Agência Nacional de Vigilância Sanitária
Gerência Geral de Toxicologia
NOTA TÉCNICA SOBRE A REAVALIAÇÃO TOXICOLÓGICA D O INGREDIENTE
ATIVO LINDANO
I - INTRODUÇÃO
O Lindano ou gama-hexaclorociclohexano é usado na preservação de madeiras
compensadas e serradas, utilizadas em construções (forros, assoalhos, rodapés, pé direito) e pela
indústria moveleira. Os produtos registrados contendo Lindano estão relacionados na tabela 1.
Tabela1 - Produtos registrados à base de Lindano.
Classe
Classe de Risco
Toxicológica
Ambiental
Mendane 200
II
I
Inseticida
PRENTISS QUÍMICA LTDA
Mentox 400
I
I
Inseticida
PRENTISS QUÍMICA LTDA
Cupinicida Jimo EM
I
I
Inseticida
Produto registrado
Classe
Empresa
JIMO QUÍMICA INDUSTRIAL
LTDA
Fonte: IBAMA, 2006
Os produtos regi strados são formulações que apresentam diferentes componentes e
concentrações de Lindano. Os métodos de aplicação autorizados para estes produtos são a imersão
a frio e a adição à cola.
Pelo fato de
ser um produto químico organoclorado, que apresenta poten cial de
transporte atmosférico a longa distância, persistência em água, ar, sedimento e solo,
bioacumulação nos seres vivos, toxicidade aguda e crôni
ca para seres humanos e animais,
o
Lindano já teve sua importação proibida em 65 países e foi banido ou te m restrição severa em 39
países.
O uso agrícola do Lindano foi cancelado, pela Portaria do Ministério da Agricultura n. 329,
de 02 de setembro de 1985 e a sua monografia foi excluída, pelo Ministério da Saúde,
através da Portaria n. 11, de 08 de janeiro de 1998 e consequentemente proibidos seus usos
para campanhas de saúde pública ou domissanitários. Restando até o presente momento somente o
uso como preservante de madeiras.
Com o Lindano ainda sendo comercializad o no Brasil para preservante madeira s, a
Gerência Geral de Toxicologia da ANVISA , em atendimento a legislação vigente , realizou sua
reavaliação toxicológica , gerando a presente nota técnica contendo a discussão e conclusão da
análise.
II - SUMÁRIO DA AVALIAÇÃO TOXICOLÓGICA
O hexaclorocicloh exano é um inseticida organoclorado (HCH de grau técnico)
caracterizado pela m istura de isômeros. Na composição percentual do HCH t écnico normalmete
encontra-se 53 a 70% de alfa-hexaclorociclohexano (α-HCH); 3 a 14% beta-hexaclorociclohexano
(β – HCH); 11 a 18% gama-hexaclorociclohexano (γ–HCH) o qual tem propriedade inseticida; 6 a
10% delta-hexaclorociclohexano (δ–HCH); 3 a 5% epsilon-hexaclorociclohexano (ε–HCH).
Os isômeros apresentam toxicidade que variam na seguinte ordem:
- Para toxicidade aguda - gama > alfa > delta > beta-HCH.
- Para toxicidade crônica - beta > alfa > gama > delta-HCH.
O comportamento nos organismos também é diferente para cada isômero, assim, em
exposição recente e intensa a o gama -HCH ocorre o metabolismo e excreção rapidamente , já o
beta-HCH apresenta meia vida maior e em exposição intensa
e de longa duração provoca
bioacumulação.
O Lindano é um conhecido e
stimulante do Sistema Nervoso Central
alteração da atividade sináptica pela alteração da atividade da função GABA
K+-ATPase (A TSDR, 1994, Ratra et. al, 2001).
. Provoca
e inibição da Na+ -
No fígado, interfere na capacidade oxidativa
hepática e no metabolismo glutation (ATSDR, 1994).
Internacionalmente é c
lassificado
toxicológicamente pela OMS como Classe II, moderadamente perigo so (WHO, 2002) ; pela UE
como c arcinogênico (Cat. 3) , altamente tóxico; irritante
pela
IARC como 2B, possível
carcinogênico; pela EPA/EUA como B2, provável carcinógeno humano,
mas sem evidências
suficientes para avaliar o potencial carcinogênico.
As princip ais vias de exposição são a inalatória e pelo consumo de alimento e água
contaminados, apresentando tempo de meio -vida de 3 a 4 dias com eliminação pela urina em
ratos.
O Lindano provoca toxicidade aguda oral de 55 - 270 mg/kg em várias espécies;
inalatória de 1500 mg/m 3/4h em r atos; d érmica de 200 - 1000 mg/kg em várias
espécies e não é irritante de pele nem olhos (UNEP/FAO).
Efeitos r eprodutivos são observados após administração de 10 mg/Kg pc a
fetotóxicidade efeitos tóxicos maternos em ratos.
Efeitos teratogênicos ocorre m o após 10 mg/kg de pc com presença de efeito
fetotóxico e/ou maternal.
Efeitos carcinogênicos aparecem com 100 ppm (5mg/kg/dia) durante a vida em ratos,
não ocorreram aumento nos tumores. Com 400 ppm ocorreu aumento na incidência de tum ores do
fígado (macho e fêmea).
Estudos agudos e de curto prazo em seres humanos concluíram que o lindano nas
doses: 1,0 mg/kg do pc não provoca envenenamento, mas 15-17 mg/kg provoca sintomas tóxicos
severos (WHO, 1991).
Mais de 90% da contaminação humana por Lindano ocorre via alimentação. Nos anos
70 e 80 o Lindano foi encontrado em muitas plantações, no mel, peixes e mariscos por todo o
mundo, variando a quantidade consumida a cada ano e país. Estudos de monitoramento
encontraram Lindano no leite matern o, soro sanguíneo, gorduras e tecido adiposo (IARC, 1987;
Who, 1991).
Os trabalhadores em contato com o Lindano ficam expostos a outros isômeros de
HCH presentes como impurezas. Um estudo japonês relatou níveis de beta
sanguíneo de 6 grupos
-HCH no plasma
de trabalhadores em contato com Lindano. Os níveis menores foram
encontrados em trabalhadoras rurais (38 µg/l), os mais elevados foram encontrados em
trabalhadores das fábricas do agrotóxico. (94 µg/l).
No Brasil ocorre ram vários casos de c ontaminação por Lindano podendo-se citar
dentre outros, os seguintes casos:
1. Cidade dos Meninos/RJ
- Fábrica de hexaclorociclohexano (HCH) técnico do
antigo Instituto de Malariologia, então Ministério da Educação e Saúde da Cidade dos Meninos,
Duque de Caxias, RJ, desat ivada em 1955. Parte da sua produção e de seus rejeitos, e
m muitas
toneladas desta mistura foram abandonadas no local. A ação dos ventos, chuvas e a movimentação
de aproximadamente mil pessoas que lá residem, provocaram a disseminação deste agente.
Amostras de sangue coletadas em moradores da área mostraram níveis de contaminação humana
pelo isômero ß elevados. Amostras de solo e de pasto do local, coletadas em distâncias inferiores
a 100 m das ruínas da antiga fábrica, apresentaram concentrações dos isômer
milhares de ppb, evidenciando alta poluição ambiental.
os do HCH de
2. SUCAM
- Feira de Santana / BA
- Passivo ambiental proveniente de
armazenamento e manipulação inseticidas no almoxarifado da antiga Superintendência de
Campanhas de Saúde Pública (ex -SUCAM), no local atualmente funciona o Setor Administrativo
da FUNASA (Setor de Saneamento - Pólo Base) em de Feira de Santana – BA. Lá trabalhavam 20
funcionários (atualmente 14) envolvidos em atividades de saneamento básico. Alguns foram para
a Secretaria Municipal de Saúde, outros se aposentaram ou morreram. Até 1984, praticamente não
existiam medidas de segurança, só a partir de 1991 a Fundação Nacional de Saúde começou a
implementar o programa de saúde do trabalhador. As queixas do cheiro forte, mal -estar e dores de
cabeça eram freqüentes. O cheiro na área ainda é forte.
3. Salsichas Hot -Dog, Santa Maria/RS - Foram monitorados resíduos de compostos
tóxicos em alimentos, verificou -se a freqüência e os níveis de praguicidas organoclorados (OC) e
bifenilas po licloradas (PCBs) em amostras de salsichas Hot -Dog, comercializadas na Cidade de
Santa Maria / RS. Para as análises, procedeu-se a extração da gordura das amostras. O Lindano foi
o pesticida detectado com a maior freqüência (68%), seguido do o,p -DDE (62%), o,p-DDT(56%),
a-HCH (56%), HCB (43%) e aldrin (31%).
Aspectos ambientais
Mundialmente, por muitos anos, foi utilizado o HCH de grau técnico para diversos fins
como tratamento de sementes e solo, saúde pública, preservação de madeira , entre outros. O fa to
da propriedade inseticida deste produto ser atribuída ao isômero gama (Lindano) enquanto
os
outros componentes apresentarem maiores efeitos de toxicidade crônica, tais como os isômeros
beta e alfa , levou a OMS a recomendar, em 1974, que se permitisse o uso apenas do gama-HCH
(Lindano) com no mínimo 99% de pureza em substituição ao uso do HCH -técnico. Entretanto,
para produção de 1 tonelada de Lindano são gerados de 6 a 10 toneladas dos demais isômeros. O
histórico mostra que estes resíduos foram descarta dos incorretamente ou mesmos abandonados
(Cidade dos Meninos) , expostos ao tempo , provocando enorme contaminação ambiental.
Há
estudos que reportam a determinação de vários isômeros do HCH mesmo em regiões do planeta
sem qualquer atividade industrial, como a Antártida (Willett et al).
Quanto ao perfil ambiental do Lindano, destacam
ambiente e a alta toxicidade a organismos aquáticos.
-se a alta persistência no meio
Há enorme quantidade de dados de
monitoramento disponíveis que demonstram que as concentrações do Lindano são similares a de
outras substâncias organocloradas em diferentes matrizes . Este produto
já foi detectado em
III - DISCUSSÃO
Em função das características toxicológicas e da contaminação ambiental provocada
pelo uso do Lindano, existe a tendência mundial de banimento e imposição de severas restriçõ es
ao produto. Também está previsto para ser incluído nas listas de POP’s e no PIC mantidos pelas
Convenções de Estocolmo e Roterdã. O mercado europeu já vem restringindo a importação de
madeira tratada com Lindano. No Brasil existem outros produtos registrado s, junto ao IBAMA,
para as mesmas aplicações que as formulações à base de Lindano.
IV – CONCLUSÃO
Visando atender a legislação vigente e cumprir a missão institucional da ANVISA,
devido a seus efeitos
do Lindano sobre o sistema nervoso central; interfer ente da capacidade
oxidativa hepática; alta t oxicidade; provável carcin ogenicidade para humano ; persistência no
ambiente e toxicidade a org anismos aquáticos , além da tendência mundial de banimento e
restrições já adotadas em vários países; a reavaliação to xicológica do Lindano concluiu pelo
banimento de todos os usos remanescentes desse Ingrediente Ativo no Brasil e adotou os
seguintes encaminhamentos:
- indeferir, a partir desta data (17/07/2006), os pleitos de licenças de importação para esse
princípio ativo, para fins de uso na preparação de produtos preservativos de madeira;
- interromper os processos de formulação dos produtos listados, em todas as plantas
industriais, a partir do dia 30/11/2006;
- proibir a comercialização dos produtos
listados, em to dos os tipos e volumes de
embalagens, a partir do dia 30/03/2007;
- permitir a utilização dos produtos listados, comercializados legalmente e a usuários
identificados, até 30/06/2007;
- priorizar a análise de solicitações de registros de produtos com outros ingredientes ativos,
com função de preservativos de madeira, com vistas a substituir os atuais usos do lindano;
- estabelecer ação integrada entre o IBAMA e o sistema nacional de vigilância sanitária na
fiscalização da formulação de produtos à base de
Lindano, controle de estoques e destinação
adequada de produtos que se tornem obsoletos e entrada ilegal dos produtos;
- divulgar, na página eletrônica da ANVISA, IB AMA, ABPM e outros que couber, a Nota
Técnica a ser elaborada pela ANVISA em conjunto com o I BAMA, a memória da reunião, e as
apresentações da reunião de reavaliação;
- publicar Resolução Normativa, no âmbito da ANVISA, dando ampla divulgação ao
s
prazos das decisões e suas implicações;
- excluir a monografia do Lindano em 30/06/2007;
- adequar tod os os Certificados de Registro emitidos pelo IBAMA para os produtos
listados, a fim de adequá -los às medidas de interrupção de formulação, comercialização e uso,
firmadas na reunião, com vistas ao cancelamento dos mesmos em 30/06/2007;
- controlar a comerc ialização e o uso desses produtos por seus clientes convencionais, a
fim de gerenciar o uso racional dos mesmos e não permitir a geração de estoques de difícil e
oneroso procedimento de destinação final, ao término do prazo autorizado para os seus usos.
V - REFERÊNCIAS
ATSDR, Agency for Toxic Substances and Disease Register. Toxicological Profile for Alpha -,
Beta-, Gamma-, and Delta-Hexachlorocyclohexane. Disponível em
http://www.atsdr.cdc.gov/tfacts51.html. Agosto de 2006.
BOGUSZ JUNIOR, Stanislau, SANTOS, Joice Sifuentes Dos, XAVIER, Ana Augusta Odorissi et
al. Contamination for organochlorine compounds in hot -dog sausages, commercialized in the city
of Santa Maria (RS), Brazil. Cienc. Rural, Sept./Oct. 2004, vol.34, no.5, p.1593-1596. ISSN 01038478.
IBAMA, 2006. Setor de preservativo de madeiras. Disponível em:
http://www.ibama.gov.br/qualidadeambiental/madeira/. Acesso em : julho de 2006.
OLIVEIRA, Rosália M., BRILHANTE, Ogenis M., MOREIRA, Josino C. et al. Contaminação
por hexaclorociclohexanos em área urbana da região Sudeste do Brasil. Rev. Saúde Pública, jun.
1995, vol.29, no.3, p.228-233. ISSN 0034-8910.
PIC, 2002. Convenção de Roterdã..http://www.pic.int/en/ViewPage.asp?id =345.
Relatório de Assessoria Técnica concedida à Coordenação Regional da Bahia (CORE- BA) no
Município de Feira de Santana – BA / 2003 - Ministério da Saúde - Secretaria de Vigilância em
Saúde - Coordenação Geral de Vigilância Ambiental em Saúde – 28/11/2003.
Willett, K.L., Ulrich, E.M., Hites, R.A. Differential toxicity and environmental fates of
hexachlorocyclohexane isomers. Environ. Sci. Tech ., v.32(15), 2197-2207, 1998.
Environmental Health Criteria 124: Lindane. Geneva: World Health Organization, 1991.
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