Falta de sensibilidade humana Esta semana meu artigo não é sobre educação. É sobre a notícia que li, nos jornais, referente à desativação do Instituto Estadual de Infectologia São Sebastião, unidade da rede hospitalar do Estado do Rio de Janeiro. Em 9 de novembro de 1889, como seu último ato, o Imperador D Pedro II fundou o Hospital São Sebastião, situado no Caju, no Rio de Janeiro. Durante quase 119 anos, o Hospital, depois denominado Instituto Estadual de Infectologia São Sebastião, prestou relevantes serviços à população de todo o Estado, uma vez que, pela excelência de sua especialidade, tornou-se Centro de Referência para doenças infecto-contagiosas, atendendo pessoas encaminhadas por todos os municípios. O Hospital fundado em 1889 cresceu e chegou a possuir seis pavilhões: Miguel Couto, Clementino Fraga, Souza Aguiar, Garfield de Almeida, Viana do Castelo e Ferreira Viana. Além disso, possuía ambulatório, emergência referenciada de 24 horas, farmácia, núcleo de vigilância hospitalar, CTI, necrotério, setor de documentação médica, Centro de Estudos para permanente atualização dos médicos e demais dependências comuns a todos os hospitais. Seu corpo médico e paramédico constituiu-se sempre de profissionais considerados entre os melhores na área de doenças infecto-contagiosas e que lá permaneceram trabalhando muitos anos, irmanados pela competência, pela dedicação, pelo amor àquela unidade hospitalar. A prática de anos de trabalho os fez grandes especialistas na área de infectologia. Acompanho a trajetória do Instituto Estadual de Infectologia desde 1960, quando era ainda chamado de Hospital São Sebastião, por ser dirigido, e o foi por muitos anos, por um de meus maiores amigos e médico de toda a minha família por mais de 35 anos, Dr. Waldyr Tavares, que dedicou, praticamente, toda sua vida àquela Casa, mantendo a qualidade de seus serviços médicos, tornando-a humana e acolhedora, além de transformá-la num Centro de Referência. Centenas de pessoas, sobretudo com meningite, foram salvas pela experiência, competência, dedicação e procedimentos dos médicos daquele Hospital público. O bem-sucedido trabalho médico ali realizado envolveu o Hospital São Sebastião numa aura, sendo reconhecido por toda a comunidade médica do Estado. Muitas pessoas, sobretudo com meningite, deixaram hospitais particulares para lá serem tratados. Às condições materiais necessárias para atender portadores de doenças infecto-contagiosas somava-se a competência dos médicos que lá trabalhavam. Nos jardins do Hospital ainda existem as inúmeras árvores mandadas plantar por Dr. Waldyr Tavares que, ao florescerem, humanizavam, ainda mais, o Hospital São Sebastião. Pois bem, esse Hospital, atualmente chamado Instituto Estadual de Infectologia São Sebastião, Centro de Referência para doenças infecto-contagiosas, que guarda em suas centenárias paredes uma história vitoriosa de luta contra doenças, muitas delas mortais, uma história de muitas vidas salvas, uma história de competência, dedicação e amor, escrita pelos médicos que lá trabalharam e pelos que lá trabalham, esse Hospital está sendo desativado, por não ter recebido durante vários governos o apoio para obras indispensáveis à sua manutenção, o apoio necessário para a manutenção dos equipamentos, o que fez com que, de uns anos para cá, o antigo Hospital São Sebastião perdesse as condições físicas e materiais para continuar sua meritória trajetória. Atualmente, somente um pavilhão funcionava, o Clementino Fraga. Além dele, o ambulatório, a emergência, a farmácia, a administração e as dependências de apoio. Dos muitos leitos que teve, só estavam em funcionamento 26 leitos de clínica médica, 6 de pediatria, 4 leitos no CTI, o ambulatório e a emergência. Assim mesmo, seu corpo médico, paramédico e demais funcionários mantiveram a excelência do tratamento, que o notabilizou. Continuavam a receber pedidos de internação de pessoas do Rio e oriundas de outros municípios do Estado e os atendiam, quase sem condições por falta de insumos e equipamentos, mas com a mesma competência e dedicação. Muitos médicos foram pedindo transferência e as necessidades eram cobertas por cooperativados. Só no ambulatório realizavam, por mês, mais de mil atendimentos, sem falar no atendimento de emergência, que nunca foi negado à população, que sempre teve no São Sebastião, a guarida para seus problemas de saúde. No final do Governo Estadual passado, depois de muitos anos sem ter atendidas suas solicitações para a realização de obras indispensáveis para voltar ao seu atendimento pleno, foram iniciadas as obras no Pavilhão Miguel Couto. Com a decisão tomada pelo atual Governo, em janeiro de 2007, de transferir o Hospital para outros prédios, as obras foram paralisadas. Inúmeras reuniões foram feitas com a Secretaria Estadual de Saúde, visitas foram realizadas a hospitais para ver se tinham condições de receber o São Sebastião, embora pela natureza de seu atendimento, todos tivessem que receber obras, pois iriam receber portadores de doenças infecto-contagiosas. Várias situações foram propostas, de janeiro de 2007 até agora, mas por não ter chegado a uma solução ideal, a Secretaria Estadual de Saúde decidiu, na semana passada, pela desativação do Instituto Estadual de Infectologia São Sebastião, transferindo os doentes ainda lá internados para outros hospitais, dispensando no dia 30 de junho os médicos cooperativados, distribuindo os efetivos para outros hospitais, exceto os que permanecerão para atender o ambulatório, que continuará funcionando, até que seja construído outro, no Hospital Estadual Anchieta, que fica a 500 metros do São Sebastião e que oferece atendimento em outras especialidades médicas. Durante esses 17 meses de incerteza sobre seu destino, o Instituto Estadual de Infectologia São Sebastião continuou a trabalhar, quase sem condições, sobretudo quando deixou de receber insumos e teve uma substancial diminuição na verba mensal que é repassada para os hospitais públicos, pela Secretaria Estadual de Saúde, sem deixar de ser Centro de Referência, título que ostentou, por tantos anos, por mérito e conquista. A desativação do Instituto Estadual de Infectologia São Sebastião é um triste capítulo da história hospitalar do Estado do Rio de Janeiro. Tal como eu, centenas de pessoas conhecem a bela história escrita por aqueles que o criaram e o mantiveram com alto padrão,que a ele se dedicaram, salvando a vida de milhares de pessoas, minorando o sofrimento das que não puderam ser salvos, atendendo com dedicação a todos aqueles que bateram às suas portas e que eram abrigados e socorridos, e lamentam que, por falta de apoio de vários governos, o que lhe foi tirando as condições físicas e materiais para continuar a cumprir sua missão, o centenário Centro de Referência de doenças infecto-contagiosas do Estado do Rio de Janeiro seja desativado, num processo doloroso para aqueles que dedicaram anos de sua vida profissional para manter, com qualidade, o hospital fundado pelo Imperador D. Pedro II, e que nesses quase 119 anos de atividade procurou cumprir, com competência e dignidade, sua missão. Isso só foi possível pela excelência e responsabilidade do corpo médico e paramédico, pela dedicação dos demais funcionários que, por amor e dever, continuaram trabalhando até a decisão superior de desativá-lo. Os arquivos vivo e morto do Instituto Estadual de Infectologia São Sebastião, que guardam em prontuários, relatórios e inúmeros documentos a história desse Centro de Referência precisam ser preservados, pois contam a história exemplar de um hospital que engrandece a história da saúde pública do Estado do Rio de Janeiro. Nessa história estão inscritos, em relevo, os nomes de todos aqueles que doaram parte de suas vidas e de seu conhecimento para servir ao próximo, naquela unidade hospitalar. Sob o aspecto da sensibilidade humana este é um episódio melancólico. Afinal, não é apenas um hospital, com uma história tão rica, que se desativa. Na realidade é a esperança que, simbolicamente, se aniquila. A esperança de que um dia, quem sabe, a saúde venha a ser uma prioridade nesse país. A esperança, enfim, de que as políticas públicas sejam tracejadas com o objetivo da inclusão humana, para a qual um dos pilares básicos é a garantia do acesso à saúde para todos mas, principalmente, para os desvalidos e os que se encontram na sarjeta da vida e da excludência. Faltou sensibilidade humana. E muita! Terezinha Saraiva Educadora [email protected]