III SEMINÁRIO POLÍTICAS SOCIAIS E CIDADANIA
AUTORES DO TEXTO: Valéria dos Santos Noronha Miranda; Albany Mendonça;
Josely Nunes
Reflexões acerca das relações de Trabalho x Geração de adoecimento na
contemporaneidade
RESUMO: Este trabalho apresenta reflexões teóricas acerca das relações de trabalho e
suas novas configurações na sociedade contemporânea destacando os seus impactos nas
condições de saúde do trabalhador e na geração do adoecimento a partir da precarização
do processo de trabalho.
Palavras-chave: Trabalho, adoecimento, saúde
ABSTRACT: This paper presents reflections about the relationship of work and your new
settings in contemporary society highlighting its impact on health conditions of the
worker and the generation of illness from the precariousness of the work process.
Key-words: work, diseases, health
1-Introdução
A partir da década de 1970, após um período áureo do capitalismo, este sistema
capitalista começa a dar sinais de crise, marcado pela queda da taxa de lucro, esgotamento
do padrão de acumulação taylorista/fordista, em decorrência do processo de retração do
mercado, maior concentração de capitais, mediante as fusões entre empresas monopolistas e
oligopolistas. Tal fenômeno conhecido como a crise do Welfare State ou Estado de Bem Estar
Social coloca em cena o debate acerca da crise da centralidade da intervenção do Estado,
bem como a centralidade da categoria Trabalho.
Nesse bojo, torna-se imprescindível compreender que a categoria trabalho precisa ser
entendida em seu processo sócio-histórico, ou seja, no contexto das mais variadas
formações sociais, em que sofre as injunções das diversas determinações sociais, políticas,
econômicas e culturais. Entretanto, há que se refletir que no marco da sociedade capitalista
o trabalho voltado para a produção e acumulação do capital vai se revestir de
características peculiares, diferentes de todas as formas como se apresentou em outros
tempos e espaços, constituindo-se como elemento fundante das organizações sociais, e
conseqüentemente ocasionando impactos nas condições de vida e saúde do trabalhador.
Nesse sentido, este ensaio se propõe a refletir acerca das implicações das
transformações do mundo do trabalho na saúde do trabalhador. Para tanto, busca-se
inicialmente fazer uma contextualização acerca da categoria trabalho e das mudanças no
mundo do trabalho e em seguida analisar a geração de adoecimento.
2- Crise do capital, trabalho e saúde do trabalhador
Para compreender os rebatimentos da crise do capital no mercado de trabalho e nas
condições de vida do trabalhador, faz-se necessário recuperar em linhas gerais o debate
sobre a centralidade da categoria trabalho, numa perspectiva ontológica, Em seguida,
introduzir o debate das mudanças no mundo do trabalho no cenário contemporâneo, a fim de
problematizar acerca do crescimento das estatísticas de adoecimento do trabalhador e
demanda de serviços previdenciários.
Em decorrência da crise capitalista, pós 1970, que alterou de forma significativa
as relações entre Estado x Sociedade e, conseqüentemente, as condições de trabalho e vida
do trabalhador, coloca-se em questão as teses do fim do trabalho e da centralidade da
categoria trabalho, numa perspectiva marxista. Tornando-se freqüente no debate acadêmico,
o aparecimento de uma tendência denominada de Pós-Modernidade que aponta o “fim da
sociedade do trabalho” como uma realidade da sociedade contemporânea, exaltando a
sociedade do conhecimento e a criação de novos padrões de sociabilidade voltados para a
construção dos particularismos e para uma visão direcionada para a compreensão dos microespaços. Respaldada na perspectiva marxista, parte-se do pressuposto que a crise do capital
insere mudanças significativas na ordem social, mas, não desconsidera a perspectiva da
centralidade da categoria trabalho, para compreender os mecanismos adotados pelo capital
para garantir a exploração da força de trabalho e valorização do capital. Portanto, entende-se
o trabalho como categoria central para construção da sociabilidade humana, desconstruindo
assim, o viés essencialista, constitutivos e constituintes da chamada natureza humana.
Segundo Braz e Netto (2006) o trabalho se especializa por ser uma relação
mediada entre o sujeito e o seu objeto. O que está- posto é o processo de mediação do
trabalho como fundante da ontologia marxiana, tendo em Lukacs seu maior esforço de
elaboração.
O trabalho na perspectiva ontológica, defendida por Lukacs, constitui-se o
elemento fundante do Ser Social na Sociedade Capitalista. Sendo, portanto, uma categoria
imprescindível para compreender o modo de vida dos homens e da sociedade capitalista.
Nessa direção, a sociabilidade humana tem no trabalho o seu fundamento, trata-se de uma
mediação histórico-social e, como tal, não se efetiva fora das relações sociais.
Nas afirmações de Lukacs, a obra de Marx é permeada por afirmações
ontológicas, o qual define o ser social, como fundação histórico-materialista. Nesse aspecto
defende que a obra de Marx toma “a realidade social enquanto critério última do ser ou não
ser social de um fenômeno. (Aranha, p.23)
De acordo com Marx (2008, p 211),
trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza,
processo em que o ser humana, com sua própria ação, impulsiona,
regula e controla seu intercâmbio material com a natureza.
Defronta-se com a natureza como uma de suas forças. (...)
atuando ainda sobre a natureza externa e modificando-a, ao
mesmo tempo modifica sua própria natureza.
Além disso, coloca que todo “trabalho é, de um lado, dispêndio de força humana
de trabalho, no sentido fisiológico, e, nessa qualidade de trabalho humano igual ou abstrato,
cria o valor das mercadorias”, isto é o trabalho sob a forma exclusivamente humana é capaz
de criar valor e mais valor.
Portanto, MARX define a dupla natureza do trabalho materializado na mercadoria,
ou seja, trabalho concreto e trabalho abstrato. Sendo o trabalho concreto entendido como
expressão universal da atividade humana como condição de sua existência e o segundo,
incorporando tal dimensão, a subordina, expressando-se enquanto processo de valorização
na forma específica capitalista. Isso significa que o trabalho concreto é produtor de valor de
uso para atender as necessidades e o abstrato produtor de mais-valia para atender a
reprodução do capital.
É mister compreender esses elementos para situar o debate da pós-modernidade
que questiona a centralidade da categoria trabalho.Para tanto, faz-se necessário remeter no
plano histórico como se processa o trabalho no enfrentamento da questão social,
principalmente dando ênfase para a contemporaneidade quando são inseridas novas
mudanças no mundo do trabalho que afetam diretamente o trabalho, proliferando o aumento
da desigualdade social.
Em termos de enfrentamento da questão social, pode-se destacar que a
configuração do Trabalho vai tomando novos contornos mediante a crise do capital e da
derrocada do socialismo real, tendo em vista o desenvolvimento do processo de acumulação
capital.
2.1- Reforma do Estado e os Rebatimentos no Mercado de Trabalho
Para situar no plano histórico as implicações da crise 1 do capital para o trabalho,
torna-se imprescindível fazer uma breve caracterização do paradigma fordista enquanto
modo de produção e modo de regulação, ressaltando assim os fatores que contribuíram para
a sua superação e as saídas que foram encontradas para fazer frente à crise.
Cabe salientar que os anos dourados do capital criaram as condições econômicas
sociais e políticas, permitindo assim que o Estado conciliasse, na história do capitalismo, a
propriedade privada dos meios de produção com a elevação do padrão de vida, na medida
em que houve uma significativa redução do desemprego, a ampliação da segurança no
mercado de trabalho através da legislação protetora e da valorização da contratação coletiva.
Ainda a esse respeito, Mattoso esclarece
a contratação coletiva mais centralizada favoreceu uma maior
solidariedade
social,
emprego
e
trabalho
relativamente
padronizados, distribuição da renda mais igualitária e um
desenvolvimento
mais
homogêneo,
com
um
Welfare
tendencialmente geral e completo (embora com diferenças
importantes entre os países continentais e os da área angloescandiva) (1995, p.39).
Após período áureo do capitalismo, o padrão de acumulação que lhe caracterizava
(fordista/taylorista) começou a dar sinais de crise. Dentre às razões que influenciaram a crise
do fordismo como sistema de produção, destacam-se: queda da taxa de lucro; esgotamento
do padrão de acumulação taylorista/fordista produção face à retração do mercado; hipertrofia
da esfera financeira; maior concentração de capitais, graças às fusões entre empresas
monopolistas e oligopolistas; crise do Welfare State ou Estado de bem estar social;
incremento acentuado das privatizações, tendência generalizada às desregulamentações e à
flexibilização do processo produtivo, dos mercados e da força de trabalho (ANTUNES, 2000).
Tal crise provoca modificações consideráveis na esfera do Estado, colocando por
terra o modo de regulação que lhe dava sustentação, isto é, o Estado de bem estar social,
segundo o padrão keynesiano de intervenção estatal. Segundo Mattoso (1995), há inversão
nas relações de trabalho e na contratação da força de trabalho, através da redução dos níveis
de segurança do trabalho, da relação salarial, do padrão de consumo e da desestruturação do
movimento sindical, além do desemprego estrutural.
Para tanto, em resposta à crise, assiste-se à emergência de novas formas de
produzir assentadas em tecnologias flexíveis2 e outra modalidade de regulação políticoinstitucional fundada no neoliberalismo.
1
. É importante considerar que a história real e concreta do desenvolvimento do modo de produção
capitalista é marcada pela sucessão de crises econômicas. Portanto, a “a crise é constitutiva do
capitalismo, não existiu, não existe e não existirá capitalismo sem crise” (BRAZ e NETTO:2006, p.157).
2
Segundo Harvey, o novo regime de acumulação “apóia-se na flexibilidade dos processos e padrões de
trabalho, dos mercados de trabalho dos produtos e novos processos, novas maneiras de fornecimento
Conforme Gentili (1998), o neoliberalismo deve ser compreendido como um
projeto hegemônico de classe que apresentou de forma estruturada um conjunto de reformas
radicais no plano político, econômico, jurídico e cultural.
O receituário neoliberal entra em cena com um conjunto de propostas que podem
ser sintetizadas em: flexibilização dos mercados nacional e internacional, flexibilização
(precarização) dos contratos de trabalho, subcontratação das relações de trabalho, redução
do poder sindical, desemprego estrutural, privatizações de empresas estatais, drástica fuga
de capitais para o setor financeiro, redução do Estado no financiamento de políticas públicas
e na regulação social entre capital e trabalho (DRAIBE, 1993; MONTAÑO, 2002; NETTO,
1993).
Para Pochmann (2008) as medidas de corte neoliberal tem contribuído para a
promoção de uma maior desvalorização do trabalho, mediante o agravamento do quadro
geral de desemprego no Brasil, ampliação dos postos de trabalho precário e flexibilização dos
contratos e diminuição dos gastos sociais.
Diante do exposto, nos últimos anos, o processo de trabalho vem sofrendo
mudanças drásticas, que têm impulsionado um processo de perda do poder aquisitivo do
trabalho e aviltamento das suas condições de vida. O que tem ocasionado um aumento
significativo do desemprego, desassalariamento, ampliação dos postos de trabalho precários
e aumento nos índices de adoecimento do trabalho.
Nessa lógica, é importante compreender as contradições postas pelo sistema
capitalista, como fonte geradora de desigualdades sociais, intensificada pela massificação do
trabalho pelo capital, adquire, segundo Marx (2003), uma aparência de questão natural, e
por isso mesmo assume um caráter de imutabilidade e eternização, que dificulta os
questionamentos e o enfrentamento ao que está posto como verdade.
Este processo de alienação, de “coisificação do homem”, transformado em
mercadoria, impede as condições emancipatórias e de autonomia humana, pois que ele não
se apropria do que produz, dos meios de produção, do processo de trabalho e
principalmente das relações sociais daí decorrentes. (MARTINELLI, 1995).
Sendo assim, as condições sociais de vida, decorrentes da contradição capital e
trabalho, são percebidas na perspectiva da individuação, distanciando-se do processo
coletivo, aparecendo, pois, a complexidade dos agravos à saúde como resultantes de
situações localizadas, pontuais, sob responsabilidade do indivíduo, como uma conseqüência
natural e não como o resultado da organização do trabalho, nos moldes em que foram
estabelecidos pelo capitalismo.
Desta forma, o trabalho, como um propulsor da evolução do homem, do ponto
de vista bio-psíquico-social, passa a ser instrumento de exploração, subjugação,
subordinação do sujeito a formas aviltantes de extração de mais-valia, venda da força de
trabalho, único bem daqueles destituídos dos meios de produção, que agora são submetidos
a relações hierárquicas desiguais e autoritárias de trabalho.
Importante ressaltar, contudo, que este movimento de subordinação do homem
ao capital extrapola os espaços de trabalho propriamente dito e alcança a vida social,
estabelecendo todo um sistema econômico, social, político, cultural, educacional, que vai
de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação
comercial, tecnológica e organizacional”. (1992, p.123).
fornecer subsídios estruturais e conjunturais à manutenção desta nova ordem. Pode-se
verificar isto tanto no espaço familiar, que vai se constituir em apoio e uma das bases
ideológicas de justificação do sistema e de manutenção e reprodução da força de trabalho,
assim como, na escola, onde acontece a formação técnica e especializada da classe
trabalhadora, vindo a educação a assumir as demandas da produção. (MÉSZÁROS, 2005).
Corroborando com este pensamento, Harvey (2008), defende que existe um
“controle do trabalho” que também não se restringe aos espaços industriais, mas,
principalmente se expande para todo o conjunto da sociedade. Este controle não se limita
apenas ao domínio do corpo do trabalhador, seus movimentos e seu tempo, mas da sua
mente, sua alma (Chauí, 2006). Constata-se este fenômeno em várias áreas do saber ou
dos saberes humanos, como a educação, o treinamento, a persuasão, a mobilização de
certos sentimentos sociais (a ética do trabalho, a lealdade dos companheiros, o orgulho
local ou nacional) e propensões psicológicas (a busca da identidade através do trabalho, a
iniciativa individual ou solidariedade social) desempenham um papel e estão claramente
presentes na formação de ideologias dominantes cultivadas pelo meio de comunicação em
massa, pelas instituições religiosas e educacionais, pelos vários setores do aparelho do
Estado, e afirmadas pela simples articulação de sua experiência por parte dos que fazem o
trabalho (HARVEY, 2008, p. 119).
Tomando como referência o pensamento de Antunes (2005, p. 130), pode-se
constatar a concordância com os demais autores supracitados, quando afirma que enquanto
o modelo taylorista-fordista intencionava controlar as capacidades psicológicas e cognitivas,
estabelecendo controle sobre o corpo do trabalhador, o toyotismo objetiva não somente
isso, mas também envolver o trabalhador, convocando-o a compor a missão/objetivos da
empresa, incorporando o espírito de uma grande família, co-participante de todo o
processo, responsável pelo cumprimento das metas.
Nessa direção, a pretensa aparência de maior liberdade no espaço produtivo, carrega
em contraposição, como argumenta Alves:
o fato de que as personificações do trabalho devem se converter
em personificações do capital [“...]”. Sendo estabelecido um
modelo daquele trabalhador que se enquadra aos objetivos da
empresa, ou seja, “os que não demonstrarem „aptidões‟ (vontade,
disposição, desejo),
serão substituídos por outros que
evidenciarem „perfil‟ e „atributos‟ para aceitarem esses novos
„desafios‟.” Sendo assim, o trabalho vivo necessita não apenas
vestir a camisa da empresa, mas dar a alma (corpo e mente) aos
interesses do capital [...]”. Fatores como o desemprego e a
precarização do trabalho “[...] constituem o ambiente psicossocial
capaz de estimular o engajamento estranhado ( 2007, p. 235).
Esta propalada adesão do trabalhador aos interesses da empresa, absorvendo-os
como se fossem seus, não têm trazido, em contrapartida, ganhos para o mesmo, nem em
termos salariais, nem em qualidade de vida, ao contrário disso tem gerado situações de
pressão para o alcance de metas, de uma maior sobrecarga de trabalho e de horas
trabalhadas, na perda da privacidade, que resultam em sofrimento físico e psicológico, com
lesões irreversíveis, do ponto de vista das funções do corpo e das enfermidades que afetam a
saúde mental.
Aliado ao processo de robotização e de avanços na informatização verifica-se,
também, que muitas doenças ficam na invisibilidade da relação com a ocupação exercida pelo
trabalhador, atingindo muito mais a mente do que propriamente o corpo o que não invalida,
entretanto, que os dois sejam atingidos.
Constata-se, ainda, que estas relações de produção precarizadas, caracterizadas
pela informalidade, terceirização, ausência de contratos, trabalhador polivalente, prevalência
de atividades no âmbito familiar, entre tantas outras, têm como reflexo ou conseqüência a
perda significativa de direitos previdenciários e trabalhistas, conquistados com muita luta
pela classe trabalhadora.
3- Reforma da previdência e os impactos na saúde do trabalhador
Historicamente, até que se garantissem os direitos sociais na Carta Magna de
1988, a atenção à saúde, prestada pelo Estado, no Brasil, se restringia àqueles que
contribuíam com a Previdência, ou seja, os que se encontravam inclusos no mercado formal
de trabalho. Quanto à saúde coletiva, estava estruturada num modelo campanhista, voltado,
prioritariamente, para as epidemias e endemias.
Diante da pressão dos movimentos sociais, no contexto de redemocratização do
país, conseguiu-se assegurar avanços constitucionais no campo dos direitos no âmbito da
seguridade social, em destaque para o estabelecimento da saúde como um direito social
universal e um dever do Estado, integrando-se nesta perspectiva a saúde do trabalhador.
Sendo assim, em seu artigo 7º, Inciso XXII, a Constituição Federal assegura, entre outros, a
redução de riscos inerentes ao trabalho, por intermédio de normas de prevenção das
condições de saúde, higiene e segurança. No âmbito da previdência, conseguiu-se o
reconhecimento do direito ao contribuinte individual e reconhecimento da atenção aos
trabalhadores rurais, assim a garantia de benefícios de aposentadorias, em condições
especiais, para o segmento populacional desprovido das condições matérias, a exemplo dos
idosos e deficientes.
Entretanto, apesar das garantias estabelecidas constitucionalmente, a realidade
evidencia que há uma grande disparidade entre o que está posto pela legislação e o que se
configura concretamente nos espaços de trabalho, conforme atestam os alarmantes dados
estatísticos, que embora significativos, ainda estão dentro de um padrão de sub-notificação,
inerentes a países periféricos.
Cabe frisar ainda, que, as mudanças inseridas no sistema de cobertura social, com
a Reforma da Previdência, no contexto neoliberal, têm contribuído para o agravamento dessa
realidade, especificamente, pela restrição da cobertura social e o acesso da população
usuária a esse direito. Portanto, o problema da não cobertura previdenciária torna-se gritante
para os trabalhadores, com inserções precárias, que, em sua grande maioria, nem seque
registram os casos de acidentes, face às ameaças e inseguranças postas no mercado de
trabalho.
Em estudos realizados pela Organização Internacional do Trabalho- OIT (1999),
foi registrado pela Previdência Social, no período de 1999 a 2003, 1.875.190 acidentes de
trabalho, sendo 15.293 deles com óbito e 72.020, com incapacidade permanente – média de
3.059 óbitos/ano, entre os trabalhadores formais. Tais resultados têm demonstrado um
coeficiente médio de mortalidade, no período, considerado de 14,84 por 100.000
trabalhadores. (BRASIL, 2003). Em comparação do coeficiente brasileiro com o de outros
países – Finlândia, 2,1 (2001); França, 4,4 (2000); Canadá 7,2 (2002); e Espanha, 8,3
(2003) – os dados apontam que no Brasil, o risco de morrer por acidente de trabalho é cerca
de duas a sete vezes maiores. Nessa direção, ressalta-se que a falta de segurança no
trabalho tem apresentado maiores índices de mortalidade do que os casos de drogas e o
álcool.
Segundo Vasapollo citado por Antunes, “a nova condição de trabalho está sempre
perdendo mais direitos e garantias sociais. Tudo se converte em precariedade, sem qualquer
garantia de continuidade (...)” (2008, p. 48). Portanto, sem as garantias legais de proteção e
as condições adversas há um aumento considerável no desgaste e debilidade da força de
trabalho.
Pode-se indagar com base nos registros do INSS que há um aumento significativo
da demanda pela cobertura de benefícios oriundos dos casos de acidentes de trabalho. Em
2008, foram registrados, aproximadamente, 747,7 mil acidentes. Em comparação com o ano
de 2007, há um aumento de 13, 4% do número de acidentes de trabalho. Cabe ainda
considerar que o maior impacto deste aumento (69,5%) deveu-se em decorrência dos
acidentes sem Carteira de trabalho registrada, oriunda da nova sistemática de concessão dos
benefícios acidentários. Para os acidentes do trabalho registrados, o ano de 2008, comparado
com o de 2007, aumentou em apenas 5,2%. Dentre o total de acidentes registrados, verificase que há uma incidência para os acidentes típicos que representaram 80,4%, enquanto, os
de trajeto representam 16,2% e as doenças do trabalho apresentam 3,4%.
Vale, então, frisar que em todos os casos de registros de acidentes de trabalho,
predominam-se as pessoas do sexo masculino, a saber: 78,8% nos casos típicos, 66,6% nos
de trajeto; e 56% nas doenças do trabalho. Há ainda a considerar que os casos de acidentes
atingem diretamente a população jovem, conforme demonstram os dados: a faixa etária
decenal com maior incidência de acidentes foi a constituída por pessoas de 20 a 29 anos
com, respectivamente, 39,8% e 42,7% do total de acidentes registrados, respectivamente,
nos acidentes típicos e nos de trajeto. Já nos casos de doenças de trabalho identificou-se a
maior incidência para a faixa de 30 a 39 anos, com 32,3% do total de acidentes registrados.
Sabe-se, portanto, que aliado a essas condições de precarização da força de
trabalho, os trabalhadores defrontam-se com as perdas das garantias legais para acessar os
benefícios e com desrespeitando a estabilidade a qual o segurado faz jus quando da alta do
benefício acidentário, diante da ameaça do desemprego, gerando, assim, danos irreparáveis
às condições de saúde do trabalhador, os quais passam a manifestar reflexos em seus
subseqüentes exercícios laborais, que, por sua vez, em sua vida pessoal, familiar e social.
Ademais, os impactos da Reforma do Estado no sistema previdenciário, marcado
pelo processo de privatização da saúde e previdência, em detrimento da expansão da
assistência, aliado inexistência de política de trabalho, tem dificultado o enfrentamento da
questão posta, assim como assegurar a realização de um trabalho preventivo e sócioeducativo mais eficiente e de maior amplitude, que viria a beneficiar a saúde do trabalhador
e conseqüentemente toda a rede de atenção instalada. Constata-se, assim, uma dissociação
entre as políticas setoriais que geram agravos à saúde do trabalhador e as que atendem a
estes mesmos agravos. Portanto, considera-se como saída para equacionar a problemática a
necessidade da realização da integração destas políticas, o que se constitui um desafio
lançado a toda a sociedade, mas principalmente aos que trabalham diretamente com estas.
4- Considerações Finais
Diante do exposto, observa-se que vivenciamos um processo de desconstrução do
trabalho que tem intensificado as condições precárias de contratação e a exploração da força
de trabalho. Impactando diretamente na forma de organização do trabalhador na vida social
e familiar. Assim como, tem afetado diretamente a saúde do trabalhador.
Sabe-se ainda que todo o processo crescente de informalidade do trabalho,
insegurança no emprego, desprovimento de regulação e de garantias legais tem contribuído
diretamente para que os trabalhadores se submetam as todas as condições e aos riscos do
trabalho. O que tem culminado no aumento dos casos de acidentes de trabalho.
Acredita-se que o caminho para reverter essa realidade seja por meio do
investimento direto do governo na proteção social do trabalhador por meio da garantia de
políticas sociais de trabalho, saúde, assistência e previdência, e, especificamente, o seu
processo de articulação. Constituindo assim, o caminho para que se possa, de fato na
realidade, assegurar aos trabalhadores brasileiros um sistema de promoção e proteção ao
trabalho e a saúde e, conseqüentemente, a melhoria das condições de vida.
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