Revista eletrônica do Departamento de Química - UFSC
FLORIANÓPOLIS | Química - UFSC | QMCWEB: Ano 4
O que mantém as moléculas unidas nos
estados líquido e sólido? Que força faz a água,
contrariando a gravidade, subir desde a raiz até
o topo da árvore mais alta? Como alguns
insetos podem andar sobre a água? Por
que o DNA tem a configuração em forma
de hélice? Elas estão por toda a parte:
QMCWEB apresenta, as Forças
Intermoleculares.
A força está com você.
Todos os objetos ao nosso redor são feitos de átomos. Estes átomos, algumas vezes,
combinam-se e formam moléculas: são unidos através da formação de ligações covalentes. Em
outras palavras, alguns elétrons, que antes estavam em orbitais atômicos passam a formar orbitais
moleculares. Mas as moléculas são discretas: a água, por exemplo, consiste em pequenos grupos
de 3 átomos, sendo um do elemento oxigênio que liga-se a dois átomos de hidrogênio. A ligação
covalente, entretanto, é intramolecular: apenas une os átomos que formam a molécula. O que
impede, entretanto, que todas as moléculas em um copo de água se difundam pelo meio,
instantaneamente, deixando o copo vazio? O que mantém elas unidas? Como elas formam um
objeto sólido, compacto, quando resfriadas?
As forças que existem entre as moléculas - forças intermoleculares - não são tão fortes como as
ligações iônicas ou covalentes, mas são muito importantes; sobretudo quando se deseja explicar as
propriedades macroscópicas da substância. E são estas forças as responsáveis pela existência de 3
estados físicos. Sem elas, só existiriam gases.
QMCWEB://Biografia
Johannes
Diederik van der
Waals
Nasceu: Novembro 23,
1837, Leiden, Neth.
Morreu: Março 9, 1923,
Amsterdam
Um físico alemão que,
em 1910, recebeu um
prêmio Nobel em Física pela sua pesquisa com
os estados gasoso e líquido da matéria. Seu
trabalho possibilitou o estudo de temperaturas
próximo ao zero absoluto.
Um auto-didata, Waals ingressou na
Universidade de Leiden, e em 1873 escreveu
uma tese de doutorado entitulada "Sobre a
Continuidade do Estado Líquido e Gasoso".
Ele observou que a equação geral dos gases
ideais não correspondia ao observado em gases
reais. O erro era assumir que, segundo a teoria
cinética dos gases ideiais, não existissem forças
atrativas e/ou repulsivas entre as partículas do
gás e que o volume de cada partícula era zero.
Waals levou estes erros em conta e introduziu,
em 1881, à famosa equação PV=nRT mais dois
Aprendemos, desde o ensino médio, a descrever um gás pela
equação PV=nRT. Esta, entretanto, é uma equação que funciona
bem somente para gases ideais - gases idealizados, que não existem
na realidade, e obedecem a todos os postulados da teoria cinética
molecular para os gases ideais. Gases formados por partículas sem
tamanho e sem atração ou repulsão entre si. Um gás ideal nunca se
liquefaz. Entretanto, basta baixar a temperatura e/ou aumentar a
pressão sobre um gás real que este logo passa para o estado líquido.
O físico alemão van der Waals corrigiu esta equação em 1881,
incorporando dois parâmetros: um deles que lida justamente com as
interações intermoleculares.
A equação de van der Waals
Em 1873, J.D. van der Waals propôs sua equação. No gás
real, a pressão é menor do que a prevista pela lei ideal:
culpa das forças atrativas intermoleculares. Por isso, a
pressão é corrigida pela expressão a/V2. Da mesma forma,
moléculas reais tem volume. O termo b é uma função do
diâmetro esférico da molécula do gás, conhecido como
diâmetro de van der Waals. Para 1 mol de gás (n=1), a
equação é:
E, para n moles de gás, a equação genérica é:
parâmetros, relacionados ao tamanho e às
forças intermoleculares. Ele reescreveu a
equação dos gases ideiais e publicou uma nova
equação, conhecida como equação de van der
Waals para os gases reais.
Foi este trabalho que lhe garantiu o Prêmio
Nobel, e que também permitiu James Dewar e
Heike K. Onnes alcaçarem a liquefação do gás
hidrogênio e hélio.
Em 1877, van der Waals começou a trabalhar
como professor de física da Universidade de
Amsterdam, posto que ocupou até 1907. As
forças intermoleculares são também chamadas
de forças de van der Waals, em sua
homenagem.
Abaixo estão alguns valores para a e b de alguns gases.
Observe como os gases hidrogênio, hélio e neônio
apresentam valores muito próximos a zero. Isto porque
eles quase não exibem interações intermoleculares no
estado gasoso - seu comportamento é quase ideal.
Gás
a
b
H2
0.2444
0.02661
O2
1.360
0.03183
N2
1.390
0.03913
CO2
3.592
0.04267
Cl2
6.493
0.05622
Ne
0.2107
0.01709
He
0.03412
0.02370
As forças intermoleculares têm origem eletrônica: surgem de uma atração eletrostática entre nuvens
de elétrons e núcleos atômicos. São fracas, se comparadas às ligações covalentes ou iônicas. Mas forte o
suficiente para sustentar uma lagartixa no teto da sala (veja quadro).
As forças de van der Waals, como também são conhecidas as forças
intermoleculares, podem surgir de 3 fontes. Em primeiro, as moléculas de
alguns materiais, embora eletricamente neutras, podem possuir um dipolo
elétrico permanente. Devido a alguma distorção na distribuição da carga
elétrica, um lado da molécula e ligeiramente mais "positivo" e o outro é
ligeiramente mais "negativo". A tendência é destas moléculas se alinharem, e
interagirem umas com as outras, por atração eletrostática entre os dipolos
opostos. Esta interação é chamada de dipolo-dipolo.
Em segundo, a presença de moléculas que tem dipolos permanentes podem
distorcer a distribuição de carga elétrica em outras moléculas vizinhas, mesmo
as que não possuem dipolos (apolares), através de uma polarização induzida.
Esta interação é chamada de dipolo-dipolo induzido.
E, em terceiro, mesmo em moléculas que não possuem momento de dipolo
permanente (e.g., no gás nobre neônio ou no líquido orgânico benzeno) existe
uma força de atração (do contrário nem o benzeno ou neônio poderiam ser
liquefeitos). A natureza destas forças requer a
mecânica quântica para sua correta descrição, mas foi
primeiramente reconhecida pelo físico polonês Fritz
London, que relacionou-as com o movimento
eletrônico nas moléculas. London sugeriu que, em um
determinado instante, o centro de carga negativa dos
elétrons e de carga positiva do núcleo atômico poderia
não coincidir. Esta flutuação eletrônica poderia
transformar as moléculas apolares, tal como o
benzeno, em dipolos tempo-dependentes, mesmo que,
após um certo intervalo de tempo, a polarização
média seja zero. Estes dipolos instantâneos não podem orientar-se para um alinhamento de suas
moléculas, mas eles podem induzir a polarização das moléculas adjacentes, resultando em forças atrativas.
Estas forças são conhecidas como forças de dispersão (ou forças de London), e estão presentes em
todas as moléculas apolares e, algumas vezes, mesmo entre moléculas polares.
Lagartixa van der Waals
Algumas moléculas, entretanto, exibem um tipo
especial de interação dipolo-dipolo. É o caso da
água: olhe atentamente para a figura abaixo. A
temperatura de ebulição do hidreto de
Uma dúvida cruel tem
atormentado muitos
cientistas: como, de
fato, a lagartixa
consegue caminhar
pelas paredes, mesmo
no teto?
Alguns sugeriram que
suas patas possuissem
microventosas.
Entretanto, todas as
tentativas de se provar
a existência de tais
ventosas falharam: as
lagartixas possuem tal
comportamento
mesmo sob vácuo ou
sobre uma superfície
muito lisa e molhada.
Em 1960, o alemão
Uwe Hiller sugeriu que
um tipo de força
atrativa, entre as moléculas da parede e as
moléculas da pata da lagartixa, fosse a
responsável. Hiller sugeriu que estas forças
fossem as forças intermoleculares de van der
Waals. Tudo bem que elas mantenham
moléculas unidas, mas... uma lagartixa? Poucos
deram crédito à sugestão de Hiller. Até que, em
um exemplar recente da revista Nature, Autumn
escreveu o artigo "Full, Adhesive force of a
single gecko foot-hair" (Autumn, K. et al.,
Nature 405, 681-685 (2000)), trazendo
evidências de que, de fato, são forças
intermoleculares as responsáveis pela adesão
da pata da lagartixa à parede. Mais
precisamente entre a superfície e as moléculas
dos "setae", pelos microscópicos que cobrem
as patas das lagartixas.
oxigênio é muito diferente de todos os
outros hidretos dos elementos da família do
oxigênio. Exceto a água, todos parecem seguir uma regra de que
quanto menor a massa molecular, menor é a temperatura de
ebulição. Por esta regra (que parece ser obedecida na família do
carbono), a água deveria ser, à temperatura ambiente, um gás, com
uma temperatua de ebulição bem abaixo de 0 o C. Todos sabemos
que, na verdade, a água é um líquido com ponto de ebulição de
+100 o C!
A água, portanto, deve
possuir um tipo de
interação diferenciado. O
que acontece é que os
hidrogênios ligados ao
oxigênio é que formam o
lado "positivo" do dipolo
permanente desta
molécula. O átomo de
hidrogênio é formado por
apenas um próton e um
elétron. Como o elétron é
fortemente atraído pelo
oxigênio, na água, este próton encontra-se desprotegido. A
água possui, então, um dipolo bastante forte, com uma das cargas
(positiva) bastante localizada. Este próton
pode interagir com as regiões negativas (o
oxigênio) de outras moléculas de água,
resultando em uma forte rede de ligações intermoleculares. Esta interação é
chamada de ligação hidrogênio, e ocorre entre átomos de hidrogênio ligados a
elementos como o oxigênio, flúor ou nitrogênio, com átomos de O, N ou F de outras moléculas. Esta
interação é a mais intensa de todas as forças intermoleculares.
Como consequência das fortes interações intermoleculares, a água apresenta
algumas propriedades especiais. Alguns insetos, por exemplo, podem andar sobre ela.
Uma lâmina de barbear, se colocada horizontalmente, também flutua na água. Isto
deve-se à tensão superficial da água: uma propriedade que faz com o líquido se
comporte como se tivesse uma membrana elástica em sua superfície. Este
fenômeno pode ser observado em quase todos os líquidos, e é o responsável pela
forma esférica de gotas ou bolhas do líquido. A razão é que as moléculas de água
interagem muito mais fortemente com suas vizinhas do que com as moléculas do ar,
na interface. As moléculas que estão no interior da gota, por exemplo, interagem com outras moléculas em
todas as direções; as moléculas da superfície, por outro lado, interagem somente com moléculas que estão
nas suas laterais ou logo abaixo. Este desbalanço de forças
intermoleculares faz com que estas moléculas, da superfície, sejam
atraídas para o interior do líquido. Para se remover estas moléculas
da superfície é necessário uma certa quantidade mínima de energia a tensão superficial. Para a água, isto corresponde a 0,07275
joules/m2, a 20o C. Líquidos orgânicos, como o benzeno ou o tolueno,
tem valores menores de tensão superficial, já que suas interações
intermoleculares são mais fracas.
Todos sabemos que a água possui outra propriedade anômala: o gelo bóia sobre
a água líquida. Isto porque a densidade do estado sólido, na água, é menor do
que no estado líquido. As ligações hidrogênio, no estado sólido, conferem à água
uma organização reticular quase cristalina, com um maior espaço entre as
moléculas, ou seja, uma menor densidade. A maioria das outras substâncias tem
um maior grau de compactação - uma maior densidade - no estado sólido.
ligação
força
magnitude
As forças intermoleculares são também responsáveis pelas
(KJ/mol)
diferenças nas temperaturas de ebulição de vários isômeros
covalente 100-1000
química
constitucionais orgânicos, isto é, moléculas orgânicas que
iônica 100-1000
possuem a mesma fórmula molecular (e, por consequência, a
íon-dipolo 1-70
dipolo-dipolo 0.1-10
mesma massa molar) mas tem pontos de ebulição normal
intermolecular
Dispersão 0.1-2
diferentes. O ponto de ebulição de um líquido é definido como
ligação-H 10-40
sendo a temperatura na qual a pressão de vapor exercida pelo
líquido se iguala à pressão externa. A água, ao nível do mar, tem uma pressão de vapor igual a 1,00 atm
somente a 100 o C. É lógico se assumir que quanto mais forte for a atração entre as moléculas, isto é,
quanto maior forem as forças intermoleculares, maior também será a temperatura necessária para a
ebulição do líquido. Observe, como exemplo, os dois isômeros para a
fórmula C5H12, o n-pentano e o neo-pentano, ilustrados na figura ao lado.
Ambas as moléculas não possuem dipolo permanente - são apolares. Então,
ambas interagem, entre si, via forças de dispersão (london). Mas o que faz
com que o n-pentano tenha uma temperatura de ebulição bem maior
do que o neo-pentano? Observe que, à temperatura ambiente, o
n-pentano é um líquido, enquanto que o outro isômero é um gás!
Este caso ilustra uma propriedade das interações intermoleculares: quanto
maior for a área de contato entre as moléculas, maior é a interação.
No caso no neo-pentano, a interação é dificultada devido ao impedimento espacial provocado pelo grupos
-CH3. A polarização induzida ocorre mais intensamente no caso da cadeia linear.
Uma outra propriedade pode ser observada se acompanharmos a
temperatura de ebulição dos compostos ao lado. O éter dimetílico,
embora possua a maior massa molar, é o que tem a menor Te (é um
gás, à temperatura ambiente). Tanto o metanol como a água são
líquidos, embora tenham massa molar menores. A água, a molécula
mais leve da série, tem a maior temperatura de ebulição. Isto
porque a água e o metanol interagem via ligação hidrogênio - a mais
forte das interações intermoleculares, enquanto que o éter interage via
dipolo-dipolo - não possue hidrogênios ligados ao oxigênio. A água
possue dois hidrogênios ligados ao O - o que explica a sua maior
temperatura de ebulição, em relação ao metanol,
que possui apenas um.
Como vemos, a substituição dos hidrogênios da água por grupos -CH3
leva a compostos com menor temperatura de ebulição.
QMCWEB://Biografia
Fritz
Wolfgang
London
Nasceu: Março 7,
1900, Breslau,
Alemanha.
Morreu: Março 30,
1954, Durham, EUA.
London foi educado nas universidades de
Bonn, Frankfurt, e Göttingen. Em Munich
obteve seu Ph.D., em 1921. Ele fo um
pesquisador do instituto Rockfeller em Zurique
e um professor na Universidade de Berlin.
Entre 1933 a 1936 ele trabalhou na Oxford
University e, então, se tornou o diretor de
pesquisa da Universidade de Paris.
Em 1939, London imigrou para os Estados
Unidos, onde se tornou professor de química
teórica na Duke University, em Durham, N.C..
Em 1945, se tornou um cidadão norteamericano. Entre suas publicações,
Todas as proteínas que compõe o nosso organismo são constituídas por
sequências de amino-ácidos, ligados covalentemente. Estes compostos
possuem grupos -OH e -NH capazes de formar uma forte rede de
ligações intermoleculares. É isto que confere a estrutura terciária das
proteínas, isto é, a sua forma característica de orientação espacial. Um
outro exemlo é o DNA de todos os humanos: sua forma de dupla-hélice
- é mantida graças às ligações hidrogênio entre os grupos dos -OH e
-NH das bases nitrogenadas heterocíclicas que o compõe: GCAT.
destacam-se dois volumes sobre Superfluídos
(1950 e 1954).
A teoria das ligações entremoléculas apolares
marcou o início do tratamento moderno de
mecânica quântica da molécula de hidrogênio,
e é considerado um dos mais importantes
avanços na química moderna.
Juntamente com seu irmão, Heinz London,
ele desenvolveu a teoria fenomenológica da
supercondutividade, providenciando uma nova
fundação na compreensão das forças
intermoleculares e clareando a conexão entre
fenômenos quânticos e muitos dos fatos
intrigantes da química.
Os compostos orgânicos polares exibem, em geral, uma solubilidade
significativa em água. O açúcar é um exemplo: é muito solúvel em água.
Isto deve-se à capacidade que as moléculas de água têm de interagir com as
moléculas da sacarose. A solubilização também é um fenômeno regido
pelas interações intermoleculares: entre as moléculas do soluto e as
moléculas do solvente.
Saiba mais:
>Tutorial em interações intermoleculares
>Tipos de interações intermoleculares
>Tensão superficial
>O estado gasoso
>Exercícios de forças intermoleculares
>Forças de van der Waals
>Animações das forças intermoleculares
>Teoria das misturas e soluções
criação: minatti
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Forças Intermoleculares.