ALGUMAS PALAVRAS
Há três livros, de meu ponto de vista, que teriam sido escritos à intenção do
público infantil, ou, no limite, do público infanto-juvenil: Alice no País das Maravilhas,
Alice no País do Espelho, de Lewis Carroll, e O Pequeno Príncipe, de Antoine de SaintExupéry, já que Os Meninos da Rua Paulo, do húngaro Ferenc Molnár, foi francamente
escrito não para crianças, mas para jovens leitores. Certo é que todos eles fizeram
enorme sucesso junto ao público adulto. Teria correspondido a um desejo recôndito dos
autores? Ou, em razão da temática e do modo de tratá-la, também teriam encantado o
público de mais idade? O Pequeno Príncipe é uma das mais belas alegorias sobre o
amor jamais escritas. E o amor é um tema que interessa a todos, todos com ele se
enternecem, se alegram, se entusiasmam, até mesmo os eventualmente atingidos por
misantropia. Não somente o amor entre homem e mulher, entre macho e fêmea, que
encontrou uma esplêndida forma de expressão nos Cantares de Salomão, ou Cântico
dos Cânticos.
Os livros de Lewis Carroll não seguem o esquema dos contos de fada
tradicionais. Nem das fábulas antigas. Não concluem com nenhuma moral, com nenhum
ensinamento edificante. São histórias fantásticas, no sentido primeiro dessa palavra; há
um encadeamento lógico dentro do que é permitido nos “contos maravilhosos”, uma
lógica que foge à lógica do mundo real e que pontua o tempo e o espaço, os
movimentos, as transformações, as transições. Uma lógica rigorosa. O lúdico
transmuda-se no irônico. O sisudo, no hilário e no ridículo. O sistema é colocado em
causa pela linguagem metafórica. Tudo é um jogo, seja de cartas, de croqué ou de
xadrez. Um jogo, como a própria vida, sem dourar a pílula, sem edulcorar a realidade
mesmo ficcional.
As crianças se encantam, claro, com o “maravilhoso”, o mágico, as aventuras e
até as possíveis desventuras da heroína, porque as há.
Lewis Carroll tinha em mente, no ponto de partida, escrever somente para o
público infanto-juvenil? Ou teria ele uma visão mais ampla dos destinatários de suas
histórias?
Quando criança, meu filho Eduardo andava frequentemente vestido de um superherói, Batman mais precisamente. Ele sempre brincava referindo-se a uma passagem
secreta. Por alguns anos foi assim: ele tentando descobrir passagens secretas. Hoje,
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Eduardo vive em Guildford, nas proximidades de Londres, cidade onde Lewis Carroll
deixou o mundo dos vivos em 1898. A sua grande passagem.
Jacques Leenhardt em seu livro Lecture Politique du Roman comenta um texto
de Lucien Goldmann onde este propõe a distinção entre explicação e compreensão, que
transcrevo:
“A escrita produz significações, ela é o seu trampolim. Ele as
manifesta, as dá a conhecer, porém as condições necessárias dessas
produções lhe são preexistentes. Daí porque a compreensão das obras
literárias como produções impõe ao pesquisador de as inserir no
quadro dessas condições necessárias da ordem do pensamento, que
denominamos visão do mundo. Por seu turno, cada visão do mundo
não existe propriamente senão como parte integrante das funções
sociológicas. Assim, compreender uma obra é esclarecer sua relação
com uma visão do mundo, e explicá-la é demonstrar a função dessa
visão do mundo dentro da estrutura sociológica global.”
E mais adiante, acrescenta Leenhardt:
“Com efeito, a compreensão visa a retirar a estrutura significativa
de uma obra (ou de um conjunto de obras), e a explicação a inserir
essa estrutura em um conjunto mais amplo. Não há, pois, dualidade,
mas diferença entre quadros de referência”.1
Para a leitura em português, vali-me dos livros Alice no País das Maravilhas,
tradução de Rosaura Eichenberg (para o texto) e Ísis Alves (para os poemas), de Alice
no País do Espelho, tradução de William Lagos, ambos da L&PM POCKET, e de Alice
no País das Maravilhas, Alice do Outro Lado do Espelho, Publicações EuropaAmérica, tradução de Vera Azancot, bem assim, em menor medida, de Alice no País
das Maravilhas, Livraria Civilização Editora, tradução de Alexandrina Bento, cotejando
sempre com o original.
Este livro é dedicado ao meu filho Eduardo, quem primeiro me ensinou acerca
de passagens secretas.
1
Cf. LEENHARDT, Jacques. Lecture Politique du Roman; la Jalousie d’Alain Robbe-Grillet, p.21.
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O PAÍS DAS MARAVILHAS
O que seria uma passagem secreta no imaginário das crianças? Posso apenas me
arriscar a fazer uma ideia do que meu filho Eduardo entendia aos 3 ou 4 anos por
passagem secreta. Ele que andava vestido de super-herói porventura vislumbrasse em
sua imaginação de criança que tal passagem, por ser secreta, só a ele era permitido
transitar; constituía um privilégio seu, por onde poderia “desaparecer” e de onde lhe era
facultado ressurgir, como num passe de mágica.
Na tradição dos Magos do Egito, as muitas passagens secretas, em geral
subterrâneas, eram locais de “passagem” no sentido ritualístico do termo. De viagem
iniciática ou rito de iniciação em que, ao se submeter a provas dificílimas, se adquiriam
virtudes e privilégios especiais e era por fim aceito naquela restrita comunidade. A
passagem secreta é, assim, um acesso a um mundo mágico, encantado, que só a poucos
é dado conhecer.
A toca por onde o Coelho Branco em Alice no País das Maravilhas se enfurna
seria, portanto, em certo sentido, uma passagem secreta dando acesso a outro mundo,
um mundo de sonhos, a outra realidade, diferente – não necessariamente melhor – da
que estamos habituados. Primeiramente, Alice entra numa espécie de túnel, depois cai
em um poço; ela cai, a bem da verdade, em uma espécie de abismo formando um ângulo
reto com o plano da superfície. Ela cai num ângulo reto. E a menina tem a sensação de
que está caindo muito devagar ou então o poço é demasiado profundo. O espaço e o
tempo se entrelaçam. A velocidade da queda, que seria uma constante em um “ambiente
ideal” (vácuo), é uma sensação que não diz muito sobre o tempo e o espaço, porque,
dada a lei da gravidade, deixa de ser uma constante.
A rigor, em Alice no País das Maravilhas, existem várias passagens secretas ao
longo da história, quatro se eu aprendi bem a conta de adição, ou se a distração não me
deixou escapar alguma, e uma em Alice no País do Espelho, passagem essa que é o
próprio espelho.
Não devemos perder de vista que a história se passa durante a era vitoriana, o
capitalismo indo a todo o vapor e a ascensão da burguesia. Havia mais circulação de
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dinheiro, a indústria e os negócios adquiriam mais importância do que a renda advinda
da propriedade de natureza feudal, a rígida hierarquia social cambaleava, havia,
portanto, mais mobilidade social no plano vertical. Os novos tempos permitiam o riso
relativamente aos velhos costumes, inclusive de mando, nutrido longamente pela estirpe
nobre. Tive ocasião de escrever em De Fantasmas e Loucura, referindo-me ao grande
teórico Lucien Goldmann que em sua sociologia do espírito “a tese central é que a
abordagem sociológica de uma obra de arte literária se resume na explicação das
relações entre a dada obra e as classes sociais da época em que ela foi escrita. Essa
tarefa, contudo, não exclui, ao contrário, completa a tarefa preliminar que é a de
‘compreendê-la em sua significação própria e julgá-la no plano estético, isto é, enquanto
universo concreto de seres e de coisas criado pelo escritor que nos fala através dela’”.2
Alice fazia uma reflexão sobre custo/benefício quando, de repente, passou o
Coelho Branco:
“Assim ela ficou pensando consigo mesma (da melhor maneira
possível, pois o dia quente a fazia se sentir muito sonolenta e estúpida)
se o prazer de fazer uma corrente de margaridas valeria o esforço de se
levantar e colher as margaridas, quando de repente um Coelho Branco
de olhos cor-de-rosa passou correndo perto dela”.
O Coelho estava muito preocupado com a medição do tempo, e dizia para si
próprio que iria chegar atrasado: “Oh, meu Deus! Oh, meu Deus! Vou chegar tarde!” E
então o Coelho tirou um relógio do bolso, olhou o mostrador e continuou apressado.
Foi então que o Coelho se enfurnou no túnel e depois no poço. Ao chegar à segunda
passagem secreta, Alice que o havia seguido, o ouviu dizer, ele que estava apressado e
“não havia um minuto a perder”: “Ai, as minhas orelhas e os meus bigodes, é tarde!”
Surge agora a terceira passagem secreta:
“De repente, [Alice] viu-se diante de uma mesinha de três pés, toda
feita de vidro maciço. Não havia nada sobre a mesa exceto uma
diminuta chave de ouro, e a primeira ideia de Alice foi que talvez
pertencesse a uma das portas no saguão. Mas, ai! Ou as fechaduras
eram grandes demais, ou a chave era pequena demais, o certo é que
2
Cf. BRAGA, Pedro. De Fantasmas e Loucura, p. 38
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não abria nenhuma das portas. Entretanto, na sua segunda tentativa,
descobriu uma cortina baixa que não tinha notado antes, e atrás da
cortina havia uma portinha de uns quarenta centímetros de altura. Ela
tentou enfiar a chavinha de ouro na fechadura e, para sua grande
alegria, serviu!
“Alice abriu a porta e descobriu que ela dava para um pequeno
corredor, não muito maior que um buraco de rato. Ajoelhou-se e
contemplou pelo corredor o jardim mais encantador que já tinha visto.
Como ela queria sair daquele saguão escuro e passear entre a fontes
tranqüilas e os canteiros de flores coloridas”.
Lewis Carroll nos remete aqui para o mito do locus amoenus tão forte no
imaginário na Antiguidade e que se reflete, aliás, em grande parte da literatura da
época. Mais adiante, Carroll fará outra referência a esse mito. Em todo caso, no mundo
de sonhos por ele construído, quase tudo era possível. Essa a vantagem do mundo
onírico: a possibilidade do impossível. Carroll se permite reflexões, recorrendo à
metáfora, para falar sobre escatologia, o que virá depois da vida, o que se passa depois
da morte. Um grande mistério. Após a menina beber o conteúdo de uma garrafa que
encontrou, ela começou a encolher. Gostaria de encolher como um telescópio para
poder ter acesso pela estreita passagem. Mas não queria encolher em demasia:
“Ela estava um pouco nervosa a respeito disso, ‘pois podia
acontecer, sabe’, disse Alice para si mesma, ‘que eu sumisse
completamente, como uma vela. E o que eu seria então?’ E ela tentou
imaginar com o que se parece a chama de uma vela depois de
apagada, pois não conseguia se lembrar de jamais ter visto uma coisa
dessas”.
Aquele mundo de “maravilhas” era igualmente um mundo problemático.
Questões de ordem psicológicas não desapareciam. Assim, a questão da identidade.
Referindo-se a Mabel, uma coleguinha pobre e tida como pouco inteligente, Alice dizia
com os olhos cheios de lágrimas, movida por um sentimento de autopiedade:
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“Devo ser Mabel afinal de contas, e vou ter de ir viver naquela casinha
miserável, sem ter quase nenhum brinquedo para brincar, e oh, sempre
tantas lições para estudar! Não, já decidi: se sou Mabel, vou ficar aqui
embaixo! Não vai adiantar nada eles enfiarem as cabeças para baixo e
dizerem: ‘Venha para cima, querida!’ Vou olhar para cima e falar:
‘Quem sou eu então? Primeiro me digam isso, e depois, se eu gostar
de ser essa pessoa, vou subir. Se eu não gostar, vou ficar aqui embaixo
até ser outra pessoa’...”
Nessa alternância mágica de crescer e diminuir para adaptar-se a novas
situações, Alice e um camundongo ficam dentro de uma grande poça de lágrimas
derramadas pela menina quando ainda estava grande. Quando ela viu o camundongo
tentando safar-se, ela se dirigiu a ele. “O camundongo olhou para ela com um ar de
interrogação, e Alice teve a impressão de que piscara com um dos olhinhos, mas ele
nada disse”. (Criaturas do reino animal existentes e imaginárias e do reino vegetal, bem
como cartas de baralho convivem e interagem; as cartas de baralho ou são nobres ou
lacaios).
“‘Talvez não compreenda inglês’, pensou Alice. ‘Acho que é um camundongo
francês, que veio com William o Conquistador.’” O camundongo, páginas adiante,
explica a Alice e a alguns animais esse fato da História da Inglaterra:
“‘Ahã’, disse o Camundongo com um ar importante. ‘Estão
prontos? Este é o texto mais seco e sem molho que conheço. Silêncio
ao redor, por favor! ‘A William o Conquistador, submeteram os
ingleses, que careciam de líderes e estavam ultimamente acostumados
à usurpação e à conquista. Edwin e Morcar, os condes de Mercia e
Northumbria...’”
Nesse ponto o Camundongo foi interrompido pelo som de arrepio emitido pelo
Papagaio. E continuou: “Edwin e Morcar, os condes de Mercia e Northumbria,
tomaram partido dele, e até Stigand, o arcebispo patriótico de Canterbury, achou isso
recomendável...” Interrompido mais uma vez, desta feita pelo Pato, retomou sua
explanação: “... achou isso recomendável, e foi com Edgar Atheling ao encontro de
William para lhe oferecer a coroa. A conduta de William foi a princípio moderada. Mas
a insolência de seus normandos...”
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William o Conquistador nasceu em Falaise, na Normandia, em 1066 e sequer
falava inglês. Filho do Duque Roberto I da Normandia e de Herleve, tornou-se, com a
morte do pai, duque em 1035, tendo um tio como regente no ducado. Sagrado cavaleiro
aos quinze anos pelo Rei Henrique I, da França, comandou uma rebelião na Normandia
sob inspiração da nobreza adepta da submissão ao rei francês. Reconhecido na
Normandia unificada como um chefe militar de grande experiência, invadiu a Inglaterra
para se apossar do trono inglês, já que seu primo distante Eduardo o Confessor lhe teria
prometido o trono em 1051. Considerava, portanto, Haroldo II um usurpador. Para
tanto, contou com o apoio do Imperador Henrique IV e do papa. Atravessou o Canal da
Mancha com 600 navios, 7.000 homens, dos quais 3.000 de cavalaria. Chegou a
Pevensey e de lá se dirigiu a Londres. Enfrentou as tropas de Haroldo II em Senlac,
Hastings. Essa batalha ocorrida em 1066, a Batalha de Hastings, ficou conhecida como
uma das mais famosas da História da Inglaterra, e só terminou com a morte do Rei
Haroldo e seus irmãos. A Inglaterra contava, nessa época, com cerca de um milhão e
meio de habitantes e era um dos países mais ricos da Europa. Foi coroado no dia de
Natal na Abadia de Westminster. O franco-normando tornou-se idioma muito
difundido. Todas as regiões da Inglaterra eram controladas por normandos. Nos 150
anos após a conquista (que durou 300 anos), a língua usual da aristocracia inglesa era a
francesa. Os descendentes dos anglo-saxões que pretendiam ascender socialmente,
exprimiam-se em francês, a fim de angariar os favores da proeminente aristocracia
normanda que constituía as classes dominantes.
Em passagens tanto de Alice no País das Maravilhas quanto de Alice no País do
Espelho, Lewis Carroll ridiculariza a conquista da Inglaterra pelos normandos, os
anglo-saxões colaboracionistas representados pelos Mensageiros (que numa linguagem
algo depreciativa seriam os “moleques de recado”) e o francês como língua usual, para
demonstrar ascensão na escala social e participação nos círculos da nobreza. Os anglosaxões aparecerão de forma caricata em Alice no País do Espelho.
Estelle Doudet remonta às invasões à Inglaterra a épocas mais remotas:
“No começo, houve Arthur. Esse personagem histórico que viveu em
meados do século VI depois d. C., na época em que a Inglaterra
cristianizada era invadida pelos nórdicos. Ambrosius Arturus, chefe de
clã anglo-romano, reuniu tropas para rechaçar os ataques saxãos
perpetrados no sul da ilha. Sua vitória na batalha do Mont Badon, em
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516, deteve durante algumas dezenas de anos o inexorável avanço de
seus adversário. Ele morreu em combate por volta de 537. A
Inglaterra tornou-se anglo-saxã. A lembrança dessa resistência
perdurou, portanto, na memória. Os historiadores conservaram o nome
de Arthur em seus arquivos. No século IX, a compilação de Nennius,
o mais antigo texto histórico que chegou até nós sobre a ilha, o
menciona, bem assim os Annales de Cambrie redigidos por volta do
ano mil”. 3
Ademais, outro fato histórico digno de nota: o episódio dos jardineiros no
Capítulo VIII – O Campo de Croqué da Rainha, em que eles pintam as rosas brancas
de vermelho, é uma alusão à série de guerras civis entre a Casa de Lancaster e a Casa
de York, que durou de 1455 a 1487. Esses conflitos ficaram conhecidos como as
Guerras das Rosas (the Wars of the Roses) pelo fato dos dois lados terem como
emblema uma rosa: a de York, branca; a de Lancaster, vermelha. Os jardineiros, que
são cartas de baralho, pintam as rosas brancas (plantadas por engano) na cor vermelha,
para que a Rainha de Copas (vermelha, portanto) não percebesse o lamentável
equívoco.
Martin Gardner, por outro lado, em suas anotações em Alice no País do
Espelho, já havia identificado a simbologia do Unicórnio (significando a Escócia) e do
Leão (significando a Inglaterra) em luta pela posse da coroa.
Voltemos ao diálogo entre a menina e o Camundongo. Alice nem sempre é tão
gentil assim. Ela insiste em um tema desagradável. O Camundongo ao ser indagado por
que ele odeia tanto cães e gatos, responde: “A minha história é um longo e triste
rabisco!” E a ideia de sua “história ficou mais ou menos assim”:
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“Au commencement, il y eut Arthur. Ce personnage historique vécut au milieu du VIème siècle aprés
J.-C., à l’époque ou l’Angleterre christianisée subissait les invasions nordiques. Ambrosius Arturus, chef
de clan anglo-roman, réunit des troupes pour repousser les raids saxons qui désolaient le sud de l’île. Sa
victoire à la bataille du Mont Badon, em 516, enraya pendant quelques dizaines d’années l’inexorable
avancée de ses adversaires. Il mourut au combat vers 537. L’Angleterre devint anglo-saxonne. Le
souvenir de cette résistance perdura pourtant dans les mémoires. Les historiens conservèrent le nom
d’Arthur dans leurs archives. Au IXème siècle, la compilation de Nennius, le plus ancien texte historique
qui nous soit parvenu sur l’île, le mentionne, comme les Annales de Cambrie rédigées vers l’an mil.” Cf.
DOUDET, Estelle. Les Chevaliers de la Table Ronde; un mythe européen, p. 5
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