1 FESP – FACULDADES DIREITO A IMPUTABILIDADE DO PSICOPATA Autora: Séphora De Alencar Toscano Moura Orientador: Antônio Carlos Iranlei Toscano Moura Domingues 2 A IMPUTABILIDADE DO PSICOPATA Artigo apresentado à Coordenação do Curso de Direito da Fesp - Faculdades, como exigência para a obtenção do grau de Bacharel. Orientador: Antônio Carlos Iranlei Toscano Moura Domingues João Pessoa/PB 2012 3 FICHA CATALOGRÁFICA Moura, Séphora de Alencar Toscano. A Imputabilidade do Psicopata Orientação: Antônio Carlos Iranlei Toscano Moura Domingues Moura– João Pessoa/PB, 2012. Artigo – FESP FACULDADES – Direito. 4 Séphora de Alencar Toscano Moura A Imputabilidade do Psicopata BANCA EXAMINADORA: ______________________________________ Professor Dr. Antônio Carlos Iranlei Toscano Moura Domingues - Orientador ______________________________________ Professor Dra. Rosângela Araújo ______________________________________ Professor Dr. Flamarion Leite Termo de Aprovação A aluna Séphora de Alencar Toscano Moura, regularmente matriculada no Curso de Direito, habilitação Bacharel, apresenta o Artigo científico, obtendo da Banca Examinadora a média final ________, tendo sido considerada aprovada. João Pessoa, 27 de Novembro de 2012. 5 RESUMO O presente trabalho tem como objetivo colocar em debate, à luz do Direito, quais são as prerrogativas, constitucionais e jurídicas, que consideram o psicopata imputável de crime. Sabe-se que o psicopata vive socialmente mas ao cometer um ato ilícito, a Justiça lhe dá o direito de que sendo “doente” ele não é responsável por seus atos. É importante destacar que há psicopatas os quais não cometem crimes, todavia os que praticam (principalmente delitos hediondos) iludem a opinião pública e à Justiça de que são inocentes e que não sabiam o que estavam fazendo. Por conseguinte, pretende-se criar um debate sobre o que é, quem é, e como é um ser psicopata além de analisar, sob o ponto de vista judicial, qual espécie jurídico-penal deve ser a ele imputada. Palavra-Chave Psicologia, Direito, Justiça,Penal, Psicopata. ABSTRACT This paper aims to put in debate in the light of law which are the prerogatives they are constitutional and legal consider the psychopath attributable crime. It is known that, being psycho social lives but to commit a tort, the court gives the right of being "sick" he is not responsible for their actions. We know there are psychopaths who do not commit crimes, but those who commit barbaric acts, mislead public opinion and justice that are innocent and do not know what they were doing. Thus we intend to create a debate about what is, who is, and how to be a psychopath. Keyword Psychology, Law, Justice, Criminal Psychopath. 6 DEDICATÓRIA Agradeço a Deus pelas bênçãos e a unção da sabedoria recebida todos os dias, aos nossos familiares e professores da Fesp - Faculdades, especialmente ao querido primo e professor orientador Antônio Carlos Domingues, à prima Goya Domingues e à Professora Rosinha Araújo, pelo somatório e troca dos conhecimentos adquiridos e pelo apoio emocional que foram de extrema importância para a concretização deste sonho. SUMÁRIO 1 – INTRODUÇÃO 8 O presente artigo tem por escopo inicial traçar, de acordo com pesquisas feitas em diversos textos especializados de psiquiatria e medicina legal, o perfil da mente do psicopata e suas principais características. Em um segundo momento, analisa a culpabilidade 1 das pessoas consideradas psicopatas, fazendo uma abordagem geral de acordo com a sua classificação. Dito de outra maneira, discute-se se o psicopata é imputável, inimputável ou semi-imputável2 e, consequentemente, o tipo de coerção penal que o Estado deve exercer quando alguém que apresente esta característica cometa um delito: se pena ou medida de segurança. Em continuidade, este artigo sustenta a argumentação de que o psicopata, apesar de apresentar um transtorno de personalidade em relação ao inconsciente, esta condição (desvio), porém, não é suficiente para enquadrá-lo como doente mental, pois mostra-se plenamente capaz de entender o caráter ilícito de sua conduta, de atuar de forma diversa e, ainda, não possuir nenhum transtorno congnitivo ou alteração do estado de consciência para tirá-lo do plano da realidade. Assim, o objetivo principal do presente artigo foi de – a partir de uma análise através dos conhecimentos e teses na seara da psiquiatria – fornecer uma base de dados importante para que a Justiça Brasileira, compreendendo o que é um psicopata, possa, por ocasião da determinação de uma sentença condenatória criminal, saber avaliar melhor a “mente criminosa” do psicopata e a forma de coerção a lho ser aplicada. 2 – PSICOPATIA: DEFINIÇÕES, CARACTERÍSTICAS E PERNONALIDADE PSICOPÁTICA 1 Culpabilidade , aqui, entendida como terceiro elemento do crime na teoria finalista ado delito, compreendida como reprovabilidade do injusto ao seu autor. A Culpabilidade , perante o finalismo adotado no Código Penal Brasileiro, divide-se em três elementos distintos e complementares, a saber: Potencial Consciência da Ilicitude, Exigibilidade de Conduta Diversa e Imputabilidade. 2 Será explicado no tópico 3, que trata da responsabilidade do psicopata. 9 Schneider (1955) caracterizou a psicopatia como algo estável, não um estado transitório em que o indivíduo alterna fases entre ser ou não ser psicopata. Para ele, os portadores da psicopatia serão assim por toda a vida e em todo tipo de circunstância. Tratando deste assunto, Shine (2000) explica que a psicopatia é uma condição difícil de apreender, pois a psiquiatria desde sempre procurou categorizar e organizar um quadro compreensivo das afecções mentais e, nele, o psicopata não consegue se ajustar dentro desse códex compreensivo, haja vista suas peculiaridades3. O psicopata, segundo o autor citado, está sempre associado a crimes e contravenções. Assim sendo, a marginalidade já faz parte de sua posição social e confunde-se com sua condição clínica. Constitui, portanto, um problema para a criminologia antes de ser uma questão clínica para a psicanálise. Ainda, informa Shine (2000) que muitas das contribuições da Psicanálise estão ligadas a demandas jurídicas (trabalho para tribunais, instituições militares, instituições de confinamento de jovens com problemas com a lei, etc). Há, segundo ele, poucos estudos de caso de psicopatia na literatura. Daí ele afirma que o psicopata não se vê como um “doente”. Uma vez que não é ele quem procura ajuda, mas sim aqueles que sofrem com as consequências de suas ações. O autor busca na argumentação freudiana meios para esclarecer o termo psicopatia utilizado nesta acepção em “Tipos psicopáticos no palco (1905 ou 1906)4”. Neste artigo, Freud demonstra os mecanismos psicológicos implícitos na apreciação de uma obra de arte, especificamente em uma peça teatral e nos chama a atenção para o fato de que o teatro se originou nos ritos sacrificiais no culto dos deuses, portanto tendo uma função catártica à medida que o personagem que sofre no palco libera parte do sofrimento comum a todos. É neste contexto que Freud analisa a peça “Hamlet” de Shakespeare, afirmando 3 Essas peculiaridades são explanadas ao longo do texto. É de estranhar a colocação de duas datas para esta obra. O editor inglês James Strachey explica que a obra foi apresentada pelo Dr. Max Graf num artigo no Psychoanalytic Qwarterly, V. 11, 1942, informando que Freud o escrevera em 1904. No entanto, devido a uma referência a uma peça teatral que fora encenada pela primeira vez em 1905, Strachey supõe que a data correta do trabalho seja no final de 1905 ou início de 1906. (pg. 12, Shine, 2000, Nota 75) 4 10 que “O Herói não é psicopata, mas somente se torna psicopata no decorrer da ação da peça”. Justifica, por este motivo, o fato de que, ao participarmos do processo que leva Hamlet à loucura, nos identificamos com ele e baixamos nossa própria resistência em reconhecer o conflito inconsciente em jogo 5. Segundo Nestor Filho (2012), o portador da psicopatia não é um doente mental. No entanto, encontra-se à margem da normalidade emocional e comportamental, exigindo dos profissionais de saúde e do direito redobrada atenção em sua avaliação. Como os psicopatas são isentos de emoções, a relação que estes indivíduos têm com os seus semelhantes é baseada, exclusivamente, no “custobenefício”. Assim, o antissocial só possui “afeição” a alguém (inclusive pai, mãe e irmãos) até o momento em que este é útil aos seus interesses. Uma vez contrariado, o psicopata pode, sem qualquer drama ou conflito psicológico, eliminar a pessoa que lho contraria. 3. CARACTERÍSTICAS DA PSICOPATIA França estabelece que Os portadores de transtornos de personalidade são grupos nosológicos que se distinguem por um estado psíquico capaz de determinar profundas modificações do caráter e do afeto, na sua maioria de etiologia congênita. Não são, essencialmente, personalidades doentes ou patológicas, por isso seria melhor denominá-las personalidades anormais, pois seu traço mais marcante é a perturbação da afetividade e do caráter, enquanto a inteligência se mantém normal ou acima do normal6 Diante das explanações de França, fica claramente perceptível duas conclusões, ainda que preliminares: 5 Recordemos que Hamlet recebe uma ordem de seu pai, que lhe aparece na forma de fantasma, para que vingue a sua morte. Seu tio o havia assassinado e usurpado seu trono, casandose com a rainha (sua mãe). Para Freud, este drama ilustra o desejo de incesto presente no Complexo de Édipo, pelo qual Hamlet se identifica com o rio e revive seu conflito.(pg. 12, Shine, 2000, Nota 76). 6 FRANÇA, Op. Cit. P. 448. Nota 3 11 − A primeira é que o psicopata não possui um distúrbio mental que lhe tolha a capacidade de discernimento nem, tampouco, torne-lhe refém de um mundo imaginário dentro do qual sua ação é justificável, apenas o resultado de suas atitudes não lhe são "relevantes" - daí não sentirem qualquer contramotivação à prática de uma ação danosa à outrem (delito); − A segunda, decorrente da primeira conclusão, é a de que não se pode categorizar o psicopata no gênero dos loucos ou inimputáveis, posto que a realidade se apresenta clara a estes (da mesma forma que para um indivíduo comum), portanto, o problema da psicopatia não se trata da ausência de escolha, e sim, da não “reflexão quanto às consequências”. Cleckley(1941), no seu livro “A máscara da saúde”, montou uma escala que traz características para se avaliar um psicopata. Hare(2004) criou uma checklist com 20 elementos, denominada PCL.R (Psychopathy Checklist Revised) para determinar a psicopatia. Esse parâmetro já é adotado em alguns presídios brasileiros para analisar o comportamento dos presos e foi validado no Brasil através de Morana (2004). Esses dados são: 1) loquacidade; charme superficial; 2) auto-estima inflada; 3) necessidade de estimulação / tendência ao tédio; 4) mentira patológica; 5) controle/ manipulação; 6) ausência de remorso ou culpa; 7) frágil controle comportamental; 8) insensibilidade / falta de empatia; 9) estilo de vida parasitário; 10) afeto superficial; 11) promiscuidade sexual; 12) problemas comportamentais precoces; 13) falta de metas possíveis de realização em longo prazo; 14) impulsividade; 15) irresponsabilidade; 16) dificuldade em assumir a culpa; 17) muitos relacionamentos conjugais de curta duração; 18) delinqüência juvenil; 19) revogação de liberdade condicional; e 20) versatilidade criminal7 7 Morana H. Escala Hare PCL-R: critérios para pontuação de psicopatia revisados. Versão brasileira. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2004. 12 A Organização mundial de saúde faz uma análise de várias doenças, através do CID – 10 (Classificação Internacional de Doença, décima versão). Através desta classificação, os psicopatas são caracterizados por possuírem o transtorno de personalidade dissocial, que é definida como um Transtorno de personalidade caracterizado por um desprezo das obrigações sociais, falta de empatia para com os outros. Há um desvio considerável entre o comportamento e as normas sociais estabelecidas. O comportamento não é facilmente modificado pelas experiências adversas, inclusive pelas punições. Existe uma baixa tolerância à frustração e um baixo limiar de descarga de agressividade, inclusive da violência. Existe uma tendência a culpar os outros ou a fornecer racionalizações plausíveis para explicar um comportamento que leva o sujeito a entrar em conflito com a sociedade8. Diante disto, configura-se como árdua e, muita das vezes, impossível, a tarefa de tentar modificar o comportamento do psicopata. Ele possui a tendência de não se importar com as regras sociais, não existindo, para si, qualquer hierarquia de valores e desvalores que possam nortear suas condutas. Tirar ou não a vida de outrem, e.g., é uma questão meramente de interesse momentâneo, pois ambos lhe são totalmente indiferentes. Nas suas ações não existe qualquer vestígio de remorso ou arrependimento. Outra referência sobre as características da psicopatia consta no Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais, quarta edição (DSM-IV), produzido pela American Psychiatric Association, em Washington. Na definição do DSM-IV, a personalidade antissocial tem como fundamento básico “um padrão invasivo de desrespeito e violação aos direitos dos outros, que inicia na infância e continua na idade adulta. Esse padrão também é conhecido como psicopatia, sociopatia ou transtorno da personalidade dissocial”. E os critérios diagnósticos para transtornos de personalidade antissocial são: (1) incapacidade de adequar-se às normas sociais com relação a comportamentos lícitos, indicada pela execução repetida de atos que constituem motivo de detenção; 8 Departamento de Informática do SUS. Disponível em: http://www.datasus.gov.br/cid10/v2008/cid10.htm, Acesso em 28/11/2012. 13 (2) propensão para enganar, indicada por mentir repetidamente, usar nomes falsos ou ludibriar os outros para obter vantagens pessoais ou prazer; (3) impulsividade ou fracasso em fazer planos para o futuro; (4) irritabilidade e agressividade, indicadas por repetidas lutas corporais ou agressões físicas; (5) desrespeito irresponsável pela segurança própria ou alheia; (6) irresponsabilidade consistente, indicada por um repetido fracasso em manter um comportamento laboral consistente ou de honrar obrigações financeiras ; (7) ausência de remorso, indicada por indiferença ou racionalização por ter ferido, maltratado ou roubado alguém. 4. PERSONALIDADE PSICOPÁTICA: O FUNCIONAMENTO DA MENTE Antes de adentrar na mente psicopática, é necessário fazer um curto resumo do funcionamento da mente humana. Primeiramente, deve-se distinguir cérebro de mente. O cérebro é a estrutura física, anatômica onde se encontra a massa cinzenta, neurônios, axônios, células da glia, e demais estruturas que são responsáveis pelas sinapses nervosas. A mente, por outro lado, não faz parte da estrutura física do cérebro. Ela é originada a partir do momento em que as sinapses são processadas, dando origem às emoções, ao aprendizado, entre outros. Anacleto (2010) faz uma comparação superficial e totalmente acientífica, mas que ajudará a entender a diferença estudada: Particulamente, gosto de entender cérebro e mente por meio de uma analogia grosseira com a televisão. O cérebro corresponde ao aparelho físico, ou seja, aquele que a gente pega e leva pra onde quiser. Já a mente são os programas processados pelo cérebro. Você consegue ver os circuitos eletrônicos do aparelho, mas não consegue ver o Faustão “gravado” nos circuitos. O “mesmo” acontece com o nosso cérebro, mas não é possível ver os pensamentos e as emoções que estão nele gravadas9 Diante disso, a mente considerada comum, é dividida em consciente, subconsciente e inconsciente. O consciente está mais próximo da realidade; é através dele que as pessoas sabem o que estão fazendo no presente. O subconsciente está mais distante; é necessário pensar um pouco para saber o que foi feito no passado. Já o inconsciente é totalmente inacessível. Este, por 9 http://asenp-blogdoanacleto.blogspot.com.br/2010/06/consciente-e-inconsciente.html. Acesso em 28/11/2012. 14 sua vez é dividido em ID, EGO E SUPEREGO. O ID não tem qualquer limite, independente das consequências; poder-se-ia, então, classificá-lo como o instinto, irrefletido, de buscar a satisfação de prazeres. O SUPEREGO é responsável pela valoração da forma de busca da satisfação dos prazeres; ele dispõe o que se deve ou não fazer, tendo como critério de escolha, primeiramente, a formação cultural do sujeito, bem como sua introspecção nas normas sociais que disciplinam os comportamentos ditos “aceitáveis”. E o EGO é o resultado da luta entre os dois primeiros, ora satisfazendo um, ora o outro, de acordo com sua força. Maranhão (2003) é bem explicativo ao dizer que As tendências criminosas de uma pessoa e suas resistências a elas podem resultar numa ação criminosa (antissocial) ou em um ato socialmente aceitável, na dependência de qual dessas forças venha a predominar. (...) Esse processo dinâmico se faz sempre presente, sem depender primária ou obrigatoriamente da natureza jurídica da ação. Tanto assim, que determinadas condutas, situadas na faixa do socialmente aceitável e fora da punibilidade jurídica, provocam sentimentos de culpa em seus autores. Isso indica terem sido vencidas lacunarmente suas resistências, o que posteriormente recebeu reprovação da censura individual, apesar de não ocorrer o mesmo no plano social. A estrutura anatômica cerebral do psicopata não possui qualquer má-formação ou deformação. Por isso, ele é considerado perfeito. O problema encontra-se na sua mente que não funciona de forma usual (ou comum). O antissocial não possui, ou tem muito reduzidamente, o SUPEREGO. Destarte, seu EGO trabalha exclusivamente para o ID, fazendo com que ele faça todas as suas vontades, sem a imposição de quaisquer limites. Isso ocorre em virtude da falta (ou diminuição) do SUPEREGO. Sá (1995) pontua, de acordo com o diagrama de Jenkins, que no psicopata, em um conflito do id contra o superego (oposição entre o indivíduo e o meio), o primeiro sempre vence. Para se defender, o psicopata projeta no ambiente o seu instinto, acreditando estar se conservando, tendo em vista que para ele o outro representa uma ameaça. 15 Ballone (2005,b) usa explicações de Kemberg (2009) para diagnosticar os psicopatas de três maneiras diferentes: A primeira seria a Síndrome do Narcisismo Maligno, na qual o psicopata tem como causa para sua personalidade a influência do meio e de elementos psicodinâmicos, excluindo do seu molde de vida valores morais. São pessoas sem sentimento de culpa, sem capacidade de assumir um compromisso com outras. A segunda, assim como a primeira, possui ausência dos sentimentos de culpa e dos valores morais. A sua conduta não tem ligação com o Narcisismo Maligno, recebendo o nome de estrutura antissocial propriamente dita. Já a terceira denominada de personalidade narcisística com conduta antissocial é caracterizada por possuir capacidade de culpa, mas não existe capacidade de se relacionar com alguém, nem capacidade de aprender valores morais. A conduta é antissocial com uma estrutura narcisística, mas não há Narcisismo Maligno. 5 RESPONSABILIDADE DO PSICOPATA: IMPUTÁVEL, INIMPUTÁVEL OU SEMI- IMPUTÁVEL? De acordo com a concepção finalista, os elementos que integram a culpabilidade são: imputabilidade, potencial consciência sobre a ilicitude do fato e exigibilidade de conduta diversa. Estes requisitos, como lembra Gomes (2007), devem ser examinados pelo juiz ao fazer o juízo de reprovação pessoal ao agente. É importante ressaltar que se faz necessária a presença destes três elementos de forma concomitante para que o indivíduo seja considerado culpável. A potencial consciência sobre a ilicitude ou antijuridicidade do fato é a necessidade de que o sujeito da ação entenda o caráter ilícito do ato praticado para que seja assim penalizado. A pessoa que comete a infração só será considerada culpada se, além dos outros elementos que constituem a culpabilidade, for provado que ela tinha a possibilidade de entender que sua conduta é um delito. 16 A exigibilidade de conduta diversa é o fato do agente ao estar diante da situação que o levará a cometer o ato típico e antijurídico possuir a possibilidade de agir de maneira diferente daquela que a norma penal proíbe. É denominada por alguns autores como exigibilidade de obediência ao Direito. A imputabilidade é a possibilidade de se atribuir o fato típico e ilícito ao agente. É a capacidade que o agente tem de ser culpável. Bitencourt (2010) afirma que: O conteúdo material da culpabilidade finalista tem como base a capacidade de livre autodeterminação de acordo com o sentido do autor, ou, em outros termos, o poder ou faculdade do agente de agir de modo distinto de como atuou. Disso depende, pois, a capacidade de culpabilidade ou imputabilidade10. A imputabilidade, portanto, é a possibilidade de se atribuir a uma pessoa a responsabilidade por algum fato delituoso; é a reunião de condições pessoais que dá ao agente a capacidade para lhe ser juridicamente imputada a prática de uma infração penal. Führer (2000) entende a imputabilidade / responsabilidade formada num alicerce de culpa moral, onde o homem mentalmente sadio tem a possibilidade de escolher como agir, optando por aquilo que ele considera certo ou errado. Welzel(2009) ao explicar a capacidade de culpabilidade analisa alguns elementos necessários para sua identificação constatando que, na ausência de algum destes, será determinada a imputabilidade penal: A capacidade de culpabilidade tem, portanto, um elemento de conhecimento (intelectual) e um elemento de vontade (volitivo): a capacidade de compreensão do injusto e de determinação da vontade (conforme uma finalidade). Apenas a soma dos dois elementos constitui a capacidade da culpabilidade. Se falta só 10 BITENCOURT, Op. Cit. P.407. Nota 5 17 um deles – em razão da juventude ou dos estados mentais anormais-, o autor não é capaz de culpabilidade11. Pela inteligência do artigo 26 do Código Penal, extraímos o conceito de inimputável: Art. 26. É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. E em seu parágrafo único traz a definição de semi-imputabilidade: Art.26, parágrafo único: A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental, ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. O psicopata, como já foi dito, é plenamente capaz de compreender a ilicitude na prática de seus atos. Não possui qualquer doença mental tampouco desenvolvimento mental incompleto ou retardado (Pelo contrário, alguns deles possuem um desenvolvimento mental acima da média, sendo extremamente inteligentes). Assim, ele não pode ser considerado inimputável, pois não satisfaz as condições do artigo 26, caput. Igualmente, não se enquadra no conceito do artigo 26, parágrafo único, não sendo da mesma maneira semiimputável. Diante disto, o psicopata é imputável. Apesar da imputabilidade do antissocial, ainda resta uma dúvida: Esses indivíduos devem cumprir pena ou medida de segurança? Segundo GUIMARÃES (2008), a prisão é uma medida punitiva de caráter legal ou administrativo, em que o agente fica restrito quanto ao seu direito de ir e vir por ter praticado ato ilícito reprovável pela lei e pela sociedade. Além disso, é o local destinado àqueles que praticaram delitos e foram condenados ao 11 WELZEL, Op. Cit. P. 113. Nota 23 18 cumprimento de alguma pena, aguardando julgamento ou averiguação quanto ao seu destino. A medida de segurança possui caráter preventivo capaz de substituir a pena designada no julgamento do agente do delito de acordo com sua periculosidade, podendo ser de internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou de tratamento ambulatorial. O Juiz determinará a internação do agente que for inimputável, sendo destinado ao tratamento ambulatorial aquele que constituir crime com pena de detenção (GUIMARÃES, 2008). Por fim, no pertinente à resposta para a pergunta feita acima, pode-se dizer que, apesar de ser imputável e, como consequência deveria ser aplicada pena, nenhum dos dois regimes de ressocialização é adequado para a internação do psicopata. Há, portanto, uma necessidade especial quanto à forma de tratamento dessas pessoas em relação ao direito, posto não existirem meios comprobatórios da cura do transtorno psicopatológico, sendo difícil a (re)integração desses indivíduos na sociedade. 6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS Durante o desenvolvimento do artigo foram perpassadas algumas questões a serem refletidas sobre psicopatas. A priori foi digno de nota trazer toda uma elaboração sobre o funcionamento, características e personalidade dos mesmos a fim de dar respaldo sobre o tema. Foi possível passear em conceitos que a cada dia vêm sendo mais estudado pela categoria dos psicanalistas e que, ao mesmo tempo, questões que desa- 19 guam no Direito. Sabe-se a dificuldade de apontar e traçar de fato um diagnóstico de psicopatia, mas sendo isto feito, indaga-se: qual a pena para o psicopata? Foi trazido também a díade psicopata versus doente mental. Desse modo se pode perceber que são estruturas completamente dessemelhantes, isto pois o “doente mental”, precisa de cuidados diferenciados, podendo vir a cometer crimes estando em delírio e alucinação ou até em caso extremo, um surto. O psicopata não surta, ele tem plena consciência de suas atrocidades e as faz exclusivamente para obtenção de prazer. Levando esses pontos em consideração, como então se utilizar do mesmo sistema de pena para estruturas psíquicas completamente distintas? Fala-se aqui, em outras palavras, de consciência versus inconsciência. Se uma pessoa considerada normal diante do olhar dos especialistas que elaboram pareceres paga com a privação as consequências de seus atos, por que não o psicopata? Afinal, via de regra não é afetado nem muito menos prejudicado referente ao discernimento entre o certo e o errado. Considera-se pois, que aquele sujeito de personalidade psicopática deve pagar pelos seus atos criminosos assim como qualquer cidadão e, ainda por cima, deve ser uma pena diferenciada. É indiscutível para a Psicanálise e Psiquiatria que este sujeito é possuidor de uma personalidade anti-social incorrigível. Deste modo, não há correção, ressocialização, remédio ou qualquer acompanhamento psicológico que o mude. É a sua estrutura, a sua essência, o seu modo de viver, é compulsão e repetição. Por fim, o Direito Penal Brasileiro deve repensar o sistema prisional. É necessário criar um regime especial para o psicopata criminoso, uma vez que não pode ficar em cela junto com os demais presos, tendo em vista que talvez seja prejudicial a estes. Misturado com os demais detentos, o psicopata poderá incitá-los a cometer atos ilícitos, impedindo a ressocialização deles. Entretanto, enquanto não for criado o sistema diferenciado, é necessário manter os psicopatas criminosos em celas isoladas para que ele não cause ainda mais malefícios à sociedade. 20 7 – REFERÊNCIAS • GRECO, Rogerio. Curso de Direito Penal – Parte Geral. Rio de Janeiro: Impetus, 2009. 21 • CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2005. • SCHNNEIDER, K., Les Personalités Psichopatiques (trad. fr.), Paris, PUF, 1955. • KRANNER, L., apud Jenkins, R.L., “ The psychopatich or antisocial personality”, J. Nerous e Mental Dis., 1960. • SHINE, Sidney Kiyoshi. Psicopatia: Clínica Psicanalítica. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000. • SAMPAIO, Nestor Penteado Filho. Manual Esquemático de Criminologia. São Paulo: Saraiva, 2012. • FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina Legal. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008. • CLECKLEY, Hervey. The Mask of Sanity – an attempt to clarify some issues about the so called psychopathic personality. 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