ISSN 1677-9169 Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas The Journal of Getulio Vargas University Hospital V.11. N. 1 JAN./JUN. - 2012 Universidade Federal do Amazonas - UFAM 1 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n. 1 jan./jun. – 2012 revistahugv Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas The Journal of Getulio Vargas University Hospital V.11. N. 1 JAN./JUN. – 2012 UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS HOSPITAL UNIVERSITÁRIO GETÚLIO VARGAS Rua Apurinã nº 04 – Praça 14 de Janeiro, Cep: 69020-170 Manaus - AM Fones: (092) 3305-4782/4719 E-mail: [email protected] FUNDADORES Ricardo Torres Santana Jorge Alberto Mendonça LISTA DO CONSELHO EDITORIAL DA REVISTA HUGV EDITOR-CHEFE Fernando Luiz Westphal Maria Augusta Bessa Rebelo Rosane Dias da Rosa Kathya Augusta Thomé Lopes Maria Lizete Guimarães Dabela LISTA DO CONSELHO CONSULTIVO DA REVISTA HUGV Aristóteles Comte Alencar Julio Mario de Melo e Lima Rodolfo Fagionato Armando de Holanda Guerra Júnior Kathya Augusta Thomé Lopes Rubem Alves da Silva Júnior Cláudio Chaves Leíla Inês de A. Raposo da Camara Coelho Sandra Lúcia Euzébio Cristina de Melo Rocha Lourivaldo Rodrigues de Souza Wilson Bulbol David Lopes Neto Luís Carlos de Lima Zânia Regina Ferreira Pereira Domingos Sávio Nunes de Lima Luiz Carlos de Lima Ferreira Edson de Oliveira Andrade Luiz Fernando Passos Ermerson Silva Marcus Vinicius Della Coletta Eucides Batista da Silva Maria Augusta Bessa Rebelo Eurico Manoel Azevedo Maria do Socorro L. Cardoso Fernando César Façanha Fonseca Maria Fulgência Costa L. Bandeira Fernando Luiz Westphal Maria Lizete Guimarães Dabela Giuseppe Figliuolo Márcia Melo Damian Ione Rodrigues Brum Massanobu Takatani Ivan da Costa Tramujás Miharu Magnória Matsuura Matos Jean Jorge Silva de Souza Petrus Oliva Souza José Correa Lima Netto Ricardo Torres Santana revistahugv Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas The Journal of Getulio Vargas University Hospital v.11. n. 1. jan./jun. – 2012 MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS HOSPITAL UNIVERSITÁRIO GETÚLIO VARGAS Copyright© 2012 Universidade Federal do Amazonas/HUGV REITORA DA UFAM Prof.ª Dra. Márcia Perales Mendes Silva DIRETOR DO HOSPITAL UNIVERSITÁRIO GETÚLIO VARGAS Prof. Dr. Lourivaldo Rodrigues de Souza PRODUÇÃO GRÁFICA-EDITORIAL Wagner Alencar ORGANIZAÇÃO Thaís Borges Viana DIRETORA DA EDUA Prof.ª Dra. Iraildes Caldas Torres DIRETORA DA REVISTA Profª Dayse Enne Botelho REVISÃO (LÍNGUA PORTUGUESA) Sergio Luiz Pereira CAPA Serviço de Ergodesign TIRAGEM 300 EXEMPLARES FICHA CATALOGRÁFICA Ycaro Verçosa dos Santos – CRB-11 287 CDU 61(051) R454 Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas. Revista do Hospital Getúlio Vargas. V. 11, n. 1 (2012) / Manaus: Editora da Universidade Federal do Amazonas, 2012 91 p. Semestral Título da revista em português inglês ISSN – 1677-9169 1. Medicina-Periódico I. Hospital Universitário Getúlio Vargas II. Universidade Federal do Amazonas. CDU 61(051) Sumário Editorial 11 Fernando Luiz Westphal Artigos Originais Resistência do Staphilococcus Aureus aos Antibióticos Empregados em Hospitais da Rede Pública de Manaus (Am) 13 Maria Auxiliadora N. Carvalho, Maria Cristina B. Santos, Spartaco Astolfi Filho, Rose Mary Corrêa Santos, Bruna Cecília Neves de Carvalho, Silvya Cristina Silva Barreto Análise dos Motivos Suspensivos de Cirurgias no Serviço de Cirurgia do Aparelho Digestório do Hospital Universitário Getúlio Vargas da Universidade Federal do Amazonas 20 Joan Faber, Rubem Alves da Silva Júnior, Amanda Alcântara História da Neurocirurgia: das Trepanações Pré-Históricas à Neurocirurgia Minimamente Invasiva 25 Rodolfo Fagionato de Freitas, Bárbara Iasmine Gomes Abreu Christo, Breno Gonçalves Medeiros Avaliação do Pós-Operatório de Pacientes com Miastenia Gravis Submetidos à Timectomia 32 Rebecca Souza Mubarac, Ingrid Loureiro de Queiroz Lima, Luiz Carlos de Lima, Fernando Luiz Westphal, José Correa Neto Relato de Caso Carcinoma Verrucoso de Laringe: Variante Incomum de Carcinoma Epidermoide 38 Renata Farias de Santana, Renato Telles de Souza, Luiz Carlos Nadaf de Lima, Rafael Siqueira de Carvalho, Marcos Antônio Fernandes, Luiz Eduardo Wawrick Fonseca Lipoma de Palato Mole – Relato de Caso 41 Marcos Antônio Fernandes, Renato Telles de Souza, Luiz Carlos Nadaf de Lima, Rafael Siqueira de Carvalho, Renata Farias de Santana, Luiz Eduardo Wawrick Fonseca Morte Súbita Abortada em Paciente Chagásico Crônico da Amazônia Brasileira: Relato de Caso Anne Elizabeth Andrade Sadala Marques, João Marcos Barbosa Ferreira, Jaime Arnez Maldonado, Frederico Gustavo Cordeiro Santos, Danielle Abreu da Costa, Gilmara Anne da Silva Resende, Jorge Augusto de Oliveira Guerra, Maria das Graças Vale Barbosa 44 Miocardiopatia Periparto: Relato de Caso 49 Ana Márcia Freitas Carlos, Michelle Masuyo Minami Sato, Carla Daniela Fank, Marlúcia do Nascimento Nobre Evolução de um Ano de uso de Galsulfase em um Caso de Mucopolissacaridose Tipo VI 54 Renata de Almeida Lemos,Vânia Mesquita Gadelha Prazeres Diagnóstico de Pericardite Tuberculosa por PCR: Relato de Caso 60 Alice Carvalho do Nascimento, Gilmara Anne da Silva Resende, Michelle Masuyo Minami Sato, Ana Márcia Freitas Carlos, Gleide Elane Braga Ferreira, Marlúcia do Nascimento Nobre Tumor Desmoide em Parede Abdominal:um Relato de Caso Rubem Alves da Silva Júnior, Carlos Eduardo Alves da Costa, Márcio Neves Stefani, Raimundo Monteiro Maia Filho, Carmen Oliveira de Carvalho 65 Contents Editorial 11 Fernando Luiz Westphal Original Articles Staphylococcus Aureus Resistance to Antibiotics Used In Public Hospitals Of Manaus (Am) 13 Maria Auxiliadora N. Carvalho, Maria Cristina B. Santos, Spartaco Astolfi Filho, Rose Mary Corrêa Santos, Bruna Cecília Neves de Carvalho, Silvya Cristina Silva Barreto Analysis Memorandum of Surgeries in Suspensive Service Digestive Surgery Instrument of University Hospital Getúlio Vargas the Federal University of Amazon 20 Joan Faber, Rubem Alves da Silva Júnior, Amanda Alcântaraz History Of Neurosurgery: From The Pre-Historical Trepanations To Minimally Invasive Neurosurgery 25 Rodolfo Fagionato de Freitas, Bárbara Iasmine Gomes Abreu Christo, Breno Gonçalves Medeiros Postoperative evaluation of patients undergoing with Myasthenia gravis to thimectomy 32 Rebecca Souza Mubarac, Ingrid Loureiro de Queiroz Lima, Luiz Carlos de Lima, Fernando Luiz Westphal, José Correa Neto Case report Verrucous Carcinoma of The Larynx: An Uncommon Variant Squamous Cell Carcinoma 38 Renata Farias de Santana, Renato Telles de Souza, Luiz Carlos Nadaf de Lima, Rafael Siqueira de Carvalho, Marcos Antônio Fernandes, Luiz Eduardo Wawrick Fonseca Lipoma Soft Palate - Case Report 41 Marcos Antônio Fernandes, Renato Telles de Souza, Luiz Carlos Nadaf de Lima, Rafael Siqueira de Carvalho, Renata Farias de Santana, Luiz Eduardo Wawrick Fonseca Aborted Sudden Death in a Chronic Chagas Disease Patient From the Brazilian Amazon Region: a Case Report Anne Elizabeth Andrade Sadala Marques, João Marcos Barbosa Ferreira, Jaime Arnez Maldonado, Frederico Gustavo Cordeiro Santos, Danielle Abreu da Costa, Gilmara Anne da Silva Resende, Jorge Augusto de Oliveira Guerra, Maria das Graças Vale Barbosa 44 Peripartum Myocardiopathy: Case Report 49 Ana Márcia Freitas Carlos, Michelle Masuyo Minami Sato, Carla Daniela Fank, Marlúcia do Nascimento Nobre Evolution Of One Year Of Use Galsulfase In A Case Of Mucopolysaccharidosis Type VI 54 Renata de Almeida Lemos,Vânia Mesquita Gadelha Prazeres DIAGNOSIS OF Tuberculous Pericarditis PCR: A CASE REPORT 60 Alice Carvalho do Nascimento, Gilmara Anne da Silva Resende, Michelle Masuyo Minami Sato, Ana Márcia Freitas Carlos, Gleide Elane Braga Ferreira, Marlúcia do Nascimento Nobre Desmoid tumor ABDOMINAL WALL: A CASE REPORT Rubem Alves da Silva Júnior, Carlos Eduardo Alves da Costa, Márcio Neves Stefani, Raimundo Monteiro Maia Filho, Carmen Oliveira de Carvalho 65 Editorial A RHUGV e a Residência Médica Estamos alcançando neste ano mais um marco para a RHUGV, que é o aniversário de dez anos deste periódico. Tudo iniciou em 2002 quando foi lançado o primeiro número sob a responsabilidade do Prof. Dr. Gerson Nakajima, que sempre foi identificado pelos colegas como importante aliado da Academia da Universidade Federal do Amazonas. Concebida como um dos pontos importantes do Hospital Universitário Getúlio Vargas, faz parte do dia a dia da comunidade hospitalar, com todos os membros preocupados com a continuidade do periódico RHUGV. Quando assumimos o Conselho Editorial em 2005, tínhamos um forte compromisso que era manter ativo o cultivo das publicações e ampliar o número de Revistas anualmente. Nos quatro primeiros anos só tínhamos um número por ano e, a partir de 2010, conseguimos reduzir a publicação para o período semestral. É claro que contamos com uma equipe de primeira linha para a revisão dos artigos que são submetidos ao Conselho Editorial, que são nossos revisores, pessoas extremamente conectadas ao ideal da Academia e, desse modo, engrandecem o nosso periódico, com revisões sérias e apropriadas, o que torna o conteúdo de tão grande qualidade. Há de se lembrar que, na atual situação de registro dos prontuários médicos no Hospital Universitário, é muito difícil realizar-se levantamento de dados e produção de artigos baseados nos prontuários médicos. Talvez a manutenção deste periódico e sua ampliação sejam a única forma de registro do trabalho realizado neste Hospital. A contextualização dos casos clínicos e da série de casos é uma das formas de demonstrar a labuta do profissional de saúde oferecer saúde, entretanto sem isso passamos a nossa história dentro da Instituição como fantasmas. A pós-graduação, dentro das Instituições de Ensino Superior, naturalmente eleva o nível de produção científica, visto que a reprodução do saber tem como princípio básico a pesquisa diária nas plataformas de dados existentes na internet. Isso estimula o jovem que realiza pós-graduação a investir na produção científica, umas das maneiras mais rápidas de sair do ostracismo e ser reconhecido perante os seus pares e superiores. A RHUGV é um instrumento que incentiva essa diferenciação entre os residentes que publicam, notoriamente com mais perspectivas na profissão, diferentemente daqueles que não o fazem. Dessa maneira, a comunidade de funcionários, a Faculdade de Medicina, a Direção do Hospital, os funcionários da Diretoria de Ensino e Pesquisa estão de parabéns por mais essa conquista e que o reconhecimento disso será demonstrar para as futuras gerações que saberão que, além da assistência, o HUGV priorizava a produção científica. 11 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n. 1 jan./jun. – 2012 Carvalho et al RESISTÊNCIA DO STAPHILOCOCCUS AUREUS AOS ANTIBIÓTICOS EMPREGADOS EM HOSPITAIS DA REDE PÚBLICA DE MANAUS (AM) Staphylococcus aureus Resistance To Antibiotics Used In Public Hospitals Of Manaus (AM) Maria Auxiliadora N. Carvalho,* Maria Cristina B. Santos,** Spartaco Astolfi Filho,*** Rose Mary Corrêa Santos, **** Bruna Cecília Neves de Carvalho,***** Silvya Cristina Silva Barreto****** RESUMO O S. aureus, por conta de seu crescente poder de desenvolver resistência aos diversos antibióticos existentes na prática médica, tem se colocado como um desafio para a área terapêutica. Descrever o seu comportamento na Amazônia se fez necessário pela gravidade das formas clínicas e o nível de resistência encontrado entre as cepas circulantes. Esta pesquisa identificou 55 pacientes com cultura positiva para S. aureus no laboratório de Análises Clínicas do Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV), em um período de seis meses, num universo de 847 culturas. Por meio de estudo prospectivo observacional descreveu-se as características clínicas, epidemiológicas e laboratoriais desses pacientes, fazendo uma análise comparativa entre os pacientes com S. aureus de origem comunitária e S. aureus hospitalar. Resultados observados: maior incidência em homens (60%), a maioria das infecções ocorreu em área hospitalar (70%), e apenas 16 pacientes contraíram a infecção fora da área hospitalar (comunidade). A infecção mais frequente pelo S. aureus hospitalar foi a de pele (30,8%) e pelo S. aureus comunitário foi a respiratória (50,0%). O antibiograma mostrou alta resistência aos antibióticos beta-lactâmicos nos dois grupos: comunitário e hospitalar (94,5%), e um maior índice de S. aureus meticilina-resistentes (MRSA) entre os pacientes com S. aureus hospitalar (61,5%), principalmente entre os pacientes internados nas Unidades de Tratamento Intensivo (70,5%). Do total de 55 pacientes acompanhados, nove (16,4%) foram a óbito, todos por infecção hospitalar (p-valor- 0,05). Nenhum isolado mostrou-se resistente à vancomicina. Palavras-chave: Epidemiologia do hospital, MRSA, Staphylococcus aureus, Resistência à Oxacilina. Endereço para correspondência: Universidade Federal do Amazonas, Campus Universitário – Coroado; Ala Sul – Bloco G. Avenida General Rodrigo Otávio Jordão Ramos, 3.000 – Fone/Fax: (092) 3305-4018 e (092) 3305-4230 * Médica pediatra/mestre em Medicina ** Bioquímica/Ph.D *** Biólogo/Ph.D **** Bioquímico/mestre ***** Médica ****** Acadêmica de Medicina da Universidade Nilton Lins 13 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n. 1 jan./jun. – 2012 RESISTÊNCIA DO STAPHILOCOCCUS AUREUS AOS ANTIBIÓTICOS EMPREGADOS EM HOSPITAIS DA REDE PÚBLICA DE MANAUS (AM) ABSTRACT Given the growing power of S. aureus for developing resistance to many existing antibiotics in medical practice, it is now considered as a challenge to the therapeutic area. Describing its behavior in the Amazon Region was necessary due to the severity of clinical forms and the level of resistance found among the circulating strains. This study identified 55 patients with positive culture for S. aureus in the Clinical Analysis Laboratory of the Getúlio Vargas University Hospital (HUGV) during a period of six months, in a universe of 847 cultures. Through a prospective observational study the clinical, laboratory, and epidemiological characteristics of these patients was described, conducting a comparative analysis among patients with S. aureus from the community and S. aureus from the hospital. Results observed: higher incidence in men (60%), with most infections occurring in the hospital (70%), and only 16 patients contracting the infection outside the hospital (community). The most frequent infection by S. aureus from the hospital was the skin (30.8%) while S. aureus from the Community was respiratory (50.0%). The antibiogram showed high resistance to beta-lactam antibiotics in both groups: community and hospital (94.5%), and a higher rate of Staphylococcus aureus methicillin-resistant (MRSA) among hospital patients with S. aureus (61.5%), mainly among patients hospitalized in intensive care units (70.5%). Of the 55 patients followed, 9 (16.4%) died, all through nosocomial infection (p-value 0.05). None of the isolates showed resistance to vancomycin. Keywords: Hospital epidemiology, MRSA, Staphylococcus aureus, Oxacilin resistance. às penicilinas semissintéticas ou meticilinas, mais especificamente a oxacilina, e em 2002 com o aparecimento do S. aureus resistente à vancomicina [1-3-4]. INTRODUÇÃO O aumento da incidência de infecções pelo Staphylococcus aureus tem sido destaque em diferentes publicações nos últimos anos, principalmente pela diminuição progressiva do perfil de sensibilidade aos diferentes antimicrobianos, o que tem levado a verdadeiros dilemas terapêuticos na prática clínica. O Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA) é responsável por mais de 50% das infecções hospitalares estafilocócicas na atualidade. Enquanto o número de antibióticos em pesquisa diminuiu nos últimos anos a resistência às drogas antimicrobianas cresceu de forma assustadora [12]. Hoje, o S. aureus resistente à meticilina (MRSA) é considerado um dos mais importantes e perigosos patógenos responsáveis pelas infecções hospitalares em todo o mundo [3-5]. Nos hospitais brasileiros o S. aureus é um dos principais germes responsáveis pelas infecções nosocomiais, a prevalências de cepas resistentes à penicilina é de perto de 95% e de cepas resistentes à meticilina (MRSA) varia de 40 a 80% [6-8]. O S. aureus (MRSA) tem se tornado ao longo dos anos um grande problema epidemiológico e clínico, haja vista ter saído do ambiente hospitalar para o comunitário, levando a infecções na comunidade [7-9]. Esse aumento de resistência ao longo dos anos, começando pela resistência à penicilina em 1944 (descoberta em 1929 por Alexander Fleming), resistência essa adquirida pelo seu uso abusivo e indiscriminado, culminou em 1961 com o aparecimento de resistência também Este trabalho visa mostrar a incidência e as características de resistência diante dos antibióticos pelo S. aureus comunitário e hospitalar na cidade Manaus-AM. 14 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n. 1 jan./jun. – 2012 Carvalho et al semeadas pelo teste de Maki por meio de rolamento em Ágar Sangue. Após 24h de incubação foram realizadas as visualizações macro e microscópicas, pelo método de Gram. O antibiograma foi realizado pelo método semiautomatizado no Microscan Autoscan 4. MATERIAL E MÉTODOS Por um período de seis meses (14 de abril de 2005 a 14 de outubro de 2005) identificou-se no Laboratório de Análises Clínicas do Hospital Universitário Getúlio Vargas (Manaus-AM) todos os pacientes com cultura positiva para Staphylococcus aureus em um universo de 847 culturas. Esses pacientes foram submetidos a um estudo prospectivo observacional desde a sua identificação no laboratório até a alta ou óbito. A amostra utilizada na análise foi composta por 55 pacientes portadores de cultura positiva para S. aureus procedentes do HUGV (32), Hospital Francisca Mendes (dez), Ambulatório Araújo Lima (sete), Pronto-Socorro 28 de Agosto (quatro) e Maternidade Azilda (dois). O software utilizado foi o programa Epi-info ™ versão 3.3 for Windows e para a análise das variáveis e associações o Teste Quiquadrado de Pearson e o Teste de Fisher ao nível de 5% de significância [10]. Nesses pacientes se fez os diagnósticos epidemiológico, clínico e laboratorial. No diagnóstico epidemiológico se avaliou a idade, o sexo, a raça, a moradia, o grau de instrução e o poder aquisitivo. No diagnóstico clínico considerouse o tipo de doença estafilocócica, a possível porta de entrada, o grau nutricional, as patologias associadas, o tempo de internação, a alta ou o óbito e quanto ao diagnóstico laboratorial caracterizouse o perfil de sensibilidade aos antibióticos. Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Amazonas sob o número 018/2005. RESULTADOS Esses pacientes também foram divididos em dois grupos: pacientes com S. aureus hospitalar (aqueles que adquiriram a bactéria após 72h da internação e até sete dias após a alta hospitalar) e pacientes com S. aureus comunitário (adquiriram a bactéria na comunidade). As amostras foram obtidas por meio da coleta de sangue para frascos de hemocultura na proporção de 1/10 (sangue/ meio de cultura) e as secreções foram colhidas após assepsia e antissepsia e colocadas no meio de Stuart e as pontas de cateteres foram colhidas e colocadas em tubos de ensaio seco, todas as amostras foram enviadas ao setor de microbiologia onde foram processadas. Dos 55 pacientes analisados com cultura positiva para S. aureus, 60% eram do sexo masculino e 58,2% pertenciam à raça branca. As faixas etárias mais atingidas foram entre 21 e 35 anos (27,3%) e mais de 65 anos (27,3%) com uma média de 43,8 anos (± 25,0 DP); 90,9% dos participantes ganhavam até dois salários mínimos, com uma média de 1,7 salário mínimo (± 2,8 DP); 70,9 possuíam ensino fundamental, 94,5% moravam em casas de um a três cômodos. Dos 55 pacientes, 46 (83,6%) estavam internados e nove (16,4%) só receberam tratamento ambulatorial. A doença estafilocócica mais frequente foi a infecção de pele (34,5%), seguida da infecção de vias aéreas (32,7%). A principal porta de entrada foi a pele: 56,4%, seguida das vias aéreas (32,7%). As principais patologias associadas foram Diabetes Mellitus (18,4%) seguido de Câncer (15,8%). O resultado do antibiograma (Tabela 1) mostrou alta resistência aos antibióticos β lactâmicos 94,5% e uma alta incidência de cepas MRSA (47,3%). De uma Cada frasco de hemocultura foi colocado em estufa (BACTEC 9050) a 35 graus Celsius mais ou menos um e após positividade foram semeados em Ágar Sangue e Ágar Eosina azul de Metileno (EMB) e incubados em estufa bacteriológica a temperatura de 35 mais ou menos um grau Celsius. Quanto às secreções, foram também semeadas em AS e EMB e as pontas de cateter foram 15 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n. 1 jan./jun. – 2012 RESISTÊNCIA DO STAPHILOCOCCUS AUREUS AOS ANTIBIÓTICOS EMPREGADOS EM HOSPITAIS DA REDE PÚBLICA DE MANAUS (AM) maneira geral, houve uma resistência global aos antibióticos testados perto de 39,2%, esse resultado foi explicado pelo maior percentual de pacientes com S. aureus hospitalar do que com S. aureus comunitário (p-valor = 0,596%). ANTIBIÓTICO Amoxacilina Ampicilina Cefazolina Cloranfenicol Ciprofloxacin Clindamicina Eritromicina Gentamicina Imipenem Levofloxacin Linezolid Nitrofurantoína Oxacilina Penicilina PIP-Tazo Rifampicina Synercid Tetraciclina Sulfa Vancomicina 27 52 27 11 24 23 34 25 26 21 0 11 26 52 1 7 2 23 20 0 49,1 94,5 49,1 20,0 43,6 41,8 61,8 45,5 47,3 38,2 0,0 20,0 47,3 94,5 4,3 12,7 4,3 41,8 36,4 0,0 28 3 28 44 31 32 21 30 29 31 46 44 29 3 22 48 44 28 35 55 TOTAL 412 39,2 631 Observou-se também que dos 55 pacientes, 46 (83,6%) necessitaram internação hospitalar (p-valor = 0,0000018 < 0,05) (Tabela 2). Dos sete pacientes internados em UTI, cinco 71,4%) eram portadores de cepas MRSA (Gráfico 1). RESULTADO ANTIBIOGRAMA R1 %R S2 %2 %S 13 %1 50,9 5,5 50,9 80,0 56,4 58,2 38,2 54,5 52,7 56,4 100,0 80,0 52,7 5,5 95,7 87,3 95,7 50,9 63,6 100,0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 3 0 0 0 0 0 0 0 4 0 0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 5,5 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 7,3 0,0 0,0 55 55 55 55 55 55 55 55 55 55 46 55 55 55 23 55 46 55 55 55 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 60,1 7 0,7 1.050 100,0 TOTAL % R1 – número de resistência; S2 – número de sensibilidade; I2 – número de sensibilidade intermediária. R% – percentual de resistência; S% – percentual de sensibilidade; I % – percentual de sensibilidade intermediária. Tabela 1 – Resultado do antibiograma dos pacientes com cultura positiva para o S. aureus detectados no laboratório do HUGV, no período de 14 de abril a 14 de outubro de 2005 em Manaus-AM. GRUPOS INTERNAÇÃO HOSPITALAR COMUNITÁRIO FREQ.% TOTAL % FREQ.% Sim 7 43,8 39 100,0 46 83,6 Não 9 56,3 0 0,0 9 16,4 TOTAL 16100,0 39100,0 55100,0 P-valor = 0,0000018. Tabela 2 – Distribuição do grupo de pacientes com cultura positiva para S. aureus segundo Internação Hospitalar ou Tratamento Ambulatorial, que foram detectados no Laboratório de Análises Clínicas do HUGV. Do total de pacientes, 16 eram portadores de S. aureus comunitário e não houve óbito nesse grupo; por outro lado, dos 39 pacientes com S. aureus hospitalar, nove (23,1%) foram a óbito (Tabela 3). Ao se avaliar o percentual de resistência à oxacilina no grupo com S. aureus hospitalar, o nível de cepas MRSA foi de 61,5%. Dos nove pacientes que faleceram, cinco (55,6%) eram portadores de cepas 16 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n. 1 jan./jun. – 2012 Carvalho et al MRSA (Gráfico 1). Do total de pacientes, 16 eram portadores de S. aureus comunitário e não houve óbito nesse grupo; por outro lado, dos 39 pacientes com S. aureus hospitalar, nove (23,1%) foram a óbito (Tabela 3). Ao se avaliar o percentual de resistência à oxacilina no grupo com S. aureus hospitalar, o nível de cepas MRSA foi de 61,5%. Dos nove pacientes que faleceram, cinco (55,6%) eram portadores de cepas MRSA (p-valor = 0,428), (Tabela 4). Ao se avaliar óbito X tempo de internação, observou-se que 100% dos pacientes que estiveram internados por mais de 84 dias faleceram (p-valor = 0,32). O tempo de permanência hospitalar foi em média 29,8 dias (± 34,9% DP), o aumento do tempo de internação foi diretamente proporcional à morbi-mortalidade a tal ponto que os três pacientes, que tiveram um tempo de internação superior a 84 dias, faleceram. GRUPOS ÓBITO HOSPITALAR COMUNITÁRIO FREQ.% TOTAL % FREQ.% Sim 0 0,0 9 23,1 9 16,4 Não 16 100,0 30 76,9 46 83,6 TOTAL 16 100,0 39 100,0 45 100,0 P-valor = 0,033 Tabela 3 – Distribuição segundo a incidência de óbito entre os dois grupos (comunitário e hospitalar) dos pacientes com cultura positiva para o S. aureus detectados no Laboratório de Análises Clínicas do HUGV. GRÁFICO 1 GRUPOS ÓBITO Sim Não TOTAL SENSIBILIDADE A OXICILICINA Resistente % TOTAL % Sensível% 5 55,6 4 44,4 9 21 45,7 25 54,3 46 26 47,3 29 52,7 55 P-valor = 0,033 Tabela 4 – Cruzamento entre óbito e cepas de S. aureus MRSA e cepas de S. aureus MSSA, nos pacientes com cultura positiva para S. aureus detectados no Laboratório de Análises Clínicas do HUGV, no período de 14 de abril a 14 de outubro de 2005, em Manaus-AM. 17 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n. 1 jan./jun. – 2012 RESISTÊNCIA DO STAPHILOCOCCUS AUREUS AOS ANTIBIÓTICOS EMPREGADOS EM HOSPITAIS DA REDE PÚBLICA DE MANAUS (AM) DISCUSSÃO AGRADECIMENTOS No Brasil, o S. aureus tem sido um dos principais responsáveis pelas infecções nosocomiais, e a prevalência de cepas MRSA tem se mostrado um das principais responsáveis pelo aumento dessa prevalência que chega a atingir níveis de 40 a 80% principalmente em grandes hospitais [7-14], essas cepas são geralmente resistentes a inúmeros antibióticos como: aminoglicosídeos, cloranfenicol, lincomicina, macrolídeos, quinolonas, sulfametoxazol-trimetoprim e tetraciclina, com grande sensibilidade somente a rifampicina [8-12-13-]. Agradeço a todos que de alguma forma me ajudaram a concretizar este trabalho, à minha família pela paciência e a Deus pela persistência. REFERÊNCIAS 1 - Rossi F, Andreazzi DB. Resistência Bacteriana Interpretando o Antibiograma. São Paulo: Atheneu; 2005. 2 - Von Eiff, C Becker K. Machka K. Nasal carriage as a source of Staphylococcus aureus bacteremia. Study Group. The New England Journal of Medicine. 2001; 344: 11-16. Na Amazônia, o número dos clones de cepas MRSA foi extremamente elevado, atingindo níveis de 61,5%, principalmente nas UTIs, aonde dos sete pacientes internados, cinco ou 71,4% eram portadores de cepas MRSA. Em todo o mundo, o S. aureus é responsável por mais de 50% das infecções hospitalares [3-18-20]. No Brasil, a situação tem se tornado cada vez mais séria pelo limitado uso de procedimentos microbiológicos-padrão nos hospitais [11], e também por conta do uso empírico de agentes antimicrobianos [17-19-21]. 3 - Teixeira LA, Resende CA, Ormonde L.R et al. Geografic spreadof endemic multiresistant Staphylococcus aureus clone in Brazil. J. Clin Microbiol. 1995; 33: 2400-4. 4 - Ayliffe GAJ, Buckles A, Casewell MW et al. Revised guidelines for control of methicilinresistant Staphylococccus aureus infection in hospitals. J. Hosp Infect. 1998; 39: 253-290. Vale ressaltar ainda que, neste estudo, 53,5% dos pacientes internados possuíam cepas MRSA e dos pacientes que foram a óbito (55,6%) possuíam estas cepas. 5 - Melter O, Sanches IS, Schindler J et al. Methicillin-resistant Staphylococcus aureus clone types in the Czech Republic. J. Clin. Microbiol. 1999; 798-893. A disseminação de clones de cepas MRSA tem ocorrido de forma endêmica em vários hospitais brasileiros, da América do Sul e Europa [5-14-1516-18]. 6 - Pannuti CS, Grinbaum RS. An overview of nosocomial infection control in Brazil. Infect Control Hosp Epidemiol. 1995; 16: 170-4. 7 - Wey SB. Infection control in a country with annual inflation of 3,600%. Infect Control Hosp Epidemiol. 1995; 16: 175-178. No país, além de São Paulo, já existem casos descritos de S. aureus com resistência intermediária à Vancomicina (VISA) com MIC ≥8μ/ml, e resistentes à Vancomicina (VRSA) com MIC≥32μ/ml, também no Rio de Janeiro [19-2223]. Ressalta-se que neste estudo não se detectou S. aureus resistente à vancomicina. 8 - Rezende EM, Couto BRGMC, Starling CEF, Modena CM. Prevalence of nosocomial infections in general hospital in Belo Horizonte. Infect. Control Hosp. Epidemiol. 1998; 19: 872-6. 9 - Chambers HF. The changing epidemiology of Staphylococcus aureus? Emerg Infect. Dis. 2001; 7: 178-82. 18 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n. 1 jan./jun. – 2012 Carvalho et al 10 - Abrango HG. Bioestatística Teórica e Computacional. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2001. 11 - Gontijo Filho PP. Definições de infecções hospitalares sem a utilização de critérios microbiológicos e sua consequência na vigilância epidemiológica no Brasil. News Lab. 2002; 53: 120124. 12 - Oliveira GA, Levy CE, Mamizuka EM. Study of the resistant profile of 626 strains of Staphylococcus aureus in Brazilian hospitais from Sptember 95 to june/97. J. Bras. Patol. 2000; 36(3): 147-156. 13 - Corso A, Sanches IS, Sousa MA et al. Spread of a methicillin-resistant and multiresistant epidemic clone of Staphylococcus aureus in Argentina. Microb Drug Resist. 1998; 4: 277-88. 14 - Oliveira GA, Faria JB, Levy CE, Mamizuka EM. Characterization of the Brazilian Endemic Clone of Methicillin-Resistant Staphylococcus aureus (MRSA) from Hospitais Throughout Brazil. The Brazilian Jounal of Infectious Diseases. 2001; 5(4): 163-170. Infect. Dis. 1999; 34: 185-191. 19 - Lutz I, Machado A, Kuplie N, Barth AL. Clinical failure of vancomicin treatment of Staphylococcus aureus infection in a terciary care hospital in southern Brazil. Braz. J. Infect. Dis. 2003; 7(3): 224-228. 20 - Nunes APF. Staphylococcus coagulasenegativos: diferenciação em espécies, diversidade genômica de espécies resistentes à oxacilina e determinação da susceptibilidade a glicopeptídeos. Rio de Janeiro; 2000. 97 p. (Máster Th Mamizuka EM. Isolation in Brazil of on osocomial Staphylococcus aureus with reduced susceptibility to vancomycin. Infect. Control. Hosp. Epidemiol. 2001; 22: 443448. 22 - Laley RT, Lanz E, Schrock CG. Rapid control of an outbreak of Staphylococcus aureus on a neonatal intensive care department using standart infection control practices and nasal mupirocin. J. Infec. Control. 2004; 32: 44-47. 23 - Tenover EC. VRSA, VISA and GISA: the dilema behind the name game. Clin. Microbiol. Newsl. 2000: 22: 49-52. 15 - Melo GB, Melo MC, Gama AP, Carvalho KS, Jesus TC, Bonetti AM and Filho PPG. Analyses of the genetic diversity of vancomycin-resistant Staphylococcus aureus. Brazilian Journal of Microbiology. 2005, 36: 126-130. 16 - Center For Diseases Control And Prevention. Staphylococcus aureus with reduced susceptibility to vancomycin MMWR Morb. Mortal. Wkly Rep. 1997, 46: 765-766. 17 - Couto HG, Leles CCV, Lima HV, Assunção UF, Ribas RM, Diogo Filho A, Gontijo Filho PP. Vancomycin use in a Brazilian university hospital. Comparison with hospital infection control practices advisory Committee guidelines. VI Congresso Brasileiro de Controle de Infecção e Epidemiologia Hospitalar, Rio de Janeiro; 1998. p. 188. 18 - Del’Alamo I, Huband MD. Antimicrobial susceptibility of coagulase-negative staphylococci and characterization of isolates with reduced susceptibility to glycopeptideos. Diagn. Microbiol. 19 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n. 1 jan./jun. – 2012 Faber et al ANÁLISE DOS MOTIVOS SUSPENSIVOS DE CIRURGIAS NO SERVIÇO DE CIRURGIA DO APARELHO DIGESTÓRIO DO HOSPITAL UNIVERSITÁRIO GETÚLIO VARGAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS Analysis Memorandum Of Surgeries In Suspensive Service Digestive Surgery Instrument Of University Hospital Getúlio Vargas The Federal University Of Amazon Joan Faber,* Rubem Alves da Silva Júnior,** Amanda Alcântara* RESUMO Buscando identificar as causas de suspensão de procedimentos cirúrgicos no Serviço de Cirurgia do Aparelho Digestório do Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV), da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), foi realizado um levantamento retrospectivo durante o ano de 2008 dos dados referenciados nos prontuários que determinavam o motivo da não realização da cirurgia. Do total de 1.640 cirurgias programadas, 374 (22%) foram suspensas por diversas causas considerando-se fatores relacionados aos pacientes, à organização da unidade, a recursos humanos e à falta de materiais e equipamentos. Constatou-se que o número de procedimentos suspensos está em concordância com o achado em outras instituições similares e que 265 (70,85%) das suspensões estavam diretamente relacionadas ao paciente, sendo o não comparecimento à internação o achado mais prevalente. Conclui-se que possivelmente, dada à grande extensão territorial do Estado, dificultando a locomoção até o hospital e o tempo longo de espera para a internação hospitalar após solicitação de cirurgia, ocorrendo nesse hiato de tempo a desistência ou a procura por outro hospital terem sido as causas relacionadas aos pacientes o achado mais prevalente neste trabalho. Palavras-chave: Suspensão de cirurgias; causas de suspensão de cirurgia; cirurgias suspensas em hospital universitário. ABSTRACT Seeking to identify the cancelling causes on elective surgeries scheduled at the Getúlio Vargas University Hospital (HUGV) a retrospective search was made through hospital data involving all surgeries from January 2008 to December 2008 scheduled with the Department of Digestive Surgery. One thousand, six hundred and forty surgeries were scheduled, of which 374 (22%) were suspended involving patients causes, human resources, hospital organization, and lack of equipment and materials. These findings are in line with the findings from other institutes and demonstrated that 265 (70.85%) surgeries were cancelled due to the absence of the patient. * Residentes de Cirurgia Geral do HUGV, **Médico cirurgião do HUGV 20 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n. 1 jan./jun. – 2012 ANÁLISE DOS MOTIVOS SUSPENSIVOS DE CIRURGIAS NO SERVIÇO DE CIRURGIA DO APARELHO DIGESTÓRIO DO HOSPITAL UNIVERSITÁRIO GETÚLIO VARGAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS It is possible that the vastness of the state and the time spent waiting for hospital admittance were responsible for patient’s abandonment or their seeking of other hospitals resulted in the data found in this study. Key Words: Cancelled surgeries; motives for surgeries suspension; surgeries suspended on university hospital. INTRODUÇÃO de Cirurgia do Aparelho Digestório do Hospital Universitário Getúlio Vargas – AM, e apontar quais os fatores implicados nas suspensões. A suspensão de intervenções cirúrgicas tem recebido atenção por parte de pesquisadores da área de saúde. A análise da taxa de suspensão de cirurgias objetiva a melhoria da qualidade e eficiência do serviço oferecido à população, bem como a racionalização dos recursos financeiros e humanos. 1 MÉTODOS Trata-se de um estudo de natureza exploratória, descritiva, transversal e com abordagem quantitativa e qualitativa realizado no Serviço de Cirurgia do Aparelho Digestório do Hospital Universitário Getúlio Vargas – AM (HUGV). Referendado como de média complexidade ao atendimento da rede SUS do Estado do Amazonas, cujo atendimento é pautado na livre demanda oriunda do atendimento ambulatorial e da rede emergencial da cidade de Manaus. O centro cirúrgico possui oito salas cirúrgicas e realiza, em média, 107 procedimentos cirúrgicos ao mês. Foram analisadas todas as cirurgias correspondentes ao Serviço de Cirurgia Geral que integraram o mapa cirúrgico do período de 1.º de janeiro a 31 de dezembro de 2008. Foi definida como suspensão de operação programada toda aquela que, por qualquer razão, não ocorreu. O Ministério da Saúde define como taxa de suspensão de cirurgia o número de cirurgias suspensas dividido pelo total de cirurgias programadas em determinado período e multiplicado por cem. 2 Avalia-se a eficiência de um serviço de cirurgia pela taxa de suspensão de operações, a qual demonstra o desempenho da unidade hospitalar. Para a construção desse indicador devem ser considerados todos os motivos de suspensão de cirurgias, como os relacionados ao paciente (condição clínica desfavorável, não comparecimento, falta de jejum e outras); e ao hospital, tais como organização da unidade (como erro na programação cirúrgica e prioridade para urgências) e alocação de recursos humanos e materiais. 1 O cancelamento cirúrgico foi levantado com base nos dados do mapa cirúrgico e livro de cirurgias. As causas de cancelamento das cirurgias foram classificadas em: relacionadas ao paciente (condição clínica desfavorável, não comparecimento e outras) e ao hospital, tais como organização da unidade (erro na programação cirúrgica e prioridade para urgências) e alocação de recursos humanos e materiais. O cancelamento de cirurgias traz repercussões para o paciente e sua família, como afastamento das atividades laborativas e do convívio familiar. A suspensão de uma cirurgia interfere na equipe de saúde, e no consumo de tempo e de recursos materiais, indo de encontro à preocupação dos administradores hospitalares em aperfeiçoar as atividades, reduzir gastos e evitar desperdícios.3 Os dados foram tabulados no programa Excel – Microsoft Office® 2007. Este estudo tem como objetivo definir a taxa de suspensão de cirurgias eletivas do Serviço 21 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n. 1 jan./jun. – 2012 Faber et al RESULTADOS No período de 1.º de janeiro a 31 de dezembro de 2008 foram programadas 1.640 cirurgias, dentre as quais 35 foram urgências (2,13%) e 1.605 (97,86%) de caráter eletivo, sendo computadas 374 (22%) suspensões. Neste estudo, das 374 cirurgias suspensas tiveram como principal justificativa: problemas relacionados ao paciente (70,85%), sendo o não comparecimento (54,71%) e condições clínicas desfavoráveis (40,37%) os dois pilares desse evento. Destacaram-se também as justificativas de operações suspensas relacionadas à organização da unidade (10,96%), tais como falta de sala cirúrgica (26,82%) e falta de exames específicos (36,58%). Causas n % N % Relacionadas ao paciente26570,85 Não Comparecimento 145 54,71 Sem Condições Clínicas 107 40,37 Recusa do Paciente 2 0,75 Paciente Recebeu Alta 9 3,39 Evasão 2 0,75 Relacionadas à Organização da Unidade 4110,96 Falta de Exames Específicos 15 36,58 Falta de Sala Cirúrgica11 26,82 Erro de Marcação 8 19,51 Prioridade para Urgência 2 4,87 Relacionadas aos Recursos Humanos4010,69 Tempo Cirúrgico Excedido 17 42,5 Falta de Cirurgião e Auxiliar16 40 Falta de Anestesista 2 5 Falta de Liberação Anestésica 2 5 Falta de Concentrado de Hemácias 2 5 Pré-operatório Inadequado 1 2,5 Relacionadas aos Materiais e Equipamentos 287,48 Falta de Material Específico 20 71,42 Falta de Equipamento 8 28,57 Total374100 Tabela 1 – Causas de suspensão de cirurgias eletivas (n = 374) DISCUSSÃO Problemas relacionados à alocação de recursos humanos (10,69%) também foram responsáveis por uma parcela significativa de cancelamentos. Dentre eles, destacam-se o tempo cirúrgico excedido (42,50%), a falta de cirurgião e médico auxiliar (40%). Um meio de avaliar a eficiência de um serviço cirúrgico é por intermédio de índices apontados pela taxa de suspensão de operações. Baixos índices mostram o grau de desempenho das unidades hospitalares.1 O cancelamento de uma cirurgia implica prejuízos envolvendo a ocupação As causas de suspensão de operações eletivas relacionadas à alocação de materiais e equipamentos representaram apenas 7,48% do total dos motivos de cancelamento, sendo a falta de materiais específicos (71,42%) a causa principal desse tópico. A taxa de suspensão leva em consideração todos os motivos pelos quais o procedimento proposto não foi realizado. Ao conhecer a taxa de 22 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n. 1 jan./jun. – 2012 ANÁLISE DOS MOTIVOS SUSPENSIVOS DE CIRURGIAS NO SERVIÇO DE CIRURGIA DO APARELHO DIGESTÓRIO DO HOSPITAL UNIVERSITÁRIO GETÚLIO VARGAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS suspensão de cirurgias e suas causas, a instituição pode evitar ou reduzir o número de cancelamentos.9 fatores sobressalta o tempo cirúrgico excedido (42,5%) e a falta de equipe cirúrgica (40%), resultados similares,11 porém invertidos em relação aos achados em outro estudo.1 A taxa de suspensão de cirurgias no presente estudo é de 22%, indo ao encontro com as pesquisas realizadas em um hospital universitário na cidade de São Paulo, onde a taxa foi de 19,91%,3 e em outro que, em 200 pacientes oftalmológicos, foram encontradas 39 suspensões, apresentando taxa de 19,50%.4 CONCLUSÃO O Hospital Universitário Getúlio Vargas, sendo uma unidade do Sistema Único de Saúde – SUS do Estado do Amazonas, responde pelo atendimento e realização de grande parte das cirurgias eletivas da cidade de Manaus, incluindose pacientes oriundos do interior do Estado e de Estados vizinhos. A taxa de suspensão encontrada no Hospital Mário Covas em Santo André foi de 12,25%.10 Outros estudos mostram taxas maiores de cancelamento de cirurgias. Um estudo realizado na cidade de Fortaleza, Estado do Ceará, aponta que encontrou 33% de suspensão de cirurgias em um hospital público e universitário.5 No Paquistão, num hospital-escola, houve 25% de suspensão dos procedimentos programados.6 Das cirurgias agendadas houve suspensão pela recusa do paciente em submeter-se ao procedimento, falta de leito, exames desatualizados, condições clínicas que impediam a anestesia ou o procedimento cirúrgico em si, no momento da internação. Uma vez que os pacientes agendados também são provenientes de localidades distantes no Estado do Amazonas e Estados vizinhos, a dificuldade no deslocamento até o hospital colabora para o não comparecimento à internação e suspensão do procedimento. Outros estudos demonstraram uma taxa de suspensão menor. Um levantamento mostrou que, no período de três meses, foram programadas 4.870 cirurgias num hospital de ensino no interior de São Paulo, dentre as quais 249 foram suspensas perfazendo um total de 5,1% de suspensões.1 Em um hospital da Austrália observou que 13,2% das cirurgias eletivas foram suspensas.7 No Serviço de Cirurgia do HUGV-AM existe a busca ativa de pacientes na véspera da confecção do mapa cirúrgico e entrevista à internação a fim de avaliar as condições clínicas do paciente candidato ao procedimento. 8, 9 REFERÊNCIAS 1 - Perroca MG, Jericó MC, Facundin SD. Monitorando o cancelamento de procedimentos cirúrgicos: indicador de desempenho organizacional. Rev Esc Enferm, USP. 2007; 41(1): 113-9. Em um estudo apontou resultados similares quanto à prevalência do não comparecimento do paciente ao procedimento programado.2 Neste estudo, as causas relacionadas à organização da unidade hospitalar, a falta de exames específicos foi responsável por 36,58% das suspensões, sendo seguida pela falta de salas cirúrgicas (26,82%), pelo erro nos agendamentos e, pela prioridade para urgências, 19,51 e 4,87%, respectivamente. 2 - Ministério da Saúde. Secretaria Nacional de Organização e Desenvolvimento de Serviços de Saúde. Normas e padrões de construções e instalações do Serviço de Saúde. 2.ª ed. Brasília; 1978. 3 - Paschoal MLH, Gatto MAF. Taxa de suspensão de cirurgia em um hospital universitário e os motivos de absenteísmo do paciente à cirurgia Quarenta procedimentos foram suspensos pelos recursos humanos (10,69%). Dentre esses 23 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n. 1 jan./jun. – 2012 Faber et al programada. Rev Latino-am Enfermagem. 2006; 14(1): 48-53. 4 - Lira RPC, Nascimento MA, Temporini ER, Kara-José N, Arieta CEL. Suspensão de cirurgia de catarata e suas causas. Rev Saúde Pública. 2001; 35(5): 487-9. 5 - Cavalcante JB, Pagliuca LMF, Almeida PC. Cancelamento de cirurgias programadas em um hospital-escola: um estudo exploratório. Rev Latino-am Enfermagem. 2000; 8(4): 59-65. 6 - Zafar A, Mufti TS, Griffin S, Ahmed A, Ansari JA. Cancelled elective general surgical operations in Ayub teaching hospital. J Ayub Med Coll Abbottabad. 2007; 19(3): 64-6. 7 - Schofield WN, Rubin GL, Piza M, Lai YY, Sindhusake D, Fearnside MR, Klineberg PL. Cancellation of operations on the day of intended surgery at a major Australian referral hospital. Med J Aust. 2005; 182(12): 612-5. 8 - Landim FM (In memoriam) et al. Análise dos fatores relacionados à suspensão de operações em um serviço de cirurgia geral de média complexidade. Rev. Col. Bras. Cir. 2009; 36(4): 283-287. 9 - Perroca MG, Jericó MC, Facundin SD. Cancelamento cirúrgico em um hospital-escola: implicações sobre o gerenciamento de custos. Rev Latino-am Enfermagem. 2007, setembro-outubro; 15(5) www.eerp.usp.br/rlae 10 - Bedoni F, Sobrinho GR, Teixeira J, Scarpa MZ, Paula VS. Análise do desempenho do centro cirúrgico do hospital estadual Mário Covas de Santo André. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso MBA em Gestão de Organizações Hospitalares e Sistemas de Saúde Pós-Graduação lato sensu, Nível de Especialização Programa FGV Management; mar.; 2005. 11 - Perroca MG, Jericó MC, Facundin SD. Monitorando o cancelamento de procedimentos cirúrgicos: indicador de desempenho organizacional. Rev. Esc. Enferm., USP, vol. 41, n.º 1, São Paulo; mar.; 2007. 24 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n. 1 jan./jun. – 2012 Freitas et al HISTÓRIA DA NEUROCIRURGIA: DAS TREPANAÇÕES PRÉ-HISTÓRICAS À NEUROCIRURGIA MINIMAMENTE INVASIVA History Of Neurosurgery: From The Pre-Historical Trepanations To Minimally Invasive Neurosurgery Rodolfo Fagionato de Freitas,* Bárbara Iasmine Gomes Abreu Christo,** Breno Gonçalves Medeiros** RESUMO Desde a Pré-história, o homem cultiva a importância da cabeça para a manutenção da vida e para a execução de atividades diárias, desde motoras e sensitivas até místicas. Essas teorias acerca da função das estruturas intracranianas serviram como ponto de partida para a elaboração de estratégias terapêuticas com relativo sucesso, variando de trepanações primitivas à neurocirurgia minimamente invasiva. Este trabalho tem como objetivo relatar o progresso da Neurocirurgia como ciência e o estudo de métodos diagnósticos e tratamentos antigos para a compreensão da perspectiva e as tendências do presente. Métodos: Consiste em uma revisão de literatura, narrando os progressos da Neurocirurgia como ciência, enfatizando as figuras históricas e as novas abordagens terapêuticas. Conclusão: O progresso no conhecimento acerca da neuroanatomia e da neurofisiologia foi essencial para a elaboração de abordagens terapêuticas e as figuras de destaque nesse processo histórico são importantes para a compreensão das condutas atualmente preconizadas e o surgimento de curiosidades e novas teorias para o futuro da neurocirurgia e suas subespecialidades. Palavras-chave: História; História da Medicina; Neurocirurgia; Neuroendoscopia; Neuronavegação. ABSTRACT Since Pre-historic times, man has focused on the importance of the head for maintaining life and performing daily activities, such as motor, sensory, and mystical aspects. The theories regarding the function of the intracranial structures served as starting point for developing therapeutic strategies with relative success, ranging from primitive trephination to minimally invasive neurosurgery. The main purpose of this paper is to report on the progress of neurosurgery as a science and the study of ancient diagnostic methods and treatments for the understanding of perspectives and trends for the present. Methods: A review of the literature, chronicling the progress of neurosurgery as a science, emphasizing the historical figures and new therapeutic approaches. Conclusion: The progress in knowledge of the neuroanatomy and neurophysiology were essential for the development of therapeutic approaches and leading figures in this historic process are important for understanding the currently recommended behavior and the emergence of new theories and curiosities for the future of neurosurgery and its subspecialties. Key words: History; History of Medicine; Neurosurgery; Neuroendoscopy; Neuronavigation. * Professor da disciplina História da Medicina da Faculdade de Medicina da Ufam ** Acadêmicos de Medicina da Ufam 25 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n. 1 jan./jun. – 2012 HISTÓRIA DA NEUROCIRURGIA: DAS TREPANAÇÕES PRÉ-HISTÓRICAS À NEUROCIRURGIA MINIMAMENTE INVASIVA INTRODUÇÃO óssea do crânio sugere que tais procedimentos foram realizados com relativo sucesso.13 O registro mais antigo de trepanação tem sua origem no período Neolítico, há aproximadamente dez mil anos no continente europeu.4, 13 Entretanto, as civilizações que mais executaram perfurações cranianas primitivas foram as andinas pré-colombianas, que datam de dois a três mil anos, e nos registros das civilizações da região de Cuzco, no Peru, estima-se um índice de sobrevivência de 60 a 80% das pessoas submetidas a esses procedimentos.13 Desde a Pré-história o homem cultiva a importância da cabeça para a manutenção da vida e para a execução de atividades diárias, desde motoras e sensitivas até místicas.4, 13 Essas teorias acerca da função das estruturas intracranianas serviram como ponto de partida para a elaboração de estratégias terapêuticas com relativo sucesso. Os gregos e os romanos se destacaram pelo aprimoramento do uso do trépano e do estudo da neuroanatomia, e pela elaboração de teorias sobre suas possíveis funções. Os séculos 17 e 18 foram marcados pelo registro minucioso de estruturas neuroanatômicas, e o século 19 inaugurou o estudo da neurofisiologia e da anatomia cirúrgica. Por fim, o século 20 foi importante marco na neurocirurgia pelo surgimento de novas técnicas operatórias minimamente invasivas. Este trabalho tem como objetivo relatar o progresso da Neurocirurgia como ciência, enfatizando figuras históricas. Além disso, almeja-se destacar a importância da Neurocirurgia como especialidade médica e do estudo de métodos diagnósticos e tratamentos antigos para a compreensão da perspectiva e das tendências do presente. Os egípcios reconheciam a gravidade de uma lesão na cabeça e enfatizaram a importância de alinhar uma fratura com afundamento de crânio.3 Não há registros sobre o tratamento de traumatismos cranianos nem múmias com indícios de que foram submetidas à trepanação, porém há relatos de 48 casos de lesões cranioencefálicas e raquimedulares de origem traumática no papiro de Edwin Smith.4, 9 Na Grécia, a dissecação humana não era aceita, o que dificultou o avanço da neuroanatomia e da neurocirurgia.4, 13 Entretanto, um dos primeiros registros de hemorragia subaracnoidea está nos aforismos de Hipócrates: “Quando pessoas de boa saúde de repente tomadas de dores na cabeça, logo são estabelecidas sem palavras e a respiração com estertores, morrem em sete dias a menos que a febre acenda”.3 Ele reconhecia a importância do cérebro e sugeria que este seria a sede de episódios de convulsão.13 MÉTODOS Consiste em uma revisão de literatura, narrando os progressos da Neurocirurgia como ciência, enfatizando as figuras históricas e as novas abordagens terapêuticas. Em relação à Neurocirurgia, Hipócrates descreveu o uso do trépano e o indicava somente em casos de contusões cerebrais que necessitavam de abordagem imediata com precauções a fim de evitar superaquecimento e lesão da dura-máter subjacente. Todavia, ele não deveria ser utilizado em casos de fratura com afundamento do crânio com o argumento de que o quadro seria muito grave para uma possível intervenção.3, 4 HISTÓRIA DA NEUROCIRURGIA A relação do conteúdo presente no interior do crânio com as funções vitais do ser humano cultivou nos povos mais antigos a tentativa de abordagem terapêutica por meio da execução de perfurações cranianas que variam desde trepanações a craniotomias, principalmente nos casos de fratura de crânio com afundamento.4 A presença de consolidação Entretanto, o desenvolvimento intelectual acerca dessa especialidade só teve início na Grécia, na escola de Alexandria em 300 a.C. Eles iniciaram esse desenvolvimento com dissecação e ensinamento sobre a neuroanatomia com destaque de alguns 26 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n. 1 jan./jun. – 2012 Freitas et al neuroanatomistas, como Herophilus e Erasistratus.3, 13 Herophilus estudou o cérebro, o cerebelo e os ventrículos, identificou nervos sensitivos e motores e descreveu a tórcula que une os seios venosos sagital, reto e transversos, que atualmente carregam o seu nome, e Erasistratus preocupou-se com a dissecação e comparação do cérebro entre diversas espécies.13 Não houve um grande desenvolvimento ao longo do período da Idade Média, porém houve contribuições de Avicena, como o primeiro desenho anatômico de um cérebro, e Mundino dei Luzzi, que realizou as primeiras dissecações humanas no continente europeu, em 1316.13 O período do Renascimento é conhecido pela liberdade de dissecação humana e pelo grande avanço da medicina. Dentre os registros dessa época, destacam-se a obra De Humani Corpori Fabrica de Andrea Vesalius, as ilustrações e o estudo acerca dos ventrículos encefálicos de Leonardo da Vinci, e as ilustrações das circunvoluções cerebrais de Julius Casserius.13, 14 Utilizando todo o conhecimento da época em relação à neuroanatomia e à neurocirurgia, Ambroise Paré (1510-1590) determinou os fundamentos básicos da cirurgia e desenhou várias trepanações.13 A neurocirurgia não estava restrita a um determinado grupo de cirurgiões especialistas. A incidência de lesões na região da cabeça era muito elevada por conta da ocorrência de guerras, o que ofereceu uma oportunidade de avanço no desenvolvimento de técnicas neurocirúrgicas, apesar da ausência de técnicas de antissepsia e anestesia.3 Herophilus dissecou o sistema nervoso e identificou todas as fibras nervosas da medula espinhal e dividiu-as em fibras motoras e sensitivas. Além disso, ele foi o primeiro a descrever o sistema ventricular, a drenagem venosa do cérebro e o plexo coroide, que recebeu esse nome pela semelhança com a membrana fetal. Além disso, ele foi pioneiro na descrição do quarto ventrículo e seu arranjo peculiar na base, que ele nomeou de calamus scriptorius.3, 4 Os séculos 17, 18 e 19 foram marcados por registros de estruturas neuroanatômicas que foram descritas detalhadamente, onde destacam-se Franciscus de la Böe, Raymond Vieussens, com a sua obra Neurographia Universalis, Godefroid Bidloo, Feliz Vicq d’Azyr, Johann Christian Reil e Hebert Mayo.13, 14 Durante o período romano, Celsus descreveu um caso de hematoma epidural secundário a uma ruptura da artéria meníngea média e recomendava que o cirurgião realizasse suas operações em sintonia com a dor, sendo a trepanação realizada onde a dor era mais intensa, um conceito importante considerando a inervação da dura-máter e sua sensibilidade à pressão. Além disso, em sua obra De re medicina há descrições minuciosas a respeito de hidrocefalia, neuralgia facial e a presença de sintomas como vômito, dificuldade para respirar e paralisia de membros dependendo do nível da lesão na coluna espinhal.3, 5 Os termos “hemisfério” e “lobo cerebral” foram utilizados pioneiramente por Thomas Willis no século 17. Luigi Rolando, porém, em seu registro Della Strutura degli Emisferi Cerebrali, foi o primeiro a descrever de forma minuciosa os sulcos e os giros cerebrais. Gratiolet registrou uma das primeiras divisões topográficas do hemisfério cerebral, foi o primeiro a utilizar o termo plis de passage, que se referia às conexões existentes entre giros adjacentes, e relatou com mais detalhes os sulcos cerebrais, diferenciando-os de acordo com o seu aparecimento ao longo da filogênese.4,13 Em Portugal, a primeira neurocirurgia foi realizada em 1710 a fim de tratar um caso de fratura de crânio com afundamento, sendo esse mesmo procedimento realizado pela primeira vez no Brasil aproximadamente na mesma época.4,6,16 Galeno enfatizava o que Erasistratus já havia documentado com relação à importância do cérebro sem estabelecer vínculo dos giros cerebrais com o intelecto do ser humano. De todos os seus registros, destacou-se a descrição da cadeia simpática e dos gânglios autonômicos.13 Além disso, Celsus e Galeno publicaram um trabalho que determinava minuciosamente cada indicação e a técnica cirúrgica a ser utilizada em cada caso de fratura de crânio.4 O século 19 foi marcado pelas obras que descrevem correlações entre as estruturas nervosas e suas funções neurofisiológicas, tendo como pioneiros nessa descoberta Pierre Paul Broca com 27 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n. 1 jan./jun. – 2012 HISTÓRIA DA NEUROCIRURGIA: DAS TREPANAÇÕES PRÉ-HISTÓRICAS À NEUROCIRURGIA MINIMAMENTE INVASIVA sua obra Sobre a Topografia Craniocerebral em 1876, na França, e John Hughlings Jackson, na Inglaterra. Além disso, houve o conhecimento da topografia exata das principais funções do córtex cerebral por meio de reparo da superfície craniana, o que permitiu estimar a localização específica de lesões intracranianas potencialmente cirúrgicas pelo exame físico neurológico.13 Pierre Broca, em 1876, ao realizar uma abordagem terapêutica em um paciente com abscesso na área cerebral responsável pela linguagem baseada em conhecimentos clínico-topográficos. Victor Horsley (1857-1916) executou com sucesso diversas neurocirurgias, incluindo a exérese de um tumor intramedular, em 1887, foi um dos pioneiros em estimulação cortical transoperatória dos giros pré e pós-central em humanos e afirmou, em 1885, que a maior representação do córtex motor encontra-se anteriormente ao sulco central. Com isso, Horsley foi considerado o Pai da Neurocirurgia.5,13 A transição do século 19 para o 20 foi marcada pelo estudo da neuroanatomia cirúrgica a partir de pontos cranianos de fácil identificação e, com isso, o aprimoramento das técnicas operatórias.4,13 Dentre as obras francesas, destacam-se Championniere, Poirier, Le Fort e Chipault e, dentre as obras alemãs, Krönlein, com a obra Topographie cranio cérébrale, e Kocher, com o trabalho Chirurgishe operationslehre.13 Em 1908, houve o surgimento do conceito de estereotaxia, desenvolvido por Victor Horsley e R. H. Clark, que consistia na introdução de eletrodos em algumas porções do sistema nervoso central com possibilidade de uma visão em três dimensões e resultou na publicação do primeiro atlas sobre o assunto e serviu como base para o surgimento da neuronavegação.2,10,13 Victor Darwin L’Espinasse, em 1910, realizou a primeira endoscopia ventricular utilizando um cistoscópio com objetivo de analisar os ventrículos laterais e coagular o plexo corióideo. Entretanto, Dandy foi considerado o Pai da Neuroendoscopia por relatar o mesmo procedimento no boletim do Hospital Johns Hopkins e aprimorar as técnicas de neuroendoscopia.14 Walter Dany elaborou a pneumoencefalografia em 1918, que consiste em uma técnica de análise radiográfica da superfície encefálica e dos seus ventrículos contrastados pelo ar injetado no espaço subaracnóideo. Esse recurso permitiu uma localização mais precisa de estruturas e pontos de reparo profundos de lesões intracranianas. Houve o surgimento da angiografia pelo neurologista português Egas Moniz e pelo neurocirurgião Almeida Lima, em 1926, com o objetivo de avaliar possíveis lesões vasculares intracranianas.1,13 Com a descoberta da radiação X por Wilhelm Korand Röntgen, em 1895, houve o surgimento de estudos com o objetivo de identificar estruturas encefálicas sobre as imagens radiográficas do crânio, como o trabalho “Relações radiográficas existentes entre os sulcos e os giros cerebrais e suturas cranianas” publicado por P. Marie, Foix e Bertrand, em 1915, durante a Primeira Guerra Mundial.4,13 Augusto Brandão Filho e Manoel de Abreu realizaram a primeira ventriculografia em 14 de fevereiro de 1924, bem como as primeiras experiências em retirada de tumores cerebrais, inaugurando a neuroendoscopia e a neurocirurgia oncológica no Brasil.5,14 Além disso, foram publicados tratados e atlas que ilustram a relação entre as suturas cranianas e a superfície cerebral, destacando o Tratado de Anatomia Topográfica de Testut e Jacob (1932), o Tratado de Anatomia Regional de Medicina e Cirurgia do Cérebro e da Medula Espinhal de Krause (1912) e o Atlas de Anatomia Humana Topográfica e Aplicada de Pernkoff (1980), cuja primeira edição foi publicada em 1963. Em relação aos textos neurocirúrgicos, o Tratado de Cirurgia Neurológica de Rhoton editado por Youmans menciona de forma detalhada algumas relações topográficas básicas.13 Durante a década de 50, vários autores publicaram atlas estereotáxicos com imagens angiográficas e estimulações neurofisiológicas, como Talairach e Szikla, de 1967.10,13 Além disso, houve o progresso de outros procedimentos por meio da técnica estereotáxica, como a radiocirurgia, que consiste na aplicação da radioterapia a uma região encefálica A Neurocirurgia Moderna foi inaugurada por 28 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n. 1 jan./jun. – 2012 Freitas et al precisamente limitada, elaborada por Lars Leksell em 1951.7,10 Esse avanço comprova o grande auxílio da estereotaxia no acesso a regiões mais profundas do sistema nervoso central e no aprimoramento de técnicas diagnósticas e cirúrgicas.7 sob endoscopia.11,14 Esse marco acrescido pela elaboração de técnicas cirúrgicas de base de crânio e neurocirurgias com acesso endonasal para tratamento de tumores e doenças localizadas nessa região criou um ponto em comum entre otorrinolaringologistas e neurocirurgiões.11 Sven Ivar Seldinger descreveu uma técnica de introdução de contraste por cateterização em 1953, que aumentou a relação custo-benefício na utilização de angiografia cerebral para investigação de lesões vasculares. Além disso, B. G. Ziedes des Plantes, em 1961, registrou a técnica de subtração com objetivo de melhor visualização das estruturas vasculares.1 A Sociedade Brasileira de Neurocirurgia foi fundada em 26 de julho de 1957 por médicos que exerciam a especialidade no Brasil.5,15 A descoberta da tomografia computadorizada marcou um período de pesquisa para fins de aprimoramento da técnica para melhor visualização do parênquima cerebral e culminou com a descoberta da ressonância nuclear magnética, com destaque dos autores Damadian (1971), Lauterbur (1973), e Mansfield e Grannell (1973).13 Griffith, em 1977, realizou a ressecção do plexo corióideo e foi o primeiro a utilizar o termo endoneurocirurgia.14 Na França, em 1978, De Brun relatou sua primeira experiência no uso de cateter balão como abordagem terapêutica nos casos de aneurismas cerebrais inacessíveis por via neurocirúrgica, que culminou com o surgimento da neurorradiologia intervencionista.1 Após um período de treinamento, Yasargil inaugurou a microneurocirurgia em 1963 com o auxílio do neurocirurgião M. Peardon Donaghy. Já no campo da microanatomia neurocirúrgica destaca-se a escola de Albert Rhoton Jr., iniciada logo após a década de 1970 e contribuiu com diversos estudos acerca da microanatomia craniana e encefálica.5,13 A pesquisa dessa área da neurocirurgia foi de tal importância que constitui até hoje o alicerce do raciocínio topográfico neurocirúrgico e aumentou a precisão do raciocínio neuroclínico.13 O neurocirurgião de maior destaque no reconhecimento da neurocirurgia como especialidade médica foi Harvey Cushing, que desenvolveu os pilares da neurocirurgia prática nos Estados Unidos pela elaboração de técnicas cirúrgicas e casuísticas em diferentes áreas da neurocirurgia, resultando na obra Somatic motor and sensory representation in the cerebral cortex of man as studied by electrical stimulation (1981).13 Em 1970, houve a descoberta da tomografia computadorizada por G. Hounsfield, que permitiu a visualização direta das estruturas encefálicas e das lesões intracranianas, principalmente as lesões potencialmente cirúrgicas. Esse progresso acrescido das novas técnicas estereotáxicas auxiliou na exérese de tumores cerebrais de forma precisamente dirigida e limitada de acordo com Patrick Kelly (1988).5,13 No campo da neurorradiologia intervencionista, Higashida (1990) e Moret (1991) relataram experiências com balões descartáveis, e Hilal (1989) publicou a técnica de utilização de molas para tratamento de aneurismas cerebrais, comumente conhecidas como coils.1 Em 1990, Fitzpatrick e Wickham sugeriram o termo “Cirurgia minimamente invasiva” em referência aos tratamentos endoscópicos e, em 1992, Hellwig e Bauer inauguraram o termo “Neurocirurgia endoscópica minimamente invasiva”.14 Guiot foi o primeiro a utilizar endoscopia no acesso transefenoidal e reintroduziu a ventriculostomia por neuroendoscopia no acervo de técnicas neurocirúrgicas.14 Isso ocorreu em 1970, quando, juntamente com Bushe e Halves, eles reportaram o uso de endoscópios para acesso às lesões pituitárias, que eram ressecadas sob microscopia. Entretanto, Jho e Carrau foram os pioneiros na realização de neurocirurgias endoscópicas puras, onde o acesso e ressecção eram todos realizados Em relação ao Amazonas, os procedimentos neurocirúrgicos eletivos são realizados pelo Hospital Universitário Getúlio Vargas e a Fundação Centro de Controle de Oncologia se destaca no campo 29 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n. 1 jan./jun. – 2012 HISTÓRIA DA NEUROCIRURGIA: DAS TREPANAÇÕES PRÉ-HISTÓRICAS À NEUROCIRURGIA MINIMAMENTE INVASIVA Pronto-Socorro João Lúcio Pereira Machado é responsável pelo atendimento e suporte neurocirúrgico de urgência. O futuro da neurocirurgia gira em torno da estereotaxia sem moldura, na introdução de substâncias no sistema nervoso central que influenciariam no prognóstico de doenças causadas por transtornos na neurotransmissão e no transplante neural.7 CONCLUSÃO O progresso no conhecimento acerca da neuroanatomia e da neurofisiologia foi essencial para a elaboração de abordagens terapêuticas, desde simples craniotomias até a neuronavegação, a neurorradiologia intervencionista, a microneurocirurgia e a neuroendoscopia. Além disso, as figuras de destaque nesse processo histórico são de grande importância para a compreensão das condutas atualmente preconizadas e o surgimento de curiosidades e novas teorias para o futuro da neurocirurgia e suas subespecialidades. REFERÊNCIAS 1 - Giannetti AV. Análise crítica do papel atual da neurorradiologia diagnóstica e inervencionista. Arq Bras Neurocir. 2002; 21 (34): 103-10. 2 - Gildenberg PL. The History of Stereotactic Neurosurgery. 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A terapêutica clínica é baseada no uso de drogas anticolinesterásicas, cujo mecanismo de ação é pelo bloqueio da colinesterase e no uso de imunossupressores. Adota-se também a timectomia como terapêutica. Métodos: O estudo não controlado avaliou a resposta à timectomia em vinte e três (23) pacientes com miastenia gravis, atendidos no Ambulatório de Neurologia e encaminhados para a cirurgia torácica no período de janeiro de 1991 a junho de 2006 no Hospital Sociedade Portuguesa Beneficente e Hospital Universitário Getúlio Vargas, localizados na cidade de Manaus-AM, Brasil. Resultados: A melhora clínica dos pacientes ocorreu no pós-operatório independente de sua classificação de Osserman, ou seja, pacientes com muitas manifestações clínicas tiveram boa resposta à cirurgia assim como aqueles com pouca manifestação. Conclusão: A timectomia proporcionou redução da medicação e melhora clínica mesmo em pacientes com grau avançado de doença. Palavras-chave: Miastenia gravis, timectomia, pós-operatório. ABSTRACT Introduction: Myasthenia gravis (MG) is an autoimmune disease resulting from changes in the neuromuscular junction, affecting production of autoantibodies against nicotinic acetylcholine receptors present on voluntary muscles. The therapy is based on the clinical use of anticholinesterase drugs whose action mechanism is through the blocking cholinesterase. Thymectomy is also adopted as therapeutics. Methods: This uncontrolled study evaluated the response to thymectomy in twentythree (23) patients with myasthenia gravis, received at a neurology outpatient clinic and referred for thoracic surgery in the period from January 1991 to June 2006 at the Sociedade Portuguesa Beneficente Hospital and Getúlio Vargas University Hospital, located in the city of Manaus-AM, Brazil. Results: Clinical improvement in patients occurred postoperatively, regardless of their classification of Osserman, ie, with many patients there was good clinical response to surgery as well as in those with little manifestation. *Residente de Clínica Médica do Hospital Universitário Getúlio Vargas **Doutor em Medicina pela UNIFESP e chefe do Serviço de Cirurgia Torácica do Hospital Universitário Getúlio Vargas ***Cirurgião do Serviço de Cirurgia Torácica do Hospital Universitário Getúlio Vargas 32 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n. 1 jan./jun. – 2012 VALIAÇÃO DO PÓS-OPERATÓRIO DE PACIENTES COM MIASTENIA GRAVIS SUBMETIDOS À TIMECTOMIA da neurocirurgia oncológica.12 Além disso, o Hospital Conclusion: Thymectomy provided a reduction of medication and clinical improvement, even in patients in advanced stages of the disease. Key words: Myasthenia gravis, thimecthomy, postoperative. INTRODUÇÃO Hospital Universitário Getúlio Vargas. A miastenia gravis (MG) é uma doença autoimune decorrente de alterações da junção neuromuscular a partir da produção de autoanticorpos contra os receptores nicotínicos de acetilcolina presentes nos músculos voluntários. Tais anticorpos competem com o neurotransmissor determinando uma ampla gama de acometimento muscular da doença.1,2 É caracterizada por distúrbios da transmissão neuromuscular ao nível de placa motora, os quais resultam em fraqueza e fadiga da musculatura voluntária em intensidade flutuante, ou crescente, no transcorrer do dia e após exercícios físicos. A terapêutica clínica é baseada no uso de drogas anticolinesterase (piridostigmina e neostigmina), cujo mecanismo de ação é o bloqueio da colinesterase, enzima responsável pela degradação da acetilcolina liberada na placa motora.3,4 Imunossupressores são também eficazes na indução da remissão da doença; a plasmaférese e as imunoglobulinas podem ser indicadas na crise miastênica.5 O primeiro caso de uma paciente com miastênia grave foi descrito em 1939, ela era portadora de timoma e foi após a realização da timectomia.6 Em 1941, o mesmo autor relatou a eficácia da timectomia também em pacientes não portadores de neoplasias do timo, mas com sintomas miastênicos.6 O objetivo do trabalho é avaliar retrospectivamente a resposta à timectomia de portadores de MG tratados no período de janeiro de 1991 a junho de 2006 no Hospital Sociedade Portuguesa Beneficente e Hospital Universitário Getúlio Vargas, em Manaus-AM, Brasil, pela equipe de cirurgia torácica do CASUÍSTICA E MÉTODOS O estudo é do tipo ensaio não controlado que avalia a resposta à timectomia em vinte e três (23) pacientes com miastenia gravis, atendidos no Ambulatório de Neurologia e encaminhados à cirurgia torácica no período de janeiro de 1991 a junho de 2006 no Hospital Sociedade Portuguesa Beneficente e Hospital Universitário Getúlio Vargas, localizados na cidade de Manaus-AM, Brasil. Foram incluídos no trabalho todos os pacientes com miastenia gravis, submetidos à timectomia no período de janeiro de 1991 a junho de 2006 e acompanhados no Ambulatório de Neurologia das instituições citadas. Os pacientes foram divididos quanto ao tempo de evolução da doença e classificados de acordo com Osserman7 em cinco grupos (Quadro 1). A partir de então, analisou-se o pósoperatório dos pacientes classificados de acordo com a melhora clínica, segundo a classificação de Keynes7 (Quadro 2). 33 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n. 1 jan./jun. – 2012 Mubarac et al Após análise descritiva dos dados, os resultados são apresentados em tabelas de Distribuição de Frequências e Gráficos. 1991 a junho de 2006, três pacientes (11,5%) foram excluídos, por conta de informações incompletas nos prontuários. O total da amostra foi de 23 pacientes, sendo 18 mulheres (78,2%) e cinco homens (21,8%). A idade média dos pacientes foi de 26,5 anos, sendo os pacientes entre 16 e 29 anos os mais acometidos, correspondente a 56,5% da amostra. O tempo médio entre o diagnóstico de miastenia gravis e a cirurgia de timectomia foi de 19 meses (1-84 meses) (Tabela 1). RESULTADOS Foram estudados um total de 26 pacientes submetidos à timectomia no período de janeiro de TABELA 1 Dados demográficos, Tempo de doença, Classificação de Osserman ____________________________________ Paciente (n) 23 Sexo Feminino 18 Masculino 5 Idade (Média em anos) 26,5 Gráfico 1: Comorbidades 34 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n. 1 jan./jun. – 2012 VALIAÇÃO DO PÓS-OPERATÓRIO DE PACIENTES COM MIASTENIA GRAVIS SUBMETIDOS À TIMECTOMIA A distribuição das comorbidades dos pacientes estão no Gráfico 1: As manifestações clínicas apresentadas no préoperatório estão distribuídas no Gráfico 2: Gráfico 2: Manifestações Clínicas Os medicamentos usados no pré-operatório foram piridostigmina com doses variadas entre 180mg e 720mg (dose média de 318,2mg) e prednisona com doses entre 10mg e 70mg (dose média de 25mg). No pós-operatório, esses mesmos medicamentos tiveram doses variadas entre 60mg e 720mg de piridostigmina (média de 237,4mg) e entre 5mg e 40mg de prednisona (média de 9,8mg). Houve redução da média de piridostigmina de 25,4% e de prednisona de 60,9% em relação ao pré-operatório. Duas pacientes do estudo estão sem medicações após cinco anos de cirurgia. Em apenas uma paciente (4,3%) foi realizada plasmaférese e dois pacientes (8,7%) fizeram tratamento com imunoglobulina no pré-operatório. foram encontrados 8,7% na classe A (melhora clínica sem uso de medicamentos), 57,0% na classe B (melhora clínica com diminuição da dose do medicamento), 26,0% na classe C (melhora clínica com a mesma dose do medicamento), 4,3% na classe D (melhora clínica com aumento da dose do medicamento, nenhum na classe E (sem melhora clínica) e um óbito (4,3%). DISCUSSÃO O estudo mostra maior prevalência de miastenia gravis em mulheres numa relação de 3,6:1. A presença maior dessa doença em mulheres também pode ser vista conforme o estudo de Park e colaboradores, no qual foram estudados 147 pacientes dos quais 141 (72,1%) eram mulheres.8 A duração média entre o diagnóstico de miastenia gravis e a timectomia é de 21,31 meses; 9 nosso trabalho foi de 19 meses. As incisões utilizadas no ato cirúrgico foram: incisão mediana (91,3%) e videotoracoscopia (8,7%). Não houve complicações pós-operatórias em 78,2% dos pacientes, porém um paciente evoluiu com insuficiência respiratória (incisão mediana), um paciente com pneumonia (videotoracoscopia), um paciente com infecção da ferida operatória (incisão mediana), um paciente com necrose da pele no local do dreno (videotoracoscopia) e um paciente foi a óbito (incisão mediana). Timoma pode estar presente em 10 a 15% dos pacientes com miastenia gravis em cerca de 10% dos pacientes está associada à outra doença autoimune.10 Em nosso estudo, o aparecimento de timoma corresponde a 13% dos pacientes, enquanto que as doenças autoimunes correspondem a aproximadamente 13%: doença de Graves – 8,7% e Em relação à classificação de Keynes adotada para avaliação de melhora clínica no pós-operatório 35 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n. 1 jan./jun. – 2012 Mubarac et al e Pênfigo – 4,34%.Aprevalência de doenças autoimunes foi de 21%, dentre estas as principais causas foram os distúrbios da tireoide e doenças reumáticas,9 assim como no nosso estudo a principal causa de doença autoimune associada à miastenia gravis foi a doença de Graves, porém sem casos de doença reumática. doses das drogas e diminuição das complicações, a esternotomia continua sendo o padrão-ouro para a timectomia na miastenia gravis, principalmente quando o paciente for portador de timoma.11,12,13 O uso de piridostigmina no pós-operatório pode reduzir em até 80% em seis meses e o corticoide (prednisona) não dados.11 No nosso estudo, no pósoperatório imediato houve redução de 20,7% de piridostigmina e 33,6% de prednisona. Após um ano de cirurgia, a redução alcança 25,4% de piridostigmina e 60,9% de prednisona; além disso, duas pacientes estão atualmente sem o uso de medicamentos (cinco anos após o procedimento cirúrgico). A classificação de Osserman no pré-operatório não está diretamente relacionada à melhora clínica no pós-operatório, uma vez que 91,3% dos pacientes apresentaram melhora do quadro clínico quando comparados ao momento anterior à cirurgia, independente de sua classificação. Apenas dois pacientes não obtiveram melhora clínica após a timectomia, porém não podemos atribuir tal fato à classificação ou ao tempo de doença antes da cirurgia, pois ambos foram classificados como estágio III e com tempos de doença diferentes entre si (três e 48 meses). A classificação de Osserman pode não ser capaz de predizer o prognóstico do paciente, pois a utilização de esteroides no pré-operatório poderia mudar o estágio do paciente, tornando-o um estágio mais baixo durante o tratamento clínico,8 nossos pacientes fizeram uso de esteroides no pré-operatório e talvez essa seja a causa da melhora em quase o total da amostra. De acordo com a classificação de Keynes, classificação adotada no pós-operatório, houve melhora dos pacientes em relação ao pré-operatório, ou seja, 21 dos 23 pacientes estudados (91,3%) apresentaram melhora clínica. A melhor resposta à cirurgia foi de duas pacientes (8,7%), classificadas no pré-operatório em Osserman IIa e III, respectivamente, e evolução para remissão da doença. Neste trabalho, os pacientes com diferentes classes, de acordo com a classificação de Osserman e o tempo de doença, não foram fatores definitivos em relação ao prognóstico dos pacientes, pois diferentes classificações e tempos de doença diferentes apresentaram resultados semelhantes. Apesar da pequena amostra de pacientes, podemos concluir que a timectomia tenha contribuído para a redução do uso de medicamentos em pacientes com manifestações clínicas mais graves, independente da incisão cirúrgica empregada. As complicações no pós-operatório não foram atribuídas somente às cirurgias com esternotomia, pois os dois pacientes submetidos à videotoracoscopia apresentaram intercorrências no pós-operatório, um com pneumonia e o outro com necrose de pele no local do dreno de tórax. Uma importante complicação foi um óbito após a cirurgia com esternotomia, porém a paciente apresentava grande acometimento da musculatura generalizada no pré-operatório, internada em várias ocasiões por conta de insuficiência respiratória por paralisia da musculatura da caixa torácica e a cirurgia não trouxe melhora significativa ao quadro clínico anterior. Um estudo com 19 pacientes comparou a cirurgia com esternotomia (n=10) com três complicações e duas reoperações e a cirurgia por robôs e minimamente invasiva (n=9) com uma complicação e nenhuma reoperação, porém os autores asseguram que, apesar da cirurgia por vídeo trazer os mesmos benefícios que a esternotomia, como diminuição dos sintomas e sinais neuromusculares, redução das REFERÊNCIAS 1 - Saito EH, Higa C, Nunes RA, Magalhães GC, Vaz CA, Cervante VF. Timectomia estendida por cirurgia torácica videoassistida e cervicotomia no tratamento da miastenia. J. Pneumologia. 2003; 29(5) 273-279. 2 - Michaud M, Delrieu J, Astudillo L. 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Autoimmune Diseases Volume 2011, Article ID 474512, 5 pages doi: 10.4061/2011/474512. 11 - Cakar F, Webber P, Augustin F, Schmid T, Wolf-Magele A, Sieb M, Bodner J. A comparison of outcomes after robotic open extended thymectomy for myasthenia gravis. European Journal of CardioThoracic Surgery. 2007; 31(3): 501-505. 12 - Meyer DM, Herbert MA, Sobhani NC, Tavakolian P, Duncan A, Bruns M, Korngut K, Williams J, Prince SL, Huber L, Wolfe GI, Mack MJ. Comparative Clinical Outcomes of Thymectomy for Myasthenia Gravis Performed by Extended Transsternal and 37 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n. 1 jan./jun. – 2012 Santana et al CARCINOMA VERRUCOSO DE LARINGE: VARIANTE INCOMUM DE CARCINOMA EPIDERMOIDE Verrucous Carcinoma Of The Larynx: An Uncommon Variant Squamous Cell Carcinoma Renata Farias de Santana,* Renato Telles de Souza,** Luiz Carlos Nadaf de Lima,*** Rafael Siqueira de Carvalho,**** Marcos Antônio Fernandes,***** Luiz Eduardo Wawrick Fonseca****** RESUMO O carcinoma verrucoso é uma variante rara de carcinoma epidermoide bem diferenciado. Essa lesão, também conhecida como tumor de Ackerman, tem uma aparência morfológica característica e comportamento clínico específico. A metástase é rara, mas o crescimento é inexorável, podendo resultar na morte do paciente. Noventa por cento do acometimento laríngeo está na glote. O diagnóstico histopatológico pode ser muito difícil, pelo alto grau de diferenciação celular, especialmente se o material da biópsia não mostra uma área de junção entre tumor e o tecido normal. A maioria dos pacientes é tratada cirurgicamente, mas a radioterapia e quimioterapia também são utilizadas em pacientes com lesões muito extensas. Apresenta-se, neste relato, o caso de paciente com história de seis meses de disfonia, com lesão hiperqueratótica, leucoplásica, exofítica e vegetante, compatível com carcinoma verrucoso. Palavras-chave: Carcinoma verrucoso, laringe, disfonia. ABSTRACT Verrucous carcinoma is a rare variant of well differentiated squamous cell carcinoma. This lesion, also known as Ackerman’s tumor, has a characteristic morphologic appearance and specific clinical behavior. Metastasis is rare, but growth is inevitable and may result in death. Ninety percent of laryngeal involvement is in the glottis. Histopathological diagnosis can be very difficult due to the high degree of cell differentiation, especially if the biopsy material doesn’t show an area of junction between tumor and normal tissue. Most patients are treated surgically, but radiotherapy and chemotherapy are also used in patients with very extensive lesions. This report presents a patient with a history of six months of dysphonia, with hyperkeratotic lesions, leukoplakia, and vegetative exophytic, consistent with verrucous carcinoma. Key words: Verrucous carcinoma, larynx, dysphonia. * Médico residente em Otorrinolaringologia do HUGV ** Professor mestre/chefe do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas – HUGV *** Professor mestre/preceptor da Residência Médica de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas – HUGV **** Médico residente em Otorrinolaringologia do HUGV ***** Médico residente em Otorrinolaringologia do HUGV ****** Estagiário do Serviço de Otorrinolaringologia do HUGV 38 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n. 1 jan./jun. – 2012 CARCINOMA VERRUCOSO DE LARINGE: VARIANTE INCOMUM DE CARCINOMA EPIDERMOIDE INTRODUÇÃO O carcinoma verrucoso é uma variante rara de carcinoma epidermoide bem diferenciado. Essa lesão, também conhecida como tumor de Ackerman, tem uma aparência morfológica característica e comportamento clínico específico. Deve ser separada de outros carcinomas epidermoides, porque, mesmo com lesões extensas, tem um excelente prognóstico com o tratamento adequado. Essa lesão tem uma predileção para as membranas mucosas da cabeça e pescoço, sendo mais comumente encontrada na cavidade oral. É uma doença essencialmente de homens com idade superior a 50 anos. Mascar tabaco é o fator etiológico primário das lesões da cavidade oral. O tabagismo é altamente correlacionado com lesões laríngeas.1 Os avanços da biologia molecular demonstram uma provável relação entre o carcinoma verrucoso e o papiloma vírus humano.2 Figura 1: Lesão exofítica em prega vocal esquerda. RELATO DO CASO Figura 2: Peça cirúrgica obtida após microcirurgia laríngea. Paciente do sexo masculino, 55 anos, compareceu ao Ambulatório de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas, referindo quadro de disfonia e tosse seca irritativa havia seis meses. Passou a manifestar queixa de dispneia em repouso no último mês. Negava disfagia, odinofagia ou uso abusivo da voz. Portador de diabetes mellitus tipo 2 e hipertensão arterial sistêmica. História de tabagismo havia 20 anos, com carga tabágica de 10 maços/ano. DISCUSSÃO O carcinoma verrucoso é uma neoplasia maligna altamente diferenciada, constituída por células escamosas, de apresentação incomum. Pode acometer mucosa ou superfície da pele. Tende a produzir camada proeminente de queratina e, embora capaz de causar destruição do tecido local e invasão, geralmente não gera metástases. A diferenciação clínica e histológica é de primordial importância para o diagnóstico.3 À videolaringoscopia, apresentava lesão hiperqueratótica leucoplásica, exofítica e vegetante, com prolongamentos filiformes, ocupando a totalidade de prega vocal esquerda, causando obstrução glótica, além de extensão subglótica. Mobilidade de pregas vocais aparentemente preservada (Figura 1). A metástase é rara, mas o crescimento é inexorável, podendo resultar na morte do paciente. Noventa por cento do acometimento laríngeo está na glote. O diagnóstico histopatológico pode ser muito difícil, por conta do alto grau de diferenciação celular, especialmente se o material da biópsia não mostra uma área de junção entre tumor e o tecido normal. 39 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n. 1 jan./jun. – 2012 Santana et al Provavelmente, em nenhuma outra neoplasia de laringe há mais necessidade de cooperação entre o cirurgião e o patologista.4,5 Persistem muitas controvérsias na literatura quanto ao tratamento do carcinoma verrucoso. A maioria dos pacientes é tratada cirurgicamente, mas a radioterapia e quimioterapia também são utilizadas em pacientes com lesões muito extensas, que impossibilitem a exérese do tumor com margem de segurança.6,7 REFERÊNCIAS 1 - roy CA. Carcinoma verrucoso de cabeça e pescoço. Disponível em: <http://www.bcm.edu/oto/ grand/92891.html>. Acesso em: 19 abril 2010. 2 - Abramson AL, Brandsma J, Steinberg B, Winkler B. Verrucous carcinoma of the larynx. Arch. Otolaryngol. 1985; 111(11): 709-15. 3 - Pérez S, Jorge F, Medina B, Susana B, Lagueiro M. Carcinoma verrucoso de laringe. An. Otorrinolaringol. Urug. 2004; 80: 14-8. 4 - Varshney S, Jasprit S, Saxena RK, Anoop K, Pathak VP. O carcinoma verrucoso de laringe. Revista Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço. 2004; 56(1). 5 - Kermani ZM. Verrucous carcinoma of the larynx. Acta Medica Iranica. 1993; 31: 75-8. 6 - Cisternas A, Torrente M. Radiotherapy and verrucous carcinoma of the larynx. Rev, Otorrinolaringol. Cir. Cabeza Cuello. 2008; 68(3): 319-22. 7 - Moraes RV. Carcinoma verrucoso de boca: análise das características clínica e microscópica, da expressão imuno-histoquímica e da hipermetilação do gene e-caderina. 2005. 137 p. Dissertação (Mestrado em Odontologia). Curso de Pós-Graduação em Patologia Bucal, Universidade de São Paulo, Bauru. 40 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n. 1 jan./jun. – 2012 Fernandes et al LIPOMA DE PALATO MOLE – RELATO DE CASO Lipoma soft palate - case report Marcos Antônio Fernandes,* Renato Telles de Souza,** Luiz Carlos Nadaf de Lima,*** Rafael Siqueira de Carvalho,**** Renata Farias de Santana,***** Luiz Eduardo Wawrick Fonseca****** RESUMO O lipoma de palato mole é um tumor benigno raro, que acomete principalmente pessoas entre 40 e 60 anos, com ligeira predileção pelo sexo masculino, sendo incomum o acometimento abaixo dos 12 anos de idade. Geralmente é assintomático de crescimento lento e etiologia incerta. O presente trabalho relata uma criança de dez anos de idade, que se apresentou com uma tumoração em palato mole, que teve como diagnóstico histopatológico de lipoma e foi submetida a tratamento cirúrgico para remoção da lesão. Palavras-chave: Lipoma de palato mole, tumor raro. ABSTRACT Lipoma of the soft palate is a rare benign tumor, which mainly affects people between 40 and 60 years of age, with slight predilection for males. Onset below 12 years is age is uncommon. It is generally asymptomatic, with slow-growth and uncertain etiology. This paper describes a 10-year-old presented with a tumor in the soft palate, which had the histopathological diagnosis of lipoma and who underwent surgery for removal of the lesion. Key words: Lipoma of the soft palate, rare tumor. INTRODUÇÃO é entre 40-50 anos. O acometimento em crianças é muito raro. Sua origem é incerta, porém acredita-se que exista um fator genético envolvido na etiologia. Lipoma ou lipomatose é um acúmulo de tecido gorduroso que surge por baixo do tecido subcutâneo. Os lipomas são tumores benignos, mas podem apresentar crescimento volumoso, causando grande incômodo estético e até mesmo físico. Pode acometer pessoas de todas as idades, porém sua incidência é maior em homens e a faixa etária mais acometida Este trabalho tem por objetivo descrever o relato de caso de um paciente do sexo masculino, de dez anos de idade, portador de um lipoma em palato mole, condição muito rara pela faixa * Médico residente em Otorrinolaringologia do HUGV ** Professor mestre/chefe do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas – HUGV *** Professor mestre/preceptor da Residência Médica de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas – HUGV **** Médico residente em Otorrinolaringologia do HUGV ***** Médico residente em Otorrinolaringologia do HUGV ****** Estagiário do Serviço de Otorrinolaringologia do HUGV 41 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n. 1 jan./jun. – 2012 LIPOMA DE PALATO MOLE - RELATO DE CASO etária e localização, diagnosticado no Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV). RELATO DE CASO Criança do sexo masculino, dez anos de idade, havia dois anos apresentou quadro clínico de disfagia e roncos, motivo que fez sua genitora leválo a consulta médica. Foi diagnosticada uma lesão em pilar amigdaliano anterior direito, clinicamente compatível com cisto. Fazia um ano houve piora da sintomatologia, sendo encaminhado ao Ambulatório de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas – AM. No momento da consulta as queixas eram de disfagia, odinofagia e roncos. Figura 2: 12.º dia de pós-operatório. Figura 3: 41.º dia de pós-operatório. DISCUSSÃO À oroscopia, observou-se uma lesão amarelada, medindo em média 3,0 x 3,0 cm, envolvendo palato mole e pilar amigdaliano anterior (Figura 1). Foi realizada remoção cirúrgica, sem intercorrências. Atualmente com quatro meses de seguimento, sem sinais de recidiva. O lipoma é um tumor intrabucal relativamente raro, apesar de ocorrer com frequência considerável em outras áreas, particularmente em tecidos subcutâneos do pescoço.1,3 Perto de 1 a 4% acometem a cavidade oral, representando de 0,1 a 5% de todos os tumores benignos da boca. As localizações intraorais mais frequentes são a mucosa jugal (50%), seguida do lábio inferior (20%) e região retromolar (10%). A etiologia do lipoma permanece incerta, porém possíveis alterações endócrinas e causas hereditárias, traumas locais, além de infecções são possíveis agentes causadores.4 É um neoplasma benigno, de crescimento lento, assintomático, de base séssil ou pediculada, única ou lobulada, geralmente circundado Figura 1: Aspecto clínico da lesão, à oroscopia. 42 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n. 1 jan./jun. – 2012 Fernandes et al por uma cápsula fibrosa.1,2 Seu pico de ocorrência dáse principalmente entre a quinta e sexta décadas de vida (45%), raramente encontrados em crianças com dez anos ou menos (4,7%).5 O tratamento de escolha deve ser a excisão cirúrgica, com o índice de recidiva considerado baixo.4 Na análise histopatológica a microscopia mostrou neoplasia de linhagem mesenquimatosa constituída pela proliferação de adipócitos maduros a par de delicados septos fibrosos, tendo como diagnóstico final lipoma. O diagnóstico preciso, por meio de uma boa anamnese e exame físico, é fundamental para uma adequada indicação do tratamento. O acompanhamento pós-operatório dessa lesão é importante e fundamental para detecção de possível recidiva. REFERÊNCIAS 1 - Shafer WG, Hine MK, Levy BM. Tratado em Patologia Bucal. 3.a ed. Rio de Janeiro: Guanabara; 1974. 2 - Tommasi AF. Diagnóstico em Patologia Bucal. São Paulo: Artes Médicas; 1982. 3 - Prado R, Ribeiro DPB, Fontoura RA, Sampaio RKPL, Moreira LC. Lipoma sublingual: relato de caso. Rev Bras Odontol. 1988; 55(4): 226-8. 4 - Marzola, C. Fundamentos de cirurgia Buco Maxilo Facial. Bauru: Independente; 2005. 5 - Avelar RL, Carvalho RWF, Falcão PGCB, Antunes AA, Andrade ESS. Lipomas da Região Oral e Maxilofacial: Estudo Retrospectivo de 16 Anos no Brasil. Rev Port Estomatol Med Dent Cir Maxilofac. 2008; 49(4): 208-9. 43 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n. 1 jan./jun. – 2012 Marques et al MORTE SÚBITA ABORTADA EM PACIENTE CHAGÁSICO CRÔNICO DA AMAZÔNIA BRASILEIRA: RELATO DE CASO Aborted Sudden Death In A Chronic Chagas Disease Patient From The Brazilian Amazon Region: A Case Report Anne Elizabeth Andrade Sadala Marques,* João Marcos Barbosa Ferreira,***Jaime Arnez Maldonado,**** Frederico Gustavo Cordeiro Santos,* Danielle Abreu da Costa,* Gilmara Anne da Silva Resende,** Jorge Augusto de Oliveira Guerra*****, Maria das Graças Vale Barbosa***** RESUMO A cardiopatia chagásica pode se apresentar em três formas essenciais: insuficiência cardíaca, arritmia e tromboembolismo. A forma arritmogênica é comum nas áreas endêmicas, sendo uma importante causa de mortalidade entre os pacientes com DC. É relatado episódio de morte súbita (MS) abortada causada por taquicardia ventricular (TV) sem pulso com necessidade de Cardio-Desfibrilador Implantável (CDI) em paciente autóctone da Amazônia Brasileira. Esse é o primeiro caso de forma predominantemente arritmogênica da cardiopatia chagásica crônica (CCC) na região. Palavras-chave: Doença de Chagas, Cardiomiopatia Chagásica, Amazônia, Arritmias Cardíacas, Morte Súbita. ABSTRACT Chagas heart disease can present itself in three basic shapes: heart failure, arrhythmia, and thromboembolism. The arrhythmogenic form is common in endemic areas, an important cause of mortality among patients with CD. An aborted episode of sudden death caused by ventricular tachycardia without pulse with the need for implantable cardiac defibrillator in a Brazilian Amazon autochthonal patient is reported. This is the first case of predominantly arrhythmogenic form of chronic chagasic cardiopathy (CCC) in the region. Key words: Chagas Disease, Chagas Cardiomyopathy, Amazon Region, Cardiac Arrhythmias, Sudden Death. * Médico(a) residente de Cardiologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas ** Médico(a) residente de Clínica Médica do Hospital Universitário Getúlio Vargas *** Médico(a) especialista em Cardiologia **** Médico cardiologista especialista em Eletrofisiologia e estimulação cardíaca ***** Médico(a) especialista em Infectologia 44 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n. 1 jan./jun. – 2012 MORTE SÚBITA ABORTADA EM PACIENTE CHAGÁSICO CRÔNICO DA AMAZÔNIA BRASILEIRA: RELATO DE CASO INTRODUÇÃO digestivo da DC. Esse é o primeiro caso, na região, de arritmia ventricular complexa com episódio de MS recuperada, inclusive com necessidade de implante de cardiodesfibrilador. A Amazônia é considerada área de baixa endemicidade para doença de Chagas (DC). Apesar disso, recentemente, tem sido mais frequente o diagnóstico de casos agudos e crônicos na região.1,6 Quanto ao agente etiológico, tem sido descrito na Amazônia o Trypanosoma cruzi dos grupos zimodema 1, zimodema 3 ou híbrido Z1/Z3. Essas cepas são diferentes das encontradas nas zonas endêmicas do Brasil, onde predomina o zimodema 2 . Não se conhece totalmente a patogenicidade das cepas da Amazônia; porém acredita-se que causem baixa morbidade, provavelmente menor que a encontrada nas áreas endêmicas.1 RELATO DE CASO E.R., 49 anos, masculino, casado, pedreiro, natural do município de Guajará, microrregião do Juruá, interior do Amazonas. Morou em Guajará até os 31 anos de idade e reside em Manaus, AM, há 18 anos. Nunca viajou para fora do Estado do Amazonas. Procurou o Serviço de Emergência em abril de 2009 por mal-estar geral, palpitações taquicárdicas e sudorese fria com evolução de duas horas. Na admissão, apresentou episódio de parada cardiorrespiratória sendo monitorizado eletrocardiograficamente com diagnóstico de taquicardia ventricular monomórfica sem pulso Apesar disso, já foram descritos casos crônicos de cardiomiopatia dilatada de etiologia chagásica na região. Esses poucos casos descritos apresentavam importante comprometimento da função sistólica ventricular esquerda.2,3,10 Ainda não foram relatados casos de predominância da forma arritmogênica da CCC ou de acometimento Figura 1: Eletrocardiograma no momento de taquicardia ventricular monomórfica. 45 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n. 1 jan./jun. – 2012 Marques et al (Figura 1). O paciente foi submetido à reanimação cardiopulmonar e desfibrilação elétrica com sucesso. Negava tabagismo, etilismo, uso de drogas ilícitas e transfusões sanguíneas. Desconhecia contato com triatomíneos. Não há casos de cardiopatias na família, bem como nenhuma outra patologia. Permanecia assintomático do ponto de vista digestório. Foi transferido para o Serviço de Cardiologia do Hospital Universitário Francisca Mendes (HUFM) para investigação etiológica. Na admissão, encontrava-se lúcido e orientado no tempo e espaço. Ao exame do aparelho cardiovascular, o ictus cordis não era visível e/ ou palpável. O ritmo cardíaco era regular em dois tempos, com bulhas normofonéticas e sem sopros. A frequência cardíaca era de 75bpm e a pressão arterial de 110/70mmHg. Durante internação na enfermaria e em vigência de droga antiarrítmica o paciente apresentou novo episódio de TV associado à instabilidade hemodinâmica. Realizou-se nova desfibrilação elétrica com retorno para ritmo sinusal. Por conta da MS de causa arritmogênica (TV) e como prevenção secundária de novos eventos, optou-se pelo implante de CDI (Figura 3). O paciente evoluiu de forma satisfatória após procedimento. Recebeu alta hospitalar para acompanhamento ambulatorial, assintomático e em bom estado geral. O eletrocardiograma de repouso apresentava ritmo sinusal, com bloqueio de ramo direito, sem evidências de sobrecargas e/ ou hipertrofia. Foi submetido ao ecocardiograma transtorácico que identificou aumento discreto das câmaras esquerdas, aneurisma apical de ventrículo esquerdo (Figura 2), hipocinesia das paredes inferior e posterior com disfunção sistólica ventricular esquerda leve (fração de ejeção de 50% pelo método de Simpson). A sorologia para doença de Chagas foi reagente nos métodos imunofluorescência indireta, ELISA, hemaglutinação direta e Western-Blot (TESABLOT). Figura 3: Radiografia de tórax posteroanterior após implante de cardiodesfibrilador com gerador em hemitórax esquerdo. Em abril de 2010, um ano após o episódio, o paciente foi reavaliado e encontrava-se assintomático, em bom estado geral. Realizou holter 24 horas sem alterações e análise do cardiodesfibrilador com registro de choques apropriados aplicados pelo CDI, evitando dessa forma um desfecho fatal. DISCUSSÃO Afase crônica da cardiopatia chagásica pode se apresentar em três formas essenciais: insuficiência cardíaca, arritmia e tromboembolismo. A forma arritmogênica é comum nas áreas endêmicas, sendo uma importante causa de mortalidade entre os pacientes com DC.5 As arritmias ventriculares Figura 2: Ecocardiograma com imagem de aneurisma apical ventricular esquerdo. 46 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n. 1 jan./jun. – 2012 MORTE SÚBITA ABORTADA EM PACIENTE CHAGÁSICO CRÔNICO DA AMAZÔNIA BRASILEIRA: RELATO DE CASO complexas se correlacionam com a intensidade da disfunção ventricular e com a presença de alterações da contratilidade segmentar, principalmente o aneurisma apical. Essas variáveis indicam pior prognóstico em pacientes com CCC.8 Entretanto, também são descritos casos de MS mesmo em pacientes com função sistólica ventricular esquerda preservada.9 O CDI tem se mostrado eficaz na proteção de arritmias fatais nos pacientes com a forma arritmogênica da DC.7 Amazônia. Este relato sugere que a doença de Chagas possui morbidade cardíaca significativa na Amazônia e que o acometimento pode ocorrer nas diversas formas de CCC. Portanto, é necessária a realização de mais estudos descrevendo as características do acometimento cardíaco da DC na região amazônica. Em abril de 2010, um ano após o episódio, o paciente foi reavaliado e encontrava-se assintomático em bom estado geral. Realizou holter 24 horas sem alterações e análise do cardiodesfibrilador com registro de choques apropriados aplicados pelo CDI, evitando dessa forma um desfecho fatal. Na região amazônica, já foram descritos dois casos fatais de miocardiopatia dilatada e três casos com alterações ecocardiográficas típicas de DC em pacientes com infecção chagásica crônica no município de Barcelos, Estado do Amazonas.2,10 Em serviço de referência em cardiologia do Estado do Amazonas (HUFM), levantamento de 37 casos de cardiomiopatia dilatada sem etiologia definida em pacientes autóctones da Amazônia demonstrou três casos de CCC, estimando-se uma frequência de 8,1% no grupo estudado.4 Todos esses pacientes descritos tinham diagnóstico de cardiomiopatia dilatada com história clínica de insuficiência cardíaca e importante comprometimento da função sistólica ventricular esquerda (fração de ejeção de VE menor que 35%), porém nenhum deles apresentou registro de arritmia potencialmente fatal. REFERÊNCIAS 1 - Aguilar HM, Abad-Franch F, Dias JCP, Junqueira ACV, Coura JR. Chagas disease in the Amazon Region. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz 102 (Suppl I). 2007: 47-55. 2 - Albajar PV, Laredo SV, Terrazas MB, Coura JR. Miocardiopatia dilatada em pacientes com infecção chagásica crônica. Relato de dois casos fatais autóctones do rio Negro, Estado do Amazonas. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. 2003: 36: 401-407. O presente relato descreve o primeiro caso autóctone da Amazônia Brasileira com predomínio da forma arritmogênica da DC, presença de comprometimento apenas discreto da função sistólica de VE (fração de ejeção de 50%) e sem história clínica de insuficiência cardíaca. 3 - Ferreira JMBB, Guerra JAO, Barbosa MGV. Ventricular aneurysm in a chronic chagasic patient from the Brazilian Amazon. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. 2009; 42. O paciente apresentava alterações cardiológicas típicas do acometimento pela DC como bloqueio de ramo direito no eletrocardiograma de repouso e aneurisma apical no ecocardiograma transtorácico.5 4 - Ferreira JMBB, Guerra JAO, Magalhães BML, Coelho LIARC, Maciel MG, Barbosa MGV. Cardiopatia chagásica crônica na Amazônia: uma etiologia a ser lembrada. Arquivos Brasileiros de Cardiologia. In press; 2009. A história de MS recuperada causada por TV sem pulso, com necessidade de implante de CDI, já foi descrita em vários casos de CCC nas áreas tradicionalmente endêmicas,5,7,9 porém ainda não havia sido relatada em casos autóctones da 5 - Marin-Neto JA, Simões MV, Sarabanda AVL. Cardiopatia Chagásica. Arquivos Brasileiros de Cardiologia. 1999; 72: 247-263. 6 47 - Magalhães revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n. 1 jan./jun. – 2012 BML. Inquérito Marques et al soroepidemiológico para infecção chagásica em área rural da Amazônia Ocidental brasileira. Tese de Mestrado, Universidade do Estado do Amazonas, Manaus, AM; 2009. 7 - Muratore CA, Sa LAB, Chiale PA, Eloy R, Tentori MC, Escudero J, Lima AMC, Medina LE, Garillo R, Maloney J. Implantable cardioverter defibrillators and Chagas’ disease: results of the ICD Registry Latin América. Europace 11, 2009; 164-168. 8 - Rassi A Jr, Rassi A, Rassi SG. Predictors of mortality in chronic Chagas Disease: A systematic review of observational studies. Circulation. 2007; 115: 1101-1108. 9 - Sternick EB, Martinelli M, Sampaio RC, Gerken LM, Teixeira RA, Scarpelli L, Scanavacca M, Nishioka SO, Sosa E. Sudden Cardiac Death in patients with Chagas Heart Disease and preserved left ventricular function. Journal of Cardiovascular Electrophysiology. 2006; 17: 113-116. 10 - Xavier SS, Sousa AS, Albajar PV, Junqueira ACV, Boia MN, Coura JR. Cardiopatia chagásica crônica no rio Negro, Estado do Amazonas. Relato de três novos casos autóctones, comprovados por exames sorológicos, clínicos, radiográficos do tórax, eletro e ecocardiográficos. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. 2006; 39: 211-216. 48 INTRODUÇÃO revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n. 1 jan./jun. – 2012 Carlos et al MIOCARDIOPATIA PERIPARTO: RELATO DE CASO Peripartum Myocardiopathy: Case Report Ana Márcia Freitas Carlos,* Michelle Masuyo Minami Sato,* Carla Daniela Fank,** Marlúcia do Nascimento Nobre*** RESUMO A miocardiopatia periparto é uma doença rara, de etiologia desconhecida, caracterizada por desenvolvimento de insuficiência cardíaca congestiva materna, com disfunção ventricular sistólica esquerda, em mulheres previamente hígidas, excluídas outras causas. Apresenta maior frequência em negras, primíparas e com idade superior a 30 anos. A terapêutica instituída é similar à de outras causas de IC, excetuando-se a utilização de Inibidores da Enzima de Conversão da Angiotensina e Nitroprussiato de Sódio durante a gestação. O prognóstico é favorável para os casos que recuperam a função ventricular dentro de um período de seis meses. Gestações futuras não são recomendadas se houver persistência da disfunção cardíaca esquerda. Relatamos o caso clínico de uma mulher parda, de 21 anos de idade, primípara, previamente saudável, que desenvolveu manifestações de insuficiência cardíaca no último trimestre da gestação e puerpério imediato. Radiografia de tórax e eletrocardiograma com aumento de câmaras esquerdas e alterações de repolarização e ecocardiograma com fração de ejeção de 34%. Foi instituída terapêutica adequada para o caso, com resolução das alterações clínicas e ecocardiográficas na avaliação realizada após seis meses do início do quadro. Descritores: Gravidez, miocardiopatia periparto, falência cardíaca aguda. ABSTRACT Peripartum Myocardiopathy (PPMC) is a rare disease of unknown etiology, characterized by the development of congestive heart failure, with left systolic ventricular dysfunction, in previously healthy pregnant women, excluding other causes. It is more frequent in black women, first-time mothers, over 30 years of age. The therapy is similar to other causes of heart failure, excepting the use of angiotensin-converting enzyme inhibitors and sodium nitroprusside during gestation. The prognosis is favorable for cases that recover the ventricular function within a period of 6 months. Futures pregnancies are not recommended if ventricular dysfunction persists. We reported the case of a 21 year old mulatto woman, first-time mother, previously healthy, who developed symptoms of heart failure in the last trimester of pregnancy and in the puerperium. The chest X-ray and the electrocardiogram showed signs of increased left chambers and repolarization changes, and the Echocardiogram an ejection fraction of 34%. Appropriate therapy was introduced, with clinical and echocardiographic resolution in the evaluation performed 6 months after the start of the case. Key words: Pregnancy, miocardiopathy peripartum, accute cardial failure. *Médica residente de Clínica Médica do HUGV-Ufam ** Médica cardiologista *** Médica cardiologista/preceptora da residência de Clínica Médica e supervisora da Residência de Cardiologia do HUGV 49 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n. 1 jan./jun. – 2012 MIOCARDIOPATIA PERIPARTO: RELATO DE CASO quadro, eventualmente procurava serviço de emergência, sendo evidenciado uma média de PA = 170X110mmHg,. Com 40 semanas de gestação, foi admitida em maternidade apresentando dispneia importante, edema de membros inferiores (1+/4+) e PA = 200X110mmHg, sugestivos de préeclâmpsia. Foi submetida a parto cesáreo e, no pós-parto, houve a necessidade de transfusão de três concentrados de hemácias. Permaneceu internada por três dias, recebendo alta hospitalar em bom estado geral, com PA controlada. A miocardiopatia designa uma perturbação progressiva no funcionamento do miocárdio, o qual pode favorecer complicações posteriores como arritmias cardíacas ou morte súbita. Tal afecção pode ser primária do músculo cardíaco, sendo classificadas em miocardiopatia dilatada, hipertrófica ou restritiva, ou ainda ter origem extrínseca como por um evento isquêmico ou uma doença sistêmica. A miocardiopatia periparto (MCPP) é uma doença primária incomum, de etiologia desconhecida, caracterizada pelo desenvolvimento de insuficiência cardíaca congestiva (ICC) em gestante previamente hígida, no último mês de gestação ou até o 5.º mês de puerpério.1,2 Sua incidência é estimada em 1:3000 a 1:4000 nascidos vivos, o que corresponde de 1.000 a 1.300 casos/ ano nos EUA,2,3 acometendo principalmente negras, com mais de 30 anos de idade, multíparas, com gestação gemelar e/ou história de doença hipertensiva específica da gravidez (DHEG).1,2 Seu diagnóstico é de exclusão, com necessidade de exames complementares para descartar outras causas de ICC. As taxas de mortalidade, nos casos graves, variam de 25 a 50%, ocorrendo em especial nos três primeiros meses pós-parto, mostrando, assim, a importância de reconhecimento precoce dessa entidade, visando adequada abordagem terapêutica e melhor prognóstico.4 No 4.º dia pós-parto, apresentou novamente dispneia aos pequenos esforços e DPN, dando entrada em serviço de emergência com PA = 180X130mmHg, evoluindo para quadro de insuficiência respiratória aguda, com necessidade de intubação orotraqueal por 24 horas. Após dois dias de internação, foi transferida para o Serviço de Cardiologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas. À admissão, a paciente apresentava-se lúcida e orientada, taquipneica, hipocorada (1+/4+), sem edemas, com ausculta respiratória evidenciando murmúrio vesicular fisiológico, sem ruídos adventícios, 24irpm, e ausculta cardíaca com ritmo cardíaco regular, presença de B3, normofonese de bulhas, discreto sopro sistólico em foco mitral, PA = 140X90mmHg e frequência cardíaca de 100bpm. Foi iniciada terapêutica com furosemida 40mg/dia, espironolactona 25mg/ dia, captopril 50mg de 8/8h, carvedilol 3,125mg de 12/12h, e realizados exames para elucidação diagnóstica. RELATO DE CASO A radiografia de tórax (Figura 1) evidenciou aumento da área cardíaca, com aumento de câmaras esquerdas e congestão vascular. Mulher de 21 anos, primigesta, parda, natural e procedente de Manaus, do lar, previamente hígida, com antecedentes pessoais e familiares irrelevantes. Realizou pré-natal em posto de saúde até 28 semanas de gestação, com posterior abandono do acompanhamento, a despeito do início de sintomatologia de dispneia em repouso, dispneia paroxística noturna (DPN), fadiga, dor torácica, palpitações e edema em membros inferiores (MMII). Em razão do 50 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n. 1 jan./jun. – 2012 Carlos et al Figura 1: Radiografia de tórax à admissão em incidência posteroanterior. Figura 3: ECO mostrando corte bimensional das câmaras cardíacas. O eletrocardiograma (ECG) mostrou sobrecarga de câmaras esquerdas e alteração difusa da repolarização (Figura 2). Os exames laboratoriais solicitados incluíram sorologias para cocksakie, hepatites B e C, sífilis, antiestreptolisina O, FAN (Fator antinuclear), proteína C reativa, todos com resultado negativo. A paciente também não apresentava critérios clínicos compatíveis com nenhum tipo de colagenose ou febre reumática. Após instituição do tratamento, a paciente evoluiu com melhora do quadro clínico geral, recebendo alta hospitalar após 15 dias com diagnóstico de MCPP, em classe funcional II e em uso de espironolactona 25mg/dia, captopril 25mg de 8/8h e carvedilol 12,5mg de 12/12h. Durante acompanhamento ambulatorial, no período de seis meses, a paciente evoluiu com normalização dos níveis pressóricos, bem como dos parâmetros ecográficos, com FE normal, sem necessidade da medicação previamente instituída. Figura 2: ECG à admissão. O ecocardiograma (ECO) (Figura 3) evidenciou aumento das dimensões do ventrículo esquerdo (VE) de grau leve, hipertrofia excêntrica de VE, disfunção sistólica global do VE de grau moderado, disfunção contrátil de ventrículo direito (VD), regurgitação mitral leve, hipertensão de artéria pulmonar discreta e fração de ejeção (FE) de VE = 34% pelo método de Teicholz. DISCUSSÃO A MCPP é definida pelos seguintes critérios: ICC no último mês de gestação ou até o 5.º mês de puerpério; disfunção ventricular esquerda com fração de ejeção diminuída; ausência de cardiopatia prévia e exclusão de outras causas de 51 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n. 1 jan./jun. – 2012 MIOCARDIOPATIA PERIPARTO: RELATO DE CASO ICC.1, 2,5 puerpério, ambas podem ser utilizadas. Destacamse ainda, no arsenal terapêutico disponível, os betabloqueadores, bloqueador do receptor de angiotensina II (BRA), antagonistas do canal de cálcio e diuréticos. Em casos selecionados, na dependência do quadro clínico apresentado pela paciente e da resposta observada à terapêutica inicial, podem ser necessários o uso de outras drogas como os agentes inotrópicos, anticoagulantes, imunossupressores e até mesmo tratamentos cirúrgicos.1,4 A longo prazo, recomenda-se a utilização de IECA/ARA II caso haja recuperação da função sistólica ventricular ou, na sua ausência, associação de nitrato + hidralazina.1 Os fatores de risco associados incluem multiparidade, idade materna avançada (> 30 anos), gestações gemelares, raça negra e DHEG.2,3,6,7 O quadro clínico apresentado pelas gestantes portadoras de MCPP não difere daquele apresentado por não gestantes portadoras de disfunção sistólica, incluindo dispneia, DPN, ortopneia, tosse seca, hemoptise, dor torácica, palpitações e fadiga,1,2,5 além da observação, ao exame físico, de B3, sopro de regurgitação mitral ou tricúspide, estertores pulmonares, edema periférico/ascite, pulso arrítmico, ingurgitamento jugular, cardio/hepatomegalia.1,5 Os sintomas costumam aparecer no pós-parto e, raramente, antes de 36 semanas de gestação;2 no entanto, o aparecimento destes ainda durante o período gestacional torna difícil o reconhecimento dessa entidade, haja vista que podem confundir-se com adaptações fisiológicas da gravidez.1,2,8 No seguimento clínico das pacientes, preconiza-se a realização de novo ECO após três a seis meses do evento para reavaliação da função cardíaca.1,6 O prognóstico de pacientes com MCPP depende do grau de disfunção miocárdica, sendo favorável naquelas que apresentam melhora clínica e normalização da função cardíaca em até seis meses após o parto, a partir do qual a persistência da disfunção é considerada irreversível, com pior prognóstico. Ele é ainda influenciado pela rapidez na instituição da terapêutica, sua resposta e as complicações advindas da MCPP.1,4,5,8 Uma vez que o diagnóstico da MCPP é de exclusão, torna-se necessária a realização de exames complementares para melhor elucidação diagnóstica: Radiografia de tórax, que evidenciará cardiomegalia e sinais de estase pulmonar ou derrame pleural; ECG, com presença de sobrecarga de câmaras cardíacas, arritmias e alterações de repolarização ventricular; ECO mostrando aumento das câmaras cardíacas (predomínio de VE), hipocontratilidade e função ventricular comprometida.2,4,9 A realização de biópsia miocárdica pode ser considerada em alguns casos.1,2 O caso apresentado faz referência a uma paciente jovem, previamente hígida, primípara, afro-descendente e que evoluiu com DHEG a partir da 28.ª semana de gestação. Seu quadro clínico incluía dispneia, DPN, fadiga, dor torácica, palpitações, presença de B3, sopro sistólico em foco mitral, edema de MMII. Para descartar outras causas de ICC, foram solicitadas sorologias para infecções virais, que se mostraram negativas, e não foram observados critérios para colagenoses, enquanto que Radiografia de tórax, ECG e ECO evidenciaram alterações compatíveis com ICC. Assim, foi levantada a hipótese diagnóstica de MCPP, sendo instituída terapêutica para tal entidade, com boa resposta clínica. O diagnóstico diferencial de MCPP deve ser feito com entidades clínico-obstétricas passíveis de desencadear quadro de ICC, destacando-se préeclâmpsia, tromboembolismo pulmonar, infarto agudo do miocárdio, estenose mitral/tricúspide, infecções virais e colagenoses.1,10 O tratamento da MCPP é similar ao preconizado para outras causas de ICC, exceto pela não utilização dos IECAs e nitroprussiato de sódio durante o período gestacional. No Após alta hospitalar e acompanhamento clínico nos seis meses seguintes, a paciente 52 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n. 1 jan./jun. – 2012 Carlos et al apresentava-se assintomática, com normalização dos níveis pressóricos e dos parâmetros ecográficos e já sem necessidade do uso da medicação previamente instituída. 9 - Benchimol AB, Benchimol CB, Manes F, Filho A. Cardiomiopatia periparto. Arq Bras Cardiol. 1998; 51 (1): 107-115. 10 - Alves LJ, Hydalgo L, Rolim LF, Campagnone GZ, Aidar MT, Novaes GS et al. Avaliação Clínica e Laboratorial da Cardiopatia no Lúpus Eritematoso Sistêmico. Arq Bras Cardiol. 1997; 68 (2): 79-83. Em conclusão, ressalta-se a importância do reconhecimento precoce de sinais e sintomas de insuficiência cardíaca em grávidas e puérperas, a fim de que possam ser detectados com maior facilidade e precisão os casos de MCPP e medidas terapêuticas adequadas sejam instituídas, com melhora no prognóstico das pacientes. 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Rev Fed Arg Cardiol. 2006; 35: 125-129. 8 - Pearson G, Veille JC, Rahimtoola S, Hsia J, Oakley CM, Honsenpund J et al. Rev. Hosp. Mat. Inf. Ramón Sardá. 2006; 25 (2): 80-88. 53 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n. 1 jan./jun. – 2012 EVOLUÇÃO DE UM ANO DE USO DE GALSULFASE EM UM CASO DE MUCOPOLISSACARIDOSE TIPO VI EVOLUÇÃO DE UM ANO DE USO DE GALSULFASE EM UM CASO DE MUCOPOLISSACARIDOSE TIPO VI Evolution Of One Year Of Use Galsulfase In A Case Of Mucopolysaccharidosis Type VI Renata de Almeida Lemos,* Vânia Mesquita Gadelha Prazeres** RESUMO As mucopolissacaridoses (MPS) são um grupo de doenças lisossômicas causadas pela deficiência de uma das enzimas envolvidas no catabolismo dos glicosaminoglicanos (GAGs), macromoléculas presentes no meio extracelular e na membrana celular. O diagnóstico provável de oito tipos de MPS é baseado em achados clínicos, sendo o diagnóstico definitivo dos subtipos estabelecido pela dosagem de enzima deficitária específica e correlação desta com o fenótipo. O tratamento é feito com a terapia de reposição da enzima (TRE) deficitária. O objetivo deste trabalho foi relatar o caso de um paciente diagnosticado com MPS tipo VI e sua evolução após um ano em uso de TRE. Observou-se uma melhora significativa da clínica obstrutiva respiratória e do desenvolvimento pôndero-estatural da criança (de acordo com as curvas de crescimento). Os sintomas oftalmológicos, cardíacos e articulares não mostraram evolução significativa. Esses dados são compatíveis com o já descrito em literatura. Conclui-se que a TRE é fundamental para a manutenção da qualidade de vida de pacientes com diagnóstico de MPS tipo VI. Descritores: Mucopolissacaridose; terapia de reposição enzimática; curvas de crescimento. ABSTRACT Mucopolysaccharidoses (MPS) are a group of lysosomal diseases caused by deficiency of an enzyme involved in the catabolism of glycosaminoglycans (GAG’s), macromolecules present in the extracellular and cell membrane. The probable diagnosis of seven types of MPS is based on clinical findings, and definitive diagnosis of subtypes established by measuring specific enzyme deficient and correlation with this phenotype. Treatment is done through deficit enzyme replacement therapy (ERT). The objective of this study was to report the case of a patient diagnosed with MPS type VI and its evolution after a year of use of ERT. There was significant improvement in obstructive respiratory clinic and height and weight development of the child (according to the growth curves). The ophthalmologic, cardiac, and joint symptoms showed no significant change. These data are compatible with those already described in the literature. We conclude that ERT is critical to maintaining the quality of life of patients with MPS type VI. Key words: Mucopolysaccharidoses; enzyme replacement therapy, growth curves. * Médica residente em Pediatria – HUGV-Ufam ** Médica pediatra e geneticista. Professora de Pediatria – Ufam 54 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n. 1 jan./jun. – 2012 Lemos et al INTRODUÇÃO por queixa de opacificação da córnea bilateral que se iniciou com um ano de idade. Nascido de parto vaginal, a termo e sem intercorrências. Sem relato de doenças preexistentes. Primeiro filho de pais jovens e não consanguíneos. As mucopolissacaridoses (MPS) são um grupo de doenças lisossômicas causadas pela deficiência de uma das enzimas envolvidas no catabolismo dos glicosaminoglicanos (GAGs), macromoléculas presentes no meio extracelular e na membrana celular, e cuja incidência global está estimada em 1,3-4,5:100.000 nascimentos.1 A criança é normal ao nascimento, mas paralelamente ao acúmulo de glicosaminoglicanos, a sintomatologia evolui progressivamente.2 Queixava-se de obstrução respiratória com roncos noturnos. Não apresentava atraso no desenvolvimento neuropsicomotor. Ao exame físico inicial, criança em uso de lentes corretivas, opacificação de córnea bilateral, fácies discretamente grosseira e com discreta rigidez articular. Sem alterações no aparelho cardiorrespiratório. Ausência de hepatoesplenomegalia. Segundo classificação da OMS 2006, o menor apresentava baixa estatura e baixo peso para a idade. Fenótipo fortemente sugestivo de mucopolissacaridose (Figura 1). As mucopolissacaridoses são pelo menos oito diferentes síndromes com muitas características em comum, de herança autossômica recessiva, excetuando-se a do tipo II (Síndrome de Hunter) que é ligada ao X.3 O diagnóstico provável dos tipos de MPS é baseado em achados clínicos, sendo o diagnóstico definitivo dos subtipos estabelecido pela dosagem de enzima deficitária específica e correlação desta com o fenótipo.4 Na década de 80 foi proposto o tratamento das MPS com transplante de medula óssea/transplante de células tronco hematopoiéticas (TMO/TCTH) e na década de 90 começou o desenvolvimento da Terapia de Reposição Enzimática (TRE), que se tornou uma realidade aprovada para uso clínico nas MPS I, II e VI na primeira década do século 21.5 A comercialização e uso da galsulfase (utilizada no tratamento da MPS tipo VI) foi aprovada nos Estados Unidos em 2005,6 na Comunidade Europeia em janeiro 2006,7 e em fevereiro de 2009 no Brasil, quando recebeu o registro da Anvisa.8 Figura 1: Fácies do paciente, discretamente grosseira, sugestiva de mucopolissacaridose. Opacificação de córnea bilateral. Solicitados exames de triagem orientada para mucopolissacaridoses no sangue (em papel de filtro) e urina. Na ocasião, excluído MPS tipo I e feito diagnóstico de MPS VI com arilsulfatase em níveis muito baixos (5,8 nmoles/h/mg proteína) e aumento acentuado de GAGs na urina. Realizada pesquisa da mutação para MPS VI em células de mucosa oral e encontrado a mutação C.1143_1G>C/? Este trabalho relata o caso de um paciente diagnosticado com MPS tipo VI que se encontra em TRE há um ano e a evolução de seus sintomas. RELATO DO CASO Paciente de oito anos, sexo masculino, natural e procedente de Manaus-AM, foi encaminhado para investigação diagnóstica de doença genética Encaminhado ao cardiologista (avaliação de rotina em casos de MPS) e no primeiro 55 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n. 1 jan./jun. – 2012 EVOLUÇÃO DE UM ANO DE USO DE GALSULFASE EM UM CASO DE MUCOPOLISSACARIDOSE TIPO VI ecocardiograma não foi observada alteração. Novo ecocardiograma realizado após dois anos apresentava discreto espessamento de válvulas mitral e aórtica. apesar de sensação de melhora segundo relato do paciente. A criança apresentou, após dois meses de tratamento, uma melhora acentuada na queixa obstrutiva respiratória, referindo interrupção dos roncos noturnos, embora não tenha realizado, até o momento, estudo do sono para confirmar tal relato. No exame oftalmológico foi visto opacidade difusa de córneas com rarefação na região central, o que sugeria depósitos de mucopolissacárides. Ausência de catarata. Após longo processo judicial foi iniciada terapia de reposição enzimática (TRE) com galsulfase (enzima específica), estando o paciente com dez anos de idade. Esse tratamento foi interrompido por duas vezes, por um mês cada vez, pela falta da enzima. Desde o início da TRE, paciente não apresentou evento adverso ocorrido no momento da infusão. Após quatro meses de TRE, o menor apresentou uma queixa de dificuldade para micção, o que poderia estar relacionado à compressão medular, sendo então um provável evento adverso. No entanto, essa hipótese não foi confirmada pelo exame de Ressonância Magnética da coluna (apresentou resultado normal). Realizado ecocardiograma de controle após quatro meses de TRE e o quadro de discreto espessamento de válvulas mitral e aórtica persistiu sem evolução. A melhora mais evidente foi o progresso no desenvolvimento pôndero-estatural constatado nos primeiros quatro meses de TRE e mantido no primeiro ano. O paciente apresentou rápido ganho de peso e estatura desde o início da terapia (Gráficos 1 e 2), sendo que a dose de galsulfase prescrita e liberada pelo Ministério da Saúde não acompanhou o aumento na velocidade de crescimento do paciente. Pela lentidão do processo judicial para liberar a enzima, a dose calculada para o início da TRE já estava defasada no momento Ao exame oftalmológico, as alterações oculares não evoluíram desde o início da terapia, Gráfico 1: Curva de estatura/idade (OMS/meninos 5-19 anos), mostrando evolução da estatura do paciente. 56 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n. 1 jan./jun. – 2012 Lemos et al Gráfico 2: Curva de IMC (OMS/IMC meninos 5-19 anos), mostrando evolução pôndero-estatural do paciente. da primeira infusão. Mesmo assim, o paciente apresentou ganho de peso em progressão exponencial e o aumento da dose não foi liberado na mesma velocidade, o que manteve sempre a dose defasada em relação ao peso (subdose). semelhante para outras doenças de depósito lisossômico. A primeira TRE para tratamento de uma mucopolissacaridose foi para MPS I, sendo subsequentemente aprovadas as TRE para MPS VI e para MPS II.10 Em um controle feito com seis meses de tratamento não contínuos, houve melhora laboratorial, pois os GAGs urinários encontravamse em valores normais. A TRE para o tratamento de MPS VI é realizada pela administração intravenosa semanal de galsulfase (Naglazyme®), uma forma recombinante da enzima N-acetilgalactosamina 4-sulfatase, sintetizada por meio de engenharia genética a partir de células de ovário de hamster chinês e que bloqueia o acúmulo de GAGs. A galsulfse não pode ser administrada por via oral, pois as enzimas presentes no suco gástrico podem digerir a substância antes que seja iniciado seu efeito.11 DISCUSSÃO A terapia de reposição enzimática (TRE) é um tratamento que consiste na administração periódica, por via venosa, da enzima específica deficiente no organismo. A realização do primeiro tratamento eficaz com TRE em pacientes com a doença de Gaucher9 levou à busca de tratamento 57 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n. 1 jan./jun. – 2012 EVOLUÇÃO DE UM ANO DE USO DE GALSULFASE EM UM CASO DE MUCOPOLISSACARIDOSE TIPO VI O transplante de células-tronco hematopoiéticas já foi descrito em alguns relatos de caso de MPS VI, apesar dos riscos envolvidos no procedimento e também da dificuldade de encontrar doadores compatíveis.12 padrão da marcha dos pacientes com MPS VI que realizaram reposição enzimática com galsulfase.16 Em 2009, foi relatado o primeiro caso de reversão de papiledema e melhora da acuidade visual em paciente de 11 anos com MPS VI que recebeu a terapia de reposição enzimática com a galsulfase. Esse resultado sugere que a terapia de reposição enzimática precoce pode prevenir ou reduzir o edema e a atrofia do nervo óptico e, consequentemente, a cegueira nos pacientes com MPS VI, na ausência de PIC elevada.17 Atualmente, a terapia gênica está sendo pesquisada para a MPS VI e outras formas de MPS. A terapia gênica, assim como a TRE, trata da deficiência enzimática subjacente. Em todos os casos, o objetivo é introduzir o gene da enzima deficitária em um subconjunto de células do corpo do paciente; essas células secretariam então a enzima em seu meio e esta seria absorvida por outras células que apresentam deficiência enzimática. Mas, até o momento, essa terapia é uma esperança distante, pelo seu estágio ainda inicial, sendo que as pesquisas em andamento estão sendo feitas em modelos animais ou in vitro e ainda não foram realizados estudos com seres humanos.13 Existem casos graves de MPS VI, em que o uso da TRE é imperativo. O caso do paciente em questão é de MPS VI leve a moderado e justificase o uso de TRE para manutenção e melhoria da qualidade de vida. REFERÊNCIAS O custo da TRE no Brasil ainda é alto (custo anual por paciente para medicamentos aprovados no país de origem é de US$ 260 mil) e o Sistema Único de Saúde (SUS) não possui política de assistência farmacêutica específica para doenças raras, e a própria construção dessa política esbarra em questões bioéticas que envolvem temas como equidade e recursos escassos. Mesmo assim, a demanda por TRE é cada vez maior, sendo às vezes balizada por ordens judiciais que entram em conflito com a Política Nacional de Medicamentos e com a medicina baseada em evidências (MBE). Há de se considerar, também, o lobby da indústria farmacêutica para a entrada de novos fármacos no país.14 Todos esses comemorativos colaboram para um atraso no início e na manutenção da TRE como o ocorrido com o paciente em questão. 1 - Cardoso-Santos A, Fagondes S, Burin M, Giugliani R, Schwartz I. Mucopolissacaridose tipo VI (síndrome de Maroteaux-Lamy): avaliação da mobilidade articular e das forças de garra e de pinça. J Pediatr (Rio J). 2008; 84(2): 130-135. 2 - Borges M, Tavares F, Silva P, Oliveira Z, Ballarin M, Gomes R et al. Mucopolissacaridose Tipo VI (Síndrome de Maroteaux-Lamy): Avaliação Endócrina de Três Casos. Arq Bras Endocrinol Metab. 2003; 47 (1): 87-94. 3 - Vougioukas VI, Berlis A, Kopp MV, Korinthenberg R, Spreer J, van Velthoven V. Neurosurgical interventions in children with Maroteaux-Lamy syndrome. Case report and review of the literature. Pediatr Neurosurg. 2001; 35: 358. Com relação à melhora e evolução dos pacientes, estudos mostraram que entre os diagnosticados com MPS I, II e VI, submetidos ou não à TRE, foi encontrada diferença estatisticamente significativa em relação ao modo oral de respiração, o qual foi mais frequente no grupo não exposto à TER.15 Tem-se obtido ainda melhora significativa no 4 - Canêdo M, Almeida L, Silva R, Almeida R, Alessandri E. Pseudoglaucoma em mucopolissacaridose tipo VI: relato de caso. Arq Bras Oftalmol. 2006; 69(6): 933-5. 5 - Giugliani R, Federhen A, Rojas MV, Vieira T, Artigalás O. Terapia de reposição enzimática para as mucopolissacaridoses I, II E VI: recomendações 58 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n. 1 jan./jun. – 2012 Lemos et al de um grupo de especialistas brasileiros. Rev Assoc Med Bras. 2010; 56(3): 257-77. 15 - Turra G, Schwartz I. Avaliação da motricidade orofacial em pacientes com mucopolissacaridose: um estudo transversal. 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O presente relato de caso descreve um paciente do sexo masculino com apresentação clínica de pericardite, onde a etiologia tuberculosa foi identificada apenas pela reação em cadeia da polimerase (PCR) do tecido pericárdico obtido por meio de biópsia. Palavras-chave: Derrame pericárdico, pericardite, tuberculose. ABSTRACT The tuberculous pericarditis is a disease of insidious onset, occurring at any age, especially from the 3rd to the 5th decade of life, with higher prevalence in developing countries. The symptoms can be confused with those of other cardiac diseases; it is therefore paramount to have early etiologic diagnosis and adequate treatment. This case report describes a male patient with clinical presentation of pericarditis, where the tuberculous etiology was identified only by the polymerase chain reaction (PCR) of pericardial tissue obtained by biopsy. Key words: Pericardial effusion, pericarditis, tuberculosis. INTRODUÇÃO A tuberculose (TB) é um problema de saúde prioritário no Brasil, que, juntamente com outros 21 países em desenvolvimento, alberga 80% dos casos mundiais dessa patologia.1 A doença é a 9.ª causa de internações por patologias infecciosas, ocupando o 7.º lugar em gastos com internações no Sistema Único de Saúde (SUS) e é a 4.ª causa de mortalidade por doenças infecciosas.2 A tuberculose pericárdica representa aproximadamente 4% das pericardites agudas, sendo sua incidência maior em áreas de alta prevalência de TB.3 * Médica residente do Serviço de Clínica Médica do HUGV-Ufam ** Médica cardiologista/preceptora e supervisora da Residência de Clínica Médica do HUGV-Ufam *** Médica cardiologista/preceptora da Residência de Clínica Médica e supervisora da Residência de Cardiologia do HUGV-Ufam 60 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n. 1 jan./jun. – 2012 DIAGNÓSTICO DE PERICARDITE TUBERCULOSA OR PCR: RELATO DE CASO O acometimento pericárdico pela TB é raro, ocorrendo em geral por contiguidade, a partir de gânglios mediastinais ou, mais raramente, de um foco pulmonar adjacente.4 Iniciada terapêutica com furosemida 60mg/ dia, espironolactona 25mg/dia, captopril 50mg/ dia, antibioticoterapia com oxacilina 12g/dia em razão da celulite em pés. O difícil acesso às lesões extrapulmonares, bem como o fato de serem habitualmente paucibacilares, dificulta o diagnóstico das formas extrapulmonares da TB.4 Foram solicitados velocidade de hemossedimentação (VHS): 42mm, Proteína C Reativa: 192mg/dl, Fator antinuclear (FAN): 1/80 padrão nuclear homogêneo. Funções renal e tireoidiana normais, bem como Fator reumatoide (FR) e sorologias para HIV, hepatite B, toxoplasmose e citomegalovírus negativos. Hemocultura para aeróbios negativa. RELATO DE CASO Paciente masculino, 34 anos, pardo, natural de Alenquer-PA, procedente de Manaus-AM, auxiliar de serviços gerais, sem co-morbidades. Iniciou quadro súbito de dor na base de hemitórax esquerdo, dispneia, febre com calafrios, epigastralgia e vômitos. Procurou pronto-socorro em regular estado geral, sem alterações à ausculta cardiopulmonar e ao exame do abdome, com edema significativo em pés. Realizou dosagem de enzimas cardíacas, evidenciando CPK: 836U/L, CK-MB: 56U/L, Troponina: 6,38ng/ml. Radiografia de tórax sem alterações. Eletrocardiograma (ECG) com supradesnivelamento do segmento ST em parede anterior extensa. Ecodopplercardiograma transtorácico (ECO TT) mostrou aumento leve do ventrículo esquerdo (VE), hipertrofia excêntrica de VE, regurgitação mitral e tricúspide de grau leve, presença de derrame pericárdico moderado, sem sinais de tamponamento cardíaco, com fração de ejeção (FE) de VE de 60% (Teicholz). Transferido para o Serviço de Cardiologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV). À admissão, apresentava bulhas hipofonéticas e atrito pericárdico no terço médio e inferior de hemitórax esquerdo. Membros inferiores (MMII) com edema 1+/4+, com lesões crostosas de halo eritematoso, sem secreção, em face medial dos pés. Exames laboratoriais mostravam leucocitose com desvio à esquerda e radiografia de tórax com leve aumento de área cardíaca. 61 Evolui com piora clínica, sendo realizada Radiografia de tórax que mostrou aumento importante da área cardíaca (Figura 1), ECG e ECO TT. Figura 1: Radiografia de tórax em incidência posteroanterior. O ECG mostrou alteração repolarização ventricular (Figura 2). difusa da Figura 2: ECG – alteração difusa da repolarização ventricular. revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n. 1 jan./jun. – 2012 Nascimento et al ECO TT (Figura 3) com dimensões cardíacas semanas. O paciente evoluiu satisfatoriamente, preservadas, regurgitação tricúspide de grau leve, não apresentando complicações no seu seguimento importante espessamento do pericárdio e traves de ambulatorial. fibrina, derrame pericárdico de volume importante, sem sinais de restrição diastólica, com FE de VE 72% DISCUSSÃO (Teicholz). A pericardite caracteriza-se por inflamação do pericárdio, manifestando-se por dor torácica, atrito pericárdico, e alterações eletro e ecocardiográficas. Sua etiologia varia de acordo com a população e o local geográfico estudado.5 Nos países em desenvolvimento, a TB é a principal causa de pericardite infecciosa, sendo encontrada em até 80% dos casos nos países africanos, com forte associação à infecção pelo vírus do HIV.6 Pode apresentar-se em qualquer idade, sendo mais comum entre a 3.ª a 5.ª décadas de vida, e três a quatro vezes mais frequente em homens.7 Figura 2: ECG – alteração difusa da repolarização ventricular. O desenvolvimento da pericardite tuberculosa é frequentemente insidioso.8 Febre e dispneia são os achados mais frequentes, correspondendo a 73-97 e 80-88%, respectivamente.3,9 A queixa de dor torácica é comum e ocorre em região precordial ou retroesternal, tipo ventilatório-dependente ou relacionando-se com rotação anterior do tronco, podendo ocorrer em 3959% dos casos.3,4,9 Os achados de taquicardia, pulso paradoxal, hipofonese de bulhas, turgência jugular, hipotensão e hepatomegalia facilitam a suspeita clínica, porém astenia, anorexia, emagrecimento, sudorese noturna e edema de MMII, pela sua pouca especificidade, dificultam o diagnóstico.3,4,8 Realizada pericardiocentese com biópsia que mostrou líquido de aspecto sanguinolento em moderada quantidade, citometria: 408 células/ mm3 (44% de segmentados, 43% de linfócitos, 8% eosinófilos, 5% de monócitos e numerosas hemácias), proteínas totais: 5,6g/dl; albumina: 2g/dl; glicose: 56mg/dl; DHL: 1610U/L; ADA: 34U/L. Pesquisa direta para bacilo álcool-ácido resistente (BAAR), exame direto e cultura para aeróbios e fungos negativos. Histopatológico mostrou espessamento fibroso permeado por infiltrado inflamatório mononuclear e tecido de granulação compatível com pericardite crônica fibrosante. A Radiografia de tórax evidencia aumento de área cardíaca em praticamente 90% dos casos, dependendo do estágio da doença, podendo assumir imagem em moringa.4,5,8 Em busca do agente etiológico, realizou-se a reação em cadeia da polimerase (PCR) para bacilo de Koch (BK) na biópsia pericárdica, demonstrando a presença de DNA de Mycobaterium tuberculosis por meio de pares de primers que anelam na sequência de inserção IS6110 amplificando 123 pares de bases. O ECG é anormal em quase todos os casos de derrame pericárdico, usualmente com alterações não específicas do segmento ST e onda T. A elevação do segmento ST, que caracteriza pericardite aguda, aparece somente em 9-11% dos casos.8 Confirmado o diagnóstico de pericardite tuberculosa, foi iniciado tratamento com rifampicina, isoniazida, pirazinamida e etambutol, segundo Ministério da Saúde, associado à prednisona por 12 O ECO é um exame inócuo e de fácil obtenção, permite estimar o volume do líquido, se há presença 62 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n. 1 jan./jun. – 2012 DIAGNÓSTICO DE PERICARDITE TUBERCULOSA OR PCR: RELATO DE CASO de septações ou espessamento pericárdico e detectar precocemente o tamponamento pericárdico.4 O derrame pericárdico da TB apresenta-se espesso e com depósitos de fibrina, sendo esse aspecto bem característico da doença.9 Quanto aos exames laboratoriais, são observadas divergências no leucograma, os quais podem mostrar valores normais, leucopenia e até leucocitose com desvio à esquerda.8,10 VHS e proteína C reativa encontram-se habitualmente elevadas.5,10 As enzimas cardíacas podem estar levemente aumentadas pelo comprometimento inflamatório do miocárdio.5 O líquido pericárdico da TB é levemente hemorrágico na maioria dos casos com predomínio mononuclear, proteínas elevadas, glicose muito baixa, podendo até estar normal.8,11 A adenosinadeaminase (ADA) é uma ferramenta extremamente útil para o diagnóstico de TB pericárdica, com ponto de corte de 35-40U/L, apresentando sensibilidade de 88% e especificidade de 83%.12 Devem também ser solicitados exames para FAN, FR, função tireoidiana, sorologias para HIV, hepatite B, toxoplasmose, citomegalovírus, bem como exame direto e cultura para aeróbios, fungos e BK do líquido pericárdico, sendo este com sensibilidade de 80% e especificidade de 98%. Nos casos de cultura inconclusiva, torna-se de grande valia para o diagnóstico a realização de biópsia pericárdica, onde a análise histopatológica pode evidenciar pericardite granulomatosa com/sem necrose caseosa e/ou presença de BAAR.8 A PCR para BK é um teste de detecção rápida, em 24-48h, e específico para o complexo do M. tuberculosis. Em amostras não respiratórias, a sensibilidade varia de 43-76% e a especificidade atinge 95% independente do tipo de amostra.13 O tratamento da pericardite tuberculosa baseia-se na combinação de drogas antituberculosas com prednisona, em fases precoces.5 O uso de corticoide, embora controverso, visa a diminuir a inflamação e a adesão do pericárdio, com redução da morbi-mortalidade.14 O caso apresentado refere-se a um paciente masculino, na 4.ª década de vida, com quadro de febre, dor torácica, dispneia, com piora progressiva. Apresentava alterações eletro e ecocardiográficas sugestivas de pericardite. Como a análise do líquido pericárdico e o histopatológico não possibilitaram o fechamento do diagnóstico etiológico, optou-se pela realização da PCR para obtenção de um diagnóstico rápido e início de terapêutica adequada. A cultura para BK, apesar de ser um método confiável e mais barato, não estava disponível para realização na ocasião. Em áreas de grande prevalência de TB, pacientes que apresentam quadro clínico e exames compatíveis com pericardite devem ser investigados exaustivamente para TB, pois apesar de o diagnóstico nas formas extrapulmonares ser mais difícil, quando realizado precocemente, possibilita iniciar tratamento específico com grande chance de cura e menor risco de complicações. REFERÊNCIAS 1 - Departamento de Vigilância Epidemiológica. Guia de vigilância epidemiológica. 7. ed. Brasília: Ministério da Saúde. 2009; 816p. 2 - Ministério da Saúde.Avaliação epidemiológica e operacional do Programa Nacional de Controle da Tuberculose. 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Em nosso Serviço de Cirurgia, realizamos o tratamento de um caso, o qual relatamos neste trabalho. Palavras-chave: Tumor desmoide; tratamento cirúrgico; tela de Marlex. ABSTRACT The desmoid tumor is a rare pathology, developed in the abdominal wall and occasionally with associated neoplasic syndrome. This tumor develops as a painless mass in the abdominal wall. Desmoids tumor has higher occurrence among females, with the greater incidence occurring between 10 and 40 years of age. The physiopathology and treatment are controversial. We will report a case of this tumor which we treated in our hospital. Key words: Desmoid tumor; Surgical treatment; Marlex probe. INTRODUÇÃO O tumor desmoide, também conhecido por fibromatose profunda ou agressiva, caracterizase por ser uma neoplasia rara, que ocorre esporadicamente ou como parte de uma síndrome hereditária, sendo a polipose adenomatosa familiar a mais comum.1 Histologicamente, esses tumores são compostos por grupos de fibroblastos dispostos em fascículos que infiltram o tecido adjacente, sendo raras as mitoses. Com relação à origem, os * Chefe da Divisão de Cirurgia Geral do Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV) da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Amazonas, supervisor do Programa de Residência em Cirurgia Geral e Cirurgia do Aparelho Digestório do HUGV, prof. Msc. de Clínica Cirúrgica da Universidade Nilton Lins ** Cirurgião-geral e preceptor do Serviço de Cirurgia Geral do Hospital Universitário Getúlio Vargas do Amazonas (HUGV) *** Médico residente de Cirurgia Geral do Serviço de Cirurgia Geral do Hospital Universitário Getúlio Vargas do Amazonas **** Estudante de Medicina da Universidade Federal do Amazonas (Ufam). e-mail: [email protected] 65 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n. 1 jan./jun. – 2012 TUMOR DESMOIDE EM PAREDE ABDOMINAL: UM RELATO DE CASO tumores desmoides podem ser classificados como superficiais (fasciais), tendo origem na fáscia ou no músculo, ou profundos (músculo-aponeuróticos). Os tumores podem ainda ser divididos em: extraabdominais, abdominais e intra-abdominais, todos apresentando essencialmente características macro e microscópicas semelhantes. O sinal mais comumente encontrado nos pacientes com tumor desmoide é uma massa indolor crescente. Os sintomas locais estão relacionados à compressão de órgãos adjacentes ou de estruturas neurovasculares. RELATO DE CASO havia dez meses com dor tipo peso em região de fossa ilíaca esquerda, que não sofria irradiação, associada à tumoração de parede abdominal, de consistência endurecida no mesmo local. Negava mudança do hábito intestinal ou alteração urinária. Refere cirurgia cesariana havia três anos, que evoluiu com infecção de ferida operatória, sendo necessárias reintervenções cirúrgicas para o tratamento desta. Paciente sem co-morbidades, nega etilismo e tabagismo. Realizou tomografia computadorizada de abdômen superior e pelve (Figura 1). Procedida a cirurgia para ressecção da tumoração e abdominoplastia, sendo utilizado tela de Marlex para reconstrução da parede abdominal (Figura 2). Retirada a peça cirúrgica e enviada ao Serviço de Patologia. Paciente do sexo feminino, 34 anos, evoluindo Figura 1: Tomografia de abdome, visualizando-se lesão em parede abdominal esquerda volumosa. Figura 2: Imagem do reparo da parede abdominal com posterior colocação de tela de Marlex. 66 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.11. n. 1 jan./jun. – 2012 Silva et al Paciente evoluiu sem intercorrências durante internação na enfermaria no período de pós-operatório, recebendo alta hospitalar no 5.º dia pós-operatório. DISCUSSÃO Tumor desmoide, também conhecido como fibromatose agressiva ou fibromatose músculoaponeurótica, é uma proliferação fibroblástica monoclonal1 que se localiza entre os tumores fibrosos não agressivos e os fibrossarcomas de baixo grau. É uma lesão composta por fibroblastos banais bem diferenciados que não metastatizam. É rara, benigna, localmente invasiva, de etiologia desconhecida, recidivante e de tratamento controverso.2 Ocorrem em qualquer idade, mas são mais frequentes entre os dez e os 40 anos de idade e acometem mais mulheres do que homens.1 São classificados quanto à localização em abdominais (50% dos casos), extra-abdominais (40% dos casos) e intra-abdominais (10% dos casos).7 São comumente encontrados em áreas de cicatrizes traumáticas ou cirúrgicas, mas também podem ser encontrados em estruturas de localização obscura como o osso esfenoidal e nos tubos de shunting de líquor.7 A sintomatologia é escassa, a maioria dos pacientes que apresentam tumores de parede abdominal e os extra-abdominais queixa uma massa às vezes dolorosa e crescente, em geral oligossintomática e muitas vezes encontrada de forma incidental, durante exames de imagem.3 A dor só ocorre em 33% dos casos, e primariamente naquelas que se localizam em articulações ou que impedem a mobilidade muscular.7 Sintomas locais podem surgir da compressão de órgãos adjacentes ou de estruturas neurovascular. Obstrução intestinal é encontrada em pacientes com tumores mesentéricos, sendo altamente relacionado à síndrome de Gardner.7 O diagnóstico diferencial desses tumores inclui neoplasias de partes moles, hérnias (Spiegel e incisionais) e hematomas da bainha retal. Linfomas e fibrose retroperitoneal fazem o diferencial com os casos de tumor desmoide abdominal/mesentérico.7 O tratamento pode variar desde a observação clínica, cirurgia, radioterapia, quimioterapia, antiinflamatórios não esteroidais, agentes hormonais e interferons.2 Muitos autores acreditam que o melhor tratamento é a ressecção total desses tumores, porém existe controvérsia quanto à recidiva local quando as margens do tumor se apresentam ou não livres de lesão.4,7 Tumores extra-abdominais e localizados na parede abdominal, como é o nosso caso, são indicação de cirurgia com margens amplas, sendo a radioterapia indicada apenas quando doença irressecável ou como terapia adjuvante após ressecções incompletas do tumor.4,6 Desse modo, a paciente foi tratada, seguindo a conduta da maioria dos autores, em que se realiza exclusivamente a cirurgia, ressecando-se completamente a lesão, sem evidência de margem comprometida. REFERÊNCIAS 1 - Ballo MT et al. 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