ILDA BASSO (Org.) JOSÉ CARLOS RODRIGUES ROCHA (Org.) MARILEIDE DIAS ESQUEDA (Org.) II SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE EDUCAÇÃO LINGUAGENS EDUCATIVAS: PERSPECTIVAS INTERDISCIPLINARES NA ATUALIDADE BAURU 2008 S6126 Simpósio Internacional de Educação (2. : 2008 : Bauru, SP) Anais [recurso eletrônico] / 2. Simpósio Internacional de Educação / Ilda Basso, José Carlos Rodrigues Rocha, Marileide Dias Esqueda (organizadores). – Bauru, SP : USC, 2008. Simpósio realizado na USC, no mês de junho de 2008, tendo como tema : Linguagens educativas – perspectivas interdisciplinares na atualidade. ISBN 978-85-99532-02-7. 1. Educação – simpósios. 2. Linguagens educativas. I. Basso, Ilda. II. Rocha, José Carlos Rodrigues. III. Esqueda, Marileide Dias. VI. Título. CDD 370 A INSERÇÃO SOCIAL DO TEATRO NA OBRA DE PLÍNIO MARCOS Gustavo Henrique de Faria FERNANDES Universidade do Sagrado Coração Valéria BIONDO Universidade do Sagrado Coração Resumo O presente artigo tem por objetivo analisar a inserção social do teatro, baseando-se na obra de Plínio Marcos, grande dramaturgo moderno brasileiro, surgido na década de 1960, que rompeu barreiras e que quebrou paradigmas através de sua obra teatral de realismo e naturalismo ímpar,mostrando em seus trabalhos um debate subliminar da realidade brasileira, focando seu olhar nas camadas mais baixas da sociedade,e ligando seus textos com o contexto social. Tido por muitos como maldito, o autor explora dentro da cena homossexuais, prostitutas, moradores de rua e todos aqueles viventes do submundo, a chamada escória da sociedade, o lixo social. Com base em Magaldi (1997), Rosenfeld (1993) e Zanotto (2003), o texto traz um estudo por meio da influencia sociológica e humanista nas peças, enfatizando o texto Navalha na carne escrito no ano de 1967, que traz a marginalidade em cena querendo se pronunciar, entendendo que a arte se dedica a compreender a realidade e mostrando a toda uma sociedade aspectos que se façam vislumbrados com maior clareza pela cultura em que ela se insere. O engajamento social da arte pode ser visto como uma forma de abrir os olhos da população para fatos existentes, cotidianos, mas não valorizados pela maioria. Além disso, a arte engajada pode propiciar a criação de uma consciência político-social, gerando indivíduos mais participativos naquilo que lhes diz respeito, e pode também iluminar os contextos onde todo fulgor social associa-se. Palavras-chave-inserção social, Plínio Marcos, Navalha na carne, dramaturgia brasileira. Abstract The present paper aims at analyzing theater’s social insertion based on the works by Plínio Marcos, an important modern Brazilian playwright of the 60s’, who broke barriers and paradigms through his uncomparable realistic and naturalistic drama. In his works Plínio presents a subliminar debate of Brazilian reality with a focus on the lowest classes of society, linking his plays to the social context. Seen as a degenerate, the author explores scenes with homosexuals, prostitutes, street dwellers and such, the so called social garbage. Based on Magaldi (1997), Rosenfeld (1993) and Zanotto (2003), the study focus on the sociological and humanistic elements on the plays, with an emphasis on Navalha na Carne, written in 1967, that puts marginality on stage eager to speak up, showing that art dedicates itself to understanding reality, as well as showing the whole society aspects seen more clearly by the culture in which they are inserted. Art’s social insertion may be seen as a form to open people’s eyes to quotidien facts which are not given value by most people. In addition, engaged art may provide the raising of a social-political awareness, generating individuals more participative in what is concerned to them, and art may illuminate the contexts of the social turmoil as a whole. Key words: social insertion, Plínio Marcos, Navalha na Carne, Brazilian drama. INSERÇÃO SOCIAL NA OBRA DE PLÍNIO MARCOS Mostrar o ser humano, sem nenhuma circunstância que atenue seu risco. Plínio Marcos O teatro é uma maneira de transpor em cena, de forma pura, desejos e vontades além de idéias e inquietações que rodeiam o ser humano. Através da arte de representar, temos um mundo de possibilidades para atingir. Mesmo que de forma implícita, as artes cênicas têm função muitas vezes de agir socialmente em favor de algum preceito ou valor, pois a caixa cênica traz uma dimensão muito maior aos fatos expostos, atingindo o espectador ferozmente com aquilo que geralmente não quer ser visto, mas existe, e está por todo lado, rompendo com padrões e paradigmas sociais e atingindo direta ou indiretamente toda a população. Sabe-se que a arte é livre para explorar o que quiser, da maneira que quiser, e que talvez engajá-la num fator social ou político pode ser visto por muitos como uma maneira de suprimir a criação. Porém, não se pode negar que a arte se dedica também a compreender a realidade, mostrando a toda uma sociedade aspectos que se façam vislumbrados com maior clareza pela cultura em que ela se insere. O engajamento social da arte pode ser visto como uma forma de abrir os olhos da população para fatos existentes, cotidianos, mas não valorizados pela maioria. Além disso, a arte engajada pode propiciar a criação de uma consciência político-social, gerando indivíduos mais participativos naquilo que lhes diz respeito, e pode também iluminar os contextos onde todo fulgor social associa-se. Plínio Marcos, grande dramaturgo autodidata, surgido na década de 1960, conquistou seu espaço durante os anos, com um trabalho engajado e diferenciado dentro da dramaturgia teatral do século 20 no Brasil. O olhar peculiarmente social de Plínio fixa os marginalizados, os párias da sociedade, expulsos do convívio dos grupos estáveis pela ordem injusta. O autor transpõe em suas obras a crueza da verdade que não quer ser vista, mesclada com lirismo, humanizando e mostrando como seres humanos, aqueles que são banidos da sociedade e tratados feito marginais. Com obras de realismo e naturalismo ímpar, Plínio mostra em seus trabalhos um debate subliminar da realidade brasileira, focando seu olhar nas camadas mais baixas da sociedade, daí a ligação de seus textos com o contexto social. Tido por muitos como maldito, o autor explora dentro da cena homossexuais, prostitutas, moradores de rua e todos aqueles viventes do submundo, a chamada escória da sociedade, o lixo social. Nas palavras de Sábato Magaldi, A postura do autor que se intitula maldito, é a da revolta explosiva sem colorido partidário. A indignação que o sustenta transmite ao seu teatro um vigor de sinceridade inaudita. As peças destinam-se a incomodar o pacato repouso burguês. Plínio não propõe soluções, subentendendo-se que o anima a idealidade apta a subverter a ordem instituída, como um todo.(1997, p.307) Explorar a sociedade transpondo o social, sem a intenção de fazê-lo, confrontando de uma maneira crua, e mostrando assim, artisticamente, mesmo que de forma antiestética, um ser humano que existe, que está perto de todos, mas que ao mesmo tempo é vedado de participar ativamente desta sociedade, com um naturalismo peculiar, prova que nesse caso, a arte e o social caminham juntos, no propósito de liberar a expressão de um povo, o que sente e pensa, e mostrar esse mesmo povo inserido em um conjunto. A intensidade das histórias narradas pelo dramaturgo, a riqueza e profundidade das personagens trazem à tona um estilo até antes de sua incursão, inexplorado dentro da dramaturgia nacional. Plínio mergulha num universo sem tabus, no qual tudo vem à tona sem maquiagem. A verdade de tudo o que não quer ser visto prevalece nos textos, fazendo com que a censura ataque vários de seus trabalhos. Essa mesma censura que inibiu por muitos anos o poder de liberdade dos artistas, mas não impediu que esses mesmos fossem impossibilitados de criar, e usar dessa criatividade para mostrar ao público, mesmo que em face da repreensão, aquilo que precisa ser dito. Essa mesma censura que aniquilou durante anos a proposta artística do país, deixando-o sem cara própria, mas que hoje nos dá mais força para lutar por igualdade e liberdade social. Em Dois perdidos numa noite suja, texto de 1966, inspirado no conto “O terror de Roma” de Alberto Moravia, Plínio narra uma história de dependência humana que nos inebria e tenciona com o desenvolvimento do enredo. Paco e Tonho protagonizam o texto, travando uma disputa de forças, por vezes muito mais psicológicas do que fisicalizadas. A violência moral e física explícita na dupla, onde há um dominante e um dominado, trazem para a obra um valor social imenso, contrastando e atualizando o texto, com valores da sociedade. Há nos dois uma estranha co dependência que não os deixa separar-se, fazendo assim com que se crie no trabalho uma tensão do início ao fim, com desfechos surpreendentes para as ações. Navalha na carne, de 1967, só faz provar toda genialidade do dramaturgo, trazendo à luz valores inexplorados. A peça se passa num pequeno quarto de cortiço, compondo um cenário em que a maioria das pessoas não conhece, trazendo a prostituta Neuza Suely, seu cafetão Vado, e ainda o faxineiro homossexual Veludo, gira em torno do sumiço de uma quantia em dinheiro deixada sobre o criado mudo. A realidade humana e a sua condição são exploradas pelas personagens profundamente, numa linha frágil e violenta, com diálogos intensos e cheios de verdade. Todo o retrato deste submundo nos remete às formas de relacionamento em qualquer classe social. Todos os valores implícitos mesclam se com os explícitos, fazendo com que vejamos a exploração exemplificada além da miséria comungada, e a transformação de um pelo outro em simples objetos. Navalha mostra seus personagens como exploradores e explorados, conseqüentemente. Vado explora Neusa, querendo seu dinheiro, que por sua vez o explora, exigindo que ele a satisfaça. O homossexual furta um dinheiro do quarto do casal para conseguir satisfazer se sexualmente com um garoto. Há uma desvalorização humana comovente, embora Plínio não levante bandeira contra a injustiça social, que gera tal deformação. Toda crítica está engajada em sua obra, numa atmosfera que permeia todos os acontecimentos, intensificando tais relações, e trazendo a tona, tudo o que precisa ser mostrado e esclarecido. O abajur lilás, de 1969, segundo Zanotto (1993), é mais do que uma simples peça, é uma bandeira. O texto focaliza para o diagnóstico do país, depois do golpe militar. Na figura do poder, o dono de um prostíbulo, bem como a imagem da acomodação em uma das prostitutas, da delação e do propósito de tirar vantagens numa segunda e ainda da revolta numa terceira. Todo contexto social e político retratado dentro do prostíbulo nos remete metaforicamente ao momento vivido na ditadura, bem como as características das personagens remetem as posturas adotadas por pessoas da sociedade. Tais contextos sociais presentes em toda a obra do dramaturgo inserem-no como ferramenta que abre os olhos da sociedade pela arte e para o entendimento social de um povo. Rosenfeld ressalta que da mesma forma que a arte não pôde silenciar os campos de concentração da Alemanha, ela também não pode furtar-se a expor as partes pudendas do corpo social. É exatamente isso o que se revela na obra de Plínio Marcos. Tudo precisa ser visto, proposto e explorado. A supressão da palavra não elimina a realidade. Disfarça-a e cultiva espectros. Segundo Rosenfeld, uma das fórmulas do imperativo categórico, na filosofia moral de Kant, estabelece que a dignidade da pessoa humana é ferida por quem a usa apenas como meio e não a trata, também, como fim em si mesmo, isto é, por quem transforma a pessoa em simples coisa ou objeto, sem respeitar-lhe a condição humana de sujeito livre. E é exatamente nesse ponto que as peças [de Plínio] nos atingem e refletem, ao desnudar os mecanismos elementares do submundo, problemas morais e sociais muito mais amplos (1993, p.145). A força da palavra é primordial dentro dessa dramaturgia engajada, fazendo com que através dela, as personagens tenham mais poder para dizer o que precisa ser realçado, e através da personificação do texto, as mesmas têm voz ativa e atenção de todos para expor suas idéias; têm vida. E uma personagem que tem vida própria, diz por si só, pela dramaturgia, e pela voz do ator, a que veio, e através disso mostra a verdade ao espectador, aflorando nesse último, sentimentos resultantes de transformação. Talvez essa seja uma das propostas artísticas: através do contexto criado, provocar algo diferente nas pessoas, capaz de expandir sensações, e propor mudanças após presenciar o trabalho desenvolvido. A exploração social deixa marca presente nos textos de Plínio, criando uma atmosfera de dependência em suas personagens, como no texto Navalha na carne. O palavrão presente na maioria dos textos nunca é usado sem necessidade. Há total verossimilhança do texto pelas personagens, deixando o espectador atônito diante de tanta crueldade cotidiana e a falta de bons costumes tão valorizados pelas pessoas, como o cafetão Vado usando de sua força física e também de atributos psicológicos para que Veludo compartilhe da maconha. Essas particularidades estão perto de todas as pessoas, embora a maioria delas finja uma cegueira figurativa para a situação. A partir desse contexto, a transformação do espectador pelo texto já pode sugerir mudanças. Toda essa hipocrisia é banida na cena e talvez por isso tais textos também tenham sido banidos pelo governo por tanto tempo, afinal, a verdade nos sentimentos e a sensação de impotência incomodam os mais fortes. Magaldi (1997), em análise da obra de Plínio Marcos, destaca que: A contundência vocabular dos seus inícios, a cena transferida da classe média para os redutos do lumpesinato, restituíram ao público habitual a imagem feroz do homem que, por ação ou omissão, Plínio ajudou a criar. Não havia mais assuntos privilegiados, cerimônias, corteses, bom gosto convencional a serem obedecidos no palco. Ele levou às últimas conseqüências a trilha aberta por Nelson Rodrigues, segundo a qual tudo é permitido, ou, nas palavras de Antonin Artaud, “o teatro foi feito para abrir coletivamente os abscessos”. Os autores que se seguiram a Plínio beneficiaram-se demais da ruptura cujo crédito lhe pertence. (p.308). O humanismo faz das personagens tipos individuais, mas não individualizados, com sonhos, desejos e vivências totalmente diferentes, embora envolvidos num mesmo contexto social. Essa diferenciação faz com que o espectador crie empatia com os personagens, ao perceber que não importa a classe, nem o tipo social. Importa sim é que todos os sentimentos estabelecidos são os mesmos, e qualquer um tem direito de viver com dignidade, pois esta está acima de qualquer preceito. Talvez o que Neuza Suely quisesse, fosse apenas ser amada pelo homem que deseja, e não ser ridicularizada pelo mesmo, como na passagem do texto Navalha, onde o cafetão a chama de velha e diz que só continua vivendo com ela pelo dinheiro que ela lhe oferece. Plínio abriu essa discussão provando que todos somos iguais, temos as mesmas ambições, e desejos, mas que a função social estabelecida por cada indivíduo, bem como a sua educação dentro da sociedade os diferencia, deixando à arte de representar, na função de abrir caminhos e quebrar paradigmas para trazer a tona tais discussões, no intuito de abrir a mente humana para o advento da obra social nas artes cênicas. A relevância dos aspectos sociais e ao mesmo tempo humanísticos da obra de Plínio também é observada por Evelyn Berg : Embora a problemática apresentada seja eminentemente social, embora cada um dos personagens esteja representando um tipo sociológico e uma ordem de problema socioeconômico, a abordagem é humana e individual, e por isso mesmo de enorme efeito dramático. Plínio Marcos escreve somente sobre aquilo que vivenciou, sobre aquela realidade que o acompanhou pela meninice e juventude afora, enfim, sobre aquilo que conhece de muito perto, ou de dentro de si mesmo. (apud ANDRADE, 2005, p. 48). Toda essa falta de condição e dignidade que remete a uma angústia que os mais sensibilizados sentem já na proposta da leitura textual, propõe a revisão de todo um contexto social histórico, trazendo a tona o desejo de socializar e igualar toda uma sociedade que não se deixa ser vista. Todo o humanismo empregado dentro da obra, onde as personagens através do texto passam intenções e sentimentos riquíssimos, embora de forma muito cruel na maioria das vezes, onde o mais forte prevalece, não se diferenciando do resto da sociedade, ou seja, sendo na classe A,B,C,D ou E, sentimentos, forças e traços de dignidade, caráter e humanidade são os mesmos, visando que o que muda é a visibilidade e intensidade dados aos fatos. Ilka Zanotto salienta que, em sua obra, “Plínio Marcos lança ao ar, um desafio imenso, a nossa obrigação moral e cívica” de tratar a escória como gente que são. Zanotto acrescenta ainda que “isso implica uma reavaliação de toda uma estrutura social e um compromisso de transformar essa estrutura, que ao nosso imediatismo não interessa questionar, que a nossa inércia conformista de avestruz, não interessa abalar, que a nossa covardia não interessa denunciar” (p.14) O autor nos propõe tratar os marginalizados como gente, e a partir disso nos vemos na obrigação de tratá-los como a nós mesmos, pois ignorante é o povo que tapa seus olhos e não vê o que acontece no seu país, não entende o que é moldado por trás de sua política, é relapso com a função social de seus conterrâneos, seu povo, suas raízes. Feliz daquele que entende que o todo depende de cada um e que cada um depende do todo. Cabe ao indivíduo mudar tudo isso, através da arte, ou de qualquer que seja a sua contribuição, mas com consciência social, da dependência passiva que devemos excluir do nosso povo. É preciso idéias ativas para contribuição social eficaz, para abrir os olhos de um povo nem que seja na marra, nem que para isso seja preciso mostrar as situações como realmente elas são, e orientar a sociedade para onde ela caminha, mas que ainda há tempo para mudanças e isso depende de todos os envolvidos. Quem dera tivéssemos muitos Plínio Marcos. Referências Bibliográficas ANDRADE, A. L. V. de.Nova dramaturgia, anos 60, anos 2000. Rio de Janeiro: Quartet, 2000. BARROS, Kiko. Religiosidade e Tarô. Disponível em http://www.pliniomarcos.com Acesso em: 1 maio 2008. MAGALDI, S. Panorama do teatro brasileiro.3.ed. São Paulo: Global, 1997. ROSENFELD, Anatol. Prismas do teatro. São Paulo: Perspectiva,1993. ZANOTTO, I..M. Melhor teatro. Prefácio. São Paulo: Global, 2003. ____________. Em nome da ética. Revista teatro da juventude, São Paulo, v.10, n.33, p.12 15, dez 2000.