Ο MARECHAL-DE-CAMPO
GUSTAVO HENRIQUE VON BRAUN,
CHEFE DO PRIMEIRO ESTADO-MAIOR
DO EXERCITO BRASILEIRO
Com realce para os corpos alemäes que participaram
na Campanha da Cisplatina (1826 a 1828)*
P o r C a r l o s H. O b e r a c k e r J r .
Na Guerra da Cisplatina surge como chefe do estado-maior do exercito brasileiro e, seguidamente, ate como comandante-em-chefe interino das tropas imperials, urn certo marechal-de-campo Brown.
Quern era esse Brown? Pela escrita do nome deviamos supor neleuma
individualidade anglo-saxönica; os documentos provam, no entanto,
tratar-se de uma personalidade de origem alemä, ou prussiana. Nasceu Brown em Arneburg sobre ο Elba, situada a 12 quildmetros a
nordeste de Stendal na Altmark, Prussia, em 25 de dezembro de 1776.
•*) A minha inten;äo έ dar apenäs um relance sobre as atividades de G. H. von Braun
durante a Guerra da Cisplatina, näo έ, portanto, escrever a sua biografia. Este modesto
estudo baseia-se, principalmente, nos testemunhos de coevos que fixaram as suas impressöes oculares, de ρ referenda nas anotaföes de J. J. Machado d'Oliveira (Recordaföes
Histöricas que se prendem especialmenteä campanha de 1827 . . ., Revista do Instituto Histörico e Geogräfico Brasileiro [RIHGBJ, tomo 23 (1860, 4° trimestre), nas cartas do Marqu&s de Barbacena (Antonio Augusto de Aguiar, Vida do Marquez de Barbacena, Rio de Janeiro, Imprensa National, 1896), na publicafäo do pröprio Braun (Defeza e Relatörio do
Marechal de Campo. . . perante ο Conselho de Guerra, Rio de Janeiro, Typographia do Diärio, 1829, e 2" edifäo na Revista do Institute Histörico e Geogräfico do Rio Grande do
Sul [RIHGRS], trimestre I e II de 1926, ano VI, Porto Alegre 1926; ritaföes se referem a
esta2"ed.), nas reminisc&ncias de Seweloh (Carteiras e notas deA. A. F. Seweloh. Remitiiscincias da Campanha de 1827. Tradufäo do general Bertholdo Klinger e um estudo sobre
ο autor do tenente-corqnel F. de Paula Cidade. Separata da Revista Militär Brasileira,
η" 1,1963, Rio de Janeiro, Imprensa do Estado-Maior do ExSrcito, 1936), nos Anais de
Luis Manoel de Lima e Silva (Guerra com as Pruv'mcias Unidas do Rio da Prata. Anais do
Exörcito Brasileiro sobre a Guerra com a Republica das Provincias Unidas do Rio da
Prata de 1825 a 1826. Ministerio da Guerra. Biblioteca do ExGrcito, vol. 219- 220, Rio de
Janeiro 1956) e nas comunicaföes de uma Testemunha Ocular anönima alemä (trataremos
assim no nosso trabalho ο autor alemäo que ο Baräo do Rio Branco julga ser ο Major
Leenhoff e cuja obra tem ο b'tulo: Beiträge zur Geschieh te des Krieges zwischen Brasilien und
Buenos-Ayres in den Jahren 1825, 26, 27, 28 von einem Augenzeugen. Berlin, G. Reimer,
1834). Mas tamb£m consultamos naturalmente as obras dos historiadores militares.
Para uma biografia seria indispens&vel uma investigate cuidadosa nos diversos arquivos do Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, ο que näo me foi possivel.
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Carlos Η. Oberacker Jr.
Era filho de uma mulher solteira, Johanna Christiane Grossmann; mas
nos livros da igreja protestante foi registrado como Gustav Heinrich
Gottlieb Braun.
Ο progenitor era um militar, provavelmente um oficial pertencente
ao corpo dos couraceiros estacionado em Arneburg. Era ainda dono de
uma propriedade rural chamada Kittlitz, na Silesia, e um nobre que
descendia por seu lado de uma familia de oficiais e chegou a ser general e oomandante militar de Berlim1. Como ο pai legitimou ο filho,
Braun tornou-se oficialmente tamb6m um nobre, fato ate agora ignorado, jä que no Brasil assim como, ao que parece, na Inglaterra e em
Portugal nunca usou ο predicado von. No Brasil assinou sempre Gustavo Henrique Brown; por£m, quando voltou para a Alemanha fez
questäo em relafäo ao von, pois nos registros da cidade de Dresda,
onde vivia, aparece como von Brown ou von Braun2.
Ο pai deixou educar ο filho por um tio; mas, com 17 anos, Gustavo
Henrique seguiu para a Inglaterra, onde assentou prafa, passando a
assinar desde entäo, para manter a pronunda alemä, ο seu nome ä
maneira inglesa, Brown, motivo por que Braun no Brasil foi tido por
ingles. Braun, no entanto, nunca negou a sua nacionalidade alemä e
os soldados alemäes no Brasil sempre ο consideraram seu «patricio»3.
Infelizmente, quase nada sabemos a respeito da carreira militar de
Gustavo Henrique von Braun na Grä-Bretanha, a näo ser que chegou
a coronel do ex£rcito. Quando, durante a invasäo francesa, a GräBretanha enviou, em 1808 e 1809, diversos corpos auxiliares a Portugal, Braun fazia parte de um deles, possivelmente da King's German
Legion, tomando parte na campanha sob ο comando de Wellington.
Uma Testemunha Ocular alemä alega que Braun comandava com
distinfäo um batalhäo «na campanha contra a Franca», conquistando
1) Informaföes da jä faledda neta de G. H. von Braun, Marion von Braun, que vivia
em Hambuigo.
2 ) Aliis, dois dos seus novefilhosque fizeram a carreira militar na Navy continuaram
a designar-se Brown, enquanto que os outios que viviam na Alemanha se chamavam
von Braun. Ο filho mais jovem assentou pra(a no ex6rrito austriaco e passou posteriormente para ο prussiano, sempre assinando «von Braun». Estes Braun e a familia do famoso inventor doe misseis, Wernher von Braun, usam ο mesmo brasäo; ο curioso έ, no
entanto, que a familia de Wernher von Braun apesar deste fato nega qualquer parentesco, enquanto que os outros fazem questäo disso.
3 ) Carl Seidler, Dez anos no Brasil, Biblioteca Histörica Brasileira, tradu(äo e notas do
General Bertholdo Klinger e prefido e notas do Coronel F. de Paula Cidade, Säo Paulo
1941, pp. 138 e 186.
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Marechal-de-Campo G.H. von Braun
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«a fama- de um guerreiro valente que unia h de um estratega häbil»4.
Mais tarde, quando ο Viscount of Beresford era comandante do ex6rcito portugues, von Braun deve ter ingressado no exercito portuguös;
em todo ο caso afirma ele mesmo que serviu durante 13 anos em Portugal. Consta ainda que foi reformado como marechal-de-campo portugues apös a revolufäo liberal em 1820, pois näo queria servir ο governo revolucionärio5.
Ο contrato de Braun com ο governo brasileiro
Braun retirou-se entäo para a Inglaterra, onde continuou a fazer
parte do exercito britanico. Ai conheceu-o ο entäo diplomata brasileiro
Felisberto Caldeira Brant Pontes, ο posterior Marques de Barbacena.
Brant, designado para comandante-em-chefe do exercito imperial no
Sul do Brasil, fez-lhe a proposta de passar para ο ex6rcito brasileiro6,
encarregando ο seu sucessor A. R. Gameiro Pessoa, mais tarde Baräo
de Itabaiana, do contrato a concluir com Braun. Da «incrivel perfidia»
deste diplomata, Braun queixar-se-ia mais tarde amargamente; ele teria retardado sempre de novo a assinatura do contrato, entregando-o
somente na v^spera do seu embarque, assinando-o Braun de boa ίέ e
confiando na honradez do diplomata, sem ο ter lido. Braun, que se tinha que desligar do exercito britänico, pusera, como era natural, a
condifäo da vitalicidade do emprego, condi(äo que Gameiro teria suprimido de propösito7. Tal pretenso embuste deveria causar a Braun
posteriormente muitos aborredmentos e at£ a perda do seu posto no
exercito brasileiro com grandes prejuizos materials. Tenho alguma
duvida a respeito desta comunicafäo, pelo menos assim como a formulou Carneiro, j k que, de acordo com ο que escrevem Lago e Maciel
4)
Cf. nota introdutöria, Beiträge, pp. 203 e 214.
Ibid., p. 203. - fi estranho que näo era possivel encontrai no Arquivo Militär portugufes em Lisboa qualquer vestigio deste ofidal de täo alta patente, que, aliäs, atualmente
corresponde ao grau de brigadeiro.
*) Paula Cidade afirma que Braun «ao ser contratado para entrar ao servifo do Brasil,
havia sido convidado tamb€m para ο exercito da Prussia»; cf. Seidler, Dez anos. p. 137.
7 ) David Carneiro, Hist&ria da Guerra Cisplatim, Brasiliana, vol. 246, S i o Paulo 1946,
p. 236s.
5)
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Carlos Η. Oberacker Jr.
da Silva8, ο contrato data de 12 de maio de 1826, embarcando Braun
somente em 14 de junho com destino ao Brasil. Mas talvez näo se tratasse da vespera do embarque, como diz Carneiro, na qual foi assinado ο contrato, mas sim da vespera da despedida de Braun do exercito inglSs? Nesse caso surgiria, no entanto, a pergunta, por que motivo Braun näo leu ο texto do contrato no intervalo antes do embarque.
Por£m, tambem e imaginävel que Gameiro tenha elaborado ou assinado ο contrato naquela data, entregando-o somente um m£s mais
tarde, isto e na vespera do embarque, a Braun.
Os demais pontos do contrato previam, especialmente, que Braun
ocuparia no exercito imperial ο posto de marechal-de-campo efetivo,
que receberia um adiantamento e passagem paga para si, sua mulher e
trfcs criados. Braun casou-se entäo, ou ja antes, com uma inglesa de
nome Johanna (Gane) Charlotte Cuff Gore de quem teve 9 filhos e
uma filha que, em parte, nasceram no Brasil, pois a familia sempre seguiu com ele e viveu durante algum tempo em Porto Alegre e em Säo
Francisco de Patila (Pelotas). Por um decreto de 22 de agosto de 1826,
Braun foi incluido no quadro efetivo do exercito imperial com a data do
seu embarque na Inglaterra e na qualidade de marechal-de-campo.
Em 25 de novembro, um dia apös ο pröprio Imperador, embarcou na
corveta «Duquesa de Goiäs», velejando do Rio de Janeiro para ο Rio
Grande do Sul 9 . Por ordern do ministro da Guerra, ο Marqu&s de Barbacena, que ja se encontrava naquela provincia, fora autorizado, ou
at£ intimado, a formar, pela primeira vez na histöria militar do Brasil,
um estado-maior, e nomear Gustavo Henrique von Braun seu chefe.
Α situapäo do exercito imperial
Α condifäo em que ο comandante-em-chefe, ο Marques de Barbacena, e ο marechal-de-campo Braun encontraram ο exercito do Sul foi
a mais deplorävel, condifäo essa que, a nosso ver, explica melhor do
8 ) Laur&ncio Lago, Brigadeiros e Generais de D. Joäo VI e D. Pedro I no Brasil. Dados Biogräficos, 1808-1831, Biblioteca Militar, vol. avulso, Rio de Janeiro 1941, p. 48. Alfredo
Pretextato Maciel da Silva, Os Generais do Exercito Brasileiro de 1822 a 1889 (Tia^os biogräficos), 2 vols., 2a ed., Biblioteca Militar, vol. XXXI, Rio de Janeiro .1940, p. 119.
®) Jos6 Feliciano Fernandes Pinheiro, Visconde de Säo Leopoldo, Memorias do Visconde de Säo Leopoldo, compiladas e postas em orden pelo conselheiro Francisco Ignacio
Marcondes Homem e Mello, RIHGB, vol. 27, tomoll, e vol. 38, tomo H, p. 68s.
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Marechal-de-Campo G. Η. von Braun
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que todos os argumentos militares ο mau £xito da batalha do Passo do
Rosärio, fato que a maioria dos historiadores näo leva em conta. Ambos, no entanto, dentro das poucas semanas que lhes sobrariam pois, ο inimigo ja se encontrava preparado para avanfar sobre ο Rio
Grande do Sul - fizeram tudo para evitar aquele desastre. Aliäs, Caldeira Brant e Braun cooperaram sempre harmönicamente, jä que a
etica militar do primeiro correspondia plenamente ä do ultimo. Ο historiador militar Tasso Fragoso diz que ο Marques de Barbacena näo
era um general da envergadura do Duque de Caxias; mas mesmo assim ο consideramos uma individualidade que ultrapassava muito,
tamb£m como general, tanto ο seu antecessor, ο brigadeiro Francisco
de Paula Massena Rosado, como ο seu sucessor, ο general Carlos Frederico Lecor, ο Visconde da Laguna; e para nös näo hä dtivida que,
sem a interven^äo do Marqu&s de Barbacena e a atividade que desenvolveu com ο auxilio de Braun, ο exercito imperial teria sido destrofado completamente pelos platinos. Λ. A. de Aguiar diz de Caldeira
Brant: «As energias de patriotismo, a decisäo de iniciativa, a forfa inquebrantävel de caräter e todas as qualidades de um änimo varonil e
nobre audäcia, que na histöria distinguem a rafa flamenga, brilhavam
no descendente brasileiro.10» Seweloh 10a , seu ajudante-de-campo,
primeiro muito desconfiado para ele, fala de um «caräter muito nobre»
e anota: «Se jamais a natureza dotou a um homem das distinföes que ο
qualificam para as altas fun(5es, ο Marqu£s foi aquinhoado em alto
grau», acrescentando ainda que «pouca escola teria bastado para fazer
dele um grande general». Alias, distinguiu-se Caldeira Brant tambem
no maior perigo e em pleno fogo da batalha por denodo e circunspefäo, como relatam as testemunhas oculares Lima e Silva e Seweloh 11 .
Com este insigne mineiro e homem deste feitio, Braun nunca teve dificuldade de colaborar harmoniosa e proficuamente, completando-se
antes ambos na chefia do ex£rcito12.
10 ) Aguiar, Barbacena, p. 5. - Caldeira (tradufäo do nome «Kessler») Brant era, de
fato, tanto da parte paterna quanta da parte matema de origem flamenga. Seu antepassado (oi Ambrösio Caldeira Brant, filho do cönsul Joäo Brant, natural de Antu6rpia. Sua
mäe, uma Oliveira Horta { = Hurter), a concluir pelo seu apelido tambem deve ter descendido de colonos flamengos dos Azores.
10») Seweloh, Guerra, p. 69.
11 ) Lima e Silva, Guerra, p. 108; Seweloh, Remimsdncias, p. 64.
" ) Testemunha Ocular, Beiträge, p. 226, fala, no entanto, de certas tensöes que houve
entre ambos, e que os diversos partidos procuravam aprofundar.
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Carlos Η. Oberacker Jr.
Α situa^äo desanimadora do ex^rcito imperial έ descrita por Caldeira Brant no seu memorando de 2 de outubro de 1826 ao imperador13: «Um ex6rcito nu, descal^o, sem muniföes de guerra e boca, sem
remödios, sem cavalos, e reduzido depoie de um ano ä mais humilde
defensiva.» Ε ao ministro da Guerra comunicava: «Todos os males parecem filhos da in£pcia, da intriga, e da vinganfa de poucas pessoas.14» A desordem chegava a tal ponto que ningu6m conhecia ο
nümero exato dos soldados; adisciplina e a economia eram «virtudes
militares näo conheridas no ex^rcito do Stil»15. Ε enquanto ο grosso
das tropas sofria privates de toda a sorte num acampamento impr6prio e insaudävel em Santana do Livramento, «uma aluviäo de
ofiaais, inferiores e soldados [. . .] por diferentes titulos giravam pela
provincia e, principalmente, residiam na capital»16.
«Achei», continua Barbacena, «o exäreito a ρέ, sem trans portes, sem uma s6
das repartiföes indispensÄveis para sua mobilizafäo e admin is tra{äo, como devia ser, porque näo tinha nem comissariado, nempagadoria, nem rem£dios,
nem armamento para todos os combates, e at£ nem espiöes [ . . . ] . Os doentes
(. . .] jaziam no chäo com menos espajo do que tftm os pretos em navios escravos."»
Que Caldeira Brant nada exagerou confirma Seweloh: «O ex6rcito»,
diz ele, «estava cheio de fome e fadiga, deviam-lhe ο soldo de 6 a 9 meses.» Näo havia disciplina e ordem na admin is trafäo, nem auditor. Ο
hospital «era um quadro revoltante de mis£ria e desgrafas»18. Ε
Aguiar19 acrescenta ainda que a cavalaria, isto έ a anna principal de
entäo, se encontrava em estado desolado, pois dos 14.708 cavalos ο
brigadeiro Rosado entregou a Caldeira Brant somente 18 que se achavam «em estado de pronto servifo».
Infelizmente, ο ministro da Guerra, ο Conde de Lajes, quem Aguiar
considera ο mais incapaz dos ministros de D. Pedro, pouco ou quase
nada cumpriu daquilo que prometera a Caldeira Brant, isto e de mandar cavalos, fardamento, calfado, munifäo, armamento, dinheiro
13 )
,4)
15 )
16 )
,7)
,8)
Aguiar, Barbacena, pp. 240ss.
Ibid., pp. 244ss.
Ibid., p. 246.
Ibid., p. 247.
Ibid., p. 251.
Seweloh, Reminisctncias, p. 79s. e p. 81.
") Barbacena, p. 252.
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Marechal-de-Campo G . H . von Braun
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para pagar ο soldo atrasado e soldados para aumentar ο seu numero
atel5.000 homens ativos al£m da forma(äo de uma reserva. A Francisco Gomes da Silva, ο Chalaca, ο Marques, apös a batalha do Passo
do RoscLrio queixou-se em 25 de mar90 de 1827 da maneira seguinte:
«O ministro fez promessas, deu ordem eat£ certo ponto pode-se dizer
que fez e mandou quanto se pediu, entretanto ο general responderä, e
com verdade que ate ho je nada recebeu.» Ε ao pröprio ministro da
Guerra dizia com toda a franqueza em 11 de maio de 1827: «Vejo com
profunda mägua do meu corafäo que V. Ex* näo estä compenetrado
da importäncia desta guerra> ou quer sacrificar os generais que servem
debaixo de suae ordens.» Ε de fato recomendava este ministro de uma
feita ao Marqu&s que superasse ο numero menor dos soldados em relafäo aos inimigos pela discipline, ο «patriotismo e ο bom caräter dos
habitantes da provincia»20.
Causa justa ou causa injusta?
Ora, acontecia que. precisamente ο patriotismo dos soldados fora
corroido pelas discussöes no Congresso e na imprensa que ο deviam
ter favorecido. Ο Imperador encontrava-se em litigio com ο parlamento que, alegando um pretenso despotismo imperial, näo considerava a guerra como problema nacional, e sim como questäo pessoal
do monarca. Quanto ao imperador, este estava mais interessado no
bem-estar da sua amante, a Marquesa de Santos, do que na guerra,
abandonando, como hoje estä provado, somente por causa daquela
mulher predpitadamente a provincia de Säo Pedro21 sem resolver os
problemas que ο tinham movido a empreender täo longa viagem e
entusiasmar ο ex6rdto com sua imperial presence. Outrossim estava
tamWm mais empenhado no problema da sucessäo portuguesa. Os
parlamentares e muitos jornais, adversos ao Imperador, faziam pelos
motivos expostos uma intense propaganda contra a guerra de maneira
que ela näo gozava da simpatia e do apoio necessärios da populafäo
brasileira e menos ainda sul-riograndense que jä entäo, em parte, se
encontrava contagiada pelas id£ias republicanas que, alguns anos
20
) Ibid., resp. pp. 220, 284, 296, 243.
" ) Carlos H. Oberacker Jr., A lmperatra Leopoldina - Sua Vida e sua tpoca, Rio de Janeiro 1973, p. 446s.
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Carlos Η. Oberacker Jr.
mais tarde, iriam desembocar na revolufäo republicana e separatista
dos Farrapos. Ε näo hä düvida que jä durante a Guerra da Cispiatina
era a inten(äo dos platinos transformar a provincia de Säo Pedro numa
republica independente, criando deste modo uma esp£cie de Estadotampäo entre os dois grandes Estados, ο Imp£rio do Brasil e a repiiblica platina que devia abranger ο atual Uruguai.
Ο historiador militar e general Tasso Fragoso έ da opiniäo que ο
verdadeiro Brasil considerava com razäo a Guerra da Cispiatina como
uma luta inglöria, näo alimentando ο minimo entusiasmo22. Acha ele
que a causa näo era justa, porque a Cispiatina fora incorporada ä forfa
no Brasil. Talvez haja nisso algum exagero ou ate um erro, considerando ο ilustre escritor mais a situafäo posterior e atual do que a fase
historica dos anos vinte do seculo passado. Naquela altura a Cisplatina - e, em parte ate a provincia do Rio Grande do Sul - constituiam
ainda uma regiäo de transi(äo entre a America portuguesa e a Amirica
espanhola, ainda näo täo carateristicamente definida como hoje. Fato
que se explica facilmente. M. de Oliveira Lima23 diz para uma epoca
muito posterior que «ο gaucho das cochilas do Rio Grande [do Sul]
tem talvez maior numero de tra^os comuns com ο gaucho argentrno
ou uruguaio de fala castelhana do que com ο sertanejo do Norte». Ε
fora exatamente para essas semelhanfas que apelara ο governo republicano e platino, quando queria incitar Bento Manoel Ribeiro a «libertar-se» do «ominoso jugo sob que gemem todos os povos do Brasil em
conseqüencia do seu funesto sistema do governo», afirmando que a
provincia do Rio Grande do Sul era «talhada pela natureza de sua situa(äo geogräfica, costumes e relaföes, as mais intimas [!], para ser a
aliada, a amiga das que compöem a Uniäo Americana»24. Lima e Silva
frisa ainda que «Alvear bem claramente da a conhecer em suas memörias que tinha relaföes com ο interior do pais; a voz publica apontava
en täo quem fora do exercito tudo lhe comunicava». Souza e Doca, ο
comentador de Lima e Silva 25 , chama os gaüchos, que serviam os platinos de vaqueanos e informadores, de traidores, negando-lhes qualquer tendencia ideolögica. Que, no entanto, ο Sul e, de preferencia, a
) Tasso Fragoso, A Batalha do Passo do Rosärio, Rio de Janeiro 1922, p. 137.
") Aspectos da histöria e da cultura do Brasil. Conferöncias inaugurals, Lisboa 1923,
p. 42.
24 ) Lima e Silva, Guerra, p. 285.
" ) Ibid., p. 317.
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Marechal-de-Campo G. Η. von Braun
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Cispiatina constituia uma regiäo de trans ifäo provam-no de uma maneira irrefutävel os diversos corpos cisplatinos e os muitos soldados
avulsos que lutavam voluntariamente no lado brasileiro. Seidler26
menciona, por exemplo, ο regimento 40 «inteiramente constituido de
naturais da Cispiatina» que «se distinguiam tanto pelo seu conhecimento do terreno como pela sua destreza equestre e pela bravura
pessoal»27. Ε Lima e Silva28 cita al£m do chefe deste regimento, ο tenente-coronel Bonifäcio Isäs Calderon, ο capitäo cisplatino Joäo Batista que comandava um esquadräo de guerrilhas.
Tambem näo devemos esquecer que näo poucos dos insurretos
como Juan Antonio Lavalleja, Frutuoso Rivera (Ribeiro), Juan Laguna,
Henrique Xavier Ferrara e outros serviram durante longos anos lealmente ο Reino Unido e ο Imperio respetivamente. Souza Doca29 lembra que entre os cisplatinos se encontravam «personalidades de alta
representafäo e influ£ncia» que apoiavam a colaboragäo com ο Imperio e que aceitaram titulos nobiliärquicos do Imperio brasileiro; entre
outros menciona Lucas J. Obes que era deputado eleito para as Cortes
de Lisboa, procurador do Conselho do Estado, Cavalheiro da Ordern
do Cruzeiro e Conselheiro Äulico; Thomas Garcia Zuniga, ο Conde de
Calera; Juan Jos6 Duran, ο Conde de Cordobez; Nicolas Herrera, ο
Conde do Rosärio. Toda esta gente so mudou de alvitre quando via
que a Sorte das armas pendia para ο lado dos insurretos. Havia, pois,
sem düvida uma corrente a favor do Brasil na Cispiatina, entäo supri-
Dez Anos, p. 148.
" ) Tasso Fragoso, a nosso ver preconcebido neste ponto, desculpa numa anotajäo (A
Batalha, p. 261) ο afastamento do tenente-coronel Bonifäcio Isäs Calder6n do campo de
batalha no Passo do Rosärio pelo fato de ele ter sido «um oriental», ο que näo convence;
pois havia muitos outros, por exemplo todo ο 24° regimento, no total de 1.500 homens,
entre eles 27 ofidais (Aguiar, Barbacena, pp. 217, 265 e outras) que debandaram. Ignoramos ο motivo que moveu Calderdn a abandonar ο campo; Consta, no entanto, que seguiu para ο interior da provincia, näo passando para ο lado dos platinos. Mui ao contrario, e este fato näo έ mencionado pelo emimente historiador, continuou a lutar ao lado
dos brasileiros. Barbacena em seu oficio de 17. 5. 27 ao Conde de Lajes (Aguiar, barbacena, p. 302)falada«brilhantea(äodoten.-col. IsäsCalder0n[. . .]nodia9docorr.,sobre
partidas inimigas que Alvear havia destacado para as vizinhanfas de Seiro Largo, sendo
ο resultado dela ficarem prisioneiros ο cor. Inäcio Oribes, ο major Laballeja, tr6s capitäes, 7 älteres e 99 soldados. Tratava-se de uma das maiores vitörias do ex£rcito imperial
nesta campanha.
26)
") Guerra, p. 42.
" ) Ibid., p. 318.
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Carlos Η. Oberacker Jr.
mida pelos insurretos e a ocupafäo platina. Heinrich Handelmann30
chama a atenfäo para ο fato de que ο Impörio cometera graves erros
politicos, näo cumprindo as promessas feitas espontaneamente no ato
da incorpora(äo em relafäo a uma vasta autonomia dentro de um sistema federalista e de respeito ao caräter tradicional e 6tnico-cultural da
populafäo. De fato, em 10 de abril de 1821, ο entäo comandante daquela regiäo, ο general Lecor, por ordern de D. Joäo VI convocara um
congresso extraordinärio com representantes livremente eleitos em
todo aquele territörio para que se decidisse sobre se convinha ä populafäo a incorporafäo no Reino Unido e em que condiföes, ou se se preferia a independ&ncia, ou at6 a anexafäo a outro pais. Discutira ο congresso püblica e livremente ο problema ate 31 de julho e acordou a incorporafäo no Reino Unido «com a obrigafäo imprescindivel de se
respeitarem, cumprirem, observarem e se fazerem observar as bases
que se apresentaram»31. Esta decisäo Ii vre de uma populajäo de lingua castelhana, täo dificil de ser compreendida pelos historiadores
modernos, explica-se principalmente pelo seu enorme desejo de sossego epaz apös anos de sanguinosa guerra civil e anarquia assim como
pelo perp6tuo estado revolucionärio em que se encontrava a America
espanhola e, preferencialmente, a regiäo do Rio da Prata. Ο Imperio,
no entanto, desde a ocupafäo (1816) oferecera aos habitantes paz e
prosperidade econömica, ate entäo por eles desconhecidas.
Ο ponto essencial para a adesäo da Cispiatina ao Reino Unido portugu&s era que os habitantes queriam constituir «um Estado diverso»,
federado ao Reino, cujos cargos e empregos seriam concedidos «aos
naturais ou aos habitantes casados e estabelecidos na Cispiatina»32,
condiföes essas que näo agradaram muito no Rio de Janeiro, mas que
foram aceitas por D. Pedro. De maneira alguma pode-se dizer, portanto, que a Cispiatina foi for^ada a aderir ao Imperio brasileiro. Em
todo ο caso convem frisar que ο problema näo era täo fäcil, como hoje
parece ser a muitos historiadores, pois näo devemos esquecer que a
adesäo de muitas das provincias sul-americanas ao Imperio tambem
näo era espontänea e que em nenhuma houve um plebiscite popular; e
se ο houvesse tido, quem sabe se ο Parä e ο Maranhäo, por exemplo,
teriam aderido? Merece tambem aten^äo que antes e durante ο movi) Geschichte von Brasilien, Berlin, Verlag Julius Springer, 1860, p. 817.
) Maciel da Silva, Os Generais, p. 49.
" ) Ibid., p. 50.
30
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Marechal-de-Campo G. Η. von Braun
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mento da independfcncia e separafäo a Cispiatina continuou sempre
fiel ä sua decisäo, enviando tr&s deputados ä AssembUia Constitucional e Legislative (1823), näo aproveitando-se da confusäo reinante- a
maioria das tropas portuguesas declarara-se contra D. Pedro - para
tentar uma solu^äo separatista. Apös ο dia 12 de outubro de 1822 «todas as povoaföes, Cabildo, Tropas da Provincia Cispiatina aclamaram
solenemente e juraram fidelidade ao Snr. D. Pedro», e isso muito antes que muitas outras provincias do Imperio.
Mais tarde, em marfo de 1824, desprezando todas as intrigas de
Buenos Aires, a populafäo aceitou ainda a Constituifäo que D. Pedro
oferecera aos povos, «salvas somente as bases da incorporafäo da
Provincia»33. Ignoramos, se nesta constitutifäo se reconhecia tambem
como no projeto elaborado em 1823 por Antonio Carlos, Jos6 Bonifäcio
e outros que ο territorio da Cispiatina formava um Estado diverso e autönomo, somente federado ao Brasil, pois aquele projeto rezava textualmente que ο Imperio compreendia alem das 18 provincias e as ilhas
adjacentes «por federafäo [ainda] ο Estado Cispiatino»34, portanto um
Estado especial e näo uma provincia igual äs outras. Em todo ο caso, e
isso devemos realfar, a Cispiatina näo foi tratada pelo Imp6rio como
um Estado sui generis ou seja como «um Estado diverso», associado e
administrado pelos seus pröprios habitantes, mas sim como uma provincia igual äs outras, conservando, «por cumulo das desgra;as ainda
ο regimen militar, quando as outras jä eram administradas por autoridades civis» 3i .
Tal discrimina(äo, ο näo-cumprimento das bases da federafäo assim como as id£ias republicanas propagadas pelas provincias platinas
arrefeceram bastante a simpatia dos cisplatinos para com ο Imperio,
pelo que a invasäo de um punhado de 33 politicos refugiados, apoiados e instigados pela repüblica vizinha teve um sucesso inesperado
mesmo por esta. Alguns pequenos triunfos militares, ο do Rincäo das
Galinhas e ο do Sarandi, estimularam extraordinariamente ο orgulho
proprio da populafäo, jä que do lado brasileiro regia a in^pcia militar
dos chefes como Lecor e Massena Rosado e que as tropas näo podiam
contar com ο apoio de um governo como ο de Buenos Aires, a quem
" ) Lima e Silva, Guerre, p. 197s.
" ) Homem de Mello, Α Constituifäo perante a Historia, Rio de Janeiro 1963, p. 32.
35 ) Aguiar, Barbacem, p. 217.
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Carlos Η. Oberacker Jr.
guiava «ο fanatismo da liberdade e do patriotismo» apesar de encobrirem com ele somente ο desejo de anexar simplesmente a Cisplatina
para restabelecer ο antigo vice-reinado do La Plata36. E, de fa to, em
4 de novembro de 1825, ο Congresso Geral Constituante platino resolveu, a pedido de um governo dependente e mantido por Buenos Aires
e democräticamente de maneira alguma legitimado, a incorporar a
Cisplatina nas Provincias Unidas sem pensar numa consulta ä populafäo, provocando deste modo em 10 de dezembro de 1825 a guerra com
ο Ιπψέιίο que neste mesmo dia publicou um manisfesto justificativo
para que «ä mais remota posteridade seja patente a justi£a da causa»37.
A estrategia do Marqu&s de Barbacena
Enquanto que Barbacena seguia para ο acampamento de Santana do
Livramento com ο fim de reorganizar ο grosso do exercito la acampado, encarregou ο marechal-de-campo Braun de reforjar a ala esquerda
desprotegida com ο 4° e 5° regimento de cavalaria e ο batalhäo de cafadores n° 27, formado por alemäes38 e vindo do Rio. Braun tentou
estabelecer uma defesa eficaz neste trofo da fronteira e de elevar a disciplina das unidades a ele confiadas. «Na cidade do Rio Grande, e em
todas as vilas em que era possivel ο recrutamento, procurava aumentar ο efetivo, mesmo aliciando gente pouco capaz.39» Ao mesmo
tempo ο tenente-coronel A. A. F. Seweloh40, que Caldeira Brant ai
Ibid., p. 156.
Lima e Silva, Guerra, p. 191ss., repTOduz este manifesto.
3β ) A origem e a formaf äo desta e de outras unidades militares ο autor descreveu
pormenorizadamente no seu livro: Jorge Antonio von Schaeffer - Criador da Primeira Corrente Emigratdna Alemä para ο Brasil. Βϊέηίο da Colonizafäo e Imigiajäo, vol. 6, Porto
Alegre 1975, e em: «Novos trajos para a imagem do Dr. Jorge Antonio von Schaeffer»,
em: Imigrapäo e Colonizafäo Alemä no RS, Porto Alegre 1980.
Carneiro, Histdria, p. 108.
40 ) Antönio Adolfo Frederico Seweloh, hanoveriano, 6 tido um dos oficiais mais capazes contratados pelo major von Schaeffer. Deixou um diirio, anota(öes e bosquejos
da Guerra da Cisplatina, considerados contribuijöes valiosas para que se possa escrever
a sua Historia. Ο diärio foi duas vezes publicado em portugu€s, sendo a melhor a mencionada publicafäo de Klinger com ο estudo de Paula Cidade sobre ο autor, a qual as
nossas cita^öes se referem. A outra tradujäo foi publicada por Manoel Thomas Alves
Nogueira na RIHGB, tomo XXXVII (1874), parte 1", com ο titulo Reminisctncias da
Campanha de 1827 contra Buenos-Ayres. Alias, antes de se ocupar da defesa da vila do Rio
37)
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Marechal-de-Campo G. Η. von Braun
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mesmo conhecera, nomeando-o logo seu ajudante-de-campo, delineou e mandou construir «fortificaföes passageiras» ou seja barricades em redor da vila, «que ο inimigo podia ter impunemente saqueado».
Somente no dia 1° de janeiro de 1827 ο Marqu&s de Barbacena pöde
assumir ο comando das tropas no assim chamado «Acampamento
Imperial Carolina»41, onde se encontravam 4.098 homens «sob as
condiföes pessimas» ja mencionadas. Ao verificar ο sitio estratfegicamente inadequado42 e ο «estado mil vezes pior [do exercito] do que
anunciavam todas as noticias que grassavam no Rio de Janeiro antes
da minha partida», Caldeira Brant resolveu logo mudar ο acampamento para levantar ο moral dos soldados". Devido a uma doenfa
que ο acometeu teve pouco tempo para reorganizar as tropas, pois
logo recebeu a noticia da marcha do exercito inimigo sobre ο Rio
Grande do Sul.
Ο exGrcito republicano nesta fase da guerra näo era somente mais
numeroso do que ο imperial, encontrava-se tambem melhor equipado
e nutrido. Ε näo so isso, era tambem mais bem instruido e disciplanado e, sobretudo, imbuido de um espirito militar e de superioridade
politica. Quando os platinos pisaram ο solo do Rio Grande do Sul,
apresentaram-se por uma proclamafäo de Alvear como exercito libertador e . . .
Grande, Seweioh jä fortificara em 1825/26 a ilha de Martim Garcia no La Plata, ponto de
grande valor estrat^gico para a guerra maritiina contra Buenos Aires. Sobre Seweioh
veja-se ainda Soares de Souza, Os colonos de Schaeffer, RIHGB, vol. 310 (1976), p. 49 ss., e
Carlos H. Oberacker Jr., «Das Lebensschicksal eines deutschen Söldners - Oberstleutnant Anton Adolf Friedrich Seweioh», em: Brasil-Post, 5° ano, nos. 181-183 (1954).
*') Ignoramos a origem desta designafäo, mas Carolina era ο nome que se dera primeiro, por engano, no Brasil ä posterior Imperatriz Leopoldina (Oberacker, A Imperatriz, p. 115), e por este motivo a designafäo talvez se referisse a ela. Lima e Silva, Guerra,
p. 14 s., no entanto, deriva a designa(äo de uma viüva chamada Carolina e que lä vivia.
42 ) Seweioh, Reminiscincias, p. 79 s., e outros confirmam que a concentragäo das tropas nesta localidade foi «um erro contra a estrat£gia», pois (icava demasiadamente
afastada de todas as comunicaföes.
43 ) Aguiar, Barbacena, p. 251. - Fragoso (A Batalha, p. 181) referindo-se ao antecessor
do Marques, ο general Francisco de Paula Massena Rosado, diz que «lhe faltavam as
principals qualidades para täo elevada tarefa, e que ο seu comando se caraterizou pela
inipcia mais completa». - Hä, no entanto, atenuantes para Rosado que näo queremos
deixar de mencionar. A Testemunha Ocular (Beiträge, p. 182s.) refere-se pormenorizadamente ao fato de ter contribuido para este estado do exercito, al6m das dificuldades
de transporte, a inimizade que ο presidente da provincia nutria pelo general e a sua mä
vontade que chegou ao ponto de aquele suspender completamente as remessas.
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Carlos Η. Oberacker Jr.
«. . .amigo de todos os povos, porque sua causa e a dos povos έ a mesma - Iiberdade, igualdade e indepeiuföncia [! . . .] Ο exircito republicano näo leva
consigo senäo a for£a e a justi(a, a ordern, a liberdade e a igualdade, essa igualdade dom dos c£us, patrimönio da America, da qual s6 vös estais ainda excluidos» [!, anunciavam aos habitantes do Rio Grande do Sul. Ε queria incutir tamWm nos seus soldados Alvear que] «ao pör vossos pis sobre ο pais estrangeiro,
achareis nele uma povoa$äo imensa acabrunhada debaixo das cadeias do despotismo [. . .]; ο dever do exördto da Repüblica έ f. . .] libertär aos oprimidos.44»
Apesar de tais frases näo passarem de belas palavras, pois as propriedades que Alvear declarara sagradas f o r a m saqueadas e incendiadas e os pröprios habitantes näo raras vezes assassinados45, elas näo
deixavam de incutir nos soldados platinos um entusiasmo de que careciam os soldados imperials, jä que Ihes faltava, como jä foi dito, ο
apoio moral e material do seu govemo.
De fato, Caldeira Brant escrevia de uma feita ao ministro da Guerra:
«Grande vergonha e pena experimento, quando se apresentam os desertores
inimigos, pelo contraste humilhante, que se oferece entre os soldados do Ιπιρέrio e os da Repüblica. Aqueles rotos, mal montados, mal armados, e com uma
divida de sete meses. Estes com bons uniformes, excelentes lombilhos e ponchos, perfeitamente armados e pagos todas as semanas.46»
Tais afirmaföes do general-em-chefe talvez fossem exageradas, no
entanto, havia sobejos motivos de queixas por parte do Marques:
«Tudo quanta se remeteu do Rio de Janeiro foram 120:000$000, isto έ,
dois meses e meio de soldo, quando se devem sete, e quando V.Exa.
me prometeu que eu teria sempre uma reserva de dois meses, alem de
estar ο ex^rcito pago em dia.47» Acrescia ainda que durante toda a
campanha a arma principal, a cavalaria do inimigo, se mostrou bastante superior quanto ä disciplina, ä tecnica e ä tätica militares. Ο exercito brasileiro pela sua parte possuia, e verdade, uma infantaria temida, a qual, no entanto, de maneira alguma podia compensar aquela
arma muito mais importante nesta guerra de movimentafäo.
Ο Marques de Barbacena percebeu a tempo ο perigo que ο amea^ava
do inimigo que, sob ο comando de D. Carlos Maria de Alvear,
avanfava sobre a provincia do Rio Grande do Sul. Esperava Alvear
**)
45 )
4i)
4 ')
Uma e Silva, Guerra, p. 68ss.
Ibid., p. 221 e p. 228.
Aguiar, Barbacena, p. 257.
Ibid.
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Marechal-de-Campo G. Η. von Braun
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poder 9urpreender e bater ο exercito imperial, separado em duas frames, para, em seguida, «continuar a sua marcha triunfante ate Porto
Alegre», «libertando» desta maneira outra provincia, pretensamente
suprimida pelo despotismo imperial-brasileiro. Para evitar tal desastre näo restava ao comandante-em-chefe brasileiro outra medida do
que a de tentar unir as suas tropas por meio de marchas forfadas com
as que ficavam a 300 km de distäncia na regiäo do Jaguaräo sob ο comando do marechal-de-campo Braun, a quem deu ordens de marchar
urgentemente ao seu encontro para unidos poderem resistir melhor
ao ataque do exercito invasor.
Quando ο Marques abandonou, em 17 de janeiro de 1827, ο Acampamento Imperial Carolina, deixou os armazens com os mantimentos
de reserva, os uniformes de parada, a bagagem pesada dos oficiais e ο
arquivo que se tinha acumulado no decorrer da sua exist&ncia (de 20
meses) assim como os 278 doentes ao cuidado de um batalhäo alemäo
provisörio que lä tamböm muito sofrera. Para comandante deste batalhäo, ao qual se acrescentavam ainda «algumas pra^as de pardos milicianos», invalidos, de Porto Alegre, Barbacena nomeava ο tenente-coronel Pedro Jose da Costa Pacheco, «comandante inexperiente e idoso». «Esta providencia foi a mais impropria possivel. Deixar uma importante bagagem, [o arquivo e os doentes] em uma campanha deserta na fronteira [. . .] era expor tudo isso ao inimigo.4"» A ideia de
Barbacena era, no entanto, deixar ο exercito em estado de mover-se
com facilidade para alcan^ar ο mais rapidamente possivel a junfäo
mencionada. No entanto, talvez tivesse sido mesmo mais aconselhävel transferir tudo para a retaguarda distante. Quanto ao mencionado batalhäo alemäo, tratava-se, segundo a Testemunha Ocular49 de
150 a 200 alemäes angariados na «Colönia Alemä de Säo Leopoldo».
Segundo Aurelio Porto aquela unidade fora formada por iniciativa
do medico daquela colönia, ο Dr. Joäo Daniel Hillebrand, seu posterior diretor, que pessoalmente tomou parte da campanha, e qual recebera ο nome de «Companhia de Voluntärios Alemäes»50. Sobre ο de-
) Lima e Silva, Guerra, p. 62 e p. 49s.
) Beiträge, p. 197 e p. 212.
J 0 ) Seweloh, Reminiscincias,
p. 73. - Segundo a Testemunha Ocular (Beiträge, pp. 197
e 212) prentendia-se formar (provavelmente com ο corpo dos lanceiros alemäes vindo
do Rio) uma unidade cavalariana. Os ciumentos regimen tos da cavalaria miliciana ter4a
49
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Carlos Η. Oberacker Jr.
stino ulterior dessa companhia alemä pouco sabemos. Tasso Fragoso e
Lima Silva51 mencionam que, poucos dias apös a retirada de Caldeira
Brant de Santana do Livramento, apareceu üma grande for(a inimiga
e «vendo ο comandante desse depösito que [com os seus 232 homens]
näo podia defend6-lo, decidiu destrui-lo pelo fögo e retirar-se» rapidamente com os seus soldados de Säo Leopoldo e Porto Alegre em direfäo de Säo Gabriel, ja que estava sem noticias sobre ο paradeiro do
exercito. Em todo ο caso, aquela Companhia de Voluntärios Alemäes,
como se tem afirmado, näo participou na batalha do Passo do Rosärio.
Parece ate que foi dispersada pelo inimigo, ficando alguns dos soldados aprisionados pelos platinos, como resulta das «Reminisc^ncias»
de Seweloh", que conta que perto do passo do rio Santa Maria se
apresentou um membro daquela Companhia, ο cadete Roeding de
Hamburgo, que havia sido aprisionado pelo inimigo e «föra expedido
pelo cor. Heine [chefe do pequeno contingente alemäo no lado dos
platinos] com parlamentares alemäes para revolucionar as tropas alemäs» no lado brasileiro. Deste papel atribuido por Heine a Roeding,
mas rejeitado por este, pois tudo confessou a Seweloh, talvez originasse a versäo de uma pretensa falta de lealdade das tropas alemäs e
da qual fala Lima e Silva53. Diz Aurelio Porto54 que aquela Companhia
alemä foi dissolvida pelo Marques de Barbacena em 27 de abril de 1827
lhes-iam, por6m, tornado os cavalos e todo ο equipamento equestre, de maneira que se
formou daqueles colonos um batalhäo provisörio de ca^adores. A mesma fonte afirma
ainda que os colonos näo teriam recebido ο apoio necessärio dos comandantes por tratar-se pretensamente na maioria de invälidos que, por este motivo, na sua chegada ao
Rio näo foram admitidos ao exercito. Αυτέΐίο Porto alega que se tratava somente de 62
antigos soldados alemäes e que 90 alguns deles eram estropiados. Teriam protestado
antes de partir «derramar athe a ultima pinga de sangue em defeza da nossa justa causa»
(RIGHRS, nos. 15 e 16, 1924, p. 195). Outro historiador, Carlos H. Hunsche (O Biinio
1824/25 da Imigrafäo Alemä no RS, 2" edifäo, Porto Alegre 1975, p. 142) afirma terem sido
120 individuos de maneira que ο seu numero estä duvidoso, variando entre 62 a 200 soldados.
") Α Batalha, p. 192; Guerra, p. 62.
5I) Reminisctncias, p. 61.
" ) Lima e Silva, G uerra, p. 113. - Souza Doca (p. 318), comentando ο xenöfobo autor,
afirma: «tivemos, ao nosso servifo, alemäes fieis e valorosos, e a Histöria aponta ο seu
nome», para afirmar sem apresentar prova alguma, que a «maioria [sic! dos mercenirios
alemäes] näo fugiu ä regra», isto e, «tem sido um elemento perigoso, venal e traidor».
Roeding e seus companheiros da «Companhia dos Voluntärios Alemäes», soltos pelo
inimigo para trair 6 Brasil, demonstram ο contrario. Α afirmafäo de Souza Doca, aliäs,
näo e confirmada por nenhuma das testemunhas oculares desta campanha.
54) Ο Trabalho Alemäo no Rio Grande do Sul, Porto Alegre 1934, p. 96.
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Marechal-de-Campo G.H. von Braun
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por näo ter correspondido ao que dela esperava, isto e, näo ter feito ο
impossivel e defendido ο antigo acampamento de Santana contra uma
forja esmagadora do inimigo.
A junjäo do grosso do ex£rcito com os destacamentos na regiäo de
Pelotas e Jaguaräo, desejada por Caldeira Brant, parecia dificil ou ate
impossivel, ja que ο inimigo se apoderara entrementes, em 23 de janeiro, de Bage, cidade fronteirifa situada precisamente entre as duas
forfas e «senhora de todas as direföes para ο corafäo da provincia do
Rio Grande do Sul»55. Braun que por mitovos de servifo e familiares se
encontrava em Porto Alegre, apressava-se por executar rapidamente a
ordem recebida56, reunindo todas as forfas da sua regiäo (da vila do
Rio Grande, de Pelotas e Serrito) para com elas ir por meio de marchas
forfadas ao encontro do comandante-em-chefe. Diz Tasso Fragoso57
que «tanto a marcha estrategica dele [de Barbacena], como a de Brown
säo modelos de persistencia na execufäo de um piano elaborado com
sabedoria». Deve considerar-se ainda ο estado em que ambos encontraram ο exercito, para avaliar com justeza tal a^äo militar. Ambos
marcharam mais em direjäo setentrional para evitar um encontro com
ο ex£rcito inimigo, reunindo-se as tropas no dia 5 de fevereiro junto do
Passo D. Pedrito na regiäo montanhosa de dois afluentes do rio Camaquam, ο Palmas e ο Lixiguana, ä vista de um ex£rcito inimigo superior, «estando os flanqueadores em constante tiroteio»58.
Braun reforjava ο ex^rcito de Caldeira Brant de 1.572 homens, pois
trazia ο 4° e ο 5° regimentos de cavalaria, ο 27° de cafadores (alemäes),
a metade do batalhäo 18, e alem de oficiais e soldados avulsos um pequeno esquadräo de lanceiros alemäes. Tratava-se de um grupo de «80
lanceiros alemäes, tipos modelares, escolhidos, adidos ao 4° regimento», como diz Seweloh59. Tal unidade que recebera ο nome de
5S
) Seweloh, Reminisctncias, p. 80.
" ) Por curioso que seja, Aguiar (Barbacena, p. 160) afirma - em contradi(äo a um documento por ele mesmo pubHcado (p. 160) e a outros que lemos - que ο marechal-decampo von Braun «andava [. . . ] pelas bandas do Jaguaräo loucamente empenhado em
bater ele sozinho ο inimigo. Dificil foi ao general-em-chefe ä custa de terminantes Ordens, obrigä-lo a vir fazer jun;äo». Ora tal afirmafäo eatä em franca contradifäo com ο
fato de Braun, quando recebeu a ordem, se encontrar em Porto Alegre, apressando-se a
voltar ao Sul para executar imediatamente a ordem recebida. Aliis, a Testemunha Ocular alemä diz que Braun levara a familia para Porto Alegre, atrasando-se na volta devido
a ventos conträrios.
") A Batalha, p . 273.
58
) Aguiar, Barbacena, p. 255s.
59
) Reminiscincias, p. 53.
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Carlos Η. Oberacker Jr.
«Companhia de Lanceiros Imperiais» fora organizada pelo major alemäo Carlos Frederico Heise que jä servira em outros paises sul-americanos e que tambem participou da campanha60. Durante a campanha
ο esquadräo foi comandado pelo capitäo Ludovico von Quast. Segundo a maioria das fontes, ο numero dos lanceiros perfazia 85 ou 86
individuos. A Testemunha Ocular, sempre bem informada, fala, porem, de cerca de 100 homens e Souza Doca, mais precisamente, de 96
lanceiros, selecionados dos batalhöes estrangeiros, na maioria de nacionalidade alemä, que alegavam terem servido anteriormente, na Europa, na cavalaria, ο que, no entanto, em muitos casos näo correspondia ä verdade61. Os lanceiros nem no Rio, nem em Pelotas chegaram a
serem exercitados e ensinados devidainente, fornecendo-se-lhes os
cavalos necessärios somente apös a reuniäo do ex£rcito no alto Camaquam. Apesar de todas estas dificuldades conseguiu-se, no entanto,
formar com esta gente um corpo respeitavel.
Apös a reuniäo das duas alas do exörcito no alto Camaquam, ο Marques de Barbacena dispunha de 6.348 homens, dos quais, no entanto,
800 se encontravam sem armas. Apos este Sxito do exerdto imperial,
Alvear evitou um encontro, ja que aquele ocupara um terreno acidentado vantajoso para ele e sua infantaria e que näo permitiria aos republicans desdobrar a sua cavalaria. No dia 6 de fevereiro ο Marques de
Barbacena instalou ο seu estado-maior, nomeando ο marechal-decampo von Braun para ο cargo de chefe do mesmo. Nesta oportunidade fez püblico que «competia [a Braun] ter no exörcito, em qualquer
60 ) Ibid., p. 73. - Heise mais tarde teria angariado «muita gente» alemä no Rio Grande
do Sul, diz C. Schlichthorst, Ο Rio de Janeiro como e, 1824-1826, Contribuiföes dum diärio para a historia atual etc., trad. deEmmy Dodte Gustavo Barroso, Rio de Janeiro s.d.,
p. 274.
") Beiträge, pp. 222ss. e287; Lima e Silva, Guerra, p. 277. - Α ideia da forma9äo desta
unidade teria sido segundo a Testemunha Ocular alemä a criafäo de uma regimento
modelo, induindo-se nele, como alega Aurelio Porto (O Trabalho, p. 96s.), os arima
mencionados colonos de Säo Leopoldo, que mostrasse ä cavalaria do Pais a tätica europeia e ο ataque com armas brancas; dai ο ciiime e a inimizade das unidades cavalarianas
da terra. Este era ο motivo, por que os lanceiros, que eram fardados de uniforme lustroso, estavam sendo hostilizados px>r todos e «especialmente pela cavalaria, cujos chefes
acanhados queriam a todo ο transe evitar ο surgimento [de um corpo] que deviam considerar como espinho crescente na sua vista». Como estes alemäes näo sabiam apanhar
os cavalos ä maneira do pais, isto έ pelo la(o, recebiam sempre os piores animais. Eram
armados de uma lanfa pesada de madeira, guarnecida de an£is de ferro, com uma ponta
de dois gumes como se fosse uma alabarda com ganchos. Acha a Testemunha Ocular
que um corpo de cavalaria de 500 a 600 homens bem exercitado na tätica europtia e bem
equipado teria dispersado toda a cavalaria inimiga.
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Marechal-de-Campo G. Η. von Braun
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conflito serio com ο inimigo [. . .] ο complexo das disposiföes que
preparam os combates», como diz Machado d'Oliveira62. Continua ο
mesmo autor explicando que Caldeira Brant «declarou logo ao marechal, quando assumiu as funföes de chefe do estado-maior que Ihe
atribuia mais este cargo adstrito unicamente a tais ocasiöes. Em conseqitäncia do que cabiam ao chefe do estado-maior as disposipjes preliminares de uma batalha».
Braun comejou entäo logo a disciplinar e exercitar as tropas ä maneira europeia ο que pouco agradou aos oficiais do Pais, näo acostumados a exerdcios deste genero, considerados por eles inüteis.
Lima e Silva63, entäo capitäo de ca^adores, conta quase com indignaς&ο que «ο general estrangeiro [. . .] vinha dar-nos [. . .] liföes para
em ocasiäo de combate dispor ο exerdto ä sua vontade». «Tinhamos»,
continua, «todos os dias pela manhä e ä tarde exerdcios, tanto os corpos de infantaria, como os de cavalaria». Esta inovafäo, afirma a
mesma testemunha, comejou a tornar ο chefe do estado-maior impopular «pelas suas maneiras äsperas». Como se ve, reinava entäo ainda
acentuada aversäo aos estrangeiros. Lima e Silva64 chegou ao ponto
de considerar a contrata(äo de Braun pelo brasileiro Caldeira Brant
como «ofensa aos brasileiros, como se estivessemos täo baidos de homens [. . .], quanto tinhamos muitos oficiais generais e coroneis com
instrufäo e capacidade sufidentes para ο lugar confiado ao hanoveriano [sie!] Brown». Desta mentalidade fäcil säo de calcular as enormes
dificuldades que Braun encontrou para disdplinar as tropas do pais e
equiparä-los neste campo aos platinos. Tudo, no entanto, indica que
os exerddos metödicos de Braun contribuiram para que as tropas imperials resistissem täo intrepidos äs violentas cargas do inimigo como
de fato resistiam na batalha do Passo do Rosärio.
Alvear marchara entrementes sobre Säo Gabriel para ganhar, atravessando enfim ο rio Santa Maria no Passo do Rosärio, terreno que
numa eventual batalha lhe daria vantagens estrategicas e onde poderia desenvolver a sua cavalaria superior em plena forfa, terreno este
que conheda, alias, desde a sua juventude65. Tal manobra fora, entretanto, interpretada pelos brasileiros erroneamente como prova do
") Recordaföes, p. 526.
") Guerra, p. 65 s.
M)
Ibid., pp. 52 e 166.
" ) Ibid., p. 75.
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Carlos Η. Oberacker Jr.
medo ou receio dos platinos de um encontro decisivo, dando-lhes,
apesar do lamentävel estado em que se encontravam, coragem e
änimo para uma luta. Ο proprio Barbacena fala num oficio ao ministro
da Guerra que houve no exercito uma «esp^cie de frenesi geral por
atacar ο inimigo»66, um entusiasmo que contagiou enfim tamböm ο
proprio general-em-chefe, ate entäo resolvido a ficar na defensiva.
Outras testemunhas oculares confirmam que, em conseqüencia da
suposta fuga do inimigo, surgiu no exercito imperial «o mais ardente
entusiasmo»; Barbacena, arTastado por esta onda, chegou ate a escrever ao ministro da Guerra antes da batalha: «a derrota do inimigo serä
certa e total, se eu conseguir alcan^ä-lo [. . .]; farei quanto couberem
minhas faculdades para dar um combate, que terminarä a guerra para
sempre e cobrirä de glorias ο exercito imperial»67.
Para tal mudan^a do estado de espirito de Caldeira Brant contribuiu
ο fato de ficarem conhecidas murmurafoes, principalmente por parte
dos sul-riograndenses, que ο acusavam de deixar devastar a sua terra
pelo invasor. Caldeira Brant, no entanto, convocou prüdentemente,
em 19 de fevereiro, um conselho de generais, sujeitando-se de antemäo ä decisäo da maioria. «O conselho foi unänime em declarar que se
devia prosseguir apös ο inimigo, e acomete-lo onde quer que fosse, e
em qualquer das disposi^öes em que se ο encontrasse, conhecida,
como era, a sua intenfäo de retirar-se, näo devendo servir de objefäo ο
mau estado em que se achava a cavalhada do exercito.68» A Testemunha Ocular69 alemä alega que esta resolufäo foi tomada, de prefer^ncia, por iniciativa de Braun e que Barbacena so anuiu constrangido.
Braun era de fato um arrojado, Tudo indica, porem - e estä ai a correspondencia de Barbacena para confirmä-lo - que a resolufäo fora tomada, de preferencia, sob a pressäo dos sul-riograndenses.
Α batalha do Fasso do Rosärio
Ο encontro verificou-se em frente ao Passo do Rosärio pelo rio Santa
Maria, nesta epoca täo caudaloso que ο inimigo näo ο podia atravessar
) Aguiar, Barbacena, p. 267.
) Lima e Silva, Guerra, p. 317.
6 S ) Aguiar, Barbacena, p. 267.
Beiträge, p. 216.
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com a necessäria presteza sem receio de ser surpreendido no meio da
afäo pelo exercito imperial; assim sendo, achou melhor conservar todas as suas for?as deste ladopara poder enfrentar, ocupando a melhor
linha de defesa, Barbacena com vantagem. Braun descreve a situafäo
encontrada na madrugada do dia 20 de fevereiro como segue:
«, . . com ο fim de perseguir e obstar que ο inimigo efetuasse a sua retirada, ο encontramos, <ks seis da manhä [· · .] em uma posifäo muito
vantajosa»70. Ninguem supunha, no entanto, que ele «tivesse deste
lado do rio todas as suas forfas reunidas»71, pois a maior parte de suas
tropas estava escondida aträs das eleva^öes.
Que esta era de fato a situa^äo, apesar de Caldeira Brant afirmar ο
conträrio, confirma expressamente ο seu ajudante Seweloh 72 : «N0s
interpretamos [. . .] as formaföes como pequena forpa que ο inimigo
tivesse postado para cobrir a sua passagem pelo rio Santa Maria, a
qual, segundo todas as noticias recebidas, ele ja teria efetuado com a
sua artilharia nos dois dias anteriores, pelo Passo do Rosärio». Os motivos por que Barbacena e Braun se deixavam täo facilmente convencer
desta situafäo explica Lima e Silva73 pelo fato de Alvear ter mandado
soltar no dia anterior alguns prisioneiros para comunicarem aos chefes
imperials que ο exercito republicano estava atravessando ο rio Santa
Maria, pois «Alvear teve a feliz lembranfa [. . .] de simular essa passagem» antes de soltar os soldados brasileiros.
Foi por este motivo, portanto, que Barbacena, confiando na sua superioridade numerica e na boa disposifäo de suas tropas, resolveu
atacar a for^a inimiga, como ficara resolvido unanimemente, para
aniquilä-la. Acrescenta ο Marques em seu relatorio ainda que tambem
em frente do inimigo «unanimemente assentamos que [. . .] um ataque imediato e vigoroso (. . .) poderia deridir a batalha, equando fössemos infelizes havia retirada para Cacequi»74. Antes de dar ordern a
70 ) Ο exörcito jä comefara äs duas horas da roite a se pör em marcha. Braun em sua
Defeza, p. 200, diz que - quando publicou ο seu relatörio - possuia «apontamentos desordenados» sobre a batalha do Passo do Rosärio e da fase de comando do Marques de
Barbacena. Nao sabemos, onde estes apontamentos se encontram; talvez fossem destruidos durante a ultima guerra. - Veja-se tambem Tasso Fragoso, Α Batalha, p. 376.
71 ) Ibid., p. 376.
72) Remittiscincias, p. 63. Ver tamWm Seidler, Dez Λ nos, p. 95, e Testemunha Ocular,
Beiträge, p. 228.
7ä) Guerra, p. 79.
74 ) Aguiar, Barbacena, p. 273.
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Braun, ο seu chefe do estado-maior, para que colocasse as unidades
imperials, foi verificar com ele ο terreno. Em seguida «declarou ao marechal-chefe do estado-maior que, segundo ο que precedentemente
ficara assente, competia-lhe dispor ο ex£rcito para a afäo em que ia
entrar com ο inimigo e fazer com que ela fosse executada, para cujo
proposito ja se achavam prevenidos os respetivos comandantes»7S.
Braun mandou marchar ο exercito para ocupar uma cochila paralela
com a que ocupara ο inimigo, ficando na ala esquerda a segunda divisäo, a do general Calado, e na ala direita a primeira, a de Barreto, cada
uma nas alturas da cochila em frente do inimigo, instalando-se a artilharia entre os dois corpos, numa eminencia que ligava as duas alturas
e que era um pouco mais baixa. Esta cochila estava separada da mais
alta do inimigo por meio de um vale pouco espafoso, cortado de sua
parte por uma sanga, cujo trajado «näo era geral: em alguns pontos
larga e funda, em outros estreita e rasa, e em outros quase invisivel»76.
Deixou ο chefe do estado-maior ainda avanfar ο contigente cavalariano do Baräo do Serro Largo em dire(äo ao flanco direito do inimigo
at£ meio da distäncia entre os dois ex^rcitos. Ordens identicas deu
Braun ä 2" brigada ligeira de Bento Gonyalves em relafäo ao flanco esquerdo do inimigo. A ambos cabia a tarefa de enfrentar qualquer corpo
inimigo que tentasse envolver as duas divisöes pelos flancos.
Ο decorrer da batalha talvez fosse descrito da maneira melhor e
mais pormenorizadamente por Machado d'Oliveira, testemunha ocular competente, que seguimos nas suas linhas gerais, completando as
suas observaföes em diversos pontos pelos relatos de outras testemunhas presenciais. Primeiro, no entanto, algumas observaföes que faz
ο general Souza Doca77: «Α batalha foi ferida a uns tr&s quartos de 1έgua [—4,5 km] do Passo do Rosärio, no vale entre as duas lombadas
chamadas cochilas de Santa Rosa, junta ä sanga do Barro Negro que ficou entre os contendores.» Os platinos deram-na ο nome de batalha
do Ituzaingo segundo ο suposto nome de um arroio que os brasileiros
semprei tinham apelidado de Imbae e que, por ocasiäo das cheias, recebe as äguas da sanga do Barro Negro.78
) Machado d'Oliveira, Recordaföes, p. 540.
) .Lima e Silva, Guerra, p. 91. - Sanga έ uma escavaf äo profunda, mas seca, causada
pelas chuvas.
" ) Ibid., p. 332.
' a ) Ibid.
,s
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Α posifäo que ο inimigo escolhera era superior ä do ex6rcito imperial e permitia sobretudo ä artilheria platina fulminar livremente ο
exercito brasileiro logo que este avanfava. Ο efetivo do exercito imperial no dia da batalha abatidos os 271 doentes deixados em Säo Gabriel
e a brigade de Bento Manoel de 863 homens que Barbacena destacara
para observar os movimentos do inimigo sem ο avisar da batalha iminente, era de 6.304 soldados, tixando-se mais os 469 homens da condufäo do parque, hospital, bagagem, cavalhada etc., restavam 5.546
combatentes, enquanto que os historiadores argentinos falam de
10.000 homens. Os platinos, alias, segundo a mesma fonte79, possuiam 8.794 inclusive os orientals que perfaziam cerca de 2.500 homens.
Se fizessemos, no entanto, os mesmos abatimentos que fizemos do
exercito imperial, a superioridade numerica dos platinos näo era täo
esmagadora como alguns historiadores afirmam.
Durante toda a batalha, que durou sob um sol escaldante das 6 äs 14
horas, Braun se dedicou de preferöncia ä movimentafäo da l a divisäo
que comandava pessoalmente, deixando a 2* de reserva, assim que
pudesse em qualquer momento, entrar em a(äo para reforfar e quifä
decidir ο ataque da l 8 , cujofimera a ruptura da linha inimiga pelo centro, Continuava a 2a, portanto, sob ο comando do general Calado e do
general-em-chefe Barbacena que se reservara, aliäs, expressamente «o
emprego daqueles meios que, näo indo de encontro äs disposi(6es gerais, entendesse que podiam concorrer para ο bomfcxitoda afäo»80.
Näo έ exato, portanto, que Caldeira Brant teria ficado inativo durante
a batalha; supervisionava ele de seu lugar toda a batalha e vendo, por
exemplo, no seu decorrer «que ο inimigo queria voltar-nos pela direita, fez reforfar esta pela l a brigada ligeira»81 da 2® divisäo ou observando que a artilharia falhava, logo interveio.
Α batalha come^ou na ala direita. Diz Lima e Silva82:
«Vimo9 ο marechal Brown dirigindo e detalhando a 1* divisäo, que dele rece·
beu ordern de desenvolver-se em linha, descer a cochila e carregar ο inimigo. A
1* brigade de infantaria [a qual pertenda al£m dos batalhöes nos. 3 e 4 tambim ο
27° de caf adores alemäes] em linha e com baionetas armadas e bandeiras desenroladas, avan(ou para uma bateria colocada em frente do inimigo que se achava
no alto do outro lado do vale.»
79
)
)
81
)
")
so
Souza Doca, em Lima e Silva, Guerre, pp. 309 e 337.
Machado d'Oliveira, Recordaföes, p. 540.
Lima e Silva, Guerra, p. 98.
Ibid., p. 96.
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Para entusiasmar os soldados ο pröprio Braun pös-se ä sua frente,
investindo - tendo protegido os flancos pela cavalaria a que pertencia
tamWm ο pequeno corpo de lanceiros alemäes - a esquerda do inimigo. Machado d'Oliveira explica83: « . . . cölocando-se ä sua frente, ο
general-chefe do estado-maior [Braun] no ato de romper da linha
[primitive . . .] sö a estimulo de sua intrepidez, arrogou a si a dirigi-la
[a ala] e apresen tä-la em afäo contra ο inimigo». Transpös ele a sanga
«para travar com ο inimigo a mais vigorosa peleja que se desferiu naquele dia», sem ser, no entanto, como ordenara, secundado eficientemente pela artilharia que falhou devido ao seu comandante, ficando
quase calada84. Somente duas pefas que acompanharam ο ataque sob
ο comando do tenente Eirulio Luis Mallet85, apoiaram a carga cerrada
sobre ο sobranceiro centro inimigo; este, no entanto, recebia a ala que
avanfava sob a chefia de Braun com «uma terrivel e bem sustentada
canhonada»86, que pös muitos dos soldados fora de combate. Braun
fizera primeiro um ataque simulado a ala esquerda do inimigo, mas
este percebeu em breve que ο fim principal era ο seu centro, de cuja
artilharia que tanto estrago fazia, ο marechal-de-campo pretendia
assenhorear-se87.
Destacou ο inimigo entäo uma forte coluna de cavalaria para quebrar ο impulso das forfas brasileiras.
«Ο general-chefe do estado-maior, vendo que a ala näo podia ganhar [de uma
so investida] a altura que comejava subir, e em que se achava assestada a artilharia inimiga . . . mandoufazer alto eesperou a carga fcavalariana] da linha esquerda do inimigo, que caiu sobre ela com toda a impetuosidade», ajudado pelo
lanfante do terreno. «Ο choque foi terrivel e como para decidir da sorte do combate que apenas come^ara. Os bTavos batalhöes [de infantaria] da ala [direita],
formados em linha no centro [. . .] logo que a cavalaria inimiga esteve ao alcance
") Recordaföes, p. 547.
M ) Ibid., p. 543, (cit.), e Seweloh, Reminiscbicias,
p. 65, Lima e Silva, Guerra, p. 120.
85 ) Ο intrepido Mallet que durante a guerra do Paraguai se imortalizou, era natural de
Dunkerque na Flandres francesa.
efi ) Na literature ο nümero das pe?as de fogo platinas varia de 16 a 26. A Testemunha
Ocular fala de 18 pefas de 9 a 18 libras; os brasileiros dispunham de 12 pe;as de somente
3 libras.
8 7 ) Souza Doca (Lima e Silva, Guerra, p . 337) näo favorävel aos estrangeiros como
unica testemunha pretende culpar Braun do insucesso da batalha, por se ter arvorado
em comandante da 1" divisäo. Näo compreendeu ο piano estratögico de Braun que consistia, entusiasmando a tropa pelo seu pröprio exemplo, na conquista da artilharia inimiga e conseqüente ruptura do ex£rcito inimigo no meio, empregando em seguida a
2" divisäo para expulsi-lo de sua posifäo, pondo-o em fuga ou aprisionando-o.
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da fuzilaria, desfecharam-lhe por igual uma descarga, que derribando a muitos
cavaleiros[. . .] fez comquepor algunsmomentos vacilasse ela a prosseguir em
sua carga, recuando por fim do movimento que trazia. Esta retrogradajäo da cavalaria do inimigo [. . .] foi aproveitada pela da ala, que rompendo velozmente
com a espada em mäo [. . .] arremessou-a em dispersäo para longe, näo sem
forte resist£nria de sua parte.88»
Apesar de se ter inflamado a macega alta cuja fumafa prejudicava
muito a visäo, a infantaria, j i näo tendo ante si a cavalaria inimiga,
come^ava, sob as ordens de Braun, a avanfar de novo «contra a artilharia inimiga que nunca cessou de metralhar com lastimoso efeito»89.
Agora a infantaria foi acometida por um corpo de elite, os couraceiros,
que «resistiam äs incessantes descargas» dela90. Mas perante a firmeza
inabalävel e ο sangue frio da infantaria brasileira fez com que tamb£m
este corpo retrocedesse apos ter sido posto fora de combate grande
parte dos couraceiros. Mas ο inimigo voltou a atacar com novo reforfo,
resistindo a cavalaria. No entanto, ο pequeno corpo de lanceiros alemäes «que
entäo se sustentara com firmeza, dando provas de sua
eficiencia nas cargas, que eram feitas em regra, achando-se envolvido
pela cavalaria inimiga, teve que retrogradar»91. A Testemunha Ocular92 diz que precisamente neste dia ο esquadräo alemäo föra pessimamente servido de cavalos, pois nem lhes teriam sido fornecidos,
apesar de suas reclamaföes, como aos outros cavalarianos, cavalos de
reserva, de maneira que antes da batalha näo podiam trocar os seus
animais cansados93. Mas apesar destas intrigas, continua a Testemunha mencionada, os lanceiros alemäes com os seus cavalos cansados
dos quais alguns ja antes da batalha fracassaram, teriam agredido valentemente com as suas lan(as «como outrora Don Quijote na sua Rosinante» ο inimigo. Tambem Aguiar94 confirma que ο pequeno esquadräo «tinha dado provas de alto valor» e ο comandante da l a divisäo, ο
88 )
Machado d'Oliveira, Recordaföes, p. 548s.
Ibid., p. 549.
90 ) Ibid. - Amilcar doe Santos, A Guerraentreο Brasil e α Eepüblica Argentina, Säo Paulo
1923, p. 229, fala do «fogo mortifero do 27°» batalhäo que causou enormes prejuizos ao
inimigo.
91 ) Machado d'Oliveira, Recordaföes, p. 550.
92) Beiträge, p. 227. Opina ele no sltio mencionado que tal fato «prova que intrigas se
aplicavam para näo deixar surgir uma cavalaria estrangeiia que necessariamente teria
acabado com ο sistema da guerra gaucha».
S J ) Ibid., p. 227.
Barbacena, p. 180.
89 )
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brigadeiro Barreto Pereira Pinto, declara na sua parte sobre a batalha:
«Igualmente se fez credora dos maiores elogios a 2" brigade de cavalaria [. . .], composta do regimento de cavalaria n° 4, os lanceiros imperials [alemäes] e do de Lunarejo de 2 a linha. 95 » Ο boletim n° 5 do εχέΓcito platino especifica que ο pequeno esquadrio junto com os Lunarejos conseguira investir at6 ο centra das linhas platinas, afugentando os
volteadores platinos que tinham ultrapassado a sanga, fora abrafado
pela sua cavalaria e obrigado a abandonar ο campo: «O coronel Olivera
com a divisäo de Maldonaldo e ο 1° de cavalaria [portanto forjas muito
superiores] sabrearam esse contingente em sua retirada, dispersando-o e pondo-o fora de combate.96»
Apesar deste incidente ο inimigo foi rechayado vigorosamente pela
segunda vez, destinguindo-se, espedalmente, apesar das suas perdas
consideräveis pela artilharia mortifera do inimigo, ο batalhäo 27° que
marchava ao flanco esquerdo exterior da ala e perante cuja fuzilaria recuavam com pavor a infantaria e cavalaria platinas97. Com certeza este
com os demais dois valentes batalhöes, ο 3° e ο 4°, teria rompido ο centra inimigo, pondo fora de a£äo a sua temvel artilharia, caso tivesse
sido reforjado agora, como ο previa ο piano de Braun, por forjas da
2 a divisäo e por novos fomecimentos de muni(äo. Isto, no entanto,
näo era possivel, como adiante veremos; mas mesmo assim a «ala direita mantinha-se firme, e bem se pode dizer vitorioso na posifäo em
que por duas vezes rechafara vigorosamente ο inimigo, e este nada
mais ousara por este lado»98.
Entrementes, houve na ala esquerda (2a divisäo) do exercito imperial incidentes que impediram que a ala direita fosse apoiada por unidades da primeira. Uma tentative do inimigo de se apoderar do espa^o
entre as duas divisoes, provocadapela inerda da artilharia, forarecha(ada; a cavalaria superior dos platinos atacara entäo ο contingente do
general Jose de Abreu (Baräo do Serro Largo) pelos flancos e obrigara-o a retroceder em debandada desordenada, pelo que, formando
uma massa com os inimigos, caiu sobre os batalhöes dos cafadores 13
e 18 que, näo vendo outra alternativa para sustentar-se, abriam fogo,
) Fragoso, Α Batalha, p. 381.
) Cameiro, Historie, p. 155.
97 ) Seidler, DezAnos, p.96. Aayäo valentedo27°batalhäoeosgrandesestragosquea
sua fuzilaria causou ao inimigo Consta, de ρ referenda, dos relatos platinos; ver Fragoso,
Α Batalha, p. 254s.
'*) Machado d'Oliveira, Recordaföes, p. 554.
95
96
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matando amigos e inimigos e entre outros alegendärio Baräo do Serro
Largo. Αΐέιτι desta debandada que liqiiidou completamente aquela
vangarda cavalariana, composta de 243 paisanos, houve outras. A
desmoralizafäo sofrida no acampamento de Santana do Livramento
mostrava agora os seus efeitos; corpos inteiros, como ο regimento 24 e
ο do tenente-coronel Isäs Calderön, al6m de inümeros avulsos de todas as unidades, abandonaram simplesmente jä «no prindpio da
afäo» ο campo da batalha, enfraquecendo, segundo os oficios do Marques de Barbacena a 2 a divisäo de 1.400 a 1.500 homens".
Tais acontecimentos permitiam ä cavalaria platina envolver parcialmente e imobilizar a 2adivisäo de maneira a deixar de poder
desempenhar ο seu papel de reserva e apoiar a 1" no momento em que
Braun dela necessitava. Decisivo para οforitoda batalha foi, poröm, de
acordo com as testemunhas presenciais Machado d'Oliveira, Seweloh
e a Testemunha Ocular100 ο fato de os responsäveis daquele corpo näo
tomarem ou näo poderem tomar as providencias adequadas para proteger ο trem de um golpe de mäo do inimigo, pois este trem se vinha
aproximando com muito atraso durante ο decorrer da batalha. Assim
uma forte coluna da cavalaria inimiga, que forfosamente tinha que
passar ao flanco da 2a divisäo, «pöde desapercebida [sie!] pelo exercito
[imperial] ganhar a estrada, por onde deseuidadamente vinham os
transportes [. . .] e [. . .] assenhorear-se deles, sem que se fizesse a
menor resistencia; pois os pröprios [200] condutores [. . .] fugiram»
logo que se aperceberam do inimigo. Desta maneira aquela coluna de
cavalaria desarmou ο exercito brasiletro ao mesmo tempo que ο inimigo jä come9ava a ser derrotado pelo flanco esquerdo, destruindo
todo ο piano estrategico do marechal Braun «e com este inesperado
aeonteeimento» - [«para cuja frustrafäo bastaria a cavalaria da ala esquerda»] - «dissiparam-se de pronto todas as esperanfas da vitoria
[. . .] com a total ρπνβςβο da munifäo de guerra, que naquele momento jä se fazia indispensävel por se achar exausta a que [a ala direita] trouxera consigo.101»
") Lima e Silva, Guerra, p. 119 (cit.), e Aguiar, Barbacena, p. 271 poi exemplo. A
Testemunha Ocular, Beiträge, p. 243, diz que quase todos os regimentos de müicias perderam pela deserfäo uma ter;a parte at£ metade do seu efetivo. Seweloh, Reminiscbrcw, p. 64, fala de 1.600 desertores.
10
°) Machado d'Oliveira, Recordafdes, p. 556s.; Seweloh, Reminisdncias, p. 64,
Testemunha Ocular, Beiträge, p. 328.
101
) Machado d'Oliveira, Recordafdes, pp. 557, 561 e 556s.
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Que föra, de fato, esse acontecimento que tomara grave e insustentävel a situafäo do exercito imperial, obrigando-o ä retiiada, anotou
tamböm Seweloh no seu dilrio102:
«Tinhamos perdido to da a bagagem, todas as bo Ladas e cavalhadas, todas as
carretas, ο hospital, a caixa da guerra [. . .]; mas, ο que fa2ia mais dolorosas todas as perdas έ que tinha sido tomada toda a munifäo de guerra, toda a infantaria estava sem cartuchos [. . ,] 1 0 \ Näo se podia pois pensar em qualquer resistöncia - a nossa situafäo era muito triste».
Falta iazia agora tambem, por näo ter sido avisado por Caldeira
Brant, Bento Manuel com ο seu forte contingente, «formado dos 600 a
700 melhores homens com os mais seletos cavalos», e que se encontrava a 10 l€guas (= 60 km) de distäncia no Passo de Santa Vitoria no
Ibicui104. Nesta situafäo desesperada näo restava ao Marques de Barbacena senäo assumir a plenitude de suas atribuiföes como comandante-em-chefe e dar ο sinal de retirada que - por incompreensivel
que seja - ο inimigo facilitou, cessando de sua parte ο combate e retirando-se äs suas posiföes primitivas10S.
A a f ä o de Braun e a retirada do exercito
Ha quem afirme que Braun - naturalmente na ignoräncia do que
acontecera na retaguarda - era doutro alvitre, julgando que a l a divisäo ainda poderia destrofar sozinha ο centro do inimigo e po-lo em fuga106. Ο marechal portara-se, aliäs, com grande circunspecfäo e bravura, marchando sempre, como ja foi mencionado, na vanguarda107.
Barbacena menciona na sua ordem do dia que Braun teve «um cavalo
morto e foi levemente contuso por uma bala de mosquetaria»108. Segundo uma anota(äo do historiador militar Paula Cidade, ο ferimento
102
) Reminisdncias, p. 66.
) Fato confirmado por outras testemunhas, assim, por exemplo, por Lima e Silva,
Guerra, p. 103.
,04
) Testemunha Ocular, Beitrüge, p. 225 (dt.); Aguiar, Barbacena, pp. 272 e 274; Souza
Doca, em Lima e Silva, Guerre, p. 320.
105
) Machado d'Oliveira, Recordaföes, p. 558.
106
) Santos, A Guerra, p. 223.
"") Aguiar, Barbacena, p. 179.
,oa
) Fragoso, A Batalha, p. 374.
,03
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ultrapassava muito a de mna simples contusäo, deixando profunda cicatriz109. Apesar deste incidente Braun continuara a dirigii calmamente a batalha. Ο inimigo teve, alias, enorme respeitö por Braun, fazendo dele ate refer&ncia no assim chamado Canto do Ituzaingö:
«Braun a su frente esUi! Υ έΐ solo fuera
El digno contender que Alvear tuviera.
Ja se acercan las masas oondensadas
De los fieros Teutones
De agudas bayonetas erizadas:
Rodeados del canon sus batallones
Muros parece que moviera el Arte.» 110
Tal canfäo serviu naturalmente para glorificar indiretamente os feitos platinos. A verdade, no entanto, έ que näo somente os alemäes,
como diz a can£äo, mas toda a l a divisäo e entre ela, de prefer&ncia, a
sua infantaria, demonstrou naquele dia raro heroismo. A bravura dos
tres batalhöes de infantaria e confirmada por todas as testemunhas
presenciais. Ο quartel-mestre general Miranda e Brito diz na sua parte: «. . . sendo notävel ou mesmo inexprimivel, ο valor dos batalhöes
de infantaria 3,4 e 27, que apesar de lhes morrer muita gente [. . . ] näo
deixaram de levar a morte e ο estrago äs fileiras inimigas»111. Ε ο brigadeiro Barreto afirma em sua comunicafäo112: «Esta brigada [composta dos tr&9 batalhöes mencionados] fez prodigios de valor,» Deve
acrescentar-se ainda que a infantaria era naquela äpoca a arma com ο
menor prestigio - a infantaria platina nem participou ativamente da
batalha! - , valendo tanto mais ο juizo de Caldeira Brant: «sem a magnifica infantaria tristissimo teria sido ο fim daquele dia» 113 .
Quanto ä participafäo numerica de soldados alemäes no exercito
imperial, houve da parte dos argentinos grande exagero, chegando
eles ate - por motivos de propaganda psicologica, claro esta - a denominä-lo de exercito austro-brasileiro114! No entanto, os «austriacos»
109 ) Seidler, Dez Atios, p. 137; Maciel da Silva, Os Generais, ρ. 120. relata ainda que
Braun «perdeu toda a sua bagagem, morrendo tamb&n ο criado que a guardava». Ο
mesmo aconteceu com a bagagem do Marques de Barbacena, a de Seweloh e a de Machado d'Oliveira, perdendo-se desta maneira preciosas anota(öes e material para a
historiografia.
110 ) Fragoso, Α Batalha, p. 340.
' " ) Ibid., p. 380.
" 2 ) Ibid., p. 381.
u 3 ) Aguiar, Barbacena, p. 274.
" " ) Fragoso, A Batalha, p. 339s.
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de que falavam os platinos e que ο imperador da Austria teria enviado
pretensamente ao seu genro emnumero de 3.600 homens, na verdade
näo passavam de 675 homens, formados dos 527 ou menos ca9adores 115 , dos 86 ou mais lanceiros e dos 62 ou mais individuos da Colönia
Alemä de Säo Leopoldo. Fora dos corpos alemäes ha via, sem duvida,
ainda alguns alemäes avulsos que se encontravam em outras formaföes. Seidler menciona, por exemplo, um alemäo que servia num dos
batalhöes formados por brasileiros. Ε segundo Souza Doca 116 existia
tambem uma «Companhia de Estrangeiros de Säo Paulo», composta
de 73 homens, entre os quais se encontravam, com certeza, alemäes
que viviam na capital paulista ou na entäo formada colönia de Santo
Amaro. Mas mesmo se acrescentässemos aos 675 soldados mencionados mais 40 ou ate 50 combatentes avulsos ο seu nümero total näo era
relevante em relaf äo ao total do exercito brasileiro.
Mas voltemos ä afäo de bravura pessoal com que Braun agira durante e apös a batalha do Passo do Rosärio; esta nunca foi contestada.
Ο Marques de Barbacena ο elogiou junto com os brigadeiros Barreto e
Calado na ordern do dia. Ο Imperador ο agraciou, em 12 de outubro de
1827, com a dignitäria da Ordern do Cruzeiro. Ο historiador Maciel da
Silva117 diz em seus trafos biogräficos de Braun que este demonstrou
na batalha do Passo do Rosärio:
«. . . pericia militar unida ä natural bravura, quando no mais forte da peleja
colocou-se ä frente das tropas que atacaram ο centro da linha inimiga, com vistas
de [romp&-la e de] tomarem a sua artilharia». At£ Souza Doca, avesso aos
estrangeiros, chega a falar do «comportamento heröico [de Braun . . .], visto
que se mostrou sempre com sangue frio e muita coragem, como todos atestam» 118 . Ε em outro si tio anota que Braun «era dotado de qualidades militares e
de instru(äo [militar] näo vulgar»" 9 .
De fato, pode-se dizer sem exagero que Braun, dando exemplo impar äs tropas em luta, contribuiu para que «os batalhöes de infantaria,
imoveis como colunas de granito, afrontavam ο fogo» 120 .
Apos a imobilizaiäo da 2 a divisäo, enfraquecida pelo afastamento
l l s ) Ibid., p. 339, e Souza Doca, em Lima e Silva, Guerra, p. 369. Segundo Souza Doca
ο 27° batalhäo no dia da batalha teve somente 505 combatentes.
116 ) Lima e SUva, Guerra, p. 227.
117) Os Generais, p. 120.
118 ) Lima e Silva, Guerra, p. 337.
' " ) Ibid., p. 298.
12 °) Aguiar, Barbacena, p. 179.
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de 1.500 combatentes do campo da batalha, somente explicävel pela
desmoralizafäo sofrida no acampamento de Santana do Livramento, e
a priva(äo do exercito de suas reservas de munigäo, a vitöria — apesar
de ela «se ter declarada duas vezes a nosso favor»121 - näo era mais
possxvel. Α dissolufäo do exercito parecia inevitävel e iminente. Foi
entäo que Braun separou com grande habilidade as tropas do inimigo,
organizando a retirada com a brava infantaria, salvando com ο seu
sangue frio ο exercito como tal da complete capitulafäo. A Testemunha Ocular 122 , apesar de sempre critica com ο marechal, anotou que
Braun «näo perdeu a cabeja, pois organizou corajosa e resolutamente
a retirada; na verdade, de acordo com ο ponto de vista acanhado de
um chefe de infantaria e näo de um comandante-em-chefe, por£m
sempre ο mais ativo, ο mais intrepido, quem desta maneira conseguiu
salvar ο exercito, que sem ele provavelmente um sauve qui peut logo teria disperso». Formado em quadrado por batalhöes, a infantaria se retirou, causando ainda ο maior estrago aos lanceiros platinos123, que
durante algum tempo os seguiram.
«Näo houve», portanto, como alega com acerto Souza Doca 124 , «a
derrota que prodamam e cantam os vencedores, mas houve vitöria
tätica, e esta foi alcanjada pelos platinos.» Achamos que se deve frisar
que a vitöria platina näo foi, de preferöncia, devida ä uma afäo no pröprio campo da batalha, mas sim a um inteligente golpe de mäo.
Acresce mais que ο inimigo näo estava em condi(öes de impedir a retirada ordenada do exercito imperial e, ainda nuiito menos, em condiföes de ditar em conseqüencia de sua vitöria a paz, ja que ο exercito
imperial continuava intato. Seweloh chega a afirmar125:
«Esta retirada foi executada ä custa de muitos esfor;os, na melhor ordern e
com uma tal serenidade e sangue Mo dos soldados, como eu nunca esperara no
Brasil; e se Buenos Aires era muito superior em patriotismo, tätica, organ izajäo,
equipamento e meios de ataque, nös nos [näo] mostramos inferiores na brilhante disposifäo da nossa retirada [. . .]. Empreendemos a nossa retirada combatendo, soldados do batalhäo 27 ajudavam a puxar os canhöes126; [. . .] for^a" ' ) Ibid., p. 273.
) Beiträge, p. 242.
122
' " ) Aguiar, Barbacem, p. 268.
m
Guerra, p. 330.
) Reminisc&icias, p. 64s.
) Lima e Silva,
115
126 ) A16m dos canhöes os batalhöes de infantaria transportavam ainda 91 feridos, salvando-os de destino horrivel, pois muitos dos soldados gravemente feridos queimaram
vivos ou morreram asfixiados pela fumafa.
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Carlos Η. Oberacker Jr.
dos a abandonar a estrada, tinhamos que passar, a francos e barrancos, subindo
morros e a nossa brava infantaria, briihantemente brava, protegia-nos [ao que
parece, ο estado-maior] / vencendo canfada e descal(a os campos em chamas.»
Esta gente, note-se, estava de pe desde as 2 horas da madrugada e
lutara numa batalha sangrenta durante sete a oito horas sob um sol inclemente e num lugar falto d'ägua e com as macegas ardendo, causando ardente fumafa. Näo exagera, pois, ο general Souza Doca
quando diz127: a «retirada foi heröica, gloriosa, memoravel».
Entre os batalhöes de infantaria que cobriram a retirada, encontrava-se, como jä foi dito, ο 27° dos cafadores alemäes128; um dos seus
oficiais, ο tenente Carlos Seidler, descreveu a retirada do ponto de
vista desta unidade129:
«Come^ou a retirada, e entäo a desordem cresceu a tal grau, que ο inimigo poderia com um leve golpe de mäo ter aprisionado todo ο nosso exircito, se näo tivesse ele mesmo ficado por demais desanimado; e talvez tivesse tornado ο nosso
recuo como sendo uma cilada. Nossos artilheiros s6 pensavam em salvar a sua
pele e abandonaram as pefas que lhes estavam confiadas; nossa cavalaria debandou aos quatro ventos; so a infantaria, e desta especialmente ο batalhäo alemäo de ca(adores, se conservou sempre calmo e firme. Lentamente e na melhor
ordern, esse pequeno ίτοςο de bravos se retirou [entre os lanceiros inimigos e as
chamas e a fumaf a da macega incendiada]: os soldados, quase mortos de fadiga,
[fame e sede] ainda trouxeram onze [dos 12] canhöes abandonados, e assim cobriram a retirada de todo ο ex£rdto. So um canhäo que estava com as rodas danificadas por tiro, caiu nas mäos do inimigo 130 ; foi seu unico trofeu desse dia infeliz 1 3 1 . [. . .] Nesse diaficaramcerca de 400 dos nossos, entre mortos e feridos 132 ,
no campo da batalha, dos quais 83 alemäes» (percentagem, portanto, muito elevada de mais de 20%).
Souza Doca133 fala de 333 baixas entre mortos e feridos e de 1.362
«dispersos». Ο xenofobo Lima e Silva, näo mencionando os 83 ale) Lima e Silva, Guerra, p. 331.
) Porto, Ο Trabalho, p. 9 9 s „ dä uma iela(äo de 36 oficiais e inferiores do 27° batalhäo de ca(adores que se distinguiram na batalha do Passo do Rosärio, mas, a concluir
pelos apelidos, nem todos desta lista eram alemäes.
129) Dez Anas, p. 97ss.
1 3 0 ) Ο 12° canhäo foi, por este motivo, inutilizado. Segundo Lima e Silva, Guerra,
p. 110, foi escondido e näo caiu nas mäos do inimigo.
1 3 ') Na Aigentina apresentam-se outros trofeus, como bandeiras etc.; trata-se de material que os flanqueadores encontraram, quando pilharam a bagagem no Passo do Rosärio, e näo conquistado no campo da batalha.
, 3 } ) Merece ainda men(äo que näo houve ciruigiöes no campo da batalha. Ο linico cirurgiäo que cuidava dos feridos era ο sr. Scot do 27° batalhäo e que, por isso, mereceu «ο
mais distinto elogio» na ordem do dia de Barbacena (Lima e e Silva, Guerra, p. 121).
1 3 3 ) Lima e Silva, Guerra, p. 343.
127
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mäes mortos e feridos, afirma que faltavam cerca de 300 soldados alemäes so do batalhäo 27 que, agüentando pior ο enorme calor do que os
naturais, teriam caido quase mortos de cansafo e de sede durante a retirada ao longo do caminho e dos quais muitos foram pretensamente
aprisionados pelo inimigo ou se teriam ate apresentado a ele. Barbacena, Seidler, Seweloh e as outras testemunhas oculares, com certeza
näo teriam deixado de mencionar um fato escandaloso deste tipo, se
nele houvesse alguma ponta de verdade. Barbacena fala, de fato, da
«infantaria cansadissima» de maneira que durante a retirada muitos
soldados ja näo tiveram forfas para continuar a marcha, havendo
«muitos [verdadeiros] extraviados (. . .], principalmente entre os
alemäes»134. Os soldados alemäes eram, nesta fase da campanha,
mais ou menos satisfeitos com a sua sorte, e Seidler135 diz atö que «era
nosso mais ardente desejo dar bem pronto aos brasileiros demonstrafäo do heroismo alemäo e da probidade alemä». £, portanto, mais do
que improvävel que nessas condiföes houve deserföes de soldados
alemäes apos a batalha do Passo do Rosärio, onde se tinham batido
com tanta bravura a favor do Imperio.
Foi sem düvida grafas ä intrepidez da infantaria que a batalha do
Passo do Rosärio näo degenerou numa derrota catastrofica, caindo ο
grosso das tropas e qui(ä, como supremo triunfo do inimigo, todo ο
estado-maior nas mäos dos platinos. A retirada täo bem sucedida
permitiu a räpida recuperafäo do exercito imperial, ο que politicamente foi importante, pois ο fato de que as forfas imperials continuavam intatas, foi um dos fatores que levou ο emissärio platino a ceder,
no primeiro tratado preliminar de paz (25. 5. 1827), a Cisplatina ao
Brasil, ja que em Buenos Aires, «todos concordavam em que a paz com
ο Imperio eraquestäo de vida e morte»136. Por outro lado, as perdas do
inimigo137, tambem exausto, determinaram que este desistiu de uma
perseguifäo eficaz e da 9ua anunciada marcha sobre Porto Alegre; ficara ele täo esgotado que D. Carlos Maria Alvear resolveu abandonar a
provincia do Rio Grande do Sul. Ο exercito imperial de sua parte marchou em d ü ^ ä o ä regiäo de Cachoeira do Sul, onde atravessou ο Jacui
" 4 ) Aguiar, Barbacena, p. 266.
135) Dez Ano$, p. 94.
, 3 6 ) Joäo Pandiä Calögeras, Res Nostra,
Säo Paulo 1930, p. 197.
, 3 7 ) Segundo ο Baräo do Rio Branco (Efemerides Brasileiras, Rio 1918, p. 167) os platinos tiveram 211 mortos e 331 feridos, portanto uma perda de 542 homens.
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no passo de Säo Louiengo. Barbacena erigiu ai um acampamento para
poder reorganizar ο exiicito e para reabastecfc-lo, escrevendo ao
minis tro da Guerra que esperava «os socorros que pedi» e que «näo foram recebidos at£ hoje» 138 .
Braun - Comandante do exercito imperial
No entanto, ο Marqu&s em Säo Lourenfo tamb^m ouviu os conseIhos de Braun; chamara este a aten9äo para ο fato de ο inimigo poder,
sem qualquer risco, ocupar a vila do Rio Grande, cortando a linica via
maritima para ο Norte e com ο Rio de Janeiro, fkando ainda em poder
de uma regiäo, cujas vilas e localidades lhe permitiam rica renda em
contributes de guerra e outros fomecimentos. Veremos que este era
de fato ο piano de operafäo de Lavalleja, ο sucessor de Alvear, apös a
batalha do Passo do Rosario. Caldeira Brant destacou por este motivo
ο generell Braun com ο 13° e 18° batalhäo de infantaria (ou seja 788 homens da infantaria e 98 da artilharia) assim como ο 6° corpo de cavalaria de linha para ο Rio Grande e a 2" brigada ligeira para Jaguaräo. Deveria Braun proteger ο porto e recrutar soldados, durante a esta^äo do
inverno, para erigir novamente nesta regiäo uma linha de defesa. Desceu ο Jacui embarcado e prosseguiu de Porto Alegre para Pelotas, em
cuja vizinhanfa näo encontrou sinais do inimigo139. Comunicava, no
entanto que ο inimigo deixara «em nossa provincia uma for(a de 2.000
homens, comandada por Lavalleja, afim de levantar os gados e cavalhadas que encontrasse»140. Por este motivo Barbacena deu ordern ao
marechal Barreto que tambem se dirigisse com a sua cavalaria de 2a linha, em nümero de 1.500 homens, parao Sul. Refor^ado por este contingente e sob continuado forte tiroteio ο marechal Braun obrigou Lavalleja a abandonar em maio a provincia, que estava saqueando e devastando, para reunir-se ao seu exircito na Cispiatina. Neste contexto, alias se insere ο mencionado bem sucedido assalto do cor. Bonifäcio Calderon com ο corpo 39° ao quartel inimigo em Serro Largo no dia
9 de maio com os seus bons resultados.
) Aguiar, Barbacena, p. 267.
) Ο ajudante-de-campo do marechal Braun desde entäo ou ji antes era ο capitäo
Samuel Gottfried Kerst «do imperial corpo de engenheiros, ofidal de muito merecimento»; Brown, Defeza, p. 213.
14 °) Lima e Silva, Guerra, p. 122.
13e
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Nos primeiros dias de junho ο Marqu&s de Barbacena resolveu, no
entanto, seguir para ο Rio de Janeiro para conseguir lä, ο que lhe faltava em dinheiro, material de guerra e soldados para reorganizar ο
ex£rdto e recomegar a campanha logo que a estafäo do ano ο permitisse. Passava por Säo Jos6 do Norte, onde, em 20 de junho, se encontrou
com ο marechal Braun a quem, em 26 do mesmo mös, entregou ο comando interino do exörcito «por ser nele ο oficial mais graduado»141,
mas mesmo assim tal fato deve ser considerado sinal de extraordinaria
estima e confian^a que Barbacena depositava neste general estrangeiro. Com uma ordem do dia de 30 de junho Braun fez publicar que assumira interinamente ο comando do ex£rcito, convidando os demais
generais que «continuem seus esforjos para que ο ex£rcito brevemente se ponha em estado de poder ir em procura do inimigo a vingar
as injürias e danos» sofridos pela provincia141.
Apesar de ter sido negociada uma convenfäo preliminar de paz em
24 de maio de 1827, que Buenos Aires, no entanto, näo chegou a ratificar, Braun achava seu dever continuar com os preparativos para uma
ofensiva. Era ele, segundo a Testemunha Ocular143 ο modelo de um
verdadeira soldado: «no traje, a Kutka azul-escura de corte ingles,
com a faixa vermelha, com ο chapeu tricörnio, revestido de tafetä encerado, a qual combinava excelentemente com a figura varonil, e os
trajos faciais bem formados, impressionava mais do que qualquer outro general os soldados». Tinha Braun, alias, ο soldado brasileiro em
alto conceito, pois na sua Defeza anotava mais tarde: «Nem uns soldados mais desejosos de glöria, nem uns mais sofredores de privaföes e
trabalhos, nem uns mais obedientes ä discipline do que os soldados
brasileiros.144» Ε Braun sabia ο que dizia, conhecia os soldados ingleses e os soldados Portugueses de perto, teve pois escalas de comparafäo.
Apös a conferäncia com Barbacena ο marechal-de-campo seguiu
logo para ο acampamento de Säo Louren(o passando por Porto
Alegre, onde chegou no dia 9dejulho, notando-lhe a falta de duas
qualidades essenciais: local sadio e proprio para exerdcios militares.
Por este motivo e tamb£m para realizar ο seu piano ofensivo deu or-
U1)
Fragoso, A Batalha, p. 303.
Lima e Silva, Guerra, p. 130.
U3) Beiträge, p. 246.
144 ) Brown, Defeza, p. 199.
,42)
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dem que todas as unidades descessem sucessivamente embarcadas
para a regiäo do Jaguaräo (Serrito) e de Säo Francisco de Paula (Pelotas), fazendo temporariamente Porto Alegre seu quartel-general . . .
« . . . para ativar e promover os meioe de completer ο equipamento, fardamento, e armamentos dos corpos, fazer consertar ο parque que carecia de grande reparo e providenciar tudo σ mais que fosse necessirio. Logo que cheguei a Porto
Alegre soube [no entanto] que todas as minhas dispoeiföes haviam sido desaprovadas pelo Presidente, ο qual ati entäo mostrara estar em perfeita harmonia
conugo. »
Ο presidente da provincia, Salvador Jos£ Maciel, «fazia guerra tenaz» a Braun, diz Tasso Fragoso146, por ser conträrio ä entrega do comando interino ao marechal-de-campo e tambem ä dissolugäo do
acampamento de Säo Lourengo. A Testemunha Ocular147 frisa, no
entanto, que do ponto de vista militar a extingäo daquele acampamento era indispensävel, caso näo se quisesse entregar a provincia
sem resistencia ao inimigo. Ο pröprio Braun opina ainda em sua Defeza
que ο presidente Maciel se opunha ä mudanga das tropas para a fronteira e ambicionava ο comando geral do exercito.
Outro ponto de atrito foi ο estado em que ο marechal encontrara ο
hospital da cidade que servia os soldados feridos e doentes, mas que ο
Presidente considerava como pertencente ao seu exclusivo dominio.
Tasso Fragoso acentua que a razäo estava do lado de Braun; mas talvez
ele näo agisse com ο tato necessärio, pois tinha, como refere
Seidler148, ο «temperamento violento». No entanto, os soldados doentes encontravam-se numa situagäo deplorävel que um general cuidadoso para com os seus subordinados näo podia admitir. Em suaDefeza149 alega ο proprio Braun que ele näo «podia suportar que os defensores do trono assim fossem mal cuidados, e mal socorridos, no estado
de doenga, quando a humanidade mais reclama os seus direitos». Ε
com indignagäo descreve pormenorizadamente a situagäo em que encontrou ο hospital:
«Constava de uma sö enfermaria em sala baixa e estreita: As camas postas ein
tres fileiras sem ο preciso intervalo! Os facultativos näo podiam chegar aos doen145 )
146)
Ibid., p. 217.
Fragoso, A Batalha, p. 312.
"") Beiträge, p. 255.
14a) Α Batalha, p. 312, Dez Anos, p. 138.
14") Defeza, p. 205.
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Marechal-de-Campo G. Η. von Braun
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tes! Falavam-Lhes de longe! Os colchöes pela mor parte podres! Os enfermos βό
tinham um lenjoU Os capotes serviam de cobertores! Os fardamentos de travesseiros! Os armamentos em desleixo por baixo das camas amontoadas! Os doentes clamando por näo terem ο tratamento de que careciam! Ε ftnalmente <k testa
de repartifäo [täo] importante, como inspetor, uma crianja, ο alferes Jos6 Manoel Justino, sobrinho do Presidente!»
Ο Visconde da Laguna disse de uma feita ao ministro da Guerra 150
que Braun era «excessivo» em seu zelo para com os militares enfermos;
era ele, portanto, severo no servifo, mas cuidava tambem zelosamente do bem-estar dos seus subordinados.
De Porto Alegre Braun mudara, logo que as tropas de Säo Louren^o
tinham chegado todas ao Sul, em fins de setembro, ο seu quartel- general para Säo Francisco de Paula, näo muito distante da fronteira com
a Cispiatina. De lä foi ocupar com ο 2° batalhäo de ca^adores e um esquadräo do 6° regimento de cavalaria ο forte mais meridional da provincia, ο de Santa Teresa que fora abandonado. Em seguida foi inspecionar as tropas da guarni(äo de Serrito (Jaguaräo). Conseguira reunir
com as unidades enviadas do Rio e das guamiföes da Cispiatina em
toda esta regiäo 9.000 homens sem contar com os 5.000 que ainda continuavam em Montevideu e Colönia. Ε isto apesar das dificuldades
que lhe criava ο presidente Maciel; pois este «se opunha ao que mais
interessava ο servi^o, näo socorrendo ο exercito com reguläres pagamentos, e fornecimentos de viveres, nem dando a menor provid£ncia
a favor do recrutamento»151. Opina Braun ate, dando exemplo concreto, que havia agentes para obstruirem ο recrutamento, incitando ä deserfäo.
Ο exercito que Braun organizara näo era somente superior em ηύmero ao do inimigo, era tambem melhor exercitado e disciplinado.
Claro que os oficiais näo gostavam da disciplina introduzida pelo marechal, «que fazia timbre em impor rigorosamente a todos sua autoridade», como se queixa um oficial, e ο quäl ocupava ä maneira europeia
ο exercito em «ma(antes exeracios, em que todas as manobras eram
feitas a marche-marche e que acabavam ao escurecen>152. Braun, de
fato, procedia com «terrivel severidade»153, principalmente em rela-
)
)
152 )
l")
150
151
Ibid., p. 254.
Ibid., p. 207.
Lima e Silva, Guerra, p. 145.
Seidler, Dez Anas, p. 138.
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(äo aos muitos desertores. Os continuos indultos de maneira alguma
tinham sanado ο mal; muito pelo conträrio, fizeram com que os soldados tornassem a desertar, levando consigo companheiros, armamentos e cavalos na certeza de näo serem procurados e de serem dentro em
breve outra vez perdoados. Vagavam pela provincia, onde ο seu
grande numero os tornou temiveis äs autoridades. Braun mandou-os
prender e castigar severamente de acordo com a lei, ou entrega-los, ο
que muito temiam, ä esquadra «debaixo de prisäo».
Outra medida que deu bons resultados foi a que Braun deixou, para
completar a primeira linha, passar os milicianos voluntariamente para
esta, contando-se nela ο tempo em que jä se encontravam de servifo.
Ο mesmo permitia aos que se achavam «indevidamente alistados» na
milicia, devendo por lei prestar servifo na primeira linha, aconselhando-os ainda a que passassem espontaneamente antes de serem
obrigado para tal, contando-se no primeiro caso tambem ο serviyo que
jä tinham fei to na segunda linha. Tai medida foi criticada pelo presidente da provincia e pelos generais das milicias, principalmente pelo
brigadeiro Barreto, que receavam ο enfraquecimento das suas tropas e
da sua posifäo.
Outrossim conseguiu Braun pagar tambem alguns meses de soldo
atrasado, cuidando que as raföes fossem fornecidas inteiramente aos
soldados154. Apesar de continuar a faltar soldo e fardamento, Ievantou desta maneira ο moral dos soldados, conseguindo, apesar de todos os obstaculos, criar dentro de poucos meses uma for;a respeitävel.
Diz ele pröprio155: «Nunca em tempo algum se havia visto na provincia do Rio Grande reunido um exercito de tanta forfa, täo disciplinado,
e täo bem armado, fardado e equipado como ο que se achava na Tapera de Madruga, e nunca as tropas estiveram täo animadas, e desejosas de combater como entäo . . .». Ate Lima e Silva 156 tem de admitir
que nestas circunstäncias numa luta com ο inimigo:
«. . . nossa vitöria seria certa, visto ο estado de brilhante discipline em que se
achava [o exercito imperial], sua eleva(äo num^rica, que excedia a mais de
10.000 homens, enquanto ο exercito inimigo estava no regresso, enfraquecido,
mal armado, desfardado e sobretudo comandado por um guerrilheiro como era
Lavalleja, sem capaddade para dirigir um exercito, faltando-nos somente boa
cavalhada».
) Ibid., p. 142.
) Defeza, p. 225.
"') Guerra, p. 162.
,M
1S5
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Sabia Braun que ο ex£rcito platino, avaliado em 6.000 homens, se
encontrava acantonado com a sua infantaria e artilharia em Serro Largo, tendo licenciado em virtude da esta(äo do ano parte da cavalaria
que significava sua superioridade. Faltava ainda ao exircito inimigo,
apös a demissäo de Alvear, a sua antiga coesäo e ο entusiasmo que
nele soubera incutir. Os chefes ciumentos faziam intrigas entre si
duma maneira inacreditävel, conseqiiencia, alias, da confusäo pob'tica
que agora reinava em Buenos Aires. Ε os soldados careciam dos recursos materials e pecuniärios, pelo que ο descontentamento se alastrava
cada vez mais. Baseando-se nestes fatos e lembrando-se qui(ä da ideia
de Barbacena de mudar a guerra para a Cispiatina, Braun desenvolvera ο seu piano de invadir esta regiäo, apoiando-se no «indisputävel
prindpio de que, ο general que con segue ter a iniciativa dos movimentos estrategicos e senhor de empregar suas foryas157. Segundo a
Testemunha Ocular158 ο piano de Braun consistia em penetrar pela
Cochila Grande para ocupar a Serra de Aceguä ao flanco direito do
exercito platino estacionado em Serro Largo. Em seguida pretendia
operar em concordäncia com um corpo de Montevideu e ο destacamento do forte de Santa Teresa. «Era, por conseguinte, uma operafäo
convergente, racionalmente concebida, e cujo resultado talvez fosse
decisivo» para a campanha, diz Tasso Fragoso159, historiador militar
competente.
A concluir pelo que escreveu ο pröprio marechal Braun, esperava
ele da ocupafäo da Serra do Aceguä poder sustentar em primeiro lugar ο exercito imperial da Cispiatina e poupar os habitantes do Rio
Grande do Sul dos vexames da guerra, e mais «libertär os cisplatinos
neutros e brasilöfilos»160. Enfim esperava Braun tamb£m em conseqiidncia desta ofensiva poder elevar a for(a moral dos habitantes da
provincia de Säo Pedro do Sul e a do pröprio exercito assim como facilitar aos negociadores da paz um ajuste com maiores vantagens do que
aquelas que depois foram obtidas na segunda conven(äo preliminar:
) Brown, Defeza, p. 219.
) Beiträge, p. 257s.
159 ) Fragoeo, A Batalha, p. 311. - De acordo com a Testemunha Ocular, Beiträge,
p. 264, a realizafäo deste piano ofensivo näo seria possivel sem uma reforma e melhor
disdplinafäo da anna principal, a cavalaria, sem a qual ο exercito brasileiro näo possuiria a forfa necessiiia para uma estrat£gia da ervergadura planeada por Braun.
160) Defeza, p. 220.
157
lie
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«. . . um tal movimento [diz ele pröprio161] promete mudar inteiramente a
face da guerra e a recuperafäo da provinda da Cispiatina, ο que jamais se conseguirl sem alguns esforfos com as armas na mäo, e se pelo contrario deixarmos ο
inimigo permanecer nesta provincia έ inteiramente dar-lhe ο direito sobre a Cisplatina, ο que näo deixarä de Ihe aproveitar e concorrer talvez para se efetuar
uma paz vergonhosa para ο Imperio.»
Ε teve razäo, pois quando ο representante da Grä-Bretanha propös
nas seguintes negociaföes de paz a id£ia de transformar a Cispiatina
em Estado independente, Buenos Aires aceitou-a logo, argumentando que ο Imperio ja näo podia sustentar a posse da Banda Oriental
e que esta efetivamente estava separada do Brasil162.
Braun e a passividade do general Lecor
Segundo os pianos de Braun, ο exercito imperial devia marchar em
fins de novembro, mas ja em principio do mesmo mes soube-se que
havia sido nomeado e se encontrava a caminho do Rio Grande do Sul ο
sucessor do Marques de Barbacena. Tratava-se do ja mencionado general Carlos Frederico Lecor ou seja ο Visconde da Laguna. Este general de nome frances que ja desempenhara anteriormente papel importante na Cispiatina έ mui discutido na Histöria. Nascera163 em Portugal, e conquistara os seus primeiros louros na guerra napoleönica. Em
1815 fora elevado a tenente-general e encarregado de organizar uma
divisäo das tres armas, a Divisäo de Voluntärios Reais, com a qual veio
ao Brasil com destino a Montevideu. Jä antes de a Cispiatina se federalizar com ο Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve, Lecor fora nomeado seu governador, e como tal e considerado seu pacificador. A
Testemunha Ocular elogia a sua administra(äo, pois suprimiu, diz, ο
odio nacional sem tomar partido. Esta atitude nobre ter-lhe-ia granjeado ο respeito de todos, rendendo-lhe ο cognome de «Pai Lecor».
Desenvolveu ο comercio, ο artesanato, a industria e a prosperidade
" ' ) Ibid., p. 286s.
1Ä2) Por parte do Brasil tal proposta foi no comedo energicamente repelida por Jos6
demente Pereira e Joäo Carlos Augusto de Oeynhausen (Marques de Aracati), os
ministros competentes de D. Pedro I.
l " ) Em Faro em 11. 9.1764 e veio a falecer no Rio de Janeiro em 4. 8.1836. Seus pais
eram Luis Pedro Lecor e Quitfria M. Kruss. A sua fisionomia nobre e a sua figura esbelta
e garbosa, lembrando a sua origem francesa, enganava, como diz ο general Souza Doca,
muita gente que ο conhecia, figurando entre eles Lima e Silva e ο critico Seweloh.
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Marechal-de-Campo G.H. von Braun
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em geral, enquanto que, ao mesmo tempo, reinava a confusäo geral e a
luta dos partidos nas provincias que posteriormente formariam a Argentina. Ligou-se Lecor ainda por lafos matrimoniais ä gente da Cisplatina, contraindo, ja em idade avan(ada, nüpcias com uma jovem
senhora risplatina de 18 anos. Apös a proclamafäo da Independencia
do Brasil Lecor aderiu a D. Pedro, enquanto que a maioria dos oficiais
e tropas se manteve fiel a Portugal; dai a grande confianfa que ο Imperador lhe consagrava.
Como general, no entanto, Lecor έ considerado pelos historiadores
mediocre, frouxo e indolente; entrementes ja tinha 72 anos e a fama de
homem de pouca atividade e contemporizador, considerando-o os
historiadores ο culpado principal pela räpida propagafäo da subleva(äo na Cisplatina, pois apesar da sua superioridade militar nada fez
para sufocä-la logo de inicio. Ignora-se ο motivo exato por que a escolha de D. Pedro caiu novamente no Visconde; a Testemunha Ocular164
acredita que a preparafäo de uma ofensiva por Braun näo preocupava
somente os seus adversärios no Rio Grande do Sul, como tambem as
autoridades no Rio de Janeiro que se encontravam sob a pressäo da
oposi(äo ao Imperador e que queria a paz sob qualquer hipötese e preςο. Mas esta explica^äo tambem poderia ter sido um mero boato espalhado pelos afetos do general Lecor para justificar ο seu «sistema defensivo» que tanto veio a prejudicar os habitantes da provincia e ο
pröprio exercito. Ο Visconde da Laguna, de fato, sempre alegava para
desculpar-se de sua inatividade: «Ningu£m conhece as minhas instruföes secretas.» Mas tal fräse sibilina parece antes confirmar que näo
recebera ordern concreta de como devia proceder, ja que num oficio de
19 de novembro de 1827 ao marechal-de-campo Braun alegava a este
respeito que esperava a cada momento um «esclarecimento do nosso
governo»165.
Em todo ο caso, ο general Lecor logo desaprovou - apös se ter encontrado com ο presidente Maciel - os projetos ofensivos de Braun,
considerando a primeira convengäo preliminar uma especie de armisticio, deu ao marechal ordens para näo ultrapassar ο Jaguaräo. Braun
procurou-o pessoalmente, mas näo conseguiu convence-lo das vantagens do seu piano, ja que Lecor dera ouvido aos inimigos dele, ο
) Beiträge, p. 265 s.
*) Brown, Defeza, p. 264.
1M
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presidente Maciel, os generais Calado e Barreto e outros. Tasso Fragoso 166 , prestigioso historiador militar, diz a respeito da atitude do Visconde da Laguna:
«Cumpre confessar [. . .], ä luz de informes que possuimoa, temos que pender para ο Lado de Brown. Era ele quem estava com a boa e verdadeira doutrina
[. . .] e vira ο problems com perfeita nitidez, quando pensava aproveitar-se de
sua superioridade num^rica para esmagar ο adversärio de modo definitivo.»
Por outro lado, Lecor tambem näo publicou uma ordern do dia apös
a sua chegada ä vila do Rio Grande (em 4.11.1827), como ο solicitara ο
marechal-de-campo, pela qual inteirasse ο ex£rcito haver assumido ο
comando «para evitar ο prejuizo que causava ä regularidade do serνίςο [e ä disciplina] a anomalia de dois comandantes»167. Continuavam, pois, ο trabalho e a responsabilidade com Braun, «enquanto que
[Lecor] consumiu tr£s meses na Vila do Rio Grande e a freguezia de
Säo Francisco de Paula em bailes»168. Ο pior era, no entanto, que Laguna ao mesmo tempo näo deixou de se intrometer no comando,
dando novos indultos aos desertores, desaprovando a passagem dos
milicianos para a l a linha, parafraseando Ordens de Braun, invertendo
outras, comunicando-se diretamente com os generais subordinados
ao marechal, principalmente com ο general Barreto e dando «inüteis e
pueris disposiföes»169.
Deste modo ο Visconde subverteu dentro em breve de novo a disciplina e a ordern rigorosas que Braun conseguira introduzir a custo de
tantos sacrificios no exercito. Ο general Souza e Doca em suas anota9öes a Lima e Silva 170 diz com acerto que Lecor «criou, assim, uma situa(äo caotica, de meio comando, que somente maus e desastrados
resultados podia dar e deu. Fomentou a anarquia e a indisciplina»,
pondo assim «mais uma vez em evid^ncia suas qualidades de mau general». Uma fadiga geral acometeu a tropa, como conseqü&ncia da
nomea^ao do conhecido contemporizador e da existencia de dois comandantes que näo se entendiam, representando atitudes conträrias.
Acrescia que Braun era estrangeiro, mal visto por muitos de seus ofi-
)
)
'")
'")
,7°)
,66
167
A Batalha, p. 311.
Brown, Defeza, p. 209.
Ibid.
Ibid.
Guerra, p. 355.
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Marechal-de-Campo G. Η. von Biaun
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ciais subordinados, com fundamento ou sem ele: «O espirito de jacobinismo de alguns, aliado a rivalidades e ignoräncia de outros, e porventura a queixas justas de certos chefes, haviam colocado ο antigo
auxiliar de Barbacena em situafäo muito embara^osa» 171 , situafäo
essa que com a atitude de Lecor se tomava ainda mais delicada. Ο
pröprio Braun escreve em sua Defeza que, como estrangeiro, tinha que
se defender agora da imputagäo de inertia, pois continuava ele como
comandante supremo interino sem poder agir. Murmurava-se ser ele
ο culpado de que ο exörcito näo marchava, que ele «queria entiegar ο
ex£rcito e a provincia ao inimigo» e «outras calunias semelhantes».
Acrescia que tanto ο presidente da provincia como ο proprio ministro
da Guerra continuavam a intrigar contra ο estrangeiro, circulando no
exercito at6 uma carta do ministro, em que este «dizia [a Lecor]: a esta
hora estara V. Ex a livre de Brown e de seus sequazes» 172 .
Α tätica ordenada pelo Visconde da Laguna permitia ao inimigo infiltrar-se de novo em territörio riograndense, arrebanhar milhares de
gado e transpö-lo para ο outro lado do Jaguaräo ou ate aproveitar-se
dos melhores pastos sul-riograndenses. Na noite de 18 de janeiro de
1828 Braun recebeu noticias de que uma importante unidade da cavalaria inimiga de 3.500 homens e 4 bocas de fogo sob ο comando do
pröprio Lavalleja tinha penetrado na provincia riograndense. Braun,
convencido de sair vitorioso, procurou travar batalha para aniquilar a
cavalaria do adversärio, ο que lhe daria mäos livres para recuperar a
Cisplatrna. Localizou ο sitio em que se escondia ο inimigo e deu as Ordens necessärias para que fosse cercado com ο fim de ser surpreendido e destruido na noite seguinte. Porem, os generais que lhe eram
subordinados, tendo a sua frente ο brigadeiro Barreto e os outros comandantes da cavalaria, recusavam-se a obedecer 173 , alegando que se
devia esperar a ja anunciada vinda do generell Lecor ao acampamento
da Tapera de Madruga.
Apesar deste eseändalo de desobediencia militar, Braun näo desistiu de suas prepara(öes, formando com uma brigade de cavalaria, ο
27° batalhäo de cafadores e alguma artilharia uma emboscada para a
for(a platina. Seidler 174 descreve a afäo preparada e como os solda) Fragoso, A Batalha, p. 311s.
) Defeat, pp. 211-213..
1 7 } ) Ο general Soares de Andrea descreveu pormenorizademente este. ato de desobediencia militar (ver souza Doca, em Lima e Silva, Guerra, p. 356s.).
,71
,71
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dos, jä se tendo aproximado do inimigo, esperavam ä toa numa noite
muito fria, ο sinal de ataque. Pois foi precisamente naquela noite em
que, apös tanta demora, ο Visconde se apresentou no acampamento,
desaprovando - de certo sob influenae dos generais revoltosos - todas
as minuciosas provid&ncias de Braun. Em väo tentou ο marechal-decampo convencer ο comandante-em-chefe que näo se conia risco algum e que a vitöria estaria garantida. Diz Seidler175 que ο marechal,
«profundamente meiindrado [. . .] recolheu-se, cheio de furor, ä sua
barraca», apös uma longa discussäo com ο Visconde.
Era Lecor, sempre temendo um malogro, de opiniäo que se devia
evitar todo ο encontro com ο inimigo, apesar de se ter invertido, entrementes, a situafäo: Do lado brasileiro existia agora um ex£rcito mais
numeroso e melhor preparado do que anteriormente, enquanto que as
provincias do La Plata se tinham tornado, por motivos internos, incapazes de prosseguir a guerra. Ο tratado preliminar de 24 de maio de
1827 talvez näo consentisse que ο proprio governo brasileiro expedisse
diretamente ordens energicas para reencetar a campanha, mas por outre lado nada impedia aos militares que se aproveitassem das vantagens que se lhes ofereciam; era essa a situafäo como Braun a entendia,
em contradifäo com a atitude do comandante-em-chefe. As relaföes
entre os dois chefes se haviam envenenado, e Braun que combatia a
atitude de Lecor «com aquela energia pröpria do meu caräter»176, resolveu retirar-se, jä que Laguna tambem näo lhe queria conferir ο
posto de chefe do estado-maior e sim somente ο comando da infantaria. Na carta de 21 de janeiro de 1828 em que pedia licenfa para retirar-se com ο fim de evitar dissenföes que podiam prejudicar os interesses do Imperio por näo estar «o meu sistema de disciplina de acordo
com ο de V. Ex"» e por este motivo näo poder esperar ο apoio necessärio. Numa segunda carta em que repetia ο seu pedido de demissäo referia-se tamb£m ao outro motivo jä mencionado: «tenho exercido ο lugar de chefe do estado-maior que me foi conferido [. . .] do Marques
de Barbacena em virtude das instruföes que por isso teve do exmo.
ministro da Guerra, näo me e decoroso exercer outro algum emprego
de menos considerafäo.177»
)
)
176 )
177 )
174
175
Dez Anas, p. 151.
Ibid., e anota(äo de Paula Cidade ao ρέ da mesma p&gina.
Brown, Defeza, p. 222s.
Ibid., p. 280s.
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Marechal-de-Campo G. Η. von Braun
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No entanto, ο Visconde näo permitia que Braun se retirasse para ο
Rio, talvez por recear as suas comunicagöes ao Imperador ou por saber
que ο espirito de iniciativa de Braun impunha respeito ao inimigo178.
Reempossou-o por este motivo no lugar de chefe do estado-maior
apesar das suas declara^öes anteriores de näo concordar com este sistema. Ficou Braun, pois, novamente em posifäo subalterna, sem poder, no entanto, dominar a sua atividade179. Houve entäo nova reorganiza(äo do exercito em que entre outras «o esquadräo de Lanceiros
Imperiais passou a servir de base ä formafäo do 7° regimento de linha,
que eonservando este numero se denominarä de Lanceiros Imperiais» 180 . Braun desde entäo, anota Seidler 181 , se conservava sempre
junto da nossa ponta das tropas, desafiando ο inimigo para uma luta.
As rixas entre Lecor e Braun
Contrariando ο conselho de Braun, Lecor abandonou entäo sem necessidade os bons pastos do Jaguaräo, entregando localidades, estäncias e familias ä merc§ do inimigo, iniciando uma penosa migrafäo
sem sentido militar pelas planicies do Rio Grande do Sul meridional,
migrafäo essa cujas privates inimaginäveis Seidler descreveu com
todos os seus horrores e sofrimentos para os soldados, chegando näo
poucos alemäes a suicidar-se por desespero182. A cavalaria ligeira do
inimigo impedia permanentemente ο abastedmento do exercito, ja
que a cavalaria brasileira continuava inferior e a infantaria näo podia
enfrentar ο inimigo que se esquivava sempre com grande mestria e
destreza. £ sö nesta fase do comando infeliz de Lecor (e, sobretudo, na
fase apos a retirada de Braun) que Seidler come(a a falar de deserföes e
de subordinates de alemäes, provocadas pela falta de tudo ο que ο
soldado necessita, situafäo esta que para os alemäes foi agravada pelo
falecimento do «nobre e valente comandante» inglös do 27° batalhäo,
William Woods Yeates, e sua substitui(äo pelo major portugu&s Luis
Manuel de Jesus que näo gostava dos soldados alemäes, maltratan-
"')
"»)
180)
lel)
ιβ1)
Testemunha Ocular,
Carneiro, Histdria, p.
Lima e Silva, Guerra,
Dez Anos, p. 152.
Ibid., p. 151 ss. e p.
Beiträge, p. 272.
170.
p. 149.
156.
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Carlos Η. Oberacker Jr.
do-os. No entanto, as deser(öes desta fase de maneira alguma se
restrigiam aos alemäes, mas muito pelo contrario183.
Uma vez, em 22 de fevereiro de 1828, ο pröprio Lavalleja tentou
surpreender com 2.500 homens os brasileiros no acampamento do
Arroio do Meio, enviando ao mesmo tempo 500 cavalaiianos ä retaguarda para arrebatar as cavalgaduras, piano este que Braun percebeu
a tempo, obrigando ο inimigo, apos ter sofrido algumas baixas pela
morte de soldados e oficiais a um recuo vergonhoso, salvando ο marechal os cavalos do exercito imperial. Mas tamb£m desta vez Lecor evitou uma persegui(äo do inimigo, a qua] ο teria obrigado, em presenfa
de uma exercito muito superior, a uma retirada desastrosa sobre ο rio
Jaguaräo. Entretanto, a inatividade do exercito imperial, seu pessimo
abastecimento, a disciplina relaxada e a tätica infeliz de Lecor, deu motivo ä generalizafäo das deserföes e ao enfraquecimento räpido das
tropas. Mesmo Lima e Silva 184 , sempre defendendo a inercia de Lecor
com pretensas instruföes da Corte, nunca comprovadas, tem de admitir que «as cavalhadas e boiadas iam emagrecendo com celeridade, e
ο exercito que ate esta data [inverno de 1828] näo tinha empreendido
nenhum ataque sobre ο inimigo, näo ο poderia tentar mais, em vista
da fraqueza dos cavalos». Ε ο comentador desta testemunha ocular,
Souza Doca, acrescenta que «uma especie de loucura se apoderou
[entäo] de oficiais de prestigio e que comandavam guardas e destacamentos em pontos estratögicos e fizeram causa comum com ο Invasor». Ε «com aquela cumplicidade criminosa pöde [Frutuoso] Rivera
penetrar facilmente no territörio brasileiro», ocupando «no meio daquela impressionante desordem», causada por Lecor, a regiäo Missioneira 185 .
Logo apos as novas sondagens para uma suspensäo das hostilidades e uma eventual paz, ο Visconde da Lagima, näo ouvindo os conselhos de Braun, afrouxou todas as precauföes. Somente depois de ο
inimigo se ter aproveitado por diversas vezes desta negligincia, ο
chefe do estado-maior conseguiu que ο exercito abandonasse ο acampamento de Arroio do Meio e voltasse para os bons pastos do Jaguaräo. Recebeu ο marechal entäo, em 14 de abril, a ordern um tanto imprecisa de limpar as margens do mencionado rio com tr&s batalhöes de
) Ibid., p. 160s. ep.181.
) Guerra, p. 160.
, 8 5 ) Ibid., p. 361.
m
184
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Marechal-de-Campo G. Η. von Braun
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cafadores inclusive ο 27° e a primeira brigada de cavalaria reforfada
por mais um regimento. Escreve Seidler 186 que Braun, «cansado das
eternas migraföes pelas estepes da provinda de Säo Pedro do Sul, e
indignado ao mais alto grau pelos maus tratos a que estavam expostos
os habitantes desta provincia, resolveu agora, mesmo sem ordern do
general Lecor atacar ο inimigo na primeira ocasiäo». Ο pröprio marechal alega, de fato, que, como näo recebesse instruföes exatas sobre ο
que devia praticar, entendeu que, em vez de seguir para Serrito e desalojar a guarnifäo inimiga de 400 homens, convinha mais surpreender os acampamentos inimigos no outro lado do rio Jaguaräo.
Depois de as tropas e os cavalos se restabelecerem na margem do
rio, Braun atravessou ο passo do rio na madrugada do dia 15 de abril
numa neblina densa, fato que, no entanto, atrasou de tal modo a passagem que so se alcanfou os acampamentos do adversärio depois de
amanhecer, dando a muitos inimigos possibilidade de se por em fuga.
«Dois eram os seus acampamentos, achando-se em um ο coronel [Andröa] Latorre com 500 homens de cavalaria e no outro ο general [Juliin] Laguna com
1.300, e quatro pe;as de artilharia. [. . .] mandei ο coronel Bento Manoel com ο
regimento 22 perseguir ο coronel Latorre [. . .] e eu com a demais cavalaria fui
em seguimento do general Laguna, a quem persegui com forte tiroteio na distäriria de perto de duas l£guas, ati ao anoitecer. Ο inimigo teve cinco soldados
mortos, e um oficial, e 20 prisioneiros, perdeu tr£s carretas carregadas com couros alem de muitos outros que se achavam empilhados, uma carreta de bagagem
[. . .], tr£s mil cavalos e alguma boiada de carretas [. . .].""»
Diz Braun que a perda do inimigo teria sido muito maior, se um oficial, amigo do marechal Barreto, tivesse executado as minhas ordens.
Este oficial, explica Seidler 188 , era Bento Manoel que se recusou a continuar com ο ataque sem primeiro trocar os cavalos, perdendo-se desta
maneira duas horas preciosas em que os inimigos foram avisados, fu-'
gindo apressadamente. Depois de deixar queimar os bem acabados
acampamentos em que ο inimigo pretendia passar ο inverno, assim
como as carretas e tudo ο mais que näo se podia transporter, Braun
""*) Dez Anas, p. 157.
187 ) Brown, Defeza, p. 242s.
les)
Dez Anas, p. 158. - Paula Cidade alega sem apresentar provas que esta recusa de
Bento Manoel «certamente sό existiu na imagina;äo do autor», ο que achamos pouco
provävel, ja que Seidler e ο 27° batalhäo dos cafadores (alemäes) faziam parte desta expedifäo, assistindo ο escritor alemäo talvez ati pessoalmente ä desobedi&ncia daquele
oficial; Seidler, Dez Anos, anota^äo de Paula Cidade na p. 157.
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passou para ο lado esquerdo do Jaguaräo, onde ο esperava jä ο Visconde que ο «recebeu dando mostras de que aprovava tudo quanto
[eu] havia empreendido, e muito mais porque näo haviamos tido um
so ferido ou morto» 189 . Este combate, ο ünico exito do exercito imperial de maior importäncia alem da mencionada afäo de Isäs Bonifacio
Calderon durante toda a campanha, ficou gravado nos anais da Historia como ο encontro do Arroio das Canas, pois verificou-se junto ao
arroio Las Canas em territorio cisplatino em 15deabril de 1828 190 .
Dos documentos apreendidos e declaraföes de prisioneiros feitos
por Braun nesse empreendimento soube-se que ο inimigo enviara no
dia 12 de abril sob ο comando do general Paz uma divisäo de dois batalhöes de infantaria, dois regimentos de cavalaria e duas pe9as de artilharia para ocupar a vila do Rio Grande; isto quer dizer que ο adversärio estava agindo precisamente como Braun sempre ο previra. Tentou
este convencer Lecor de que ο ex£rcito devia marchar agora sobre
Serro Largo para cortar as comunicaföes de retaguarda daquele destacamento forte do inimigo e obrigar deste modo todo ο exercito platino
a uma retirada sobre ο Rio Negro. Mas como Lecor näo concordou, a
divisäo volante do coronel Pita e ο destacamento do forte de Santa
Teresa tiveram que se retirar per ante as consideräveis forjas de cavalaria inimiga que avan^ava ao lado oriental da Lagoa Mirim sobre Taim e
a vila do Rio Grande, dispersando os fracos destacamentos imperials.
Jä antes, em janeiro, a tätica errada de Laguna deixara ο dominio
sobre aquela lagoa ao adversärio que transportara para lä um lanchäo 191 com enormes sacrificios, e aprisionara uma canhoeira, dois iates e outras menores unidades navais brasileiras. Como ο presidente
da provincia demorava em mandar as necessärias forfas navais, os
platinos continuavam a dominar a lagoa com a sua esquadrilha que
agora devia transporter as tropas do general Paz para ο outro lado, de
onde, unindo-se ä cavalaria que lä estava ä espera, avanfaria sobre a
vila do Rio Grande. Entrementes, Braun conseguira convencer Lecor,
que continuava a rejeitar ο piano de uma marcha sobre Serro Largo,
) Brown, Defeza, p. 244.
°) Nesta mesma data Lecor dirigira uma carta a Braun em que dizia:« Aqui corre que
V. Ex" marcha para as Canhas [. . .]. Ο inimigo pode amanhä ter reunido a forja do
Serro Largo, e ate trazer alguma artilharia; portanto V. Ex" responded pelos resultados»; Brown, Defeza, p. 273.
' " ) Testemunha Ocular, Beiträge, p. 275,
1B9
,9
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Marechal-de-Campo G. Η. von Braun
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que a forfa volante devia ser aumentada. Com esta ο marechal atravessou do novo ο Jaguaräo, fazendo Lavalleja supör que todo ο exercito imperial se dirigia sobre Serro Largo; por este motivo deu ordern
ao general Paz para retroceder, deixando este a flotilha esperar ä toa e
sem prote^äo. Quando ο comandante da quadrilha brasileira avistou a
do inimigo, caiu sobre ela e destruiu-a completamente em 21 de abril.
Logo que a cavalaria inimiga no lado oriental soube do desastre naval,
receou algum desembarque na sua retaguarda e recolheu-se preripitadamente. Assim a manobra prudente de Braun permitiu äs forfas
imperials reaver ο dominio sobre a Lagoa Mirim e reocupar ο forte de
Santa Teresa, ficando libertada tambem esta parte da provincia de Säo
Pedro. Lavalleja retirou-se com ο seu exercito para os acampamentos
de inverno em Serro Largo, desistindo de outra tentative de invasäo.
Braun perante ο Conselho de Guerra
Com a afäo de Braun sobre ο arroio das Canas as divergencies estrategicas entre ele e Lecor se tinham tornado publicas, sentindo este a
sua autoridade diminuida, motivo por que - apös ο afastamento do
perigo de nova invasäo - tentou restabelece-la por metodos pouco recomendäveis. Segundo a Testemunha Ocular192 que, como ja foi dito,
näo era admirador incondicional do marechal, tais metodos tinham
por fim submeter ou afastar ο chefe do estado-maior do exercito. Escreve ele:
«Para este fim [o Visconde da Laguna] entrou em correspondfenria direta com
todos os comandantes, alterando muitas vezes completamente as ordens e disposi(öes decretadas pelo chefe do estado-maior, diminuindo deste modo a autoridade dele e dando motivo para uma insubordinafäo contra ele [ . . . ] . Ο Visconde recusou as queixas do general Brown [. . .], concedendo favores especiais
em relafäo äs ordens que este baixara [. . .j, enfim fazendo tudo para anular a
sua efici&ncia, Representajöes quase näo foram mais aceitas, e satisfajäo por
causa de delitos cometidos em servi^o e de outras maquinaföes injuriosas näo
lhe foi concedida. Ο presidente em Porto Alegre ia ao ponto de querer, num caso
de tentative de assassinato por parte de um sargento, imputar ο general Brown
da autoria. Sem qualquer investigafäo foi acreditado ο que mais fomentava os
interesses de cada um. Tais princfpios contribuiram para criar no exercito um
estado anärquico. Ο nümero dos desertores montava mensalmente a 200, e as
autoridades municipalsqueixavam-seemväodassuas viol&ncias[. . .J.Ogene-
m
) Ibid., p. 227s.
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Carlos Η. Oberacker Jr.
ral Brown, a quem näo fbi dada satisfaf äo nem na sua qualidade de pessoa oficial
nemna sua qualidade de pessoa privada, eoqual[... .] näo sequeria tomarresponsävel de futuras desordens . . .»,
pediu outra vez licen^a para se retirar do ex§rdto com ο pretexto de
que sua familia, residindo entäo em Säo Francisco de Paula, necessitava de sua presenfa.
Oesta vez a licen(a logo foi concedida, deixando Braun em 1° de
maio em companhia do seu ajudante-de-campo, ο capitäo Kerst, ο
exercito. De Säo Francisco de Paula dirigiu ο marechal-de-campo em
30 de maio de 1828 uma carta ao Visconde de Laguna em que solicitava
permissäo de seguir para a Corte 193 . Nesta carta amarga Braun näo
deixou de mencionar todos os aborrecimentos que ο comandanteem-chefe lhe causara:
«Parece que somente sou considerado como quem quer fazer sombra a V. E x '
[. . .]. V. Ex* tem levado esta disposifäo aos extremos de encorajar os meus
subordinados a desobedecerem äs minhas Ordens, a praticar impunemente
qualqueratoinsultanteäminhaautoridade, [. . .]. Näoestouacostumadoaavlltar-me com adula{öes, nem softer insultos de ningu£m, muito menos de V. Ex*,
a quem tenho feito para ο servir os majores esforvos. 194 »
Alias, näo estä bem daro, se Braun solidtou licen^a ao Imperador
(respetivamente ao ministro da Guerra) de seguir para ο Rio. Em todo
ο caso recebeu ordens de D. Pedro para apresentar-se na Corte; pois
da publicagäo do pr6prio marechal Consta que ο Imperador lhe disse
«que somente me mandar retirar do ex^rdto por lhe parecer que eu
näo me dava bem com ο Visconde de Laguna» 195 . Consta mais que Lecor jä antes do empreendimento contra Las Canas solidtara no Rio de
Janeiro a retirada de Braun e näo lhe dera resposta ä sua carta de Pelotas.
No dia 25 de agosto de 1828 Braun chegou ä Corte, onde teve duas
audiencias com ο Imperador que ο convenceram, «de que a minha
conduta näo tinha merecido ο Imperial desagrado»196 . Parece, no en-
Defeat, p.. 292s.
Ibid. - Queixa-se Braun, aliäs, de que at£ a sua familia, que durante a ultima fase
da campanha vivia em Pelotas, fora tratada com »falta de delicadeza« pelo Visconde,
quando este lä se encontrava (Brown, Defeza, p. 213).
" ' ) Ibid., p. 253.
" 6 ) Ibid., p. 248.
,M)
194 )
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Marechal-de-Campo G.H. von Braun
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tanto, que por iniciativa de Lecor e de harmonia com ο ministro da
Guerra197, adversärio de Braun, como sabemos, este se tinha que sujeitar, pela primeira vez na sua carreira militar, a um Conselho de
Guerra. Ο marechal tinha anteriormente a inten^äo de solidtar um
processo militar por sua pröpria iniciativa, mas desistira desta id£ia,
quando viu que ο Imperador ο estimava. Braun foi acusado de ter invadido os poderes do presidente da provincia e a jurisdifäo da Junta
da Fazenda da provincia, de ter tornado medidas para a passagem de
milicianos para a 1" linha198 e de ter aspirado ao comando do ex^rcito
imperial. Para defender-se de acusaföes täo gratuitas, Braun escreveu
e publicou mais tarde a sua Defeza e Relatdrio do Marechal de Campo Gustavo Henrique Brown perante ο Conselho de Guerra. Paula Cidade199
afirma que «as acusaföes que sobre ele [Braun] pesavam eram pueris».
Em todo o caso, justificou-se Braun de um modo brilhante, assim que
ο Conselho de Guerra chegou, em 12 de agosto de 1829, ä seguinte
sentenja200:
«. . . i vista das razöes expedidas e do mais que Consta deste processo, julgam
unanimemente sem culpa ο dito Marechal, näo sö pelo que respeita k sua conduta como Comandante Interino do Ex£rcito do Sul, como pelo que toca aos procedimentos como Chefe do Estado-Maior do mesmo Eic£rcito.»
Esta sentenja foi ratificada pela instäncia superior em 9 de setembro
de 1829.
Jä antes de reabilitado, Braun em 28 de janeiro de 1829201, precisamente quando queria viajar para ο Rio Grande do Sul para ir buscar a
familia, foi nomeado instrutor das tropas de cavalaria daquela provincia, posto que näo veio a ocupar em conseqüencia do processo em que
se tinhä que defender. Reabilitado, föra, porim, em 20 de janeiro de
1830, encarregado do alto cargo de Govemador das Armas da mesma
' " ) Segundo a Testemunha Ocular, Beiträge, p. 266, este ministro era Ben to Barroso
Pereira que «tinha a fama de ser inimigo de todos os estrangeiros, especialmente dos no
exircito».
19S ) Ο que permitia, aliäs, a lei e era, como reconhecia ο proprio Lecor de grande vantagem para ο ex&dto; Brown, Defeza, p. 264.
1W ) Seidler, Dez Anos, p. 159, anotafäo.
20°) Brown, Defeza, p. 252.
201 ) Esta data di ο pröprio Braun, Defeza, p. 248, enquanto que Maciel da Silva, Os
Generais, p. 121, afirma que a nomeafäo se verificou um ano antes, no 28 de junho de
1828, ο que deve ser engano.
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Carlos Η. Oberacker Jr.
provincia, cargo que exerceu ate ao dia lldejaneiro de 1831. Conforme ο artigo 10 da lei de 24 de novembro de 1830 foi demitido, como
muitos outros meritorios militares, somente pelo fato de ser estrangeiro e apesar de ter demonstrado tambem no seu ultimo cargo «por
fatos, as suas qualidades de arrojado chefe, e as preconizadas de emerito guerreiro, conhecedor da <tatica aplicada»>202.
Braun achava, no entanto, que devido a seu emprego vitalicio, prometido por Barbacena, aquele decreto näo ο atingia, solidtando logo,
por este motivo ao governo da Reg&ncia a anulafäo de sua demissäo, a
qual enviou ο seu requerimento ä Cämara dos Deputados. Esta respondia, em 24 de outubro, que cabia ao governo «deferir ao suplicante
a respeito de sua pretensäo sobre ser considerado na excefäo do artigo
10° da lei de 24 de novembro de 1830»203. Ο governo, por^m, nada fez
para reintegrar Braun no exercito, a que tan tos servifos prestara de
maneira que podia escrever de si mesmo na sua Defeza104, que se tinha
« . . . evidentemente provado que desempenhei os deveres de Comandanteem-Chefe do Exercito do Sul [. . .] e os de Chefe de Estado-Maior com honra,
zelo, e atividade; e que, näo obstante a minha qualidade de estrangeiro, me in·
teressei tanto quanto se podia interessar urn bom brasileiro pela causa que defend!, ο que, suposto näo desenvolvesse os talentos de um grande general, näo
me fiz indigno da honra de comandar ο exercito brasileiro».
Braun volta para a Alemanha
Destituido de seu alto cargo que - apesar do pretenso logro por
parte do Visconde de Itabaiana - considerava garantido vitaliciamente
pelo contrato bilateral com ο governo imperial, retirou-se näo para a
Inglaterra que tinha servido durante grande parte de sua vida e aonde
se casara com uma filha da terra, mas sim para a sua terra natal, a
Alemanha, onde fixou residencia na capital do reino da Saxonia,
Dresda. Em 1839, quando a Reg£ncia lutava com s6rias dificuldades
por causa dos movimentos sediciosos e separatistas nas provincias do
Parä, Maranhäo e Rio Grande do Sul, ο governo lembrou-se do mare-
202 ) Maciel da Silva, Os Generais, p. 121, refere-se aqul, por engano, ao cargo de
instrutor de cavalaria que Braun näo chegou a exercer.
" 3 ) Maciel da Silva, Os Generais, p. 122.,
IM) Defeza, p. 248.
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Marechal-de-Campo G.H. von Braun
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chal-de-campo Gustavo Henrique von Braun, convidando-o para
reingressasse no exercito. Braun, por^m, magoado pelo tratamento
que lhe tinham dispensado, näo acudiu ao apelo, e isto talvez por näo
quererem reconhecer os seus diretos adquiridos.
Quando D. Pedro II subiu ao trono, Braun logo dirigiu nova reclamafäo ao governo imperial no sentido de ser reintegrado no seu alto
posto, referindo-se äs condiföes com que fora contratado. Pela imperial resolufäo de 25 de julho de 1846 tal pretensäo foi, porem, indeferida. Braun, no entanto, näo desistiu de seus direitos, repetindo a sua
reivindicafäo. Maciel da Silva205 explica como enfim seguiu a reintegra(äo de von Braun no exercito brasileiro:
«Ouvidos sobre ela [a pretensäo de Braun] ο Conselho Supremo Militär, a
procuradoria geral da coroa, soberania e fazenda nacional, servindo tambim de
argumenta ο parecer da comissäo especial da Clmara dos Deputados de 14 de
setembro de 1828206 que reconheceu ser incontestävel ao marechal Brown ο direito que ele alega e baseia nas disposijöes do contrato porque se empenhou ao
servifo militar do Imp6rio; mais uma vez, detalhadamente debatido, foi ο assunto ao mencionado conselho do Gstado, nada sendo por£m resolvido, por ter
sido sancionada a lei n. 621, de 6 de setembro de 1851, que autorizou ο governo
imperial a mandar Bear sem efeito a demissäo do marechal-de-campo Gustavo
Henrique Brown e reforcna-lo no mesmo posto; ο que foi literalmente executado,
pelo decreto de 8 do referido m6s e ano.»
Assim, enfim, foi feito justifa a um fiel servidor do Brasil, podendo
ele pelo menos passar a sua velhice avan(ada com uma pensäo que ο
Imp&io lhe concedia, pois, segundo uma observafäo de Paula Cidade 207 , Braun chegara a passar privates com a sua grande familia.
Logo apos a reforma, von Braun pediu licen^a para poder continuar
a viver em Dresda na Alemanha, onde veio a falecer em 28 de maio de
1859, na idade de 83 anos. Do diärio do cemiterio da Trindade em
Dresda consta que «ο sr. Gustavus Heinrich von Braun [. . .] marechal-de-campo imperial-brasileiro, cavaleiro de muitas condecoraföes» foi enterrado no tümulo hereditärio familiar daquele cemiterio.
) Maciel da Silva, Os Generais, p. 123.
) Ver um pouco acima, onde menciono de acordo com ο mesmo Maciel da Silva
para ο mesmo parecer a data de 24 de outubro de 1831.
2 0 ? ) Seidler, Dez Anos, p. 137, anotafäo 91.
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Ο MARECHAL-DE-CAMPO GUSTAVO HENRIQUE