memória CULT
Ouro Preto - MG - Brasil -Ano 1 - nº 03 - 21 de abril de 2011
edição especial sobre a Inconfidência Mineira
Inédito
José Resende Costa:
O primeiro rosto de um
Inconfidente
E mais...
Inconfidentes sob novos olhares
Ideais, Bandeira, Julgamento
Degredo e Repatriação
Editorial
E
sta é uma edição muito especial para a Memória Cult. Trata-se da
abordagem, por diversos especialistas, de diferentes visões e análises
acerca da Inconfidência Mineira, movimento maior do Brasil colônia,
ainda carente de estudos mais profundos e conclusões mais precisas.
O ponto alto é a histórica e pioneira matéria e entrevista com o professor Eduardo
Daruge, cujo trabalho apresenta a primeira imagem do rosto de um dos Inconfidentes,
em reconstituição científica levada a feito na Unicamp e na Inglaterra.
O material (as ossadas de três dos Inconfidentes) fora enviado para perícia há
mais de 15 anos e, recentemente, no clamor dos novos tempos, salientando-se
nestes a constante presença do Ministério Público Estadual, mais especificamente
de sua Coordenação das Promotorias de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e
Turístico de Minas Gerais, retorna a Minas para ocupar lugar de honra no Panteão
dos Inconfidentes, no Museu da Inconfidência, na oportunidade das comemorações
do 21 de abril, em Ouro Preto, conduzidas pelo governador Antonio Anastasia e que
terão como oradora oficial a presidenta Dilma Rousseff, ambos anfitrionados pelo
prefeito Ângelo Oswaldo, quando da entrega da Medalha da Inconfidência.
Irradiando e tangenciando o palpitante assunto – cuja exclusividade conseguimos
captar em abril, com fechamento da revista na segunda semana do mês – foram
convidados os articulistas colaboradores, que prontamente, em curtíssimo período
de tempo, remeteram seus textos e algumas ilustrações.
Daí em diante, com o tempo passando, a editoração e o projeto gráfico em duelo
permanente, ora em função dos limites de textos e paginações, ora em decorrência
das inúmeras e de difícil escolha das ilustrações com diferentes graus de qualidade
para impressão, conseguimos, na undécima hora, viabilizar a edição a tempo de
divulgação e distribuição nas festividades da Semana da Inconfidência.
Aos partícipes desta edição histórica, neste 21 de abril de 2011, os agradecimentos
desta Memória Cult.
Eugênio Ferraz*
Diretor executivo da Memória Cult
*Membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, do IHG.MG e da Arcádia de MG; Coordenador
Executivo do Sistema de Museus de Ouro Preto, é o Superintendente do Ministério da Fazenda em
MG e Coordenador Executivo do Fórum de Dirigentes Federais em MG
memória CULT
Sumário
16
Os Ideais dos
Inconfidentes
06
07
Mauro Costa
O 1º rosto de um Inconfidente
28
29
13
O repatriamento dos ossos
31
O presidente
34
A bandeira
36
O advogado
O destino dos religiosos
40
41
Novo olhar sobre Gonzaga
42
15
19
20
22
23
Artista da Capa
e entrevista com Eduardo Daruge, perito
que retratou José Resende Costa
a saga do
retorno
Gonzaga, o Critilo, seria o chefe da
futura nação
Todavia
Libertas quae sera Tamen
Pela piedade de Sua Majestade
Mais de um século e meio de
segredos, o processo ficou conhecido
Jurista e poeta analisados
44
O Degredo
na África
O poeta no exílio
Teria o seu corpo voltado ao Brasil?
A arcádia
Na Comarca do Rio das Mortes
surge uma casa de letras
Cláudio Manoel da Costa
Se morto fora por assassinato, seria
ele o protomártir?
O Alferes no comando
Tiradentes chefiou quartel em
Sete Lagoas
As viagens do herói maior
Em Portugal, os contatos e
articulações do movimento
Rico e revoltoso
O líder máximo e suas posses
A face de Tiradentes
Como militar, ele sequer
poderia usar barba
Um decreto pouco conhecido
A Colônia e a Independência
Espaço do leitor
Envie críticas, sugestões e comentários para o
aprimoramento desta revista:
[email protected] e/ou
[email protected]
A Memória Cult poderá editar manifestações de leitores
selecionadas para publicação, não necessariamente na
edição subsequente.
Parabenizo os idealizadores da Memória Cult pela excelência dos temas abordados e a qualidade das matérias. Uma
importante contribuição ao desenvolvimento cultural de nosso povo.
Gilson Nunes
Chefe do Departamento de Museologia da UFOP e Coordenador Executivo do Sistema de Museus de Ouro Preto
Recebi com grata satisfação os dois primeiros números da
revista. Primorosos sob todos os aspectos, com excelentes
artigos, belas fotografias e ótima qualidade gráfica. Gostei
muito dos dois primeiros exemplares, publicações valiosas
que representam trabalho de muita tenacidade.
O segundo número da Memória Cult vem corroborar
o ganho expressivo que Minas vem obtendo com o
levantamento de sua história e de suas paisagens,
cuidadas com textos primorosos. Ponto alto é o elevado
padrão gráfico. Ganhamos todos, de Minas para o Brasil.
Fernando Antônio Xavier Brandão
Presidente Emérito do Instituto Histórico e Geográfico de
Minas Gerais
Marco Aurélio Baggio
Presidente da Sociedade Brasileira de Médicos
Escritores (Sobrames)
Expediente
Ouro Preto, Minas Gerais – Brasil - Ano I – Nº 3 – Abril de 2011
Diretor Executivo | Eugênio Ferraz
Reg.: 8.172-MG
Editor | Fernando Junqueira
Projeto Gráfico | Flávio Peixe
As manifestações expressas em artigos assinados são de inteira responsabilidade dos respectivos autores
e não refletem, necessariamente, a opinião da publicação.
Foto da Capa: Alexandre Paiva Frade
Página do artista
“Praça Tiradentes em Ouro Preto, MG” - Pintura expressionista , acrílica sobre tela. À direita, “A Dança” e abaixo Mauro,
ao lado da sua obra “Cromo & Alpinea”. Ambas obras hiper-realistas, estilo cotidiano do artista
Mauro Costa
Desenhista e caricaturista, Mauro Costa iniciou seus primeiros
quadros em óleo sobre tela em 1996, com incursões no
impressionismo. Em 2006, inicia fase realista, também chamada
de hiper-realista, com o quadro “Garrafa de Whisky”.
Desde então, o artista expôs seu trabalho em galerias do Rio de
Janeiro e de São Paulo, como na Galeria Dom Quixote, no Salão
de Arte do Clube “A Hebraica”, em 2010, na capital paulista.
Há dois anos, vem retratando mensalmente os automóveis de
uma das mais importantes coleções de carros antigos de Minas
Gerais.
Nasceu em 1973, em São Lourenço, sul de Minas.
06
O primeiro rosto de um
InconfIdente
Estudos possibilitam reconstituição facial de José Resende Costa
A Inconfidência Mineira tornou-se, com o passar dos anos,
símbolo da independência brasileira e da própria liberdade.
Embora estes conceitos pareçam tão claros quanto abstratos,
a representação física dos partícipes do movimento vem sendo
feita com base em fatos históricos, documentos, relatos e
suposições, que embasam a retratação dos mártires nacionais,
comumente por meio de quadros. No entanto, uma recente
descoberta muda essa realidade para um dos Inconfidentes.
07
Após detalhados estudos e perícias, pesquisadores da Unicamp,
tendo à frente o professor Eduardo Daruge, realizaram uma
reconstituição facial do Inconfidente José Resende Costa
(pai). Para isso, os estudiosos tiveram a colaboração do
doutor Alfred Linney, da University College London (UCL), na
Inglaterra. O processo foi realizado após a reconstituição do
crânio do conjurado, durante análise sobre a autenticidade de
ossadas trazidas ao Brasil como restos mortais de três dos
participantes do importante movimento mineiro do século XVIII.
O desterro na Guiné Portuguesa
Após o julgamento dos Inconfidentes, que resultou na morte do
Alferes Joaquim José da Silva Xavier e no degredo dos demais
participantes do levante para Portugal ou colônias do país na
África, a segunda parte da sentença era cumprida, com os
Inconfidentes deixando o país. A primeira, o enforcamento e
esquartejamento de Tiradentes, já fora consumada.
José Resende Costa (Pai), João Dias da Motta e Domingos
Vidal Barbosa Lage, participantes da Inconfidência, cumpriram
pena na colônia portuguesa Vila de Cacheu, Guiné Portuguesa.
A região era ainda povoada por tribos de nativos, selvagem
portanto, além de infestada pela desconhecida doença “peste
da terra”.
Urna contendo os restos mortais dos Incondidentes e, no seu interior, fragmentos ósseos, fragmentos de terra, poeira, pedras,
madeira e de jornais. Na foto de um fragmento de jornal destaca-se a data de 07 de setembro de 1934
08
Os três faleceram no local. Consta que Domingos Vidal
Barbosa Lage faleceu em 1793, José Resende Costa
(Pai) em 1798, enquanto inexistem referências sobre a
morte de João Dias da Motta. Todos foram enterrados
junto à Igreja Nossa Senhora da Natividade, pequena
construção situada próxima a Vila de Cacheu.
A exumação
Em 1932, o então Cônsul do Brasil no Dakar, João
Batista Barreto Leite, solicitou ao responsável pela
colônia, Major José D`Ascensão Valdez, a exumação
dos restos mortais desses Inconfidentes. Foi Michaela
da Costa, à época com mais de 80 anos, quem deu
a localização das ossadas, seguindo relatos de seus
antepassados. A exumação foi realizada em 2 de
novembro do ano de 1932. Ao chegarem ao Brasil, os
restos mortais foram levados para o arquivo histórico
do Itamaraty, na então capital federal, o Rio de Janeiro.
Domingos Vidal Barbosa Lage
A primeira das ações que resultaram na reunião de parte
das ossadas de conjurados no Museu da Inconfidência
foi do poeta e autor da obra História da Inconfidência de
Minas Gerais, Augusto de Lima Júnior. Ele solicitou ao
então presidente Getúlio Vargas que os despojos dos
demais participantes do movimento fossem trazidos
para o país, em 1936.
“
Foi Michaela
da Costa, à
época com
mais de 80
anos, quem deu
a localização
das ossadas,
seguindo
relatos de seus
antepassados.
A exumação foi
realizada em 2
de novembro do
ano de 1932
Naquele sugestivo 21 de abril, Vargas decretou o
repatriamento dos restos dos Inconfidentes degredados.
No final do ano, após a chegada do navio Bagé ao
Rio, as urnas foram levadas à Capela do Senhor dos
Passos, na Catedral Metropolitana do Rio de Janeiro.
Pouco depois, essas urnas foram transferidas para
o Museu da Inconfidência, onde foram construídos
jazigos especiais para receber os desposjos.
Nos anos 1990, as ossadas dos três Inconfidentes,
que permaneciam no Itamaraty seguiram para o
mesmo destino das demais, em Ouro Preto. Para
checar a autenticidade dessas ossadas, a direção do
Museu da Inconfidência, em 1993, solicitou que fosse
realizado exame no material pela equipe do curso de
pós-graduação do programa de Odontologia Legal e
Deontologia da Faculdade de Odontologia de Piracicaba
da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
João Dias da Motta
Fernando Junqueira
José Resente Costa
Editor da Memória Cult
09
Entrevista
A seguir, o líder desse grupo de estudos, o professor Eduardo Daruge, aborda os trabalhos
realizados, as conclusões da pesquisa e fala sobre uma das maiores descobertas recentes sobre a
Inconfidência Mineira.
O senhor e sua equipe conseguiram reconstituir
a face de um dos Inconfidentes mineiros, José
Resende Costa (pai). Como chegaram a um
resultado conclusivo?
Após a identificação dos três Inconfidentes, verificamos que
o único que apresentava maior quantidade de fragmentos
(144 peças) de ossos pertencentes à porção cefálica, era
José Resende Costa (pai), sendo que algumas partes
foram reconstituídas em cera branca e devidamente
esculpidas. Uma vez obtida a reconstituição deste crânio,
realizamos uma tomografia computadorizada, com 135
cortes, com 1,5 mm de espessura cada, obtendo-se uma
fita magnética, tornando possível reconstituir a imagem do
crânio em três dimensões.
Um dos integrantes de nossa equipe, de posse desta
fita magnética, foi até à University College London,
na Inglaterra, obtendo a colaboração do professor e
doutor Alfred Linney que, com um programa especial
de reconstituição facial, realizou todos os trabalhos e
obteve a imagem computadorizada da possível face do
Inconfidente José Resende Costa.
Após a reconstituição, o jornalista Caco Barcellos
realizou levantamento sobre a existência de possíveis
descendentes do conjurado tendo encontrado uma
fotografia pertencente a um trineto de José Resende
Costa, o que permitiu-nos fazer uma comparação entre
a imagem reconstituída do Inconfidente e a fotografia do
referido trineto.
Nota-se a coincidência de vários caracteres fisionômicos,
tais como, tipo facial, forma e disposição da porção nasal,
forma e disposição das regiões orbiculares, forma e
disposição da região inferior da face e outras características
que nos permite afirmar grande semelhança entre eles.
10
E como foi o início dos estudos?
Em junho de 1993, a equipe da Faculdade de Odontologia
de Piracicaba da Unicamp recebeu a urna do Museu da
Inconfidência, no interior da qual havia, presumidamente,
as ossadas dos três Inconfidentes, com o objetivo de se
estudar e tentar separar as peças ósseas pertencentes
a cada um deles.
Quando a urna foi aberta, encontramos fragmentos
ósseos maiores, uma grande quantidade de fragmentos
ósseos menores, terra, pedras, pedaços de jornal
picado, alguns fios de cabelo e outros materiais, que
comprometiam seriamente os fragmentos ósseos que
deveriam ser examinados. Todos estes materiais foram
cuidadosamente separados e armazenados. Um fato
que nos chamou a atenção é que entre estes pedaços
de jornais, encontramos um pedaço maior com a data de
7 de setembro de 1934.
Os fragmentos de ossos foram também separados e
colocados no interior de uma caixa de papelão para a
realização de um estudo posterior. Assim, analisandose cada uma das peças ósseas, pela sua cor, pela
sua espessura, pela relação de continuidade com
outras peças encontradas e pelas suas características
anatômicas, em princípio, notamos que havia peças
ósseas coincidentes e pertencentes a três pessoas
diferentes, proporcionando-nos a esperança de poder
separar tecnicamente estas três pessoas.
Outro fato que observamos entre as peças ósseas,
é que havia uma grande quantidade de fragmentos
ósseos pertencentes a um crânio, 144, que pelas suas
características anatômicas deveriam pertencer a porção
cefálica de um único indivíduo. Tratava-se de um
verdadeiro quebra-cabeça, literalmente interpretado.
Houve, então, a reconstrução do crânio?
Sim. Após a separação dos fragmentos ósseos pertencentes a três indivíduos
diferentes, utilizei-me de conhecimentos de morfologia para reconstruir o crânio
com a exata montagem daqueles pequenos fragmentos. Após seis meses, foi
possível montar aquele crânio, sendo que as partes perdidas na terra, durante
a exumação, foram reconstruídas em cera branca, devidamente esculpida,
preenchendo assim os espaços das partes ósseas que faltavam.
Após estudos radiográficos e de densitometria óssea, verificamos que
este crânio deveria pertencer a José Resende Costa. As outras duas
ossadas possuíam apenas alguns fragmentos ósseos da calota craniana,
impossibilitando a sua reconstituição. Provavelmente, uma grande parte dos
ossos dos três Inconfidentes foram perdidas na terra, durante a exumação.
E como foi o processo de separação e identificação das ossadas, já
que elas estavam juntas?
Usamos a densitometria óssea, que consiste de um exame radiográfico para
medir a densidade dos ossos. Pode ser aplicada nos vivos e nas ossadas para
avaliação da idade de uma pessoa. Os resultados, na pessoa viva, variam de
648 a 833 mg/cm2. Entretanto, podem apresentar variações de acordo com as
condições em que a ossada foi encontrada.
Segundo dados da exumação na Guiné Portuguesa, José Resende Costa (Pai),
faleceu aos 70 anos de idade, João Dias da Motta, aos 49 anos, e Domingos
Vidal Barbosa Lage aos 32 anos. Como a densidade óssea é inversamente
proporcional à idade, isto é, quanto menor a idade maior a densidade óssea
e quanto maior a idade menor a sua densidade, tivemos a oportunidade de
realizar este estudo.
Sequência, desde a
página anterior, do
crânio reconstituído de
José Resende Costa,
com sua retratação
facial. A última foto é do
trineto posteriormente
descoberto e que tem
grandes semelhanças
com a imagem
reconstituída
11
Entrevista
Separamos os fragmentos ósseos pertencentes aos
três, inicialmente pela cor, espessura, diâmetro e
outras características anatômicas da peças ósseas.
Assim, tínhamos a certeza que se tratava de três
pessoas diferentes.
As peças ósseas pertencentes a cada uma
destas pessoas foram submetidas aos exames de
densitometria óssea. Como as peças pertencentes a
uma das pessoas apresentaram densitometria entre
620 a 650 mg/cm2, portanto, com menor densidade
óssea, ou uma ossada do indivíduo mais velho,
corresponderam a José Resende da Costa.
As peças de outra ossada apresentaram densitometria
óssea entre 690 a 750mg/cm2, correspondente a
uma ossada pertencente a um indivíduo com idade
inferior aos dados da primeira ossada, coincidentes
com João Dias da Motta.
Finalmente, as peças pertencentes à terceira ossada
apresentaram densitometria entre 825 e 860mg/cm2,
condizente com pessoa de menor idade, portanto,
referente a Domingos Vidal Barbosa Lage.
Felizmente, a diferença de idade entre eles nos
permitiu identificar a ossada de cada um dos
Inconfidentes, presumindo-se a verossimilidade
do Auto de Exumação das ossadas, bem como as
informações prestadas pela nativa Michaela da
Costa e pelas tribos que sempre afirmaram que ali
encontravam-se três brasileiros exilados do Brasil
para aquela Vila de Cacheu, Guiné Portuguesa, por
determinação da Rainha D. Maria I de Portugal.
Entre as solenidades de 21 de abril deste ano,
que contarão com a presença da presidenta da
República, ocorre finalmente o sepultamento
dos restos mortais destes Inconfidentes. Como
o senhor se sente nessa oportunidade, na
qual, inclusive, é homenageado pelo Governo
de Minas com a Medalha da Inconfidência?
Ser homenageado nesta oportunidade por ter
conduzido a identificação de três desses heróis
nacionais, permitindo inclusive a reconstituição
da face de um deles, com a mais alta honraria do
Governo de Minas, coroa toda minha carreira. É um
momento de extremo orgulho pessoal e profissional.
12
Eduardo Daruge
o perito que mostrou a face do Inconfidente
José Resende Costa
Nascido em 1933, em Ribeirão Preto, professor
universitário Eduardo Daruge, atualmente residindo
em Piracicaba, dedica-se desde os 19 anos à docência,
pesquisa e extensão, inicialmente . Em 1958, passou a
trabalhar na Faculdade de Odontologia de Piracicaba,
da Unicamp.
Autor de mais de 10 mil pericias judiciais nas áreas
cível, criminal, trabalhista e de investigação de
paternidade, foi responsável pela reconstituição
facial do carrasco nazista Josef Mengele, de ampla
repercussão internacional; pela identificação do juiz
Leopoldino Marques do Amaral, do Tribunal de Justiça
de Cuiabá, cujo corpo carbonizado foi achado em um
matagal em Assunção, Paraguai; e do cantor João
Paulo, carbonizado em consequência de um acidente
automobilístico.
Na área de pesquisa, publicou mais de 120 trabalhos
em revistas nacionais e estrangeiras e publicou uma
obra sobre “Direitos Profissionais na Odontologia”,
pela editora Saraiva, em 1978.
O repatriamento dos ossos dos
InconfIdentes
Em 1942, foi inaugurado em Ouro Preto o Panteão dos Inconfidentes, monumento inaugural do Museu da Inconfidência.
Projetado pelo arquiteto do SPHAN José de Souza Reis, é constituído por 13 lápides funerárias em que se encontram
sepultados os Inconfidentes José Álvares Maciel; Francisco de Paula Freire de Andrada; Domingos de Abreu Vieira;
Luiz Vaz de Toledo Piza; José Aires Gomes; Antônio de Oliveira Lopes; Vicente Vieira da Mota; Inácio José de Alvarenga
Peixoto; Tomaz Antônio Gonzaga; João da Costa Rodrigues; Francisco Antônio de Oliveira Lopes; Salvador Carvalho
do Amaral Gurgel e Vitoriano Gonçalves Veloso. Uma única lápide foi deixada vazia em homenagem aos participantes
da Inconfidência Mineira cujos corpos não estão ali enterrados.
Panteão dos Inconfidentes , no Museu da Inconfidência, criado para abrigar os restos mortais dos libertários
Foto: Divulgação /Museu da Inconfidência
O processo oficial de repatriamento dos restos mortais
dos Inconfidentes teve início com o decreto São Mateus,
de 21 de abril de 1936. O presidente Getúlio Vargas
determinava que os despojos fossem depositados em
monumento na cidade de Ouro Preto para o culto cívico
nacional e autorizava a publicação dos autos de devassa
da Inconfidência e de documentos relativos aos fatos.
No entanto, esse processo foi precedido por outras
iniciativas. Em 1932, três ossadas atribuídas a
Inconfidentes foram exumadas em território africano e
remetidas ao Ministério das Relações Exteriores, no Rio
de Janeiro. A documentação que acompanha o processo
informa que, em novembro daquele ano, o cônsul do
Brasil em Dakar solicita auxílio de autoridades da Guiné
Portuguesa para localização dos restos mortais de alguns
Inconfidentes. Teria chegado ao seu conhecimento que
uma indígena, residente na Vila da Cacheu , ouvira de seus
antepassados que ao lado da Igreja de Nossa Senhora da
Natividade estariam enterradas umas ossadas “supostas
como pertencentes a uns deportados de origem brasileira,
para a Colônia enviados no tempo da rainha D. Maria I
de Portugal, por motivo dos acontecimentos conhecidos
no Brasil por Inconfidência Mineira”.
Procedeu-se à exumação. Quando em 1934 houve
mudança de direção na chancelaria em Dakar, o novo
cônsul registra ter recebido uma caixa de madeira
com três ossadas, atribuídas a Inconfidentes. E como
pretendia remetê-las ao Brasil, informa ter tentado
investigar a procedência das declarações contidas no
auto de exumação. Declara que recorreu ao historiador
português Rocha Martins que, em seu compêndio
sobre a história das colônias portuguesas, afirma
que desembarcaram, no arquipélago de Cabo Verde,
Domingos Vidal de Barbosa e José Resende Costa (pai),
seguindo os demais deportados para Angola. Para ele, é
admissível que, por ocasião da chegada dos Inconfidentes
ao arquipélago, o governador daquela Colônia, temendo
que a presença e as idéias libertárias pudessem influir
nas agitações políticas locais, tenha resolvido enviá-los
à Guiné, onde vieram a falecer. É nessa correspondência
13
que, pela primeira vez, aparece referência nominal aos Inconfidentes
a quem pertenceriam duas das ossadas: Domingos Vidal Barbosa e
José Resende Costa (pai). A atribuição referente a João Dias da Mota
está relacionada à pena de degredo para Cacheu, determinada em
sentença nos autos.
Remetidas para o Brasil, foram chamados a se pronunciar o Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro e o Instituto Histórico de Ouro Preto
sobre as questões relativas à “importância dos referidos documentos
em sua correlação com os despojos a que os mesmos se referem”.
Portanto, foi após toda essa discussão em torno das três primeiras
ossadas restituídas ao país que se deu a mobilização de autoridades
no governo Vargas.
Uma comissão especial, chefiada por Augusto de Lima Júnior, foi
nomeada para realizar o processo de trasladação dos despojos que se
encontravam na África. Com a colaboração do governo português era
promovida, junto às autoridades de Angola e Moçambique, a exumação
e a remoção dos restos mortais para Portugal, onde os aguardava
a missão brasileira. Em dezembro de 1936, desembarcavam no Rio
de Janeiro os ossos, sendo recebidos em solenidade com honrarias
militares e discursos, amplamente divulgada nos jornais da época.
Estiveram presentes nas celebrações o presidente da República e as
mais altas autoridades políticas do país.
As urnas ficaram franqueadas à visitação pública na Catedral
Metropolitana do Rio de Janeiro por mais de um ano. Somente após
denúncia feita por Vicente Racioppi de que se achavam na igreja,
“cheias de pó, mal arranjadas, algumas quebradas em parte”, foram
retomados os procedimentos para o transporte
até o destino final. Em 15 de junho de 1938
chegariam, na estação ferroviária de Ouro Preto,
os restos mortais dos Inconfidentes. Recebidos
solenemente pelo presidente Getúlio Vargas, o
cortejo percorreu as ruas centrais da cidade, com
participação do povo e autoridades, até a matriz
de Nossa Senhora da Conceição de Antônio
Dias, onde, provisoriamente, estiveram até a
trasladação definitiva para o Panteão do Museu
da Inconfidência.
Até início dos anos 90, as três ossadas que
haviam retornado ao país em 1934 permaneciam
em depósito no arquivo Itamaraty, no Rio de
Janeiro. Já na década de 70, ocorreram tentativas
do Ministério das Relações Exteriores para a
entrega definitiva dos despojos ao Museu da
Inconfidência. Mas somente no final dos anos 80
é que se formalizou o compromisso de realização
da pesquisa histórica sobre os restos mortais e a emissão de parecer
sobre o encaminhamento do processo de identificação. Em 1992,
o material passou à responsabilidade do Museu, que desde então
tomou providências para assegurar a autenticidade das ossadas, por
meio de laudo técnico de peritos da Unicamp. Concluído o estudo, em
21 de abril de 2011, o Panteão deverá receber os ossos de Domingos
Vidal de Barbosa, José Resende Costa (pai) e João Dias da Mota,
num ato de abrigo e justo reconhecimento a esses homens que
ousaram propor um caminho de liberdade para a nação.
Carmem Silvia Lemos
Historiadora, Técnica do Museu da Inconfidência/IBRAM
Responsável pela pesquisa histórica sobre o processo de repatriamento
14
Foto 1: Momento inicial do cortejo dos restos mortais dos
Inconfidentes à cidade de Ouro Preto, em 15 de julho de 1938
- Luiz Fontana
Foto 2: Celebração solene ocorrida no adro da Matriz de Nossa
Senhora da Conceição de Antônio Dias, comandada pelo
presidente Getúlio Vargas - Luiz Fontana
Referências:
3 - Auto de exumação que acompanha correspondência remetida de
Dakar ao Itamaraty, ref. Consulado de Dakar/38/1934/Anexo 1. Arquivo
do Ministério das Relações Exteriores.
4 -Extraído da correspondência remetida aos Institutos pelo Ministério
das Relações Exteriores, ref. Ministério/NC/SN/7(42).(85n) 4/1935/2.
Arquivo do Ministério das Relações Exteriores
O presidente
Tomás Antônio Gonzaga assumiria a direção do país, caso a conspiração da lnconfidência
tivesse êxito. Essa convicção se firmou com o tempo e parece perfeitamente razoável.
Homem de grande inteligência e cultura, com experiência internacional, possuía familiaridade
com o poder e larga experiência adquirida no exercício da Ouvidoria, quando era responsável
pela manutenção da ordem jurídica em Vila Rica, centro de gravitação a atrair o grosso da
população da Colônia. Um olhar sobre os inconfidentes será bastante para concluir, não havia
ninguém em melhores condições para ocupar o cargo.
Gonzaga vinha redigindo a proposta de constituição e o conjunto de leis indispensáveis à
estruturação do país independente. Em Portugal, ele havia participado de grupos secretos
dedicados ao estudo do pensamento enciclopedista, que se opunha ao absolutismo e
preconizava a organização do poder à base da livre manifestação popular. Era uma cabeça
progressista, sintonizada com o tempo e as transformações por que passava o mundo.
Os primeiros estudiosos da conspiração de Vila Rica foram de opinião que o autor das Cartas
Chilenas sequer chegara a ser Inconfidente. Apenas havia simpatizado com o movimento e
aguardava os resultados, para decidir como se situaria dentro da nova ordem. Estavam todos
influenciados pela argumentação que o acusado desenvolvera no processo da devassa, ao
assumir sua própria defesa. Hoje, a opinião mais ou menos generalizada se encaminha noutro
sentido. Há quase certeza de que ele tenha sido o líder intelectual da conspiração.
Rui Mourão
Membro da Academia Mineira de Letras e
diretor do Museu da Inconfidência -Ouro Preto
À esquerda da foto, a Prefeitura de São João del
Rei, escolhida como capital da futura nação
Foto: Eugênio Ferraz
Cláudio Manoel da Costa, culto, experiente, de moral inatacável, não contava mais com o
vigor da idade, condição indispensável para se envolver com a aventura de construir uma
nação. Inácio José de Alvarenga Peixoto, advogado competente, também ouvidor, não revelou
suficiente equilíbrio na sua condição de fazendeiro rico, às voltas com muitos negócios e
dívidas comprometedoras. José Álvares Maciel, capaz, inteligente, mineralogista formado em
Coimbra, possuía o impedimento da extrema juventude. Militares como o coronel Francisco
de Paula Alves e o alferes Joaquim José da Silva Xavier, apesar do grande talento e ardente
idealismo revolucionário do segundo, não se apresentavam como personalidades que
dispusessem de visão de conjunto, formação cultural verdadeira, liderança inconteste. Entre
os religiosos, sobressaía-se pela erudição, contemporaneidade de informação e senso de
equilíbrio o cônego Luís Vieira da Silva, proprietário da mais bem sortida biblioteca clandestina
aqui formada, mas nada sugeria neles o perfil de um verdadeiro chefe de estado.
15
Inconfidentes
Os Ideais dos
A liberdade conduzindo o povo - Delacroix - Reprodução
“
16
As razões da Inconfidência mineira não eram simplesmente
as de uma revolta fiscal contra a derrama
Liberdade
Diz um Professor português, Esteves Pereira, especialista
de História das Mentalidades, que não se pode saber
quais eram os ideais do Passado, porque só vivendo
nessa época se podia saber verdadeiramente aquilo em
que os Homens de então acreditavam.
Gonzaga, deixou um relatório ao Visconde de Barbacena,
em que dizia que, em Minas Gerais, os brancos eram todos
iguais. Mas não eram. Houve uma enorme diferença entre
um Joaquim José da Silva Xavier, durante a repressão, e
outros.
Por isso, é difícil saber naquilo em que acreditavam os
Inconfidentes, por duas ordens de razões: primeiro, porque
só conhecemos uma pequena parte dos Inconfidentes
e, segundo, porque aqueles que conhecemos tinham
ideias e expectativas diferentes. Sabemos, pelo que
foi apreendido a Joaquim José da Silva Xavier, que ele
procurava documentar-se junto à Revolução Americana.
Sabemos que José Joaquim Maia e Barbalho se encontrou
e pediu ajuda a Thomas Jefferson, na França, mas que
o inventor da frase “a árvore da liberdade tem de ser
regada, de vez em quando, com o sangue de mártires e
de tiranos”, não a deu. A mais antiga aliança portuguesa e
a filiação britânica da Revolução americana prevaleceram.
Sabemos ainda, pelo que se seguiu, após a repressão da
Inconfidência, que o liberalismo brasileiro não era jacobino
e que permaneceu cristão, não precisando de inventar
nenhuma deusa “Razão”, ou um calendário pagão.
Joaquim José só confessou no quarto interrogatório,
isolado na Ilha das Cobras, seis meses depois de ser preso.
Nunca baqueou quando foi acareado. Provavelmente só
foi confrontado com a traição de Silvério Reis no momento
em que foram postos à frente. No dia seguinte a ser
condenado à morte, quando todos os outros, exceto ele,
viam a vida salva mas os afetos destruídos, Joaquim José
deu as mãos a todos e consolou-os. Estes são fatos. O
Tiradentes, oficial feio e espantado, foi verdadeiramente
excepcional e um caso fora do vulgar na história da
condição humana.
As razões da Inconfidência mineira não eram
simplesmente as de uma revolta fiscal contra a derrama,
espécie de compensação da contribuição anual em ouro
– o quinto – que os portugueses do Brasil tinham de dar
para Lisboa, mesmo quando já lhes parecia óbvio que
podiam governar a si próprios. O que moveu realmente
a Inconfidência foi a distorção dos Governadores e seus
apadrinhados que, de três em três anos, se vinham
“ensopar”, em ouro e diamantes, para o Brasil. Nada de
novo, na Sociedade europeia e na moderna Democracia:
os afetos do clientelismo são mais fortes que o Mar e
os sufrágios não são feitos para ouvir, mas para ditar.
Revoltas fiscais, houve-as muito em Portugal, inclusive
no tempo do Marquês de Pombal e foram reprimidas com
enforcamentos. Mais tarde, uma guerra civil, a “Maria da
Fonte”, começou também por uma questão fiscal e, se a
região norte de Portugal nunca cindiu, o regime mudou
de liberalismo autoritário para monarquia parlamentar,
corrido a pontapé pelas sete mulheres do Minho, armadas
de fuso e roca. O período que se seguiu foi o de Eça de
Queirós e de Antero de Quental.
O seu ideal foi a Fraternidade. Até nos vários sinais durante
os interrogatórios de que não pretendia verdadeiramente
executar o Governador português, condoendo-se da
sua mulher e filhos, o testemunham. Não era por terem
poupado uma vítima que os Inconfidentes se iam poupar
de morrer de morte cruel, pelo crime de lesa-majestade.
Com que sonhava Joaquim José, em que acreditava
ele, então? Joaquim José não era um barroco, período
que – no seu amaneiramento despótico – é muito mais a
antecipação do “Big Brother”, digital e virtual, é Cagliostro,
Casanova e Marquês de Sade, do que o fim do Antigo
Regime e seus ideais de cavalaria, paradoxalmente
os mesmos de Canudos. Joaquim José passava pelo
Rio de Janeiro insalubre e caótico e pensava no que
se podia melhorar, na harmonia generosa da Natureza,
nas soluções que esperavam na boca cariada de um
Império que ele podia cauterizar e restaurar. Não foi
essa a linguagem dos conjurados de 1640, em Portugal,
os 40 nobres falidos e rotos que saíram à rua, numa
madrugada fria de Dezembro e jogaram o pescoço contra
o jugo da Espanha? Nem o Duque de Bragança os queria
seguir, pois a legitimidade legalista estava do lado dos
Filipes de Espanha, não fosse sua mulher, D. Luísa de
Gusmão, dizer-lhe “Mais vale ser Rainha por um dia que
Duquesa toda a vida”. Na verdade, os conjurados de
Portugal, um século e meio antes, também falavam, como
o “Tiradentes”, em restaurar os direitos da Nação. Sim,
porque no Antigo Regime, aquele que cimentara Portugal
na Idade Média e unira os marinheiros nas caravelas
sobre um Mar temeroso, não era nenhum Soberano
déspota, mas um “Respublica Christiana” ou “Naçon” em
que Tradição e Inovação se combinavam em Mistério e
Fidelidade, como a armação viva de mastros e velas. Sem
Igualdade
Mas, se a Liberdade era sobretudo Libertação – uma vez
que os Inconfidentes não contemplaram seriamente o fim
da escravatura num Estado onde metade da população
era escrava – a Igualdade foi duvidosa no projeto duma
República aristocrática dos Inconfidentes. Melo e Castro,
o Governador autoritário que invejava Tomás Antônio
17
isso, Felipe Camarão, Henrique Dias e Vidal de Negreiros, não teriam resistido a um mundo muito mais
luminoso dos holandeses, nas Batalhas de Guararapes e, por consequência, nem Portugal, nem o
Brasil, existiriam hoje.
E Joaquim José acreditou. Mesmo apesar do desprezo, dos que o apupavam num Teatro do Rio, por
achar que era óbvio que, em terras de Vera Cruz, a Naçon lusa tinha direito a ser independente. E apesar
do facto de ser um bom, diligente e criativo soldado, nunca o promoviam, nunca o reconheciam… mas
o que é que há de novo nisto?!
Joaquim José não era um ressentido. E não era um ingênuo. Acreditava apenas num modo diferente
de ver as coisas em que o Saber nos ensina, não somos nós que o ensinamos, em que os caminhos
do Bem e do alívio da Dor, não têm prerrogativas acadêmicas. Remédio é o que cura. Chamar-lheiam “Engenharia”, ou “Politécnica” mais tarde, num mundo que não o deixaram ver e que esmagaram
com Inveja, Ganância e Ambição. De fato, Joaquim José acreditava num Mundo onde a Dor pode
ser aliviada e, no seu mister de dentista, eu vejo a Luz dançando como uma candeia, contra aquela
pequena sombra mesquinha de quem depressa se esquece de quem o aliviou. E vejo um Joaquim
José, tocando a montada para a frente, sem ressentimento nem mágoa, exatamente do mesmo modo
com que apressou os interrogatórios, salvando até ao fim quem ainda faltava por salvar, até salvar a
sua alma eternamente. Era uma alma salva antes, quando um anjo lhe segredou, num momento de
hesitação: “Não matarás”.
Joaquim José não era reconhecido como chefe. Mas foi-o. Tornou-se chefe no caminho do calvário.
Na batalha, o Alferes “feio e espantado” foi superior ao Coronel e, no terrível Juízo, foi maior que
o Desembargador. E todo o segredo, com estes marinheiros que se ataram ao mastro quando o
“monstrengo que está no fim do Mar, na noite de breu se ergueu a voar”, ficou por revelar. As centenas,
talvez milhares de Inconfidentes espalhados pelo Brasil de então, não foram reveladas. Era uma história
antiga, que nada tinha a ver com Portugal e Brasil, mas com a Inveja e o Amor ou com a Luz e as Trevas.
Quando imagino Joaquim José caminhando pelo seu pé para o cadafalso, agarrando o pequeno
crucifixo contra o peito, esse pequeno sinal dos cristãos que se desviou do humilde peixe primitivo ou do
cordeiro confiante sobre os ombros do pastor, posso imaginar o cruzamento entre o Alfa e o Ómega a
que nos agarramos no meio do Universo. E lembro-me do “Requiem” que Mozart compôs, agonizando:
“Maledictus, suspirate! Benedictus exultate!”. Os heróis não morreram para que morrêssemos como
eles, como se a Vida real, a vida de dentes sãos e cariados, juntos uns dos outros, fosse um filme de
Hollywood em que há sempre música de fundo nos momentos supremos. Os heróis morrem para que
nunca mais tenhamos que morrer como eles. Morreremos de outro modo, mas os Heróis não teriam
sentido se tivéssemos de beber o cálice que eles beberam por nós.
Fraternidade
Quando o ideal nobre do Reino Unido de Portugal e Brasil se levantou, havia um fantasma que não
tinha sossego. E ele continua sem sossego de cada vez que esse velho Processo chamado Inveja
continua aberto e que os vícios são chamados de Virtudes.
Esta noite, a Liberdade, que a Madrugada ainda não rompeu. A forma do Ideal, dormindo nas estrelas,
nas lágrimas de Freire de Andrada, dito “demente”, ou no engolir em seco de Tomás António Gonzaga e
na desolação de Marília, ainda não se completou. Mas um “Tiradentes”, algures, com as mãos agarradas
a um humilde crucifixo, barbado ou não, morreu por mim antes da manhã romper.
A Inconfidência está por fazer.
André Bandeira
Doutorado em Ciência Política pela
Universidade Nova de Lisboa; exerce atualmente as funçòes de
Cônsul de Portugal em MG.
O presente artigo exprime a visão pessoal do autor
18
A Bandeira
Em reunião na casa de Cláudio Manoel da Costa, Alvarenga Peixoto sugeriu o lema
Libertas quae sera tamen, verso retirado das Bucólicas do poeta latino Virgílio
A bandeira do Estado de Minas Gerais é uma homenagem aos
Inconfidentes mineiros de 1781-1789, reproduzindo aquela
que os revolucionários resolveram adotar como símbolo
do novo país independente a ser instaurado. A forma atual,
conforme as poucas provas existentes nos Autos de Devassa,
é coerente com o desenho proposto pelos Inconfidentes.
O que se pode afirmar é que Tiradentes criou a bandeira.
Ela deveria conter um tríplice triângulo ou três triângulos
concêntricos, o que se depreende das expressões “um
triângulo, significando as três pessoas da Santíssima
Trindade”, “três triângulos enlaçados”, “três bandeiras em
uma”, “três unidas em uma”.
Tiradentes apresentou a bandeira na reunião final realizada
em 26 de dezembro de 1788 na casa do Tenente Cel.
Francisco de Paula Freire de Andrada, comandante do
Regimento de Cavalaria; provavelmente, os triângulos
“enlaçados” estariam num fundo branco, como na bandeira
portuguesa. Também é possível supor que os espaços entre
os triângulos concêntricos estivessem preenchidos com as
cores do Iluminismo, também adotadas pelos revolucionários
franceses: vermelho (do sangue, igual em todos os homens)
no espaço externo, branco (da liberdade, sem manchas) no
intermediário e azul (do universo, fraternidade) no interno.
Alvarenga Peixoto sugeriu que a bandeira apresentasse um
índio quebrando algemas, mas foi contraposto ao fato de que,
sendo essa uma das bandeiras norte-americanas, seria uma
pobreza a imitação. No dia seguinte, em reunião na casa de
Cláudio Manoel da Costa, este sugeriu um dístico - Libertas
aquo Spiritus (Liberdade para o espírito) -, mas Alvarenga
preferiu Libertas quae sera tamen (Liberdade ainda que
tardia), um verso retirado das Bucólicas do poeta latino
Virgílio, e insistiu na idéia da bandeira com o índio agrilhoado.
Na presença de Tomás Antônio Gonzaga, que os liderava,
decidiu-se que a bandeira seria mesmo a de Tiradentes com
o lema sugerido por Alvarenga Peixoto, que todos acharam
“muito bonito”. A proposta do índio foi escolhida para ser o
símbolo das “armas” nacionais, com outro dístico, escrito por
Cláudio Manoel da Costa - Aut libertas aut nihil (Ou liberdade
ou nada).
Proclamada a República em 1889, a bandeira dos
Inconfidentes foi adotada como a flâmula do novo Estado,
num resgate histórico de grande significado político e moral.
Os Autos de Devassa só seriam publicados em 1938, não
se sabendo ao certo como era a bandeira concebida pelos
Inconfidentes; o modelo escolhido foi o de um triângulo verde
num fundo branco, simbolizando as matas do Estado e suas
riquezas agrícolas, formato que perdurou até o fim da década
de 1950, quando uma nova lei modificou a cor do triângulo
para vermelho.
Todavia...
Alguns autores, sendo o primeiro deles Afrânio Coutinho na
década de 1950, levantaram a tese de que Alvarenga Peixoto
teria cometido um erro ao propor o lema Libertas quae sera
tamen, eis que a frase “Liberdade ainda que tardia” em latim
é Libertas quae sera, estando em excesso a palavra tamen,
que significa “todavia”.
Alvarenga Peixoto – e Tomás Gonzaga, que o apoiou –, eram
dois grandes poetas e latinistas e dificilmente cometeriam um
deslize dessas proporções. Na verdade, deram uma grande
demonstração de conhecimento da poesia latina e de Virgílio.
Como disse Nelson Romero, quem não leu Virgílio sentindo-o
não pode entender a particularidade do seu estilo, os fatos da
vida ecoando na alma sensível e melancólica do poeta. As
Bucólicas sãos poemas épicos, feito para serem declamados;
os versos têm sonoridade, não podem ser lidos ao corrente,
mas apenas dentro da frase sonora completa e do seu
significado (Libertas, quae sera tamen respexit inertem).
Virgílio e seus contemporâneos jamais leriam a frase como
Libertas quae sera. Transcrever na bandeira a frase dessa
maneira seria uma ofensa ao talento poético de Virgílio e, aí
sim, uma demonstração de pouco conhecimento da poesia e
da obra do velho mestre romano.
Por fim, anote-se que tamen não significa apenas “todavia”.
Significa também “então”, “apesar de tudo” ou “não obstante
tudo em contrário”. Colocando-se essas palavras no lugar de
tamen é possível ver que Alvarenga e Gonzaga sabiam o que
estavam fazendo.
Márcio Jardim
Historiador e membro do
Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais
19
Pela piedade de sua
Majestade
A História do Doutor José de Oliveira Fagundes,
o homem que defendeu os Inconfidentes
A saga do Animoso Alferes e de seus companheiros de conjuração tem sido descrita, declamada,
representada e iconografada, sendo bastante ou razoavelmente conhecida de todos, da escola
primária ao curso superior. Mas pouco se tem falado do homem – Dr. José de Oliveira Fagundes
– que, enfrentando dura missão, encarregou-se da defesa dos 29 réus presos nas cadeias do Rio
de Janeiro e ainda da curatela dos três réus falecidos antes do início do julgamento.
José de Oliveira Fagundes nasceu no Rio de Janeiro, por volta de 1750, filho de João Ferreira
Lisboa e de Jerônima Inácia de Oliveira, mineira, marianense (José Crux). Em
1773, matriculou-se na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra,
onde se diplomou em 1778. Radicando-se em sua cidade natal, Oliveira
Fagundes passou a exercer a advocacia liberal nos auditórios da Capital do
Vice-Reino e a advocacia de partido da Santa Casa de Misericórdia.
A Alçada
No dia 25 de outubro de 1791, os Autos das Devassas realizadas em Vila Rica
e no Rio de Janeiro foram conclusos ao Desembargador Vasconcellos Coutinho,
Chanceler da Alçada Régia, especialmente constituída pela Rainha Louca para
sentenciar sumariamente, em Relação, os réus que se achassem culpa dos no
“horrível atentado” contra a Coroa. No dia 31 de outubro de 1791, a Alçada nomeou
para a defesa o Doutor José de Oliveira
Fagundes, advogado da Santa Casa,
situação equivalente à assistência judiciária moderna (João Camilo).
A Defesa
Na longa e caprichada peça, Oliveira Fagundes reconhece a culpa de alguns
réus, alega a inocência de outros, implorando pena suave para os primeiros e
absolvição para os últimos, e termina invocando para todos “a piedade
de Sua Majestade, a quem humildemente pedem perdão das suas
loucuras e insânia´. Com relação ao Alferes, Fagundes o qualificou
como loquaz, sem bens e sem importância na Capitania. Tais
palavras, usadas como artifício de defesa, têm sido interpretadas
erroneamente por alguns historiadores, que logo se arvoram em
acusadores do advogado. Não compreendem eles que Tiradentes
havia orgulhosamente confessado o crime, puxando para si
grande parte da responsabilidade do malfadado levante.
Restava, portanto, a Fagundes apelar habilmente para a
insanidade do réu, para a sua suposta falta de importância no
panorama político e social de então. Era a única saída, ou
melhor, a única tentativa de saída.
A Sentença
Às duas horas da madrugada do dia 19 de abril de 1792, na
presença dos Acusados, reunidos na Sala do Oratório da Cadeia
Pública (Paço dos Vice-Reis), no Rio de Janeiro, tragicamente decorada
com panos pretos, cruzes de prata e tocheiros funerários, a terrível sentença da
Alçada Régia, ali também reunida sob a presidência do próprio Vice-Rei, foi lida
pausadamente pelo escrivão nomeado para o Tribunal Especial. Pouco a pouco,
a angústia dos réus foi-se transformando no desespero dos condenados. Ali
estava o desfecho trágico da Inconfidência: onze réus condenados à morte por
enforcamento; cinco a degredo perpétuo em África; dois a exílio por dez anos; um
a dez anos de galés; um a açoite seguido de degredo; os cinco padres exilados para Lisboa;
um teve a memória difamada (Cláudio Manuel); e cinco absolvidos.
O Recurso
Terminadas a leitura e a intimação da sentença, o combativo advogado, não se conformando
com as poucas absolvições que obtivera e com o rigor das penas impostas, imediatamente
pediu vista dos autos para recorrer. Concederam-lhe 24 horas e, em menos que isso, José
de Oliveira Fagundes produziu os notáveis Embargos dos condenados à morte, pondo em
relevo a confissão dos réus que até o Tribunal do Santo Ofício considerava como atenuante
da pena máxima. E pediu a transformação do enforcamento em cárcere perpétuo para todos,
inclusive para Tiradentes, com argumentos lógicos e inteligentes, desta natureza. Conclusos
os autos com o recurso, foi este desprezado pela Alçada por sua matéria, e determinado
ficou o cumprimento da sentença embargada. Nesse meio tempo, o diligente advogado havia
entrado com um pedido de vista e, na meia hora que lhe deram, redigira Segundos Embargos,
em oito itens, por via de restituição de presos e miseráveis (o derradeiro apelo).
A Carta Régia
A Carta Régia, que comutou a pena dos sentenciados à morte em degredo perpétuo, fora
escrita, com antecedência, para ser usada em caso de condenação. E assim foi feito. Somente
o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, por ser o único que na forma da dita carta se fez
indigno da Real Piedade, não escapou da pena máxima. É preciso ressaltar aqui o trabalho
do advogado Fagundes, pois é certo que suas alegações e seus esforços influíram na Corte
Julgadora que, nos termos da Carta, podia usar o abrandamento da pena para aqueles (no
plural) cujos crimes não fossem revestidos de tais e tão agravantes circunstâncias; da mesma
forma, a pena de morte deveria ser mantida e executada para aqueles (no plural também)
que com discursos, práticas e declarações sediciosas, procurassem introduzir no ânimo de
quem os ouvia o veneno de sua perfídia. O que se vê daí é que a Alçada teve grande arbítrio
para usar da graça concedida pela Rainha. E é claro que seus membros o fizeram com base
nas provas dos autos e (por que não?) nas alegações de defesa apresentadas pelo bravo
Fagundes. Novo acórdão foi lavrado conforme os termos da Carta Régia e, no dia seguinte,
21 de abril de 1792, às onze horas e vinte minutos, após a recitação do Credo, Tiradentes
recebia o empurrão fatal que lançou seu corpo para fora do patamar da forca.
Mas a terrível cena que se abateu sobre o Rio de Janeiro não causou desânimo ao advogado
Fagundes. Pelo contrário: ei-lo, incansável, a 2 de maio de 1792, entrando com um longo
recurso em favor dos degredados, conseguindo reduzir várias penas de degredo e mudar
locais de cumprimento do exílio.
Por tudo isso
Vê-se que o Doutor José de Oliveira Fagundes, brasileiro, advogado, exerceu com habilidade,
inteligência, propriedade, ética e honestidade o difícil mandato que lhe fora outorgado pela
Alçada Régia, merecendo, pois, um lugar de destaque na grande epopeia da Inconfidência
Mineira.
Ricardo A. Malheiros Fiuza
Professor, membro do IHG-MG e
da Academia Mineira de Letras
21
Eclesiásticos
A Revolta dos
Entre a religião, o castigo e a loucura
“
No julgamento dos Inconfidentes, algumas linhas ficaram apagadas por mais de um
século e meio. O destino de Tiradentes é o mais famoso: forca e esquartejamento. O da
maioria de seus companheiros também era público: o degredo. Mas, a história de cinco
deles foi um dos maiores enigmas do movimento até a metade do século XX: o que teria
sido feito do Cônego Luis Vieira da Silva e dos padres José da Silva de Oliveira Rolim,
Carlos Correia de Toledo e Melo, José Lopes de Oliveira e Manuel Rodrigues da Costa?
Muitos
supunham,
acertadamente,
que a sentença
fora tornada
secreta. Outros,
que eles foram
julgados
em tribunal
eclesiástico
Muitos supunham, acertadamente, que a sentença fora secreta. Outros, que eles foram
julgados em tribunal eclesiástico. O historiador Lúcio José dos Santos dissera: “os
acórdãos relativos aos sacerdotes implicados na Inconfidência permaneceram sempre
secretos. Ao que se sabe pelo primeiro acórdão, foram todos condenados à morte”.
Com o passar dos anos, descobriu-se que dois meses após a morte do alferes, eles
embarcaram para Lisboa, onde ficaram presos quatro anos na fortaleza de São Julião
da Barba. Soube-se, posteriormente, que José Lopes de Oliveira morreu na fortaleza
de São João. Em O Processo dos Eclesiásticos da Inconfidência Mineira – Sentença
Conhecida (Centro de Estudos Bahianos, 1951), Alberto Silva faz uma notável síntese
do tema, desde as dúvidas dos pesquisadores até o desfecho do caso, trazido à luz por
portugueses.
O início dessa mudança deveu-se a Antônio Anselmo, conservador da Biblioteca Nacional
de Lisboa. Em um dos anais da instituição, ele conta que Filipe de Vilhena detinha posse
de considerável coleção de livros, herdada dos “antigos Condes das Galvêas no seu
palácio de Campo Pequeno”. Ao citar temas da biblioteca particular, ele menciona os
autos contra os Eclesiásticos da Inconfidência, não se debruçando sobre a questão.
Cerca de trinta anos depois, o português Ernesto Ennes buscou os documentos,
atentando-se à conexão entre Filipe Vilhena e a suposta ordem para que a sentença
fosse secreta. É provável que ela tenha sido enviada pelo ministro e secretário de
Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar de então, Martinho de Melo e Castro, filho
de D. Francisco de Melo e Castro, por sua vez, filho do 4º Conde das Galvêas. Assim,
Ennes chega a Teresa de Melo e Castro, viúva de Filipe Vilhena. Com permissão dela, o
português traz à tona o grande segredo que ainda rondava os Inconfidentes.
Nos Autos, ficam condenados à forca “por crime de lesa majestade de primeira cabeça”,
além de terem seus bens confiscados, José da Silva de Oliveira Rolim, Carlos Correia
de Toledo e Melo e José Lopes de Oliveira. Os dois primeiros, considerados chefes
da Conjuração. José Lopes de Oliveira, por ter participado. Já o Cônego Luis Vieira
da Silva e o padre Manuel Rodrigues da Costa, que, segundo os Autos, sabiam sobre
o movimento, mas não o denunciaram, foram condenados ao degredo. O Cônego
devia perder todos os seus bens e Manuel Rodrigues a metade. Se retornassem ao
Brasil, também iriam à forca. Estudos mais recentes discordam da referida atuação dos
religiosos na Inconfidência.
Entretanto, por intervenção da rainha portuguesa, a pena capital dos três eclesiásticos
foi convertida também em degredo. Como se vê, a alcunha de louca de Dona Maria I
perdurou, mas foi sua fervorosa fé que preservou a vida de três dos nossos heróis.
Fernando Junqueira
Editor da Memória Cult
22
Um Novo Olhar Sobre
Tomás Gonzaga
Induvidoso que Tomás Antônio Gonzaga foi uma das personalidades marcantes
do movimento libertário da Inconfidência Mineira, tendo participação significativa
em sua idealização. Muito embora a história que aprendemos revela e enaltece
como um grande poeta árcade era ele na verdade magistrado de carreira
que compunha a classe denominada “burocracia togada”. No período colonial
os magistrados exerciam papel fundamental no sistema do governo eis que
personificavam e enfeixavam a autoridade do rei que por vez se apoiava na
competência e lealdade destes para obter, manter e consolidar essa autoridade.
23
Tomás Antônio Gonzaga nasceu na cidade de Porto, Portugal, em
11 de agosto de 1744, filho do brasileiro João Bernardo Gonzaga
e da portuguesa Tomásia Isabel Clark. Órfão de mãe no primeiro
ano de vida, mudou-se com a família em 1751 para a Colônia
do Brasil, passando alguns anos de sua infância nas capitanias
de Pernambuco e da Bahia onde o pai servia na magistratura
inicialmente como Ouvidor-Geral e depois como Desembargador
da Relação.
Já moço, Gonzaga retornou a Portugal a fim de completar os
estudos, matriculando-se em 1761 na Universidade de Coimbra e
na qual concluiu o curso de leis em 1768, aos 24 anos. Exerceu
Gonzaga alguns cargos jurídicos e a advocacia na cidade do
Porto. Candidatou-se a uma cadeira na Universidade de Coimbra,
apresentando a tese intitulada "Tratado de Direito Natural", que
espelhava seu pensamento jurídico-filosófico ofertando-a ao
Marquês de Pombal por volta de 1770, considerando a oposição
que este fazia às cadeiras na faculdade de leis da Universidade de
Coimbra.
O Magistrado
Com pouco talento à cátedra, Gonzaga resolveu seguir a carreira
do pai, habilitando-se à magistratura, sendo nomeado em 1779
Juiz de Fora da comarca de Beja, sudeste de Portugal. Em 1782,
é promovido a ouvidor na comarca de Vila Rica na Capitania das
Minas Gerais, a mais rica de toda a colônia do Brasil.
O Ouvidor – cargo judicial instituído em 1534 –, também designado
de ouvidor de comarca ou da capitania, era nomeado pelo rei e
figurava como a mais alta autoridade judiciária da capitania. Exercia
função judicial sobre o crime e civil e, ainda, a função administrativa
atribuída ao corregedor dirigindo, também a polícia. Tinha
competência recursal das decisões do juiz ordinário e juiz de fora.
Tinha competência originária de conhecer causas por ação nova de
questões surgidas até dez léguas ao redor de onde servisse.
Gonzaga, como segunda autoridade da capitania por questões
várias, conflitou com o autoritário Governador Capitão-General Luís
da Cunha Menezes até ser este sucedido por Luís Antônio Furtado de
Castro, o Visconde de Barbacena, com o qual manteve um respeitoso
relacionamento profissional. Em 1786, Gonzaga é promovido ao
cargo de Desembargador do Tribunal da Relação da Bahia, mas a
pedido, teve a posse adiada na expectativa de contrair matrimônio.
24
O Poeta
Em Vila Rica, Gonzaga muito se dedicou à literatura nas horas vagas,
adotando o nome arcádico de “Dirceu”. Escreveu significativos
poemas líricos do arcadismo luso-brasileiro com temas pastoris e
de galanteios. Nesta mesma época, Tomás Gonzaga, aos 40 anos,
apaixonou-se perdidamente por Maria Dorotéia Joaquina de Seixas
Brandão, formosa e culta jovem de 18 anos e a quem dedicava
poesias do mais requintado sabor clássico, atribuindo-lhe o nome
arcádico de “Marília”.
Maria Dorotéia era de uma das principais e ricas famílias de Vila
Rica, que, inclusive, se opunha ao romance por ser Gonzaga mais
velho, e embora autoridade de prestigio, pessoa culta e requintada,
tinha pouca fortuna para os padrões da época.
O Inconfidente
Juntamente com outras personalidades de classe e posição social
elevadas (proprietários rurais, intelectuais, juristas, clérigos e
militares), como Cláudio Manuel da Costa, Inácio José de Alvarenga
Peixoto, Freire de Andrade, José Alvares Maciel; Padres Toledo e
Rolim; e Joaquim José da Silva Xavier, influenciados pelo Iluminismo
europeu e pela soberania da América do Norte, articulavam um
movimento pró independência das Minas Gerais na aspiração de
uma pátria livre.
Em maio de 1789 malogrado o movimento libertário, Gonzaga,
acusado de conjuração, é preso e encaminhado para o Rio de
Janeiro, onde permaneceu por três anos, até ultimar o processo da
devassa em 17 de abril de 1792, sendo condenado juntamente com
mais outros conjurados.
Gonzaga recebeu a pena de degredo perpetuo que acabou comutada
em degredo temporário de 10 anos para a colônia africana de
Moçambique. No desterro, retomou sua vida, exercendo os cargos
de Procurador da Coroa e Fazenda, cumulando com o exercício da
advocacia, que lhe redeu bons proventos eis que era praticamente
o único advogado habilitado em Moçambique. Nupciou com Juliana
de Souza Mascarenhas, de 18 anos, jovem de poucas letras, mas
de muita fortuna, com a qual teve dois filhos. Gonzaga foi mais
tarde nomeado Juiz da Alfândega, cargo que exerceu até o seu
falecimento, aos 65 anos, no início de 1810.
25
Quanto a Maria Dorotéia Joaquina de Seixas Brandão, a “Marília”,
seu destino não foi outro senão permanecer solteira e suportar
por toda sua vida o fiel amor infeliz em meio às mais dolorosas
recordações, falecendo em 1853, aos 86 anos.
Memória
Em 1942, por reivindicação do governo brasileiro, atendendo apelo
do historiador Augusto de Lima Junior, os restos mortais de Tomás
Gonzaga e de outros Inconfidentes foram transladados da África
e da Europa para o Brasil. Hoje, encontram-se depositados no
“Panteão dos Heróis da Inconfidência Mineira”, integrante do Museu
da Inconfidência, em Ouro Preto, onde estão a evocar glórias
passadas de nossa historia política, recebendo o mais alto culto
cívico nacional.
Tomás Gonzaga é considerado um dos grandes poetas do
arcadismo brasileiro, e seus versos, fugindo à tendência da época,
são marcados por expressão própria, pela harmonização dos
elementos racionais e afetivos e por um toque de sensualidade
pouco pronunciado, praticamente ausente em outros autores
árcades. As principais obras literárias legadas foram: “Marília de
Dirceu” (coleção de poesias líricas, publicadas em três partes,
em 1792, 1799 e 1812 – hoje sabe-se que a terceira parte não foi
escrita pelo poeta), que perde em numero de edições só para “Os
Lusíadas” de Camões. “Cartas Chilenas” (impressas em conjunto
em 1863), poema que satiriza em forma de epístolas os atos do
governador da Capitania Minas Gerais. A única obra jurídica
“Tratado de Direito Natural ” divida em três partes, em cuja última
estão as formulações do direito natural dando origem ao debate
teórico acerca da constituição dos direitos humanos, é de grande
interesse, até hoje, para historiadores e estudiosos da Filosofia e
do Direito.
Na foto, à direita, a Casa dos Contos, então residência e “casa de contratos” de João
Rodrigues de Macedo e, após o Horto Botânico do Padre Veloso, a residência do
também contratador José Pereira Marques, o Marquésio das Cartas Chilenas. Ambos
contratadores citados como “grossos rendeiros”, sem dúvida o foram pelo volume de
negócios que administraram. Macedo teria sido o cérebro financeiro da Inconfidência,
mas escapara incólume da Devassa.
26
Tomás Antônio Gonzaga, por sua valorosa contribuição à literatura
portuguesa e à cultura nacional, foi imortalizado como patrono da
cadeira de n° 37 da Academia Brasileira de Letras; e patrono da
cadeira n° 34 da Academia Mineira de Letras.
Bicentenário
No ano de 2010, por ocasião das comemorações oficiais do
bicentenário da morte de Tomás Gonzaga, a Associação dos
Magistrados Mineiros (Amagis), comprometida com a preservação do
patrimônio cultural, rendeu justa homenagem ao poeta Inconfidente,
resgatando e difundindo sua memoria como magistrado.
Fisionomia
Afinal, como deveria ser a fisionomia de
Gonzaga?
Embora certamente tenham
existido pinturas expressivas da figura física
de Gonzaga, estas não ficaram perpetuadas
para mostrar a sua real imagem. Ao longo dos
anos, imagens supositícias foram criadas,
sempre tiradas e levemente alteradas de
um retrato a óleo ideado em 1843 por João
Maximiano Mafra (1823-1908), que vêm
ilustrando os livros, principalmente didáticos.
O livro “Como era Gonzaga” (Eduardo Frieiro, 1950) procurou
satisfazer os curiosos estudando e esquadriando a figura física
do Inconfidente. Baseado nesse estudo histórico, a Amagis, numa
inciativa inédita, encomendou a um artista plástico a iconografia
de Gonzaga, que revelasse sua qualidade principal de magistrado.
O pintor, com todo seu talento, recriou com riqueza de detalhes a
imagem física de Gonzaga aos 40 anos, nas lidas de seu cargo no
gabinete de trabalho, examinado e decidindo um processo.
Marcos Henrique Caldeira Brant
Juiz de Direito e
Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais
27
Casa de Gonzaga em Ouro Preto
Um poeta no exílio
Em Moçambique, os últimos anos do “Dirceu de Marília”
Denunciada a conjuração em Minas Gerais, o poeta Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810), ex-ouvidor em Vila Rica, foi
detido, encaminhado ao Rio de Janeiro e recolhido à fortaleza da ilha das Cobras, no dia 6 de junho de 1789. Escreveu
liras, rompeu o noivado com Maria Dorotéia e compareceu a vários interrogatórios, sempre se mantendo “numa tenaz
negativa”. Da prisão, pediu a um amigo que levasse para Lisboa os originais de Marília de Dirceu, que sairia à luz pela
Tipografia Nunesiana, quando ele já estava em seu exílio na ilha de Moçambique havia três meses.
Pouco tempo depois de desembarcar da nau Nossa Senhora da Conceição e Princesa de Portugal, a 31 de julho de
1792, para cumprir pena de degredo por dez anos, Gonzaga foi nomeado promotor de defuntos e ausentes pelo ouvidor
Francisco Antônio Tavares de Siqueira. Ao contrário do que afirmou o professor M. Rodrigues Lapa, em seu prefácio
para “Obras Completas de Tomás Antônio Gonzaga” (São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1942), o poeta não casou
com “a herdeira da casa mais opulenta de Moçambique em negócio de escravatura” nem consagrou “as horas vagas ao
rendoso comércio de escravos”. Muito menos ajudou o sogro a aumentar sua fortuna. Até porque nem teve tempo para
isso. O escrivão Alexandre Roberto Mascarenhas, seu subordinado, morreu aos 42 anos, em 1793, no mesmo ano do
casamento de Gonzaga com sua filha, Juliana de Sousa Mascarenhas, jovem analfabeta de 19 anos.
Mascarenhas nunca se envolveu no comércio negreiro. Era proprietário de uma casa na Rua do Largo da Saúde, onde
Gonzaga passou a morar com a mulher, e de uma machamba (plantação de mandioca) no continente fronteiro, que
obtivera pelo casamento com Ana Maria de Sousa. O casamento representou um desafogo nas finanças do degredado,
mas não foi suficiente para torná-lo um potentado. Ana Maria, a sogra, com a morte do marido, transferiu para o casal a
morada da Rua do Largo da Saúde e passou a morar sozinha na machamba, nas Terras Firmes. Com a concordância de
sua mãe, Juliana França de Sousa, doou ao casal um palmar com suas casas contíguo a sua propriedade.
A vida nunca esteve mal para Gonzaga. Tanto que, com menos de 25 dias de chegado à terra, pode comprar um escravo
ladino por 20 mil-réis. Uma das raras pessoas cultas naquele povoado, o ex-ouvidor não encontraria dificuldades. Como
advogado, trabalhou para traficantes negreiros e, mais tarde, ao final da vida, como juiz interino da alfândega, seria
acusado pelo governo de Lisboa de ter favorecido os interesses da elite negreira, em detrimento da Coroa.
Na África, comporia “A Conceição”, poema épico inspirado no naufrágio da nau Marialva, em 1802, às costas de
Moçambique, que hoje faz parte do acervo da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, ainda que incompleto.
Com Juliana, teve dois filhos: Ana e Alexandre Mascarenhas Gonzaga. Alexandre, nascido em 1809, morreu solteiro.
Ana casou, em segundas núpcias, com Adolfo João Pinto de Magalhães, que foi um dos maiores traficantes negreiros de
Moçambique. Gonzaga foi sepultado na igreja do convento de São Domingos dedicada a Nossa Senhora do Rosário, na
ilha.
Em 1852, esse templo foi demolido por estarem suas paredes comprometidas e os ossos do poeta teriam se perdido.
Não há indícios de que tenham sido trasladados para outra igreja. Os ossos que vieram para Ouro Preto em 1936 são de
Tomás Antônio Gonzaga de Magalhães (1829-1855), neto do poeta, que estava enterrado na igreja da Cabaceira Grande,
no distrito de Mossuril, em frente à ilha. A inscrição que prova isso está lá até hoje na parede da capela-mor.
Adelto Gonçalves,
Doutor em Literatura Portuguesa, autor do livro
Gonzaga, um Poeta do Iluminismo
Lápide referida no texto
A arcádia do Rio das Mortes
Instituição foi centro de discussão das idéias iluministas entre
intelectuais da região
A primeira revelação vem da afirmação do Dr. Emílio
Joaquim da Silva Maia: “Antes de hirmos á diante, não
devemos passar em silencio huma Sociedade instituída
em Minas, alguns annos antes da creação da Sociedade
Fluminense de que acabamos de fallar [ele se referia à
Sociedade Literária do Rio de Janeiro]. Esta associação
litteraria composta de poucos individuos, tinha o nome de
Arcádia do Rio das Mortes, por achar-se estabelecida em
hum lugar perto deste rio, e julgase que ella existiu pelo anno
pouco mais ou menos de 1760.
Foram seus instituidores: 1º) José
Basílio da Gama, author do poema
Uraguay e do Elogio sobre o Tejo,
que foi premiado pela Arcádia de
Roma; 2º) Manoel Ignácio da Silva
Alvarenga, nome também celebre
na litteratura brasileira, e de quem
nos restam excellentes poesias;
3º) o celebre Bernardo, paulista,
que tinha sido educado em São
João del Rey, muito conhecido
pelas suas poesias, porem quase
todas ficaram manuscriptas e
se acham em algumas mãos e
em algumas Bibliothecas. Essa
A existência de algumas destas
Arcádia durou mui pouco tempo
instituições foram até colocadas
Placa da Fazenda do Pombal reverencia Tiradentes como então acontecia a todas as
em dúvida, como aconteceu com a
Foto: Fábio Rosa sociedades litterarias do Brasil, e
da Arcádia Ultramarina e da Escola
della não teríamos noticia alguma,
Mineira, das quais a Arcádia do Rio
se sua existência não fosse transmitida por alguns Mineiros
das Mortes seria uma ramificação dependente. Joaquim
contemporaneos. Em nota que acompanha o texto Dr. Emílio
Norberto de Souza e Silva foi um dos críticos que mais
aponta o nome do informante: ‘nós viemos ao conhecimento
duvidou da existência delas, mas, segundo a argumentação
dessa Sociedade por noticia que nos deo o Sr. Senador
de Martins de Oliveira, o ceticismo dele não é digno de crédito,
João Evangelista de Faria Lobato’.”. (In: Discurso sobre
pois se valeu da “sua história perenemente romanceada” e
as sociedades científicas e de beneficência que têm sido
“não se conduziu com a argúcia de historiador” ao contestar
estabelecidas na América, recitado na Sociedade Literário
a existência dessas sociedades literárias. Martins de
do Rio de Janeiro. Tipografia Imparcial de Brito de 1836, In
Oliveira, após evidenciar os equívocos históricos levados a
4).
efeito por Joaquim Norberto, direcionou o texto no sentido
de provar a existência de uma academia que existira às
O segundo testemunho é do cônego Januário da Cunha
margens do Rio das Mortes. Assim, na segunda parte dos
Barbosa, que registrou a existência de “uma arcádia, que
seus escritos, propôs-se a responder a seguinte pergunta:
se ramificou em Minas Gerais, e da qual nos restam ainda
Existiu a “Arcádia do Rio das Mortes”? Para fundamentar a
excelentes poesias. Esta associação foi logo acrescentada
sua resposta, ele apresentou quatro testemunhos.
“Arcádia do Rio das Mortes” é um texto de Cândido Martins
de Oliveira (1896-1975), publicado numa separata da
Revista do IHG de Minas Gerais, ano de 1960. Martins
de Oliveira afirma que durante o tempo do Brasil Colônia,
a atividade intelectual era “asfixiada ao extremo das
vexações inimagináveis. Tudo passava pelo rol de crime,
e a repressão começava invariavelmente pela masmorra e
culminava, ou no exílio, ou no patíbulo. (...) Em verdade,
a iniciativa da fundação de grêmios
ou colégios de cultura não vinha,
nunca, dos representantes da
Metrópole”. Cita como exemplos
os fatídicos destinos da “Academia
Brasílica dos Esquecidos”, de
1724; da “Sociedade Literária”, de
1786; da “Academia dos Felizes”,
de 1736/1740; da “Academia dos
Seletos”, de 1751; da “Academia
Brasílica dos Renascidos”, de
1759, e da “Academia Científica
do Rio de Janeiro”, de 1771. Todas
estas sociedades foram reprimidas
e tiveram desenlaces tristes ou
trágicos.
29
de outros ramos de Filologia, que a tornaram útil e de
honra à nossa pátria. Cláudio Manoel da Costa, pelos seus
poemas que se podem ler no Parnaso Brasileiro, dá prova
dessa organização de árcades, que por algum tempo
abrilhantaram a comarca do Rio das Mortes” (In: Revista do
IHGB, vol. II, p.338). A terceira argumentação é do general
José Inácio de Abreu Lima, filho do célebre “Padre Roma”
(um dos revoltosos pernambucanos de 1817): “neste ano
[um pouco mais ou menos de 1760] supõe-se que tivera
origem uma Sociedade Literária na Província de Minas
Gerais com a denominação de Arcádia do Rio das Mortes.
De seus instituidores apenas resta a memória de poucos,
entre eles José Basílio da Gama, autor do poema Uraguai,
Manoel da Silva Alvarenga, e o célebre Paulista Bernardo,
cujas poesias foram tão apreciadas no seu tempo. Esta
Sociedade durou pouco tempo como todas no Brasil,
debaixo do jugo de ferro dos portuguêses”. (In: Synopsis ou
Dedução Cronológica, pág. 232, Impresso em Pernambuco
em 1845 - Tipografia de M. F. de Faria - Biblioteca Nacional
- Obras raras). O último testemunho é o do senador João
Evangelista de Faria Lobato, amigo de Cláudio Manuel da
Costa, Alvarenga Peixoto e Silva Alvarenga, além de ter
sido “tesoureiro pagador da tropa, no início de sua carreira,
ao tempo do Visconde de Barbacena”: “nós viemos ao
conhecimento dessa Sociedade por notícia que nos deo o
Sr. Senador João Evangelista de Faria Lobato”. Segundo
o autor, o valor deste depoimento é reforçado pelo fato de
ter sido ele [o Lobato] Ouvidor de São João del-Rei, de
1820 a 1821. Martins de Oliveira atestou que “não passaria
pela cabeça de ninguém fosse o Desembargador Faria
Lobato fabricar ou forjar a existência de uma Arcádia para
o simples prazer de mentir aos homens de seu tempo”.
A respeito do lugar da Arcádia do Rio das Mortes, assim
concluiu Martins de Oliveira: tinha o nome de Arcádia do Rio
das Mortes “por se achar estabelecida em lugar perto dêste
rio. Na época, dois eram os lugares conhecidos na vasta
região banhada pelo Rio das Mortes: São João del-Rei e
São José del-Rei. Outras povoações, certo, existiam, mas
sem a projeção dos dois sítios. Ligeira consulta a mapas
antigos deixa claro que o lugar é São João Del-Rei. (...)
Dotada de intensa vida já em 1778, era ponto obrigatório
para os que vinham de Taubaté. Ostentando numerosos
templos religiosos (...) seria a capital do distrito, designação
exata para centro de região enorme, enormíssima, cujas
divisas se faziam com Goiás e São Paulo e, a Leste, com
a Comarca de Mariana e, ao norte, com a Comarca de Vila
Rica. Centro que congregava as pessoas mais ilustres
do seu tempo, depois de Vila Rica, (...) núcleo intelectual
de primeira grandeza, em relação às possibilidades do
meio. (...) Nunca é demais lembrar que foi uma das quatro
antigas ‘verdadeiras cúrias episcopais’...”. Martins de
Oliveira concluiu que: “A existência da Arcádia do Rio das
Mortes não pode ser posta em dúvida, sob pena de se
desmentirem os homens, uns aos outros, na fria análise
dos fatos. Floresceu em 1778 e durou o tempo em que
o seu instituidor Manoel Inácio da Silva Alvarenga morou
em São João del-Rei (1782). Nela figuraram, além de seu
instituidor, Bernardo da Silva Ferrão, Pe. Antônio Caetano
Vilas Boas da Gama, Dr.Inácio José de Alvarenga Peixoto,
Pe. Matias Alves de Oliveira, João de Araújo e Oliveira, e
outros de difícil identificação”.
Ante estas evidências, não é de se estranhar que São
João del-Rei tivesse sido a sede da Arcádia do Rio das
Mortes: a localidade foi um centro de discussão das idéias
iluministas entre os vanguardistas revolucionários aqui
radicados, os quais, depois, a exemplo do são-joanense
Joaquim José da Silva Xavier, amadureceram o ideário da
nossa independência.
José Antônio de Ávila Sacramento
Historiador
Membro do Instituto Histórico e Geográfico de São João del Rei
Nota do Editor: Ruínas da Fazenda
do Pombal, local para onde há projeto
de
instalação
de
grande
Centro
Cultural. Em 2008, no dia 20 de abril,
na Casa dos Contos de Ouro Preto, em
solenidade presidida pelo então vicegovernador Antonio Anastasia, quando
da abertura do ano da França no Brasil,
Foto: Arquivo do Autor
30
foi lançado o “Manifesto da Fazenda do
Pombal” visando a criação do referido
centro cultural.
Cláudio Manoel da Cost
a
ea
Casa dos Contos
Seria ele o verdadeiro protomártir da
Inconfidência Mineira?
Morto ou matado foi, sob os umbrais de sua cela nobre na Casa dos Contos de Ouro Preto –
originalmente residência que nas “Cartas Chilenas” de Gonzaga, dito Critilo, o autor, é citada em
referência a seu construtor (...”no meio desta terra há uma ponte, em cujos extremos se levantam, de
dois grossos rendeiros as moradas”...) e que simboliza as origens fazendárias em Minas e no Brasil,
agora transformada em moderno repositório de nossa primitiva história econômico-fiscal do século
XVIII, Museu e galeria de arte – Cláudio, o jurista, o ex-secretário de governo da capitania das Minas,
o eterno apaixonado por sua Eufrásia, um dos detentos nobres da Devassa, então enfraquecido e
doente legou para a história a dúvida do final de sua trajetória.
Morto ou matado? Eliminando-se abatido pela fraqueza física, pela tuberculose ou pela fraqueza
espiritual e moral pela humilhação, ou matado, até, conjectura-se que - além da possibilidade da
autoritária repressão - por mando do contratador João Rodrigues de Macedo, este o sonhador e
genial edificador da monumental construção, já na decadência do Ciclo do Ouro, que lograria séculos,
até os dias atuais, na permanência como o maior exemplo da arquitetura barroca nacional, palco da
morte ilustre a lustrar e ilustrar-lhe a história subseqüente da discutida forma e do confuso local exato
de sua tragédia pessoal.
A prisão de Cládio Manoel - Haydéa da Veiga Oliveira - reprodução
31
Casa onde residia o Inconfidente Cláudio Manoel da Costa, em Ouro Preto
Debaixo da escadaria? Afirmavam autores de antanho acerca do local destoante de
prisão nobre, mas condizente com indicações dos Autos da Devassa da Inconfidência
Mineira... Alí se dizia acerca do acesso à cela do Dr. Cláudio, que este se fazia por baixo
da escadaria da casa de Macedo, que a esta altura já alugara seu casarão para, também,
e além de celas de prisão, os chamados “segredos”, o aquartelar das tropas do vice-rei
mandadas para abafar o levante.
Tempos depois, e não por acaso no início da república, a conspirar a favor desta noviça
ditos e repetidos excessos da monarquia, visto, revisto e conferido o local, tudo indicava o
desvão sob a monumental escada como o local da prisão, sem que se apercebessem todos
das armadilhas construtivas.
Ledo engano! Descoberta na restauração, a porta que acessava a cela, abrimo-la na obra
singular e exemplar de restauro (palavras do Iphan) de 1983/4. Eis aí que surge a solução
para a dúvida: o acesso à cela fora, há tempos idos, fechado com duas paredes a esconder
tal porta; esta emparedada e agora exposta enganou gerações de pesquisadores não
treinados para a simultânea pesquisa arquitetônica que dá sentido e simetria construtiva ao
prédio como tivemos oportunidade de empreender naquela restauração completa.
O trabalho, certamente pouco divulgado de
Jarbas Sertório de Carvalho, “O Homicídio do
Desembargador Cláudio Manoel da Costa”, de
1954, no qual o autor, em suas conclusões, indica
o intelectual “Glauceste Satúrnio”, pseudônimo
do Claudio, membro da Academia dos árcades
de Roma, companheiro nas letras de Alvarenga,
o “Alceu”, e de Gonzaga, o “Dirceu”, como o
protomártir da Inconfidência Mineira.
Exame grafológico comparando a
assinatura encontrada nos Autos com
assinaturas encontradas no arquivo da
Casa dos Contos
32
Com alguns desenhos, o trabalho descreve a cena
fatídica juntada a laudos técnicos de abalizados
especialistas, encampando definitivamente a
tese do assassinato (...”Como poderia ter agido
a gravidade, em caso de enforcamento como o
indicado, por mínima ação que tivesse, se o braço
direito do cadáver estava fazendo força na tábua
onde justamente estava passada e amarrada a
liga de cadarço?”... ) em questionamento ao laudo
oficial, citando, ainda outro encomendado pelo
benemérito da Casa dos Contos, José Afonso
Mendonça de Azevedo – que por sinal salvou,
em lance de pesquisa e sorte, o histórico acervo
documental, fundamental para o conhecimento do
Vão sob a escadaria monumental e à esquerda porta de acessoa à cela de Cláudio Manoel da Costa que ficou emparedada por décadas e
reaberta na restauração de 1993/4 - Foto: Neno Vianna
avanços econômicos de nosso país – demonstrando ser
apócrifa a assinatura de Cláudio no depoimento nos Autos
da Devassa quando comparada com outras assinaturas do
mesmo em documentos do “Arquivo da Casa dos Contos”.
A edificação guarda um dos mais estreitos laços com a
Inconfidência Mineira, quer seja pela trágica morte, quer
seja, ainda, por João Rodrigues de Macedo, seu proprietário
e possivel cérebro financeiro da Conjuração, quer seja pela
original arrecadação de tributos naquela residência e Casa
de Contratos, futuro palco da adiada derrama, pela Casa
da Moeda e Fundição ali depois instalada e pelas suas
posteriores ocupações e atualizados resgates documentais
que preservam e mantém as suas origens fiscalistas.
Tarquínio J. B. de
Oliveira,
nosso
mentor
intelectual,
sagaz e perspicaz
historiador,
dirigente
maior de empresas
multinacionais, que tudo
deixara para dedicarse ao sonho de viver
e conviver em Ouro
Preto simultaneamente
à rica - em ouro, nas
artes esplendorosas,
nas músicas e nas
esculturas fantásticas
do Aleijadinho - Vila
Rica que ele tão bem
misturava, entrelaçava
e separava.
Posição do cadáver de Cláudio Manoel
da Costa, segundo parecer do prof. Nilton
Sales, médico legista do DFSP
Ele autor do grandioso
projeto do Centro de
Estudos do Ciclo do
Ouro na Casa dos
Contos, romanticamente divagava sobre tal morte ao
mesmo tempo em que buscava sempre comprovar a
estreita ligação da Inconfidência Mineira com a Maçonaria,
além de difundir a história do século XVIII das Minas Gerais,
como na primorosa edição do Erário Régio.
Não fora suicídio, sequer assassinato, dizia ele,
enfaticamente, e sim acidente. Segundos antes de
consumar o ato contra si mesmo, Cláudio escorregara no
banco sobre o qual se apoiava para laçar o pescoço com
o cadarço e, escorregando, terminara seus dias de forma
acidental...
Prova disto seria o rasgado por prego no calção do pretenso
suicida em ângulo condizente com tal raciocínio. Tudo
descrito nos Autos da Devassa que Tarquínio comentara
em edição dos anos setenta. Ou do próprio matado com o
corpo girado! Ou do vingado ou calado pelo dito financiador
da Inconfidência Mineira, esta hipótese a contradizer o
espírito solidário de João Rodrigues de Macedo, protetor
da viúva de Alvarenga Peixoto, Bárbara, e de seus filhos,
um deles seu afilhado.
Vão se os homens; com eles parte da história e fica a
história com suas dúvidas! Jamais se poderá esclarecer
o que de fato ocorreu naquele “segredo” da Casa dos
Contos, ambos nomes oportunos e sugestivos; o primeiro
em sua mais pura acepção; o segundo, em variação de
seu significado original, no sabor de contar, contado está!
Cabem, de todos nós, conjecturas e divagações, em todos
os sentidos e vertentes. Do autor do poema Vila Rica,
registramos seu nome que hoje abriga local de exposições
de artes plásticas, algumas com concepções visionárias,
futuristas, pertinentes e indicadores de um país melhor.
Sonhos de Cláudio, o protomártir? E dos Inconfidentes...
Eugênio Ferraz
Diretor executivo da Memória Cult
33
Tiradentes
no sertão
Entre 1780 e 1781, quando comandou Quartel em Sete Lagoas, o alferes já
dava mostras de sua impetuosidade.
Em uma passagem, mandou construir um quartel sem autorização do
Governo. Em outra, escreveu diretamente à Rainha Dona Maria I, por
dificuldades em comprar milho para os cavalos de sua guarda.
A presença do Alferes de Cavalaria Joaquim José da Silva Xavier –
Tiradentes – no sertão, até agora, não havia sido objeto de estudo mais
aprofundado por parte dos historiadores que se detiveram na análise
das atividades do militar. As referências a esse fato são sucintas, com os
autores orbitando o mesmo núcleo informativo e não gastando mais do que
duas ou três linhas para seu registro: “Entre 1780 e 1781, Tiradentes foi o
comandante do Quartel de Sete Lagoas, porta de entrada do Vale Médio do
Rio São Francisco”. Esse “alheamento histórico” é justificável: se a figura
do Inconfidente eclipsa a do militar, quando no sertão, Tiradentes ainda não
se dedicava à militância que notabilizaria sua figura e culminaria no maior
movimento político-militar do Século XVIII – a Inconfidência Mineira.
Com a publicação do livro “Tiradentes em Sete Lagoas” (Editora Kosmos,
2010), fica provada não somente a presença do Alferes no comando do
Quartel do Sertão, mas, também, realça a importância econômica do
Registro de Sete Lagoas como entreposto para o abastecimento das áreas
de mineração da Capitania e centro de arrecadação de impostos devidos
à Coroa. A localização estratégica de Sete Lagoas, cortada pelas estradas
reais que ligavam aos “Currais da Bahia” e à zona de produção dos vales
dos rios São Francisco e Velhas, também justificou a instalação do Registro,
em 1762.
Valendo-me de documentos localizados na Biblioteca Nacional (Rio de
Janeiro), na Casa dos Contos (Ouro Preto) e no Arquivo Público Mineiro (Belo
Horizonte), além de informações pinçadas de vasta bibliografia existente
em importantes centros de cultura de Minas Gerais, como a biblioteca da
Fundação Amílcar Martins e a Biblioteca Estadual Luiz de Bessa, foi possível
fixar o recorte temporal em que o Alferes esteve no comando do Quartel de
Sete Lagoas: de 22 de abril de 1780 a 23 de junho de 1781.
Nesse período, Tiradentes manteve intensa troca de correspondência
com seu comandante no Regimento de Cavalaria, o General e também
Governador da Capitania Dom Rodrigo José de Menezes, e com o
contratador de direitos régios (arrematante dos impostos), João Rodrigues
de Macedo. Toda essa documentação, constituída por cerca de 50 cartas,
recibos e ordens de serviço, está enfeixada no livro, que traz em encarte
um mapa da região, levantado em 1777 por José Joaquim da Rocha.Quatro
O Alferes Joaqui José da Silva Xavier quando
no comando em Sete Lagoas
34
missões foram confiadas a Tiradentes quando no comando do Quartel do Sertão, sendo
a primeira delas de cunho eminentemente militar: a segurança interna e incolumidade
das fronteiras da Capitania.
A segunda, consistia em dar apoio militar à cobrança dos impostos, o que às vezes era
feito de maneira coercitiva (essa atividade da força policial-militar só viria a ser suspensa
a partir do Iluminismo), e a terceira, uma verdadeira obsessão da Metrópole, fielmente
atendida pelos Governadores: o sistemático combate ao contrabando do ouro e à
evasão fiscal. A quarta missão do Alferes seria a abertura de uma estrada que, partindo
de Sete Lagoas, ligasse a área central da Capitania a Paracatu – uma das Vilas do Ouro
– “desobrigando os viandantes de um contorno geográfico que ia quase às fronteiras de
São Paulo, no acesso aos Goiáses”.
Além de sua importância documental sobre a presença de Tiradentes em Sete Lagoas,
o livro revela fatos curiosos das atividades do Alferes e de seu comportamento funcional,
tido como “enérgico e voluntarioso”, que o levou, por exemplo, a mandar construir
um quartel sem autorização do Governo. Prova desse temperamento foi a carta que
escreveu, diretamente, à Rainha Dona Maria I, quando se viu em dificuldades para
comprar milho para o trato dos cavalos de sua guarda. Um ponto final, ainda, na questão
que exercitava o debate entre os historiadores locais: a exata localização do imóvel
que servia ao aquartelamento da tropa. Com base em informações de testemunhas, o
artista plástico Ivânio Cristelli recompôs a arquitetura do Quartel, que ilustra a capa da
publicação.
O lançamento do livro, de nossa autoria, também embasa o projeto de instalação, no
Distrito de Silva Xavier (nome em homenagem ao Alferes), a 18 quilômetros da sede do
município, de um memorial para registrar a presença de Tiradentes em Sete Lagoas. O
local escolhido é a antiga estação ferroviária, inaugurada em 1899 e já em processo de
tombamento pela Prefeitura. Inquestionavelmente, o fato histórico insere Sete Lagoas
no cenário da Inconfidência Mineira através da figura de maior expressão do movimento
– o Alferes de Cavalaria Joaquim José da Silva Xavier, Tiradentes.
Márcio Vicente da Silveira Santos
Jornalista, advogado e pesquisador.
Membro da Academia de Letras de Sete Lagoas
Fac-símile da carta remetida ao Alferes Joaquim José da Silva Xavier com referência a Sete Lagoas
35
Tiradentes em Portugal?
O Emissário da ação Conjurada “Vendek”
Em pesquisa há muito em andamento, parcialmente divulgada no texto "Tiradentes face a face"
(Ed. Xérox do Brasil, 1993), uma das metas foi focalizar a quase desconhecida ação precursora
Conjurada, desenvolvida no exterior por um grupo de brasileiros – alguns deles ainda estudantes
matriculados nas Universidades de Coimbra e de Montpellier. Nesse trabalho de resgate, foram
registrados detalhes que permitem avaliar as até aqui secretas dimensões internacionais daquela
conspiração libertária.
Na reunião de documentos comprobatórios, inéditos ou não, e que ao serem reordenados
cronologicamente revelam uma face oculta daquela saga heróica, evidenciou-se a necessidade
urgente de reavaliar a até aqui minimizada Inconfidência – que esteve longe de ser um mero
devaneio de poetas. Um exato reexame oficial certamente exigirá a definição de novos conceitos
sobre a grande Conjura, com a decorrente inserção do ampliado perfil de suas metas e de seus
autores nos currículos do Ensino brasileiro, do Fundamental ao Superior.
E para que seja devidamente gravada na Memória popular a verdadeira História daqueles caminhos
que nos trouxeram à República, será preciso redesenhar e redimensionar a vigorosa atuação do
Alferes Joaquim José da Silva Xavier na Europa, no ano de 1787.
Vários registros demonstram a presença de "Tiradentes" em Lisboa no mês de setembro daquele
ano, enquanto aguardava a resposta americana à consulta e pedido de apoio, formulados ao
representante da "América Inglesa" em Paris, o então ministro Thomas Jefferson.
No "Livro de Porta", ou agenda da portaria do Palácio real, onde funcionavam a Chancelaria e o
Conselho da rainha Dona Maria I, em 4 de setembro de 1787 consta o nome de "Joaq.m Joze da
Sa X.er", pedindo "Licença por hum anno". Naquela data foi redigido pelo mesmo escrivão o já
conhecido oficio à rainha, onde o recem chegado diz precisar de licença para poder reparar "bens"
de sua "Casa", que se estavam deteriorando por falta de assistência. O Conselho concedeu e
rubricou a Licença, e "se lhe deu" (sic) um "bilhete", "para pagar o Direito que dever". Na metade
inferior daquela folha avulsa, três dias depois foram lançados os registros de dois pagamentos
feitos pelo Alferes a dois setores do Tesouro real. A provisão de Licença foi dada pela rainha em
27 de setembro, e no dia 28, entregou ao visitante uma Carta régia ao Ouvidor Pereira Cleto,
determinando que submetesse à Câmara do Rio de Janeiro cópia do projeto de captação de águas
- que lhe fora apresentado pelo Alferes em Lisboa.
Ampliando o estudo do até hoje mal avaliado ou deliberadamente obscurecido alcance da obra
transoceânica do Alferes, desempenhada com extrema coragem nos idos do século XVIII, estaremos,
finalmente, fazendo Justiça ao Patrono Cívico da Nação. Em textos aceitos e consagrados, o
movimento precursor é superficialmente referido. E em depoimentos originais, que constam dos
36
"Autos de Devassa", valiosos elementos de informação não foram até hoje mais detidamente
analisados, e referências a fatos importantíssimos foram simplesmente desconsiderados ou
omitidos.
Exemplificando, no segundo volume dos Autos (primeira edição na década de 1930 e segunda
edição na década de 1980), constata-se que a denúncia feita pelo fazendeiro Francisco Antônio
de Oliveira Lopes, quando preso e interrogado ("Sumário de perguntas", 8 de julho de 1789), não
mereceu a devida atenção por parte das autoridades coloniais da época, nem a de autores que
escreveram sobre o tema nos séculos XIX e XX, ou recentemente.
Na referida denúncia, deliberadamente excluída da Devassa talvez para maior segurança dos
detentores do poder dominante na Colônia, o rico fazendeiro Oliveira Lopes (aparentado com o
grande Inconfidente Domingos Vidal Barbosa, ex-estudante de medicina em Montpellier), revelou
terem ocorrido entendimentos entre o "Ministro da América inglesa" e "dois brasileiros" que
buscavam apoio para seguir o exemplo da recém formada República americana.
O projeto de levante republicano em terras sul-americanas motivou o embaixador a prometer
consultar o seu país sobre o pedido de ajuda que lhe fora transmitido.
De outras fontes sabemos que o estudante José Joaquim da Maya Barbalho, até aqui considerado
como autor do "ato isolado" de procurar Thomas Jefferson, não agiu sozinho. Outros nomes
integravam o grupo que jurou o chamado "pacto dos doze" de Coimbra, destacando-se entre eles
o possível idealizador e atuante Inconfidente José Álvares Maciel, cunhado do Comandante do
Regimento de Cavalaria Regular de Vila Rica, o Inconfidente Francisco de Paula Freire de Andrada.
O codinome "Vendek" foi usado pelo emissário que, chegando a Montpellier, dali remeteu sua
primeira mensagem a Thomas Jefferson no início de outubro de 1786. Em 21 de novembro seguinte,
o emissário enviou a sua segunda mensagem, respondida pelo embaixador em 26 de dezembro do
mesmo ano. Em 5 de janeiro de 1787, Vendek enviou sua terceira mensagem, e passou a aguardar
a ocasião de encontrar pessoalmente o grande líder republicano.
O contato pessoal foi convocado por Jefferson — que já se hospedara em Nimes, e dali enviou um
bilhete a Montpellier, datado em 19 de março de 1787. O inicial encontro ocorreu em Nimes poucos
dias depois. Após esse contato de três dias com o emissário e um ou dois integrantes do grupo,
o embaixador prosseguiu sua jornada a portos do Mediterrâneo — certamente acompanhado por
dois brasileiros.
Em texto escrito ao final de sua vida, o seu "Memoranda", Thomas Jefferson recordou e datou
todo o roteiro daquela viagem realizada na França e norte da Itália, em 1787. Tal texto possibilita,
hoje, traçar em mapa o roteiro seguido, onde se vê que, de Nimes, Thomas Jefferson seguiu a
vários portos até Nice, onde deixou sua carruagem. Dali enfrentou um longo percurso em lombode-mula, pelos Alpes marítimos, até Turim, prosseguindo depois a Novara, Milão, Pádua e Gênova.
Pretendendo seguir por mar até Nice, uma tempestade obrigou o desembarque em porto próximo a
Gênova, e a seguir novamente em lombo-de-mula transitou pelo acidentado litoral italiano.
37
No entardecer de 1° de maio de 1787, Jefferson chegou a Nice para retomar sua carruagem e ali
encontrou mensagem que o fez, de imediato, despachar um bilhete ao seu secretário em Paris,
William Short, avisando que partiria para Marselha na madrugada seguinte porque lá receberia
determinadas "informações", a serem urgentemente retransmitidas ao Congresso de seu país.
No longo texto da carta por ele escrita em Marselha em 4 de maio de 1787, vê-se que tais
"informações", urgentíssimas, versavam sobre a causa brasileira, a ele transmitida pelo emissário
e integrantes do grupo "Vendek".
No trajeto de volta, Jefferson passou por Montpellier na véspera da defesa de tese do brasileiro
Maya sobre Febre erisipelatosa. No dia seguinte, participou de um almoço festivo oferecido por
um professor do curso de Medicina da mesma Universidade, e dono de uma cantina de vinhos em
Frontignan.
Meses depois, em outubro, a resposta esperada chegava da América a Paris. Certamente também
em outubro dois brasileiros voltaram a procurar o embaixador para ouvir as condições da ajuda
pedida. Haviam sido colocadas as exigências a seguir descritas: O Brasil receberia "naus e gente"
se, além de pagar os soldos às tropas mercenárias a serem enviadas, adquirisse "bacalhau e trigo"
produzidos na América.
Retornando à Lisboa, no palácio da Ajuda o Alferes reapresentou seu pedido referente à captação
de águas no Rio de Janeiro – já examinado e despachado em 28 de setembro, e formulou mais
duas solicitações à rainha.
Dessa vez, pediu licença para construir um desembarcadouro de "gados" no Rio de Janeiro, e
para erguer um "...armazém para recolher trigo e outros mais gêneros", e isso "...entre a ponte
da Alfândega e o trapiche da Lapa". Ao pretender situar tal armazém na área portuária do Rio de
Janeiro, obviamente o Alferes o destinava a abrigar um trigo que chegaria por mar...
Na correspondência de Jefferson, publicada na coleção "The papers of Thomas Jefferson",
(ed.Universidade de Princeton), encontram-se elementos que evidenciam o objetivo do forte
entendimento, político e secreto, havido entre aqueles "compatriotas" das duas Américas.
Somando evidências, nesta segunda fase da pesquisa "Tiradentes face a face II", alinham-se fatos
e informações que tornam irrecusável e comprovam a presença e a obra do Alferes Joaquim José
da Silva Xavier na Europa, de outubro de 1786 até o final de 1787 ou primeiros dias de 1788.
E reconhecendo as dimensões de sua atuação de emissário e principal agente do grupo de patriotas
republicanos "Vendek", vê-se que é chegada a hora e a vez de redesenhar e divulgar, com Justiça,
a figura humana e a obra libertária do Patrono Cívico da Nação brasileira.
Isolde Helena Brans
Advogada e Historiadora, sócia correspondeten do
IHG-São João del Rei- MG
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Reproduçào do texto da correspondência de Thomas Jefferson
39
Rico e Revoltoso
Ao contrário do imaginário corrente, Tiradentes era um homem de posses
e com incomum influência para um “simples alferes”
O dia 21 de abril marca o fim da Inconfidência Mineira (1788-1789). A Inconfidência foi um movimento
planejado pela elite intelectual de Minas Gerais, que buscava a independência da região em relação a
Portugal e a instauração de um regime republicano inspirado no então recente modelo federalista norteamericano.
Entre os envolvidos e processados, aparece o alferes Joaquim José da Silva Xavier, conhecido como
Tiradentes, que recebeu a maior punição: a morte, a decapitação e o esquartejamento. Morto em 21 de
abril de 1792, apesar de ser o personagem com maior número de estudos da Inconfidência Mineira, muito
pouco se conhece de sua trajetória e sobre o destino de seus bens.
Em 1781, por exemplo, Tiradentes comandou a construção do Caminho do Meneses, na serra da
Mantiqueira. Em petição ao comandante daquela área, informou que se achava com escravos e que estava
interessado em minerar no local. No espacho, com data de 22 de setembro de 1781, o escrivão Antônio
Tavares da Silva confirmou-lhe a concessão e a medição de 43 pontos de mineração, localizados no porto
do Meneses e nos córregos da Vargem e do Convento. No dia 24 daquele mesmo mês, o comandante
do distrito, o tenente-coronel Manuel do Vale Amado confirmou-lhe as datas minerais, entregando-lhe a
“posse corporal e atual e individual” das terras.
O exemplo das 43 datas que Tiradentes explorava permite constatar que ele não era um homem com
poucas posses, como se afirma, e que sua ligação com o poder era maior do que se tem dito, pois do
ponto de vista legal não seria possível explorar os pontos de mineração que estavam sob sua posse. Até
ser preso pela devassa da Inconfidência, em 1789, Tiradentes explorava aquelas terras. Foi possivelmente
com os lucros obtidos nessa mineração que pôde emprestar ao cadete José Pereira de Almeida Beltrão
200 mil réis e a Luís Pereira de Queirós a quantia de 220 mil réis, encontrados no sequestro de seus bens.
Não seria, por conseguinte, somente com o soldo de militar (142 mil e 350 réis anuais) que Tiradentes se
sustentaria. Em 1757, recebeu de sua mãe, Antônia da Encarnação Xavier, herança no valor de 965 mil e
774 réis.
A devassa descobriu, quase um mês após a apreensão de seus bens, que Tiradentes era dono de um sítio
com casas de vivenda, senzalas e monjolo, de aproximadamente 50 quilômetros quadrados, compreendidos
em oito sesmarias, na Rocinha Negra, no porto do Meneses, o que confirma a sua ligação com o poder,
pois não se podia doar mais que uma sesmaria a uma única pessoa. Praticamente nada sabemos sobre
esta propriedade, apenas que no dia 17 de setembro de 1783, Tiradentes apareceu medindo e demarcando
essas terras, e que elas não foram sequestradas pela devassa, porque o ferreiro João Alves Ferreira, que
dizia ser seu sócio, arranjou comprovante de tê-las comprado antes da prisão do alferes. Na freguesia
de Nossa Senhora da Glória de Simão Pereira, na região de São João del-Rei, Tiradentes também tinha
fazendas em três sesmarias, que passaram por arrematação ao capitão Jerônimo da Silva Ferreira.
Os exemplos das 11 sesmarias e das 43 datas exploradas por Tiradentes nos permitem inseri-lo entre os
grandes proprietários de terras da região, na segunda metade do século XVIII. O maior proprietário da
região da Mantiqueira, o Inconfidente e coronel José Aires Gomes, que tinha mais de 22 fazendas, não
possuía a mesma quantidade de terras com título de sesmaria de Tiradentes. A diferença entre as posses
de Aires e Tiradentes está no tamanho das propriedades: as terras de Tiradentes eram todas de meia légua
em quadra (pouco mais de 10 quilômetros quadrados), enquanto as pertencentes a Aires Gomes variavam
de meia a três léguas quadradas.
André Figueiredo Rodrigues
Doutor em História pela Universidade de São Paulo. Membro Titular
da Comissão de História do Instituto Panamericano de Geografia e
História (IPGH).
A face de
Tiradentes
Aos trinta e um dias do mês março de 1992, quando das comemorações do bicentenário do
martírio de Tiradentes, a Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais solicitou ao Instituto
Histórico e Geográfico de Minas Gerais a definição da efígie do Patrono Cívico da Nação Brasileira
para fins de reprodução.
O Instituto constituiu Comissão Especial, da qual fiz parte, com o objetivo de estudar e emitir
parecer. Desse trabalho, ficou concluído que Tiradentes possuía navalhas de barbear como
objetos de uso pessoal; o costume geral masculino ao tempo não incluía o uso de barba entre os
homens e até excluía, como característica de pessoas rústicas e de serviços braçais.
Os militares, oficiais e soldados da época não usavam barba, como provam os retratos de
contemporâneos de outros países como à França e os Estados Unidos, e como provam os
primeiros desenhos feitos pelos integrantes da Missão Artística Francesa trazidos por Dom João
VI.
Não há qualquer referência ao uso da barba com relação a dezenas de Inconfidentes – civis,
militares e clérigos – ouvidos na Devassa.
A história das primeiras imagens de Tiradentes feitas na segunda metade do século XIX mostra
que a sua retração com barba atendia a interesses republicanos de identificar o herói com os
ideais de sofrimento, estoicismo e idealismo.
Somos de parecer que Tiradentes, a partir de 1775 – quando ingressou na carreira militar – nunca
usou barba, seja durante a conspiração, seja durante os anos de prisão, seja durante o ato de
enforcamento.
Herbert Sardinha Pinto
Genealogista, Presidente Emérito do Instituto
Histórico e Geográfico de Minas Gerais
41
A Independência do Brasil, colônia de Portugal
Um decreto pouco
conhecido
A Conjuração Mineira precedeu a Independência, em 7 de setembro de 1822, data da separação política de
Portugal, ocasião em que Dom Pedro assumiu o poder, sob titulo de Imperador do Brasil. Curiosamente, os
republicanos de então só considerariam o Brasil, verdadeiramente independente, com a abdicação de Dom
Pedro I, no dia 7 de abril de 1831, como “um triunfo da idéia nacionalista”. Nesse dia, o Brasil tirou o trono de
príncipe português e o devolveu regenerado ao príncipe brasileiro. (Teófilo Ottoni, Circular)
“O 7 de abril assinala, mais do que o 7 de setembro, a verdadeira independência política do Brasil. (Heitor
Lyra, História de Dom Pedro II, in “Teófilo Ottoni”, Paulo Pinheiro Chagas, página 75).
É da História o Decreto de 16 de setembro de 1815, subscrito pelo Marquês de Aguiar, que determinou que
o Estado seja elevado à dignidade, proeminência e denominação de Reino do Brasil, formando, porém, um
Navio Negreiro - Rugendas - Reprodução
Casa de Negros - Rugendas - Reprodução
só e único Reino debaixo do título de Reino Unido de Portugal e do Brasil e Algarves, (Brasil Reino e Brasil
Império, Assis Cintra, página 13, Ed. Renascença, 1945) “O decreto fez, de fato, a nossa independência.
Aqui estavam o rei, a corte, os altos funcionários, o tesouro real, a representação diplomática”.
O motivo principal foi, sem dúvida, a vinda e instalação da Família Real que se esforçava para formar da
antiga colônia um grande Império digno do nome português. Portugal, entretanto, manobrava para que o
Brasil voltasse a ser a sua colônia, condição assim sempre considerada pelos portugueses. Essa condição
perdurava, mas, o Brasil tornara-se outro Brasil.
Em 1821, Dom João VI, pressionado, retornou a Portugal. As Cortes não se reuniam há cem anos, exigia-se
uma Constituição. O Brasil perderia sua condição de Reino e, como Colônia, seria subordinado a Portugal,
as Capitanias seriam governadas por militares e submetidas ao governo português; as repartições e tribunais
criados por Dom João foram extintos com propósito de “recolonizar” o país, que “não apenas deixaria de ser
o Reino Unido, como também o Vice-reinado não seria restabelecido. Ilegal o Governo Brasileiro, militares
e funcionários não lhe deviam obediência.
O Tratado de paz entre Portugal e o Brasil, de 29 de agosto de 1825, feriu a dignidade brasileira. Indenizamos
Portugal com a soma de dois milhões de libras esterlinas e, no aludido tratado, “Dom João reconhecia
o Império do Brasil, porém enquanto fosse vivo ficaria com o título de Imperador do Brasil (Assis Cintra,
página 49).
42
O Brasil foi ou não foi colônia? Apesar de uma controvérsia sem significação, o Brasil foi, realmente, colônia de
Portugal. Desde 1500 até a efetiva separação, o Brasil era – e foi – colônia de Portugal. O Ministério das Colônias,
depois de Ultramar, existiu “para apagar qualquer vestígio das colônias”. Havia outras. O vocábulo “colônia” não era
usado até fins do século XVII, outras palavras eram empregadas, tais como povoar e povoadores.
Em 1713, foi publicado o primeiro, o mais antigo “Vocabulário Portuguez e Latino”, de autoria do Padre Raphael
Bluteau, onde se encontra o verbete colônia:
“Colônia, gente que se manda para alguma
Terra novamente descoberta, ou conquistada,
para povoar. A mesma terra assim povoada,
também se chama colônia”.
Outras e categoricas referências nesse sentido podem ser encontradas em “Brasil foi Colônia de Portugal” (T. O.
Marcondes de Souza, 2ª.ed., 1959, São Paulo). É o que se encontra no “Ensaio sobre o comércio de Portugal e suas
colônias” (José Joaquim da Cunha Azeredo Coutinho, 1794) no “Livro de Consultas”, (nº. 86, Arquivo Histórico do
Ministério das Finanças, Lisboa) “Junta de Administração Grão-Pará e Maranhão”, de 7 de julho de 1756, sobre uma
fábrica de panos no Pará.
Azeredo Coutinho era da Academia de Ciência de Lisboa, em obra de valor editada em 1794, ao se referir ao Brasil
usou o termo diversas vezes. Cândido Mendes de Almeida, no “Direito Eclesiástico Brasileiro”, registra que o capitãogeneral Fernando Antônio de Noronha ao propor a supressão do ensino do Latim no Maranhão. escreveu: “porque o
Rio de Janeiro, Rua Direita - Rugendas - Reprodução
Índios em uma fazenda - Rugendas - Reprodução
abuso dos estudantes superiores só servia para nutrir o orgulho próprio dos habitantes do meio dia, e destruir os laços
de subordinação política e civil, que devemos ligar os habitantes das colônias a metrópole”.
E o que dizer de certas Cartas Régias, Bandos e Alvarás, cheios de desprezo, humilhação e prepotência, publicados
desde 1590, proibindo plantações de vinhas; da proibição, em 1579, ao ferreiro Bartolomeu Fernandes, em São
Vicente, de ensinar o ofício de ferreiro “aos da terra”; outro, de 12 de maio 1680, obrigando os sapateiros a trabalhar
unicamente com couros de Portugal; em de 26 novembro de1690, uso de sal que não fosse de Portugal; em 1720, o
envio de papéis e letras impressas para o Brasil; de 14 de dezembro de 1725, não se introduzir sabão na Capitania
do Rio de Janeiro; a Carta Régia de 28 de fevereiro de 1707, proibindo a entrada de estrangeiros e expulsando os
existentes; em 1727, a abertura de estradas para Minas Gerais e Mato Grosso e de estradas novas para São Paulo;
mandando expulsar os ourives de Minas Gerais e proibindo em 30 de junho de 1766 o ofício em todo o território; o
Alvará de 5 de fevereiro de 1767 proibindo a fabricação de sabão no Brasil; Alvará de 16 de dezembro de 1794, a
remessa de papéis e livros para o Brasil; o Alvará de 18 de junho de 1800 repreendendo a Câmara Municipal de
Tamanduá (Minas Gerais) por ter instituído uma Escola primária e a humilhante Ordem Régia de 5 de junho de 1802,
5 anos antes da chegada de Dom João VI, proibindo que os governadores recebessem, no Brasil, em audiência,
pessoas que não estivessem vestidas com roupas fabricadas com tecidos importados de Portugal. E as fábricas
queimadas, as restrições aos nativos, o ouro e os diamantes contariam outra história de como eram os colonizadores!
E o Brasil, era ou não era Colônia de Portugal? Era!
Jorge Lasmar
Advogado,
Presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais
43
O triste destino dos Inconfidentes
mineiros degredados para a África
Monumento a Tiradentes em Ouro Preto
44
Naus de nomes venturosos,
Navegando entre estas penhas,
buscaram terras de exílios,
com febres nas águas densas.
Homens que dentro levavam
iam para a eterna ausência.
Romanceiro da Inconfidência
Cecília Meireles
Como se sabe, o movimento revolucionário intentado em Minas Gerais
no último quartel do século XVIII e que pretendia libertar o Brasil de
Portugal, por motivos vários, fracassou. Descoberta a conjura no ano
de 1789, os principais integrantes do projeto de levante foram presos
em infectas enxovias e submetidos a um demorado processo judicial.
Em abril de 1792, na cidade do Rio de Janeiro, foi feita a leitura da
sentença condenatória dos réus civis (os eclesiásticos foram objeto
de outra decisão), sendo todos eles, exceto Tiradentes, que sofreu
a pena máxima, condenados ao degredo para as inóspitas terras
africanas.
Foi naquele continente, convivendo com tribos de costumes arcaicos
e que habitavam regiões insalubres, que tais homens passaram os
últimos dias de suas desditosas vidas, à exceção de José de Resende
Costa (filho), o único condenado não eclesiástico que teve a ventura
de retornar vivo ao solo brasileiro.
Ao lado: Lista original dos Inconfidentes degredados, com indicação
do local e tempo da pena. Fonte: APM
A fim de elucidar o destino de cada um dos Inconfidentes no degredo
africano, traçamos abaixo um resumo biográfico desses mártires que
foram brutalmente arrancados de seus lares e separados de seus
entes mais queridos por teimarem em falar em liberdade, por tardia
que fosse.
45
Reproduçao do livro “A Casa dos Contos de Ouro Preto - Ensaio Histórico e Memória de sua Restauração”, de Eugênio Ferraz
Antônio de Oliveira Lopes
Domingos de Abreu Vieira
Natural da Vila de Abranches, Guarda, Portugal, nasceu
por volta de 1725. Exercia as profissões de carpinteiro e
agrimensor em Minas Gerais, residindo na região de Itajubá,
no Sul do Estado. Como Inconfidente, foi condenado ao
degredo para Macuá, em Moçambique. Embarcou para
cumprimento de sua pena em 25 de maio de 1792 na
nau Nossa Senhora da Conceição Princesa de Portugal.
Faleceu por volta de 1794 em decorrência de febres locais.
Seus restos mortais foram exumados em 04 de outubro de
1936 na localidade de Porto Belo, sendo posteriormente
remetidos ao Brasil e inumados no Museu de Inconfidência.
Filho de Manuel de Abreu e de Úrsula Vieira, Domingos
nasceu em 1724 na Freguesia de São João do Concieiro,
Termo da Vila da Bica de Regalados, Comarca de Viana,
em Braga, Portugal. Foi abastado comerciante na região
de Minas Novas e administrador dos reais contratos
dos dízimos. Era o mais idoso entre os participantes
da Conjuração Mineira. Em razão da participação no
movimento rebelde foi condenado ao degredo para Muxima,
em Angola, onde faleceu logo após sua chegada, em 09 de
outubro de 1792. Seus ossos foram exumados em 1936 e
remetidos ao Brasil.
Domingos Vidal de Barbosa Laje
Filho de Antônio Vidal e de Tereza Maria de Jesus, nasceu
na Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Mato
de Capenduva em 1761. Estudou no Rio de Janeiro e
posteriormente formou-se em medicina pela Universidade
de Montpellier, na França, onde conviveu com os intelectuais
revolucionários José Joaquim da Maia e José Mariano Leal da
Câmara Rangel de Gusmão. Condenado como Inconfidente,
foi degredado para São Tiago (Guiné). Faleceu de febre
maligna em setembro de 1793, oito meses após chegar ao
local. Foi sepultado ao lado da Igreja de Nossa Senhora da
Natividade, em Cachéu, Guiné Bissau. Seus despojos foram
exumados em 02 de novembro de 1932, a pedido do Cônsul
do Brasil em Dakar, Dr. João Batista Barreto Leite.
Francisco Antônio de Oliveira Lopes
Natural da Freguesia de Nossa Senhora da Piedade da Igreja
Nova da Borda do Campo (Barbacena), onde nasceu em
1750. Era filho de José Lopes de Oliveira e de Bernardina
Caetano do Sacramento. Casou-se em 30 de novembro de
1782, em Prados, com Hipólita Jacinta Teixeira de Melo. Foi
proprietário da Fazenda da Ponta do Morro, em Prados. Era
irmão do Inconfidente Pe. José Lopes de Oliveira e primo de
Domingos Vidal de Barbosa Laje. Foi condenado, em razão de
sua participação na inconfidência, ao degredo perpétuo para
Bié (Benguela). Faleceu no ano de 1800, sendo sepultado
na Igreja de Nossa Senhora do Pópulo. Seus restos mortais
encontram-se recolhidos no Panteão dos Inconfidentes desde
1936.
Francisco de Paula Freire de Andrada
Nascido no Rio de Janeiro em 1756, filho de José Antônio
Freire de Maria do Bom Sucesso Correia de Sá. Proprietário
da Fazenda dos Caldeirões em Ouro Preto (Distrito de Miguel
Burnier). Tenente Coronel e Comandante do Regimento de
Cavalaria da Capitania de Minas Gerais. Foi condenado ao
degredo perpétuo para Pedras de Encoge, em Angola. Em
1801 há provas documentais de sua presença na região de
Luanda, onde dava mostras de “padecer do conserto do juízo”.
Em 1808, por meio de Antônio Saldanha da Gama, escreveu
ao Príncipe Regente pedindo autorização para retornar Brasil
e viver com sua família. Faleceu no ano seguinte em Luanda,
sem receber a desejada autorização. Seus ossos foram
exumados em 1936 e repatriados ao Brasil.
Inácio José de Alvarenga Peixoto
João da Costa Rodrigues
Nasceu no Rio de Janeiro em 1742, sendo filho do português
Simão de Alvarenga Braga e da carioca Angela Micaela
da Cunha. Casou-se com Bárbara Heliodora Guilhermina
da Silveira em 1781. Proprietário da Fazenda Paraopeba
(Conselheiro Lafaiete) e da Boa Vista (São Gonçalo do
Sapucaí). Condenado como Inconfidente, recebeu a pena de
degredo para Dande (Angola). Chegou a Luanda em julho
de 1792 e foi internado na Fortaleza do Penedo, sendo em
seguida remetido para o Presídio de Ambaca, onde faleceu
em 27 de agosto daquele ano em decorrência de febre
maligna. Foi o primeiro Inconfidente a falecer no degredo,
apenas dois meses após sua chegada ao solo africano. Seus
restos mortais retornaram a Minas Gerais em 1936.
Nasceu em Ouro Preto por volta de 1744. Era
proprietário da estalagem chamada Varginha
do Lourenço, situada no atual município de
Conselheiro Lafaiete. Condenado como
Inconfidente, foi degredado em 1792 para
Mossuril, Moçambique, onde faleceu e foi
sepultado no interior da Igreja de Nossa
Senhora da Conceição, ao lado direito de sua
porta de entrada. Seus restos mortais foram
exumados em 03 de setembro de 1936, às
17 horas, em Mossuril, sendo posteriormente
repatriados ao Brasil e depositados no
Panteão do Museu da Inconfidência.
Vila Rica - Rugendas - Reprodução
Os impostos decorrentes da mineração
foram um dos motivos que levaram à
Inconfidência Mineira
João Dias da Mota
Nascido por volta de 1743 em Ouro Preto, era filho de Tomás
Dias da Mota. Foi casado com Maria Angélica Rodrigues
de Oliveira e proprietário da Fazenda Engenho do Campo,
em Caranaíba – MG. Foi degredado para Cachéu (Guiné
Bissau). Faleceu em outubro de 1793 , sendo sepultado
ao lado da Igreja de Nossa Senhora da Natividade. Seus
despojos, juntamente com os de José de Resende Costa
(pai) e de Domingos Vidal Barbosa Laje, foram exumados em
02 de novembro de 1932, a pedido do Cônsul do Brasil em
Dakar, Dr. João Batista Barreto Leite.
José Aires Gomes
Nasceu na Freguesia de Nossa Senhora da Assunção
do Engenho do Mato (atual Paula Lima), em 1734. Era
proprietário de grandes extensões de terras na Serra da
Mantiqueira, na região de Barbacena, incluindo a Fazenda da
Borda. Casado com Maria Inácia de Oliveira, foi condenado a
degredo perpétuo para Inhambane (Moçambique). Embarcou
para o degredo em 25 de maio de 1792. Faleceu em 1796 e
foi sepultado na Igreja de Nossa Senhora da Conceição. Seus
restos mortais foram exumados em 1936 e trasladados para
o Brasil.
José Álvares Maciel
Nasceu em 1760 em Ouro Preto, sendo filho do Capitãomor José Álvares Maciel e de Juliana Francisca de Oliveira.
Formou-se em Filosofia na Universidade de Coimbra. Foi
condenado a degredo perpétuo para Massangano (Angola),
embarcando para lá em 23 de maio de 1792. Tornou-se
comerciante de tecidos e dedicou-se posteriormente à
tentativa de produzir ferro, enfrentando com extremo desvelo
as mais variadas adversidades em seu intento. Padeceu
de graves problemas de escorbuto e de obstrução das vias
respiratórias. Faleceu no início de 1804, sendo sepultado na
Matriz de Massangano.
Marcos Paulo de Souza Miranda
Promotor - Coordenador das promotorias de defesa dos
patrimônios, histórico, artistísco e turístico de MG,
e membro do IHGMG
Na portada da entrada da Igreja de São Francisco de Assis, o
esplendor da obra de Aleijadinho, no século XVIII
Este momumento, junto das ruínas da Varginha
do Lourenço, em trecho da Estrada Real entre
Ouro Branco e Conselheiro Lafaiete, reproduz
uma das pernas esquartejadas de Tiradentes
que lá ficou exposta. A gameleira , referência
documentada do local, é uma testemunha viva
da Inconfidência Mineira.
A Ordem dos Cavaleiros da Inconfidência
Mineira tem para o local um grandioso projeto
de resgate de nossa história.
Melhor do que ver uma vida
nascendo
trabalhar
paravida
isso.
Melhor doéque
ver uma
nascendo é trabalhar para isso.
A Gerdau se preocupa com o futuro do planeta e das novas gerações. Por isso, investe constantemente
na atualização de processos e equipamentos de gestão ambiental, além de estimular a conscientização
A Gerdau se preocupa com o futuro do planeta e das novas gerações. Por isso, investe constantemente
das comunidades e colaboradores. A unidade Gerdau Açominas, por exemplo, é responsável pela
na atualização de processos e equipamentos de gestão ambiental, além de estimular a conscientização
preservação de mais de 5 mil hectares, uma área equivalente a 5 mil campos de futebol. É a Gerdau
das comunidades e colaboradores. A unidade Gerdau Açominas, por exemplo, é responsável pela
e a natureza crescendo juntos para criar um futuro melhor.
preservação de mais de 5 mil hectares, uma área equivalente a 5 mil campos de futebol. É a Gerdau
e a natureza crescendo juntos para criar um futuro melhor.
www.gerdau.com.br
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edição especial sobre a Inconfidência Mineira