos comerciais e dos anúncios que seriam publicados na revista VEJA. O Boticário criou, em 1993, o primeiro canal específico de relacionamento com o cliente de uma empresa do setor de perfumaria e cosméticos. O Clube Garota Thaty surgiu após a publicação do anúncio em revista voltada para adolescentes. A leitoras da Capricho puderam adquirir da empresa, um livreto com 100 dicas de beleza desenvolvido pelo Boticário, enviando um cupom que foi anexado aos exemplares da revista. A empresa havia aproveitado o momento no qual a deo colônia Thaty havia sido eleita pelas leitoras da revista pelo terceiro ano consecutivo o perfume do ano. O clube estreitava o relacionamento da empresa, que buscava ouvir sugestões e críticas por meio de um mailing criado. Muitas mudanças nas apresentações do produto foram decorrentes de sugestões enviadas por clientes membros do Clube. As Consumidoras ficavam sabendo de promoções. O clube Garota Thaty aumentou as vendas do perfume já no primeiro ano de existência. Em 1993, o Boticário elevou seu faturamento, devido às várias medidas tomadas. O faturamento aumentou 5 milhões, mesmo sem ter atingido a meta 113 de 1500 franquias. A linha Bio Acitve também não teve uma boa demanda no primeiro ano, entretanto Miguel acreditava que ele alcançaria a liderança em seu segmento por ser uma opção com a mesma qualidade dos similares do mercado, bem mais acessível ao consumidor brasileiro. Três anos após o surgimento, a FBPN adquiriu duas fazendas no litoral do Paraná para garantir a proteção dessas áreas de floresta nativa. Os 1716 hectares de terra comprados formariam a Reserva para preservação da fauna e a flora nativa do enorme contingente de terra de mata atlântica nativa. Outros 55 lançamentos de produtos aconteceram em 1994. Entretanto, o recordista de vendas foi o perfume Thaty, que começou a disputar com a colônia Aqua Fresca o cargo de Carro chefe da empresa. O estreitamento com o cliente havia dado certo para o perfume que chegou a ser o produto mais vendido da empresa em vários anos. No final de 1994, Arthur Grynbaum, que era funcionário da empresa desde 1987, tornou-se sócio da empresa. Ele havia auxiliado a estruturar o sistema de franquias da rede e iniciava um processo de reestruturação da companhia que se iniciaria pela forma de distribuição dos produtos. O Boticário por não abrir mão do seu sistema de franquias, não tinha a agilidade de disponibilizar os novos lançamentos tão rapidamente a seus clientes como seus concorrentes de vendas diretas. Apesar da consolidação dos Master-Franquedos e da conveniência que ele trazia para a administração das franquias, o Boticário não conseguia acompanhar suas vendas diretamente e não tinha acesso a muitas das informações provenientes das demandas nos pontos de venda. Essa forma de distribuição começou a ser questionada e a empresa passou a estudar a possibilidade de eliminação desse elo. O grande problema seria o desenvolvimento de um novo sistema de distribuição e de uma estrutura logística capaz de coordenar a demanda de lojas em todo o Brasil. Entretanto, o Boticário, que esperava uma piora no desempenho após a implantação do Plano Real, havia aumentado seu faturamento. Apesar do barateamento relativo dos produtos estrangeiros, que teoricamente aumentaria a competição no setor de cosméticos, o Boticário aumentou muito suas vendas. A justificativa para esse acontecimento foi a melhoria do poder de compra das classes menos favorecidas que puderam 114 adquirir os produtos da marca, mais baratas inclusive do que suas concorrentes nacionais. Em 1995, o Boticário extinguiu os Master-Franqueados. Essa mudança foi grande, pois alterava drasticamente as atribuições da fábrica que teria que dedicar mais tempo em suas operações de distribuição. Após a implementação desse novo modelo, surgiu imediatamente uma demanda de novos sistemas informação. A profissionalização iniciada também contemplou a elaboração de metas de treinamento e de crescimento para empresa. Miguel Letenski, que auxiliou na intermediação da venda do terreno onde se situa atualmente a fábrica e havia começado como auxiliar de produção era o gerente de planejamento antes da reestruturação. Ele teve papel importante na adoção das novas medias após completar seu mestrado em engenharia de produção pela Coordenação de pesquisa e Pós-graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro – Coppe. Em 1996, foi inaugurada na área adquirida em 1993 pela FBPN a Reserva Florestal de Salto Morato. A reserva contava com uma estrutura para receber visitas guiadas de estudantes e um centro de pesquisa especializada na manutenção da mata Atlântica. No mesmo ano, Miguel Krigsner ganhou o título de cidadão honorário da cidade de Curitiba. O Boticário investia 10 milhões nesse programa de estruturação administrativa. O programa, que visava acabar com os "Master Franqueados" só seria finalizado 3 anos mais tarde. Com todos os esforços voltados para as mudanças na estrutura da empresa, o faturamento no ano de 1996 declinou no primeiro semestre. Entretanto, as vendas foram retomadas a partir do segundo semestre do ano. Em 1996, o faturamento foi 144 milhões de reais, 29 milhões mais elevado que o montante em 1995. As vendas no primeiro semestre de 1995 foram maiores que o esperado, em parte, pelo lançamento do Floratta, um perfume de preço bem mais caro que os normalmente praticados pela empresa. O frasco do produto foi desenvolvido por um Designer Francês inspirado nas florestas tropicais brasileiras. 115 O Boticário, que buscava fidelizar o consumidor que se interessava por seus produtos, aos poucos começou a utilizar o lançamento de novos produtos para incrementar as vendas. Concorrentes como a Natura e a Avon faziam uso intensivo dessa prática. Ainda abaixo da meta de franqueados estipulada no início da década, o Boticário continuava preferindo que os lojistas atuais abrissem mais lojas em vez de selecionar novos pretendentes da lista de espera de mais de quatro mil pessoas. Apenas novos interessados em abrir lojas no nordeste do país estavam sendo admitidos. As análises da empresa tinham verificado que o produto era muito bem aceito nessa região e decidiu dedicar mais atenção ao público Nordestino. Além dos testes de mercado, começaram a ser feitos testes de aroma para melhor adaptação de novos lançamentos ao gosto desse público. Iniciou-se uma aposta alta no mercado Nordestino e em 1996 o Boticário abriu sua segunda loja própria na região. A Jasmim perfumaria e cosméticos, uma master-franqueada nordestina, estava se tornando o maior revendedor dos produtos da empresa. As vendas no nordeste estavam crescendo muito quando comparadas com outras regiões. Como 12% das vendas era para o público daquela área, produtos como o Free e Lavanda Pop, consideradas mais baratas, estavam sendo fabricadas quase que exclusivamente para suprir a demanda do local. O Boticário também reformulou sua estrutura interna. O crescimento pelo qual a empresa havia passado gerou certos problemas de comunicação e alguns procedimentos burocráticos que tornavam o processo decisório lento. Para melhorar o fluxo de atividades, a comunicação interna e as condições do ambiente de trabalho, o Boticário contratou três empresas de consultoria. O processo foi finalizado em 1996 e o Boticário passou a ter um novo organograma. Reduziram-se os postos gerenciais e os centros de decisão ficaram concentrados em três grupos: Gestão do Canal de Vendas, Gestão de Produtos e Gestão de Logística. Vários funcionários antigos foram demitidos nesta reestruturação. No ano seguinte ao ano de criação da reserva Salto Morato, o Boticário, que já apoiava a fundação, começou a se engajar em projetos sociais de apoio à comunidade de São José dos Pinhais. Em 1997, foi criado o centro 116 Educacional Annelize Krigsner – CEAK, dentro das próprias instalações da fábrica da empresa. O programa acompanha filhos de funcionários e outras pessoas até a pré-alfabetização. O centro construído é uma mistura de creche com centro educacional, e de acordo com uma das entrevistadas, possuía uma infra-estrutura muito superior à das creches convencionais. Após a Criação do Centro, também foi criado o Projeto Crescer, que recruta menores aprendizes. O foco do programa era proporcionar a jovens de baixa renda, condições de competir no mercado de trabalho. A idéia era permitir que jovens ganhassem experiência profissional sem que descuidassem do estudos e dentro das regras e legislações para o trabalho de menores de dezoito anos. A empresa ganhava muito com o projeto, que sempre dispunha de auxiliares treinados que poderiam um dia chegar a posições de liderança. No final de 1997, o Boticário começou a explorar diretamente o segmento de crianças e pré-adolescentes. O sucesso do Garota Thaty, voltado para meninas de 13 a 23 anos, estimulou o Boticário a lançar a linha Ma Cherie. Foi a primeira linha criada para consumidores desse nicho, na qual a promoção da venda era voltada diretamente para o potencial usuário dos produtos. A procura foi tanta que, um ano mais tarde, a linha também ganhou um clube de relacionamento. Assim como o Clube Garota Thaty, o Clube Ma Cherie foi criado depois de uma promoção que sorteava viagens para a Disney. No ano de 1998, também foram lançados vários itens da linha Quasar. O perfume já era o preferido entre o público masculino e deu nome a uma linha de produtos para este segmento. As embalagens também foram reformuladas. O Boticário passou a criar linhas de produtos em vez de perfumes ou itens isolados. A linha Ma Cherie ganhou neste ano o Oscar de L´Emballage, concedido pelo Instituo Francês de Embalagem e Acondicionamento – IFEC. As lojas da empresa eram estimuladas a contribuir com todos esses projetos e, muitas vezes, não se mostravam tão adeptas aos projetos sociais no quais a empresa se engajava. Desde a implantação da nova estrutura de distribuição, que extinguiu os Master-franqueados, muitos lojistas reclamavam das exigências feitas pela matriz. Isso também impedia um maior crescimento do número de franqueados. Ao final de 1997, eram 1525 lojas Boticário no Brasil e no exterior. Em 1998, a firma mudou a arquitetura de suas lojas 117 tornando-as mais claras e expondo melhor seus produtos. Essa mudança foi chamada de Projeto Aquarius. Na mudança das lojas, quatro aspectos deveriam ser considerados pelo projeto arquitetônico: natureza, brasilidade, tecnologia e sonho. O investimento na mudança das lojas foi alto, alterando desde os uniformes até o software que a empresa utilizava. Pretendia também implantar um sistema que permitisse uma comunicação rápida entre a empresa e o franqueado. O Boticário, somente no desenvolvimento do projeto, despendeu 1 milhão de reais. Cada Franqueado teve que investir em torno de mil reais por metro quadrado para adaptar as novas condições impostas. O Boticário, por realizar sempre pesquisas junto a seus clientes, descobriu por meio de dados coletados que o cliente prefere ter contato com o produto antes de comprar. Isso fez com que o Boticário tomasse a decisão de tornar suas lojas mais interativas. Esse projeto contemplou uma série de outras mudanças. O vice-presidente da empresa afirmava que o espírito comercial era o forte da empresa. Nesta época, o Boticário encomendou outra série de pesquisas para monitorar o consumidor. A empresa descobriu que as lojas Boticário eram demasiadamente femininas, apesar do interesse do público masculino para os produtos da Marca. Isso orientou algumas mudanças, assim como a constatação de que grande proporção de clientes de classes mais baixa ficarem constrangidos na hora de perguntar os preços dos produtos, fez com que o Boticário eliminasse os balcões de venda. Iniciou-se a implementação de um sistema auto-assistido de vendas por meio de leitores digitais. O Boticário, em outra leva de pesquisas, descobriu que sua imagem, que era anteriormente associada a produtos naturais, estava mais associada a empresas de perfumes. Nesta época, começou-se a distribuir nas franquias uma revista institucional apresentando os valores da empresa e sua relação com o meio ambiente através da FBPN. O Boticário passou a concentrar menos sua produção e o desenvolvimento de novos produtos nos itens de perfumaria que representavam setenta por cento das vendas totais da empresa. Observando as várias etnias que consumiam seus produtos. o Boticário lançou a linha Natural Colors. A linha foi reconhecida pela revista americana 118 Business Week, como sendo a primeira colocada no mercado que englobava maquiagens adequadas a todos os tipos de pele. O Boticário acreditava que os produtos normalmente colocados no mercado eram basicamente destinados à mulher de pele clara e, sendo assim, não adaptados ao público brasileiro. O Nordeste aumentou o seu destaque, passando a ser a região que mais consumia produtos da Marca em 1998, com quase 30% das vendas no país. De acordo com o Diretor Comercial Arhtur Grymbaun, o Boticário percebeu que o nordestino era o povo que mais se perfumava no país. O Boticário realizava pesquisas e teste com os consumidores nordestinos. A novidade Aqua Brasilis foi desenvolvida, voltada para o público nordestino, pois o produto era leve e fresco. Os testes de lançamento foram realizados em Recife. O Boticário, que pretendia descontinuar a deo-colônia Free, voltou atrás na decisão. O nordeste consumia quase que 60% da produção total do perfume. A modernização das operações da empresa alcançou, neste ano, uma etapa importante. O centro de distribuição, na fábrica de São José dos Pinhais, passou a poder armazenar todos os produtos vendidos pela empresa. O centro de armazenagem contava com o sistema de Picking by Light e de separação semi-automática de pedidos. O Próximo passo do projeto de estruturação seria a implantação do sistema de planejamento de recursos empresariais – ERP que estava sendo iniciado. Foi criado, em 1998, o Programa Reduzir, Reciclar, Reutilizar. Com o Programa, a reciclagem que já ocorria na fábrica passou a afetar os escritórios de O Boticário. O programa visava reduzir o lixo gerado por papéis nos escritórios da empresa. Esse Programa ganhou o Prêmio Top social, concedido pela Associação dos Dirigentes de Vendas e Marketing – ADVM. Também foi criado mais um programa para atuar junto à comunidade local. O Projeto Essências da Vida tinha como objetivo orientar gestantes sobre os cuidados que devem ser tomados durante a gravidez. A idéia era de reunir gestantes e estimular a troca de experiências, além de prepará-las psicologicamente para os potenciais problemas decorrentes da gravidez. Os estudos e pesquisas realizadas mostravam que os grandes centros urbanos estavam saturados de lojas do Boticário. Isso fez com que fosse desenvolvido um modelo menor de loja para vender os produtos da marca em 119 cidades menores e em locais de grande circulação e pouco espaço. Noventa e nove das 144 lojas inauguradas em 1999 foram sob esse novo conceito e em município com menos de 30 mil habitantes. Esses novos pontos de venda possuíam cerca de 40 metros quadrados. Todas as mudanças implementadas estavam causando impacto no faturamento. Desde 1995, a empresa crescia constantemente seu faturamento. De acordo com a diretoria da empresa, o aumento das vendas era reflexo da expansão geográfica. A empresa também estava mais eficiente e o tempo de entrega de um produto ao lojista ficou 30% menor nas regiões mais distantes do centro de distribuição e armazenagem construído na fábrica de são José dos Pinhais. As vendas cresceram 146% para os produtos para tratamento facial e 133% para os produtos de cabelo. Esse fato foi impulsionado pelo lançamento de uma linha de xampus e condicionadores com preços bem competitivos. A idéia era mostrar o Boticário como uma empresa mais completa. A impossibilidade de abertura de novas lojas nas grandes cidades fez com que o mercado internacional também ganhasse relevo. Em 1998 e em 1999 a empresa aumentou os pontos de vendas no exterior e, no final de 1999, o faturamento do Boticário no exterior já era cerca de 3% do total. Além de ampliar os pontos, elaborou uma estratégia para mover as lojas para grandes centros comerciais, que fez com que a maioria das lojas em ruas fossem fechadas ou transferidas para shoppings. A meta era que 12% do faturamento fosse oriundo das exportações. No final de 1999, uma outra linha inovadora foi desenvolvida pela empresa. A linha, além de trazer alguns produtos de higiene para o público de 3 a 7 anos, possuía uma série de livros educativos que eram encontrados nas lojas da empresa. Um boto rosa, animal ameaçado de extinção, era o ícone dos produtos da linha Boti. Conjuntamente com a Linha de produtos, foi criado o Clube Amigos do Boti, que enviava materiais que estimulavam o respeito à natureza para seus integrantes, sempre utilizando ferramentas apropriadas. O clube cadastrou, em pouco tempo, mais de 33 mil nomes. No lançamento da linha foram investidos cerca de 2,1 milhões de reais. Em apenas quatro meses, houve um aumento de 32% no volume de vendas para o público infantil e de 40% no faturamento dos produtos infantis. 120 A fundação do Instituo Ethos possibilitou que o Boticário, já engajado na proteção à natureza, começasse a pensar de forma mais estruturada em outras ações relacionadas à responsabilidade social e ambiental. O instituto fornecia orientações para as empresas brasileiras que queriam adotar práticas ligada a RSC. Nesta época, foi aumentado o percentual dedicado aos investimentos da fundação. Até 1998, era destinado à FBPN, 1% do lucro líquido da empresa. A expectativa era manter o crescimento nas vendas e, para isso, a capacidade produtiva teve que ser ajustada. Foram investidos ao longo do ano 2000, 5 milhões de reais em maquinário novo. A mudança não modificou os processos, mas aumentou a capacidade produtiva. Após o investimento, o Boticário teria a opção de triplicar a produção, caso viesse a utilizar três turnos. Com experiências satisfatórias nos clubes de relacionamento e com o serviço de atendimento ao cliente que funcionava desde 1990, o Boticário criou o programa Fidelidade em 2000. Para efetivação do programa foram desenvolvidas ferramentas próprias de TI, que buscavam cadastrar as compras e o perfil dos clientes adeptos ao programa. A adesão era gratuita e eram distribuídos brindes para estimular a sua adesão ao Programa. Inicialmente, 600 lojas participaram do Programa, cerca de um terço do total na época. O cadastro de clientes cresceu de forma substancial com a adesão de 80 mil novos clientes por mês. Esse ritmo acelerado de novos adeptos e a estrutura do programa rendeu o melhor “case” nacional relacionado à fidelidade do cliente no varejo. O prêmio foi o Summit de Varejo no ano de 2001. Em 2001, a empresa foi eleita pela revista exame a melhor do setor de perfumaria e cosméticos. O Boticário cria a Fábrica de Talentos, um programa para preparar comportamental e tecnicamente os funcionários da empresa. O programa era em parceria com o Senai e oferece cursos de desenvolvimento pessoal, controle estatístico de processo e melhorias na limpeza. Esses cursos eram majoritariamente destinados a profissionais não qualificados do chão de fábrica permitindo que eles desenvolvessem habilidades gerenciais. O Boticário vinha apoiando atletas desde 1995 e havia se engajado fortemente na promoção de artes e cultura no final da década de 90. Contudo, não havia políticas estruturadas de investimento social-privado. Foi só com a 121 implantação do Instituto Ethos que o Boticário começou a instaurar programas sociais com o apoio da rede de franqueados. O Programa Reciclagem Pós-Consumo, desenvolvido pela empresa em 2001 foi estruturado com o apoio dos franqueados e envolvendo a participação de vários elos da cadeia logística da empresa. O Programa se apoiava no conceito de logística reversa para propiciar um canal de reciclagem das embalagens e outros produtos de interesse dos clientes da loja. Os freqüentadores das franquias poderiam levar as embalagens vazias às lojas que eles seriam reciclados por uma empresa parceira do Boticário no Projeto. A idéia era que, retornando às lojas, os clientes pudessem fazer um bem para o meio ambiente e, ao mesmo tempo, buscar novos produtos da empresa. O Boticário terminou o ano de 2001 com uma política de sustentabilidade formulada. Entretanto, nada tinha sido traduzido em planos com metas para serem alcançadas. A empresa estava se preparando para lançar o seu balanço social, de acordo com os padrões do IBASE em 2002. Agora, 1% do faturamento, independente de um resultado lucrativo, seriam designados para projetos sociais e ambientais. Especificamente, seriam destinados à FBPN 0,8% do faturamento e a causas sociais 0,2%. A principal concorrente nacional destinava 10% dos dividendos, que seriam destinados aos acionistas da empresa. O Boticário planejou reforçar os investimentos no mercado americano, mas o atentado terrorista de 11 de setembro impediu que isso fosse feito. Miguel Krigsner, como opção, avaliou o potencial do mercado mexicano e decidiu entrar nos Estados Unidos somente após ter se consolidado no México. Foi calculado que o mercado pretendido tinha potencial para, no mínimo, 100 lojas da marca. Seriam investidos no mercado mexicano, ao todo, 14 milhões de reais. O investimento englobava na abertura de 4 lojas próprias na Cidade do México. O Boticário já tinha 71 lojas no exterior e era a maior rede de perfumaria de Portugal. Além de investimento em Portugal, outras lojas seriam abertas, duas próprias no Peru e outras quatro em Portugal. No Brasil, eram 2112 lojas. Noventa e sete por cento das cidades brasileiras com mais de 30 mil habitantes já tinham pontos de venda do Boticário. 122 A produção anual foi de 50 mil unidades em 2001 e, havia no portifólio da marca, 540 produtos. O Boticário que demorava bastante tempo para desenvolver seus produtos começou a desenvolver vários produtos a cada ano. Isso gerava a necessidade de desativar certos itens. Houve vários clientes insatisfeitos que reclamaram junto aos serviços de atendimento e à administração do Programa de fidelização alegando que era desrespeitoso o fato da empresa ter tirado seus produtos favoritos de linha. Só em 2001 e em 2002 foram lançados cerca de 150 produtos novos em cada ano. Neste ano, foi lançado um perfume para o público masculino chamado Clipping. Esse produto chegou a ser o principal item de perfumaria para este segmento. Além disso, o produto inovou no design de sua embalagem. O Espanhol Juan Carlos Rutarazo criou um conceito que remetia a embalagem a um controle remoto. A idéia era modernizar e criar um novo movimento para a hora de se perfumar. A embalagem também tinha uma válvula de propulsão diferenciada, que permitia que o perfume saísse pela parte superior do frasco sem desperdícios. Após um investimento de mais 1,2 milhões de reais, o Boticário lançou a linha Universal Solutions. As pesquisas para desenvolvimento da linha consideraram o impacto ambiental em todos os elos envolvidos na cadeia de suprimentos das matérias-primas dos produtos. Os principais ingredientes eram insumos tropicais e brasileiros, como a água de coco e algumas algas marinhas encontradas apenas no litoral do nordeste. Não houve um apelo forte no lançamento da linha no Brasil, mas o Boticário pretendia utilizá-la para entrar no mercado norte americano. O Boticário anunciou que pretendia comercializar os produtos no mercado argentino, mas a crise que perdurava no país fez com que os planos fossem frustrados. O Boticário lançou loja virtual, mas não visava substituir o processo utilizado de vendas, por meio dos franqueados e, portanto, não pretendeu atuar fortemente no canal de vendas que a loja proporcionava. O site da empresa foi totalmente modificado passando a ter uma linguagem mais moderna. O layout fazia alusão à natureza, reforçando a conexão da marca com a preservação do meio ambiente. Também foi desenvolvido um link direto para o site da FBPN. A empresa que havia optado por não utilizar a Fundação para reforçar a 123 instituição ou a marca, começou a divulgá-la a fim de reaproximar a marca Boticário à causas ambientais. A loja virtual possuía fotos de todos os produtos separados pelo perfil de cada cliente. Para viabilizar a entrega dos produtos, a empresa, que não tinha um sistema próprio de entrega, fez uma parceria com os correios, tornando o frete mais econômico e mais ágil. Se a solicitação fosse realizada por e-mail ou telefone, o Boticário firmava o compromisso de entregar o produto em no máximo 48 horas. O acordo era a entrega dos pedidos no terceiro dia após o dia da compra. Já no início, eram mais de 5 mil visitas diárias. Com o lançamento de seu portal, o Boticário ganhou um importante prêmio de comércio eletrônico. A empresa recebeu o Cyber Lion no festival internacional de publicidade de Cannes, que premiava os melhores trabalhos do mundo relacionados com comércio eletrônico. Todos os preços praticados eram idênticos aos praticados pela loja, acrescidos da taxa de entrega. Isso fazia com que a opção de comprar o produto nas franquias ainda fosse a opção mais barata. O Boticário começava, cada vez mais, a divulgar as campanhas associando sua imagem à de uma empresa ética e responsável com a sociedade e o meio ambiente. Ela havia constatado, através de pesquisas, que os seus consumidores se interessavam mais por produtos sócio- ambientalmente responsáveis. Era possível notar no discurso de funcionários da empresa que havia uma certa frustração pela empresa não possuir uma imagem de sócio-ambientalmente responsável. Isso ocorria porque a empresa apoiava várias causas sociais e ambientais, mas não era reconhecida por isso. A empresa era reconhecida pela sua liderança no setor de franquias e pelos produtos que ela desenvolvia. Em 2002 foi lançado um livro comemorativo de 25 anos da empresa. Além de um histórico segmentado por temas, o livro tinha um capítulo exclusivo da FNPN. Eram mostrados também os principais produtos da empresa como o Aqua Fresca, Thaty e o recém lançado Clipping. O livro foi divulgado apenas para os próprios funcionários da empresa. Cada um dos funcionários de escritório foi presenteado no fim do ano com exemplar deste livro comemorativo nomeado de A Essência dos Sonhos. 124 O Boticário realizou, em 2003, mais investimentos na modernização de seu sistema de vendas. No final do ano, o Boticário começou a implementar o Vsat, projeto ousado que visava interligar, via satélite, todos os franqueados, os parceiros e os fornecedores. Essa ferramenta, além de agilizar a comunicação, dava visibilidade da demanda para os fornecedores dos insumos permitindo que estes preparassem sua produção. A demanda real, nas lojas, que já era conhecida pela fábrica, passava a ser conhecida pelos principais parceiros e fabricantes. A transparência do processo permitiu que fossem implantadas metas de trabalho junto com os fornecedores que possuíam as ferramentas interativas de acompanhamento. O Boticário também procurava selecionar os fornecedores de acordo com as suas características sócio-ambientais. Procurava-se dar algum privilégio para parceiros que procuravam apoiar a sociedade ou o meio ambiente em alguma causa, mas assim como nos primórdios, o objetivo primordial era os ganhos de escala pela compra de várias unidades. Para os apoiadores das causas sociais do Boticário, era difícil mudar o paradigma de custos que vinha sendo utilizado no suprimento de matérias. Em 2004, o Boticário estruturou a K&G. As letras representavam as iniciais do presidente do conselho, Miguel Krigner e do presidente da empresa, Arthur Grynbaum. A empresa, controlada pelo Boticário, ficaria responsável pelos investimentos sociais e ambientais que a empresa passaria a fazer. A criação dessa holding, que controlaria as empresas do grupo do Boticário, facilitaria a gestão dos investimentos sociais privados, de acordo com os sócios da K&G. Uma importante ação social nesse sentido foi o desenvolvimento em tempo recorde de um gel antisséptico especial. O Boticário enviou para o Srilanka, país mais atingido pelo Tsunami, um malote com itens que poderiam ajudar no tratamento dos feridos. Foram doadas 250 mil bisnagas do gel e ainda 50 mil pastilhas de cloro purificador de água. O perfume masculino mais vendido atualmente foi lançado em 2004 pela empresa. O lançamento do perfume Malbec, que uniu o perfume ao vinho, foi resultado de R$ 3,2 milhões em pesquisa que durou 18 meses. A idéia foi inovadora, pois nenhuma empresa havia utilizado as propriedades dos vinhos 125 para desenvolvimento de essências para produtos de beleza. Um ano depois foi lançado o Malbec na versão feminina. 126 5. RESULTADOS 5.1 Associação das empresas às abordagens A presente análise tem o intuito de verificar em que medida as empresas estudadas se alinham às abordagens de RSC desenvolvidas neste trabalho. Assim, será possível entender mais sobre a forma com a qual o Boticário e a Natura incorporaram atitudes ligadas à RSC e à sustentabilidade. Essa análise também permitirá avaliar as abordagens e as três dimensões do modelo propostos por este trabalho de pesquisa. Como visto no capítulo de Método, a análise das empresas no âmbito de cada uma das dimensões das abordagens será realizada separadamente. Foram levantadas as ações e atitudes relevantes para as duas empresas em cada dimensão de estudo. Essas atitudes, que subsidiariam a análise proposta, foram expostas graficamente para que o período em que elas ocorreram pudesse ser facilmente identificado. A linha do tempo delineada para cada fato relevante foi observada para se ter uma idéia aproximada da vigência de cada questão analisa. 5.1.1 Quanto à Dimensão da Institucionalização Como visto anteriormente, a Dimensão da Institucionalização analisa dois aspectos para que se possa entender a aderência das empresas na vertente dependente ou independente. O primeiro lida com a origem ou, em outras palavras, com a motivação que levou a firma a adotar a iniciativa ligada à RSC. O segundo lida com a originalidade da iniciativa, que pode ser pioneira ou pode ser uma prática seguidora, já amplamente adotada por outras empresas. 127 • Natura A seguir, as iniciativas relevantes para a análise dos aspectos da Dimensão da Institucionalização da Natura são demonstradas no gráfico 5.1. Gráfico 5.1 – Natura: Atitudes/Iniciativas pertinentes à Dimensão da Institucionalização Governaça e Ferramentas de Gestão Piora na Administração dos ISP Explicitação da Razão de Ser Boas condições de trabalho Uso de Refis Proposta de comunicação trasparente Fonte: Elaborado pelo Autor • Proposta de Comunicação Transparente A primeira atitude relacionada à RSC incorporada foi a proposta de transparência oferecida aos compradores dos produtos da empresa. Era incomum, em 1968, que as consumidoras de produtos de beleza fossem orientadas sobre as potencialidades negativas dos produtos de Beleza. A Natura baseou-se nessa proposta para realizar o atendimento a seus clientes. Contudo, a proposta foi temporariamente abandonada ao mudar para o sistema de vendas diretas em 1974. A Natura apenas retomou essa filosofia em 1991, quando passou a orientar e treinar as consultoras para que elas realizassem tal tipo de atendimento. Essa iniciativa, no âmbito da Dimensão da Institucionalização, pode ser considerada Pioneira. Quando a Natura iniciou a proposta de transparência, em seu surgimento, e quando a retomou no início dos anos noventa, ela era exclusiva no segmento de cosméticos brasileiro. Apesar desse aspecto remeter à vertente independente, ele foi uma iniciativa que não foi exclusivamente motivada por fontes internas (motivação intrínseca). Na maior parte do tempo 128 em que a proposta transparente de comunicação vigorou, ela foi motivada pela competição contra a Avon. A Natura captava menos consultoras que a concorrente, e precisou aumentar a produtividade das mesmas para conseguir aumentar a sua participação de mercado. • Uso de Refis Outra iniciativa pioneira no Brasil e no segmento de empresas de cosméticos que utilizam vendedoras independentes, foi a utilização de embalagens reutilizáveis. Foi uma iniciativa que permitia economizar com embalagens, principal componente dos custos dos itens de perfumaria e cosméticos. Durante muito tempo foi a única atitude incorporada pela empresa que se relacionava com o meio ambiente. A utilização de refis foi crescendo, ao longo do tempo, e foi sendo utilizada cada vez em mais produtos da empresa. Essa iniciativa adere à vertente independente da abordagem em seus dois aspectos de análise. Ela pode ser considerada Pioneira pelo fato de ser uma proposta pioneira. Além disso, ela foi motivada por uma orientação do principal líder da Natura. Nesta época ele já acreditava que a empresa poderia contribuir para o meio ambiente.7 • Condições de Trabalho Em 1984, a Natura começou a proporcionar melhores condições de trabalho para as mulheres. À época, mesmo tendo oportunidade de contratar funcionários sem filhos, a Natura contratava mães solteiras e gestantes, dando oportunidade para que elas levassem suas crianças ao trabalho. Em 1991 foi criada uma creche estruturada para esse tipo de funcionárias e, em Cajamar, a estrutura para receber filhos de funcionários aumentou. Também foi criado, em 1999, um programa para estimular educação superior para os filhos dos funcionários. À medida que a Natura percebeu a importância relativa da força de trabalho feminina, ela elaborou soluções para melhorar suas condições de trabalho. A empresa ganhou reconhecimento pelo relacionamento com esse 7 De acordo com o discurso de Pedro Passos para o Ceo Submit da Endeavor. 129 público, ganhando três vezes o título de melhor empresa para a mulher trabalhar. Essa atitude foi incorporada em decorrência de pressões internas, pois foi uma opção da empresa diante da necessidade específica de seus funcionários, e do perfil de mão de obra que ela buscava contratar. No entanto, as boas condições de trabalho proporcionadas às mulheres não foram uma iniciativa Pioneira. Isso se deu por que a Natura apenas aplicou práticas já utilizadas por outras empresas. • Explicitação da razão de ser A explicitação da razão de ser, em 1992, promoveu os valores dos líderes em toda a empresa. A iniciativa atuou tanto na promoção de valores para o público externo, quanto para o público interno. Esse fato pode ser considerado uma ferramenta de relacionamento eficaz que a empresa utilizou para posicioná-la frente a seu público. Os valores explicitados se mostraram úteis e foram devidamente utilizados como insumos do processo criativo da empresa. A associação de Guilherme Leal a uma organização que debatia o papel social do empresário, em 1992, se deu antes da proliferação de organizações não governamentais ligadas à ética empresarial. Isso demonstra o interesse dos líderes da empresa na RSC antes dos modismos relacionados ao tema. Essa atitude teve motivações intrínseca. Com líderes preocupados com as discussões sobre RSC, seria natural que os mesmos formalizassem a identidade da empresa com uma proposta ligada à RSC e à sustentabilidade. Isso tornou a empresa mais propensa a assumir comportamentos socialmente responsáveis. A Natura iniciaria seu processo para se tornar referência em termos de RSC no Brasil. Essa iniciativa foi desenvolvida e trabalhada junto com a marca da empresa, e pode ser considerada uma proposta única. Assim, o trabalho relacionado à razão de ser da empresa pode ser considerado uma atitude Pioneira que se adere perfeitamente à vertente Independente da Dimensão da Institucionalização. Mas foi somente após o contato com outros empresários e organizações voltadas a orientar os ISPs que a Natura criou o Crer para Ver em 1995. Na 130 época, várias empresas já haviam decidido apoiar a educação de jovens e adultos. Esse programa recebeu métricas claras em 1999 e, por meio delas, foi comprovado que o programa estava se tornado menos eficiente com o passar dos anos. • Explicitação da razão de ser Mesmo se esforçando para ter sua imagem associada à de empresa cidadã, a Natura era multada e questionada por alguns de seus processos. Em 1999 ela foi multada por não lidar adequadamente com seus efluentes e, em 2001, ela foi alertada de que estava utilizando madeira nobre sem certificação devida para fabricação de caixas. Esses fatos foram indícios do descaso com os Investimentos Sociais Privados da Natura. Ao mesmo tempo em que a empresa buscava trabalhar sua imagem de empresa responsável, os inúmeros programas sociais que ela realizava em 1999 começaram a refletir certa piora em seus indicadores. Esse fato relevante é típico da vertente dependente. Ela começou a realizar ISPs genéricos para acompanhar a onda de responsabilidade social vigente, promovendo ações igualmente efetuadas por outras empresas. Dessa forma, os ISPs desenvolvidos pela empresa foram relacionados à vertente dependente da Dimensão. • Ferramentas de gestão da Responsabilidade Social Em 1997, a Natura criou um conselho de administração com membros externos, agregando diversidade de visões à tomada de decisão na diretoria. Tal medida foi adotada sem que houvesse cobrança por uma melhor governança corporativa. Depois, a Natura implantou o bônus dos funcionários atrelados a indicadores ambientais e a formação do comitê de sustentabilidade. Posteriormente, a empresa foi pioneira no estabelecimento de metas diretamente ligadas com a RSC. Após a criação e a estruturação das métricas relacionadas à RSC, e a evolução de aspectos ligados à sustentabilidade, a Natura havia considerado o Triple Bottom Line em seus resultados. Assim, o conjunto de medidas adotadas para gerir a RSC dentro da empresa pode ser considerado uma iniciativa. 131 Como poucas empresas, especialmente entre as que não tinham ações negociadas em bolsas, se interessavam por esse tipo de mensuração, tais iniciativas podem ser consideradas uma atitude Pioneira. Assim, antes de outras empresas, a Natura começou a desenvolver uma estrutura para lidar com as questões relacionadas à RSC e à sustentabilidade. Essa atitude, por ter sido pioneira, poder ser enquadrada como Pioneira, além de ter sido motivada intrinsecamente. Apesar da empresa aderir aos padrões externos de divulgação, muitos desses instrumentos foram desenvolvidos ou trazidos para o Brasil por uma iniciativa da empresa. Após 1998, já existia na Natura uma predisposição cultural para agir de forma responsável. Abaixo, no quadro 5.2, seguem resumidos os aspectos relevantes das iniciativas e atitudes consideradas na análise da dimensão. Quadro 5.1 – Dimensão da Institucionalização: Análise das atitudes/iniciativas da Natura Atitude ou iniciativa incorporada Originalidade Origem/Fonte Vertente Proposta de comunicação transparente Pioneira Motivação Extrínseca Mista Uso de Refis Pioneira Motivação intrínseca Pro-Ativa Boas condições de trabalho Seguidora Motivação intrínseca Mista Explicitação da Razão de Ser Pioneira Motivação intrínseca Pro-Ativa Administração dos ISP Seguidora Motivação Extrínseca Reativa Governança e Ferramentas de Gestão Pioneira Motivação intrínseca Pro-Ativa Fonte: Elaborado pelo autor De acordo com atitudes ou incitativas relevantes, assim como com a sua relação com os aspectos da Dimensão da Institucionalização, a Natura pode ser enquadrada como adepta à Abordagem “B”. O enquadramento não é ideal, pois ainda houve atitudes consideradas da vertente dependente, e atitudes que possuíam aspectos das duas vertentes. Cabe ainda ressaltar que a única atitude considerada do tipo “A” perdurou por poucos anos. Desta forma, ela pode ser considerada menos relevante nesse contexto de análise. • O Boticário 132 Gráfico 5.2 – Boticário: Atitudes/Iniciativas pertinentes a Dimensão da Institucionalização Outros ISPs do Boticário FBPN Práticas de relacionamento com o cliente Fonte: elaborado pelo autor • Práticas de relacionamento com o Cliente A primeira ação ou comportamento incorporado ligado à RSC ou à sustentabilidade foi a criação do centro de relacionamento com o cliente. Essa iniciativa ocorreu muito antes das obrigações legais, e foi orientada pelo empenho que o Boticário exerceu ao monitorar as demandas desse público interessado desde seu surgimento. Esse comportamento, incorporado aos poucos, permitiu que o Boticário atendesse aos anseios de seu público, e recebesse críticas e sugestões. A central de atendimento ao cliente, criada em 1989, foi a primeira iniciativa formal de relacionamento da empresa. Após a Central, vieram os clubes de relacionamento, que também fortaleciam o elo entre a empresa e seus clientes. A empresa, pelo menos em seu segmento, foi pioneira na estruturação dessa atitude de monitoramento de seus clientes. Isso fez com que ela identificasse segmentos de mercados atrativos antes de seus concorrentes. Foi assim com os produtos infantis, os itens para homens e o mercado nordestino. Essa atitude foi desenvolvida pelo Boticário desde os primórdios da companhia. A enorme preocupação com as necessidades dos clientes podia ser observada na configuração da primeira farmácia da empresa. O Boticário sempre procurou entender a fundo as expectativas do consumidor brasileiro e se destacava por isso de várias formas. Essa orientação é classificada como Pioneira por que, enquanto outras empresas renovavam os produtos para aumentar as vendas, o Boticário apostava em fidelização e retenção de 133 clientes. Além disso, muitas das iniciativas relacionadas foram pioneiras. Dois exemplos dessa atitude já abordados foram a central de relacionamento com o cliente, e os clubes desenvolvidos pela empresa. Essa iniciativa também pode ser considerada independente quanto à motivação. Apesar da orientação ser para um público externo, a empresa atuou dessa forma por convicção de seus líderes. Essa perspectiva estava sempre fortemente presente nos processos de decisões, independentemente das práticas mais usuais. • Outros ISPs do Boticário Por uma orientação interna, mais especificamente do fundador Miguel Krigsner, o Boticário criou a Fundação Boticário de Proteção à Natureza – FBPN, exemplo de investimento social privado autêntico no Brasil. A fundação foi motivada pelo ímpeto do empresário de contribuir com a natureza. A idéia da fundação foi formulada com apoio profissional levando a crer que, além do pioneirismo, havia uma preocupação legítima em realizar o investimento de forma efetiva. Já havia, à época, fundações estruturadas para investir em ações sociais, mas nada especializado na preservação do meio ambiente como a FBPN. Somente após a Conferência Eco 92 que outras empresas começaram a se dedicar a causas ambientais. Dessa forma, tal iniciativa se enquadra completamente na vertente independente. • FBPN O Boticário, ao longo da década de 90, também se engajou em outros investimentos sociais privados patrocinando eventos esportivos, estabelecendo programas de desperdícios e programa de admissão de menores aprendizes. Após 2001, a empresa determinou uma política de investimentos sociais. Ela passou a investir 0,2% de seu faturamento em projetos de apoio à comunidades locais e à sociedade. Foi criada, em 2005, uma área para administração dos ISPs e para desenvolver a sustentabilidade corporativa. Apesar da estruturação da RSC dentro da empresa ter sido tardia se comparada com a Natura, o Boticário realizou investimentos sociais 134 importantes após esse marco. O apoio da empresa era sempre muito bem organizado, e as iniciativas bem mensuradas. Apesar da boa estrutura desenvolvida, essa política de ISP se adere à vertente Independente. Ela foi implantada após as práticas já terem sido estabelecidas, sendo considerada uma iniciativa não Pioneira. Além disso, a empresa foi estimulada por uma tendência de Responsabilidade Social que influenciava grande parte das empresas brasileiras a se engajarem em práticas sócio-ambientalmente corretas. Quadro 5.2 – Dimensão da Institucionalização: Análise das atitudes/iniciativas do Boticário Atitude ou iniciativa incorporada Origem/Fonte Originalidade Práticas de relacionamento com o Cliente Pioneira FBPN Pioneira Outros ISPs do Boticário Seguidora Motivação intrínseca Vertente Pro-ativa Motivação intrínseca Pro-ativa Motivação Extrínseca Reativa Fonte: Elaborado pelo autor Nesta dimensão de análise, o Boticário está mais próximo à vertente Pioneira da RSC. A incorporação de suas principais atitudes ligadas à sustentabilidade demonstraram certo pioneirismo, permitindo que elas fossem qualificadas como Pioneiras. Cabe ressaltar que as ações e comportamentos também não eram associados à marca, e possuíam motivação intrinseca. O Boticário, diferentemente das demais empresas, não buscava ter sua imagem associada a causas ambientais. No entanto, a empresa reviu esse conceito e, em 2004, passou a utilizar esses seus ISPs e a FBPN para agregar valor a sua marca. Dessa forma, pelo fato das pressões oriundas de lideranças internas terem estimulado a FBPN, e do Boticário não relevar suas ações para promoção de sua imagem, pode se inferir que a segunda empresa analisada incorporou atitudes ligadas à RSC e à sustentabilidade de forma independente. A empresa se aproximou da vertente dependente somente em 2001, com a incorporação de práticas aderentes à abordagem “A”. 5.1.2 Quanto à Dimensão do Investimento 135 A análise desta dimensão visa determinar, por meio dos aspectos sugeridos, em que medida cada empresa conseguiu balancear os investimentos sociais, ambientais e econômicos ao longo de sua trajetória, e em que medida seus investimentos sociais em iniciativas relacionadas foram condicionados à existência de lucros. Como visto na parte teórica do trabalho, para uma empresa atuante próxima à abordagem “B”, o retorno para o acionista é balanceado com os retornos para as gerações futuras e para os demais stakeholders da empresa. Neste ponto serão analisadas como cada uma das empresas solucionou conflitos entre o social, o ambiental e o econômico ao longo de sua história. Além disso, será considerado em que medida os investimentos realizados foram condicionados aos bons resultados financeiros. • Natura São quatro as atitudes ou iniciativas incorporadas que serão analisadas na dimensão do investimento da Natura. Segue abaixo o Gráfico 5.3 que relaciona cada atitude ou iniciativa no período no qual elas estiveram vigentes. Gráfico 5.3 – Natura: Atitudes/Iniciativas pertinentes a Dimensão do Investimento Política de ISPs Métricas sociais e ambientais Proposta da Marca Uso de Refis Fonte: Elaborado pelo Autor. • Uso de Refis e Proposta da Marca A Natura sempre buscou auferir benefícios de suas ações relacionadas às causas ambientais e sociais. Foi assim na utilização de embalagens retornáveis e na sua maneira de apoiar-se na imagem responsável para se 136 diferenciar. Esse aspecto denota uma associação da empresa à vertente prélucro, pois os investimentos eram realizados para melhorar os resultados financeiros, e não por que a empresa passava por períodos de bonança. Ambas as medidas tiveram, de certa forma, impacto indireto sob a perspectiva financeira, mas os investimentos não estavam condicionados somente a elas. Dessa forma, essas duas iniciativas podem ser consideradas aderentes à vertente lucro-independente. Elas não estavam condicionadas à existência de bons resultados financeiros e auxiliaram a empresa a melhorar a proposta de valor para seus clientes. Elas também foram equilibradas, pois balanceavam os objetivos financeiros com os sócio-ambientais. • Métricas Sócio-ambientais A empresa, após 2004, começou a atrelar os bônus dos funcionários à métricas sociais e ambientais. Isso também mostra uma tentativa de balancear a importância das perspectivas econômicas, sociais e financeiras. Além disso, mostra que a empresa caminhou para fazer com que as ações ligadas à RSC e à sustentabilidade fossem amarradas ao resultado financeiro. Assim, a implantação desse tipo de mensuração de desempenho foi uma iniciativa não condicionada à existência de lucros que contribuiu para que o foco da empresa fosse mais equilibrado. • Políticas de ISPs Apesar de a maioria das iniciativas anteriores serem aderentes à vertente lucro-independente, houve uma iniciativa que contribuiu para que a Natura ficasse mais próxima da Abordagem “A”. A Natura adotou como política, após 1998, investir 10% dos dividendos que seriam pagos ao acionista em suas ações sociais. Esse fato permite associar a empresa à vertente pós-lucro, uma vez que somente seriam destinados recursos no engajamento com causas sociais e ambientais se houvesse dividendos a serem distribuídos. Essa iniciativa também não contribui para o aspecto do foco equilibrado, também importante na análise da dimensão. Corroborando esse fato, foi comentado pelos entrevistados que, apesar da imagem da empresa, era complicado, 137 quando se tratava de verbas, obter auxílio para levar os projetos sociais adiante. Segue abaixo o quadro que resume as iniciativas ou atitudes pertinentes à Dimensão do Investimento e seu posicionamento em relação aos aspectos de análise. Quadro 5.3 – Dimensão do Investimento: Análise das atitudes/iniciativas da Natura Atitude ou iniciativa incorporada Condicionamento ao Lucro Foco Equilibrado Vertente Uso de Refis Proposta da Marca Métricas sociais e ambientais Política de ISPs Não Condicionado Balanceado Lucro-Independente Não Condicionado Balanceado Lucro-Independente Não Condicionado Balanceado Lucro-Independente Condicionado Desbalanceado Lucro-Dependente Fonte: Elaborado pelo autor Apesar de não ser totalmente aderente, a empresa se posiciona na vertente lucro-independente desta Dimensão de Análise e, desta forma, acredita-se que ela esteja mais próxima à abordagem “B”. A política de investimentos sociais e ambientais demonstra que a Natura não pode ser completamente desassociada à vertente lucro-dependente. • Boticário Segue o resumo das iniciativas ou atitudes consideradas na análise da Dimensão e seus respectivos períodos de duração. Gráfico 5.4 – Boticário: Atitudes/Iniciativas pertinentes a Dimensão do Investimento Quesitos sócio-ambientais na qaulificação de fronecedores Outros ISPs do Boticário Projeto Crescer Práticas de relacionamento com o Cliente Fonte: Elaborado pelo Autor. • Prática de Relacionamento com os clientes Foi notório o fato de a empresa ter se engajado no relacionamento com seus clientes. Esse aspecto, que fez parte da estratégia de promoção dos 138 produtos ao longo de quase toda a trajetória da empresa, pode ser considerado uma ação no âmbito de RSC. É importante atentar que ela, além de ser uma ação mercadológica, forneceu um canal importante para a empresa se aproximar de seus consumidores. Por estreitar o elo com esse stakeholder, tanto no sentido de aumentar a comercialização de itens, quanto para permitir a entrada de novas idéias, a incorporação dessa atitude foi insumo para análise no âmbito dessa dimensão. A central de relacionamento criada em 1989 permitiu que a empresa coletasse informações de seus clientes recebendo sugestões e recomendações para melhorar seus produtos e aspectos das lojas. Os clubes de relacionamento e, em especial, o clube Garota Thaty, foram cruciais para fazer com que o produto ultrapassasse o Aqua Fresca em vendas e fosse reconhecido como o principal produto para o segmento jovial por vários anos. Assim, esses foram considerados investimentos lucro-independente, e contribuíram para que a empresa gerasse disponibilidade financeira. O outro aspecto da Dimensão, que analisa o fato da iniciativa ou atitude estar condicionada à existência de lucro, não pôde ser determinado. • Projeto Crescer O projeto crescer, que admitia menores aprendizes desde 1996, foi elaborado para atender a comunidade local e prover a empresa com mão de obra. Essa iniciativa pode ser considerada um investimento lucro- independente. Isso ocorre, pois os menores integrantes do programa eventualmente assumem cargos gerenciais no Boticário. Dessa forma, apesar da impossibilidade de determinação da eficácia do programa para gerar folga, o investimento possui um foco equilibrado. Quanto ao aspecto do condicionamento ao lucro, o projeto pode ser alinhado à vertente lucrodependente. Isso ocorre, pois a medida surgiu como uma forma que o Boticário encontrou para compensar a comunidade local de São José dos Pinhais que estava provendo mão-de-obra e acompanhando seu crescimento. Apesar da intenção de qualificar fornecedores quanto aos aspectos ambientais e sociais, a empresa não teve nenhuma estrutura sistematizada para resolução de conflitos até 2005. A utilização de métricas ambientais e 139 sociais para mensuração do desempenho global é um importante indício de que a empresa está próxima à vertente lucro-independente. Isso ocorre, por a mensuração de desempenho equilibrada é uma maneira estruturada para a resolução de conflitos entre os três aspectos do Triple Bottom Line. Vale ressaltar que, apesar da incorporação das metas, o custo de fornecimento ainda era o aspecto primordial de seleção de fornecedores. Foi relatado por um entrevistado que os critérios sócio-ambientais eram verificados apenas quando a diferença no preço dos insumos era insignificante. Dessa forma, essa iniciativa foi considerada condicionada ao lucro. A política de designação de recursos para os ISPs do Boticário pode ser considerada um importante subsídio para a análise no âmbito da Dimensão do Investimento. Sabe-se que a empresa, que dedicava 1% do lucro às causas ambientais no início da década de noventa, reformulou sua política de ISP em 2001. Enquanto a Natura condicionava seus investimentos aos resultados econômicos, o Boticário passou a dedicar parte do faturamento à FBPN e a outras causas sociais. Isso claramente rompe com a idéia de que a empresa deveria estar indo bem para efetuar investimentos que apoiassem causas não diretamente financeiras. Com essa política, mesmo tendo prejuízo, o Boticário deveria manter seus investimentos sociais e ambientais. Esse último aspecto é claramente um indício de que a perspectiva ambiental e social ganhou importância frente à financeira. A incorporação dessa atitude aproxima a empresa da vertente lucro-independente, pois sistematiza de certa forma como a empresa lida com conflitos ambientais e sociais. Segue abaixo o quadro 5.4 sumarizando cada iniciativa e a sua relação com os aspectos da Dimensão do Investimento. Quadro 5.4 – Dimensão do Investimento: Análise das atitudes/iniciativas do Boticário Atitude ou inicitiva incorporada Práticas de relacionamento com o Cliente Condicionamento ao Lucro Indeterminado Foco Equilibrado Balanceado Vertente Lucro-Independente ou Mista Projeto Crescer Condicionado Balanceado Misto Outros ISPs do Boticário Não Condicionado Balanceado Lucro-Independente Quesitos sócio-ambientais na análise de fronecedores Condicionado Balanceado Misto Fonte: Elaborado pelo autor 140 Em síntese, o Boticário pode se posicionar em uma posição intermediária na presente Dimensão de análise. Acredita-se que há apenas uma pequena tendência da empresa em incorporar atitudes da maneira condizente com a RSC do tipo “B”. Isso ocorre por que todas as iniciativas ou atitudes pertinentes incorporadas possuíam o foco Balanceado. 5.1.3 Quanto à dimensão da Inserção de Valores Esta dimensão de análise visa examinar em que medida as atitudes incorporadas estão integradas às atividades das empresas. Como a principal unidade de análise deste trabalho é a firma em si, e não somente áreas funcionais ou os investimentos sociais privados, essa dimensão se torna crucial. É nela que será analisado se a empresa aplica os preceitos de cada uma das dimensões em suas operações ou se são apenas atividades isoladas. Para o entendimento da Dimensão da Inserção de Valores, serão ressaltados se os aspectos relacionados à RSC e à sustentabilidade estão vinculados às operações da empresa, bem como se interferem nas atividades empresarias. Para uma empresa adepta à abordagem “B”, os conceitos de sustentabilidade devem estar ligados a todos os aspectos do negócio, enquanto que, para a abordagem “A”, o desligamento entre as ações relacionadas à RSC impede a interferência das mesmas nas operações da empresa. Dois aspectos são considerados nas análises desta dimensão. O primeiro, em que medida as iniciativas ou atitudes foram implantadas de forma formal e sistemática. E o segundo, se a incitativa ou atitude se relaciona com o negócio da empresa. 141 • Natura Seguem abaixo, para análise, as principais iniciativas ou atitudes ligadas à Dimensão da Inserção de Valores. Gráfico 5.5 – Natura: Atitudes/Iniciativas pertinentes a Dimensão da Inserção de Valores Metricas sócio ambientais Explicitação da Razão de Ser Proposta de comunicação trasparente Uso de Refis Fonte: elaborado pelo Autor As primeiras ações identificadas, relacionadas à incorporação de atitudes relacionadas à RSC e à sustentabilidade, já possuíam um caráter de integração, afastando a Natura da vertente desligada e da abordagem “A”. • Proposta de comunicação transparente A proposta de transparência promovida pela empresa nos primórdios é a primeira atitude analisada. Essa proposta, além de promover a ética no relacionamento da empresa e seus clientes, adicionava valor aos produtos da empresa. Esse é um exemplo típico de uma atitude relacionada e que deve ser considerado um indício da vertente Central da Dimensão da Inserção de Valores. Essa Atitude, apesar de ter existido nos primeiros anos da empresa, só foi adotada de maneira mais sistemática a partir do início da década de 90. Assim, como essa primeira atitude foi sistematizada e relacionada com as atividades da Natura, ela foi considerada aderente da vertente central da Dimensão. • Uso de Refis 142 Além de ser possível perceber que a Natura integrava a proposta de atendimento transparente e ético às atividades operacionais da empresa, ao elaborar as embalagens retornáveis a empresa demonstrou mais uma vez que as ações ligadas à RSC que ela promovia estavam inseridas nas atividades da empresa. Essa inovação, além de ser uma proposta eficiente para reduzir o impacto ambiental causado pela empresa, possibilita a redução de custos e preços mais baratos para o cliente. Desta maneira, os refis, mesmo que não utilizados para todos os produtos e linhas, indicam novamente uma atitude integrada incorporada à empresa. Essa atitude, apesar de não estar necessariamente no centro da geração de valor, demonstra uma solução envolvendo as operações da empresa. O uso dos refis, apesar de ser uma atitude ligada à RSC relacionada, não é completamente aderente ao aspecto central da dimensão. Isso ocorre por que a utilização não foi implementada de forma sistemática. Não há, na empresa, nenhuma regra ou procedimento que padronize a utilização de refis. • Explicitação da Razão de Ser A declaração da missão e razão de ser da empresa também sinalizam para que a Natura seja posicionada na vertente central da Dimensão. A formalização, que foi uma ferramenta de comunicação com vários públicos interessados, se baseava em conceitos facilmente articuláveis com as idéias da RSC e da sustentabilidade empresarial. Com isso, a Natura pôde reforçar sua proposta de ética na comunicação com os clientes e desenvolver toda uma série de ações promocionais apoiadas nos valores da empresa. A missão, em parte por ter sido considerada uma iniciativa Pioneira, e em parte por ter sido lançada em um momento crítico, permitiu que as crenças da Natura fossem efetivamente aplicadas em várias áreas da empresa ao longo dos anos. Essa medida gerou o que um entrevistado denominou de “caldo cultural”, fator que possibilitou que a Natura conseguisse adequar seu negócio às principais demandas da sustentabilidade nos negócios e da Responsabilidade Social Corporativa. Quando se tem uma orientação central formal que fomente iniciativas relacionadas à sustentabilidade, a empresa fica mais susceptível a integrar suas iniciativas sócio-ambientais às atividades. 143 Juntamente com a formalização da razão de ser, os líderes começaram a participar de associações ligadas à promoção da cidadania empresarial. Essa participação permitiu que a empresa influenciasse algumas das principais organizações ligadas à RSC no país, como é o caso do PNBE e do Instituto Ethos. Isso também fez com que a empresa se orientasse para a incorporação de atitudes condizentes com a teoria atual sobre o tema RSC e sustentabilidade. Adicionalmente, aumentou a predisposição da empresa a ter esses valores inseridos. Essa atitude relacionada e sistemática pode ser considerada a principal questão relacionada à RSC e à sustentabilidade no âmbito da Natura. • Métricas sócio-ambientais Essa orientação fez com que a empresa desenvolvesse outras iniciativas importante para a Dimensão da Inserção de Valores: metas para os investimentos sócio-ambientais, metas ambientais para a empresa e o bônus atrelado ao desempenho ambiental. Essas iniciativas relacionadas, adotadas no início da primeira década do século, mostram não só o balanceamento entre as perspectivas do TBP, mas também a inserção de valores relacionados. Essa atitude é determinante para a sistematização de procedimentos ligados à RSC em várias áreas operacionais da empresa. Dessa forma, ela também pode ser considerada um exemplo de atitude incorporada ligada à vertente central da terceira Dimensão. Segue abaixo o Quadro 5.5 resumindo as atitudes e incitativas incorporadas pela Natura e analisadas sob a perspectiva da Dimensão da inserção de Valores. Quadro 5.5 – Dimensão da Inserção de Valores: Análise das atitudes da Natura Atitude ou iniciativa incorporada Forma sistemática Sistêmica Vertente Uso de Refis Proposta de comunicação transparente Explicitação da Razão de Ser Métricas sócio-ambientais Não Sistemática Sistêmica Mista Sistemática Sistêmica Central Sistemática Sistêmica Central Sistemática Sistêmica Central Fonte: Elaborado pelo autor 144 Desta forma, quanto à dimensão da Inserção de Valores, a Natura pôde ser considerada como estando posicionada na vertente ligada à abordagem “B”. As atitudes e as principais iniciativas realizadas, exceto por uma, possuem caráter de central. Além disso, é possível perceber que a empresa assumiu a sustentabilidade em sua proposta de geração de valor, fato que atende o requisito principal da vertente central da Dimensão. Isso demonstra que houve esforços no sentido de fazer com que valores ligados a sustentabilidade contribuíssem para fazer os negócios prosperarem. • Boticário Gráfico 5.6 – Boticário: Atitudes/Iniciativas pertinentes a Dimensão da Inserção de Valores Práticas de relacionamento com o Cliente Outros ISPs do Boticário (K&G) FBPN Fonte: elaborado pelo Autor • FBPN O Boticário difere da Natura quanto ao posicionamento na Dimensão da Inserção de Valores. A empresa optou de forma clara e deliberada por realizar seu investimento social privado de forma desvinculada das atividades da empresa. Na criação da FBPN, a empresa optou pelo mínimo de interferência entre as duas organizações, acreditando ser vantajoso para ambas as partes essa dissociação. A idéia era permitir que a gestão da Fundação tivesse autonomia para cumprir o seu papel de preservação. Além disso, a orientação era de que a iniciativa de preservação não deveria ser uma manobra de promoção da marca. O Boticário foi eficiente nesse aspecto, pois fora de Curitiba os clientes não reconheciam a empresa 145 como apoiadora de causas ambientais. A marca também foi, aos poucos, tendo sua imagem desligada da natureza. Arthur Grynbaun, diretor comercial na época, e atual presidente, afirmou que a empresa era reconhecida pela qualidade dos produtos, mas não era reconhecida pelo pioneirismo no apoio às causas ambientais. A iniciativa de criar uma fundação desligada para administrar os ISPs certamente contribui para que a empresa se aproxime do pólo periférico da Dimensão. Ela também não foi articulada como atividade comercial, não trazendo benefícios para a imagem da empresa ou para a motivação dos funcionários em torno da causa. Essa medida afasta das atividades centrais da empresa a preocupação com aspectos sociais e ambientais. Assim, apesar da autenticidade da FBPN, bem como de todo seu reconhecimento técnico e do mérito ambiental do sonho do idealizador, ela foi uma iniciativa desligada da empresa. • Outros ISPs do Boticário (K&G) Outro aspecto que também contribuiu para a associação da empresa à vertente periférica foi a criação da K&G, empresa que realizava os ISPs com recursos do Boticário. A exemplo da FBPN, a K&G também isolava os investimentos sociais reduzindo a interferência dos mesmos nas atividades da empresa e nas áreas operacionais. Essa organização reforçou a aproximação do Boticário ao pólo “A” da Dimensão. Não foi detectado na proposta da empresa, durante o período analisado, dados que indiquem que o Boticário procurou sistematizar ações de RSC e sustentabilidade junto com as operações da empresa. Ações como os bônus atrelados à metas sociais, como os utilizados pela Natura, afastaram a empresa da vertente periférica, pois sistematizam a incorporação nas atividades de diferentes áreas e departamentos a aspectos relacionados à sustentabilidade. Também não foi detectado traço de uma cultura orientada para a sustentabilidade empresarial que remetesse à vertente central. Enquanto a Fundação tinha programas de trainees e jovens talentos para promover a formação de lideranças ambientais, o Boticário não realizava as mesmas 146 atividades. Assim, não havia no Boticário a proliferação de valores ligados à abordagem “B”. • Práticas de relacionamento com o Cliente Diferentemente dos fatos acima analisados, a empresa se engajou em projetos e programas relacionados à responsabilidade social e à sustentabilidade que possuíam elo com as atividades da empresa. Os programas de relacionamento com os clientes contribuíram para a comercialização dos produtos, ao mesmo tempo em que monitoraram a satisfação, e permitiram a troca de informação com esse stakeholder importante. Cabe ressaltar que esse programa foi sedimentado nas raízes comerciais da empresa que, ao longo de toda sua trajetória, sempre procurou atender às expectativas dos clientes Essa medida tem menos expressão do que o desligamento visivelmente ocorrido no caso da FBPN e da criação da K&G, que marcam a análise desta dimensão. Assim, o Boticário pode ser posicionado próximo à vertente periférica nesta Dimensão. O quadro abaixo retrata essa maior proximidade com a abordagem “A”. Quadro 5.6 – Dimensão da Inserção de Valores: Análise das atitudes/iniciativas do Boticário Atitude ou iniciativa incorporada Forma sistemática Sistêmica Vertente FBPN Outros ISPs do Boticário (K&G) Práticas de relacionamento com o Cliente Não se aplica Periférica Não sistêmica Não se aplica Não sistêmica Periférica Sistemática Sistêmica Central Fonte: Elaborado pelo autor 5.1.4 Associação geral Abaixo, as atitudes e iniciativas em todas as dimensões são agrupadas em um diagrama ilustrativo com o intuito de permitir um posicionamentos das duas empresas analisadas quanto a aderência ao tipo “A” e ao tipo “B”. 147 Institucionalismo Dependente Comunicação Transparente Política de ISPs Razão de Ser Condições mais atrativas para mulheres Uso de Refis Equilíbrio e Cond . ao lucro Investimento Independente Práticas de Governaça e novas práticas de RSC Lucro-independente Lucro-dependente Proposta da Marca Métricas sócio -ambientais Política de ISPs Uso de Refis Vertente Central Sitêmica e sistemática Ins. de Valores Motivação e Pioneirismo Quadro 5.8 – Resumo das iniciativas e atitudes ligadas à RSC na Natura Abordagem “B" Mista Abordagem “A" Vertente Períférica Uso de Refis Comunicação Transparente Razão de Ser Métricas sócio -ambientais Origêm e Originalidade Relacionada e sistemática Equilíbrio e Cond. ao lucro Ins. de Valores Investimento Institucionalismo Quadro 5.8 – Resumo das iniciativas e atitudes ligadas à RSC no Boticário Abordagem "A" Mista Abordagem "B" Independente Dependente Fundação Boticário Investimentos Sociais do Boticário ( K&G) Práticas de relacioanmento com o cliente Lucro-independente Lucro-dependente Práticas de relacioanmento com o cliente Avaliação sócioambiental de fornecedores Projeto Crescer Vertente Central Práticas de relacioanmento com o cliente Vertente Períférica Investimentos Sociais do Boticário ( K&G) Fundação Boticário Como esperado, a incorporação de atitudes ou iniciativas ligadas à RSC ocorreu relacionada a aspectos das duas abordagens. No entanto, foi possível 148 perceber que a maioria das atitudes incorporadas analisadas remeteu às vertentes da abordagem “B”. Isso mostra que ambas as empresas possuíram, ao longo de sua trajetória, uma tendência em adotar medidas de RSC em consonância com os valores de sustentabilidade e com foco na atuação na atuação integrada de RSC. Além disso, é possível afirmar que a Natura, pelo fato de possuir mais atitudes ou iniciativas incorporadas de forma central, lucro-independente e independente que o Boticário, está mais distante da abordagem “A” que seu concorrente. 5.2 Relação entre os desafios do crescimento e os comportamentos ligados à RSC e a sustentabilidade Nesta sessão do capítulo de análise são verificadas a existência de potenciais relações entre a trajetória de crescimento das empresas e a forma de atuarem no âmbito da sustentabilidade nos negócios. Como visto no Capítulo de Método buscou-se examinar cada uma das relações propostas na teoria presentes nos casos estudados. • Empreendedorismo No início da década atual, na Natura, houve sinais de respostas positivas ao desafio Empreendedorismo, como a aquisição da Flora Medicinal e o desenvolvimento da Linha Ekos. Essas iniciativas podem ser relacionadas à incorporação de atitudes responsáveis. A aquisição e o desenvolvimento da linha podem ser qualificados como expansão do tipo híbrida. Isso ocorre, por que auxiliariam a ampliar os domínios da empresa ao mesmo tempo em que permitia a empresa a explorar melhores os mercados e negócios existentes. Na parte teórica do trabalho, que procurou relacionar as abordagens às respostas a cada desafio, a expansão híbrida foi associada à abordagem “B”. Isso foi justificado pelo fato de a abordagem contribuir para que os gestores pensassem fora de suas zonas de conforto para prover soluções que vão ao 149 encontro das necessidades da sociedade. Nesse contexto, o lançamento da linha Ekos pode exemplificar essa relação. Como a linha Ekos estava ancorada nos valores centrais da empresa e foi idealizada com seu conceito ligado a sustentabilidade, pôde-se entender que a expansão realizada estava relacionada com a abordagem “B”. A linha Ekos reforçou a proposta de valor da empresa baseada na imagem responsável e se tornou a principal linha da empresa. Além disso ela impulsionou as atuações internacionais da Natura. Assim, no caso da Natura, pôde-se perceber uma correlação direta entre a resposta mais adequada ao desafio e a inserção de valores sustentáveis na organização. A atitude ligada a esse fato se iniciou em 1992, quando a empresa assumiu formalmente uma proposta de valor relacionada à ética. Essa atitude foi analisada sob a luz das três dimensões, e, nas três ocasiões, foi relacionada integralmente com a Abordagem “B”. Não houve atitudes percebidas na trajetória das empresas que remeteram as relações possíveis relações propostas entre a Abordagem “A” e o primeiro desafio. • Navegação em um Ambiente Dinâmico Nos anos entre 1997 e 1999, a Natura começou a participar ativamente da formação de conhecimento em RSC. Ela contribuiu para a fundação do Instituto Ethos em 1998 e foi a primeira empresa nacional a reportar para o GRI, influenciando as posteriormente outras empresas interessadas. Nesse contexto, é possível afirmar que a empresa estava entre as pioneiras na criação de políticas de RSC que seriam seguidas por outras empresas. Isso, por ser condizente com a proposta de valor da Natura, foi importante para que a Natura fosse reconhecida por vários stakeholders como modelo de RSC. Participando da criação do principal agente desenvolvedor de políticas ligadas à RSC, a Natura também contribuiu para responder adequadamente o segundo desafio proposto por Fleck (2006). Com isso, a Natura assumiu o controle das diretrizes que moldariam a forma das empresas atuar em RSC. Esse fato permitiu que ela se antecipasse às tendências e ganhasse maior reconhecimento. Essa postura adotada tem ligação com as respostas 150 estratégicas às pressões institucionais denominada de Manipular por Oliver (1991). Assim, a pioneirismo e a motivação intrínseca dessa atitude adotada estimulou e possibilitou a moldagem do ambiente. Além disso, a Natura garantiu legitimidade a sua proposta de valor. Como a incorporação dos princípios éticos e responsáveis foi realizada de forma sistêmica dentro da empresa, as ações sociais da Natura conseguiram agregar valor ao produto da empresa. Na análise do Boticário foi visto que não houve relação entre a motivação intrínseca de uma iniciativa e a utilização das estratégias propostas por Oliver (1991) de Manipular ou Desafiar. A iniciativa de criar a FBPN que possuía, além de ser uma iniciativa pioneira, a característica de ser motivada intrinsecamente, não estimulou nenhuma resposta . Esperava-se que uma atitude ou iniciativa que fosse incorporada com essas características estimulasse a utilização de respostas estratégicas como a de manipular o ambiente. • Gerenciamento da Diversidade A incorporação de valores éticos pela Natura e a especificação da Razão de Ser baseada em uma proposta responsável contribuíram para que a empresa melhorasse sua resposta ao terceiro desafio do Crescimento. Essa atitude Pioneira e sistêmica promoveu a integração da empresa, orientando a unificação das empresas do grupo e promovendo uma base conceitual para geração de Produtos. Na época em que a natura lançou o conceito “Bem Estar e Estar Bem” ela conseguiu aumentar em 60% no número de produtos comercilaizados. Essa capacidade, essencial na competição entre as empresas do setor de cosméticos, está relacionada ao desafio do Gerenciamento da Diversidade , porque a Natura pôde utilizar os conceitos de transparência, da ética e das relações interpessoais para impulsionar a criação de produtos. Assim, o mesmo valor que ajudou na integração do corpo da corporação e promoveu a ética nos negócios da empresa permitiu que ela se diferenciasse das concorrentes. 151 Além disso, a autenticidade da empresa, tanto no conceito criado, quanto na utilização de seus valores para o desenvolvimento de produtos, colaborou para que a Natura conseguisse explorar a vantagem de ter sua imagem associada a questões ligadas à RSC. Essa capacidade de explorar a responsabilidade social como conteúdo para gerar novos produtos é um recurso socialmente complexo na Natura. Os próprios dirigentes chegaram a firmar em seus discursos que a inovação seria secundário na geração de novos produtos, sendo que, o conceito presente nos itens e os valores promovidos pela empresa seriam a principal forma de diferenciação. Dessa forma, a integridade, tanto no sentido de ética como no sentido de well-being do corpo da corporação foi influenciada positivamente na medida que a empresa atua de acordo com as vertentes da abordagem “B”. Essa integridade influenciou a geração de recursos socialmente complexos e duradouros que por sua vez fazem parte do âmbito do quarto desafio ao crescimento saudável. No Boticário, a incorporação do relacionamento forte com os clientes contribuiu para que a empresa gerasse recursos capazes de gerar vantagem competitiva. A aproximação da empresa a esse importante stakeholder permitiu que ela gerasse novas linhas de produtos, fidelizasse clientes e explorasse nos segmentos. Essa orientação contribuiu para a integração da empresa quando o Boticário, com o intuito melhorar a confiabilidade de seus pontos de venda padronizou todas as lojas e excluiu o Máster Franqueado de sua cadeia de distribuição. Essa medida possibilitou um controle maior dos hábitos dos clientes e uma estruturação unificada do posicionamento no ponto de venda da empresa. • Provisão de Recursos Humanos Não foi possível analisar nenhuma iniciativa relacionada à RSC que estimulasse a atração ou a retenção de pessoas nas duas empresas. Duas entrevistadas da Natura, que tinham pouco tempo de casa, ressaltaram que a imagem responsável da empresa foi um fator de atratividade. É possível se 152 especular que isso tenha tido relação com o fato da Natura ter boas condições de trabalho para as mulheres, mas não houve indícios fortes dessa relação. Apesar de não ter sido possível examinar a relação entre os aspectos das abordagens e a atração de recursos humanos nas empresas, na Natura, os valores éticos inerentes à identidade da empresa serviram para orientar o corpo gerencial. Após unificação das empresas do Grupo Natura, em 1990, vários gestores foram trazidos de outras empresas para assumirem cargos importantes na Natura. Esses gestores, acostumados a diferentes culturas organizacionais, somente se alinharam após o desenvolvimento de uma razão de ser e de valores comuns formalizados. Mais uma vez, essa iniciativa, que foi enquadrada perfeitamente na Abordagem “B”, contribuiu para uma resposta adequada. Isso vai ao encontro da afirmação de que políticas consistentes favorecem a unidade administrativa da firma, possibilitando que julgamentos adequados possam ser efetuados por um grande número de pessoas dentro da firma (PENROSE 2006; P. 53). Esse contexto contribui para que rapidamente os gestores passassem a ter uma orientação comum acelerando o processo de geração de uma experiência compartilhada. • Gerenciamento da Complexidade A adoção de práticas formais de relacionamento com seus clientes a partir de 1989 pelo Boticário teve relação com o desafio do gerenciamento da Complexidade. Isso ocorre, por que a empresa, devido a essa forte preocupação com esse Stakeholder passou a sistematizar o monitoramento de seus clientes, que antes era feito de maneira informal e não sistemática. Dessa forma, o Boticário se tornou menos imediatista na relação com seus clientes. A organização foi aumentando de tamanho, e, a medida que aumentou complexidade na tomada de decisão, o Boticário promoveu uma solução ligada à RSC. A empresa contrariou a tendência apontada por Pascale, Millemann e Gioja (2000) de simplificar e utilizar comportamentos ultrapassados quando formalizou e estruturou a forma de relacionar com seus clientes num âmbito nacional. Essa atitude foi condizente com uma resposta sistemática ao desafio Clompexity Management. 153 A mesma atitude, percebida pela ótica das abordagens de RSC trabalhadas, foi qualificada como “B”, pois ela ampliou o entendimento da organização como sendo parte de um sistema maior ao trazer a rede de clientes para “dentro” da empresa. Vale lembrar que o Boticário foi, de certa forma, pioneiro e proativo nessa forma de atuação. Essa atitude sistêmica contribuiu para que empresa se afastasse da vertente reativa de e da vertente periférica da RSC do tipo “A”. 154 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS 6.1 Conclusões 6.1.1 O modelo das abordagens “A” e “B” O presente trabalho visou contribuir para o entendimento da RSC desenvolvendo duas abordagens sobre o tema. Diferentemente de outras pesquisas, que tinham como principal objetivo qualificar a responsabilidade social das empresas por meio das ações adotadas, desenvolveu-se nesta pesquisa uma ferramenta para permitir que as organizações fossem avaliadas pela maneira com a qual os comportamentos relacionados à RSC são incorporados pelas empresas. Para isso, efetuou-se uma análise contextualizada dessas atitudes. Esse tipo de análise permite entender o engajamento de uma empresa no tange à RSC, bem como o impacto desse engajamento na trajetória da empresa. Foi possível perceber, nos casos analisados, que iniciativas sociais ou ambientais Pioneiras estavam relacionados com aspectos relevantes da forma de atuação das empresas. Quando essas ações sócio-ambientais eram incorporadas por pressões externas, elas perdiam parte do poder de mobilizar a organização e possuíam menos impacto na trajetória da empresa. Nesse contexto, a dimensão da institucionalização se mostrou adequada para entender a origem e a originalidade das atitudes e iniciativas adotadas pela empresa. A análise das pressões que levariam a empresa a incorporar certo comportamento contribuiu para distinguir o grau de autenticidade de certa atitude. Na Dimensão do Investimento, houve uma dificuldade grande de determinar se a incorporação de uma atitude foi adotada para gerar folga financeira. Apesar desta ter sido a dimensão mais complexa da análise ela não pode ser descartada. Isso ocorre, pela importância atribuída por teóricos do tema ao balanceamento dos objetivos de uma empresa quando se analisa a postura da mesma em relação à sustentabilidade nos negócios. Contudo, os aspectos de análises dessa dimensão precisam ser mais bem explorados. 155 A última dimensão, que lidava com inserção dos valores ligados à sustentabilidade na empresa foi a dimensão que mais se beneficiou do tipo de análise realizada nesta pesquisa. Isso ocorreu, pois a análise longitudinal permitiu analisar a sistematização, ao longo do tempo de todas as práticas relacionadas à RSC. Com ela foi possível diferenciar a postura das duas empresas analisadas de forma clara. Enquanto a Natura inseria cada vez mais os valores ligados às práticas recomendáveis de sustentabilidade, o Boticário continuava com práticas periféricas que não eram incorporadas nas operações da empresa. Essa dimensão de análise se sobressaiu diante das duas outras. Aparentemente, o fato de uma atitude ligada à RSC estar relacionada à atividade da empresa é mais importante do que o fato da empresa possuir atitudes incorporadas de modo independente. Isso ocorre, por que esta dimensão se ocupava exclusivamente da qualificação do processo de incorporação das atitudes . De uma forma geral, as três dimensões, embora não forneçam indicadores objetivos, contribuíram para entender as atitudes incorporadas pelas empresas. Modelos de análise com o foco nos processos de incorporação são uma alternativa interessante para distinguir a postura sócioresponsável de uma empresa. Quando se parte da premissa que o mundo dos negócios está se modificando e fazendo com que empresas adotem modelos sustentáveis de gestão, o desenvolvimento de ferramentas mais profundas de análise das questões ligadas à RSC deve ser trabalhado. 6.1.2 A relação entre o crescimento saudável e as Abordagens Poucas das relações sugeridas entre as respostas aos desafios do crescimento e a incorporação de atitudes ligadas à RSC e à sustentabilidade puderam ser observadas ao longo da trajetória das empresas analisadas. É importante deixar claro que se adotou uma postura conservadora na busca por relações, na qual apenas as mais evidentes foram consideradas subsídios de análises. Além disso, procurou-se se ater estritamente às relações mencionadas na parte teórica do trabalho, objetivando, apenas, explorar idéias existentes na literatura. 156 As análises realizadas, mostraram que as repostas adequadas ao desafios de crescimento foram relacionadas a aspectos de RSC ligados à abordagem “B”. Contudo, não foi possível estabelecer uma relação de causa e efeito direta. Apesar da impossibilidade de se estabelecer uma relação causal, a análise empírica mostra que o modelo de crescimento utilizado (Fleck, 2006) considera intrinsecamente questões importantes que também podem ser atribuídas a uma atitude sustentável nos negócios. Por exemplo, quando as empresas, sistematizam o aprendizado respondendo de forma mais adequada ao desafio Gerenciamento da Complexidade, elas também favorecem para que boas práticas de sustentabilidade sejam incorporadas de maneira adequada. Dessa forma, a incorporação de práticas desejáveis de gestão, sejam elas no âmbito da RSC ou não, é facilitada por um padrão de resposta adequada à esse desafio. Outro exemplo pôde ser visto no âmbito do desafio Navegação em um Ambiente Dinânico. A Natura, somente conseguiu ser reconhecida como pioneira brasileira o que tange as práticas de sustentabilidade por que respondeu adequadamente ao segundo desafio. Mesmo sendo menos evidente, pôde-se perceber uma relação onde às práticas incorporadas de forma “B” contribuíram para a resposta adequada aos desafios. Como destacado na parte teórica, uma empresa poderia se beneficiar de um elo forte estabelecido pela adesão à práticas sustentáveis inseridas na organização de forma autêntica, e a partir disso, melhorar a sua resposta ao desafio da Gerenciamento da Diversidade. Na Natura, quando a empresa passou a considerar, no início da década de 90, seus valores e sua ética como um ativo importante da empresa, ela conseguiu integrar o seu processo de crescimento. Ela conseguiu insumo conceitual para criação de produtos e um meio para se promover no mercado de forma diferenciada. Nesse aspecto, tanto a inserção de valores na empresa quando o grau de pioneirismo favoreceram a superação do terceiro desafio. 157 6.2 Sugestão para pesquisas futuras A grande expectativa do presente do presente trabalho foi contribuir para entendimento da incorporação de práticas relacionadas responsabilidade social corporativa e a sustentabilidade nos negócios e seus impactos no desempenho geral de uma empresa. Espera-se que esta pesquisa, estimule a busca por ferramentas que possibilitem que a RSC seja analisada de maneira longitudinal. É importante se preocupar com o conflito entre métodos mais fiéis aos dados, que proporcionam maior precisão, e métodos mais reducionistas, que permitem uma objetividade maior no entendimento (Langey, 1993; p. 696). Talvez, em um primeiro momento, técnicas mais fidedignas aos dados devam ser utilizadas para que se desenvolvam modelos de análises como o das dimensões “B” e “A”. Em um segundo momento, técnicas mais reducionistas devam ser utilizadas para que os aspectos estudados sejam mais facilmente identificados e interpretados. Ressalta-se também a necessidade do aprimoramento das dimensões de análises aqui exploradas. Acredita-se que para mensuração da efetividade da RSC o Bem Estar causado pela empresa em todos os stakeholders também deva ser percebidos de maneira longitudinal. Por último, apesar da dificuldade, recomenda-se que modelos de mensuração do desempenho de uma organização sejam associados à qualificação de uma empresa quanto à forma de atuação no âmbito da RSC. Apesar da complexidade inerente em mensurar o desempenho com o foco no longo prazo, a RSC deve sempre ser relacionada a esse tipo de métrica. Quando uma temática aborda o relacionamento das empresas com os seus múltiplos stakeholders e considera o desenvolvimento sustentável como um objetivo importante para as organizações, medidas que considerem apenas um momento no tempo são menos válidas que medidas que incorporem a capacidade de perpetuação de uma firma. 158 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Ashley, Patrícia Almeida .Ética e responsabilidade Social nos negócios. Editora: Saraiva, Segunda Edição, 2005. Bendell, Jem; Bendell, Mark. Facing Corporate Power. In: The Debate over Corporate Social responsibility. Organizadores: May, Steve; Cheney, George; Roper, Juliet. Editora: Oxford University Press, 2007. Bullis, Connie; Ie, Fumiko. Corporate Eviromentalism .In: The Debate over Corporate Social responsibility. Organizadores: May, Steve; Cheney, George; Roper, Juliet. 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O Boticário quer conquistar Paris. Gazeta mercantil, 09/12/1986 O Boticário quer conquistar Paris. Gazeta mercantil, 09/12/1986. O Boticário vai ocupar a presidência da ABF. Folha de são Paulo, 24/10/2004. O Boticário. Folha de São Paulo. 12/05/1996 O Boticário: Perfumes que rimam com florestas. Exame, 15/03/1991. O ciclo da água no Espaço Cajmar. Case Prêmio Mérito Ambiental, Fiesp 2005 .Disponível em http://www.fiesp.com.br/ambiente/pdf/merito/2005_Natura.pdf acessado em 06/06/2008. O mea-culpa ambiental da Natura. Gazeta Mercantil, 07/06/2002. O sucesso sem Maquilagem. Exame, 30/10/1989. O terceiro setor gira em torno de R$ 12 bilhões por ano. Gazeta Mercantil, 23/10/2002. Obra patrocinada pelo banco Multiplic. Pense Gande: A história de dez empreendedores que concretizaram suas idéias em empresas sólidas e lucrativas trabalhando com persistência e criatividade. Editora Premium, São Paulo, 1989 Os poderes das plantas da Floresta. Folha de São Paulo 21/08/2003. Palestra aponta caminho para a "quarta geração". Folha de São Paulo, 05/04/1998. Portal Info Server. Casos de sucesso. Disponível http://www.infoserver.com.br/cases/Natura.asp Acessado em 06/06/2008. em Primeiro Mundo na Linha da Natura. Valor Econômico, 11/05/2002. Programa apoia projeto institucional. Folha de São Paulo, 06/04/1996. Quem riu quando os outros estavam chorando. Exame, 30/10/1991. 166 ANEXOS ANEXO A – Estruturas societárias da Natura Quadro 1 – Estrutura societária da Natura antes da reestruturação (2002) Natura Participações (Brasil) Natura Empreendimentos (Brasil) NATURA Natura COSMÉTICOS Inovação (Brasil) (Brasil) Natura Natura Natura Cosméticos S.A. Cosméticos S.A. Cosméticos S.A. (Argentina) (Peru) (Chile) Natura Brasil Natura Natura Cosmética Ltda. Cosméticos Colômbia Ltda. de Trading S.A. Commodities (em liquidação) S.R.L. (em liquidação) (em liquidação) (Portugal) (em liquidação) (Colômbia) (Uruguai) (Venezuela) Natura Indústria (Brasil) Nova Flora Natura Natura (Brasil) Cosméticos S.A. Cosméticos (México) México S.A. de (em liquidação) Natura Logística Flora Medicinal Natura (Brasil) (Brasil) Cosméticos Natura y Cosméticos Servicios S.A. Servicios (México) México S.A. y de (em liquidação) 167 Quadro 2 – Estrutura societária da Natura após a reestruturação (2004) 168 ANEXO B – Análise das Curvas de Crescimento A análise da trajetória de crescimento por meio do indicador de tamanho proposto por Fleck (1999) auxiliará na identificação das relações ente o modelo das abordagens e os desafios do Crescimento. Com as curvas de crescimento relativo traçadas, será mais fácil identificar relações entre as atitudes incorporadas, as respostas aos desafios, e possíveis períodos nos quais houve um aumento de tamanho. A primeira parte análise utiliza os gráficos de crescimento para perceber algumas relações entre a incorporação das atitudes ligadas a RSC e a sustentabilidade e a trajetória de crescimento. Os gráficos de crescimentos, estabelecidos na Equação 3.1, são apresentados a seguir. É importante destacar que os gráficos são um indicador do tamanho relativo de uma empresa na economia (Fleck, 2001; p. 7) e, apesar da Natura e o Boticário estarem competindo no mesmo ambiente, a primeira é bem maior, em termos de faturamento, que a segunda. Gráfico 5.7 – Natura: Vendas/PIB 2007 2006 2005 2004 2003 2002 2001 2000 1999 1998 1997 1996 1995 1994 1993 1992 1991 1990 1989 1988 1987 1986 1985 1984 1983 1982 1981 1980 1979 1978 1977 1976 1975 1974 1973 1972 1971 1970 1969 Vendas Natura/PIB Fonte: Elaborado pelo autor A taxa de crescimento em ano, dada pela inclinação da curva mostra claramente 1999 como o ano em que se percebeu a maior alta no faturamento em comparação com o PIB. No caso do Boticário a curva é mais moderada, não havendo um ano de destaque considerando esse indicador quantitativo. 169 Gráfico 5.8 – Boticário: Vendas/PIB 2008 2007 2006 2005 2004 2003 2002 2001 2000 1999 1998 1997 1996 1995 1994 1993 1992 1991 1990 1989 1988 1987 1986 1985 1984 1983 1982 1981 1980 1979 1978 1977 Vendas Boticário/PIB Fonte:Elaborado pelo autor A curva mostra um crescimento praticamente constante. Essa característica é observada é coerente com a ambição do fundador da empresa, que controlava a todo instante o crescimento das franquias e os níveis de endividamento da empresa. Como o parâmetro de tamanho da Natura no final da trajetória analisada estava em torno de 0,3 e o do Boticário não chegou a ultrapassar a marca dos 0,03 a comparação do taxa relativa de crescimento das empresas não pode ser visualizada conjuntamente em apenas um eixo. Para tal, foi construído um gráfico no qual um eixo das ordenadas foi utilizado para cada uma das duas empresas. Faturamento / Pib (Boticário) Gráfico 5.9 – Natura x Boticário: Vendas/PIB 1999 1998 1997 1996 1995 1994 1993 1992 1991 1990 1989 1988 1987 1986 1985 1984 1983 1982 1981 1980 1979 1978 1977 1976 1975 1974 1973 1972 1971 1970 1969 Vendas Natura/PIB 0% 0% 0% 0% Vendas Boticário/PIB Fonte:Elaborado pelo autor A diferença das duas empresas não pode ser explicada apenas pela diferença de idade. A Natura cresceu mais rapidamente que o Boticário. Isso é 170 o primeiro indício que a Natura foi mais ambiciosa que o Boticário. A sobreposição das curvas não indicou nenhum sinal claro de semelhança na variação da taxa de crescimento. 171 ANEXO C - Escolha das firmas estudadas A escolha das empresas que seriam estudadas na pesquisa foi um processo complexo. Para serem selecionadas para estudos, as empresas deveriam atender a vários pré-requisitos que determinariam não só a qualidade como a viabilidade da pesquisa proposta. Foram três as condições principais que as empresas atendidas deveriam atender para viabilizar o estudo. Como o trabalho busca entender como se deu a incorporação de aspectos relacionados à RSC e à sustentabilidade ao longo do tempo, como o engajamento em relações transparentes com stakeholders e a metrificação do desempenho social e ambiental, era necessário que as empresas escolhidas fossem reconhecidas por suas iniciativas ligadas ao tema. Além disso, era importante que essas atitudes ou iniciativas fossem manifestadas há algum tempo. Esse aspecto permitiria associá-las aos desafios do crescimento, bem como viabilizariam um melhor acompanhamento da evolução dessas atitudes ao longo do tempo. Essa restrição ocorreu para tentar garantir evidências suficientes, fator que, de acordo com Yin (1989; p.149), contribui para validar o estudo de caso proposto. Também era necessário que as empresas escolhidas estivessem no mesmo contexto competitivo para que fossem afetadas pelas mesmas regulamentações e impactos externos. Isso viabilizaria algumas comparações importantes na qualificação das organizações nas duas abordagens, sobretudo quanto à autenticidade das iniciativas sociais de cada uma delas. Como o discurso e comunicação possuem relação forte com a RSC, esse atributo também propiciaria a identificação de aspectos comuns nos discursos das empresas, bem como a utilização indevida de estratégias de promoção baseadas em falsos méritos. Quanto a esse quesito, é importante destacar que os casos não foram escolhidos por se tratarem de casos que elucidam o que Yin (1989; p. 147) chama de proposições rivais. Isso significa que não se espera a priori que cada uma das empresas se enquadrem exatamente em algum tipo de RSC ou como estando mais próxima de alguns dos pólos desenvolvido por Fleck (2006). Por mais que essa constatação fosse possível, essa não foi uma premissa para escolha dos casos. 172 No intuito de possibilitar um levantamento de eventos que remetessem à respostas dos desafios do crescimento saudável, seria necessário empresas com certa idade. Isso também permitira que as empresas fossem analisadas antes da atual onda de preocupação com a sociedade e o meio ambiente, que fez com várias empresas voltassem esforços para essas áreas. Considerou-se que, após 1998, muitas empresas foram influenciadas, por pressões externas, a investir de alguma maneira em responsabilidade social e em sustentabilidade. Assim, após a consideração dessas restrições, foram eleitas para estudo a Natura e o Boticário. A primeira, fundada em 1969, foi considerada empresa modelo de responsabilidade social por várias instituições, a segunda, de 30 anos de idade, foi pioneira na preservação ambiental. Apesar da Natura ser mais antiga e duas vezes maior em termos de faturamento anual que o Boticário, ambas são do setor de perfumaria e cosméticos e competem em alguns segmentos. Além desse par, outros pares foram considerados para compor os casos estudas na pesquisa no setor de papel e celulose e serviços financeiros. 173