memória CULT Ouro Preto - MG - Brasil -Ano 1 - nº 03 - 21 de abril de 2011 edição especial sobre a Inconfidência Mineira Inédito José Resende Costa: O primeiro rosto de um Inconfidente E mais... Inconfidentes sob novos olhares Ideais, Bandeira, Julgamento Degredo e Repatriação Editorial E sta é uma edição muito especial para a Memória Cult. Trata-se da abordagem, por diversos especialistas, de diferentes visões e análises acerca da Inconfidência Mineira, movimento maior do Brasil colônia, ainda carente de estudos mais profundos e conclusões mais precisas. O ponto alto é a histórica e pioneira matéria e entrevista com o professor Eduardo Daruge, cujo trabalho apresenta a primeira imagem do rosto de um dos Inconfidentes, em reconstituição científica levada a feito na Unicamp e na Inglaterra. O material (as ossadas de três dos Inconfidentes) fora enviado para perícia há mais de 15 anos e, recentemente, no clamor dos novos tempos, salientando-se nestes a constante presença do Ministério Público Estadual, mais especificamente de sua Coordenação das Promotorias de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Turístico de Minas Gerais, retorna a Minas para ocupar lugar de honra no Panteão dos Inconfidentes, no Museu da Inconfidência, na oportunidade das comemorações do 21 de abril, em Ouro Preto, conduzidas pelo governador Antonio Anastasia e que terão como oradora oficial a presidenta Dilma Rousseff, ambos anfitrionados pelo prefeito Ângelo Oswaldo, quando da entrega da Medalha da Inconfidência. Irradiando e tangenciando o palpitante assunto – cuja exclusividade conseguimos captar em abril, com fechamento da revista na segunda semana do mês – foram convidados os articulistas colaboradores, que prontamente, em curtíssimo período de tempo, remeteram seus textos e algumas ilustrações. Daí em diante, com o tempo passando, a editoração e o projeto gráfico em duelo permanente, ora em função dos limites de textos e paginações, ora em decorrência das inúmeras e de difícil escolha das ilustrações com diferentes graus de qualidade para impressão, conseguimos, na undécima hora, viabilizar a edição a tempo de divulgação e distribuição nas festividades da Semana da Inconfidência. Aos partícipes desta edição histórica, neste 21 de abril de 2011, os agradecimentos desta Memória Cult. Eugênio Ferraz* Diretor executivo da Memória Cult *Membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, do IHG.MG e da Arcádia de MG; Coordenador Executivo do Sistema de Museus de Ouro Preto, é o Superintendente do Ministério da Fazenda em MG e Coordenador Executivo do Fórum de Dirigentes Federais em MG memória CULT Sumário 16 Os Ideais dos Inconfidentes 06 07 Mauro Costa O 1º rosto de um Inconfidente 28 29 13 O repatriamento dos ossos 31 O presidente 34 A bandeira 36 O advogado O destino dos religiosos 40 41 Novo olhar sobre Gonzaga 42 15 19 20 22 23 Artista da Capa e entrevista com Eduardo Daruge, perito que retratou José Resende Costa a saga do retorno Gonzaga, o Critilo, seria o chefe da futura nação Todavia Libertas quae sera Tamen Pela piedade de Sua Majestade Mais de um século e meio de segredos, o processo ficou conhecido Jurista e poeta analisados 44 O Degredo na África O poeta no exílio Teria o seu corpo voltado ao Brasil? A arcádia Na Comarca do Rio das Mortes surge uma casa de letras Cláudio Manoel da Costa Se morto fora por assassinato, seria ele o protomártir? O Alferes no comando Tiradentes chefiou quartel em Sete Lagoas As viagens do herói maior Em Portugal, os contatos e articulações do movimento Rico e revoltoso O líder máximo e suas posses A face de Tiradentes Como militar, ele sequer poderia usar barba Um decreto pouco conhecido A Colônia e a Independência Espaço do leitor Envie críticas, sugestões e comentários para o aprimoramento desta revista: [email protected] e/ou [email protected] A Memória Cult poderá editar manifestações de leitores selecionadas para publicação, não necessariamente na edição subsequente. Parabenizo os idealizadores da Memória Cult pela excelência dos temas abordados e a qualidade das matérias. Uma importante contribuição ao desenvolvimento cultural de nosso povo. Gilson Nunes Chefe do Departamento de Museologia da UFOP e Coordenador Executivo do Sistema de Museus de Ouro Preto Recebi com grata satisfação os dois primeiros números da revista. Primorosos sob todos os aspectos, com excelentes artigos, belas fotografias e ótima qualidade gráfica. Gostei muito dos dois primeiros exemplares, publicações valiosas que representam trabalho de muita tenacidade. O segundo número da Memória Cult vem corroborar o ganho expressivo que Minas vem obtendo com o levantamento de sua história e de suas paisagens, cuidadas com textos primorosos. Ponto alto é o elevado padrão gráfico. Ganhamos todos, de Minas para o Brasil. Fernando Antônio Xavier Brandão Presidente Emérito do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais Marco Aurélio Baggio Presidente da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores (Sobrames) Expediente Ouro Preto, Minas Gerais – Brasil - Ano I – Nº 3 – Abril de 2011 Diretor Executivo | Eugênio Ferraz Reg.: 8.172-MG Editor | Fernando Junqueira Projeto Gráfico | Flávio Peixe As manifestações expressas em artigos assinados são de inteira responsabilidade dos respectivos autores e não refletem, necessariamente, a opinião da publicação. Foto da Capa: Alexandre Paiva Frade Página do artista “Praça Tiradentes em Ouro Preto, MG” - Pintura expressionista , acrílica sobre tela. À direita, “A Dança” e abaixo Mauro, ao lado da sua obra “Cromo & Alpinea”. Ambas obras hiper-realistas, estilo cotidiano do artista Mauro Costa Desenhista e caricaturista, Mauro Costa iniciou seus primeiros quadros em óleo sobre tela em 1996, com incursões no impressionismo. Em 2006, inicia fase realista, também chamada de hiper-realista, com o quadro “Garrafa de Whisky”. Desde então, o artista expôs seu trabalho em galerias do Rio de Janeiro e de São Paulo, como na Galeria Dom Quixote, no Salão de Arte do Clube “A Hebraica”, em 2010, na capital paulista. Há dois anos, vem retratando mensalmente os automóveis de uma das mais importantes coleções de carros antigos de Minas Gerais. Nasceu em 1973, em São Lourenço, sul de Minas. 06 O primeiro rosto de um InconfIdente Estudos possibilitam reconstituição facial de José Resende Costa A Inconfidência Mineira tornou-se, com o passar dos anos, símbolo da independência brasileira e da própria liberdade. Embora estes conceitos pareçam tão claros quanto abstratos, a representação física dos partícipes do movimento vem sendo feita com base em fatos históricos, documentos, relatos e suposições, que embasam a retratação dos mártires nacionais, comumente por meio de quadros. No entanto, uma recente descoberta muda essa realidade para um dos Inconfidentes. 07 Após detalhados estudos e perícias, pesquisadores da Unicamp, tendo à frente o professor Eduardo Daruge, realizaram uma reconstituição facial do Inconfidente José Resende Costa (pai). Para isso, os estudiosos tiveram a colaboração do doutor Alfred Linney, da University College London (UCL), na Inglaterra. O processo foi realizado após a reconstituição do crânio do conjurado, durante análise sobre a autenticidade de ossadas trazidas ao Brasil como restos mortais de três dos participantes do importante movimento mineiro do século XVIII. O desterro na Guiné Portuguesa Após o julgamento dos Inconfidentes, que resultou na morte do Alferes Joaquim José da Silva Xavier e no degredo dos demais participantes do levante para Portugal ou colônias do país na África, a segunda parte da sentença era cumprida, com os Inconfidentes deixando o país. A primeira, o enforcamento e esquartejamento de Tiradentes, já fora consumada. José Resende Costa (Pai), João Dias da Motta e Domingos Vidal Barbosa Lage, participantes da Inconfidência, cumpriram pena na colônia portuguesa Vila de Cacheu, Guiné Portuguesa. A região era ainda povoada por tribos de nativos, selvagem portanto, além de infestada pela desconhecida doença “peste da terra”. Urna contendo os restos mortais dos Incondidentes e, no seu interior, fragmentos ósseos, fragmentos de terra, poeira, pedras, madeira e de jornais. Na foto de um fragmento de jornal destaca-se a data de 07 de setembro de 1934 08 Os três faleceram no local. Consta que Domingos Vidal Barbosa Lage faleceu em 1793, José Resende Costa (Pai) em 1798, enquanto inexistem referências sobre a morte de João Dias da Motta. Todos foram enterrados junto à Igreja Nossa Senhora da Natividade, pequena construção situada próxima a Vila de Cacheu. A exumação Em 1932, o então Cônsul do Brasil no Dakar, João Batista Barreto Leite, solicitou ao responsável pela colônia, Major José D`Ascensão Valdez, a exumação dos restos mortais desses Inconfidentes. Foi Michaela da Costa, à época com mais de 80 anos, quem deu a localização das ossadas, seguindo relatos de seus antepassados. A exumação foi realizada em 2 de novembro do ano de 1932. Ao chegarem ao Brasil, os restos mortais foram levados para o arquivo histórico do Itamaraty, na então capital federal, o Rio de Janeiro. Domingos Vidal Barbosa Lage A primeira das ações que resultaram na reunião de parte das ossadas de conjurados no Museu da Inconfidência foi do poeta e autor da obra História da Inconfidência de Minas Gerais, Augusto de Lima Júnior. Ele solicitou ao então presidente Getúlio Vargas que os despojos dos demais participantes do movimento fossem trazidos para o país, em 1936. “ Foi Michaela da Costa, à época com mais de 80 anos, quem deu a localização das ossadas, seguindo relatos de seus antepassados. A exumação foi realizada em 2 de novembro do ano de 1932 Naquele sugestivo 21 de abril, Vargas decretou o repatriamento dos restos dos Inconfidentes degredados. No final do ano, após a chegada do navio Bagé ao Rio, as urnas foram levadas à Capela do Senhor dos Passos, na Catedral Metropolitana do Rio de Janeiro. Pouco depois, essas urnas foram transferidas para o Museu da Inconfidência, onde foram construídos jazigos especiais para receber os desposjos. Nos anos 1990, as ossadas dos três Inconfidentes, que permaneciam no Itamaraty seguiram para o mesmo destino das demais, em Ouro Preto. Para checar a autenticidade dessas ossadas, a direção do Museu da Inconfidência, em 1993, solicitou que fosse realizado exame no material pela equipe do curso de pós-graduação do programa de Odontologia Legal e Deontologia da Faculdade de Odontologia de Piracicaba da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). João Dias da Motta Fernando Junqueira José Resente Costa Editor da Memória Cult 09 Entrevista A seguir, o líder desse grupo de estudos, o professor Eduardo Daruge, aborda os trabalhos realizados, as conclusões da pesquisa e fala sobre uma das maiores descobertas recentes sobre a Inconfidência Mineira. O senhor e sua equipe conseguiram reconstituir a face de um dos Inconfidentes mineiros, José Resende Costa (pai). Como chegaram a um resultado conclusivo? Após a identificação dos três Inconfidentes, verificamos que o único que apresentava maior quantidade de fragmentos (144 peças) de ossos pertencentes à porção cefálica, era José Resende Costa (pai), sendo que algumas partes foram reconstituídas em cera branca e devidamente esculpidas. Uma vez obtida a reconstituição deste crânio, realizamos uma tomografia computadorizada, com 135 cortes, com 1,5 mm de espessura cada, obtendo-se uma fita magnética, tornando possível reconstituir a imagem do crânio em três dimensões. Um dos integrantes de nossa equipe, de posse desta fita magnética, foi até à University College London, na Inglaterra, obtendo a colaboração do professor e doutor Alfred Linney que, com um programa especial de reconstituição facial, realizou todos os trabalhos e obteve a imagem computadorizada da possível face do Inconfidente José Resende Costa. Após a reconstituição, o jornalista Caco Barcellos realizou levantamento sobre a existência de possíveis descendentes do conjurado tendo encontrado uma fotografia pertencente a um trineto de José Resende Costa, o que permitiu-nos fazer uma comparação entre a imagem reconstituída do Inconfidente e a fotografia do referido trineto. Nota-se a coincidência de vários caracteres fisionômicos, tais como, tipo facial, forma e disposição da porção nasal, forma e disposição das regiões orbiculares, forma e disposição da região inferior da face e outras características que nos permite afirmar grande semelhança entre eles. 10 E como foi o início dos estudos? Em junho de 1993, a equipe da Faculdade de Odontologia de Piracicaba da Unicamp recebeu a urna do Museu da Inconfidência, no interior da qual havia, presumidamente, as ossadas dos três Inconfidentes, com o objetivo de se estudar e tentar separar as peças ósseas pertencentes a cada um deles. Quando a urna foi aberta, encontramos fragmentos ósseos maiores, uma grande quantidade de fragmentos ósseos menores, terra, pedras, pedaços de jornal picado, alguns fios de cabelo e outros materiais, que comprometiam seriamente os fragmentos ósseos que deveriam ser examinados. Todos estes materiais foram cuidadosamente separados e armazenados. Um fato que nos chamou a atenção é que entre estes pedaços de jornais, encontramos um pedaço maior com a data de 7 de setembro de 1934. Os fragmentos de ossos foram também separados e colocados no interior de uma caixa de papelão para a realização de um estudo posterior. Assim, analisandose cada uma das peças ósseas, pela sua cor, pela sua espessura, pela relação de continuidade com outras peças encontradas e pelas suas características anatômicas, em princípio, notamos que havia peças ósseas coincidentes e pertencentes a três pessoas diferentes, proporcionando-nos a esperança de poder separar tecnicamente estas três pessoas. Outro fato que observamos entre as peças ósseas, é que havia uma grande quantidade de fragmentos ósseos pertencentes a um crânio, 144, que pelas suas características anatômicas deveriam pertencer a porção cefálica de um único indivíduo. Tratava-se de um verdadeiro quebra-cabeça, literalmente interpretado. Houve, então, a reconstrução do crânio? Sim. Após a separação dos fragmentos ósseos pertencentes a três indivíduos diferentes, utilizei-me de conhecimentos de morfologia para reconstruir o crânio com a exata montagem daqueles pequenos fragmentos. Após seis meses, foi possível montar aquele crânio, sendo que as partes perdidas na terra, durante a exumação, foram reconstruídas em cera branca, devidamente esculpida, preenchendo assim os espaços das partes ósseas que faltavam. Após estudos radiográficos e de densitometria óssea, verificamos que este crânio deveria pertencer a José Resende Costa. As outras duas ossadas possuíam apenas alguns fragmentos ósseos da calota craniana, impossibilitando a sua reconstituição. Provavelmente, uma grande parte dos ossos dos três Inconfidentes foram perdidas na terra, durante a exumação. E como foi o processo de separação e identificação das ossadas, já que elas estavam juntas? Usamos a densitometria óssea, que consiste de um exame radiográfico para medir a densidade dos ossos. Pode ser aplicada nos vivos e nas ossadas para avaliação da idade de uma pessoa. Os resultados, na pessoa viva, variam de 648 a 833 mg/cm2. Entretanto, podem apresentar variações de acordo com as condições em que a ossada foi encontrada. Segundo dados da exumação na Guiné Portuguesa, José Resende Costa (Pai), faleceu aos 70 anos de idade, João Dias da Motta, aos 49 anos, e Domingos Vidal Barbosa Lage aos 32 anos. Como a densidade óssea é inversamente proporcional à idade, isto é, quanto menor a idade maior a densidade óssea e quanto maior a idade menor a sua densidade, tivemos a oportunidade de realizar este estudo. Sequência, desde a página anterior, do crânio reconstituído de José Resende Costa, com sua retratação facial. A última foto é do trineto posteriormente descoberto e que tem grandes semelhanças com a imagem reconstituída 11 Entrevista Separamos os fragmentos ósseos pertencentes aos três, inicialmente pela cor, espessura, diâmetro e outras características anatômicas da peças ósseas. Assim, tínhamos a certeza que se tratava de três pessoas diferentes. As peças ósseas pertencentes a cada uma destas pessoas foram submetidas aos exames de densitometria óssea. Como as peças pertencentes a uma das pessoas apresentaram densitometria entre 620 a 650 mg/cm2, portanto, com menor densidade óssea, ou uma ossada do indivíduo mais velho, corresponderam a José Resende da Costa. As peças de outra ossada apresentaram densitometria óssea entre 690 a 750mg/cm2, correspondente a uma ossada pertencente a um indivíduo com idade inferior aos dados da primeira ossada, coincidentes com João Dias da Motta. Finalmente, as peças pertencentes à terceira ossada apresentaram densitometria entre 825 e 860mg/cm2, condizente com pessoa de menor idade, portanto, referente a Domingos Vidal Barbosa Lage. Felizmente, a diferença de idade entre eles nos permitiu identificar a ossada de cada um dos Inconfidentes, presumindo-se a verossimilidade do Auto de Exumação das ossadas, bem como as informações prestadas pela nativa Michaela da Costa e pelas tribos que sempre afirmaram que ali encontravam-se três brasileiros exilados do Brasil para aquela Vila de Cacheu, Guiné Portuguesa, por determinação da Rainha D. Maria I de Portugal. Entre as solenidades de 21 de abril deste ano, que contarão com a presença da presidenta da República, ocorre finalmente o sepultamento dos restos mortais destes Inconfidentes. Como o senhor se sente nessa oportunidade, na qual, inclusive, é homenageado pelo Governo de Minas com a Medalha da Inconfidência? Ser homenageado nesta oportunidade por ter conduzido a identificação de três desses heróis nacionais, permitindo inclusive a reconstituição da face de um deles, com a mais alta honraria do Governo de Minas, coroa toda minha carreira. É um momento de extremo orgulho pessoal e profissional. 12 Eduardo Daruge o perito que mostrou a face do Inconfidente José Resende Costa Nascido em 1933, em Ribeirão Preto, professor universitário Eduardo Daruge, atualmente residindo em Piracicaba, dedica-se desde os 19 anos à docência, pesquisa e extensão, inicialmente . Em 1958, passou a trabalhar na Faculdade de Odontologia de Piracicaba, da Unicamp. Autor de mais de 10 mil pericias judiciais nas áreas cível, criminal, trabalhista e de investigação de paternidade, foi responsável pela reconstituição facial do carrasco nazista Josef Mengele, de ampla repercussão internacional; pela identificação do juiz Leopoldino Marques do Amaral, do Tribunal de Justiça de Cuiabá, cujo corpo carbonizado foi achado em um matagal em Assunção, Paraguai; e do cantor João Paulo, carbonizado em consequência de um acidente automobilístico. Na área de pesquisa, publicou mais de 120 trabalhos em revistas nacionais e estrangeiras e publicou uma obra sobre “Direitos Profissionais na Odontologia”, pela editora Saraiva, em 1978. O repatriamento dos ossos dos InconfIdentes Em 1942, foi inaugurado em Ouro Preto o Panteão dos Inconfidentes, monumento inaugural do Museu da Inconfidência. Projetado pelo arquiteto do SPHAN José de Souza Reis, é constituído por 13 lápides funerárias em que se encontram sepultados os Inconfidentes José Álvares Maciel; Francisco de Paula Freire de Andrada; Domingos de Abreu Vieira; Luiz Vaz de Toledo Piza; José Aires Gomes; Antônio de Oliveira Lopes; Vicente Vieira da Mota; Inácio José de Alvarenga Peixoto; Tomaz Antônio Gonzaga; João da Costa Rodrigues; Francisco Antônio de Oliveira Lopes; Salvador Carvalho do Amaral Gurgel e Vitoriano Gonçalves Veloso. Uma única lápide foi deixada vazia em homenagem aos participantes da Inconfidência Mineira cujos corpos não estão ali enterrados. Panteão dos Inconfidentes , no Museu da Inconfidência, criado para abrigar os restos mortais dos libertários Foto: Divulgação /Museu da Inconfidência O processo oficial de repatriamento dos restos mortais dos Inconfidentes teve início com o decreto São Mateus, de 21 de abril de 1936. O presidente Getúlio Vargas determinava que os despojos fossem depositados em monumento na cidade de Ouro Preto para o culto cívico nacional e autorizava a publicação dos autos de devassa da Inconfidência e de documentos relativos aos fatos. No entanto, esse processo foi precedido por outras iniciativas. Em 1932, três ossadas atribuídas a Inconfidentes foram exumadas em território africano e remetidas ao Ministério das Relações Exteriores, no Rio de Janeiro. A documentação que acompanha o processo informa que, em novembro daquele ano, o cônsul do Brasil em Dakar solicita auxílio de autoridades da Guiné Portuguesa para localização dos restos mortais de alguns Inconfidentes. Teria chegado ao seu conhecimento que uma indígena, residente na Vila da Cacheu , ouvira de seus antepassados que ao lado da Igreja de Nossa Senhora da Natividade estariam enterradas umas ossadas “supostas como pertencentes a uns deportados de origem brasileira, para a Colônia enviados no tempo da rainha D. Maria I de Portugal, por motivo dos acontecimentos conhecidos no Brasil por Inconfidência Mineira”. Procedeu-se à exumação. Quando em 1934 houve mudança de direção na chancelaria em Dakar, o novo cônsul registra ter recebido uma caixa de madeira com três ossadas, atribuídas a Inconfidentes. E como pretendia remetê-las ao Brasil, informa ter tentado investigar a procedência das declarações contidas no auto de exumação. Declara que recorreu ao historiador português Rocha Martins que, em seu compêndio sobre a história das colônias portuguesas, afirma que desembarcaram, no arquipélago de Cabo Verde, Domingos Vidal de Barbosa e José Resende Costa (pai), seguindo os demais deportados para Angola. Para ele, é admissível que, por ocasião da chegada dos Inconfidentes ao arquipélago, o governador daquela Colônia, temendo que a presença e as idéias libertárias pudessem influir nas agitações políticas locais, tenha resolvido enviá-los à Guiné, onde vieram a falecer. É nessa correspondência 13 que, pela primeira vez, aparece referência nominal aos Inconfidentes a quem pertenceriam duas das ossadas: Domingos Vidal Barbosa e José Resende Costa (pai). A atribuição referente a João Dias da Mota está relacionada à pena de degredo para Cacheu, determinada em sentença nos autos. Remetidas para o Brasil, foram chamados a se pronunciar o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o Instituto Histórico de Ouro Preto sobre as questões relativas à “importância dos referidos documentos em sua correlação com os despojos a que os mesmos se referem”. Portanto, foi após toda essa discussão em torno das três primeiras ossadas restituídas ao país que se deu a mobilização de autoridades no governo Vargas. Uma comissão especial, chefiada por Augusto de Lima Júnior, foi nomeada para realizar o processo de trasladação dos despojos que se encontravam na África. Com a colaboração do governo português era promovida, junto às autoridades de Angola e Moçambique, a exumação e a remoção dos restos mortais para Portugal, onde os aguardava a missão brasileira. Em dezembro de 1936, desembarcavam no Rio de Janeiro os ossos, sendo recebidos em solenidade com honrarias militares e discursos, amplamente divulgada nos jornais da época. Estiveram presentes nas celebrações o presidente da República e as mais altas autoridades políticas do país. As urnas ficaram franqueadas à visitação pública na Catedral Metropolitana do Rio de Janeiro por mais de um ano. Somente após denúncia feita por Vicente Racioppi de que se achavam na igreja, “cheias de pó, mal arranjadas, algumas quebradas em parte”, foram retomados os procedimentos para o transporte até o destino final. Em 15 de junho de 1938 chegariam, na estação ferroviária de Ouro Preto, os restos mortais dos Inconfidentes. Recebidos solenemente pelo presidente Getúlio Vargas, o cortejo percorreu as ruas centrais da cidade, com participação do povo e autoridades, até a matriz de Nossa Senhora da Conceição de Antônio Dias, onde, provisoriamente, estiveram até a trasladação definitiva para o Panteão do Museu da Inconfidência. Até início dos anos 90, as três ossadas que haviam retornado ao país em 1934 permaneciam em depósito no arquivo Itamaraty, no Rio de Janeiro. Já na década de 70, ocorreram tentativas do Ministério das Relações Exteriores para a entrega definitiva dos despojos ao Museu da Inconfidência. Mas somente no final dos anos 80 é que se formalizou o compromisso de realização da pesquisa histórica sobre os restos mortais e a emissão de parecer sobre o encaminhamento do processo de identificação. Em 1992, o material passou à responsabilidade do Museu, que desde então tomou providências para assegurar a autenticidade das ossadas, por meio de laudo técnico de peritos da Unicamp. Concluído o estudo, em 21 de abril de 2011, o Panteão deverá receber os ossos de Domingos Vidal de Barbosa, José Resende Costa (pai) e João Dias da Mota, num ato de abrigo e justo reconhecimento a esses homens que ousaram propor um caminho de liberdade para a nação. Carmem Silvia Lemos Historiadora, Técnica do Museu da Inconfidência/IBRAM Responsável pela pesquisa histórica sobre o processo de repatriamento 14 Foto 1: Momento inicial do cortejo dos restos mortais dos Inconfidentes à cidade de Ouro Preto, em 15 de julho de 1938 - Luiz Fontana Foto 2: Celebração solene ocorrida no adro da Matriz de Nossa Senhora da Conceição de Antônio Dias, comandada pelo presidente Getúlio Vargas - Luiz Fontana Referências: 3 - Auto de exumação que acompanha correspondência remetida de Dakar ao Itamaraty, ref. Consulado de Dakar/38/1934/Anexo 1. Arquivo do Ministério das Relações Exteriores. 4 -Extraído da correspondência remetida aos Institutos pelo Ministério das Relações Exteriores, ref. Ministério/NC/SN/7(42).(85n) 4/1935/2. Arquivo do Ministério das Relações Exteriores O presidente Tomás Antônio Gonzaga assumiria a direção do país, caso a conspiração da lnconfidência tivesse êxito. Essa convicção se firmou com o tempo e parece perfeitamente razoável. Homem de grande inteligência e cultura, com experiência internacional, possuía familiaridade com o poder e larga experiência adquirida no exercício da Ouvidoria, quando era responsável pela manutenção da ordem jurídica em Vila Rica, centro de gravitação a atrair o grosso da população da Colônia. Um olhar sobre os inconfidentes será bastante para concluir, não havia ninguém em melhores condições para ocupar o cargo. Gonzaga vinha redigindo a proposta de constituição e o conjunto de leis indispensáveis à estruturação do país independente. Em Portugal, ele havia participado de grupos secretos dedicados ao estudo do pensamento enciclopedista, que se opunha ao absolutismo e preconizava a organização do poder à base da livre manifestação popular. Era uma cabeça progressista, sintonizada com o tempo e as transformações por que passava o mundo. Os primeiros estudiosos da conspiração de Vila Rica foram de opinião que o autor das Cartas Chilenas sequer chegara a ser Inconfidente. Apenas havia simpatizado com o movimento e aguardava os resultados, para decidir como se situaria dentro da nova ordem. Estavam todos influenciados pela argumentação que o acusado desenvolvera no processo da devassa, ao assumir sua própria defesa. Hoje, a opinião mais ou menos generalizada se encaminha noutro sentido. Há quase certeza de que ele tenha sido o líder intelectual da conspiração. Rui Mourão Membro da Academia Mineira de Letras e diretor do Museu da Inconfidência -Ouro Preto À esquerda da foto, a Prefeitura de São João del Rei, escolhida como capital da futura nação Foto: Eugênio Ferraz Cláudio Manoel da Costa, culto, experiente, de moral inatacável, não contava mais com o vigor da idade, condição indispensável para se envolver com a aventura de construir uma nação. Inácio José de Alvarenga Peixoto, advogado competente, também ouvidor, não revelou suficiente equilíbrio na sua condição de fazendeiro rico, às voltas com muitos negócios e dívidas comprometedoras. José Álvares Maciel, capaz, inteligente, mineralogista formado em Coimbra, possuía o impedimento da extrema juventude. Militares como o coronel Francisco de Paula Alves e o alferes Joaquim José da Silva Xavier, apesar do grande talento e ardente idealismo revolucionário do segundo, não se apresentavam como personalidades que dispusessem de visão de conjunto, formação cultural verdadeira, liderança inconteste. Entre os religiosos, sobressaía-se pela erudição, contemporaneidade de informação e senso de equilíbrio o cônego Luís Vieira da Silva, proprietário da mais bem sortida biblioteca clandestina aqui formada, mas nada sugeria neles o perfil de um verdadeiro chefe de estado. 15 Inconfidentes Os Ideais dos A liberdade conduzindo o povo - Delacroix - Reprodução “ 16 As razões da Inconfidência mineira não eram simplesmente as de uma revolta fiscal contra a derrama Liberdade Diz um Professor português, Esteves Pereira, especialista de História das Mentalidades, que não se pode saber quais eram os ideais do Passado, porque só vivendo nessa época se podia saber verdadeiramente aquilo em que os Homens de então acreditavam. Gonzaga, deixou um relatório ao Visconde de Barbacena, em que dizia que, em Minas Gerais, os brancos eram todos iguais. Mas não eram. Houve uma enorme diferença entre um Joaquim José da Silva Xavier, durante a repressão, e outros. Por isso, é difícil saber naquilo em que acreditavam os Inconfidentes, por duas ordens de razões: primeiro, porque só conhecemos uma pequena parte dos Inconfidentes e, segundo, porque aqueles que conhecemos tinham ideias e expectativas diferentes. Sabemos, pelo que foi apreendido a Joaquim José da Silva Xavier, que ele procurava documentar-se junto à Revolução Americana. Sabemos que José Joaquim Maia e Barbalho se encontrou e pediu ajuda a Thomas Jefferson, na França, mas que o inventor da frase “a árvore da liberdade tem de ser regada, de vez em quando, com o sangue de mártires e de tiranos”, não a deu. A mais antiga aliança portuguesa e a filiação britânica da Revolução americana prevaleceram. Sabemos ainda, pelo que se seguiu, após a repressão da Inconfidência, que o liberalismo brasileiro não era jacobino e que permaneceu cristão, não precisando de inventar nenhuma deusa “Razão”, ou um calendário pagão. Joaquim José só confessou no quarto interrogatório, isolado na Ilha das Cobras, seis meses depois de ser preso. Nunca baqueou quando foi acareado. Provavelmente só foi confrontado com a traição de Silvério Reis no momento em que foram postos à frente. No dia seguinte a ser condenado à morte, quando todos os outros, exceto ele, viam a vida salva mas os afetos destruídos, Joaquim José deu as mãos a todos e consolou-os. Estes são fatos. O Tiradentes, oficial feio e espantado, foi verdadeiramente excepcional e um caso fora do vulgar na história da condição humana. As razões da Inconfidência mineira não eram simplesmente as de uma revolta fiscal contra a derrama, espécie de compensação da contribuição anual em ouro – o quinto – que os portugueses do Brasil tinham de dar para Lisboa, mesmo quando já lhes parecia óbvio que podiam governar a si próprios. O que moveu realmente a Inconfidência foi a distorção dos Governadores e seus apadrinhados que, de três em três anos, se vinham “ensopar”, em ouro e diamantes, para o Brasil. Nada de novo, na Sociedade europeia e na moderna Democracia: os afetos do clientelismo são mais fortes que o Mar e os sufrágios não são feitos para ouvir, mas para ditar. Revoltas fiscais, houve-as muito em Portugal, inclusive no tempo do Marquês de Pombal e foram reprimidas com enforcamentos. Mais tarde, uma guerra civil, a “Maria da Fonte”, começou também por uma questão fiscal e, se a região norte de Portugal nunca cindiu, o regime mudou de liberalismo autoritário para monarquia parlamentar, corrido a pontapé pelas sete mulheres do Minho, armadas de fuso e roca. O período que se seguiu foi o de Eça de Queirós e de Antero de Quental. O seu ideal foi a Fraternidade. Até nos vários sinais durante os interrogatórios de que não pretendia verdadeiramente executar o Governador português, condoendo-se da sua mulher e filhos, o testemunham. Não era por terem poupado uma vítima que os Inconfidentes se iam poupar de morrer de morte cruel, pelo crime de lesa-majestade. Com que sonhava Joaquim José, em que acreditava ele, então? Joaquim José não era um barroco, período que – no seu amaneiramento despótico – é muito mais a antecipação do “Big Brother”, digital e virtual, é Cagliostro, Casanova e Marquês de Sade, do que o fim do Antigo Regime e seus ideais de cavalaria, paradoxalmente os mesmos de Canudos. Joaquim José passava pelo Rio de Janeiro insalubre e caótico e pensava no que se podia melhorar, na harmonia generosa da Natureza, nas soluções que esperavam na boca cariada de um Império que ele podia cauterizar e restaurar. Não foi essa a linguagem dos conjurados de 1640, em Portugal, os 40 nobres falidos e rotos que saíram à rua, numa madrugada fria de Dezembro e jogaram o pescoço contra o jugo da Espanha? Nem o Duque de Bragança os queria seguir, pois a legitimidade legalista estava do lado dos Filipes de Espanha, não fosse sua mulher, D. Luísa de Gusmão, dizer-lhe “Mais vale ser Rainha por um dia que Duquesa toda a vida”. Na verdade, os conjurados de Portugal, um século e meio antes, também falavam, como o “Tiradentes”, em restaurar os direitos da Nação. Sim, porque no Antigo Regime, aquele que cimentara Portugal na Idade Média e unira os marinheiros nas caravelas sobre um Mar temeroso, não era nenhum Soberano déspota, mas um “Respublica Christiana” ou “Naçon” em que Tradição e Inovação se combinavam em Mistério e Fidelidade, como a armação viva de mastros e velas. Sem Igualdade Mas, se a Liberdade era sobretudo Libertação – uma vez que os Inconfidentes não contemplaram seriamente o fim da escravatura num Estado onde metade da população era escrava – a Igualdade foi duvidosa no projeto duma República aristocrática dos Inconfidentes. Melo e Castro, o Governador autoritário que invejava Tomás Antônio 17 isso, Felipe Camarão, Henrique Dias e Vidal de Negreiros, não teriam resistido a um mundo muito mais luminoso dos holandeses, nas Batalhas de Guararapes e, por consequência, nem Portugal, nem o Brasil, existiriam hoje. E Joaquim José acreditou. Mesmo apesar do desprezo, dos que o apupavam num Teatro do Rio, por achar que era óbvio que, em terras de Vera Cruz, a Naçon lusa tinha direito a ser independente. E apesar do facto de ser um bom, diligente e criativo soldado, nunca o promoviam, nunca o reconheciam… mas o que é que há de novo nisto?! Joaquim José não era um ressentido. E não era um ingênuo. Acreditava apenas num modo diferente de ver as coisas em que o Saber nos ensina, não somos nós que o ensinamos, em que os caminhos do Bem e do alívio da Dor, não têm prerrogativas acadêmicas. Remédio é o que cura. Chamar-lheiam “Engenharia”, ou “Politécnica” mais tarde, num mundo que não o deixaram ver e que esmagaram com Inveja, Ganância e Ambição. De fato, Joaquim José acreditava num Mundo onde a Dor pode ser aliviada e, no seu mister de dentista, eu vejo a Luz dançando como uma candeia, contra aquela pequena sombra mesquinha de quem depressa se esquece de quem o aliviou. E vejo um Joaquim José, tocando a montada para a frente, sem ressentimento nem mágoa, exatamente do mesmo modo com que apressou os interrogatórios, salvando até ao fim quem ainda faltava por salvar, até salvar a sua alma eternamente. Era uma alma salva antes, quando um anjo lhe segredou, num momento de hesitação: “Não matarás”. Joaquim José não era reconhecido como chefe. Mas foi-o. Tornou-se chefe no caminho do calvário. Na batalha, o Alferes “feio e espantado” foi superior ao Coronel e, no terrível Juízo, foi maior que o Desembargador. E todo o segredo, com estes marinheiros que se ataram ao mastro quando o “monstrengo que está no fim do Mar, na noite de breu se ergueu a voar”, ficou por revelar. As centenas, talvez milhares de Inconfidentes espalhados pelo Brasil de então, não foram reveladas. Era uma história antiga, que nada tinha a ver com Portugal e Brasil, mas com a Inveja e o Amor ou com a Luz e as Trevas. Quando imagino Joaquim José caminhando pelo seu pé para o cadafalso, agarrando o pequeno crucifixo contra o peito, esse pequeno sinal dos cristãos que se desviou do humilde peixe primitivo ou do cordeiro confiante sobre os ombros do pastor, posso imaginar o cruzamento entre o Alfa e o Ómega a que nos agarramos no meio do Universo. E lembro-me do “Requiem” que Mozart compôs, agonizando: “Maledictus, suspirate! Benedictus exultate!”. Os heróis não morreram para que morrêssemos como eles, como se a Vida real, a vida de dentes sãos e cariados, juntos uns dos outros, fosse um filme de Hollywood em que há sempre música de fundo nos momentos supremos. Os heróis morrem para que nunca mais tenhamos que morrer como eles. Morreremos de outro modo, mas os Heróis não teriam sentido se tivéssemos de beber o cálice que eles beberam por nós. Fraternidade Quando o ideal nobre do Reino Unido de Portugal e Brasil se levantou, havia um fantasma que não tinha sossego. E ele continua sem sossego de cada vez que esse velho Processo chamado Inveja continua aberto e que os vícios são chamados de Virtudes. Esta noite, a Liberdade, que a Madrugada ainda não rompeu. A forma do Ideal, dormindo nas estrelas, nas lágrimas de Freire de Andrada, dito “demente”, ou no engolir em seco de Tomás António Gonzaga e na desolação de Marília, ainda não se completou. Mas um “Tiradentes”, algures, com as mãos agarradas a um humilde crucifixo, barbado ou não, morreu por mim antes da manhã romper. A Inconfidência está por fazer. André Bandeira Doutorado em Ciência Política pela Universidade Nova de Lisboa; exerce atualmente as funçòes de Cônsul de Portugal em MG. O presente artigo exprime a visão pessoal do autor 18 A Bandeira Em reunião na casa de Cláudio Manoel da Costa, Alvarenga Peixoto sugeriu o lema Libertas quae sera tamen, verso retirado das Bucólicas do poeta latino Virgílio A bandeira do Estado de Minas Gerais é uma homenagem aos Inconfidentes mineiros de 1781-1789, reproduzindo aquela que os revolucionários resolveram adotar como símbolo do novo país independente a ser instaurado. A forma atual, conforme as poucas provas existentes nos Autos de Devassa, é coerente com o desenho proposto pelos Inconfidentes. O que se pode afirmar é que Tiradentes criou a bandeira. Ela deveria conter um tríplice triângulo ou três triângulos concêntricos, o que se depreende das expressões “um triângulo, significando as três pessoas da Santíssima Trindade”, “três triângulos enlaçados”, “três bandeiras em uma”, “três unidas em uma”. Tiradentes apresentou a bandeira na reunião final realizada em 26 de dezembro de 1788 na casa do Tenente Cel. Francisco de Paula Freire de Andrada, comandante do Regimento de Cavalaria; provavelmente, os triângulos “enlaçados” estariam num fundo branco, como na bandeira portuguesa. Também é possível supor que os espaços entre os triângulos concêntricos estivessem preenchidos com as cores do Iluminismo, também adotadas pelos revolucionários franceses: vermelho (do sangue, igual em todos os homens) no espaço externo, branco (da liberdade, sem manchas) no intermediário e azul (do universo, fraternidade) no interno. Alvarenga Peixoto sugeriu que a bandeira apresentasse um índio quebrando algemas, mas foi contraposto ao fato de que, sendo essa uma das bandeiras norte-americanas, seria uma pobreza a imitação. No dia seguinte, em reunião na casa de Cláudio Manoel da Costa, este sugeriu um dístico - Libertas aquo Spiritus (Liberdade para o espírito) -, mas Alvarenga preferiu Libertas quae sera tamen (Liberdade ainda que tardia), um verso retirado das Bucólicas do poeta latino Virgílio, e insistiu na idéia da bandeira com o índio agrilhoado. Na presença de Tomás Antônio Gonzaga, que os liderava, decidiu-se que a bandeira seria mesmo a de Tiradentes com o lema sugerido por Alvarenga Peixoto, que todos acharam “muito bonito”. A proposta do índio foi escolhida para ser o símbolo das “armas” nacionais, com outro dístico, escrito por Cláudio Manoel da Costa - Aut libertas aut nihil (Ou liberdade ou nada). Proclamada a República em 1889, a bandeira dos Inconfidentes foi adotada como a flâmula do novo Estado, num resgate histórico de grande significado político e moral. Os Autos de Devassa só seriam publicados em 1938, não se sabendo ao certo como era a bandeira concebida pelos Inconfidentes; o modelo escolhido foi o de um triângulo verde num fundo branco, simbolizando as matas do Estado e suas riquezas agrícolas, formato que perdurou até o fim da década de 1950, quando uma nova lei modificou a cor do triângulo para vermelho. Todavia... Alguns autores, sendo o primeiro deles Afrânio Coutinho na década de 1950, levantaram a tese de que Alvarenga Peixoto teria cometido um erro ao propor o lema Libertas quae sera tamen, eis que a frase “Liberdade ainda que tardia” em latim é Libertas quae sera, estando em excesso a palavra tamen, que significa “todavia”. Alvarenga Peixoto – e Tomás Gonzaga, que o apoiou –, eram dois grandes poetas e latinistas e dificilmente cometeriam um deslize dessas proporções. Na verdade, deram uma grande demonstração de conhecimento da poesia latina e de Virgílio. Como disse Nelson Romero, quem não leu Virgílio sentindo-o não pode entender a particularidade do seu estilo, os fatos da vida ecoando na alma sensível e melancólica do poeta. As Bucólicas sãos poemas épicos, feito para serem declamados; os versos têm sonoridade, não podem ser lidos ao corrente, mas apenas dentro da frase sonora completa e do seu significado (Libertas, quae sera tamen respexit inertem). Virgílio e seus contemporâneos jamais leriam a frase como Libertas quae sera. Transcrever na bandeira a frase dessa maneira seria uma ofensa ao talento poético de Virgílio e, aí sim, uma demonstração de pouco conhecimento da poesia e da obra do velho mestre romano. Por fim, anote-se que tamen não significa apenas “todavia”. Significa também “então”, “apesar de tudo” ou “não obstante tudo em contrário”. Colocando-se essas palavras no lugar de tamen é possível ver que Alvarenga e Gonzaga sabiam o que estavam fazendo. Márcio Jardim Historiador e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais 19 Pela piedade de sua Majestade A História do Doutor José de Oliveira Fagundes, o homem que defendeu os Inconfidentes A saga do Animoso Alferes e de seus companheiros de conjuração tem sido descrita, declamada, representada e iconografada, sendo bastante ou razoavelmente conhecida de todos, da escola primária ao curso superior. Mas pouco se tem falado do homem – Dr. José de Oliveira Fagundes – que, enfrentando dura missão, encarregou-se da defesa dos 29 réus presos nas cadeias do Rio de Janeiro e ainda da curatela dos três réus falecidos antes do início do julgamento. José de Oliveira Fagundes nasceu no Rio de Janeiro, por volta de 1750, filho de João Ferreira Lisboa e de Jerônima Inácia de Oliveira, mineira, marianense (José Crux). Em 1773, matriculou-se na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, onde se diplomou em 1778. Radicando-se em sua cidade natal, Oliveira Fagundes passou a exercer a advocacia liberal nos auditórios da Capital do Vice-Reino e a advocacia de partido da Santa Casa de Misericórdia. A Alçada No dia 25 de outubro de 1791, os Autos das Devassas realizadas em Vila Rica e no Rio de Janeiro foram conclusos ao Desembargador Vasconcellos Coutinho, Chanceler da Alçada Régia, especialmente constituída pela Rainha Louca para sentenciar sumariamente, em Relação, os réus que se achassem culpa dos no “horrível atentado” contra a Coroa. No dia 31 de outubro de 1791, a Alçada nomeou para a defesa o Doutor José de Oliveira Fagundes, advogado da Santa Casa, situação equivalente à assistência judiciária moderna (João Camilo). A Defesa Na longa e caprichada peça, Oliveira Fagundes reconhece a culpa de alguns réus, alega a inocência de outros, implorando pena suave para os primeiros e absolvição para os últimos, e termina invocando para todos “a piedade de Sua Majestade, a quem humildemente pedem perdão das suas loucuras e insânia´. Com relação ao Alferes, Fagundes o qualificou como loquaz, sem bens e sem importância na Capitania. Tais palavras, usadas como artifício de defesa, têm sido interpretadas erroneamente por alguns historiadores, que logo se arvoram em acusadores do advogado. Não compreendem eles que Tiradentes havia orgulhosamente confessado o crime, puxando para si grande parte da responsabilidade do malfadado levante. Restava, portanto, a Fagundes apelar habilmente para a insanidade do réu, para a sua suposta falta de importância no panorama político e social de então. Era a única saída, ou melhor, a única tentativa de saída. A Sentença Às duas horas da madrugada do dia 19 de abril de 1792, na presença dos Acusados, reunidos na Sala do Oratório da Cadeia Pública (Paço dos Vice-Reis), no Rio de Janeiro, tragicamente decorada com panos pretos, cruzes de prata e tocheiros funerários, a terrível sentença da Alçada Régia, ali também reunida sob a presidência do próprio Vice-Rei, foi lida pausadamente pelo escrivão nomeado para o Tribunal Especial. Pouco a pouco, a angústia dos réus foi-se transformando no desespero dos condenados. Ali estava o desfecho trágico da Inconfidência: onze réus condenados à morte por enforcamento; cinco a degredo perpétuo em África; dois a exílio por dez anos; um a dez anos de galés; um a açoite seguido de degredo; os cinco padres exilados para Lisboa; um teve a memória difamada (Cláudio Manuel); e cinco absolvidos. O Recurso Terminadas a leitura e a intimação da sentença, o combativo advogado, não se conformando com as poucas absolvições que obtivera e com o rigor das penas impostas, imediatamente pediu vista dos autos para recorrer. Concederam-lhe 24 horas e, em menos que isso, José de Oliveira Fagundes produziu os notáveis Embargos dos condenados à morte, pondo em relevo a confissão dos réus que até o Tribunal do Santo Ofício considerava como atenuante da pena máxima. E pediu a transformação do enforcamento em cárcere perpétuo para todos, inclusive para Tiradentes, com argumentos lógicos e inteligentes, desta natureza. Conclusos os autos com o recurso, foi este desprezado pela Alçada por sua matéria, e determinado ficou o cumprimento da sentença embargada. Nesse meio tempo, o diligente advogado havia entrado com um pedido de vista e, na meia hora que lhe deram, redigira Segundos Embargos, em oito itens, por via de restituição de presos e miseráveis (o derradeiro apelo). A Carta Régia A Carta Régia, que comutou a pena dos sentenciados à morte em degredo perpétuo, fora escrita, com antecedência, para ser usada em caso de condenação. E assim foi feito. Somente o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, por ser o único que na forma da dita carta se fez indigno da Real Piedade, não escapou da pena máxima. É preciso ressaltar aqui o trabalho do advogado Fagundes, pois é certo que suas alegações e seus esforços influíram na Corte Julgadora que, nos termos da Carta, podia usar o abrandamento da pena para aqueles (no plural) cujos crimes não fossem revestidos de tais e tão agravantes circunstâncias; da mesma forma, a pena de morte deveria ser mantida e executada para aqueles (no plural também) que com discursos, práticas e declarações sediciosas, procurassem introduzir no ânimo de quem os ouvia o veneno de sua perfídia. O que se vê daí é que a Alçada teve grande arbítrio para usar da graça concedida pela Rainha. E é claro que seus membros o fizeram com base nas provas dos autos e (por que não?) nas alegações de defesa apresentadas pelo bravo Fagundes. Novo acórdão foi lavrado conforme os termos da Carta Régia e, no dia seguinte, 21 de abril de 1792, às onze horas e vinte minutos, após a recitação do Credo, Tiradentes recebia o empurrão fatal que lançou seu corpo para fora do patamar da forca. Mas a terrível cena que se abateu sobre o Rio de Janeiro não causou desânimo ao advogado Fagundes. Pelo contrário: ei-lo, incansável, a 2 de maio de 1792, entrando com um longo recurso em favor dos degredados, conseguindo reduzir várias penas de degredo e mudar locais de cumprimento do exílio. Por tudo isso Vê-se que o Doutor José de Oliveira Fagundes, brasileiro, advogado, exerceu com habilidade, inteligência, propriedade, ética e honestidade o difícil mandato que lhe fora outorgado pela Alçada Régia, merecendo, pois, um lugar de destaque na grande epopeia da Inconfidência Mineira. Ricardo A. Malheiros Fiuza Professor, membro do IHG-MG e da Academia Mineira de Letras 21 Eclesiásticos A Revolta dos Entre a religião, o castigo e a loucura “ No julgamento dos Inconfidentes, algumas linhas ficaram apagadas por mais de um século e meio. O destino de Tiradentes é o mais famoso: forca e esquartejamento. O da maioria de seus companheiros também era público: o degredo. Mas, a história de cinco deles foi um dos maiores enigmas do movimento até a metade do século XX: o que teria sido feito do Cônego Luis Vieira da Silva e dos padres José da Silva de Oliveira Rolim, Carlos Correia de Toledo e Melo, José Lopes de Oliveira e Manuel Rodrigues da Costa? Muitos supunham, acertadamente, que a sentença fora tornada secreta. Outros, que eles foram julgados em tribunal eclesiástico Muitos supunham, acertadamente, que a sentença fora secreta. Outros, que eles foram julgados em tribunal eclesiástico. O historiador Lúcio José dos Santos dissera: “os acórdãos relativos aos sacerdotes implicados na Inconfidência permaneceram sempre secretos. Ao que se sabe pelo primeiro acórdão, foram todos condenados à morte”. Com o passar dos anos, descobriu-se que dois meses após a morte do alferes, eles embarcaram para Lisboa, onde ficaram presos quatro anos na fortaleza de São Julião da Barba. Soube-se, posteriormente, que José Lopes de Oliveira morreu na fortaleza de São João. Em O Processo dos Eclesiásticos da Inconfidência Mineira – Sentença Conhecida (Centro de Estudos Bahianos, 1951), Alberto Silva faz uma notável síntese do tema, desde as dúvidas dos pesquisadores até o desfecho do caso, trazido à luz por portugueses. O início dessa mudança deveu-se a Antônio Anselmo, conservador da Biblioteca Nacional de Lisboa. Em um dos anais da instituição, ele conta que Filipe de Vilhena detinha posse de considerável coleção de livros, herdada dos “antigos Condes das Galvêas no seu palácio de Campo Pequeno”. Ao citar temas da biblioteca particular, ele menciona os autos contra os Eclesiásticos da Inconfidência, não se debruçando sobre a questão. Cerca de trinta anos depois, o português Ernesto Ennes buscou os documentos, atentando-se à conexão entre Filipe Vilhena e a suposta ordem para que a sentença fosse secreta. É provável que ela tenha sido enviada pelo ministro e secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar de então, Martinho de Melo e Castro, filho de D. Francisco de Melo e Castro, por sua vez, filho do 4º Conde das Galvêas. Assim, Ennes chega a Teresa de Melo e Castro, viúva de Filipe Vilhena. Com permissão dela, o português traz à tona o grande segredo que ainda rondava os Inconfidentes. Nos Autos, ficam condenados à forca “por crime de lesa majestade de primeira cabeça”, além de terem seus bens confiscados, José da Silva de Oliveira Rolim, Carlos Correia de Toledo e Melo e José Lopes de Oliveira. Os dois primeiros, considerados chefes da Conjuração. José Lopes de Oliveira, por ter participado. Já o Cônego Luis Vieira da Silva e o padre Manuel Rodrigues da Costa, que, segundo os Autos, sabiam sobre o movimento, mas não o denunciaram, foram condenados ao degredo. O Cônego devia perder todos os seus bens e Manuel Rodrigues a metade. Se retornassem ao Brasil, também iriam à forca. Estudos mais recentes discordam da referida atuação dos religiosos na Inconfidência. Entretanto, por intervenção da rainha portuguesa, a pena capital dos três eclesiásticos foi convertida também em degredo. Como se vê, a alcunha de louca de Dona Maria I perdurou, mas foi sua fervorosa fé que preservou a vida de três dos nossos heróis. Fernando Junqueira Editor da Memória Cult 22 Um Novo Olhar Sobre Tomás Gonzaga Induvidoso que Tomás Antônio Gonzaga foi uma das personalidades marcantes do movimento libertário da Inconfidência Mineira, tendo participação significativa em sua idealização. Muito embora a história que aprendemos revela e enaltece como um grande poeta árcade era ele na verdade magistrado de carreira que compunha a classe denominada “burocracia togada”. No período colonial os magistrados exerciam papel fundamental no sistema do governo eis que personificavam e enfeixavam a autoridade do rei que por vez se apoiava na competência e lealdade destes para obter, manter e consolidar essa autoridade. 23 Tomás Antônio Gonzaga nasceu na cidade de Porto, Portugal, em 11 de agosto de 1744, filho do brasileiro João Bernardo Gonzaga e da portuguesa Tomásia Isabel Clark. Órfão de mãe no primeiro ano de vida, mudou-se com a família em 1751 para a Colônia do Brasil, passando alguns anos de sua infância nas capitanias de Pernambuco e da Bahia onde o pai servia na magistratura inicialmente como Ouvidor-Geral e depois como Desembargador da Relação. Já moço, Gonzaga retornou a Portugal a fim de completar os estudos, matriculando-se em 1761 na Universidade de Coimbra e na qual concluiu o curso de leis em 1768, aos 24 anos. Exerceu Gonzaga alguns cargos jurídicos e a advocacia na cidade do Porto. Candidatou-se a uma cadeira na Universidade de Coimbra, apresentando a tese intitulada "Tratado de Direito Natural", que espelhava seu pensamento jurídico-filosófico ofertando-a ao Marquês de Pombal por volta de 1770, considerando a oposição que este fazia às cadeiras na faculdade de leis da Universidade de Coimbra. O Magistrado Com pouco talento à cátedra, Gonzaga resolveu seguir a carreira do pai, habilitando-se à magistratura, sendo nomeado em 1779 Juiz de Fora da comarca de Beja, sudeste de Portugal. Em 1782, é promovido a ouvidor na comarca de Vila Rica na Capitania das Minas Gerais, a mais rica de toda a colônia do Brasil. O Ouvidor – cargo judicial instituído em 1534 –, também designado de ouvidor de comarca ou da capitania, era nomeado pelo rei e figurava como a mais alta autoridade judiciária da capitania. Exercia função judicial sobre o crime e civil e, ainda, a função administrativa atribuída ao corregedor dirigindo, também a polícia. Tinha competência recursal das decisões do juiz ordinário e juiz de fora. Tinha competência originária de conhecer causas por ação nova de questões surgidas até dez léguas ao redor de onde servisse. Gonzaga, como segunda autoridade da capitania por questões várias, conflitou com o autoritário Governador Capitão-General Luís da Cunha Menezes até ser este sucedido por Luís Antônio Furtado de Castro, o Visconde de Barbacena, com o qual manteve um respeitoso relacionamento profissional. Em 1786, Gonzaga é promovido ao cargo de Desembargador do Tribunal da Relação da Bahia, mas a pedido, teve a posse adiada na expectativa de contrair matrimônio. 24 O Poeta Em Vila Rica, Gonzaga muito se dedicou à literatura nas horas vagas, adotando o nome arcádico de “Dirceu”. Escreveu significativos poemas líricos do arcadismo luso-brasileiro com temas pastoris e de galanteios. Nesta mesma época, Tomás Gonzaga, aos 40 anos, apaixonou-se perdidamente por Maria Dorotéia Joaquina de Seixas Brandão, formosa e culta jovem de 18 anos e a quem dedicava poesias do mais requintado sabor clássico, atribuindo-lhe o nome arcádico de “Marília”. Maria Dorotéia era de uma das principais e ricas famílias de Vila Rica, que, inclusive, se opunha ao romance por ser Gonzaga mais velho, e embora autoridade de prestigio, pessoa culta e requintada, tinha pouca fortuna para os padrões da época. O Inconfidente Juntamente com outras personalidades de classe e posição social elevadas (proprietários rurais, intelectuais, juristas, clérigos e militares), como Cláudio Manuel da Costa, Inácio José de Alvarenga Peixoto, Freire de Andrade, José Alvares Maciel; Padres Toledo e Rolim; e Joaquim José da Silva Xavier, influenciados pelo Iluminismo europeu e pela soberania da América do Norte, articulavam um movimento pró independência das Minas Gerais na aspiração de uma pátria livre. Em maio de 1789 malogrado o movimento libertário, Gonzaga, acusado de conjuração, é preso e encaminhado para o Rio de Janeiro, onde permaneceu por três anos, até ultimar o processo da devassa em 17 de abril de 1792, sendo condenado juntamente com mais outros conjurados. Gonzaga recebeu a pena de degredo perpetuo que acabou comutada em degredo temporário de 10 anos para a colônia africana de Moçambique. No desterro, retomou sua vida, exercendo os cargos de Procurador da Coroa e Fazenda, cumulando com o exercício da advocacia, que lhe redeu bons proventos eis que era praticamente o único advogado habilitado em Moçambique. Nupciou com Juliana de Souza Mascarenhas, de 18 anos, jovem de poucas letras, mas de muita fortuna, com a qual teve dois filhos. Gonzaga foi mais tarde nomeado Juiz da Alfândega, cargo que exerceu até o seu falecimento, aos 65 anos, no início de 1810. 25 Quanto a Maria Dorotéia Joaquina de Seixas Brandão, a “Marília”, seu destino não foi outro senão permanecer solteira e suportar por toda sua vida o fiel amor infeliz em meio às mais dolorosas recordações, falecendo em 1853, aos 86 anos. Memória Em 1942, por reivindicação do governo brasileiro, atendendo apelo do historiador Augusto de Lima Junior, os restos mortais de Tomás Gonzaga e de outros Inconfidentes foram transladados da África e da Europa para o Brasil. Hoje, encontram-se depositados no “Panteão dos Heróis da Inconfidência Mineira”, integrante do Museu da Inconfidência, em Ouro Preto, onde estão a evocar glórias passadas de nossa historia política, recebendo o mais alto culto cívico nacional. Tomás Gonzaga é considerado um dos grandes poetas do arcadismo brasileiro, e seus versos, fugindo à tendência da época, são marcados por expressão própria, pela harmonização dos elementos racionais e afetivos e por um toque de sensualidade pouco pronunciado, praticamente ausente em outros autores árcades. As principais obras literárias legadas foram: “Marília de Dirceu” (coleção de poesias líricas, publicadas em três partes, em 1792, 1799 e 1812 – hoje sabe-se que a terceira parte não foi escrita pelo poeta), que perde em numero de edições só para “Os Lusíadas” de Camões. “Cartas Chilenas” (impressas em conjunto em 1863), poema que satiriza em forma de epístolas os atos do governador da Capitania Minas Gerais. A única obra jurídica “Tratado de Direito Natural ” divida em três partes, em cuja última estão as formulações do direito natural dando origem ao debate teórico acerca da constituição dos direitos humanos, é de grande interesse, até hoje, para historiadores e estudiosos da Filosofia e do Direito. Na foto, à direita, a Casa dos Contos, então residência e “casa de contratos” de João Rodrigues de Macedo e, após o Horto Botânico do Padre Veloso, a residência do também contratador José Pereira Marques, o Marquésio das Cartas Chilenas. Ambos contratadores citados como “grossos rendeiros”, sem dúvida o foram pelo volume de negócios que administraram. Macedo teria sido o cérebro financeiro da Inconfidência, mas escapara incólume da Devassa. 26 Tomás Antônio Gonzaga, por sua valorosa contribuição à literatura portuguesa e à cultura nacional, foi imortalizado como patrono da cadeira de n° 37 da Academia Brasileira de Letras; e patrono da cadeira n° 34 da Academia Mineira de Letras. Bicentenário No ano de 2010, por ocasião das comemorações oficiais do bicentenário da morte de Tomás Gonzaga, a Associação dos Magistrados Mineiros (Amagis), comprometida com a preservação do patrimônio cultural, rendeu justa homenagem ao poeta Inconfidente, resgatando e difundindo sua memoria como magistrado. Fisionomia Afinal, como deveria ser a fisionomia de Gonzaga? Embora certamente tenham existido pinturas expressivas da figura física de Gonzaga, estas não ficaram perpetuadas para mostrar a sua real imagem. Ao longo dos anos, imagens supositícias foram criadas, sempre tiradas e levemente alteradas de um retrato a óleo ideado em 1843 por João Maximiano Mafra (1823-1908), que vêm ilustrando os livros, principalmente didáticos. O livro “Como era Gonzaga” (Eduardo Frieiro, 1950) procurou satisfazer os curiosos estudando e esquadriando a figura física do Inconfidente. Baseado nesse estudo histórico, a Amagis, numa inciativa inédita, encomendou a um artista plástico a iconografia de Gonzaga, que revelasse sua qualidade principal de magistrado. O pintor, com todo seu talento, recriou com riqueza de detalhes a imagem física de Gonzaga aos 40 anos, nas lidas de seu cargo no gabinete de trabalho, examinado e decidindo um processo. Marcos Henrique Caldeira Brant Juiz de Direito e Membro do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais 27 Casa de Gonzaga em Ouro Preto Um poeta no exílio Em Moçambique, os últimos anos do “Dirceu de Marília” Denunciada a conjuração em Minas Gerais, o poeta Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810), ex-ouvidor em Vila Rica, foi detido, encaminhado ao Rio de Janeiro e recolhido à fortaleza da ilha das Cobras, no dia 6 de junho de 1789. Escreveu liras, rompeu o noivado com Maria Dorotéia e compareceu a vários interrogatórios, sempre se mantendo “numa tenaz negativa”. Da prisão, pediu a um amigo que levasse para Lisboa os originais de Marília de Dirceu, que sairia à luz pela Tipografia Nunesiana, quando ele já estava em seu exílio na ilha de Moçambique havia três meses. Pouco tempo depois de desembarcar da nau Nossa Senhora da Conceição e Princesa de Portugal, a 31 de julho de 1792, para cumprir pena de degredo por dez anos, Gonzaga foi nomeado promotor de defuntos e ausentes pelo ouvidor Francisco Antônio Tavares de Siqueira. Ao contrário do que afirmou o professor M. Rodrigues Lapa, em seu prefácio para “Obras Completas de Tomás Antônio Gonzaga” (São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1942), o poeta não casou com “a herdeira da casa mais opulenta de Moçambique em negócio de escravatura” nem consagrou “as horas vagas ao rendoso comércio de escravos”. Muito menos ajudou o sogro a aumentar sua fortuna. Até porque nem teve tempo para isso. O escrivão Alexandre Roberto Mascarenhas, seu subordinado, morreu aos 42 anos, em 1793, no mesmo ano do casamento de Gonzaga com sua filha, Juliana de Sousa Mascarenhas, jovem analfabeta de 19 anos. Mascarenhas nunca se envolveu no comércio negreiro. Era proprietário de uma casa na Rua do Largo da Saúde, onde Gonzaga passou a morar com a mulher, e de uma machamba (plantação de mandioca) no continente fronteiro, que obtivera pelo casamento com Ana Maria de Sousa. O casamento representou um desafogo nas finanças do degredado, mas não foi suficiente para torná-lo um potentado. Ana Maria, a sogra, com a morte do marido, transferiu para o casal a morada da Rua do Largo da Saúde e passou a morar sozinha na machamba, nas Terras Firmes. Com a concordância de sua mãe, Juliana França de Sousa, doou ao casal um palmar com suas casas contíguo a sua propriedade. A vida nunca esteve mal para Gonzaga. Tanto que, com menos de 25 dias de chegado à terra, pode comprar um escravo ladino por 20 mil-réis. Uma das raras pessoas cultas naquele povoado, o ex-ouvidor não encontraria dificuldades. Como advogado, trabalhou para traficantes negreiros e, mais tarde, ao final da vida, como juiz interino da alfândega, seria acusado pelo governo de Lisboa de ter favorecido os interesses da elite negreira, em detrimento da Coroa. Na África, comporia “A Conceição”, poema épico inspirado no naufrágio da nau Marialva, em 1802, às costas de Moçambique, que hoje faz parte do acervo da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, ainda que incompleto. Com Juliana, teve dois filhos: Ana e Alexandre Mascarenhas Gonzaga. Alexandre, nascido em 1809, morreu solteiro. Ana casou, em segundas núpcias, com Adolfo João Pinto de Magalhães, que foi um dos maiores traficantes negreiros de Moçambique. Gonzaga foi sepultado na igreja do convento de São Domingos dedicada a Nossa Senhora do Rosário, na ilha. Em 1852, esse templo foi demolido por estarem suas paredes comprometidas e os ossos do poeta teriam se perdido. Não há indícios de que tenham sido trasladados para outra igreja. Os ossos que vieram para Ouro Preto em 1936 são de Tomás Antônio Gonzaga de Magalhães (1829-1855), neto do poeta, que estava enterrado na igreja da Cabaceira Grande, no distrito de Mossuril, em frente à ilha. A inscrição que prova isso está lá até hoje na parede da capela-mor. Adelto Gonçalves, Doutor em Literatura Portuguesa, autor do livro Gonzaga, um Poeta do Iluminismo Lápide referida no texto A arcádia do Rio das Mortes Instituição foi centro de discussão das idéias iluministas entre intelectuais da região A primeira revelação vem da afirmação do Dr. Emílio Joaquim da Silva Maia: “Antes de hirmos á diante, não devemos passar em silencio huma Sociedade instituída em Minas, alguns annos antes da creação da Sociedade Fluminense de que acabamos de fallar [ele se referia à Sociedade Literária do Rio de Janeiro]. Esta associação litteraria composta de poucos individuos, tinha o nome de Arcádia do Rio das Mortes, por achar-se estabelecida em hum lugar perto deste rio, e julgase que ella existiu pelo anno pouco mais ou menos de 1760. Foram seus instituidores: 1º) José Basílio da Gama, author do poema Uraguay e do Elogio sobre o Tejo, que foi premiado pela Arcádia de Roma; 2º) Manoel Ignácio da Silva Alvarenga, nome também celebre na litteratura brasileira, e de quem nos restam excellentes poesias; 3º) o celebre Bernardo, paulista, que tinha sido educado em São João del Rey, muito conhecido pelas suas poesias, porem quase todas ficaram manuscriptas e se acham em algumas mãos e em algumas Bibliothecas. Essa A existência de algumas destas Arcádia durou mui pouco tempo instituições foram até colocadas Placa da Fazenda do Pombal reverencia Tiradentes como então acontecia a todas as em dúvida, como aconteceu com a Foto: Fábio Rosa sociedades litterarias do Brasil, e da Arcádia Ultramarina e da Escola della não teríamos noticia alguma, Mineira, das quais a Arcádia do Rio se sua existência não fosse transmitida por alguns Mineiros das Mortes seria uma ramificação dependente. Joaquim contemporaneos. Em nota que acompanha o texto Dr. Emílio Norberto de Souza e Silva foi um dos críticos que mais aponta o nome do informante: ‘nós viemos ao conhecimento duvidou da existência delas, mas, segundo a argumentação dessa Sociedade por noticia que nos deo o Sr. Senador de Martins de Oliveira, o ceticismo dele não é digno de crédito, João Evangelista de Faria Lobato’.”. (In: Discurso sobre pois se valeu da “sua história perenemente romanceada” e as sociedades científicas e de beneficência que têm sido “não se conduziu com a argúcia de historiador” ao contestar estabelecidas na América, recitado na Sociedade Literário a existência dessas sociedades literárias. Martins de do Rio de Janeiro. Tipografia Imparcial de Brito de 1836, In Oliveira, após evidenciar os equívocos históricos levados a 4). efeito por Joaquim Norberto, direcionou o texto no sentido de provar a existência de uma academia que existira às O segundo testemunho é do cônego Januário da Cunha margens do Rio das Mortes. Assim, na segunda parte dos Barbosa, que registrou a existência de “uma arcádia, que seus escritos, propôs-se a responder a seguinte pergunta: se ramificou em Minas Gerais, e da qual nos restam ainda Existiu a “Arcádia do Rio das Mortes”? Para fundamentar a excelentes poesias. Esta associação foi logo acrescentada sua resposta, ele apresentou quatro testemunhos. “Arcádia do Rio das Mortes” é um texto de Cândido Martins de Oliveira (1896-1975), publicado numa separata da Revista do IHG de Minas Gerais, ano de 1960. Martins de Oliveira afirma que durante o tempo do Brasil Colônia, a atividade intelectual era “asfixiada ao extremo das vexações inimagináveis. Tudo passava pelo rol de crime, e a repressão começava invariavelmente pela masmorra e culminava, ou no exílio, ou no patíbulo. (...) Em verdade, a iniciativa da fundação de grêmios ou colégios de cultura não vinha, nunca, dos representantes da Metrópole”. Cita como exemplos os fatídicos destinos da “Academia Brasílica dos Esquecidos”, de 1724; da “Sociedade Literária”, de 1786; da “Academia dos Felizes”, de 1736/1740; da “Academia dos Seletos”, de 1751; da “Academia Brasílica dos Renascidos”, de 1759, e da “Academia Científica do Rio de Janeiro”, de 1771. Todas estas sociedades foram reprimidas e tiveram desenlaces tristes ou trágicos. 29 de outros ramos de Filologia, que a tornaram útil e de honra à nossa pátria. Cláudio Manoel da Costa, pelos seus poemas que se podem ler no Parnaso Brasileiro, dá prova dessa organização de árcades, que por algum tempo abrilhantaram a comarca do Rio das Mortes” (In: Revista do IHGB, vol. II, p.338). A terceira argumentação é do general José Inácio de Abreu Lima, filho do célebre “Padre Roma” (um dos revoltosos pernambucanos de 1817): “neste ano [um pouco mais ou menos de 1760] supõe-se que tivera origem uma Sociedade Literária na Província de Minas Gerais com a denominação de Arcádia do Rio das Mortes. De seus instituidores apenas resta a memória de poucos, entre eles José Basílio da Gama, autor do poema Uraguai, Manoel da Silva Alvarenga, e o célebre Paulista Bernardo, cujas poesias foram tão apreciadas no seu tempo. Esta Sociedade durou pouco tempo como todas no Brasil, debaixo do jugo de ferro dos portuguêses”. (In: Synopsis ou Dedução Cronológica, pág. 232, Impresso em Pernambuco em 1845 - Tipografia de M. F. de Faria - Biblioteca Nacional - Obras raras). O último testemunho é o do senador João Evangelista de Faria Lobato, amigo de Cláudio Manuel da Costa, Alvarenga Peixoto e Silva Alvarenga, além de ter sido “tesoureiro pagador da tropa, no início de sua carreira, ao tempo do Visconde de Barbacena”: “nós viemos ao conhecimento dessa Sociedade por notícia que nos deo o Sr. Senador João Evangelista de Faria Lobato”. Segundo o autor, o valor deste depoimento é reforçado pelo fato de ter sido ele [o Lobato] Ouvidor de São João del-Rei, de 1820 a 1821. Martins de Oliveira atestou que “não passaria pela cabeça de ninguém fosse o Desembargador Faria Lobato fabricar ou forjar a existência de uma Arcádia para o simples prazer de mentir aos homens de seu tempo”. A respeito do lugar da Arcádia do Rio das Mortes, assim concluiu Martins de Oliveira: tinha o nome de Arcádia do Rio das Mortes “por se achar estabelecida em lugar perto dêste rio. Na época, dois eram os lugares conhecidos na vasta região banhada pelo Rio das Mortes: São João del-Rei e São José del-Rei. Outras povoações, certo, existiam, mas sem a projeção dos dois sítios. Ligeira consulta a mapas antigos deixa claro que o lugar é São João Del-Rei. (...) Dotada de intensa vida já em 1778, era ponto obrigatório para os que vinham de Taubaté. Ostentando numerosos templos religiosos (...) seria a capital do distrito, designação exata para centro de região enorme, enormíssima, cujas divisas se faziam com Goiás e São Paulo e, a Leste, com a Comarca de Mariana e, ao norte, com a Comarca de Vila Rica. Centro que congregava as pessoas mais ilustres do seu tempo, depois de Vila Rica, (...) núcleo intelectual de primeira grandeza, em relação às possibilidades do meio. (...) Nunca é demais lembrar que foi uma das quatro antigas ‘verdadeiras cúrias episcopais’...”. Martins de Oliveira concluiu que: “A existência da Arcádia do Rio das Mortes não pode ser posta em dúvida, sob pena de se desmentirem os homens, uns aos outros, na fria análise dos fatos. Floresceu em 1778 e durou o tempo em que o seu instituidor Manoel Inácio da Silva Alvarenga morou em São João del-Rei (1782). Nela figuraram, além de seu instituidor, Bernardo da Silva Ferrão, Pe. Antônio Caetano Vilas Boas da Gama, Dr.Inácio José de Alvarenga Peixoto, Pe. Matias Alves de Oliveira, João de Araújo e Oliveira, e outros de difícil identificação”. Ante estas evidências, não é de se estranhar que São João del-Rei tivesse sido a sede da Arcádia do Rio das Mortes: a localidade foi um centro de discussão das idéias iluministas entre os vanguardistas revolucionários aqui radicados, os quais, depois, a exemplo do são-joanense Joaquim José da Silva Xavier, amadureceram o ideário da nossa independência. José Antônio de Ávila Sacramento Historiador Membro do Instituto Histórico e Geográfico de São João del Rei Nota do Editor: Ruínas da Fazenda do Pombal, local para onde há projeto de instalação de grande Centro Cultural. Em 2008, no dia 20 de abril, na Casa dos Contos de Ouro Preto, em solenidade presidida pelo então vicegovernador Antonio Anastasia, quando da abertura do ano da França no Brasil, Foto: Arquivo do Autor 30 foi lançado o “Manifesto da Fazenda do Pombal” visando a criação do referido centro cultural. Cláudio Manoel da Cost a ea Casa dos Contos Seria ele o verdadeiro protomártir da Inconfidência Mineira? Morto ou matado foi, sob os umbrais de sua cela nobre na Casa dos Contos de Ouro Preto – originalmente residência que nas “Cartas Chilenas” de Gonzaga, dito Critilo, o autor, é citada em referência a seu construtor (...”no meio desta terra há uma ponte, em cujos extremos se levantam, de dois grossos rendeiros as moradas”...) e que simboliza as origens fazendárias em Minas e no Brasil, agora transformada em moderno repositório de nossa primitiva história econômico-fiscal do século XVIII, Museu e galeria de arte – Cláudio, o jurista, o ex-secretário de governo da capitania das Minas, o eterno apaixonado por sua Eufrásia, um dos detentos nobres da Devassa, então enfraquecido e doente legou para a história a dúvida do final de sua trajetória. Morto ou matado? Eliminando-se abatido pela fraqueza física, pela tuberculose ou pela fraqueza espiritual e moral pela humilhação, ou matado, até, conjectura-se que - além da possibilidade da autoritária repressão - por mando do contratador João Rodrigues de Macedo, este o sonhador e genial edificador da monumental construção, já na decadência do Ciclo do Ouro, que lograria séculos, até os dias atuais, na permanência como o maior exemplo da arquitetura barroca nacional, palco da morte ilustre a lustrar e ilustrar-lhe a história subseqüente da discutida forma e do confuso local exato de sua tragédia pessoal. A prisão de Cládio Manoel - Haydéa da Veiga Oliveira - reprodução 31 Casa onde residia o Inconfidente Cláudio Manoel da Costa, em Ouro Preto Debaixo da escadaria? Afirmavam autores de antanho acerca do local destoante de prisão nobre, mas condizente com indicações dos Autos da Devassa da Inconfidência Mineira... Alí se dizia acerca do acesso à cela do Dr. Cláudio, que este se fazia por baixo da escadaria da casa de Macedo, que a esta altura já alugara seu casarão para, também, e além de celas de prisão, os chamados “segredos”, o aquartelar das tropas do vice-rei mandadas para abafar o levante. Tempos depois, e não por acaso no início da república, a conspirar a favor desta noviça ditos e repetidos excessos da monarquia, visto, revisto e conferido o local, tudo indicava o desvão sob a monumental escada como o local da prisão, sem que se apercebessem todos das armadilhas construtivas. Ledo engano! Descoberta na restauração, a porta que acessava a cela, abrimo-la na obra singular e exemplar de restauro (palavras do Iphan) de 1983/4. Eis aí que surge a solução para a dúvida: o acesso à cela fora, há tempos idos, fechado com duas paredes a esconder tal porta; esta emparedada e agora exposta enganou gerações de pesquisadores não treinados para a simultânea pesquisa arquitetônica que dá sentido e simetria construtiva ao prédio como tivemos oportunidade de empreender naquela restauração completa. O trabalho, certamente pouco divulgado de Jarbas Sertório de Carvalho, “O Homicídio do Desembargador Cláudio Manoel da Costa”, de 1954, no qual o autor, em suas conclusões, indica o intelectual “Glauceste Satúrnio”, pseudônimo do Claudio, membro da Academia dos árcades de Roma, companheiro nas letras de Alvarenga, o “Alceu”, e de Gonzaga, o “Dirceu”, como o protomártir da Inconfidência Mineira. Exame grafológico comparando a assinatura encontrada nos Autos com assinaturas encontradas no arquivo da Casa dos Contos 32 Com alguns desenhos, o trabalho descreve a cena fatídica juntada a laudos técnicos de abalizados especialistas, encampando definitivamente a tese do assassinato (...”Como poderia ter agido a gravidade, em caso de enforcamento como o indicado, por mínima ação que tivesse, se o braço direito do cadáver estava fazendo força na tábua onde justamente estava passada e amarrada a liga de cadarço?”... ) em questionamento ao laudo oficial, citando, ainda outro encomendado pelo benemérito da Casa dos Contos, José Afonso Mendonça de Azevedo – que por sinal salvou, em lance de pesquisa e sorte, o histórico acervo documental, fundamental para o conhecimento do Vão sob a escadaria monumental e à esquerda porta de acessoa à cela de Cláudio Manoel da Costa que ficou emparedada por décadas e reaberta na restauração de 1993/4 - Foto: Neno Vianna avanços econômicos de nosso país – demonstrando ser apócrifa a assinatura de Cláudio no depoimento nos Autos da Devassa quando comparada com outras assinaturas do mesmo em documentos do “Arquivo da Casa dos Contos”. A edificação guarda um dos mais estreitos laços com a Inconfidência Mineira, quer seja pela trágica morte, quer seja, ainda, por João Rodrigues de Macedo, seu proprietário e possivel cérebro financeiro da Conjuração, quer seja pela original arrecadação de tributos naquela residência e Casa de Contratos, futuro palco da adiada derrama, pela Casa da Moeda e Fundição ali depois instalada e pelas suas posteriores ocupações e atualizados resgates documentais que preservam e mantém as suas origens fiscalistas. Tarquínio J. B. de Oliveira, nosso mentor intelectual, sagaz e perspicaz historiador, dirigente maior de empresas multinacionais, que tudo deixara para dedicarse ao sonho de viver e conviver em Ouro Preto simultaneamente à rica - em ouro, nas artes esplendorosas, nas músicas e nas esculturas fantásticas do Aleijadinho - Vila Rica que ele tão bem misturava, entrelaçava e separava. Posição do cadáver de Cláudio Manoel da Costa, segundo parecer do prof. Nilton Sales, médico legista do DFSP Ele autor do grandioso projeto do Centro de Estudos do Ciclo do Ouro na Casa dos Contos, romanticamente divagava sobre tal morte ao mesmo tempo em que buscava sempre comprovar a estreita ligação da Inconfidência Mineira com a Maçonaria, além de difundir a história do século XVIII das Minas Gerais, como na primorosa edição do Erário Régio. Não fora suicídio, sequer assassinato, dizia ele, enfaticamente, e sim acidente. Segundos antes de consumar o ato contra si mesmo, Cláudio escorregara no banco sobre o qual se apoiava para laçar o pescoço com o cadarço e, escorregando, terminara seus dias de forma acidental... Prova disto seria o rasgado por prego no calção do pretenso suicida em ângulo condizente com tal raciocínio. Tudo descrito nos Autos da Devassa que Tarquínio comentara em edição dos anos setenta. Ou do próprio matado com o corpo girado! Ou do vingado ou calado pelo dito financiador da Inconfidência Mineira, esta hipótese a contradizer o espírito solidário de João Rodrigues de Macedo, protetor da viúva de Alvarenga Peixoto, Bárbara, e de seus filhos, um deles seu afilhado. Vão se os homens; com eles parte da história e fica a história com suas dúvidas! Jamais se poderá esclarecer o que de fato ocorreu naquele “segredo” da Casa dos Contos, ambos nomes oportunos e sugestivos; o primeiro em sua mais pura acepção; o segundo, em variação de seu significado original, no sabor de contar, contado está! Cabem, de todos nós, conjecturas e divagações, em todos os sentidos e vertentes. Do autor do poema Vila Rica, registramos seu nome que hoje abriga local de exposições de artes plásticas, algumas com concepções visionárias, futuristas, pertinentes e indicadores de um país melhor. Sonhos de Cláudio, o protomártir? E dos Inconfidentes... Eugênio Ferraz Diretor executivo da Memória Cult 33 Tiradentes no sertão Entre 1780 e 1781, quando comandou Quartel em Sete Lagoas, o alferes já dava mostras de sua impetuosidade. Em uma passagem, mandou construir um quartel sem autorização do Governo. Em outra, escreveu diretamente à Rainha Dona Maria I, por dificuldades em comprar milho para os cavalos de sua guarda. A presença do Alferes de Cavalaria Joaquim José da Silva Xavier – Tiradentes – no sertão, até agora, não havia sido objeto de estudo mais aprofundado por parte dos historiadores que se detiveram na análise das atividades do militar. As referências a esse fato são sucintas, com os autores orbitando o mesmo núcleo informativo e não gastando mais do que duas ou três linhas para seu registro: “Entre 1780 e 1781, Tiradentes foi o comandante do Quartel de Sete Lagoas, porta de entrada do Vale Médio do Rio São Francisco”. Esse “alheamento histórico” é justificável: se a figura do Inconfidente eclipsa a do militar, quando no sertão, Tiradentes ainda não se dedicava à militância que notabilizaria sua figura e culminaria no maior movimento político-militar do Século XVIII – a Inconfidência Mineira. Com a publicação do livro “Tiradentes em Sete Lagoas” (Editora Kosmos, 2010), fica provada não somente a presença do Alferes no comando do Quartel do Sertão, mas, também, realça a importância econômica do Registro de Sete Lagoas como entreposto para o abastecimento das áreas de mineração da Capitania e centro de arrecadação de impostos devidos à Coroa. A localização estratégica de Sete Lagoas, cortada pelas estradas reais que ligavam aos “Currais da Bahia” e à zona de produção dos vales dos rios São Francisco e Velhas, também justificou a instalação do Registro, em 1762. Valendo-me de documentos localizados na Biblioteca Nacional (Rio de Janeiro), na Casa dos Contos (Ouro Preto) e no Arquivo Público Mineiro (Belo Horizonte), além de informações pinçadas de vasta bibliografia existente em importantes centros de cultura de Minas Gerais, como a biblioteca da Fundação Amílcar Martins e a Biblioteca Estadual Luiz de Bessa, foi possível fixar o recorte temporal em que o Alferes esteve no comando do Quartel de Sete Lagoas: de 22 de abril de 1780 a 23 de junho de 1781. Nesse período, Tiradentes manteve intensa troca de correspondência com seu comandante no Regimento de Cavalaria, o General e também Governador da Capitania Dom Rodrigo José de Menezes, e com o contratador de direitos régios (arrematante dos impostos), João Rodrigues de Macedo. Toda essa documentação, constituída por cerca de 50 cartas, recibos e ordens de serviço, está enfeixada no livro, que traz em encarte um mapa da região, levantado em 1777 por José Joaquim da Rocha.Quatro O Alferes Joaqui José da Silva Xavier quando no comando em Sete Lagoas 34 missões foram confiadas a Tiradentes quando no comando do Quartel do Sertão, sendo a primeira delas de cunho eminentemente militar: a segurança interna e incolumidade das fronteiras da Capitania. A segunda, consistia em dar apoio militar à cobrança dos impostos, o que às vezes era feito de maneira coercitiva (essa atividade da força policial-militar só viria a ser suspensa a partir do Iluminismo), e a terceira, uma verdadeira obsessão da Metrópole, fielmente atendida pelos Governadores: o sistemático combate ao contrabando do ouro e à evasão fiscal. A quarta missão do Alferes seria a abertura de uma estrada que, partindo de Sete Lagoas, ligasse a área central da Capitania a Paracatu – uma das Vilas do Ouro – “desobrigando os viandantes de um contorno geográfico que ia quase às fronteiras de São Paulo, no acesso aos Goiáses”. Além de sua importância documental sobre a presença de Tiradentes em Sete Lagoas, o livro revela fatos curiosos das atividades do Alferes e de seu comportamento funcional, tido como “enérgico e voluntarioso”, que o levou, por exemplo, a mandar construir um quartel sem autorização do Governo. Prova desse temperamento foi a carta que escreveu, diretamente, à Rainha Dona Maria I, quando se viu em dificuldades para comprar milho para o trato dos cavalos de sua guarda. Um ponto final, ainda, na questão que exercitava o debate entre os historiadores locais: a exata localização do imóvel que servia ao aquartelamento da tropa. Com base em informações de testemunhas, o artista plástico Ivânio Cristelli recompôs a arquitetura do Quartel, que ilustra a capa da publicação. O lançamento do livro, de nossa autoria, também embasa o projeto de instalação, no Distrito de Silva Xavier (nome em homenagem ao Alferes), a 18 quilômetros da sede do município, de um memorial para registrar a presença de Tiradentes em Sete Lagoas. O local escolhido é a antiga estação ferroviária, inaugurada em 1899 e já em processo de tombamento pela Prefeitura. Inquestionavelmente, o fato histórico insere Sete Lagoas no cenário da Inconfidência Mineira através da figura de maior expressão do movimento – o Alferes de Cavalaria Joaquim José da Silva Xavier, Tiradentes. Márcio Vicente da Silveira Santos Jornalista, advogado e pesquisador. Membro da Academia de Letras de Sete Lagoas Fac-símile da carta remetida ao Alferes Joaquim José da Silva Xavier com referência a Sete Lagoas 35 Tiradentes em Portugal? O Emissário da ação Conjurada “Vendek” Em pesquisa há muito em andamento, parcialmente divulgada no texto "Tiradentes face a face" (Ed. Xérox do Brasil, 1993), uma das metas foi focalizar a quase desconhecida ação precursora Conjurada, desenvolvida no exterior por um grupo de brasileiros – alguns deles ainda estudantes matriculados nas Universidades de Coimbra e de Montpellier. Nesse trabalho de resgate, foram registrados detalhes que permitem avaliar as até aqui secretas dimensões internacionais daquela conspiração libertária. Na reunião de documentos comprobatórios, inéditos ou não, e que ao serem reordenados cronologicamente revelam uma face oculta daquela saga heróica, evidenciou-se a necessidade urgente de reavaliar a até aqui minimizada Inconfidência – que esteve longe de ser um mero devaneio de poetas. Um exato reexame oficial certamente exigirá a definição de novos conceitos sobre a grande Conjura, com a decorrente inserção do ampliado perfil de suas metas e de seus autores nos currículos do Ensino brasileiro, do Fundamental ao Superior. E para que seja devidamente gravada na Memória popular a verdadeira História daqueles caminhos que nos trouxeram à República, será preciso redesenhar e redimensionar a vigorosa atuação do Alferes Joaquim José da Silva Xavier na Europa, no ano de 1787. Vários registros demonstram a presença de "Tiradentes" em Lisboa no mês de setembro daquele ano, enquanto aguardava a resposta americana à consulta e pedido de apoio, formulados ao representante da "América Inglesa" em Paris, o então ministro Thomas Jefferson. No "Livro de Porta", ou agenda da portaria do Palácio real, onde funcionavam a Chancelaria e o Conselho da rainha Dona Maria I, em 4 de setembro de 1787 consta o nome de "Joaq.m Joze da Sa X.er", pedindo "Licença por hum anno". Naquela data foi redigido pelo mesmo escrivão o já conhecido oficio à rainha, onde o recem chegado diz precisar de licença para poder reparar "bens" de sua "Casa", que se estavam deteriorando por falta de assistência. O Conselho concedeu e rubricou a Licença, e "se lhe deu" (sic) um "bilhete", "para pagar o Direito que dever". Na metade inferior daquela folha avulsa, três dias depois foram lançados os registros de dois pagamentos feitos pelo Alferes a dois setores do Tesouro real. A provisão de Licença foi dada pela rainha em 27 de setembro, e no dia 28, entregou ao visitante uma Carta régia ao Ouvidor Pereira Cleto, determinando que submetesse à Câmara do Rio de Janeiro cópia do projeto de captação de águas - que lhe fora apresentado pelo Alferes em Lisboa. Ampliando o estudo do até hoje mal avaliado ou deliberadamente obscurecido alcance da obra transoceânica do Alferes, desempenhada com extrema coragem nos idos do século XVIII, estaremos, finalmente, fazendo Justiça ao Patrono Cívico da Nação. Em textos aceitos e consagrados, o movimento precursor é superficialmente referido. E em depoimentos originais, que constam dos 36 "Autos de Devassa", valiosos elementos de informação não foram até hoje mais detidamente analisados, e referências a fatos importantíssimos foram simplesmente desconsiderados ou omitidos. Exemplificando, no segundo volume dos Autos (primeira edição na década de 1930 e segunda edição na década de 1980), constata-se que a denúncia feita pelo fazendeiro Francisco Antônio de Oliveira Lopes, quando preso e interrogado ("Sumário de perguntas", 8 de julho de 1789), não mereceu a devida atenção por parte das autoridades coloniais da época, nem a de autores que escreveram sobre o tema nos séculos XIX e XX, ou recentemente. Na referida denúncia, deliberadamente excluída da Devassa talvez para maior segurança dos detentores do poder dominante na Colônia, o rico fazendeiro Oliveira Lopes (aparentado com o grande Inconfidente Domingos Vidal Barbosa, ex-estudante de medicina em Montpellier), revelou terem ocorrido entendimentos entre o "Ministro da América inglesa" e "dois brasileiros" que buscavam apoio para seguir o exemplo da recém formada República americana. O projeto de levante republicano em terras sul-americanas motivou o embaixador a prometer consultar o seu país sobre o pedido de ajuda que lhe fora transmitido. De outras fontes sabemos que o estudante José Joaquim da Maya Barbalho, até aqui considerado como autor do "ato isolado" de procurar Thomas Jefferson, não agiu sozinho. Outros nomes integravam o grupo que jurou o chamado "pacto dos doze" de Coimbra, destacando-se entre eles o possível idealizador e atuante Inconfidente José Álvares Maciel, cunhado do Comandante do Regimento de Cavalaria Regular de Vila Rica, o Inconfidente Francisco de Paula Freire de Andrada. O codinome "Vendek" foi usado pelo emissário que, chegando a Montpellier, dali remeteu sua primeira mensagem a Thomas Jefferson no início de outubro de 1786. Em 21 de novembro seguinte, o emissário enviou a sua segunda mensagem, respondida pelo embaixador em 26 de dezembro do mesmo ano. Em 5 de janeiro de 1787, Vendek enviou sua terceira mensagem, e passou a aguardar a ocasião de encontrar pessoalmente o grande líder republicano. O contato pessoal foi convocado por Jefferson — que já se hospedara em Nimes, e dali enviou um bilhete a Montpellier, datado em 19 de março de 1787. O inicial encontro ocorreu em Nimes poucos dias depois. Após esse contato de três dias com o emissário e um ou dois integrantes do grupo, o embaixador prosseguiu sua jornada a portos do Mediterrâneo — certamente acompanhado por dois brasileiros. Em texto escrito ao final de sua vida, o seu "Memoranda", Thomas Jefferson recordou e datou todo o roteiro daquela viagem realizada na França e norte da Itália, em 1787. Tal texto possibilita, hoje, traçar em mapa o roteiro seguido, onde se vê que, de Nimes, Thomas Jefferson seguiu a vários portos até Nice, onde deixou sua carruagem. Dali enfrentou um longo percurso em lombode-mula, pelos Alpes marítimos, até Turim, prosseguindo depois a Novara, Milão, Pádua e Gênova. Pretendendo seguir por mar até Nice, uma tempestade obrigou o desembarque em porto próximo a Gênova, e a seguir novamente em lombo-de-mula transitou pelo acidentado litoral italiano. 37 No entardecer de 1° de maio de 1787, Jefferson chegou a Nice para retomar sua carruagem e ali encontrou mensagem que o fez, de imediato, despachar um bilhete ao seu secretário em Paris, William Short, avisando que partiria para Marselha na madrugada seguinte porque lá receberia determinadas "informações", a serem urgentemente retransmitidas ao Congresso de seu país. No longo texto da carta por ele escrita em Marselha em 4 de maio de 1787, vê-se que tais "informações", urgentíssimas, versavam sobre a causa brasileira, a ele transmitida pelo emissário e integrantes do grupo "Vendek". No trajeto de volta, Jefferson passou por Montpellier na véspera da defesa de tese do brasileiro Maya sobre Febre erisipelatosa. No dia seguinte, participou de um almoço festivo oferecido por um professor do curso de Medicina da mesma Universidade, e dono de uma cantina de vinhos em Frontignan. Meses depois, em outubro, a resposta esperada chegava da América a Paris. Certamente também em outubro dois brasileiros voltaram a procurar o embaixador para ouvir as condições da ajuda pedida. Haviam sido colocadas as exigências a seguir descritas: O Brasil receberia "naus e gente" se, além de pagar os soldos às tropas mercenárias a serem enviadas, adquirisse "bacalhau e trigo" produzidos na América. Retornando à Lisboa, no palácio da Ajuda o Alferes reapresentou seu pedido referente à captação de águas no Rio de Janeiro – já examinado e despachado em 28 de setembro, e formulou mais duas solicitações à rainha. Dessa vez, pediu licença para construir um desembarcadouro de "gados" no Rio de Janeiro, e para erguer um "...armazém para recolher trigo e outros mais gêneros", e isso "...entre a ponte da Alfândega e o trapiche da Lapa". Ao pretender situar tal armazém na área portuária do Rio de Janeiro, obviamente o Alferes o destinava a abrigar um trigo que chegaria por mar... Na correspondência de Jefferson, publicada na coleção "The papers of Thomas Jefferson", (ed.Universidade de Princeton), encontram-se elementos que evidenciam o objetivo do forte entendimento, político e secreto, havido entre aqueles "compatriotas" das duas Américas. Somando evidências, nesta segunda fase da pesquisa "Tiradentes face a face II", alinham-se fatos e informações que tornam irrecusável e comprovam a presença e a obra do Alferes Joaquim José da Silva Xavier na Europa, de outubro de 1786 até o final de 1787 ou primeiros dias de 1788. E reconhecendo as dimensões de sua atuação de emissário e principal agente do grupo de patriotas republicanos "Vendek", vê-se que é chegada a hora e a vez de redesenhar e divulgar, com Justiça, a figura humana e a obra libertária do Patrono Cívico da Nação brasileira. Isolde Helena Brans Advogada e Historiadora, sócia correspondeten do IHG-São João del Rei- MG 38 Reproduçào do texto da correspondência de Thomas Jefferson 39 Rico e Revoltoso Ao contrário do imaginário corrente, Tiradentes era um homem de posses e com incomum influência para um “simples alferes” O dia 21 de abril marca o fim da Inconfidência Mineira (1788-1789). A Inconfidência foi um movimento planejado pela elite intelectual de Minas Gerais, que buscava a independência da região em relação a Portugal e a instauração de um regime republicano inspirado no então recente modelo federalista norteamericano. Entre os envolvidos e processados, aparece o alferes Joaquim José da Silva Xavier, conhecido como Tiradentes, que recebeu a maior punição: a morte, a decapitação e o esquartejamento. Morto em 21 de abril de 1792, apesar de ser o personagem com maior número de estudos da Inconfidência Mineira, muito pouco se conhece de sua trajetória e sobre o destino de seus bens. Em 1781, por exemplo, Tiradentes comandou a construção do Caminho do Meneses, na serra da Mantiqueira. Em petição ao comandante daquela área, informou que se achava com escravos e que estava interessado em minerar no local. No espacho, com data de 22 de setembro de 1781, o escrivão Antônio Tavares da Silva confirmou-lhe a concessão e a medição de 43 pontos de mineração, localizados no porto do Meneses e nos córregos da Vargem e do Convento. No dia 24 daquele mesmo mês, o comandante do distrito, o tenente-coronel Manuel do Vale Amado confirmou-lhe as datas minerais, entregando-lhe a “posse corporal e atual e individual” das terras. O exemplo das 43 datas que Tiradentes explorava permite constatar que ele não era um homem com poucas posses, como se afirma, e que sua ligação com o poder era maior do que se tem dito, pois do ponto de vista legal não seria possível explorar os pontos de mineração que estavam sob sua posse. Até ser preso pela devassa da Inconfidência, em 1789, Tiradentes explorava aquelas terras. Foi possivelmente com os lucros obtidos nessa mineração que pôde emprestar ao cadete José Pereira de Almeida Beltrão 200 mil réis e a Luís Pereira de Queirós a quantia de 220 mil réis, encontrados no sequestro de seus bens. Não seria, por conseguinte, somente com o soldo de militar (142 mil e 350 réis anuais) que Tiradentes se sustentaria. Em 1757, recebeu de sua mãe, Antônia da Encarnação Xavier, herança no valor de 965 mil e 774 réis. A devassa descobriu, quase um mês após a apreensão de seus bens, que Tiradentes era dono de um sítio com casas de vivenda, senzalas e monjolo, de aproximadamente 50 quilômetros quadrados, compreendidos em oito sesmarias, na Rocinha Negra, no porto do Meneses, o que confirma a sua ligação com o poder, pois não se podia doar mais que uma sesmaria a uma única pessoa. Praticamente nada sabemos sobre esta propriedade, apenas que no dia 17 de setembro de 1783, Tiradentes apareceu medindo e demarcando essas terras, e que elas não foram sequestradas pela devassa, porque o ferreiro João Alves Ferreira, que dizia ser seu sócio, arranjou comprovante de tê-las comprado antes da prisão do alferes. Na freguesia de Nossa Senhora da Glória de Simão Pereira, na região de São João del-Rei, Tiradentes também tinha fazendas em três sesmarias, que passaram por arrematação ao capitão Jerônimo da Silva Ferreira. Os exemplos das 11 sesmarias e das 43 datas exploradas por Tiradentes nos permitem inseri-lo entre os grandes proprietários de terras da região, na segunda metade do século XVIII. O maior proprietário da região da Mantiqueira, o Inconfidente e coronel José Aires Gomes, que tinha mais de 22 fazendas, não possuía a mesma quantidade de terras com título de sesmaria de Tiradentes. A diferença entre as posses de Aires e Tiradentes está no tamanho das propriedades: as terras de Tiradentes eram todas de meia légua em quadra (pouco mais de 10 quilômetros quadrados), enquanto as pertencentes a Aires Gomes variavam de meia a três léguas quadradas. André Figueiredo Rodrigues Doutor em História pela Universidade de São Paulo. Membro Titular da Comissão de História do Instituto Panamericano de Geografia e História (IPGH). A face de Tiradentes Aos trinta e um dias do mês março de 1992, quando das comemorações do bicentenário do martírio de Tiradentes, a Secretaria de Estado de Cultura de Minas Gerais solicitou ao Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais a definição da efígie do Patrono Cívico da Nação Brasileira para fins de reprodução. O Instituto constituiu Comissão Especial, da qual fiz parte, com o objetivo de estudar e emitir parecer. Desse trabalho, ficou concluído que Tiradentes possuía navalhas de barbear como objetos de uso pessoal; o costume geral masculino ao tempo não incluía o uso de barba entre os homens e até excluía, como característica de pessoas rústicas e de serviços braçais. Os militares, oficiais e soldados da época não usavam barba, como provam os retratos de contemporâneos de outros países como à França e os Estados Unidos, e como provam os primeiros desenhos feitos pelos integrantes da Missão Artística Francesa trazidos por Dom João VI. Não há qualquer referência ao uso da barba com relação a dezenas de Inconfidentes – civis, militares e clérigos – ouvidos na Devassa. A história das primeiras imagens de Tiradentes feitas na segunda metade do século XIX mostra que a sua retração com barba atendia a interesses republicanos de identificar o herói com os ideais de sofrimento, estoicismo e idealismo. Somos de parecer que Tiradentes, a partir de 1775 – quando ingressou na carreira militar – nunca usou barba, seja durante a conspiração, seja durante os anos de prisão, seja durante o ato de enforcamento. Herbert Sardinha Pinto Genealogista, Presidente Emérito do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais 41 A Independência do Brasil, colônia de Portugal Um decreto pouco conhecido A Conjuração Mineira precedeu a Independência, em 7 de setembro de 1822, data da separação política de Portugal, ocasião em que Dom Pedro assumiu o poder, sob titulo de Imperador do Brasil. Curiosamente, os republicanos de então só considerariam o Brasil, verdadeiramente independente, com a abdicação de Dom Pedro I, no dia 7 de abril de 1831, como “um triunfo da idéia nacionalista”. Nesse dia, o Brasil tirou o trono de príncipe português e o devolveu regenerado ao príncipe brasileiro. (Teófilo Ottoni, Circular) “O 7 de abril assinala, mais do que o 7 de setembro, a verdadeira independência política do Brasil. (Heitor Lyra, História de Dom Pedro II, in “Teófilo Ottoni”, Paulo Pinheiro Chagas, página 75). É da História o Decreto de 16 de setembro de 1815, subscrito pelo Marquês de Aguiar, que determinou que o Estado seja elevado à dignidade, proeminência e denominação de Reino do Brasil, formando, porém, um Navio Negreiro - Rugendas - Reprodução Casa de Negros - Rugendas - Reprodução só e único Reino debaixo do título de Reino Unido de Portugal e do Brasil e Algarves, (Brasil Reino e Brasil Império, Assis Cintra, página 13, Ed. Renascença, 1945) “O decreto fez, de fato, a nossa independência. Aqui estavam o rei, a corte, os altos funcionários, o tesouro real, a representação diplomática”. O motivo principal foi, sem dúvida, a vinda e instalação da Família Real que se esforçava para formar da antiga colônia um grande Império digno do nome português. Portugal, entretanto, manobrava para que o Brasil voltasse a ser a sua colônia, condição assim sempre considerada pelos portugueses. Essa condição perdurava, mas, o Brasil tornara-se outro Brasil. Em 1821, Dom João VI, pressionado, retornou a Portugal. As Cortes não se reuniam há cem anos, exigia-se uma Constituição. O Brasil perderia sua condição de Reino e, como Colônia, seria subordinado a Portugal, as Capitanias seriam governadas por militares e submetidas ao governo português; as repartições e tribunais criados por Dom João foram extintos com propósito de “recolonizar” o país, que “não apenas deixaria de ser o Reino Unido, como também o Vice-reinado não seria restabelecido. Ilegal o Governo Brasileiro, militares e funcionários não lhe deviam obediência. O Tratado de paz entre Portugal e o Brasil, de 29 de agosto de 1825, feriu a dignidade brasileira. Indenizamos Portugal com a soma de dois milhões de libras esterlinas e, no aludido tratado, “Dom João reconhecia o Império do Brasil, porém enquanto fosse vivo ficaria com o título de Imperador do Brasil (Assis Cintra, página 49). 42 O Brasil foi ou não foi colônia? Apesar de uma controvérsia sem significação, o Brasil foi, realmente, colônia de Portugal. Desde 1500 até a efetiva separação, o Brasil era – e foi – colônia de Portugal. O Ministério das Colônias, depois de Ultramar, existiu “para apagar qualquer vestígio das colônias”. Havia outras. O vocábulo “colônia” não era usado até fins do século XVII, outras palavras eram empregadas, tais como povoar e povoadores. Em 1713, foi publicado o primeiro, o mais antigo “Vocabulário Portuguez e Latino”, de autoria do Padre Raphael Bluteau, onde se encontra o verbete colônia: “Colônia, gente que se manda para alguma Terra novamente descoberta, ou conquistada, para povoar. A mesma terra assim povoada, também se chama colônia”. Outras e categoricas referências nesse sentido podem ser encontradas em “Brasil foi Colônia de Portugal” (T. O. Marcondes de Souza, 2ª.ed., 1959, São Paulo). É o que se encontra no “Ensaio sobre o comércio de Portugal e suas colônias” (José Joaquim da Cunha Azeredo Coutinho, 1794) no “Livro de Consultas”, (nº. 86, Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, Lisboa) “Junta de Administração Grão-Pará e Maranhão”, de 7 de julho de 1756, sobre uma fábrica de panos no Pará. Azeredo Coutinho era da Academia de Ciência de Lisboa, em obra de valor editada em 1794, ao se referir ao Brasil usou o termo diversas vezes. Cândido Mendes de Almeida, no “Direito Eclesiástico Brasileiro”, registra que o capitãogeneral Fernando Antônio de Noronha ao propor a supressão do ensino do Latim no Maranhão. escreveu: “porque o Rio de Janeiro, Rua Direita - Rugendas - Reprodução Índios em uma fazenda - Rugendas - Reprodução abuso dos estudantes superiores só servia para nutrir o orgulho próprio dos habitantes do meio dia, e destruir os laços de subordinação política e civil, que devemos ligar os habitantes das colônias a metrópole”. E o que dizer de certas Cartas Régias, Bandos e Alvarás, cheios de desprezo, humilhação e prepotência, publicados desde 1590, proibindo plantações de vinhas; da proibição, em 1579, ao ferreiro Bartolomeu Fernandes, em São Vicente, de ensinar o ofício de ferreiro “aos da terra”; outro, de 12 de maio 1680, obrigando os sapateiros a trabalhar unicamente com couros de Portugal; em de 26 novembro de1690, uso de sal que não fosse de Portugal; em 1720, o envio de papéis e letras impressas para o Brasil; de 14 de dezembro de 1725, não se introduzir sabão na Capitania do Rio de Janeiro; a Carta Régia de 28 de fevereiro de 1707, proibindo a entrada de estrangeiros e expulsando os existentes; em 1727, a abertura de estradas para Minas Gerais e Mato Grosso e de estradas novas para São Paulo; mandando expulsar os ourives de Minas Gerais e proibindo em 30 de junho de 1766 o ofício em todo o território; o Alvará de 5 de fevereiro de 1767 proibindo a fabricação de sabão no Brasil; Alvará de 16 de dezembro de 1794, a remessa de papéis e livros para o Brasil; o Alvará de 18 de junho de 1800 repreendendo a Câmara Municipal de Tamanduá (Minas Gerais) por ter instituído uma Escola primária e a humilhante Ordem Régia de 5 de junho de 1802, 5 anos antes da chegada de Dom João VI, proibindo que os governadores recebessem, no Brasil, em audiência, pessoas que não estivessem vestidas com roupas fabricadas com tecidos importados de Portugal. E as fábricas queimadas, as restrições aos nativos, o ouro e os diamantes contariam outra história de como eram os colonizadores! E o Brasil, era ou não era Colônia de Portugal? Era! Jorge Lasmar Advogado, Presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais 43 O triste destino dos Inconfidentes mineiros degredados para a África Monumento a Tiradentes em Ouro Preto 44 Naus de nomes venturosos, Navegando entre estas penhas, buscaram terras de exílios, com febres nas águas densas. Homens que dentro levavam iam para a eterna ausência. Romanceiro da Inconfidência Cecília Meireles Como se sabe, o movimento revolucionário intentado em Minas Gerais no último quartel do século XVIII e que pretendia libertar o Brasil de Portugal, por motivos vários, fracassou. Descoberta a conjura no ano de 1789, os principais integrantes do projeto de levante foram presos em infectas enxovias e submetidos a um demorado processo judicial. Em abril de 1792, na cidade do Rio de Janeiro, foi feita a leitura da sentença condenatória dos réus civis (os eclesiásticos foram objeto de outra decisão), sendo todos eles, exceto Tiradentes, que sofreu a pena máxima, condenados ao degredo para as inóspitas terras africanas. Foi naquele continente, convivendo com tribos de costumes arcaicos e que habitavam regiões insalubres, que tais homens passaram os últimos dias de suas desditosas vidas, à exceção de José de Resende Costa (filho), o único condenado não eclesiástico que teve a ventura de retornar vivo ao solo brasileiro. Ao lado: Lista original dos Inconfidentes degredados, com indicação do local e tempo da pena. Fonte: APM A fim de elucidar o destino de cada um dos Inconfidentes no degredo africano, traçamos abaixo um resumo biográfico desses mártires que foram brutalmente arrancados de seus lares e separados de seus entes mais queridos por teimarem em falar em liberdade, por tardia que fosse. 45 Reproduçao do livro “A Casa dos Contos de Ouro Preto - Ensaio Histórico e Memória de sua Restauração”, de Eugênio Ferraz Antônio de Oliveira Lopes Domingos de Abreu Vieira Natural da Vila de Abranches, Guarda, Portugal, nasceu por volta de 1725. Exercia as profissões de carpinteiro e agrimensor em Minas Gerais, residindo na região de Itajubá, no Sul do Estado. Como Inconfidente, foi condenado ao degredo para Macuá, em Moçambique. Embarcou para cumprimento de sua pena em 25 de maio de 1792 na nau Nossa Senhora da Conceição Princesa de Portugal. Faleceu por volta de 1794 em decorrência de febres locais. Seus restos mortais foram exumados em 04 de outubro de 1936 na localidade de Porto Belo, sendo posteriormente remetidos ao Brasil e inumados no Museu de Inconfidência. Filho de Manuel de Abreu e de Úrsula Vieira, Domingos nasceu em 1724 na Freguesia de São João do Concieiro, Termo da Vila da Bica de Regalados, Comarca de Viana, em Braga, Portugal. Foi abastado comerciante na região de Minas Novas e administrador dos reais contratos dos dízimos. Era o mais idoso entre os participantes da Conjuração Mineira. Em razão da participação no movimento rebelde foi condenado ao degredo para Muxima, em Angola, onde faleceu logo após sua chegada, em 09 de outubro de 1792. Seus ossos foram exumados em 1936 e remetidos ao Brasil. Domingos Vidal de Barbosa Laje Filho de Antônio Vidal e de Tereza Maria de Jesus, nasceu na Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Mato de Capenduva em 1761. Estudou no Rio de Janeiro e posteriormente formou-se em medicina pela Universidade de Montpellier, na França, onde conviveu com os intelectuais revolucionários José Joaquim da Maia e José Mariano Leal da Câmara Rangel de Gusmão. Condenado como Inconfidente, foi degredado para São Tiago (Guiné). Faleceu de febre maligna em setembro de 1793, oito meses após chegar ao local. Foi sepultado ao lado da Igreja de Nossa Senhora da Natividade, em Cachéu, Guiné Bissau. Seus despojos foram exumados em 02 de novembro de 1932, a pedido do Cônsul do Brasil em Dakar, Dr. João Batista Barreto Leite. Francisco Antônio de Oliveira Lopes Natural da Freguesia de Nossa Senhora da Piedade da Igreja Nova da Borda do Campo (Barbacena), onde nasceu em 1750. Era filho de José Lopes de Oliveira e de Bernardina Caetano do Sacramento. Casou-se em 30 de novembro de 1782, em Prados, com Hipólita Jacinta Teixeira de Melo. Foi proprietário da Fazenda da Ponta do Morro, em Prados. Era irmão do Inconfidente Pe. José Lopes de Oliveira e primo de Domingos Vidal de Barbosa Laje. Foi condenado, em razão de sua participação na inconfidência, ao degredo perpétuo para Bié (Benguela). Faleceu no ano de 1800, sendo sepultado na Igreja de Nossa Senhora do Pópulo. Seus restos mortais encontram-se recolhidos no Panteão dos Inconfidentes desde 1936. Francisco de Paula Freire de Andrada Nascido no Rio de Janeiro em 1756, filho de José Antônio Freire de Maria do Bom Sucesso Correia de Sá. Proprietário da Fazenda dos Caldeirões em Ouro Preto (Distrito de Miguel Burnier). Tenente Coronel e Comandante do Regimento de Cavalaria da Capitania de Minas Gerais. Foi condenado ao degredo perpétuo para Pedras de Encoge, em Angola. Em 1801 há provas documentais de sua presença na região de Luanda, onde dava mostras de “padecer do conserto do juízo”. Em 1808, por meio de Antônio Saldanha da Gama, escreveu ao Príncipe Regente pedindo autorização para retornar Brasil e viver com sua família. Faleceu no ano seguinte em Luanda, sem receber a desejada autorização. Seus ossos foram exumados em 1936 e repatriados ao Brasil. Inácio José de Alvarenga Peixoto João da Costa Rodrigues Nasceu no Rio de Janeiro em 1742, sendo filho do português Simão de Alvarenga Braga e da carioca Angela Micaela da Cunha. Casou-se com Bárbara Heliodora Guilhermina da Silveira em 1781. Proprietário da Fazenda Paraopeba (Conselheiro Lafaiete) e da Boa Vista (São Gonçalo do Sapucaí). Condenado como Inconfidente, recebeu a pena de degredo para Dande (Angola). Chegou a Luanda em julho de 1792 e foi internado na Fortaleza do Penedo, sendo em seguida remetido para o Presídio de Ambaca, onde faleceu em 27 de agosto daquele ano em decorrência de febre maligna. Foi o primeiro Inconfidente a falecer no degredo, apenas dois meses após sua chegada ao solo africano. Seus restos mortais retornaram a Minas Gerais em 1936. Nasceu em Ouro Preto por volta de 1744. Era proprietário da estalagem chamada Varginha do Lourenço, situada no atual município de Conselheiro Lafaiete. Condenado como Inconfidente, foi degredado em 1792 para Mossuril, Moçambique, onde faleceu e foi sepultado no interior da Igreja de Nossa Senhora da Conceição, ao lado direito de sua porta de entrada. Seus restos mortais foram exumados em 03 de setembro de 1936, às 17 horas, em Mossuril, sendo posteriormente repatriados ao Brasil e depositados no Panteão do Museu da Inconfidência. Vila Rica - Rugendas - Reprodução Os impostos decorrentes da mineração foram um dos motivos que levaram à Inconfidência Mineira João Dias da Mota Nascido por volta de 1743 em Ouro Preto, era filho de Tomás Dias da Mota. Foi casado com Maria Angélica Rodrigues de Oliveira e proprietário da Fazenda Engenho do Campo, em Caranaíba – MG. Foi degredado para Cachéu (Guiné Bissau). Faleceu em outubro de 1793 , sendo sepultado ao lado da Igreja de Nossa Senhora da Natividade. Seus despojos, juntamente com os de José de Resende Costa (pai) e de Domingos Vidal Barbosa Laje, foram exumados em 02 de novembro de 1932, a pedido do Cônsul do Brasil em Dakar, Dr. João Batista Barreto Leite. José Aires Gomes Nasceu na Freguesia de Nossa Senhora da Assunção do Engenho do Mato (atual Paula Lima), em 1734. Era proprietário de grandes extensões de terras na Serra da Mantiqueira, na região de Barbacena, incluindo a Fazenda da Borda. Casado com Maria Inácia de Oliveira, foi condenado a degredo perpétuo para Inhambane (Moçambique). Embarcou para o degredo em 25 de maio de 1792. Faleceu em 1796 e foi sepultado na Igreja de Nossa Senhora da Conceição. Seus restos mortais foram exumados em 1936 e trasladados para o Brasil. José Álvares Maciel Nasceu em 1760 em Ouro Preto, sendo filho do Capitãomor José Álvares Maciel e de Juliana Francisca de Oliveira. Formou-se em Filosofia na Universidade de Coimbra. Foi condenado a degredo perpétuo para Massangano (Angola), embarcando para lá em 23 de maio de 1792. Tornou-se comerciante de tecidos e dedicou-se posteriormente à tentativa de produzir ferro, enfrentando com extremo desvelo as mais variadas adversidades em seu intento. Padeceu de graves problemas de escorbuto e de obstrução das vias respiratórias. Faleceu no início de 1804, sendo sepultado na Matriz de Massangano. Marcos Paulo de Souza Miranda Promotor - Coordenador das promotorias de defesa dos patrimônios, histórico, artistísco e turístico de MG, e membro do IHGMG Na portada da entrada da Igreja de São Francisco de Assis, o esplendor da obra de Aleijadinho, no século XVIII Este momumento, junto das ruínas da Varginha do Lourenço, em trecho da Estrada Real entre Ouro Branco e Conselheiro Lafaiete, reproduz uma das pernas esquartejadas de Tiradentes que lá ficou exposta. A gameleira , referência documentada do local, é uma testemunha viva da Inconfidência Mineira. A Ordem dos Cavaleiros da Inconfidência Mineira tem para o local um grandioso projeto de resgate de nossa história. Melhor do que ver uma vida nascendo trabalhar paravida isso. Melhor doéque ver uma nascendo é trabalhar para isso. A Gerdau se preocupa com o futuro do planeta e das novas gerações. Por isso, investe constantemente na atualização de processos e equipamentos de gestão ambiental, além de estimular a conscientização A Gerdau se preocupa com o futuro do planeta e das novas gerações. Por isso, investe constantemente das comunidades e colaboradores. A unidade Gerdau Açominas, por exemplo, é responsável pela na atualização de processos e equipamentos de gestão ambiental, além de estimular a conscientização preservação de mais de 5 mil hectares, uma área equivalente a 5 mil campos de futebol. É a Gerdau das comunidades e colaboradores. 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