Sant´Anna, F.B. Principais mecanismos que ocasionam a resistência de insetos a inseticidas. PUBVET, Londrina, V. 3, N. 2, Art#489, Jan2, 2009. PUBVET, Publicações em Medicina Veterinária e Zootecnia. Disponível em: <http://www.pubvet.com.br/texto.php?id=489>. Principais mecanismos que ocasionam a resistência de insetos a inseticidas Flávio Barros Sant´Anna Médico Veterinário, DSc.em Ciências Veterinárias pela UFRRJ, Pesquisador Embrapa Cerrados. BR 020, Km 18, Caixa Postal 08223, CEP 73310-970, Planaltina, DF, Brasil. Resumo Este trabalho tem como objetivo discutir a resistência de insetos a inseticidas através dos estudos do mecanismo de ação e de resistência de compostos químicos, além dos estudos dos mecanismos fisiológicos e bioquímicos que causam resistência. Termos para indexação: Artrópodes, Entomologia, Manejo Integrado de Pragas, Compostos Químicos. Sant´Anna, F.B. Principais mecanismos que ocasionam a resistência de insetos a inseticidas. PUBVET, Londrina, V. 3, N. 2, Art#489, Jan2, 2009. Main mechanisms of insecticide resistance on insects Abstract This work has the objective to discuss the insect resistance to insecticides across the studies of the mechanism of action and resistance, in addition to studies of physiological and biochemical mechanisms that cause resistance. Index terms: Arthropods, Entomology, Integrated Pest Management, Chemical Compounds. 1. Introdução Os artrópodes constituem o maior grupo do reino animal, tanto em número de espécies como em número de indivíduos, sendo descritos na literatura mais de 1.000.000 de espécies, representando em torno de 80 % da população de animais conhecidos no planeta (FREITAS et al., 1978). Dentro deste Filo, a classe Insecta possui grande importância médica e veterinária, sendo responsável pela transmissão de diversos agentes patogênicos aos homens e animais. Dentre as doenças transmissíveis ao homem, são citadas na literatura a malária, dengue, tripanossomíases, leishmanioses, febre amarela, febre tifóide, tifo, cólera, tracoma, lepra, peste bubônica, conjuntivites, o vírus da poliomielite, protozooses e helmintoses, dentre outras (FREITAS et al., 1978; CARRERA, 1991; REY, 2001). No campo da produção animal, os insetos desempenham um importante papel nos mais diversos setores, influenciando de forma negativa a produtividade de ovos, leite e carne, atuando como veiculadores de bactérias causadoras de mastite e infecções intestinais, de cistos de protozoários, tais como a espécie Entamoeba coli (G.) (FREITAS et al., 1978), além de atuar como importantes vetores dos ovos do díptero Dermatobia hominis (L. Jr.) (MARCONDES, 2001). Diversos insetos também são conhecidos como agentes transmissores de diversos agentes patogênicos, ocasionando perdas Sant´Anna, F.B. Principais mecanismos que ocasionam a resistência de insetos a inseticidas. PUBVET, Londrina, V. 3, N. 2, Art#489, Jan2, 2009. significativas na produtividade animal. São citadas na literatura as miíases, tripanossomíases, malária aviária, anemia infecciosa eqüina, Bacillus anthracis (C.) e diversas helmintoses (CARRERA, 1991; REY, 2001; BOWMAN, 2003). Dentre as principais conseqüências da evolução da resistência a inseticidas está sua aplicação mais freqüente, o aumento na dosagem do produto, o uso de misturas indevidas de produtos e substituição por um outro produto, geralmente de maior toxicidade (GEORGHIOU, 1983). Esses fatores comprometem os programas de manejo integrado de pragas, em vista da maior contaminação do meio ambiente com pesticidas, destruição de organismos benéficos ao meio ambiente e elevação nos custos de controle da praga. Sabe-se também que a descoberta e o desenvolvimento de uma nova molécula química estão se tornando cada vez mais difíceis e caros. Sendo assim, o manejo da resistência de artrópodes a produtos químicos tem se tornado um importante componente do manejo integrado de pragas e viceversa (GEORGHIOU, 1983; CROFT, 1990; DENHOLM & ROLLAND, 1992). O objetivo do presente trabalho foi abordar a resistência de insetos a inseticidas através dos estudos do mecanismo de ação e de resistência de compostos químicos, além dos estudos dos mecanismos fisiológicos e bioquímicos que causam resistência. 2. Sistema Nervoso dos Insetos O sistema nervoso dos insetos se enquadra perfeitamente ao modelo dos artrópodes típicos. É composto por células nervosas ou neurônios, que são formadas por uma região chamada corpo celular na qual possui terminações nervosas ramificadas chamadas dendritos onde é recebido o estímulo nervoso, e uma região alongada chamada axônio que possui arborizações terminais por onde são transmitidos os estímulos nervosos. A função do sistema nervoso é transmitir informações ao corpo por meio de impulsos elétricos (FREITAS et al., 1978). Sant´Anna, F.B. Principais mecanismos que ocasionam a resistência de insetos a inseticidas. PUBVET, Londrina, V. 3, N. 2, Art#489, Jan2, 2009. O sistema nervoso central possui um gânglio-esofagiano, que seria nos moldes dos animais superiores o cérebro. Esta estrutura, situada na cabeça dos insetos, é a principal rede de transmissão dos impulsos nervosos para o restante do corpo do inseto, sendo o centro de integração do sistema nervoso, composto por milhares de neurônios interconectados (gânglios), e uma dupla cadeia de gânglios (agregações de neurônios) ventrais que se dirigem para a extremidade posterior do corpo, também denominadas de cordão nervoso ventral (DOWSON, 1977). O sistema nervoso periférico é formado por células nervosas sensoras (ou receptoras) e motoras, além das células nervosas que as conectam com o sistema nervoso central, e o sistema nervoso autônomo (controla a contração dos músculos e os órgãos internos). Este sistema não possui gânglios e é somático, isto é, reagem a estímulos ambientais através de respostas musculares (DOWSON, 1977). As células nervosas ou neurônios estão presentes na quase totalidade do corpo de um inseto, sendo responsáveis pela transmissão do impulso nervoso. Para que o impulso nervoso se propague de um neurônio para outro é necessário que ele atravesse uma fenda denominada de sinapse, o que é conseguido através da liberação de neurotransmissores em sua membrana (DOWSON, 1977). Os neurotransmissores são os mensageiros químicos do sistema nervoso, pois possuem a função de enviar as informações entre as células nervosas, comandando assim o corpo. Portanto a propagação de um impulso nervoso de uma célula nervosa para outra é dependente de neurotransmissores (BLOOMQUIST, 1996). Dentro deste contexto os inseticidas possuem a capacidade de inibir ou potencializar a ação destes neurotransmissores, promovendo respectivamente uma hiperexcitação das junções neuromusculares com conseqüente convulsão e paralisia neuromuscular (BLOOMQUIST, 1996). Sant´Anna, F.B. Principais mecanismos que ocasionam a resistência de insetos a inseticidas. PUBVET, Londrina, V. 3, N. 2, Art#489, Jan2, 2009. 3. Mecanismos de ação de inseticidas Inseticidas que agem nos canais de sódio Os compostos químicos DDT e análogos, piretrinas e os piretróides tipos I se ligam a uma das subunidades dos canais de sódio presentes nas células nervosas do sistema nervoso de insetos, modificando individualmente estes e mantendo-os abertos por um período mais prolongado, sendo o último considerado modulador destes canais. O aumento do período de abertura destes, ocasiona um aumento do fluxo de sódio para o interior da membrana da célula nervosa, prolongando a fase de despolarização. Com o prolongamento desta fase ocorrerá uma hiperexcitação do sistema nervoso, causando perda da coordenação muscular, convulsões e finalmente à morte. (TAYLOR, 2001). Os compostos piretrinas e piretróides são moléculas que possuem como características rápida absorção e excreção, baixa fotoestabilidade, um elevado efeito “knock-down”, isto é, um efeito instantâneo nos insetos, apesar de um curto período residual. Também são indicados como repelentes de insetos (VALENTINE, 1990). Outro composto químico, o indoxacarb, recentemente introduzido para o controle de pragas, também possui este mecanismo de ação (SHONO et al., 2004). Inibidores da Enzima Acetilcolinesterase (AChE) A enzima acetilcolinesterase (AchE) é uma enzima responsável pela hidrólise rápida e efetiva do neurotransmissor acetilcolina (ACh). Esta enzima participa do processo de transmissão do impulso nervoso nas fendas sinápticas, atua na decomposição das moléculas de acetilcolina que são liberadas no momento da estimulação nervosa nas junções neuromusculares, nas sinapses das fibras pré-ganglionares simpáticas e parassimpáticas, nas dos terminais das fibras nervosas pós-ganglionares parassimpáticas e nas do sistema nervoso central (TAYLOR, 2001). Sant´Anna, F.B. Principais mecanismos que ocasionam a resistência de insetos a inseticidas. PUBVET, Londrina, V. 3, N. 2, Art#489, Jan2, 2009. A inibição da AChE ocasiona o bloqueio da hidrólise da ACh, que se acumula nas sinapses continuando a interagir com seus receptores levando a hiperexcitação do sistema nervoso (RANDALL et al., 1997), ocasionando paralisia neuromuscular, convulsões e levando à morte do inseto (TAYLOR, 2001). Os grupamentos dos compostos organofosforados e carbamatos apresentam este mecanismo de ação, com ótimo efeito “knock-down”, porém como os piretróides, apresentam um baixo período residual de proteção, sendo, portanto, utilizados em períodos mais freqüentes quando comparados com novas moléculas inseticidas (SHI et al., 2002). Inseticidas que agem nos receptores do neurotransmissor acetilcolina (AChR) Neonicotinóides Estes inseticidas mimetizam o neurotransmissor ACh e competem com ele pelos seus receptores, sendo portanto agonistas da ACh, apesar de possuírem fórmulas estruturais distintas. Entretanto, ao contrário do neurotransmissor ACh, os compostos neonicotinóides são susceptíveis a hidrólise enzimática através da enzima acetilcolinesterase. A contínua interação entre estes e os receptores do neurotransmissor acetilcolina (AChR) leva a uma hiperexcitação do sistema nervoso, ocasionando perda da coordenação muscular, convulsões e finalmente à morte. Como exemplo do grupamento dos neonicotinóides temos o composto imidacloprid, acetamiprid, nitempiram e tiametoxan. Em insetos, ao contrário de vertebrados, esses inseticidas agem em gânglios nervosos do sistema nervoso central, pois não há AChR no sistema nervoso periférico destes invertebrados (TAYLOR, 2001; STUMPF et al., 2007). Sant´Anna, F.B. Principais mecanismos que ocasionam a resistência de insetos a inseticidas. PUBVET, Londrina, V. 3, N. 2, Art#489, Jan2, 2009. Spinosinas Spinosinas são toxinas constituintes do inseticida spinosad, derivado da bactéria Saccharopolyspora spinosa (Mertz & Yao, 1990). Este composto é um novo e promissor inseticida, atuando sobre uma grande quantidade de espécies de insetos. O mecanismo de ação deste inseticida é baseado em seu sítio primário de ação, atuando nos AchR como moduladores destes, levando a abertura de canais iônicos e a condução do estímulo nervoso, levando a uma hiperexcitação do sistema nervoso causando perda da coordenação muscular, convulsões e finalmente à morte (DOWSON, 1977). Possui também um sítio secundário de ação, atuando nos receptores do neurotransmissor ácido gamaamino butírico (GABA) (SHONO & SCOTT, 2003). O GABA é um neurotransmissor de caráter inibitório, presente no sistema nervoso central de insetos e junções neuromusculares. È um importante neurotransmissor para promover o correto fluxo de impulsos elétricos de uma célula nervosa para outra (DOWSON, 1977). Inseticidas que agem nos receptores do neurotransmissor ácido gamaamino butírico (GABA) Piretróides tipo II São antagonistas dos receptores do neurotransmissor GABA, aumentando a atividade elétrica da célula nervosa através da inibição do fluxo de íons cloro para o interior das membranas nervosas, levando os insetos à eventual morte por hiperexcitação. As moléculas de deltametrina e cipermetrina são exemplos de compostos pertencentes a este grupamento químico (VALENTINE, 1990). Fenilpirazóis São antagonistas competitivos do GABA, ligam-se ao sítio de ligação dos receptores GABA individuais induzindo uma rápida mudança conformacional do Sant´Anna, F.B. Principais mecanismos que ocasionam a resistência de insetos a inseticidas. PUBVET, Londrina, V. 3, N. 2, Art#489, Jan2, 2009. canal para o estado dessensibilizado suprimindo o fluxo de íons cloro para o interior da membrana da célula nervosa e levando os insetos à morte por hiperexcitação, devido ao aumento da atividade elétrica da célula nervosa. Como exemplo de inseticida pertencente a este grupamento químico temos o composto fipronil (TAYLOR, 2001). Segundo Bowman (2003), o composto fipronil apresenta estabilidade molecular e um prolongado efeito residual, sendo recomendado para o controle das mais diversas espécies de insetos. Lactonas macrocíclicas As lactonas macrocíclicas estão subdivididas em dois grupos: avermectinas e milbemicinas. As avermectinas são derivadas do processo de fermentação do microorganismo actinomiceto Streptomyces avermitilis. Elas foram descobertas pelo pesquisador japonês Satoshi Omura que, em 1975, isolou o microorganismo no Instituto Kitasato a partir de uma amostra de solo da cidade de Ito no Japão. S. avermitilis produz uma mistura de oito diferentes componentes: A1a, A1b, A2a, A2b, B1a, B1b, B2a e B2b (BURG et al., 1979). Dentre estes a fração B1 é a que possui maior atividade antiparasitária. O produto comercial denominado ivermectina possui 80% de avermectina B1a e 20% de avermectina B1b (SHOOP et al., 1995). Esse grupo apresenta moléculas que são agonistas do neurotransmissor GABA, ligando-se aos receptores dele e estimulando o fluxo de íons cloro para o interior da membrana da célula nervosa. Essa ação acaba por levar a um bloqueio na transmissão do estímulo nervoso, ocasionando imobilização e paralisia, seguidas por eventual morte do inseto. O sítio exato de ação desses inseticidas ainda não é conhecido, mas eles também parecem agir diretamente sobre os canais de íons cloro, aumentando o fluxo deste para o interior da membrana da célula nervosa (BLOOMQUIST, 1996; TAYLOR, 2001). Sant´Anna, F.B. Principais mecanismos que ocasionam a resistência de insetos a inseticidas. PUBVET, Londrina, V. 3, N. 2, Art#489, Jan2, 2009. Reguladores de Crescimento de Insetos (IGR`S) Este grupamento atua na interrupção do desenvolvimento de insetos, interferindo principalmente na ecdise de larva para pupa, além de possuírem atividade ovicida e efeitos embriogênicos (GINARTE & DORTA, 1996). Segundo Taylor (2001) pode ser dividido em três categorias: inibidores da síntese da quitina, inibidores de quitina e substâncias análogas ao hormônio juvenil. Inibidores da síntese de quitina A quitina, um aminopolissacarídeo, é o maior componente formador da cutícula de artrópodes e sua biossíntese envolve um processo de polimerização catalisado pela enzima quitina sintetase (COHEN, 1993). Representam esta categoria os compostos benzoilfenil uréias, onde segundo Van Erk (1979) estes não atuam na enzima quitina sintetase, sugerindo a atuação destes na inibição da formação dos componentes precursores de quitina, tais quais os compostos diflubenzuron, triflunuron, lufenuron e fluazuron (TAYLOR, 2001). Inibidores de quitina São representados pelos compostos derivados da triazina e pirimidina, como exemplo a ciromasina. Tais compostos diferem estruturalmente e no modo de ação da categoria anterior, atuando na alteração do depósito de quitina na cutícula, com sua conseqüente formação anormal interferindo na distribuição regular pelo exoesqueleto. (FRIEDEL et al., 1989). Substâncias análogas ao hormônio juvenil São substâncias que mimetizam a ação do hormônio juvenil de insetos, apesar de possuírem fórmulas estruturais distintas. Impedem a realização de Sant´Anna, F.B. Principais mecanismos que ocasionam a resistência de insetos a inseticidas. PUBVET, Londrina, V. 3, N. 2, Art#489, Jan2, 2009. ecdise pelo fato de perpetuar altos níveis deste hormônio no interior dos insetos. As moléculas de metoprene e piriproxifen são exemplos de compostos químicos desta categoria de (TAYLOR, 2001). Segundo Grenier e Grenier (1993) o carbamato fenoxicarb também está relacionado com a regulação do hormônio juvenil em insetos. 4. Mecanismos de resistência de insetos a inseticidas A resistência a inseticidas poderia ser definida como o desenvolvimento de uma habilidade em uma determinada linhagem de um organismo em tolerar doses de compostos químicos que seriam letais para a maioria da população normal (susceptível) da mesma espécie. A resistência é uma característica hereditária, e sendo assim uma outra definição de resistência dentro de um contexto genético é a de Crow (1957) que define a resistência como "o marco na mudança da composição genética de uma determinada população em resposta à pressão de seleção". Os principais mecanismos pelos quais os insetos podem adquirir resistência a inseticidas são reunidos em comportamentais, fisiológicos e bioquímicos (ROUSH, 1993). Os mecanismos comportamentais são influenciados principalmente pela pressão de seleção exercida por um composto químico a certa população, ocasionando a habilidade desta de evitar os seus efeitos nocivos. Esses mecanismos dependem basicamente de sua capacidade sensorial, por meio de ações como irritabilidade ou xenofobia e, por meio de modificações genéticas nos receptores periféricos de estímulos (ROUSH, 1993). O principal mecanismo fisiológico envolvido na resistência de insetos a compostos químicos relaciona-se com a redução da penetração deste pela cutícula do inseto (LIU & SCOTT, 1995). Os mecanismos bioquímicos da resistência de insetos a compostos químicos vêm sendo estudado desde o final da década de 50, onde diversos trabalhos demonstraram os mecanismos de resistência aos compostos organoclorados, organofosforados, carbamatos, piretrinas, piretróides e IGR`S (PLAPP, 1976). Sant´Anna, F.B. Principais mecanismos que ocasionam a resistência de insetos a inseticidas. PUBVET, Londrina, V. 3, N. 2, Art#489, Jan2, 2009. Os principais mecanismos bioquímicos de resistência a compostos químicos são: o aumento da detoxificação metabólica e a insensibilidade do sítio de ação do composto químico (SCOTT, 1990, 1995). O aumento da detoxificação metabólica ocorre devido à ação de enzimas detoxificativas, isto é, que evitam a toxidez do composto, onde um grupo polar reativo (ex. –OH, –SH, –NH2, –COOH) é introduzido em uma molécula do composto químico, tornando-a mais solúvel em água. A conseqüência desse tipo de reação é tornar o composto químico um substrato mais adequado para a ação de reações de biossíntese ou conjugações (SODELUND & BLOOMQUIST, 1990). As principais enzimas detoxificativas envolvidas na resistência a compostos químicos são: monoxigenases dependentes de citocromo P-450, esterases e glutationa s-transferases (SODELUND & BLOOMQUIST, 1990). As enzimas monoxigenases fazem parte de um complexo sistema de regulação de compostos exógenos e endógenos de organismos, sendo sua ação dependente diretamente da proteína citocromo P-450 (SODELUND & BLOOMQUIST, 1990). O citocromo P-450 microssomal atua principalmente na regulação, degradação e biossíntese de compostos endógenos como os hidrocarbonetos, hormônios e feromônios (SCOTT, 1999). Este citocromo também é responsável pelo metabolismo de compostos químicos, ocasionando assim a ação esperada destes (OI et al., 1990; LIU & ZHANG, 2002). O citocromo P-450 está diretamente relacionado na resistência por parte de insetos aos compostos químicos, por meio da mediação da enzima monoxigenase, impedindo a fixação do inseticida em seu sítio de ação, modificando assim sua expressão ou sua atividade catalítica. Além disso, este citocromo promove a detoxificação de compostos químicos, diminuindo o seu potencial de ação em células e enzimas dos insetos (TOMITA & SCOTT, 1995). O aumento da detoxificação oxidativa pelo citocromo P-450 mediada por enzimas monoxigenases está associado à presença de resistência cruzada entre os compostos organoclorados, organofosforados e piretróides (CLUCK et al., 1990; LIU & SCOTT, 1995) e entre os compostos organofosforados e Sant´Anna, F.B. Principais mecanismos que ocasionam a resistência de insetos a inseticidas. PUBVET, Londrina, V. 3, N. 2, Art#489, Jan2, 2009. análogos do hormônio juvenil (IGR’s) (PLAPP, 1976) e, da presença de colônias de M. domestica resistentes aos compostos fenilpirazóis e spinosinas (LIU & YUE, 2000). Diversos trabalhos demonstraram que significativas reduções da resistência de insetos a compostos químicos foram verificadas com o uso do inibidor do citocromo P-450, butóxido de piperonila, indicando que o mecanismo de resistência para esses casos é devido ao aumento da detoxificação metabólica mediado por enzimas monoxigenases (LIU & SCOTT, 1995; LIU & YUE, 2001; LIU & PRIDGEON, 2002; SHONO et al., 2004). As esterases são enzimas capazes de hidrolisar ligações do tipo éster de uma grande variedade de substratos, muitos xenobióticos, que possuem ligações tipo éster, são susceptíveis a hidrólise. Estas enzimas concentram-se mais na hemolinfa, intestino, músculos e tecido nervoso de insetos (SODELUND & BLOOMQUIST, 1990). Três importantes grupos de inseticidas possuem ligações tipo éster: organofosforados, carbamatos e piretróides. Estas enzimas são classificadas em A-esterases, B-esterases e Cesterases. Esta classificação está baseada no tipo de grupamento químico que está covalentemente ligado ao carbono da carbonila do grupo éster que será hidrolisado. As A-esterases preferem grupos arilas ligados à carbonila dos carboxil-ésteres que hidrolisam ésteres de compostos químicos, sendo representados principalmente pelas enzimas fosfatases e fosfotriesterases. As B-esterases preferem grupamentos alquilas ligados a carbonila e são inibidas por ésteres de compostos químicos, sendo representadas principalmente pelas enzimas acetilcolinesterase e carboxilesterases Já as C-esterases preferem ésteres de acetato, isto é, um grupo metil ligado ao carbono da carbonila do éster (SODELUND & BLOOMQUIST, 1990). As glutationa S-transferases (GST) são enzimas desintoxicadoras que catalisam a conjugação de uma variedade de moléculas orgânicas endógenas e exógenas com o substrato endógeno, a glutationa reduzida (GSH). O conjugado é geralmente biotransformado em ácido mercaptúrico, que é excretado. As GST estão largamente distribuídas na natureza, podendo ser Sant´Anna, F.B. Principais mecanismos que ocasionam a resistência de insetos a inseticidas. PUBVET, Londrina, V. 3, N. 2, Art#489, Jan2, 2009. encontradas em bactérias, fungos, moluscos, anfíbios, insetos, plantas, peixes, pássaros e mamíferos (OPPENNORTH et al., 1972). As GST são consideradas enzimas de reação de Fase II (biossíntese), relacionado com a degradação de inseticidas (OPPENNORTH et al., 1972). Existem três grupos de GST importantes na degradação de inseticidas: epóxido transferases, relacionadas com a degradação de compostos organofosforados, aril transferases, relacionadas com a degradação de compostos carbamatos e alquil transferases, relacionadas com a degradação de compostos piretróides (SODELUND & BLOOMQUIST, 1990). A insensibilidade do sítio de ação ocorre principalmente devido a alterações na enzima acetilcolinesterase (AChE), onde os compostos químicos, principalmente os organofosforados e carbamatos, são impedidos de se ligarem a AchE (SODELUND & BLOOMQUIST, 1990). Outro fator que pode ocasionar esse tipo de mecanismo são as alterações nos canais de sódio, onde em caso destes canais encontrarem-se em contato com grande quantidade de inseticida, por mecanismos de defesa fisiológicos, irá ocorrer uma diminuição dos sítios de ação onde este se ligaria com a enzima AChE. Tal mecanismo é conhecido como “knock-down resistance” (KDR) sendo responsável pela resistência cruzada entre compostos organoclorados e piretróides (PLAPP, 1976). 5. Manejo da resistência a inseticidas A evolução da resistência a compostos químicos em populações de insetos é influenciada principalmente por fatores genéticos, biológicos e ecológicos, na qual podem variar conforme a espécie, a população e o habitat em que vivem estes insetos. A identificação primária desses fatores pode indicar o potencial evolutivo da resistência, sendo de grande importância o seu conhecimento e entendimento para um correto manejo da resistência (GEORGHIOU & TAYLOR, 1977). O manejo da resistência envolve um esforço interdisciplinar com o objetivo de prevenir e retardar a evolução da resistência em pragas. Os programas de Sant´Anna, F.B. Principais mecanismos que ocasionam a resistência de insetos a inseticidas. PUBVET, Londrina, V. 3, N. 2, Art#489, Jan2, 2009. manejo da resistência são mais efetivos quando implementados de modo preventivo ou no início da evolução da resistência (GEORGHIOU, 1983). Georghiou (1983) divide as estratégias de manejo da resistência em três tipos: manejo por moderação, por saturação e por ataque múltiplo. A metodologia do manejo por moderação baseia-se na redução da pressão de seleção para preservar os indivíduos susceptíveis em uma determinada colônia. Para isso deve ser preconizada a aplicação menos freqüente de inseticidas, a manutenção de áreas não tratadas para servir de refúgio aos indivíduos susceptíveis e aplicação do produto químico no estágio mais vulnerável da praga (formas imaturas). O manejo por saturação tem por objetivo reduzir a capacidade de adaptação dos indivíduos resistentes aos compostos químicos através do uso de substâncias sinergistas ou através do uso de altas dosagens do produto. Alguns compostos com estas características sinérgicas, como o butóxido de piperonila, atuam bloqueando a ação de enzimas monoxigenases dependentes do citocromo P-450, sendo estas responsáveis pelo mecanismo bioquímico da resistência aos compostos piretróides. O manejo por ataque múltiplo é representado pela utilização de dois ou mais produtos químicos em rotação ou mistura, sendo estes possuidores de mecanismos de ação diferentes. Seu princípio baseia-se no fato de que a freqüência de resistência a um produto diminui quando são utilizados outros produtos químicos, com mecanismos de ação diferentes (GEORGHIOU, 1983; ROUSH, 1989). 6. Considerações Finais É de grande relevância o fato de que o uso de forma constante e indiscriminada de inseticidas para o controle de insetos poderá acarretar populações resistentes a estes compostos, gerando diversos problemas na cadeia produtiva de alimentos, principalmente quando se refere a produção de ovos, leite e carne. Sant´Anna, F.B. Principais mecanismos que ocasionam a resistência de insetos a inseticidas. PUBVET, Londrina, V. 3, N. 2, Art#489, Jan2, 2009. A busca por novas moléculas que não afetem ou prejudiquem o meio ambiente deverá ser um dos pilares para o desenvolvimento de inseticidas, com grande ênfase em espécies que afetam de forma direta a produção animal. 7. Referências Bibliográficas BLOOMQUIST, J.R. Ion channel as targets for insecticides. Annual Review of Entomology, v.41, n.2, p.163-190, 1996. BOWMAN, D. D. Georgis’ Parasitology for veterinarians. 8 ed. USA: Elsevier Science, USA. 2003. 422p. BURG, R. W.; MILLER, B. M.; BAKER, E. E.; BIRNBAUM, J.; CURRIE, S. A.; HARTMAN, R.; KONG, YU-LIN; MONGHAN, R. L.; OLSON, G; PUTTER, I.; TUNAC, J. B.; WALLICK, H.; STAPLEY, E. O.; OIWA, R.; OMURA, S. Avermectins, new family of potent anthelmintic agents: Producing organism and fermentation. Antimicrobial Agents and Chemotherapy, v.15, n.3, p.361-367, 1979. CARRERA, M. 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