ADRIANO PONDÉ HOMENAGEM DOS SEUS EX-ALUNOS NO CENTENÁRIO DO SEU NASCIMENTO 1 COMISSÃO ORGANIZADORA Dra. Anita Guiomar Franco Teixeira Dra. Angelina Maria Pelosi Matos Dr. George Barreto Oliveira REVISÃO Dra. Anita Guiomar Franco Teixeira CAPA Ernesto Oliveira 2 Cabe em nossa memória a recordação daqueles alunos e colaboradores que não estão mais entre nós Alberto de Azevedo Pondé Aldrovando Vasconcelos Arlinda Luzia Veras Boris Lecht Fitterman Carlos Edmundo Chenaud Denakê Rodrigues Philocreon Euvaldo de Araújo Cardoso de Melo Helcio Bessa Herval Bittencourt Horácio Alban Jayme Nunes da Silva José Moreira Ferreira Silvio Raimundo Monsão Simão Lecht Fitterman Walter Amorim Woquiton Teixeira 3 AGRADECIMENTOS Dr. Paulo Gaudenzi Secretário da Cultura e Turismo do Estado da Bahia Dr. Gilson Soares Feitosa Presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia Dr. Mário Sérgio Bacellar Presidente da Soc. Bras. de Cardiologia - secção Bahia Profa. Consuelo Pondé de Sena Presidente do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia Enfa. Maria Ivete Ribeiro de Oliveira Ex-Diretora da Escola de Enfermagem da UFBa Professor Emérito da UFBa Neuza Castro Nutricionista. Presidente da Fundação Cidade Mãe e a todas as Pessoas que, direta e indiretamente, colaboraram conosco tornando realidade as homenagens que prestamos à memória do nosso querido Prof. Dr. ADRIANO DE AZEVEDO PONDÉ, Príncipe dos Cardiologistas Brasileiros, no Centenário de seu Nascimento 26 de Junho de 2001 A Comissão Organizadora 4 Alguns dados Biográficos do Mestre Adriano Pondé Como seus alunos e Assistentes, enaltecemos a figura impar do Prof. Pondé, prestando-lhe esta merecida homenagem e referindo aqui, alguns dos seus dados biográficos: Completou seus estudos pre-vestibulares no Colégio Antonio Vieira, e foi aluno laureado. Em 1923, teve sua colação de grau pela Faculdade de Medicina e, novamente, como aluno laureado, recebendo a Medalha de Ouro Alfredo Brito. 1926 - Apresentou e defendeu tese de doutoramento sobre “Contribuição para o estudo das Aguas minero – medicinais do Itapicuru. 1928 – Tese de Livre Docência, sobre “Em torno da Artéria Pulmonar”, para a Cadeira de Clínica Propedêutica Médica. 1939 - Tese para Professor Catedrático da Clínica Propedêutica Médica sobre “Infarto do Miocárdio” tese esta que o lançou como o Grande Cadiologista. 1945 - Submeteu-se a Concurso de Títulos para transferência para a 1ª Cadeira de Clínica Médica. 1948 - Transferência da 1ª Clínica Médica para o recém inaugurado Hospital das Clínicas. Participou da criação da Escola de Enfermagem. Fundou a Escola de Nutrição da UFBa, elevando-a como a 1ª Escola de Nutrição de nível universitário. 1971 – O Mestre que orientou e ensinou a gerações de médicos, enfermeiras e nutricionistas, que serviu à Universidade como Reitor substituto e, por duas vezes Vice-Reitor, foi aposentado pela compulsória em 26 de junho. Foi alvo de muitas homenagens por serviços prestados da mais alta qualidade e da mais grata admiração. 5 APRESENTAÇÃO Este livro é uma coletânea de memórias afetivas dos alunos e colaboradores de um grande homem que, além de Professor, foi Mestre de muitas gerações. De temperamento alegre, bondoso, compassivo e, ao mesmo tempo, irriquieto e sedento de muito saber, ele era entusiasta pela vida, pela Medicina e, principalmente, pelo quanto poderia fazer ao descortinar novos exames e novas técnicas no tratamento de doenças crônicas. Sua garra era ainda maior quando se aproximava de algo novo, desconhecido, das chamadas “doenças até então por nós ignoradas”. Estamos dedicando este livro à memória de que seus Alunos, Colaboradores, Familiares, Amigos e Funcionários do Prof. Dr. Adriano de Azevedo Pondé, guardam com muito carinho. Salvador, 26 de junho de 2001 Angelina Maria Pelosi Matos Anita Guiomar Franco Teixeira George Barreto de Oliveira Rubem Tabacof 6 Mensagem da Sociedade Brasileira de Cardiologia Até o meado do século passado predominavam as doenças infecciosas, parasitárias e carenciais, como principal causa de óbito no Brasil. Dificilmente ocorreria ao observador comum a idéia da mudança do quadro nosológico nos anos vindouros. Mas, o incremento do tabagismo, uso abusivo de comida industrializada, rica por isso em conservantes salgados e em gordura, o sedentarismo e o advento e massificaçõ de uso do veículo automotor, haveriam de mudar essa perspectiva, trazendonos a epidemia das doenças cardiovasculares degenerativas dos últimos anos. O Professor Adriano Pondé estava entre os visionários que antevinham a necessidade de um enfrentamento organizado do problema e participou da criação da Sociedade Brasileira de Cardiologia dotando, destarte, a comunidade médica, de um fórum que permitisse o desenvolvimento adequado do conhecimento dessa Ciência, e trazendo par a coletividade os benefícios que hoje podemos constatar. O Professor Adriano Pondé terá sempre um lugar relevante na História da Cardiologia Nacional, por essa e outras atitudes. No seu centenário a SBC alia-se com júbilo às comemorações que muito justamente reverenciam a memória do grande mestre. Junho 2001 Gilson Soares Feitosa Presidente da SBC 7 Mensagem da Sociedade Brasileira de Cardiologia Secção Bahia A Sociedade Brasileira de Cardiologia - Secção-Ba. sente-se honrada em participar das homenagens do centenário de tão ilustre baiano. Ao fundar a nossa sociedade e ser o primeiro presidente durante alguns anos, criou uma entidade hoje de grande relevância no meio cardiológico da Bahia e do Brasil,imprimindo-lhe uma força que sentimos presente em nossas atividades até hoje. Seu espírito inovador e criativo tem mantido elevado o nome desta entidade,legando a seus sucessores uma grande responsabilidade perante a comunidade médica do Estado e do País. Pôr onde passou, na Faculdade de Medicina nas cadeiras de Propedêutica e Clínica Médica, no ambulatório de cardiologia do Hospital Santa Izabel, na criação da Escola de Nutrição, como vice-reitor da UFBA, construiu parte importante da nossa história intensamente vivida pelo seu espírito de pessoa genial. A sua presença se faz sentir diariamente no quadro de ex-presidentes da nossa sede, mostrando-nos que a vida dignifica as entidades pelo quanto de doação se lhes pode oferecer. Assim procuramos a cada dia seguirlhes os passos em respeito à sua memória. Junho 2001 Mário Sérgio Bacellar Presidente SBC-BA 8 ÍNDICE Adriana Maria Baptista Pondé - sobrinha ........................................................15 Aída Maria Ramos Costa de Castro – nutricionista 1a turma* ........................36 Almeidina Maciel de Almeida – nutricionista .................................................16 Angelina Maria Pelosi Matos – médica assistente ...........................................17 Anibal Muniz Silvany Filho - médico ..............................................................19 Anita Guiomar Franco Teixeira – interna, médica e assistente........................21 Antonio Carlos Nogueira Britto - médico.........................................................29 Antonio Carlos Peçanha Martins - médico .......................................................33 Assis Fernandes - médico .................................................................................35 Beatriz de Paulo Alfredo – nutricionista 1a turma* .........................................36 Cléa Almeida – nutricionista 1a turma*...........................................................36 Consuelo Pondé de Sena – prima e afilhada ....................................................38 Cremilda Costa de Figueiredo - médica ...........................................................51 Edith Tolentino Vieira – nutricionista 1a turma*.............................................36 Ernane N. A. Gusmão - médico........................................................................55 Ernesto Simões Neto – médico.........................................................................58 Estácio de Lima – (im memoram).....................................................................59 Fernando Costa D’Almeida - médico ...............................................................66 George Alakija - médico...................................................................................68 George Barreto de Oliveira – Prof. Adj. do Dep. de Medicina da UFBa. ........71 Geraldo Milton da Silveira - médico ................................................................73 Hugo S. Maia - médico.....................................................................................75 Ildefonso do Espírito Santo – médico assistente ..............................................78 Irmã Joana Calmon Villas – Boas – 1a enfermeira da 1a Clínica Médica........80 Jacy Rêgo Vieira – interna, médica e assistente ..............................................82 José Antonio de Almeida Souza – médico .......................................................83 Joselina Martins Santos - nutricionista ............................................................86 Lia Regina Valente Vassilatos – nutricionista 1a turma*.................................36 Lúcia Maciel – nutricionista 1a turma*............................................................36 9 Luiz Antônio Costa -- médico ..........................................................................88 Luiz Muylaert de Azevedo - - médico familiar ................................................89 Luiz Ramos de Queiroz – médico e um dos 1o assistentes ...............................90 Margot Lobo Valente - médica.........................................................................92 Maria de Jesus Valente Monteiro - nutricionista .............................................95 Maria Lúcia Pires Santana – nutricionista 1a turma*.......................................36 Maria de Lourdes Rocha Santos Burgos - médica............................................97 Maria Duarte Sepúlveda - enfermeira ..............................................................98 Maria Ivete Ribeiro de Oliveira – enfermeira ..................................................99 Maria José de Oliveira – enfermeira ..............................................................102 Mário Augusto Jorge de Castro Lima - médico..............................................106 Myriam Fraga - poeta.....................................................................................109 Nícia Maria Biscaia – nutricionista 1a turma* .................................................36 Osvaldo Devay de Souza – (in memóriam) ....................................................113 Penildon Silva - médico..................................................................................115 Roberto Figueira Santos - médico ..................................................................119 Rodolfo Teixeira - médico..............................................................................134 Rubem Tabacof - médico ...............................................................................137 Ruy Machado da Silva - médico.....................................................................143 Sergio Santana Filho - médico........................................................................144 Silvio de Alcântara Vieira – médico e assistente............................................147 Sylvio Santos Faria - amigo ...........................................................................148 Yolanda Pondé de Senna – nutricionista 1a turma* .........................................36 * Apresentação Grupal 10 HOMENAGEM AO “DINDO”, MEU TIO ADRIANO Lembro quando criança nas festas em sua casa à Rua Oito de Dezembro quando íamos todos os sobrinhos, pois todos eram seus afilhados e o chamávamos “Dindo”. A noite, quando ele chegava, nos colocávamos à frente do seu velho carro “ OPEL VERDE ” de Placa nº 49 e cantávamos “A LATA VELHA” “A LATA VELHA”. Faziam parte da turma Nininha, Adriana, Gilda, Myriam, Joãozito, Lafayetinho, Jorge e Fernando, Lula e Marita Novis que o chamavam carinhosamente Vô Ano (Vovô Adriano) e Marita Frank. Ele dirigindo com seu sorriso paternal cuidadosamente e vagarosamente para não tocar em nenhum de nós. Dindo: - esta é a lembrança carinhosa, homenagem de sua sobrinha e afilhada Adriana Maria Baptista Pondé 11 O Idealista O ideal do grande mestre Adriano Pondé era o de criar a Escola de Nutrição na Universidade Federal da Bahia. Com a sua brilhante inteligência, já naquela época, tinha a certeza da importância da Nutrição na prevenção e na cura das doenças. Assim, em 1956 com o apoio do Magnifico Reitor Prof. Dr. Edgar Santos e por instância do Prof. Pondé foram dados os primeiros passos para a realização desse sonho. Fui contratada e juntamente com Sônia Moreira Alves de Souza iniciamos, no Hospital das Clinicas, a organização do Serviço de Nutrição e Dietética que serviria de base para a implantação da Escola: o sonho do renomado mestre foi concretizado e para gáudio da Universidade ele a dirigiu por 15 anos. O Prof. Adriano Pondé era um visionário e distinguia-se pelo seu humanismo, ideal de servir, cavalheirismo, trabalho e simplicidade no trato. Acreditava nas pessoas e lutava de forma devotada pela saúde dos menos favorecidos. A 1a Clinica Médica foi a sua trincheira de onde defendeu e lutou pelos princípios da boa medicina. Maio 2001 Almeidina Maciel de Almeida Nutricionista 12 Professor ADRIANO AZEVEDO PONDÉ Fazer um comentário sobre o Professor ADRIANO PONDÉ com quem mantive um convívio de mais de 30 anos de profissão é sempre muito grato à condição de sua aluna, e sua assistente no serviço de 1ª Clínica Médica da UFBA. Reporto-me ao ano de l948, no início do 2º ano médico, quando dois colegas de anos mais avançados estimularam o meu desejo de participar de um serviço no Hospital das Clínicas, onde podíamos encontrar um ensinamento disciplinar muito apurado, por parte do professor, de seus assistentes e dos seus internos doutorandos, tanto que a equipe de alunos de todos as series alcançavam um número superior a 20 estudantes. Daí então o meu convívio diário e permanente com o Prof. Pondé, nas suas aulas, às visitas às enfermarias, onde eram discutidos os prontuários dos pacientes com toda aquela equipe, de estudantes e professores, e com seu grande empenho em estimular a leitura de revistas estrangeiras, de livros didáticos para que sempre permanecêssemos atualizados nos assuntos da Clinica médica e principalmente nos assuntos condizentes com a Cardiologia, sua grande meta. Desse tempo os trabalhos sobre doenças de Chagas, a febre reumática com repercussão nas válvuloplastias, as cardiopatias congênitas e a hipertensão arterial e doença arterial coronariana em seus estudos sobre ateroesclerose. De sua tese sobre infarto do miocardio, o aspecto da prevenção da ateroesclerose das coronariopatias, os estudos sobre os lipídios e as dietas apropriadas. Nesse afã de progredir veio a necessidade de introduzir o estudo da nutrição e com muita garra se empenhou em fundar a Escola de Nutrição, onde vislumbrara o grande avanço que traria à medicina em todos os seus aspectos, incluindo também seu grande papel social e político aos povos de todo o mundo. Assim seguia a trajetória do Prof. Pondé até que instalada a Reforma, Universitária e o limite de idade o fizeram afastar-se da 13 FAMED e de sua 1ª Clinica Médica porem não arrefeceram o animo de servi-la como também à Universidade que sempre tinha contado com seu trabalho, desde a sua participação no Conselho Universitário até ocupar o lugar de Vice Reitor e depois o de Reitor pelo espaço de dois anos, tempo conturbado no cenário político brasileiro e no qual se empenhou com coragem para manter a autonomia do ensino universitário. Fora do convívio universitário, veio a amizade duradoura de nossas famílias, a admiração pelo seu lar onde a presença de dona MARIA DO CARMO trazia harmonia e tranqüilidade ao seu espirito de HOMEM DA MEDICINA E DA CULTURA. Dessa época seus estudos sobre os médicos de Napoleão Bonaparte, o aprofundamento da obra de Proust, com a qual se deliciava. Consultar sua vasta biblioteca, reler o que mais gostava, escrever na sua maquina, ter aulas de inglês ininterruptamente para não esquecer a pratica, já que ele que havia estudado nos livros de língua francesa e alemã, e pudesse acompanhar a evolução da medicina agora sob o domínio da América do Norte, suas anotações em fichário dos artigos que mais lhe interessavam, eram na realidade a ocupação preferida depois do seu consultório. Essa é a pequena trajetória que posso escrever a respeito do Prof. ADRIANO PONDÉ que com a sua privilegiada inteligência, o amor ao estudo, nos deixou como legado o exemplo do seu trabalho desprendido pela medicina e por seu semelhante. Angelina Maria Pelosi Matos 14 VIVÊNCIAS ACADÊMICAS Prof. Adriano Pondé A década de 1940 foi perturbada pelo conflito da chamada 2ª Grande Guerra. Iniciei meu curso de formação médica na vigência das hostilidades. E quase no meado do curso as vi terminar. Foi uma fase de muita turbulência e expectativas, mas que me ajudou a amadurecer. Desde o primeiro ano, apliquei o tempo acadêmico disponível em tarefas voluntárias, de minha própria iniciativa, tentando aprender já ao tempo, um pouco da arte médica. Freqüentei com assiduidade o Laboratório de Histologia, exercitando-me na técnica, confeccionando os preparados para os estudos microscópicos e, depois, parti para as análises laboratoriais clínicas, no velho Hospital Santa Isabel, na época o hospital – escola da Faculdade de Medicina. No final do 2º ano passei a trabalhar, com racional destinação de tempo, na enfermaria S.Vicente e no necrotério, onde iniciei meu preparo como patologista. Com Roberto, Cícero Adolfo e a tutela do Prof. José Olimpio investia no aprendizado da propedêutica e nos difíceis meandros da Clínica Médica. Na mesma enfermaria, à moda da época, alinhavam-se muitos leitos onde pacientes desbonados procuram tratamento. Nesta enfermaria conheci Adriano Pondé. Muito bem apessoado, com óculos brilhantes de lentes espessas, atraia pela simplicidade e serenidade. Todos o tinham em alto conceito, não só pelas atitudes corretas, mas pela competência. Foi, talvez o primeiro especialista. Dedicou-se especialmente a Cardiologia, valorizando o emprego do ECG, largamente. Para os antigos clínicos, formados à moda francesa apegados ao estestoscópio, sinais e “tino clínico”, representava uma revolução. Antecipava-se o mestre ao advento da nova medicina, mais instrumentalizada e factual, que viria assomar no após guerra. 15 Adriano Pondé lia e escrevia inglês e procurava constante atualização. Era, sem dúvida, um comportamento novo na Faculdade, cujos professores, na sua maioria, tinham formação à francesa. Por este fato era considerado por muitos de seus pares, como um inovador. Sempre o apreciei pela modéstia e convicção de seus propósitos acadêmicos. Era um predestinado. Pude o assistir argüindo teses, quando analisava cientificamente o trabalho dos candidatos à vida acadêmica, sempre com muita proficiência e incontestáveis segurança e modernidade. Jamais fui um aproximado do professor. O destino, creio, não nos ensejou, senão, em ocasiões excepcionais, quando manteve a mesma serenidade, correção e lhaneza de trato, que me encantavam. Assisti o seu decaimento físico, o mesmo que me assalta agora. Por certo mereceu justas homenagens, mas, esta, por ocasião do centenário de seu nascimento, parece-me a mais convincente de seu valor, pois partida de seus alunos passados assistentes, delineia, com linhas fortes, o mérito que um Mestre mais deseja-o apreço daqueles a quem ajudou a tornarem-se também Mestres. Anibal Muniz Silvany Filho Prof. Livre de Anatomia Patológica de Histologia e Embriologia da FAMED da UFBA. 16 Em homenagem ao Prof. Adriano de Azevedo Pondé, cabe-me contar uma história que começou em 8 de Maio de 1945 Pela primeira vez, fui ao Hospital Santa Izabel, acompanhada pelo acadêmico de Medicina Luiz M. Azevedo, meu futuro cunhado e primo do Prof. Pondé. Ao me ver, pergunta-me quem sou e o que queria: ‘Falar ao Senhor e solicitar sua permissão para...’ -“Minha filha, hoje não é dia de trabalho. Você não ouviu o rádio? Paris foi libertada pelas Forças Aliadas. HOJE é um dia de festa: terminou a 2ª Guerra Mundial !” E, imediatamente, começou a cantar a Marselheza: Allons enfant de la Patrie... Com a chegada de seus assistentes, Lydia Paraguassú, José Moreira Ferreira, Walter Amorim, nos tornamos um grupo de cantores pouco afinado e improvisado. Enfim, aquele dia que se tornou feriado para toda a Humanidade foi, para mim, a concretização do que esperava do Prof. Pondé - além de ser O Prof. de Cardiologia, era um homem-coração, com um amor tão grande que, como nos falou o Anibal Silvany, “Só quem ama é capaz de ouvir estrelas”. Isto aconteceu em 1945, ano importante na vida do Mestre Adriano e na minha própria vida; estava cursando a 2ª série médica, mas já tinha um aprendizado adquirido no Pronto Socorro do Canela , cuja diretora era irmã prima-freira, que convidou-me a acompanha-la no serviço de orientação a um grupo de auxiliares de enfermagem. Aprendi rápido e sempre que podia ia visitá-la e ajuda-la. Tantas vezes isso aconteceu que fui um dia convidada a instrumentar numa urgência. Após o vestibular, frequentei 17 oficialmente o serviço da Pupileira onde encantei-me com que aprendi em laboratório com Dr. Estácio Gonzaga. O Prof. Pondé ao saber de ‘tantos conhecimentos’ disse-me: “Ainda falta muito para chegar aonde você quer”. Recomendou-me ao Prof. Leocádio como pessoa a ser aceita como estagiária, apesar de ser apenas um segundo anista de Medicina. A re-descoberta da Doença de Chagas, se deu neste ano. Regressando de um Congresso, ele trouxe uns insetos Panstrongilus Megista (barbeiro) e explicou algo ao Prof. Leocádio. Não prestei atenção; eles se revezavam em olhar o microscópio e depois deram por terminada a pesquisa. Falaram que esperavam encontrar o tripanosoma cruzi, mas as lâminas nada mostraram. Dirigiram-se à outra sala e ficaram falando de que devia ter sido encontrado o tripanosoma, pois aquele barbeiro estava infectado. Ouvindo isso, peguei a lâmina e coloquei-a sob o microscópio: e o que vi, me fez falar alto: Professor, venha ver se é isso que está no campo? Vieram apressados e logo confirmaram o achado. Enquanto o Prof. Leocádio percorria outros campos, ele me perguntou: “Em que ano você está?” e, antes de minha resposta, falou: “A partir de agora, você é a minha interna”. E confirmou esta afirmação, dando-me este título no livro que escreveu e indicando meu nome para ser a Interna da 1ª Cl. Médica, de 1947 a 1949. A pesquisa da doença de Chagas em Salvador e em cidades onde ele sabia que havia um profissional seu amigo, explodiu em trabalhos organizados. Casos suspeitos chegavam e eram examinados pelos seus assistentes acima mencionados além de Rubem Tabacof e Luis R.de Queiroz. De início, começamos indo em caravana, aos sábados, a diversos bairros de Salvador, como caronas dele e do Prof. Leocádio. Além deles, a Lydia Paraguassú, Walter Amorim, José Moreira Ferreira e eu. Estacionávamos próximos a casebres e a casas de barro. Após nos apresentarmos como médicos, e explicado o motivo, em geral recebiam-nos de boa vontade e 18 franqueavam nossa entrada para esmiuçar as ‘locas’ onde, de dia, se escondiam os barbeiros. Em algumas casas encontramos sob o colchão barbeiros e, em outras, o percevejo ‘doméstico’... Quanta tristeza sentimos percebendo tanta miséria e sujeira, e doenças decorrentes. Colhíamos os exemplares colocando-os em frasco tipo Nescafé que, após vedados, rotulados com nome e endereço, levávamos ao hospital e o examinávamos sob a orientação supervisão do Prof. Leocádio. Um outro trabalho referente à re-descoberta da doença de Chagas, foi o xenodiagnóstico, exame que usava barbeiros criados no laboratório, chamados de ‘virgens’, isto é, por terem sido criados desde o ovo e considerados não infectados e não infectantes. Esses barbeiros sugavam pacientes cardiopatas, com coração bovino, ou com bloqueio de ramo ao eletrocardiograma, ou por viverem sob o mesmo teto onde, alguém, já havia sido diagnosticado como portador ou doente de Chagas. Neste trabalho, contamos com a ajuda das funcionárias Helena e Creusa, que criavam galinhas para alimentar barbeiros, enquanto não apareciam pacientes- candidatos ao xenodiagnóstico. A fixação de complemento foi inicialmente um trabalho de parceria com o Instituto Manguinhos no Rio de Janeiro. Colhíamos o sangue do paciente, retirávamos o soro, colocávamos em ampolas estéreis, fechávamos a maçarico, acomodávamos em caixa e levávamos pessoalmente à agencia da Varig que levava a seu destino, como cortesia. A apresentação do trabalho de toda a equipe foi destaque no Congresso de Cardiologia. E dele saíram premissas que foram encaminhadas ao Governo Federal e a muitas autoridades em todos os Estados pelos representantes das Sociedades presentes. O perigo do sangue contaminado ser mais uma possibilidade diagnóstica da doença de Chagas, começou a ser motivo de nossas conversas. A internação de uma paciente que veio do Pronto Socorro, onde recebera sangue de mais de 8 doadores e apresentara 19 Insuficiência Renal Aguda. Após sua recuperação, surgiu-lhe febre que perdurou por mais de 42 dias e, re-internada pelo Prof. Pondé com forte suspeita, foi confirmado tratar-se de um caso agudo de doença de Chagas, pós transfusional. Levado à apresentação em duas Sessões Clinicas, divulgada entre os cientistas brasileiros, a paciente continúa gozando boa saúde em 2001, sem apresentar sinais de descompensação. Este fato levou o colega Silvio Monsão a pesquisar quanto tempo vivia o tripanozoma em sangue infectado e em geladeira: mais de 21 dias. O resultado desta pesquisa causou grande impacto no serviço de transfusão de sangue: primeiro, tornou-se uma exigência pesquisar em cada doador tanto quanto à presença de tripanosoma, como realização da fixação de complemento. O sangue positivo estocado era desprezado imediatamente; e o doador era convidado a comparecer ao Serv. Social onde era informado e conscientizado a submeter-se a exames indicados. Acreditamos que foi um grande passo para reduzir a transmissão sanguínea da d. de Chagas; entretanto, quantos doadores ‘aparentemente saudáveis’ foram examinados, diagnósticados apenas...? e sairam sem receber qualquer orientação sobre a continuidade das visitas ao serviço, afim de que qualquer novo conhecimento lhe fosse oferecido. Infelizmente continuamos sem uma política social em saúde, ignorando os sofridos e sofredores. Em alguns poucos pacientes foi usada a Penicilina em alta dose e medicamentos em experiência (Roche AT-2?), cujo uso também não revelou qualquer benefício. Outros estudos feitos em Ribeirão Preto pelo médico bahiano Pedreira de Freitas, que verificou que a adição de solução de azul de metileno ao sangue colhido, como inibidor e destruidor do tripanosoma cruzi. As trocas de informação eram sempre em mão dupla. Com todos estes conhecimentos que tiveram origem da curiosidade, da tenacidade e da ousadia do Prof. Adriano Pondé, tivemos nós seus alunos e auxiliares a oportunidade de sermos capazes de pensar alto e de sonhar com a resolução de certos 20 problemas de saúde que nos deixam ainda atados como parte do terceiro mundo. É preciso garra e entusiasmo pela vida, afim de irmos além do que nos parece ser o necessário. Entusiasta pela vida, o Prof. Pondé ia além do esperado. Ensinou a todos nós a ordem, a organização, o sentido de equipe, a compaixão, a responsabilidade e, muito mais.. Um verdadeiro ‘gentleman’, foi admirado e muito querido por todos nós. Acrescento a seus maiores feitos alguns outros dos quais fui um dos participantes: O primeiro caso de paciente em coma por diabetes mellitus foi internado às 14 horas e todos nós fomos chamados a colaborar. Nada sabíamos sobre tratar um caso como aquele; comunicamos nosso receio em dar cobertura a tal situação. Porém o resultado nos valeu uma grandiosidade de aprendizado. Nós, assistentes e internos, nos revezamos durante 72 horas, enquanto o Prof. Adriano e Prof. Leocádio, nos assessoravam com uma freqüência desejada, em tempo suficiente para irmos creditando a favor de Eremita, a paciente, e de nós, a confiança do conhecimento e da recuperação. Com a necessidade de termos o resultado de exames com a urgência necessária, ele solicitou do chefe de laboratório a permanência de técnicos ‘em torno do relógio’. E o Serv. de Eletrocardiografia nos fornecia o resultado da onda T - ‘expressão impressa, apesar de grosseira, dos níveis de potássio sérico’. Na área da Angiologia, o uso de ‘coquitel’ com novocaina, acetilcolina e antibióticos injetados lentamente por 2 horas, na artéria femural de pacientes com doença vascular obliterante de membros inferiores. Os casos tratados obtiveram alta, sem precisarem da cirurgia. Entretanto o custo x duração do tratamento e benefício, avaliado pelo Prof. Pondé, foi considerado de custo inaccessível. A diálise peritonial, utilizada tanto em pacientes renais, quanto em hepáticos que, muitas vezes apresentavam a insuficiência cardíaca como consequência. 21 A punção – biopsia hepática e renal, e até a punção do miocárdio em época em que apenas o Raio X era um dos grandes avanços na Medicina. Estimulou os hematologistas a realizarem a punção da medula esternal. Como verdadeiro Medico de familiar, ensinava a pacientes cardíacos, como ‘retirar’ o sal da ricota, fazendo verdadeira diálise do alimento. Enfim, tudo que o Prof. Pondé aprendia, procurava ensinar a um maior número de pessoas. Assim pensava ele. Sabia falar com seus pacientes e familiares. Tinha paciência e muito jeito sugerindo e valorizando o ambiente harmônico como peça fundamental na cura. Falava da compaixão que devemos ter com quem está sofrendo, da ajuda que cada um pode dar sem superproteger o paciente, da confiança que cada assistente deveria transmitir. A Escola de Enfermagem teve nele um grande estimulador. As primeiras turmas receberam a informação diretamente do Prof. Pondé; e nós, seus assistentes, o substituimos, quando dedicou parte de seu tempo e trabalho como vice Reitor. 1958: A história da fundação Escola de Nutrição é expressão de um de seus sonhos tornado realidade. Acredito que foi o seu mais arrojado empreendimento, reflexo inconsciente do que visualizara Hipócrates (400 anos a C), quando vaticinou: “Que o alimento seja o teu remédio, e que o remédio seja o teu alimento”. Em 1965, estavam ele e d. Carmem em férias, em Paris, e depois Estados Unidos, quando soubemos que o ensino de Nutrição em todo o Brasil seria considerado de nível médio. Comunicamos a ele este ‘movimento’; logo de imediato decidiu regressar e defendeu veementemente seu interesse em beneficiar a Universidade, considerando o desenvolvimento do estudo de alimentos como Programa de Saúde de valor inestimável. 22 Assim, era ele: “Quem não luta pelos seus direitos não é digno de merece-los”. E o finalmente, como parte desta história: O Prof. Pondé cursou no Colégio Antonio Vieira e foi aluno que recebeu muitos prêmios e, quando se graduou, recebeu a medalha de mérito. Estudou Medicina na nossa ancestral Faculdade de Medicina no Terreiro de Jesus, onde defendeu suas teses de doutoramento e a famosa tese sobre enfarte do miocárdio. Foi nomeado assistente do Prof. Prado Valadares, seu mestre a quem devotava especial carinho. Ocupou a Cadeira de Propedêutica Médica – excelente propedeuta – e depois transferiuse para a 1ª Cadeira de Clínica Médica onde permaneceu até a compulsória. Recém formado, conheceu a jovem carioca Maria do Carmo do Amaral Lebre, que visitava Salvador juntamente com a prima Adelina, (sobrinhas do Almirante Francisco das Neves, Capitão de Portos em Salvador e casado com uma prima da família Pondé). O romance entre eles, Prof. Adriano e d. Carmem, foi selado com breve namoro e casamento no Rio de Janeiro. Quase todos os irmãos e seus Pais estiveram presentes e sempre mantiveram um especial carinho por d. Carmem, a Tatá de Nininha, Yolanda, sobrinhos e afilhados. Para o Prof., D. Carmem, a Madame e, muitas vezes, a Yayá. Viveu e existiu sempre a seu lado como esposa, assessora, secretária, datilógrafa e bibliotecária. As revistas estrangeiras (francesas, alemãs e inglêsas) tinham seus resumos datilografados e ordenados por assunto. Em sua casa e depois em seu apartamento -ambos na Graça-, o enorme quarto de estudo tinha as paredes ‘forradas’ até o teto com estantes cheias de livros e revistas. As principais novidades eram revistas por d. Carmem e os resumos antigos, somados ao mais recente, eram apresentados ao Prof. A ordem em guarda-los, impressionava-me quando ia ajuda-la; muito aprendi com ela.! 23 Por muitos anos d. Carmem participou de Obras Sociais em Salvador que muito contribuiram para a sociedade bahiana. Figura destacada nas rodas sociais, mantinha grandes amizades. Pura fidalguia, era o viver do casal. Recebiam em sua casa amigos, alunos, colegas brasileiros e estrangeiros, com um estilo primoroso. O traço mais importante era o afeto que eles deixavam transparecer, lindo demais, nascido na mocidade, ele já formado em Medicina - o seu Yoyô - e ela, a Grande Mulher que existe por trás de todo Grande Homem. *** Por alguns anos, o Prof. Pondé continuou atendendo em seu consultório, à rua da Ajuda – Ed. Bahia, e em visitas domiciliares, como Médico de Família. Deixou a todos nós um grande legado: seu senso de humor e sua sabedoria, da qual considerava ser ele apenas um canal: distribuía a quem estivesse disponível a aprender, jamais se considerava dono do saber. Um traço marcante de sua auto-estima: admirava sua assinatura como representação de si mesmo. Acreditava que o sobrenome Pondé fosse de origem francesa. Trazia uma forte inclinação por tudo que lhe significasse a França: amava Paris, admirava Proust e freqüentemente expressava-se em francês: “En Medicine comme en amour, on ne dit ni jamais, ni toujours!” Em 4 de junho de 1987, veio a falecer em Salvador – Bahia. Junho, 2001 Profª. Drª. Anita Guiomar Franco Teixeira 24 ADRIANO PONDÉ — LENTE DE MEDICINA E INTELECTUAL Na cidade da Bahia, o sol achava-se no zênite, na quadra canicular. Ao introduzir-me na loja de alfarrábios, regado por camarinhas de suor, fui guiado por um chupista, que evolava, dos beiços, o fumo em espiral do último tabaco ordinário. Encaminheime até a estante onde, em atmosfera asfíxica, miasmando o recinto, falta de luz, com bafio típico de umidade, bolor e fungos, jaziam ancianas obras sobre medicina. Tateante, exumei precioso livro de antanho. Impado de satisfação, olhos ardentes de santificada conjuntivite causada pela poeira em suspensão perlustrei o frontispício do trabalho científico: EXPOSÉ ANALYTIQUE DES PRINCIPAUX TRAVAUX D'ANATOMIE, DE PHYSIOLOGIE D'HYGIÈNE, DE CHIRURGIE, DE MÉDECINE PRATIQUE ET DE LITTÉRATURE PHILOSOPHIQUE DE P. A. PIORRY CHEVALIER DE LA LÉGION D'HONNEUR A L'APPUI DE SA CANDIDATURE A L'ACADÉMIE DES SCIENCES (Section de Médecine et de Chirurgie). A Paris CHEZ J. -B. BAILLIÈRE LIBRAIRE DE L'ACADEMIE IMPÉRIALE DE MÉDECINE Rue Hautefeuille, 19 — 1856 E emocionei-me com a dedicatória lavrada: "Ao caro collega Adriano Pondé como lembrança do seu brilhante concurso — ilegível — Rio, 1939". 25 Adquirido, o livro foi "entronizado" no "altar" da minha modesta biblioteca, ladeando "A Oração do Paraninfo" - Prof. Adriano de Azevedo Pondé - Discurso proferido na solenidade da colação de grau dos doutorandos em Medicina (125.ª turma), a 19 de dezembro de 1945; "Discursos na Academia" - Adriano Pondé e Zitelmann de Oliva; Revista da Academia de Letras da Bahia Volume XXIII - 1973/1974, onde estão lavrados os magníficos trabalhos do mestre Adriano Pondé em derredor de Marcel Proust: "A doença e os últimos dias de Marcel Proust" e "Marcel Proust: Asma e Estilo"; "Discurso de saudação proferido pelo Acadêmico, Professor Plínio Garcez de Sena, em 20 de setembro de 1977", durante a posse do professor Adriano de Azevedo Pondé na Academia de Medicina da Bahia; Dr. João Pondé Filho "Syndrome Iliaca Direita - These Inaugural - Approvada com distincção - Cadeira de Clinica Cirurgica - 1925". Miro com muito carinho, postados ao lado das sobreditas obras: Sóror Mariana "Cartas de Amor ao Cavaleiro de Chamilly" - D. Francisco Manuel de Mélo - "Carta de Guia de Casados" - "Pela Terra Alheia" (2 volumes) e "Ultimas Farpas", de Ramalho Ortigão. Os ditos livros de lusos autores são extremamente valorizados e enriquecidos pelo fato de conterem o autógrafo do inesquecível Adriano Pondé, com sua característica de caligrafia cursiva, de belo efeito estético, traçada de modo corrente. No Hospital das Clínicas, na bela e organizada enfermaria da 1ª Cadeira de Clínica Médica, sob a égide do ilustre e ilustrado mestre Pondé, encontrava-me a examinar, um tanto acanhado, o precórdio de um sertanejo que enfermara de moléstia do coração. No claustral sossego do acolhedor e asseado cômodo amplo, destinado ao tratamento dos padecentes, imaginando-me inteiramente só, cismativo, buscava decifrar, solilóquio, os enigmáticos enunciados de autoria do professor Prado Valladares, tais como: “Cronognose de um sopro cardiaco: criterio da coincidencia esfigmica, critério da análise do tom livre”. – “Sopros cardiacos: nova tentativa taxonômica”. – “Sopro circular de Miguel Couto” e “Sopro cormico de Garcez Fróes: analise destas especies semiotecnicas à luz das leis de propagação” – “Eletividade cardiosinistra das lesões adquiridas: uma conjectura patogenica". "Galope auricular e galope ventricular: definição destas especies pela traqueo-broncofonese de Eteocles Gomes”. 26 Subitâneo, tive o pressentimento que alguém se encontrava atrás de mim, observando-me e atentando para as minhas conjeturas, vagas e confusas, ante o desconfiado olhar do paciente interiorano. Voltei-me, e lá estava o notável professor, de olhar plácido por detrás de óculos de grossa armação e hastes, refulgindo de seu arcangélico semblante um terno sorriso. Blandíloquo, à luz da moderna ciência da cardiologia ensinou-me os conceitos atuais cotejados com os preceitos do grande Prado Valladares, ele, que com suas mãos iniciou o magnífico Adriano Pondé no magistério médico, conforme é reconhecido no seu discurso, no ensejo da posse na Academia de Letras da Bahia. Ao lado de Adriano Pondé, seus assistentes davam alma e energia, além de singular encantamento aos estudantes que freqüentavam a Clínica Médica - 1ª Cadeira. Os estudantes testemunhavam a virtude da exemplar atuação didática e inexcedível proficiência dos jovens professores Anita G. Franco Teixeira, Angelina Pelosi, Antonio Ferreira Lima, Alberto Pondé e Elias Cheade. Na minha timidez, própria de um tabaréu, sentei-me na última fila do Salão Nobre da imortal Faculdade de Medicina da Bahia, para haurir prazerosamente o discurso que seria recitado pelo professor Adriano Pondé na sua oração de posse em a noite de 5 de maio de 1970. Emocionou-me, deveras, a sua assertiva, bastante atual: "A MEDICINA NÃO SE DESUMANIZARÁ" — e valendo-me do seu discurso escrito, relembro-me, lendo-o: "Os progressos da Ciência transformaram profundamente a Medicina em seus métodos de exame e de pesquisa, porém não lhe modificaram as nobres inspirações que a animam e divinizam"... "A natureza espiritual confere dignidade à pessoa humana, que deverá ser respeitada e preservada na defesa de seus direitos essenciais e imperecíveis."... "A Medicina não se desumanizará. Porque o homem continuará a ser, em qualquer tempo, o metro de todas as coisas. Uma vida poderá nada valer — nem sequer valer a pena de viver — mas, nada haverá no mundo que valha uma vida."... "A tecnologia nos transporta a surpresas fascinantes nos domínios da Medicina! Desde a corrida para o transplante dos órgãos, até o prodígio de máquinas eletrônicas que apresentarão o diagnóstico em tempo mínimo e com toda a exatidão... Ah! as maravilhas da informática nos domínios da clínica!"... "A técnica, todavia, não é uma finalidade: é o resultado humano. Falta-lhe a 27 alma... Falta-lhe a primazia do sentimento... o "pathos", — que tanto domina a razão, como a vontade."... O Jornal do Cremeb em agosto e setembro - Nº 82 e outubro Nº 83, publicou trabalhos inéditos, de minha autoria, frutos de fontes primárias, com o título "Banhos nas agoas thermaes da Mai d'Agoa do Sipó" - (1831 a 1874). Antes da pesquisa ir para a prensa, mestre Jesuino Netto, suspensa a sessão do Instituto Bahiano de História da Medicina, recomendou-me a leitura da tese inaugural de Adriano Pondé, defendida em 1923, versando sobre as águas do Itapicurú. Estudei-a, de imediato, atento. Magnífico e atual trabalho do doutorando Adriano Pondé, intitulado "Contribuição para o estudo das águas minero-medicinaes do Itapicurú". No lutuoso 4 de junho de 1987, a morte de Adriano Pondé fez um vácuo na medicina nacional. É impossível avaliar a catadupa de lágrimas que a saudade o velou, o pranto com que o reconhecimento o consagrou, o crepe do sentido luto com que a sociedade baiana e a classe médica o envolveram nas manifestações eloqüentíssimas da gratidão da Bahia, pois Adriano de Azevedo Pondé, que tão nobremente serviu a Medicina, ilustrou a Bahia lacrimosa, que ainda hoje chora por ele, vertendo lágrimas da mais acrisolada saudade, que é graça que suaviza, desafogo que liberta e ternura que balsamiza. O professor Adriano de Azevedo Pondé, dignificou a minha turma de médicos de 1960, graduados pela Faculdade de Medicina da Universidade da Bahia, ocupando no tradicional álbum e no coração de cada um dos formados a merecida homenagem de Honra ao Mérito. Antonio Carlos Nogueira Britto* * Vice-Presidente do Instituto Bahiano de História da Medicina. 28 Professor Adriano Pondé: uma lembrança No ano em que se comemora o centenário de nascimento do saudoso Professor Adriano Pondé, achei oportuno prestar esse depoimento no que tange a sua imágem de professor, sem detalhar o seu extenso currículo, que certamente será melhor abordado por seus colaboradores, mas enfocando as suas qualidades de médico obstinado e de mestre. Na Faculdade, mantivemos contato, quando era estudante do quarto ano médico, passando pela 1ª cadeira de clínica médica, e depois como docente. Lembro-me muito bem daquele professor de fala mansa, distinto, sempre sorridente, e assíduo na sua enfermaria. Nesta, estavam sempre em sua companhia, as suas fiéis assistentes, as Dras Angelina Pelosi e Anita Teixeira, que juntamente com o seu sobrinho Dr João de Souza Pondé Neto, tocavam o serviço. No ambulatório, lá estavam os Drs Renato Senna e Jorge Leocádio, todos com atividades no curso de graduação, que lamentavelmente, hoje está sendo cada vez mais esquecido. Era um professor atuante, cumpridor dos seus deveres, sempre solícito, muito embora não fosse homem de cobranças exigentes.Delegava-as assim, às Dras Anita e Angelina.Entretanto, o que mais me marcou na sua vida, era o seu grande amor e obcessão pelo exercício profissional.Possuidor de uma clínica particular invejável na época, era de uma dedicação extrema aos seus clientes, com horário de entrada, mas sem hora de saida.Atendia a todos com o mesmo humor, sempre com uma palavra de conforto, e jamais se negando aos atendimentos domiciliares,muito comuns naquela época. Viveu assim intensamente a sua profissão, enquanto teve forças. Dou o meu testemunho desse desempenho, diante do seu comportamento na enfermidade da minha mãe, quando presenciei as suas lágrimas de emoção no seu falecimento precoce.Naquela ocasião, eu era um 29 adolescente de quinze anos que nunca tinha visto um médico chorar. A partir daí, passei a amar a minha profissão. Após esse episódio, continuou médico de meu pai, seu fraternal amigo e colega, ainda por muitos anos. Por tudo isso, nào poderia deixar de prestar-lhe essa homenágem por um preito de gratidão a um grande mestre, introdutor da cardiologia na Bahia, médico por excelência e admirável figura humana. Antonio Carlos Peçanha Martins 30 Professor Dr. ADRIANO DE AZEVEDO PONDÉ Freqüentei a 1ª Clínica Médica do Hospital Escola (Hospital da Clínicas) do 2º ao 6º ano de medicina, onde tive a honra de conhecer e conviver com o ilustre e saudoso Professor Adriano Pondé. Fidalgo no trato com seus assistentes, seus discípulos e de modo muito especial com seus pacientes. Inteligência, cultura, dedicação e modestia. Além de médico e professor, foi também líder da classe médica. Um dos fundadores da ABM – Associação Bahiana de Medicina., em outubro de 1942, fazendo parte da Diretoria na condição de Vice-Presidente, tornando-se seu Presidente no mandato imediato. Já na década de 70, quando fui Presidente da ABM, havendo cumprido dois mandatos, tive a honra de contar com a visita, quase mensal, aos sábados pela manhã, do ilustre Professor com quem trocávamos ideias sobre as ocorrências Medico-Sociais da época. O nome do PROFESSOR ADRIANO DE AZEVEDO PONDÉ honra e dignifica a Medicina e a Bahia. Assis Fernandes Médico 31 Quem foi Dr. ADRIANO PONDÉ para a Escola de Nutrição da Universidade Federal da Bahia? Como professor Catedrático de Clínica Médica no Hospital das Clínicas, sentiu a necessidade de ampliar os recursos médicos, para exercício imediato na área de Dietoterapia, como já existentes no Sul do País e para tanto não poupou esforços para a criação da nossa Escola de Nutrição. A dedicação e o entusiasmo desse reconhecido estudioso médico humanista, também especialista em Cardiologia, colocaram todo o seu coração a serviço do objetivo a que se propôs. A responsabilidade de formar profissionais habilitados levou-o a escolher, nas diversas Unidades Universitárias, entre os professores, o melhor dos melhores e que partilhavam com ele o mesmo ideal. Fundador, Diretor e Coordenador, com seu dinamismo trouxe à Escola, nutricionistas de comprovada habilitação para desenvolverem a parte prática. No contato diário na Escola passou seu entusiasmo a um pequeno grupo integrante da 1ª Turma, que no decorrer dos anos de estudo atuou em Hospitais e clínicas de Cidade, bem como em comunidades carentes nos arredores, despertando para as desigualdades sociais. O pioneirismo do mestre em perceber a importância da nutrição no tratamento das doenças geneticamente correlacionadas, tais como obesidade, diabetes e doenças cardíacas foi o mais marcante e significativo aspecto ao criar a Escola de Nutrição de Universidade da Bahia. Hoje, esta homenagem de seus diletos discípulos em diversas áreas da medicina, à qual nos associamos, na passagem de seu centenário de nascimento, mantém vivos em nossa memória, os 32 anos que enriquecemos com o seu convívio e registramos a sua figura entusiasta, tranqüila e fidalga, que nos deixou como mestre, marcante exemplo de espírito universitário. Disse Bertold Brecht: “Há homens que lutam um dia e são bons. Há outros que lutam um ano e são melhores. Há aqueles que lutam muitos anos e são muito bons. Mas há os que lutam a vida toda. Esses são imprescindíveis.” Nós alunas de 1ª Turma da Escola de Nutrição da Universidade Federal da Bahia vemos o emérito Professor ADRIANO DE AZEVEDO PONDÉ no patamar dos imprescindíveis. Beatriz de Paulo Alfredo Lia Regina Valente Vassilatos Edith Tolentino Vieira Cléa Almeida Lúcia Maciel Maria Lúcia Pires Santana Nícia Maria Biscaia Aída Maria Ramos Costa de Castro Yolanda Pondé Senna 33 Homenagem a Adriano Pondé, meu padrinho Tem-se constituído em curiosidade para mim verificar que os jovens de hoje quase nada sabem a respeito de sua ascendência. Quando muito recuam às informações sobre os avós, desconhecendo as raízes mais antigas de sua progênie. Quanto a mim, sempre tive o interesse em conhecer os meus ancestrais, além de cultivar o convívio com os parentes de ontem e de hoje, gosto este que herdei, certamente, de meu pai, Edístio Pondé. Foi, pois, com satisfação, que recebi o honroso convite para participar deste livro de memória em homenagem ao saudoso Mestre da Cardiologia Baiana, Prof. Adriano Pondé. É que a Adriano Pondé estou ligada por estreitos laços de parentesco e amizade, razão pela qual não posso furtar-me a esse indeclinável dever. Isto porque, era ele primo carnal de meu pai e, consequentemente, meu primo em segundo grau. Além disso, por ele e por sua esposa, Maria do Carmo Lèbre Pondé, fui levada à pia batismal, na Igreja de São Pedro, poucos anos após o meu nascimento, em data que não sei precisar. Ambos substituíram o casal – Adriana – João de Souza Pondé, ele conceituado clínico nesta capital, falecido a 14 de setembro de 1934, os quais haviam meus pais escolhidos como patronos do meu ingresso na Igreja Católica Apostólica Romana. A morte, entretanto, não permitiu a consubstanciação desse convite, tendo tia Adriana, após a morte do marido, sugerido que o compadrio fosse transferido para o filho mais velho e sua mulher. Até quanto foi possível ao genealogista Everaldo Pedreira Rocha localizar, em suas pesquisas, a família Souza Pondé, teve origem no Capitão Antonio José de Souza Mendonça que, no início 34 do século XIX, residia na freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Aporá, município de Inhambupe. Casado com Maria do Nascimento Dórea, faleceram ambos antes de 1853. Desse consórcio nasceram onze filhos: 1) Inácio Mendes de Souza Periquito. 2)Maria Rita de São Félix. 3) Cap. Pedro Nolasco de Souza. 4)Joana Bernardina de Souza. 5) José Joaquim de Santana. 6) Carlos Antonio de Souza. 7) Cap. Antonio José de Souza. 8) Cap. Francisco Xavier de Souza Pondé. 9) Maria Procópia Teles de Menezes. 10) Carlota Joaquina do Amor Divino. 11) Ana Porcina de Menezes. Do oitavo filho do casal, portanto, o único que teria Pondé no seu sobrenome, Francisco Xavier Souza Pondé, procedem diretamente todos os Pondés. DESCENDÊNCIA DE FRANCISCO XAVIER DE SOUZA PONDÉ Nasceu Francisco Xavier de Souza Pondé em Itapicuru, falecendo na mesma localidade em 1878. Tendo sido proprietário de uma fazenda em Santa Cruz do Gangu, em Itapicuru, e senhor de engenho no Conde, casou-se, na matriz de Nossa Senhora da Conceição do Aporá, a 6 de fevereiro de 1825, com sua prima em 4o grau, Ana Joaquina de Souza Pondé, filha do Capitão Gonçalo de Souza Ormundo e de Angela Patrícia de Menezes. Dessa união nasceram 12 filhos: João Joaquim de Souza Pondé, Pedro Faustino de Souza Pondé, Carolina Pondé Mendes da Silva, Minervina Francisca Pondé de Oliveira, Maria Ernestina Pondé de Mendonça, Gonçalo Aprigio de Souza Pondé, Joaquim Maturino de Souza Pondé, Manoel Dultra de Souza Pondé, José Raimundo de Souza Pondé, Antonia Laudelina Pondé de Melo, João Maria de Souza Pondé e Antonio de Souza Pondé. O segundo filho do casal, Pedro Faustino de Souza Pondé, que se casou com sua prima em 3o grau, Oliva Baptista Pondé, deu origem ao ramo ao qual pertenço, sendo seus filhos: Ezequiel de Souza Pondé, Pedro Faustino de Souza Pondé, João de Souza Pondé, José de Souza Pondé, Francisco de Souza Pondé e Maria de Souza Pondé, esta última falecida em abril de 1884, com apenas sete dias de nascida. 35 Sobre Pedro Faustino de Souza Pondé, conhecido como Donzinho, e sua mulher, assim escreveu o líder político Severino Vieira, nas páginas do Diário da Bahia: “Conheci os pais do Dr. Pondé. Dois santos. Os sertanejos vizinhos, quando passavam em frente da casa da fazenda, descobriram-se como diante de um templo. Os filhos todos os continuaram. A árvore sarada floresceu e se perpetuou em frutos de perfeição. Ele fez da ciência um apostolado de altruísmo (referia-se a João Pondé). E quanto aos seus irmãos foram, como ele, uma geração insigne de magistrados e médicos: “Ezequiel, o mais velho, membro egrégio dos superiores tribunais do Estado, destacando-se pelo saber e pela sisudez ao lado de Felinto Bastos, de Chico Alexandre, de Pedro Ribeiro e outros vultos. Pedro Faustino, herdeiro do nome e do espírito paternos, consagrado por toda a Bahia, através uma benemérita carreira, como o “bom juíz”, José, o procurado oftalmologista, Francisco, clínico e docente livre da Faculdade de Medicina do Pará, do mesmo modo especializado em estudos no Velho Continente”. Dado o grande interesse que Adriano nutria pelas origens da sua família, em sua homenagem, valho-me de algumas informações extraídas do trabalho inédito do genealogista Everaldo Rocha sobre a família Souza Pondé, a ser proximamente editado, e de outras publicações relacionadas na bibliografia consultada. Por ordem cronológica, cabe-me fazer referência inicial a Ezequiel de Souza Pondé, a quem os familiares tratavam de tio Pondé, nascido em Itapicuru (Ba) a 8 de agosto de 1866 e falecido em Salvador a 10 de dezembro de 1942. Tendo-se diplomado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito do Recife, em 1887, iniciou sua vida profissional como promotor público de Monte Santo. Em seguida, foi Juiz Municipal de Tucano, de onde foi removido para Inhambupe, tendo sido nomeado juiz de direito daquela Comarca em 1892. Transferiu-se depois para Alagoinhas, onde funcionou em 1898, tendo sido removido para a capital, onde passou a atuar na Vara de Comércio. Alcançou o ápice da carreira ao ser nomeado desembargador do Tribunal de Apelação e Revista. Ocupou a vice presidência do Tribunal de Justiça e a Presidência do Tribunal Regional Eleitoral, de onde foi o primeiro titular. Casou-se com sua prima em 2o grau Maria de Oliveira Pondé, “tia Pequena”, filha do major Faustino de Paula Oliveira e Minervina Francisca de Souza. Em seu livro Caminhos de um Magistrado, Adalício Coelho Nogueira assim o definiu: “Ezequiel Pondé foi uma organização 36 inteiriça de magistrado. Sobravam-lhe integridade e consciência escrupulosa”. Do mesmo parente, Adalício Nogueira são ainda, as seguintes palavras sobre o velho Ezequiel: “A ascendência que ele exercia no círculo familiar tinha um cunho verdadeiramente patriarcal. Os parentes ouviram-no, e respeitavam-no. As suas opiniões eram dogmas. O escrúpulo que impregnavam as suas atitudes era um modelo digno de imitar-se. A compostura que lhe exornava o comportamento impunha-se a todos, como o reflexo de sua inteireza moral”. Lembro-me de ter freqüentado a sua casa, situada na Ladeira da Independência no 7, avivando-me a lembrança de sua figura imponente, do seu trajar impecável, suas polainas que tanto me causavam estranheza. Em casa, sempre ouvira meu pai dizer que tio Pondé era um magistrado incorruptível, dono de uma inteligência luminosa, uma personalidade marcante a qual todos reverenciavam. Para nós, descendentes de Pedro Pondé, o Bom Juiz, seu irmão amado, era tio Pondé o oráculo e o guia, a quem meu avô no leito de morte confiara a família. Impressionava pela retidão de caráter e sobretudo, para nós, os pequenos, por suportar estoicamente o temperamento ácido de sua mulher, tia Pequena. O casal não deixou descendência. O segundo filho do casal, meu avô, era Pedro Faustino de Souza Pondé, nascido em Itapicuru (Ba), a 12 de fevereiro 1870, viveu apenas 54 anos, tendo falecido nesta capital, a 25 de abril de 1925. Bacharelando-se em direito pela Faculdade do Recife, em 1890, foi promotor público de Juazeiro (1891), juiz preparador do termo de Paripiranga, ex-Patrocínio do Coité (1853) e de Irará (1897), Juiz de direito das comarcas de Cícero Dantas e ex-Bom Conselho (1898), de Inhambupe (1900), de Amargosa (1914), de Cachoeira, de Alagoinhas (1923) e da Vara de Órfãos e Ausentes, na capital baiana (1926). Casou-se em Aporá (Inhambupe) com sua prima em 2o grau, Vitalina Mendes Pondé, no dia 28 de junho de 1892. Era ela filha do capitão Antonio Mendes da Silva, senhor do engenho Cipó em Inhambupe e de Carolina de Oliveira Pondé. Desse casamento nasceram 17 filhos: Maria do Patrocínio Pondé (Cotinha), Ezequiel Pondé Sobrinho, Antonio Mendes Pondé, Edgard Pondé, Palmira Mendes Pondé, Edístio Pondé, Mário Pondé, José Pondé Sobrinho, Maria do Carmo Mendes Pondé, Nelson Pondé, Francisco Pondé Sobrinho, Jaime Pondé, João Pondé Sobrinho, Maria Dolores Pondé Peixoto e Clóvis Pondé. 37 Sobre meu avô, acerca de quem tenho escrito muitas vezes, confessei certa feita não saber defini-lo – se um juiz ou um santo. Cognominado “O Bom Juiz”, era um temperamento sóbrio e sereno, de uma suavidade incomum, que inspirava confiança e respeito. A seu respeito, entre outras palavras, escreveu Adalício Nogueira: “Eu o vi, por vezes, na austera presidência dos atos judiciais. A minha retina infantil fixou o quadro daquela imponência que não pecava pela excessiva rigidez da severidade. A inflexibilidade do seu temperamento de juiz não tinha a dureza agressiva das almas frias, porque se impregnava dos influxos de um coração bem formado. Era justo e bom. Era um misto de energia e mansidão”. Ventre bendito o da bisavó Oliva, que gerou cinco figuras estelares da Bahia, abençoado seio cuja seiva vital alimentou bocas sequiosas de justiça e de bem. Braços sertanejos e carinhosos que embalaram o sono daqueles que honrariam a sua terra e a sua gente, tornando-se paradigmas das virtudes humanas em nosso meio. O terceiro filho do casal de sertanejos era, precisamente, João de Souza Pondé, que nasceu em Itapicuru (Ba) a 2 de julho de 1874, tendo falecido em Salvador em 14 de setembro de 1934. Ingressou no Seminário de Salvador, mas abandonou a carreira religiosa para a qual não se sentia vocacionado. Matriculou-se na Faculdade de Medicina da Bahia, diplomando-se em 14 de dezembro de 1897. Inicialmente, exerceu a profissão em Cruz das Palmeiras (SP) e Madalena (RJ). Regressando à Bahia, residiu por pouco tempo em Lençóis(Ba), médico do serviço de Profilaxia da Peste Bubônica, médico do Hospital de Isolamento, médico e diretor do Laboratório Municipal de Análises Química e Bromatológica (1914), professor livre de higiene da Faculdade de Medicina (1912). Como estudante do 6o ano de Medicina, trabalhara nos hospitais de sangue da Campanha de Canudos, tendo, inclusive, ido ao teatro da guerra, onde lhe foi destinada a missão de reconhecer o corpo do beato Antonio Conselheiro, a quem, segundo consta, havia conhecido quando criança em Itapicuru. João de Souza Pondé casou-se a 8 de setembro de 1900 com Adriana Maria Daltro de Azevedo, nascida em 8 de setembro de 1876 e falecida, em Salvador, a 9 de julho de 1962. Adriana Maria era filha de Antonio Martins de Azevedo Júnior e de Maria Amélia Daltro de Azevedo, neta paterna de Antonio Martins de Azevedo e de Leopoldina Azevedo, e materna de José Cerqueira Daltro e de Joana Augusta 38 Guimarães Daltro. Desse consórcio nasceram os seguintes filhos: Adriano de Azevedo Pondé, João de Azevedo Pondé, Bernadete de Azevedo Pondé, Francisca de Paula de Azevedo Pondé, Lafayette de Azevedo Pondé, Jaime de Azevedo Pondé, Beatriz Pondé de Castro Lima, Regina Pondé Falcão e Alberto de Azevedo Pondé. Adriano de Azevedo Pondé nasceu em Salvador a 26 de junho de 1901, tendo falecido na mesma cidade a 4 de junho de 1987. Diplomado em medicina pela Faculdade da Bahia, em 1923, foi assistente de clínica propedêutica de 1925 a 1938, assistente do Instituto Osvaldo Cruz (19251938), Chefe do Serviço de Radiologia do Hospital Português (19331938), docente livre de clínica propedêutica médica (1928), catedrático de clínica propedêutica (1939-1971), vice-reitor da UFBA, professor emérito da Faculdade de Medicina, membro da Academia de Letras da Bahia e presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Era sócio efetivo de IGHB, que hoje presido. Casou-se em 30 de setembro de 1921 com Maria do Carmo do Amaral Lebre e Azevedo Pondé, nascida no Rio de Janeiro e falecida em Salvador a 7 de março de 1990, de cuja união não houve descendentes. João de Souza Pondé Filho nasceu em Salvador, a 5 de novembro de 1902, diplomou-se em medicina em 1925, tendo-se casado com Dagmar Vaz Baptista filha de Elizeu de Assis Baptista e Anisia Vaz de Assis Baptista, desse consórcio nasceu a única filha Adriana Maria Baptista Pondé. Maria Bernadete Pondé de Senna nascida em Salvador a 17 de março de 1904 e falecida em 11 de dezembro de 1982. Casou-se em 1924 com o Engenheiro Civil José Soares Senna, que lecionou na Faculdade de Ciências Econômicas, foi diretor de Construções e Máquinas da Prefeitura de Salvador e faleceu em 1939, deixando duas filhas: Yolanda Pondé de Senna, nascida em Salvador, licenciada em Geografia e História e em Nutrição pela UFBA e Maria do Carmo Pondé de Senna Adeodato de Souza, Nininha, como é tratada na intimidade, nascida em Salvador, no dia 4 de março de 1939 nutricionista pela UFBA. Casou-se em Salvador, na igreja de São Francisco em 10 de agosto de 1963, com José Adeodato de Souza Neto, químico industrial, filho de José Adeodato de Souza Filho e Dionea Carneiro Adeodato de Souza, com os seguintes filhos: Cláudia Pondé de Senna Adeodato de Souza, nascida em 17 de outubro de 1964 e Adriano José Pondé de Senna Adeodato de Souza. 39 Francisco de Paula de Azevedo Pondé (Chiquito), nasceu em Salvador no dia 6 de agosto de 1905. Fez os cursos primário e secundário em Salvador, ingressando na Escola Militar de Realengo a 12 de março de 1923, foi declarado aspirante a oficial da Arma de Artilharia em 30 de dezembro de 1935. Tornou-se engenheiro militar, após curso no TME, em 1939, fazendo brilhante carreira no Exército Brasileiro, onde alcançou o generalato, como general-de-brigada a 25 de março de 1956 e general de divisão em 1959. Casou-se com Dulce do Amaral Lebre Pondé, sendo seus filhos Leda Maria Pondé de Serra, arquiteta, que se casou com Teodomiro Serra Filho, também militar, em 25 de agosto de 1957, tendo o casal os seguintes filhos: Paulo Nei Pondé Serra, Luiz Carlos Pondé Serra, Sérgio Luiz Pondé Serra e Dulce Adriana Pondé Serra. Francisco Nei Lebre Pondé, nascido no Rio de Janeiro, engenheiro civil, casou-se com Neide Cerqueira Pondé, sendo pais de Carlos Nei Pondé e Tânia Lúcia Pondé. Lafayette de Azevedo Pondé, nascido a 12 de março de 1907, bacharel em direito pela Faculdade da Bahia (1929). Promotor público das comarcas de Remanso, Santo Amaro, Maragogipe e Alagoinhas. Foi procurador geral do Estado (1935-1938), secretário do Interior e Justiça no governo Landulfo Alves (1938-1942), conselheiro do Tribunal de Contas (1940-1957), professor de direito público internacional da Faculdade de Ciências Econômica, professor de Política da Faculdade de Filosoofia, professor de direito administrativo da Faculdade de Direito, diretor da Escola de Administração, reitor da Universidade Federal da Bahia, presidente do Conselho Federal de Educação, sócio fundador do Instituto de Economia e Finanças da Bahia, conselheiro da Ordem dos Advogados, Presidente da Academia de Letras Jurídicas da Bahia, membro da Academia Bahiana de Educação. Casou-se com Lourdes Margarida Vaz Porto e Azevedo Pondé, sendo pais de João de Souza Pondé Neto, Gilda Maria Pondé Bastianetti e Lafayette de Azevedo Pondé Filho. Jaime de Azevedo Pondé, nasceu em Salvador a 12 de outubro de 1912. Após os cursos primário e secundário feitos na Bahia, ingressou na Marinha, alcançando o Almirantado. Foi comandante do Distrito Naval de Belém do Pará. Casou-se com Helena Fialho, sendo pais de Roberto Fialho Pondé, Lígia Maria Pondé Vassalo e Glória Maria Fialho Pondé. Beatriz Pondé de Castro Lima, nasceu em Salvador, em 10 de novembro de 1910, casou-se com Orlando de Castro Lima, também 40 nascido em Salvador, em 20 de agosto de 1907, médico, diretor da Escola Baiana de Medicina e Saúde Pública, nascido em Salvador. e falecido a 28 de março de 1988. Era filho de César de Castro Lima e de Leonor Damásio de Castro Lima, sendo pais de Myriam Castro Lima Fraga. Myriam Fraga é a diretora executiva da Fundação Casa de Jorge Amado. Escritora, pertence à Academia de Letras da Bahia. Casou-se com Carlos Fraga, filho de Albérico Pereira Fraga e Odete Basto Fraga. Regina Pondé Falcão nascida em Salvador, em 16 de agosto de 1912, casou-se com Pedro de Cerqueira Falcão, que se diplomou em medicina pela Faculdade da Bahia, em 1929. Pedro Falcão especializouse em oftalmologia e transferiu-se para São Paulo, onde se fixou e exerceu a profissão tendo feito parte da Academia de Medicina local. Nascido em Salvador e falecido em São Paulo a 22 de junho de 1994, era filho do conselheiro Teófilo Borges Falcão e de Maria das Dores Falcão. O casal não teve descendência. O último filho do casal João de Souza Pondé e Adriana de Azevedo Pondé era Alberto de Azevedo Pondé, nascido a 8 de setembro de 1915 e falecido a 24 de junho de 1978. Diplomou-se em Medicina. Foi professor assistente da Faculdade de Medicina da UFBA e radiologista do Hospital Português. Casou-se com Antonietta Ballalai Alves Pondé, nascida em Salvador, filha de Fernando Ballalai Alves e Alzira de Carvalho Alves, tendo o casal um filho, Jorge Alves Pondé. Este, por sua vez, tem também um único filho, Marcos Mesquita Pondé, filho do seu primeiro casamento com Lucila Mesquita. A mesma devoção que possuía meu pai, e seus irmãos, pela figura paterna repete-se no enlevo com que hoje escuto emocionada Lafayette Pondé referir-se a seu pai, João de Souza Pondé. Uma saudade que o tempo não apaga, uma admiração que cresce com o passar do tempo, uma presença firme e forte quase 67 anos após o seu desaparecimento. Milagre que só a bondade, a retidão, o afeto, a solidariedade constróem e perenificam. Meu pai, seu sobrinho, tinha por João Pondé uma afeição imensa, afeição que se misturava com a enorme admiração, com a gratidão que lhe devotava sinceramente. Por isso, não se cansava de recordar da dedicada assistência prestada por tio João a minha mãe, assistindo-lhe na sua ausência, nos dias que antecederam ao nascimento de Lúcia. Ouvi, incontáveis vezes, o relato desse momento difícil de meus pais, em que o tio atento e prestimoso deu-lhes o apoio de que necessitavam, 41 amanhecendo o dia sentado numa poltrona, na casa da Ladeira de Santana, enquanto o sobrinho, no interior, preparava-se para voltar a capital. Esse gesto de solidariedade sempre foi mencionado em nossa casa com especial ternura Resta fazer referência aos dois últimos filhos do casal Oliva e Dãozinho, José e Francisco. José de Souza Pondé o penúltimo da irmandade, nasceu em Itapicuru(BA) a 8 de agosto de 1878. Fez o curso de humanidades na capital baiana, freqüentando o colégio Spencer, sob a direção do Prof. Alexandre Borges dos Reis, tendo em seguida ingressado na Faculdade de Medicina da Bahia, onde se doutorou em 16 de dezembro de 1900. Diplomado, exerceu inicialmente a clínica em Estância (SE), onde conheceu aquela que seria a companheira de sua vida, senhorita prendada, modelo de educação e fineza de trato, Maria do Carmo Dórea (Zulica), filha do sr. Joseph Dórea, empresário naquela localidade. Em seguida, clinicou em Aracajú, onde também, foi inspetor de Saúde dos portos em Sergipe (1903-1907). Neste último ano, seguiu com a jovem esposa para Europa, fixando-se em Paris. Ali permaneceu 2 anos em estudos da especialidade, durante os quais freqüentou no Hospital Lariboisière o curso do ilustre oftalmologista Prof. Vitor Mourax. Retornando ao Brasil, passou a clinicar em Salvador, candidatando-se em 1914 à livre docência de Clínica Oftalmológica da Faculdade de Medicina e, depois, professor substituto dessa mesma cadeira. Teve como competidor o Dr. João Cesário de Andrade. Ambos obtiveram da congregação igual números de pontos, mas um “empurrão” político promoveu a nomeação do seu concorrente. Mais tarde, submeteu-se a novo concurso de oftalmologia, sagrando-se vitorioso. Em 1924, adoeceu gravemente, vindo a falecer no Rio de Janeiro aos 46 anos de idade, sem deixar descendência. Seu retrato a óleo, encontra-se na sala da congregação da Faculdade de Medicina do Terreiro de Jesus. Francisco de Souza Pondé nasceu em Itapicuru (Ba), a 17 de fevereiro de 1880, estudou na sua terra natal, transferindo-se mais tarde para Salvador, onde cursou os preparativos no conceituado Colégio Spencer. Ingressou no Seminário, onde aprendeu francês, italiano e latim, que lhe serviram para o resto da vida. Com apenas 18 anos, matriculouse na Faculdade de Medicina da Bahia, concluindo o curso médico em 1902, após defender a tese Assistência Pública aos Loucos Delinqüentes no Brasil. Em seguida, viajou para Belém(Pa) a fim de tentar a vida no 42 norte do país. Em 1911 seguiu para a Europa para ampliar seus conhecimentos médicos, com ênfase na Pediatria. Casou-se, em Paris, na Igreja de Sainte Madeleine, no dia 15 de maio de 1912, com Clorinda Teixeira Pena, senhorita pertencente à mais fina e elegante sociedade paraense que, na Cidade da Luz, ultimava a sua educação. Tia Zita, como era tratada na intimidade, foi criada por sua irmã Leonila Pena de Oliveira, esposa do Desembargador Napoleão de Oliveira, ambos de nobres famílias paraenses. Ao retornar a Belém, Francisco de Souza Pondé, construiu elegante residência na Travessa Ruy Barbosa no 1454, na qual residiu durante o tempo em que viveu, vindo a falecer em 24 de fevereiro de 1934, uma semana após ter completado 54 anos. Francisco de Souza Pondé foi professor das Faculdades de Direito e de Medicina, no Pará, fundador do Instituto Histórico local e figura de proa no meio intelectual do Estado nortista. O casal teve três filhos: Rui Pena Pondé, (falecido) nascido em Belém (Pa), médico do Ministério da Fazenda, pediatra como o seu pai, casado com Alcinda Tocantins Pondé, sem descendência. Climene Pena Pondé, solteira, que desde 1939, com tia Zita e irmãos passou a viver no Rio de Janeiro. Clorinda Pena Pondé, (falecida), que foi casada com Cláudio Camargo Osório e teve dois filhos: Eliana e Cláudio, este último também desaparecido. Francisco de Souza Pondé deixou um nome respeitável nos meios médicos e social do Pará, sendo patrono da cadeira no 33 da Academia de Medicina local. Dos cinco Pondés, descendentes de Oliva e Pedro Faustino de Souza Pondé, apenas dois, Ezequiel e José não deixaram descendência. ADRIANO PONDÉ, O PARENTE MÉDICO Ao comentar o papel desempenhado pelo parente Adriano Pondé, no seio da família, compete-me ressaltar o seu devotamento e a sua solicitude. Consagrava-se a todos, fossem parentes mais próximos ou mais afastados, aos quais dispensando-lhes atendimento carinhoso e solícito. Herdara do velho pai, além da acuidade clínica, a atenção ao paciente e a dedicação sem limite. Tendo João de Souza Pondé, admirável figura de médico, sido justamente considerado um dos 43 melhores clínicos de sua época, seguiu-se-lhe o filho mais velho os passos como autêntico herdeiro de uma legítima vocação. Aliás, sobre essa afinidade intelectual e profissional com o modelo paterno, teve Adriano a oportunidade de manifestar-se em discurso pronunciado no salão nobre da antiga Faculdade de Medicina do Terreiro de Jesus, ao ensejo da celebração do centenário de João Pondé: “Sintolhe a presença efetiva e orientadora nesse milagre da memória involuntária, em muitas horas de estudo e meditação – conferindo-me energias e serenidade nos momentos difíceis em que tenho que afirmar minha presença no mundo”. Em discurso de saudação a Adriano Pondé, proferido pelo Acadêmico Plínio Garcez de Sena, em 20 de setembro de 1977, na Academia de Medicina da Bahia, disse o orador: “Tivestes, pois, a felicidade de ser filho de João Pondé, como igualmente fostes ditoso por ter merecido ser filho de D. Adriana de Azevedo Pondé, a quem definistes como possuidor daquele espírito da mulher forte da Bíblia, louvada nos Provérbios, criatura dotada de sensibilidade, inteligência e, de acordo com vossas próprias palavras: “Foi a trave e a candeia de nossa casa”. Adriano de Azevedo Pondé revelou-se desde cedo, tendo sido aluno exemplar dos jesuítas, em cujo colégio do Portão da Piedade logrou numerosas distinções, conforme depõe seu irmão, Professor Lafayette Pondé. Distinguia-se também pela educação, lhaneza no trato e cordialidade. Fez o curso médico com igual brilhantismo, diplomando-se muito jovem, em 1923. Nessa mesma Faculdade de Medicina realizou memorável concurso público de títulos e provas, defendendo a tese intitulada: Enfarte do Miocárdio, trabalho pioneiro no país e que, até hoje, é referência bibliográfica, com o qual obteve a cadeira de Propedêutica Médica. Em 1945, contudo, após concurso de títulos, transferiu-se para a Primeira Cadeira de Clínica Médica, em cuja regência permaneceu até que oficialmente foi afastado das atividades universitárias. Professor Emérito da UFBA, mesmo aposentado costumava comparecer às reuniões da congregação da Faculdade de Medicina como prova do grande afeto e interesse que dedicava à instituição. Idealista, realizador, foi criador da Escola de Nutrição da UFBA, de onde foi diretor durante 15 anos. Dessa unidade de ensino recebeu a 28 de maio de 1976, data do vigésimo aniversário de sua fundação, 44 expressiva e carinhosa homenagem de reconhecimento pelos inestimáveis serviços a ela prestados. Adriano de Azevedo Pondé foi ainda Vice-Reitor da UFBA, conduzindo-se nessa função, e nas vezes em que ocupou interinamente a Reitoria, com competência, descortino e probidade. Dotado de cultura sólida e diversificada, lastreada no estudo sistemático e no culto às belas letras, alcançou a Academia de Letras da Bahia, onde ocupou a cadeira no 8, cujo patrono é o médico e liberal revolucionário Cipriano José Barata de Almeida. Adriano de Azevedo Pondé era profundamente afeiçoado à sua família, estendendo-se em atenções com os parentes, fossem os jovens ou os mais idosos, tanto do ramo materno quanto do paterno. Não tendo tido filhos ele e Maria do Carmo assumiram, inteiramente, a criação e a educação da sobrinha, Maria do Carmo Pondé de Senna (Nininha), a quem dedicavam atenção, cuidado e carinho como se fossem seus verdadeiros pais. Lembro-me muito bem do carinho que dispensava aos Mendes, também Pondés pelo lado materno, a exemplo de Ana Mendes Ribeiro (tia Morena), minha avó, Vitalina Mendes Pondé, sua prima e cunhada, ao Des. João Mendes da Silva, ao Des. Políbio Mendes da Silva, a D. Basílio Mendes Ribeiro O.S.B., aos quais atendia com zelo e solicitude. Com efeito, não sei de um parente que lhe houvesse solicitado os cuidados médicos e ele houvesse se furtado a atende-lo. Adriano era bom e solidário, ungido de paciência e solicitude, enfim um médico admirável que exerceu a profissão com competência, desprendimento e carinho. Somos, os filhos de Edístio Pondé, particularmente gratos à atenção e à solidariedade que dispensou ao primo, especialmente na fase final de sua vida. Não só providenciou o tratamento quimioterápico que lhe acrescentaria os dias de vida, como esteve ao seu lado, no Sanatório Espanhol, durante um intervenção a que teve que se submeter aquele que o antecederia na trajetória derradeira da existência e no portal da eternidade. São essas, pois, as palavras que com carinho e saudade, dedico à sua memória, à memória do meu padrinho muito querido, Adriano de Azevedo Pondé. 45 Bibliografia consultada 1. E.C. Estância e estancianos, Sergipe e sergipanos e outros. (Crônicas da passagem do século). [s.l.: s.n.] 1965. 6 p. 2. IN MEMORIAM. Discursos pronunciados em comemoração ao centenário de nascimento do Des. Ezequiel de Souza Pondé. Bahia, [s.n.], 1996. 30 p. 3. JUDEX PERFECTUS. Coletânea de artigos, discursos, notas de imprensa e homenagens outras, referentes ao falecimento do Dr. Pedro Faustino de Souza Pondé. Bahia: Imprensa Oficial, 1945, 160 p. 4. PANDOLFO, Sérgio Martins. Francisco de Souza Pondé: pioneiro no ensino da medicina legal no Pará. An. Acad. Med. Pará, Belém, v.6, p.5-15, 1995. 5. ROCHA, Everaldo Pedreira. Família Souza Pondé. Salvador: Empresa Gráfica da Bahia, 2000. Não paginado (No prelo). 6. SENA, Consuelo Pondé de. Introdução ao estudo de uma comunidade do agreste baiano; Itapicuru, 1830/1892. Salvador: Fundação Cultural do Estado da Bahia, 1979. 242 p. (Coleção Cabrália, 8). Consuelo Pondé de Sena 46 Professor ADRIANO PONDÉ - 100 ANOS - Ao ingressar na Faculdade de Medicina tinha como meta especializar-me em cardiologia. No afã de inteirar-me dos segredos da profissão, no início do 2º ano consegui estágio na então denominada 1ª Clínica Médica, dedicada à Cardiologia e chefiada pelo Professor Catedrático Adriano Pondé, colega e amigo do meu pai. Fui carinhosamente recebia pelo Professor e seus assistentes, ali permanecendo até o 4º ano quando mudei de rumo, cedendo aos encantos da Obstetrícia. Nunca me desliguei totalmente da 1ª Clínica, onde comecei a aprender tratar os pacientes com amor e integral dedicação, além de haver recebido a base clínica que me tem sido tão importante na vida profissional. No Professor Adriano encontrei um mestre exemplar, dedicado, amigo, sempre pronto a uma palavra de incentivo, e um excepcional ser humano. Lembro aqui, com uma doce saudade daqueles tempos e carinho pela figura do Mestre, uma sua fraqueza que divertia a todos que trabalhávamos na clínica: seu medo não confessado de injeção. Sob a desculpa de que, para aplicação de medicações injetáveis, não confiava em qualquer pessoa, dizia só aceitar a aplicação por Angelina Pelosi, cuja paciência por todos conhecida era posta à prova nesses momentos. Lembro-me especialmente de uma ocasião em que, acometido de um processo infeccioso, foi-lhe prescrito Benzetacil (à época usado para diversas infecções). Nos dias da aplicação ficávamos apreciando Angelina percorrer toda a enfermaria com a seringa na 47 mão, atrás do Professor, que, fugindo, dizia ter um paciente a examinar, uma anotação a ser feita, ou qualquer outro pretexto até que, esgotadas as desculpas para o adiantamento, rendia-se à sua tenaz perseguidora, aceitando o inevitável. Nossa diversão era observar as idas e vindas dos dois, sabendo que Angelina, nunca perdendo a paciência, conseguiria, mais cedo ou mais tarde, a capitulação do paciente recalcitrante. 27/03/01 Cremilda Costa de Figueiredo Médica 48 Sempre amigos, Adriano Pondé e Edgard Santos Ao Dr. Adriano de Azevedo Pondé, devo muito, a partir de quando comecei minha vida profissional, na Bahia, em 1951, como Professora de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e como Enfermeira-chefe do Hospital das Clínicas da Bahia, ele chefiando a primeira clínica médica. Ainda jovem, distinguia-se pela sua cordialidade, e pelo seu temperamento, atencioso para quem dele se aproximasse, sendo comum vê-lo sendo sempre cercado pelos seus diligentes assistentes, Dr. Renato Senna, Anita Franco, Angelina Pelosi, Denakê Philocreon e Silvio Monsão. O Hospital das Clinicas se nos afigurava parte do nosso lar, sem que sentíssemos "desigualdades" mas todos se respeitando. Em 1956, colegas e sempre amigos, Adriano Pondé e Edgard Santos, Magnífico Reitor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), idealizaram e realizaram a nossa Escola de Nutrição, para o que contaram com a experimentada colaboração, vinda do Rio de Janeiro, das Nutricionistas Sônia Moreira Alves de Souza e Almeidina Maciel de Almeida. Honroso e prazeroso, foi, para mim, estar sempre a trabalhar com ele, substituindo-o algumas vezes e finalmente, quando da sua aposentadoria. Alem de Diretor, foi nosso professor de Dietoterapia, distinguindo-se também como amigo solidário de professores, estudantes, funcionários e colegas. Seu gabinete estava sempre aberto e acessível a todos, a qualquer hora. 49 A Escola de Nutrição da UFBA foi das primeiras a funcionar no Brasil assim como das mais atuantes, o que afirmo, modéstia à parte, mas por dever histórico, ser a primeira a ser dirigida por Nutricionista. Por esta razão, a Associação Nacional de Nutricionistas concedeu-me, na condição de sua então Diretora o titulo de Nutricionista do ano, cuja honraria desejo compartilhar com "Dr. Adriano" devido a sua grande influência na minha indicação para referido cargo, conforme me foi confidenciado pelo então Reitor Dr. Roberto Santos Ao Dr. Adriano Pondé, resta-me desejar, a sua recompensa divina pela sua grande contribuição à sociedade e o bem que a todos nos fez, como liderados e como amigos. Salvador, maio 2001 Edith Tolentino Vieira Nutricionista 50 Adriano Pondé – Exemplo e Palavra Disse o filósofo espanhol Miguel de Unamuno, “...nossa maior empreitada deve ser nos tornarmos insubstituíveis”. Isto significa que, ao deixarmos um dia uma lacuna entre os que conosco conviveram, todas a sintam não apenas como a falta de alguém que se foi, mas como algo que não deveria ter acontecido. Tornar-se insubstituível, é mais do que um exercício espiritual, é estético. O que resta depois que alguém insubstituível desaparece somaticamente do nosso circulo de convivência formal, é a sua imagem, o caráter que ele imprimiu a seu ambiente e a seu tempo, indelével, duradouro, na memória e na reverência dos que o conheceram e, mais ainda, dos que tiveram o privilégio de privar da sua proximidade e dos seus ensinamentos. Assim foi, e assim é, com a figura inesquecível, e com a imagem e o caráter presentes do Professor Adriano Pondé. Eu fui um desses privilegiados que beberam na fonte do seu infinito saber – não apenas o saber da ciência, da Medicina Interna, da Cardiologia, como sextanista-interno da 1ª Clínica Médica do Hospital Universitário Professor Edgard Santos. Mas o saber transcendente, das verdades simples e puras, despidas de vaidades catedráticas, que perfazia a individualidade do seu estilo inconfundível. Adriano Pondé foi um desses que ensinou pela palavra e pelo exemplo, muito mais pelo exemplo que pela palavra. Em seu serviço universitário do magistério, encontrei também, o zelo quase maternal das suas então assistentes – Anita Franco Teixeira e Angelina Pelosi – sob cuja eficiente orientação, em Enfermaria e Ambulatório, completaria o meu curso de Clínica Médica, iniciado e desenvolvido sob a clarividência de Jessé Aciolly, César de Araújo, Augusto Mascarenhas, Roberto Santos, Cícero Adolpho da Silva, Gerson Pinto e Heonir Rocha. Adriano não era um professor de gabinete; transitava entre os doentes, assistentes, estagiários, residentes, internos e alunos com 51 o despojamento que todos nele admiravam. Sua simplicidade contrastava benfazejamente com seu valor; não exibia a pompa de certos catedráticos da sua época, gente que se sentia iluminando os corredores do hospital quando por eles passavam. Existia nele um sentimento intuitivo, daqueles intimamente cultivados, que impedem os seres humanos de ultrapassarem as fronteiras da sua verdadeira autenticidade. Sabia-se bom, mas não alardeava a sua bondade, tampouco a sua competência. Usava-a, porém, com naturalidade precisa, para ensinar e conduzir os seus pupilos. Certa feita eu estava auscultando o tórax de um paciente internado, quando o mestre, discretamente, aproximou-se de mim e, quase balbuciando, para não parecer grandiloqüente, orientou o meu estetoscópio para os espaços interescapulovertebrais, depois para os subescapulares e basais, por fim as laterais infra-axilares, onde pude realmente encontrar os murmúrios que procurava. Minutos após, no corredor, ele me disse – “Gusmão, ali, sobre o processo espinhoso da escápula não se ouve nada, ou quase nada”. De outra feita, convocou todos os internos e residentes da Enfermaria à ausculta cuidadosa de estertores basais crepitantes, em um caso típico de pneumonia lobar. Lembro-me bem de suas palavras, sete lustros passados – “Ouçam bem; tornem a ouvir; esse crepitar nos alvéolos é típico da exsudação pneumônica; parece o fino estalido de brasas em uma fogueira, é inconfundível”. E sorria satisfeito, feliz com o aprendizado dos discípulos, consciente de que jamais esqueceríamos aqueles crépitos patognomônicos. E assim foi. Em uma outra oportunidade, já médico pós-graduado em Nefrologia, no exercício privado da clínica hospitalar, estava eu assistindo a um grave paciente cirúrgico de outro expoente da Medicina baiana, o Professor Venceslau Pires da Veiga, quando a presença do Professor Adriano, na qualidade de Cardiologista emérito, se fez necessária. O paciente, em choque circulatório, não respondia às manobras terapêuticas ensaiadas por mim, quando o mestre, com muita singeleza, sugeriu dobrar ou triplicar a dose da amina dopaminérgica que fluía através a soroterapia. Atendi-o de 52 pronto, para assistir, quase de imediato, a situação se reverter. Ao contemplarmos juntos a rápida transformação, do leito cianótico das unhas e do roxeado das polpas digitais, em róseo tom alvissareiro, enquanto os níveis de pressão sangüínea se elevavam, e a lívida frieza das extremidades se aquecia, sorrimos discretamente um para o outro e ele disse – “É fantástico, é simplesmente fantástico”. Extasiava-se o velho professor com as recentes maravilhas da terapêutica vascular. Pareceu-me uma criança embriagada com a magia do seu brinquedo. Era assim, na minha visão, o Professor Adriano Pondé. Um homem simples, afável, acessível, rico de pendores. Daqueles que envelhecem como os vinhos, cada vez melhores. E por isto faz falta, muita falta, numa época, trinta anos apenas passados, em que os valores éticos titubeiam numa Medicina massificada, onde muitos médicos se arrogam a continência do saber, descuidosos dos mais comezinhos deveres para com a solidariedade profissional e a consciência do servir. Há realmente pessoas insubstituíveis. Não apenas pelo que foram ou fizeram. Mas, principalmente, pela imagem que o caráter impôs, com naturalidade, aos que lhe são pósteros. Esta imagem é tão sólida, tão densa, que não permite a outrem a ocupação do seu lugar. Para mais além dos aspectos éticos e morais, há uma lei física instransponível, segundo a qual dois corpos não podem ocupar, ao mesmo tempo, o mesmo lugar no espaço. E o Professor Adriano, com sua imagem, e seu caráter, permanece vivo entre nós. Ernane N. A. Gusmão Médico Clínico e Nefrologista - Ex-aluno do Professor Adriano Pondé Professor Adjunto da FAMED/UFBA Presidente da Comissão Cultural da Associação Bahiana de Medicina Diretor Cultural da Associação de Antigos Alunos da Faculdade de Medicina da Bahia 53 Professor Dr. Adriano de Azevedo Pondé Entre os Médicos e Professores de Medicina que tive, o professor Adriano Pondé foi um dos expoentes; digo isto pois o conheci exercendo o magistério e atendendo a pacientes, muitas vezes, portadores de doenças graves, podendo assim apreciar as duas faces do Grande Mestre. Sempre alegre, gentil e solícito com seus alunos ministrava aulas agradáveis, sempre atualizadas, principalmente no que se referia a doenças cardíacas e vasculares, nas demais especialidades médicas mantinha o mesmo nível de atualização pois sempre se reciclava através da leitura de revistas nacionais e estrangeiras. Esta afirmação é fruto de minha observação, pois tive o privilégio de ser vizinho do Mestre durante alguns anos. A outra face do Professor Adriano era a de médico na cabeceira do paciente. Nos tempos em que não havia esta propedêutica sofisticada que hoje dispomos, diagnosticava com segurança, como se tivesse um sentido alem dos comuns. Acompanhei-o algumas vezes no tratamento de pessoas do meu conhecimento, numa época em que não havia clínicas de emergência, quando muitas vezes passava toda noite como médico e enfermeiro, instalando soluções endovenosas e ele mesmo aplicando os medicamentos necessários. Aos familiares sempre uma palavra de consolo e clareza diante do quadro clínico dos pacientes. Cansaço era algo que não existia para ele, pois estava sempre disponível para os seus diversos pacientes, independente de qualquer compromisso social que porventura existisse. E mesmo atendendo a qualquer hora da noite com dedicação seus pacientes, cedo ele estava no Hospital das Clínicas, ministrando aulas e discutindo casos clínicos com seus assistentes, como se não tivesse passado a noite toda anterior acordado e trabalhando. Por tudo isto acho que o Professor Adriano Pondé honrou o Magistério e a Medicina Assistencial, tornando-se um exemplo a ser seguido pelas gerações dos Médicos atualmente em exercício e as que estão por vir. Ernesto Simões Neto 54 DISCURSO Pronunciado na Sessão Solene de Instalação da IV Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Cardiologia pelo Prof. Estácio de Lima (In memóriam) Adriano de Azevedo Pondé é Professor de vocação. A cátedra lhe é um refúgio a que sempre se abrigou nos momentos felizes ou dolorosos, nela encontrando consolações dulcíssimas, além do milagre, o formoso milagre do perene rejuvenescimento das energias do espírito, outros tantos Faustos, mais ou menos parecidos, que, afinal, somos todos. É neste notável Professor de Cardiologia que tão bem sabe e extraordinariamente faz aplicar a digital e tatear, dia a dia, ansiosamente, a pulsação do seu paciente à procura da bradicardia tão esperada, preocupado com o surgimento do dicrotismo que poderá surgir!... Os fatores da formação científica conferiram a Adriano a condição de homem suave, esquivo, comedido, reto, sereno, crente, minucioso, simples, sempre comunicativo, porém impávido no cumprimento dos deveres. Habituado a leitura dos poetas e prosadores da Inglaterra, da França e da Itália em seus respectivos idiomas. Adriano Pondé, com a esquisitice dos sábios que vivem para o trabalho e para o estudo, embora, aos quandos, raramente, é verdade, para os devaneios e os sonhos, sem os quais a existência seria mais triste e mais árida do que aquela Filosofia de Alexandre Herculano, Adriano Pondé houve por bem acometer-me o agradável encargo de saudar-vos. preeminentes confrades, em nome da Bahia, e no instante desta solenidade. 55 Quase paradoxal que o fizesse eu. Porque não tive a honra excelsa de encontrar, no regaço maternal da terra gentil e morena, o berço de nascimento. Venho do nordeste, lá de um rincão, debruado de palmeiras e de águas represadas á beira do oceano, - mas áspero e seco nos sertões batidos, meses a fio, pela cruel monotonia de um sol inclemente, que tosta, estiola e combure a vegetação mirrada, criando o trágico pesadelo das secas episódicas... A gente, por lá, adquire na alma doçuras e amenidades inerentes à paisagem dos coqueirais intérminos e da meiga Lagoa Manguaba, onde os jaçanãs em bandos infindos, alçam vôos de nuvens policrômicas... Mas, igualmente. na alma fica a indelével tatuagem das plagas desoladas, marcando-nos, para sempre, com o ressaibo do sofrimento e das agonias... Foi assim que aportei à Bahia, criança ainda, já trazendo, porém, no coração e no pensamento, ilusões e descrenças, em constante agitação... Cedo, porém, experimentei os encantos e as seduções sem par desta natureza excepcional e bela. Amei, e para sempre amei, ai Bahia feiticeira de graças infinitas. Heróica e sublime nas pelejas de 2 de Julho. Ingênua, terna e boa nos descantes das serenatas, acompanhadas a violão primorosamente dedilhado, pelas ruas estreitas, iluminadas por discreta claridade de um luar de prata, calçadas de pedras coloniais, pisadas outrora por vice-reis, cheias de velhos sobrados, e de cujas varandas austeras ainda escuta, a sempre sedutora Yayá, recatada, mimosa, e comovida, as notas repassadas de afeto e de saudade... Tradicional, grave, respeitável, magnífica, nos seus templos de ouro e de azulejos, perfumados de incenso, embalados pelos campanários seculares, capazes de comover às lágrimas, os espíritos empedernidos, que se deixaram maravilhar - e como deixar de maravilhar-se? - pelos revérberos do materialismo científico. Admirável, generosa e fecunda, nos seus estadistas do império e da república, inclusive esse batalhador da democracia, OTÁVIO MANGABEIRA, que nos estendeu a dextra amiga, amparando este 56 conclave de cardiologistas, dificilmente levado a bom termo, sem a ajuda inestimável do grande Governador e do nosso Prefeito, ilustre e digníssimo. A Bahia, de quem sou filho adotivo, leal e ardoroso, pelos seus artistas, os seus sábios, os seus mártires, as suas instituições, da anciana Faculdade de Medicina, templo de estudo e de civismo, até á jovem e promissora Universidade, toda ela cheia de brasilidade, pelo que foi e pelo que é, recebe, com especial carinho, aos nobres caravaneiros da cardiologia nacional. O século dezenove, sem dúvida, foi marcante. Na Inglaterra, os estadistas consolidaram a grandeza de um império antevisto, no pretérito, pela singular Elizabeth. Na América do Norte, um povo jovem, depois de acerba guerra contra a negra opressão, criou maravilhas de técnica, e deu á pátria da flâmula das estrelas, uma grandeza soberana e impar. Na Alemanha, o pensamento filosófico atingiu a culminâncias excepcionais, que poderiam tê-la conduzido ao fastígio mais admirável, porém, desgraçadamente, gerou fatais idéias de dominação, responsáveis pelas sucessivas tragédias que mergulharam o mundo num oceano de mortes, de incêndios e desolações. Na França o século dezenove assistiu ás cintilações dos gênios soberanos de Pasteur e de Cláudio Bernard que, tanto valendo, não valem muito mais do que a esquisita elegância intelectual de Renan e a fina tessitura do espírito sutilíssimo do criador de Silvestre Bonard. Foi, justamente, em meio daquela época ilustre, lá pelos dias memoráveis de 1856, que dois insignes pesquisadores, Köllicker e Müller, tomando entre as mãos ágeis de fisiologistas eméritos, o coração palpitante, dentro do peito aberto de um cão, viram e registaram que esse coração era capaz, em todas as sístoles, de excitar o nervo motor da rã, determinando o abalo muscular, que sempre se interrompia às diástoles subsequentes, como si houvesse ali misterioso e invisível manipulador de Morse... Foram, certamente, os dois, ás custas da experiência formosa e singela - e pode, acaso, haver formosura sem a singeleza? - terão 57 sido eles ambos, indubitavelmente, fazendo o que fizeram, os precursores da electrocardiologia, demonstrando, como demonstraram, e de modo insofismável, "a existência de potências elétricas engendradas pela cardio-dinâmica". A Clinica teve, igualmente, naqueles anos pretéritos e luminosos, os seus representantes mais destacados. Laenec, vindo de mais ancianos dias, floresceu e dominou no século dezenove. Trousseau nasceu e morreu dentro dele, tendo sido o mestre dos diagnósticos incomparáveis e das incomparáveis previsões prognósticas, não errando sequer no cálculo fatal de seus finais instantes. E até no Brasil, esse extraordinário Francisco de Castro, baiano e carioca a um tempo só, criou monumento da sua Propedêutica, obra que se envelheceu pelas conquistas surpreendentes de hoje, imortal ficará como relicário melhor da ciência de então, exposta na linguagem lapidar de um clássico, bem servido pelas riquezas e louçanias de um estilo raro. A despeito, entretanto, de todas essas forças propulsoras do pensamento científico, não vem daquelas eras o decisivo progresso da Cardiologia. Nos últimos quarenta anos do século vinte, creio bem terá ele avançado mais, e mais se enriquecido, que nos quatro mil derradeiros de toda a história da Medicina. Vós outros, eminentes confrades de mais ou menos longínquas terras brasileiras, e porque não vocês, também, companheiros prezados de aqui mesmo, todos vós, indubitavelmente, sois, com os demais desse mundo que bem quiséramos fosse o mundo só que o sonhou Wilckie, procurando combater essas fronteiras eriçadas de baionetas e essas terríveis cortinas de aço que escondem o medo, a desconfiança e a agressividade, todos vós sois, por sem dúvida, os denodados construtores do edifício majestoso da Cardiologia moderna. Não nos falta, aqui, a figura prestigiosa e brilhante de Pazzanese, que tomando a si, primeiro de todos, as rédeas da Sociedade Brasileira de Cardiologia, soube alçá-la ás culminâncias de organismo precioso e fecundo. 58 E porque São Paulo, a terra encantadora e miraculosa, tão profícua ao desabrochar da sementeira das grandes realizações materiais e dos anseios do mais puro idealismo, ora nos surge diante dos olhos deslumbrados, outra personalidade de relevo se impõe à consideração nossa - um filho seu distintíssimo: Jairo Ramos. Descendo um dia da serra altaneira, onde os cravos multicores perfumam e alegram a paisagem e as hortênsias lindas, mas nostálgicas, amenizando o ambiente, nos convidam à meditação e ao sonho, descendo um dia das culminâncias petropolitanas, Magalhães Gomes fixou-se na Cidade Maravilhosa, para conquistá-la pelo talento e pelo saber. Também ele aqui se encontra, e naquela presidência condigna, merecendo, junto a todos os que vieram nos honrar com as suas presenças de homens de cultura e de fé, os saudares da Bahia intelectual. Muito se tem feito, principalmente nestes quatro decênios últimos, em favor da importantíssima especialidade. Agora, quer-se perquirir melhor a questão tormentosa do reumatismo nefasto e bárbaro. Volta-se a um tenra nacional palpitante, investigando-se até onde vai, definitivamente, esse protozoário, caprichoso e malsinado, responsável pela ingrata moléstia de Chagas. Insiste-se no trágico problema das hipertensões, desafiando a argúcia dos clínicos, sobrepondo-se ás investigações da técnica hodierna, resistindo ás terapêuticas mais cuidadas e melhor conduzidas. Vê-se, indubitavelmente, que um largo terreno foi percorrido, no setor da patologia cardíaca, e os resultados têm sido excelentes. Muito há, entretanto, por fazer ainda. O prático, no exercício profissional, encontra a maior soma de surpresas, de ciladas desconcertantes, de singulares manifestações, justamente no âmbito da cardiologia. O conceito da Medicina psicossomática impõe a todos os clínicos um conhecimento particular de psicologia, para lhe ser possível devassar a pobre alma do enfermo. Nenhuma especialidade, porém, exige tão particular sutileza espiritual, mais 59 finura da inteligência, maiores doses de psicologia, do que esta de que então cuidamos. Às vezes, a sífile chega e se assesta, firmemente. numa válvula, no miocárdio, nas coronárias... Outras, é o reumatismo que morde, brutalmente, este ou aquele departamento cardíaco. O paciente, porém, resiste admiravelmente, em ambos os casos, e por anos a fio. Certas criaturas, ao revés disso, em que a escuta muito pouco denuncia, o eletrocardiograma é plenamente satisfatório, a radiologia nada revela de causar apreensões, e outros exames complementares são silenciosos, de repente, em dado momento, caem mortas pelo coração... As ações hiper-emotivas, as condições temperamentais, os violentos choques morais sucessivos devem causar tantos receios quanto, digamos, uma onda Q profunda em D III. Não há digital capaz de compensar um coração cheio de angústias e de torturas íntimas. E quando for possível, um dia, aplicarmos, seguramente, o mendelismo em biologia humana, haveremos de enxergar a valia considerável dos fatores genotipos em cardiologia. São, destarte, múltiplas as razões que justificam a existência de uma Sociedade Brasileira de Cardiologia, ramificada nos vários centros de cultura do país, e impondo o mais carinhoso trato e as grandes e repetidas reuniões como esta que assistimos na Bahia. Cumpre-nos desvendar, por diante, embora tanto já tenhamos feito, sérias questões etio-patogênicas, para clarearmos as sendas da medicina curativa e preventiva em cardiologia, além da recuperação, para o trabalho compatível, daqueles havidos por incuráveis, e que às vezes se quedam, indefinidamente, na desoladora tristeza das enfermarias, ou em casa, nos tugúrios ou palácios, apreensivos, mão constantemente espalmada sobre o precórdio, no pavor ininterrupto da morte súbita... Vós sois, preclaríssimos confrades, os caravaneiros dessa cruzada magnifica. O caminho é difícil e a meta inatingível para a nossa geração. É preciso, entretanto, lutar e progredir. As vitórias mais dignas são aquelas que se alcançam pelo trabalho diuturno e 60 pelo sofrimento constante. Ensinava o meu grande clássico, no seu famoso livro, "Os Apólogos Dialogais". "Aquilo que se alcança dificilmente, guarda-se com maior estimação e cautela". Pouco importa não sejamos testemunhas do êxito glorioso. Devemos ir adiante. Os nobres objetivos justificam os sacrifícios da batalha cruenta. Sede bem-vindos, colegas e amigos digníssimos. Conheceis, realmente, muitos dos segredos do coração humano, e agora ireis conhecer e sentir um coração amorável e boníssimo, e onde mora inextinguível afeto: o coração da Bahia! Sede bem-vindos, cavalheiros ilustres, exímios soldados da santa cruzada dos corações sofredores! Salvador – 1947 Cortesia de Maria Theresa Pacheco Médica 61 Professor Adriano de Azevedo Pondé Foi, sem dúvida, um dos grandes mestres da Faculdade de Medicina e da UFBa. Como integrante da turma de 1944, da qual fiz parte, tive a oportunidade de tê-lo como mestre da Cadeira de Propedêutica Médica. Depois dos primeiros anos de estudo das cadeiras básicas, passamos a freqüentar o Hospital Santa Isabel e assistir as aulas do Professor Adriano Pondé. Colocou o estetoscópio no nosso pescoço e nos ensinou como utilizá-los, interpretar os ruídos que captava e como examinar um doente após a anamnese. Logo percebemos que estávamos diante de um professor que, embora jovem, não só acumulava sólido conhecimento da Medicina, como tinha satisfação de transmiti-los a seus alunos, que por sua vez passaram a ter grande admiração pelo Mestre que conseguiu renovar o entusiasmo pela profissão que tínhamos decidido praticar. Anos mais tarde, quando construído o Hospital das Clínicas por iniciativa do sempre saudoso Prof. Edgard Santos, foi pelo mesmo designado para progressivamente transferir todas as clínicas que funcionavam no velho Hospital Santa Isabel para o novo e bem equipado Hospital, e o fez com tal eficiência que foi em seguida indicado para instalar as recém criadas Escolas de Enfermagem e de Nutrição. O Prof. Adriano Pondé prestou assim incalculável serviço ao desenvolvimento de ensino médico e aperfeiçoamento da prática médica no Estado da Bahia sendo distinguido pelo Conselho Universitário como Prof. Emérito da nossa Universidade. Poucos sabem que, com o Prof. José Silveira atuou como assistente do renomado Prof. Prado Valadares e trabalharam no Gabinete de Radiologia que montara. O Prof. José Silveira dedicou-se então ao estudo da Pneumologia e particularmente d Tisiologia enquanto que o Prof. 62 Adriano Pondé especializou-se em Cardiologia e particularmente na Eletrocardiologia, desenvolvendo importe pesquisa na interpretação do Eletrocardiograma. Voltei a encontrar o Prof. Adriano Pondé já depois de formado e trabalhando no Hospital que sverio a ser denominado de Edgard Santos, quando tive a honra de ser convidado a integrar a sua equipe, ministrando aulas de Radiologia do sistema cardiovascular, durante anos seguidos. Agora, quando se comemora o seu centenário, é justo fazer ressurgir para as novas gerações o g rande vulto da medicina baiana, que tanto contribuiu para o ensino médico e que, pelos serviços prestados à nossa Faculdade de Medicina, não pode ser esquecido. Fernando Costa D’Almeida Ex Chefe do Serviço de Radiologia do Hospital das Clínicas, hoje, Hospital Universitário Prof. Edgard Santos. 63 GRATIDÃO Sou o psiquiatra mais antigo da Bahia. Em 1942 cursava o segundo ano médico, alimentando bonitos sonhos, hoje, quase todos realizados. A despeito de estar aposentado, continuo em pleno exercício da profissão, numa fuga consciente e benéfica da ociosidade. Mesmo assim, sobra-me tempo para relaxar e viajar no tempo, atividade deliciosa para aqueles da minha faixa etária, saboreando avidamente os bons momentos de uma vida bem vivida. Aquele foi um dos anos mais importantes de minha vida, pois ocorreram três acontecimentos inesquecíveis: conheci a minha esposa, tomei a decisão de ser psiquiatra e conheci o professor Adriano de Azevedo Pondé. Toda a minha turma já o conhecia embora ainda não fosse nosso professor. Sua simpatia irradiante, sua jovialidade, sua capacidade de comunicação confirmavam o adágio popular: “a vida começa aos quarenta”. Curioso observar que o seu relacionamento com os alunos, a despeito de tão familiar, não quebrava a postura de professor que conseguia de todos nós, sem imposição, admiração e respeito. Aproximei-me dele, através de minha irmã Cleonice, sua amiga, também médica, assistente do professor Eduardo Morais. Foi assim que ele tomou conhecimento de que eu filho de nigeriano, além de estudar medicina também mantinha cursos particulares de Inglês. Um certo dia encontramo-nos no Hospital Santa Isabel e ele sorrindo perguntou: Alakija, você poderia me dar aulas de Inglês? Aquela consulta foi um impacto. Senti um aperto no plexo solar seguido de evidente taquicardia emotiva. Eu dar aula ao 64 professor Adriano? Controlei-me o quanto foi possível e aparentando tranqüilidade respondi: estou às suas ordens professor. Ficou estabelecido que eu iria ao seu consultório duas vezes por semana onde as aulas seriam ministradas. Uma coisa foi decisiva: antes que eu dissesse que não cobraria (antigamente havia essas gentilezas) ele foi categórico: você vai cobrar as suas aulas senão nada feito. O meu convívio com Dr. Adriano durante alguns meses foi maravilhoso. Infelizmente por motivos imprevistos não continuamos. Pude sentir de perto a pessoa que ele era. Chamoume de início a atenção a sua modéstia: já conhecia muito a língua inglesa e insistia em dizer que queria aprender. Em realidade o que desejava era praticar conversação e ter uma ajuda relativa na leitura de obras de cardiologia em inglês. Se tivesse feito testes de inteligência teria se revelado um superdotado. A capacidade didática em transmitir coisas difíceis de modo fácil seria uma prova disso. Seu senso de humor era admirável; tinha facilidade em encontrar nas coisas mais sérias uma brecha onde inseria com suavidade um toque humorístico. Era um homem bondoso, fui testemunha várias vezes disso, observando a sua postura discreta ao beneficiar alguém. Memória excelente, guardando com facilidade os vocábulos que aprendia. Como disse anteriormente, ao iniciarmos as nossas aulas já possuía razoável conhecimento de inglês. Nas traduções de capítulos de livros de cardiologia naquele idioma esbarrávamos em vocábulos técnicos que ele, como especialista, traduzia melhor do que eu. Havia uma palavra presente com freqüência no livros de eletrocardiologia que era “Fluttering”. Os trabalhos escritos em português não encontravam tradução e preferiam manter o termo original. Ele decidiu: temos que encontrar uma tradução para isso. Lembrei-lhe que o bater de asas do beija-flor era um “fluttering”. Ele então concluiu: adejamento. Cito este fato para registrar que a 65 palavra adejamento traduzindo “Fluttering” foi utilizada em primeira vez pelo professor Adriano Pondé. Posteriormente, já médico, o encontrava com freqüência em diferentes acontecimentos sociais. Aproximava-se de mim sorridente e dizia: How are you? Lembro sempre daquela figura ímpar, com imenso sentimento de gratidão: minha cunhada, diabética, foi hospitalizada e solicitaram uma avaliação cardiológica. Fui à noite à residência do professor pedir uma orientação, juntamente com o clínico, Dr. Leopoldo Valverde. Com surpresa disse-me ele que se fossemos buscá-lo na manhã seguinte iria pessoalmente ao hospital. Não foi preciso, a paciente faleceu à noite. Felizes aqueles que são lembrados pelo que de positivo fizeram na vida. Imagino, quanta coisa edificante ele teria feito e de que não tivemos conhecimento. Acredito que tornando público o meu sentimento de gratidão estou modestamente contribuindo para perpetuar a sua memória. George Alakija Médico 66 Ao Mestre Adriano Azevedo Ponde Nos anos Dourados, fim da década de 50 e início dos anos 60, estudava no Colégio 2 de Julho e era Presidente do Grêmio Erasmo Braga, porquanto mantinha relacionamento salutar não tão somente, com os meus colegas, outrossim, com outros que reuníamos na Praça do Campo Grande, dentre eles, o aluno do Colégio Maristas, Jorge Alves Ponde, sobrinho do Professor ADRIANO AZEVEDO PONDÉ, nascendo daí um laço de profíncua amizade, estendendo-a aos genitores de Jorge; Alberto Ponde e Maria Antonieta Ponde, ambos tínhamos a mesma faixa etária, anseios pares, objetivos e sonhos convergentes demonstrada com o logro de Jorge no vestibular para engenharia, e o meu para o Curso de Medicina no mesmo ano. Cursando o 30 ano de Medicina, o Professor Alberto Ponde, indicou-me para o Hospital das Clínicas, atualmente denominado Hospital Universitário Prof. Edgard Santos, no Serviço de Eletrocardiografia, sob a orientação do Prof. Yulo Cesare Viana Pereira. Era o ano de 1964, momento histórico indelével, quando conheci o Prof. ADRIANO PONDÉ, começando daí a freqüentar o ambulatório da 1a Cadeira de Clínica Médica com Dr. Renato Sena, Dra. Angelina Pelosi e Dr. João Ponde Neto, fluindo tenazmente sentimento de admiração, respeito a uma equipe de coesão impar, mormente, altruísta, sensível as necessidades dos mais humildes “indigentes”. Neste ano o marido da secretária da minha mãe, foi acometida por insuficiência cardíaca por miocardiopatia chagásica e teve a eficaz assistência médica desta equipe. Estreitava-se os laços profissionais e a admiração com a equipe médica, conquanto eu começava a participar da mesma, embuido da curiosidade de estudante e jamais senti dificuldades em expressar opiniões apesar do meu parco conhecimento, vez que em fase de formação. Sucedera o 5o ano médico, época em que fui convidado pelo Prof. Alberto Ponde, para participar do Congresso Brasileiro de Cardiologia em Recife-Pernambuco, minha terra natal e com anuência do meu pai, que subsidiou efusivamente a viagem. 67 Memoro que em 1966, durante o congresso, a cidade de Recife sofreu uma grande inundação, todavia não obstaculou o sucesso do evento, haja vista que obtive um grande aprendizado, conhecendo outros profissionais e ante a minha maior proximidade com o Prof. ADRIANO PONDÉ, apresentou-me ao Prof. Luís Decourt e o Prof. João Tranchesi, oportunidade que solicitei um estágio em seu serviço, a fim de cursar o período de interno. O Professor ADRIANO ratificou o pedido, entretanto o coordenador do Internato à época recusou argumentando que tratava-se de uma especialização precoce. Não obstante, este mesmo Coordenador no ano seguinte, em 1968, liberou uma interna para Colômbia, com o escopo de especializar-se em Prontuário Médico. Diplomado, incorporei a equipe do Prof. Adriano Ponde, e fui o seu último Prof. Assistente. A convivência com a Família Ponde, arraigou-se a minha vida, eternizando uma amizade impostergável, marcada pela gratidão e amor, inspirando-me a escolher o Prof. Cícero Adolpho da Silva e D. Maria Antonieta Alves Ponde para padrinhos da minha filha caçula, Andréa Marciel de Oliveira Rossini, atualmente, Médica Especialista na área de Infectologia Pediátrica. Perdurou o convívio com o Prof. Adriano Pondé mesmo depois de aposentado, absorvendo gradativamente muito das suas facetas como ser humano, mestre e principalmente da sua humildade. Sofremos juntos com a perda de Prof. Alberto, ele não se conformava! Hoje como coordenador da Disciplina de Cardiologia do Departamento de Medicina da Universidade Federal da Bahia, não me facultaria furtar-se juntamente com a Prf. Angelina Pelosi de Matos e a Prof. Anita Guiomar Franco Teixeira de externar a este Eminente e Benemérito Mestre da Universidade Federal da Bahia na passagem do Centenário de seu nascimento a Homenagem de reconhecimento dos seus ex-alunos e colaboradores. George Barreto de Oliveira Prof. Adj. do Departamento de Medicina da UFBa 68 Prof. ADRIANO AZEVEDO PONDÉ Conheci o Prof. Adriano Pondé mais de perto, em 1949, quando era o interno oficial da Primeira Clínica Cirúrgica, que tinha como Catedrático o Prof. Eduardo de Sá Oliveira. Nesse ano, três ou quatro “cadeiras” haviam-se transferido do Hospital Santa Izabel para o então Hospital das Clínicas, inclusive as Primeiras Clínicas Médica e Cirúrgica, razão pela qual, com certa freqüência, ia examinar doentes e participar de discussões de casos com indicação cirúrgica. Nessas ocasiões, pude constatar a soma de conhecimentos médicos, o espírito humanitário, o cuidado, até paternal, que o Prof. Adriano Pondé dispensava aos acadêmicos participantes e, até, aos seus assistentes mais novos e menos experientes. Em fase posterior, quando foram criados os famigerados departamentos clínico-cirúrgicos, como o de Gastroenterologia, fui por este eleito para ministrar o curso de Fisiopatologia da Nutrição, na Escola de Nutrição, recentemente fundada pelo Magnífico Reitor Edgard Santos, sob influência do prof. Adriano Pondé. Por ser, além de muito jovem e cirurgião, de um lado, e do outro, por ensinar em uma escola em fase de estruturação, de quando em vez procurava o Prof. Pondé para orientar-me e, também, a Prof.ª Edite Vieira, sua Diretora. Nessa fase, pude ratificar constatação anterior sobre seus conhecimentos médicos e o cuidado temeroso que deixava claramente transparecer, e até aconselhava ser mantido, no relacionamento interpessoal. Essa aproximação foi preservada, e mesmo ampliada, através dos anos, porquanto Anita Guiomar Franco, hoje Teixeira, colega de turma e amiga queridíssima, assim como Angelina Pelosi, não menos considerada, eram suas assistentes. 69 Quando, em 1979, ingressei na Academia de Medicina da Bahia, aceitando honroso convite do então Presidente, Prof. José Silveira, honra e glória científica da Bahia, o meu trabalho, que versou sobre o Tratamento cirúrgico das manifestações digestivas da doença de Chagas, foi analisado pelos professores Manoel Pereira, cirurgião, Zilton Andrade, patologista, e Adriano Pondé, clínico estudioso da doença de Chagas, com diversos trabalhos publicados sobre a cardiopatia que a doença determina, aprovandoo com encômios. Guardo na memória uma das mais elogiáveis recordações do cientista simples e afável, do clínico ético, capaz, de fácil abordagem e alegre; do administrador sempre preocupado com o bem-estar de seus comandados e com o progresso da ciência médica e das entidades que fundou. Geraldo Milton da Silveira Médico 70 Sob a regência do Mestre Pondé Meu primeiro contato com o professor ADRIANO PONDÉ, foi em março 1945 cursava então o 2o ano de medicina quando, por pedido do prof. MARIO LEAL (catedrático de psiquiatria) passei a frequentar o ambulatório e enfermaria da cadeira de propedêutica médica da Faculdade de Medicina da Bahia no Hospital Santa Isabel, sob a regência do mestre Pondé. O meu convívio foi o mais proveitoso possivel, calouro ainda, vestir uma capa médica, passar a ter contato com pacientes foi a primeira e grande emoção do meu curso médico. Duas vezes por semana frequentava o ambulatório de cardiologia “Prado Valadares” e no final das manhãs visitava a enfermaria. Ao correr deste ano participei de um fato importante, chegava à Bahia o primeiro eletrocardiógrafo Cambridge que passou a funcionar no ambulatório onde frequentava e vi ser realizado pela primeira vez um eletrocardiograma. Embora tendo frequentado por apenas um ano a cadeira de propedêutica médica foi de extraordinário valor este pequeno estágio, porque convivi numa disciplina onde se estudava os meios de diagnóstico clínico. Como não era meu destino ser clínico, a partir do 3o ano médico passei a trabalhar como “mata cachorro” no ambulatório de pequena cirurgia do hospital santa isabel sob a chefia do Dr . Elziro Macêdo. Lembro ainda que o Prof. Pondé possuia em 1945 um carro opel movido a gazogênio, pois nesta época ainda havia racionamento de gasolina e na mala do carro havia torpedo de oxigênio e uma mala com toda a medicação de urgência . do 3o ano médico em diante o meu contato com o Prof Pondé era muito breve nos corredores das enfermarias do Hospital Santa Isabel até o ano de 1949, quando cursava o 6o ano médico. A indicação do seu 71 nome como um dos homenageados foi a oportunidade para voltarmos a uma nova convivência. Em 1949 conquistei por concurso o internato de ginecologia e posteriormente logo após a formatura fui em 1950 indicado para “técnico especializado” junto à clínica ginecológica. A partir de janeiro de 1950 as cadeiras de clínica e cirurgia foram gradativamente transferidas para o recém inaugurado hospital das clínicas. Aí já no novo hospital o meu convívio com o Prof. Pondé foi mais assíduo pois, recém formado, participava das reuniões da cadeira de clínica médica (houve transferência do Prof. Pondé da cadeira de propedêutica médica para clínica médica) toda vez que um paciente em estudo necessitava a opinião de um ginecologista. Em 1953 iniciei o meu atendimento em clínica privada e com frequência recebia do Prof. Pondé clientes para consulta ginecológica. Para mim no entanto, o fato mais marcante do meu convívio com o Prof. Pondé foi em 1956, quando a seu pedido participei de uma conferência médica sôbre uma paciente sua que apresentava um quadro de abdome agudo e urgia um esclarecimento diagnóstico imediato. Tratava-se de uma senhora da mais alta sociedade e, nesta conferência participavam também um cirurgião geral e mais dois clínicos além do Prof. Pondé. Não tenho palavras para exprimir a grande emoção quando da minha chegada. Quando compreendi a grande confiança em mim depositada pelo eminente mestre, diante de uma paciente em que pesava a grande responsabilidade de uma ação imediata devido as circunstâncias do caso em apreço. Após um exaustivo relato da história clínica e análise dos exames laboratoriais cada participante manifestou a sua opinião quando então pedi permissão para examinar a paciente. Procurando me concentrar ao máximo e dominando a tensão emocional presente naquele momento iniciei um pequeno interrogatório seguindo-se o exame ginecológico. Senti como se estivesse sozinho e a minha mente trabalhava aceleradamente. 72 Terminado o exame emiti a minha opinião levantando a suspeita de tratar-se de um cisto de ovário que havia sofrido torção do pedículo. sugeri que a paciente fôsse transferida para Sanatório Espanhol onde seria feito sob anestesia local uma pequena incisão no abdome inferior e exploração direta da cavidade peritonial. Confirmado o diagnóstico e com uma complementação anestésica o conteúdo do cisto seria aspirado por punção seguindose a retirada da cápsula tumoral. Exposto o meu ponto de vista retirei-me do recinto, e horas após o Prof. Pondé telefonou-me perguntando se estaria disposto a assumir com ele a total responsabilidade do caso o que respondi afirmativamente. Este foi o momento mais emocionante porque compreendi o quanto de responsabilidade assumiria embora estivesse escutado por uma das mais importante figura médica da Bahia. A paciente foi internada no sanatório espanhol, convocado o Dr. Menandro de Faria para complementar a anestesia e tudo mais graças a deus seguiu como programado. Vinte quatro horas após a cirurgia na minha 1a visita do pós operatório encontrei-a sentada no leito hospitalar alimentando-se normalmente e com um sorriso que jamais esquecerei. Este foi um dos casos mais brilhantes da minha vida profissional graças a confiança que o Prof. Pondé depositou na minha competência profissional. Hugo S. Maia Médico 73 Texto Sobre Dr. Adriano Pondé Vocação de pesquisador e de mestre, Dr. Adriano Pondé foi, por excelência, um clínico, um médico. Isso porque o médico, na essência de sua missão, engloba a figura de um pesquisador quando busca nos relatos do paciente e dos familiares, complementos com os dados oferecidos pelo exame físico, estruturar as bases do diagnostico. E de mestre quando ensina, quando orienta, quando prescreve com maestria os cuidados e procedimentos capazes de determinar acura do paciente. Dr. Adriano, como era chamado, detinha em plenitude essas qualidades. A partir daí diante de um caso clínico com sabedoria cuidava do esquema do tratamento e da estratégia de ação, sem esquecer as recomendações ao paciente e aos responsáveis pela execução das medidas terapêuticas prescritas. Era como se estivesse diante de uma batalha em que todos juntos – paciente, familiares, médicos e auxiliares – tivessem de sair vitorioso, como um dever, uma obrigação. Frente a um doente alguma coisa haveria de ser feita. Era o dever do médico. Por isso era importante colher informações reunidas. Eles, aliados ao saber científico conduziram o candidato capaz de superar as dificuldades, melhorando o paciente e dando satisfação aos familiares. Como professor, estava particularmente atento à necessidade de o aluno aprender a pensar. Pensar para agir com oportunidade de modo a obter resultados que significassem a recuperação do paciente. Tais, como se fossem princípios, valeram-lhe a condição de grande clínico, que lhe era com justiça atribuída. No momento atual, quando se comemora seu 1º centenário, as condições da prática médica são outras, bastante diferentes do 74 seu tempo, contudo, sentimento que ele desenvolveu e transmitiu, de uma medicina humanizada, solidária com o sofrimento daquele que adoece ainda tem muito sentido. Razão porque esta é uma hora de reflexão para todos aqueles que, como um, tiveram a honra de ser aluno e colaborador nos núcleos de aprendizagem e tratamento que ele desenvolveu na 1ª Clínica Médica da FAMED e na Escola de Nutrição da Bahia, ambos integrantes da Universidade Federal da Bahia, cuja Reitoria por ele exercida algumas vezes, em substituição. Assim, quando lhe são tributadas as homenagens do reconhecimento, pelo mérito que o fez contribuir para o engrandecimento da medicina bahiana e brasileira, modestamente quero expressar a minha mais profunda gratidão por tudo que recebi de sua magnanimidade, rogando a Deus que o ampare na continuidade de sua trajetória imortal. Salvador, 23 de Março de 2001 Ildefonso do Espírito Santo Médico 75 Homenagem ao Prof. ADRIANO PONDÉ É uma alegria poder partilhar desta homenagem, prestada por seus amigos pelos cem anos do prof. Adriano Pondé. Dois laços nos unem profundamente. Durante dez anos de luta com doença de minha família, Prof. Pondé foi nosso médico, amigo e conselheiro. Infatigável na sua dedicação, quase diariamente ia à nossa casa, acompanhando meu pai e minha mãe no seu sofrimento. Para nós, os filhos, ele soube criar laços de amizade, que nos acompanharam por toda a vida, mesmo depois do falecimento dos dois, cuja assistência e competência até a última hora de cada um deles, soube demonstrar. Neste longo tempo, foi para nós o médicos competente, fiel, que apesar de suas múltiplas ocupações encontrava tempo de ir até nossa casa, dar uma palavra de conforto e de carinho. Contávamos com sua presença amiga e nela confiávamos. Por tudo o que recebemos dele, nasceu em nós uma profunda gratidão. Terminado o nosso curso de Enfermagem em 1950, pois pertencemos à primeira turma desta Faculdade recém-criada, fui nomeada enfermeira chefe da 1ª Clínica Médica no Hospital das Clínicas, também recém-inaugurado, cujo Professor era, Adriano Pondé. Com ele trabalhavam jovens recém formados e estudantes de Medicina, incansáveis na sua dedicação. Dentre eles ainda estão entre nós Anita Franco e Angelina Pelosi, que exercem a Medicina com a mesma dedicação que o seu querido Mestre. Animados pelo Professor, organizamos a Clínica, e em pouco foi reconhecida como um centro sério de estudos médicos e de pesquisa. Prof. A. Pondé foi o primeiro professor de Clínica Médica, para a Escola de Enfermagem ré- inaugurada. Foi de tal modo dedicado, também para este novo grupo, que foi escolhido como paraninfo na formatura de 1950. A formatura foi realizada no salão 76 nobre da Faculdade de Medicina no Terreiro de Jesus, por não ter sido ainda inaugurada a Reitoria do Canela. A Escola de Enfermagem contou, desde a sua fundação com o apoio irrestrito do Prof. A. Pondé. Tenho em minha mão datado de 30 de dezembro de 1950 um bilhete escrito por Prof. A. Pondé que diz o seguinte: “Na história da Enfermagem bahiana, este ano 1950 assinala duas grandes efemérides de alta significação para o prestígio da profissão: 1) Formatura da primeira turma de alunas, 2) Assento no Conselho Universitário da Diretora da Escola de Enfermagem. Prof. Pondé, fazia parte do conselho. Na formatura Prof. Adriano Pondé foi com a diretora da Escola buscar as formandas, entrando formalmente no Salão Nobre da Faculdade. Depois do discurso da aluna escolhida para oradora pela classe, Prof. Pondé leu com muito entusiasmo o seu discurso de paraninfo. Houve uma Missa pela manhã, no Mosteiro de S. Bento onde depois de abençoados os distintivos da Escola de Enfermagem, as neoformadas os receberam individualmente do Prof. Pondé e da Diretora da Escola. Com pena não o pude acompanhar nos últimos anos de vida. Passei muitos anos no Mosteiro de Na. Sra. das Graças em Belo Horizonte. Não mais tive oportunidade de encontra-lo. Indo visitar no Hospital Cardio pulmonar, pude conversar com sua esposa, D. Carmem Pondé, muito doente mas bem consciente, que me reconheceu e falou-me do nosso caro amigo que já havia falecido. Que Deus já o tenha recompensado no Céu, por toda a sua vida de amor ao próximo. Irmã Joana Calmon Villas – Boas Maria Julieta Calmon Villas – Boas 77 TEMPO, LEMBRANÇAS, AFEIÇÃO* Em sua inexorável passagem o tempo faz esmaecer, apagar e destruir todas as coisas materiais ou não que tenhamos conhecido. Isso é um aforisma que temos ouvido e proferido pela vida afora aceitando-o em sua aparente integrabilidade. Existem coisas, no entanto, tão arraigadas a nossos próprios sentimentos que nem mesmo essa característica do tempo as pode sequer esmaecer. Refiro-me aqui, com muita saudade, respeito e admiração às lembranças que guardo grata e carinhosamente do inesquecível Prof. Adriano Pondé, da primeira Cadeira de Clínica Médica da Universidade Federal da Bahia onde, como Interna e após Assistente Honorária, privei de sua magnífica companhia, seus ensinamentos, sua ciência e bondade, juntamente com os tão queridos companheiros Jorge Leocádio, Renato Sena, Anita Franco, Denakê Philocreon, Veríssimo, Angelina Pelosi, Euvaldo Melo, Sílvio Monsão, José Augusto e a exemplar Enfermeira Julieta Calmon. São reminiscências maravilhosas guardadas em minha mente que o tempo – com certeza – jamais apagará. Hoje, nesta merecida homenagem que estamos prestando pela passagem do centenário de seu nascimento, sei que, onde quer que ele esteja, estará feliz por ter tão fortemente contribuído na formação moral e profissional de tão ilustres colegas aqui presentes e dos que, como ele, já se foram. *DEPOIMENTO FEITO POR JACY RÊGO VIEIRA, POR OCASIÃO DA HOMENAGEM FEITA AO PROF. ADRIANO PONDÉ, PELA PASSAGEM DO CENTENÁRIO DE SEU NASCIMENTO. 78 ADRIANO PONDÉ Paradigma de Professor do Século XXI Um homem elegante, gentil. Um Professor Pesquisador incansável. Um eterno coração de Estudante aplicado, metódico e obstinado. Professor Adriano Pondé aliava a sua imensa capacidade de trabalho à extrema meticulosidade, qualidades que o caracterizam desde a sua Tese de Graduação, arquivada na Biblioteca do Memorial da Medicina Brasileira, do Terreiro de Jesus, na Faculdade de Medicina. Essa Tese foi apresentada em 30 de outubro de 1923, para obter o Grau de Doutor em Medicina, e o registra como Adriano de Azevedo Pondé, ex-Interno de 2ª Clínica Cirúrgica e da 4ª Clínica Médica, natural da Bahia, filho de Dr. João de Souza Pondé e D. Adriana Maria de Azevedo Ponde. O trabalho foi intitulado como: “Contribuição para o Estudo das Águas Minero-Medicinais do Itapicuru”. Começava com a definição de águas minerais segundo os conceitos da época e, daí em diante, descortinava-se dentro do mesmo raciocínio e numa disciplina muito grande (outra sua característica). Discorria sobre as origens, a mineralização e o diagnóstico. Neste último explicava: “os elementos principais de diagnósticos da água são a situação topográfica, a termalidade e a constituição...”. No Capítulo Segundo, em continuação, relatava, de maneira profunda, sobre as propriedades físicas das águas, considerando coloração, limpidez, fluorescência, índice de refração, cheiro e 79 sabor. Sobre esta última, comentava: “De todas as águas minerais são as sulfurosas que têm odor característico. O cheiro particular de ovos podres, obtido no desprendimento de ácido sulfídrico, é mais acentuado nas águas sulfurosas cálcicas do que nas sódicas. Estas mesmas águas sulfurosas têm sabor desagradável, hepático e nauseoso.”, concluiu. Um outro item interessante e que mostra o acirrado grau de observação, foi sobre a temperatura da água: “Com a água de Cipó apresentou-se-nos ensejo de observar que, transportada da fonte para usos domésticos, conservava-se quente durante 10 horas”. Deste fato, a busca da explicação pelo retardamento da evaporação, em virtude das cargas elétricas de que são portadoras... Analisou, ainda, as águas do Itapicuru sobre o prisma da iontização crioscópia, pressão osmótica, resistências elétricas e colóides. Um dos aspectos que chama mais atenção é a atualidade do Autor (outro traço considerável). Estudava diuturnamente, sempre procurando estar à frente da informação. Para exemplificar, na ocasião em que realizou a Tese, começava-se a falar em Radioatividade. Pois, em um dos Capítulos, discorreu sobre a radioatividade das águas minerais, citandos vários Autores Franceses da época em que se iniciava a discussão sobre o assunto. Há, inclusive, uma fotografia mostrando uma placa com evidências da radiação de uma das fontes estudadas. No Capítulo Quinto desenvolveu o seu Estudo na composição e concluiu com a classificação das águas de acordo com a predominância de determinados Elementos, tais como: sulfurosos, cloretados, bicarbonatados, sulfatados, indeterminados e ferruginosos. Feitas essas considerações, o Graduado Pondé entrou no relato histórico do Itapicuru, abrangendo Caldas de Cipó, Mosquete, Muriçoca e Fervente. 80 Dosou todos os Componentes Químicos de forma qualitativa e quantitativa. A seguir, fez análise bacteriológica, ilustrando sua Tese com microfotografias dos bacilos encontrados. Contudo, o ponto alto da Tese estava na tentativa de provar, farmacodinamicamente, porque as águas citadas faziam bem aos Seres Humanos. As observações e os gráficos da pressão arterial, antes e após o banho, continuam, na atualidade, interessantes. A ação sobre a diurese, também. A análise profunda da urina e de elementos nitrogenados do sangue já demonstrava o grande Investigador que ali aparecia. Fez considerações sobre o efeito no aparelho digestivo e relatos de casos de desenssibilização anafilática após o uso das águas de Caldas de Cipó. As suas observações sobre os efeitos da água no aparelho digestivo contra asma, reumatismo, lotíase urinária, hipertensão e arteriosclerose, moléstias do coração e outras, são verdadeiros modelos de sua boa pesquisa e senso crítico. Nas suas conclusões acentuava sobre o valor efetivo das fontes em determinadas afecções gerais do corpo humano. Descrevia o cenário: “O pior é que não se cuidam das fontes. Tudo está ao abandono e ficará ao abandono sem a proteção decidida do Governo”. Impressiona esta Tese pela sua abrangência, pela sua interdisciplinaridade, envolvendo História, Geologia, Química, Física, Medicina, Geografia, Política, realizada não por um simples Formando, mas, por um Pesquisador, Médico, Educador nato, dentro do paradigma do século XXI. Obrigado Professor Adriano pelo seu exemplo! José Antonio de Almeida Souza Médico 81 Relembrando a presença do Dr. Adriano Pondé na Escola de Nutrição Ao falar em Dr. Adriano de Azevedo Pondé, o vejo como mestre e amigo, dotado de grande paciência frente aos arroubos dos jovens. Por vários momentos durante a minha vida acadêmica, quer como aluna ou membro do Diretório acadêmico em dias tão nefastos para a Nação, pude testemunhar a atitude deste homem que abandonava a sua postura de mestre e adotava a de um Pai, preocupado com sua prole, com o nosso bem estar, receio que ao tomarmos alguma atitude podéssemos ser vitimas de contratempos. Em sua quietude, deixava transparecer sua grande preocupação. Lembro-me das várias vezes que me argüiu para saber dos estudantes de Nutrição, se estavam em algum movimento, ou se liderando greve. Relato uma das ações mais importante que ocorreu quando houve um movimento para reduzir o Curso de Nutrição de 4 para 3 anos; após abrir para discussão e análise pelos membros da Congregação esta proposta de mudança, aguardando que todos dessem seu parecer, solicitou a palavra da representante dos “mais interessados” como citou; todos aguardaram, a aluna (eu), se pronunciou, e ele acatando a fala da aluna, colocou o assunto em votação, ficando mantido o curso com 4 anos. E assim fora em outros episódios, sempre valorizando o forma de pensar do jovem em formação profissional, animando para as novas investidas, cônscio do alto valor da Nutrição como ciência, na missão maior de mestre, dentro da ótica de Paulo Freire: “cabe ao mestre desenvolver a consciência crítica do aluno”, assim, Dr Adriano Pondé, cumpriu com maestria a nobre função do 82 professor/educador – mesmo nos momentos mais difíceis do País e hoje se faz mais presente que antes, neste templo onde soube erguer a científica fornalha do saber ciência em Nutrição e Alimentação. Como professora desta Escola, que ele fundou numa época em que falar de Nutrição e Alimentação não causava eco, reconheço que sua coragem e ação foi de um visionário no projeto para o futuro além do futuro, rendo as minhas homenagens, e agradeço a Deus por ter permitido a sua existência. Joselina Martins Santos Prof. Adjunto da Escola de Nutrição – UFBA 83 Declaração afetiva Eu, Luiz Antônio Costa, tendo colado grau em medicina em 15 de dezembro de 1956 pela nossa querida Faculdade de Medicina da UFBA, não poderia deixar de participar desta justa e oportunissima homenagem comemorativa do centenário do nascimento do nosso inesquecível mestre Professor Dr. Adriano Pondé; não poderia e não deveria estar ausente nesta grande efeméride pois fui um dos seus alunos, e como tal, aprendi acima de tudo ser um verdadeiro médico. O Professor Adriano Pondé além de ser o nosso querido, amado e respeitado mestre, foi o pioneiro da cardiologia do nosso país, dando uma dimensão inigualável ao nascer da cardiologia brasileira. Sendo assim, todos nós médicos que abraçamos tão nobre e dignificante especialidade cardiológica, devemos muito aos seus ensinamentos e acima de tudo à sua dedicação e amor a medicina em geral e fundamentalmente à cardiologia. Ele, o mestre Adriano Pondé, não é somente o Príncipe dos cardiologistas, ele foi e será sempre o nosso grande mestre, o nosso guia, o paladino da cardiologia brasileira. Nota: Lembro-me que numa manhã em aula, na primeira clínica médica no ano de 1955, quis contesta-lo sobre a insuficiência mitral, ele na sua característica do verdadeiro mestre resPondéu-me da seguinte maneira: ___ Meu colega, você terá muito a aprender como eu também terei muito a aprender com meus alunos. Essas palavras como muitas outras, foram de importância fundamental para a minha carreira médica, onde humildade, dedicação e competência são fundamentais. "OBRIGADO MESTRE" Luiz Antônio Costa CRM 1.170 84 Prof. Dr. ADRIANO DE AZEVEDO PONDÉ Solicitado a relatar algumas palavras sobre o ilustre Prof. Adriano Pondé, meu primo carnal e com quem tive a honra de conviver nos mais íntimos acompanhamentos da sua vida profissional. Não só a admiração e o respeito, mas tambem o grau de parentesco nos aproximava muito. Fui seu colaborador durante anos e, algumas vezes, discordávamos de algum diagnóstico o que nos levava a profundos estudos e analises até chegarmos a uma conclusão. Sentia nele o olhar de acerto e sua vibração quando o resultado era correto. Quando retornei do início de minha vida profissional exercida no interior deste Estado, fui convidado a montar um Laboratório de Patologia Clínica com a finalidade de montar técnicas novas visando mais a pesquisa que a rotina. Trabalhávamos em conjunto, dia e noite, domingos e feriados, com visitas familiares e hospitalares onde presenciei o professor passar as noites ao lado dos seus pacientes até a estabilização do quadro. Só usava os exames complementares para tirar alguma dúvida ou para controle. Era impressionante vê-lo firmar um preciso diagnóstico unicamente com o seu tino, poder de observação e conhecimento profundo da ciência medica, aliada à prática quotidiana que ocupava todos os momentos da sua existência. Não tenho a menor dúvida de afirmar ter sido o Prof. Adriano Pondé o maior expoente da medicina na minha geração. Luiz Muylaert de Azevedo Médico 85 DEPOIMENTO Certamente foi o Prof. Adriano de Azevedo Pondé um dos grandes clínicos e dos melhores professores que passaram pela nossa Faculdade de Medicina, então sediada no Terreiro de Jesus. Quando assumiu a 1ª Cadeira de Clínica Médica da Faculdade de Medicina, então única na Bahia, o Prof. Adriano convidou-me para seu assistente honorário, já que eu nela trabalhava há vários anos como interno do então catedrático Prof. Armando Sampaio Tavares, que falecera. Permaneci como assistente ministrando as aulas práticas e algumas teóricas, até 1954, quando, por interesses particulares solicitei o meu afastamento para integrar a Diretoria de um estabelecimento bancário, para qual fora convidado. Nessa ocasião o Prof. Adriano com sua verve habitual Pondérou-me: “mas seu Luiz, você trocar minha Cadeira por um Banco? O Prof. Adriano foi, sem dúvida, quem firmou na prática o exercício da Cardiologia na Bahia, divulgando o exame mais moderno da época, o eletrocardiograma tanto como “sua” terapêutica nas doses adequadas com os medicamentos digitálicos e estrofantínicos. Nessa época em 1944, quando me diplomei em Medicina, introduzi aqui na Bahia a oxigenioterapia, fundando com mais 2 colegas o Serviço de Gases Terapêuticos da Bahia, que também aplicava o Carbogênio, uma mistura de Oxigênio (95%) e Gás Carbônico (5%), que era empregado em injeções subcutâneas como vaso dilatador das artérias periféricas, nos casos de arterites, 86 principalmente diabéticas e posteriormente para fazer cessar os espasmos da coqueluche. O Prof. Adriano Pondé deu inteiro apoio ao Serviço de Gases Terapêuticos, utilizando a oxigênioterapia através de máscaras, cateteres e tenda de oxigênio nos casos indicados, ele que era o clínico mais conceituado e de maior clientela em Salvador. Fundamos também com vários outros colegas a Sociedade Bahiana de Cardiologia, da qual ele foi o 1º. Presidente e eu 1º Tesoureiro. Mesmo afastado da sua cátedra, continuamos a boa amizade até o seu falecimento. Salvador, 05 de maio de 2001. Luiz Ramos de Queiroz Médico 87 Homenagem ao professor Adriano de Azevedo Pondé, em seu centenário de nascimento. Trecho do livro: “uma mulher de branco”, que conta reminiscências do 1. Ano de Residência médica, no Hospital das Clínicas, hoje Hospital Edgar Santos, da Universidade Federal da Bahia. Capitulo XVII Na 1a médica, encontro o professor Adriano Pondé, como chefe da Clínica, um dos maiores cardiologistas da cidade na época, já mais idoso que Dr. Roberto. Possuindo uma clínica invejável, talvez por isso mesmo, não disponha de tempo como este para dedicar ao Hospital. É alvo, altura mediana, usa óculos, educado, fala mansamente, com um tom levemente irônico. Recebe bem seus residentes e demonstra sempre aquele cavalheirismo e fidalguia das famílias tradicionais baianas. Entre seus Assistentes, há três mulheres: Dra. Anita, orientadora da Residência, Dra. Angelina, descendente como eu de italianos e Dra. Denakê. Dra. Anita é morena, cor de jambo, tem cabelos negros e lisos, sorriso doce, covinhas maravilhosamente colocadas em sua face de pele macia. Alta, elegante, inteligente, mostra-se sempre atenta e interessada em seus doentes. É alta, veste-se com muito bom gosto, tem olhos escuros e vivos, boca de lábios grossos e sensuais, dentes alvíssimos, que surgem encantadores quando sorri. Dra. Angelina é alva, cabelos escuros, veste-se com mais sobriedade, sem perder a elegância. Trata a todos com gentileza. Está sempre correndo, de um leito para outro, vendo prontuários, dando ordens, observando. Dra. Denakê é morena, magra, não muito alta; tem fama de ser pessoa difícil no trato e na Residência, existem recordações não muito agradáveis de sua atuação. Tem um temperamento instável e não muito acessível, segundo dizem. 88 Chego meio temerosa, com orientação para não criar problemas. Procuro juntar todo mel que encontro em meu coração e, confiando nisso, sigo em frente, pensando: - Seja o que Deus quiser! Apresento-me ao professor, logo cedo, devidamente acompanhada pelo meu estetoscópio e belo abençoado caderno, armas do residente. Capa alvíssima, impecável. Sorridente, entro em sua sala. Dr. Adriano levanta-se, com uma mesura e me recebe com um sorriso largo. - Bom dia, Dra. Giovanina. A casa é sua! Vou mandar chamar Dra. Anita para apresentá-la. Já se conhecem, não? - Sim, naturalmente. Das aulas - Bem, isto dispensa apresentações. E, virando-se para fora: - D. Marisa, quer por favor chamar Dra. Anita? - Não demora e uma vozinha arrastada de nordestina faz-se ouvir na porta da sala. - Chamou, professor? - Sim, chegou a nova residente. Quer fazer o favor de vir Até aqui - Pois não, com prazer. Dra. Anita entra na sala, irradiando simpatia. Tem o ar fresco, um perfume delicado penetra com ela na sala. Sua capa é branca e limpa. Anda com movimentos felinos, sem pressa, com leves meneios sensuais. Sorri para mm. Já nos conhecemos, não é, Giovanina? - Sim, doutora Anita, fui sua aluna. - E muito boa aluna, ela comenta, delicada. É um prazer tê-la conosco, diz, apertando simplesmente minha mão. - Qualquer dúvida, ela é quem está encarregada de orientá-la. Mas pode vir a mim, quando queira; estou á sua disposição. Espero que se adapte bem conosco. - Obrigada, professor, sinto-me em casa. - Vai passar enfermaria agora, professor? Pergunta Dra. Anita. - Sim; vamos apresentar nossa colega aos pacientes, diz o doutor Adriano levantando-se. Penso emocionada: Vou conhecer um novo mundo... A enfermaria sem Silvio fica vazia. Chega o dia D de Cláudia; subo para instrumentar sua cirurgia. 89 Aberto o abdome o Dr. Hugo Maia, o cirurgião, encontra útero e ovários, solucionando o problema. Na véspera da cirurgia, acontece um incidente engraçado. Na hora de passar enfermaria, o professor Adriano vê Claudia chorando. Ele para, conversa com a menina, promete balinha, chocolate e... nada! Ela não para de choramingar. Passamos as duas enfermarias inteiras e os leitos individuais. Continua o ruído desagradável do choro de Claudia. O professor resolve voltar e conversar com ela. - O que você tem, Boneca? Vou dar a você uma nova filha. Esta está um pouco... velha, não é? A menina continua choramingando. - Se não quer uma boneca, quer uma bola? Umas panelas para brincar de casinha? - A criança olha-o com os olhos cheios d´dágua, mas não resPondé, amuada. - Faz tempo que está chorando. Quando a gente pergunta diz que num é nada... Explica a doente do leito vizinho. - Doutorinha, converse com ela, diz o professor sorrindo para mim e observando. - Claudia, Dr. Adriano vai dar a você outra boneca. Panelas para você brincar. Nós lhe daremos chocolates. Isto não é bom, querida? Dei um beijo estalado em sua face molhada de lágrimas. Um abraço apertado e ruidoso. A garota continuou chorando. - Você não quer os presentes? Responda, querida! O choro continuava. Ela afirmava com a cabecinha que queria, mas continuava chorando... O professor então olhou-a pensativo. Depois sorriu e comentou comigo e com Dra. Anita: E vocês ainda têm dúvidas de que ela seja mulher? Ora esta, chorando à tôa... Margot Lobo Valente Médica 90 Eu fui “uma das pupilas de Dr. Adriano” “Entrei para Escola de Nutrição em março de 1957. Foi o primeiro ano em que foi realizado o ingresso mediante concurso vestibular ... Fui aprovada!!! Felicidades!!! A partir daí , acostumei-me a ouvir sempre que éramos as “pupilas de Dr.Adriano”...Até então, não entendia direito a extensão da alcunha... Quando, n’uma manhã qualquer de 18 de outubro de 1957... Estava esperando a condução em um ponto de Ônibus. Aflita, haveria uma reunião... Foi tudo muito rápid... Um convite de uma amiga em um Citroen preto... Uma providencial carona!!! Uma manobra intempestiva de um caminhão... A derrapagem...O acidente... Ferros retorcidos, o Pronto Socorro do Canela... Fui reconhecida por uma colega de enfermagem... A Escola fora avisada!!! Neste instante a providencia divina traçou uma linha divisória entre uma mocinha qualquer vítima de um acidente, e uma “pupila de Dr.Adriano”. O querido mestre providenciou minha transferência para o renomado Hospital das Clínicas, no andar dirigido por ele, onde toda sua equipe (em especial Dra.Angelina Pelosi Matos) não mediu esforços e conhecimentos naqueles sofridos meses de internamento, entre o coma, o afundamento craniano, a amnésia profunda, e enfim,a recuperação. Por sua influencia, a Escola de Enfermagem foi mobilizada, havendo diuturnamente uma estudante ao meu leito. Após 2 meses tive alta, e nossa estória não terminou por aí... Após intenso sofrimento físico, o sofrimento moral... Deparei-me com a incompreensão da Secretaria da Escola, proibindo-me de realizar a 2a.chamada das provas perdidas... Eu,aquela aluna aplicada, responsável, com o ano perdido?! Não! Mais uma vez o mestre,o amigo, naquele instante o pai, entrou em cena, e com apoio da grande e saudosa amiga, 91 Enfa.Nilza Garcia, então Diretora da Escola de Enfermagem, descerraram o véu da incompreensão, e pude realizar as provas finais, permitindo–me o acesso ao 2o.ano, formando-me em 1959. A partir daí, pude entender o peso de ser uma “pupila”... Sua atitude despida de qualquer interesse pessoal ou político, a uma simples aluna desconhecida, norteou a minha vida profissional... Tal qual o Mestre e seus discípulos daquela Clínica Cardiológica do Hospital das Clínicas que testemunhei como paciente, como nutricionista,em um Hospital Psiquiátrico, procurei abordar cada paciente com respeito, dignidade, e individualidade, e não simplesmente como fichas dietoterápicas para doentes mentais. Hoje ,aposentada das minhas atividades profissionais, mas não da gratidão,agradeço a Deus a oportunidade de o ter conhecido, e poder contribuir à sua memória por ocasião do seu centenário de nascimento, entrelaçada à minha própria memória, por tudo acima relatado, e pela honra de possuirmos a mesma data natalícia...” Salvador,26 de junho de 2001 Maria de Jesus Valente Monteiro Nutricionista/CRN 0007 92 “Meu Cliente”, o Prof. Adriano de Azevedo Pondé Um carinho muito grande guardo em minha memória: o que significou para nós - eu e Jair, esta figura impar de Mestre, Professor, Amigo e Paraninfo da Turma de 1945 – “a turma de Jair”. Além de esposa de seu afilhado, fui agraciada com o título honorífico de “minha ginecologista”. Cuidei da querida dona Maria do Carmo por muitos anos. Seu acompanhante, o querido Prof. Pondé, tinha razão de assim me chamar; apesar de eu examinar a D. Maria do Carmo, ele procedia como se ele fosse o cliente, aquele para quem prescrevi a receita. Perguntava-me sobre tudo, desde qual o meu diagnóstico até a minúcias sobre a medicação prescrita, que substâncias originais continha o remédio, seus efeitos colaterais... Parecia-me que ele captava até o “não bom” da medicação, deixando apenas o BOM para que sempre surtisse o efeito desejado em sua “Iaiá”. Quanto amor, quanta dedicação! Lembro-me de suas visitas à nossa casa em São Thomé de Paripe, nos encontros e comemorações da turma de 1945. Balançando-se na rede, como vibrava de alegria, sempre expressando seu agradecimento pela beleza do lugar, pela nossa acolhida e a companhia de seus afilhados! Dona Maria do Carmo estava sempre rodeada da afilhada Bety Souto Maior e de nós, as “Esposas dos Doutores de 1945”! Maria de Lourdes Rocha Santos Burgos Médica 93 Lembranças Lembrar do Prof. Adiando Pondé é sempre um prazer. A lembrança daquele professor digno, estudioso e competente, lutando pela sua clínica e seu paciente, fazendo da medicina um ideal de vida. Criou uma escola, prestigiou seus colegas e alunos, dando uma lição do exercício da profissão com a maior seriedade e dedicação. Foi um amigo da Escola de Enfermagem nos seus promórdios, procurando valorizar aquele grupo, desejando fazer da profissão um parceiro importante na cura e manutenção da saúde. No seu centenário, devemos nos sentir honrados de termos participado de seu convívio. Maria Duarte Sepulveda Enfermeira da Turma de 1952 94 Professor ADRIANO PONDÉ A sociedade baiana associa-se à Universidade Federal da Bahia e, em particular à Faculdade de Medicina, nas homenagens que vêem sendo prestadas ao insigne Mestre da medicina, ao ensejo do centenário de seu nascimento em junho do corrente ano. Professor Catedrático, título conquistado em brilhante concurso de títulos e provas, o Professor Adriano, autor de numerosos trabalhos sobre sua especialidade, sempre buscou manter-se atualizado, o que lhe valeu o reconhecimento nacional de seus pares, tal as solicitações que lhe eram feitas para examinar concursos em outras faculdades do país ou pronunciar conferências. Também a sociedade soube apreciar os méritos do famoso clínico, acorrendo em grande número para o seu consultório. Valiase para tanto não só de sua grande competência clinica, mas de sua lhaneza no trato com pacientes e familiares, aliado a um grande senso de responsabilidade, dedicação e ética no atendimento aos que buscavam sua atenção profissional. Integrante da primeira turma do curso de enfermagem da UFBA tive o privilégio de ser uma de suas alunas na disciplina de Cínica Médica. Didático, discorria de modo eloqüente mas sem afetação, a matéria que dominava, sempre interessado no aprendizado de suas alunas. Essas aulas também despertavam grande interesse dos estudantes do curso de medicina, a procura de uma novidade a mais. Quando o Hospital das Clínicas (hoje Hospital Professor Edgard Santos) foi inaugurado em novembro de 1948, o Professor 95 Adriano foi dos primeiros a transferir da Santa Casa de Misericórdia os serviços ambulatoriais e de enfermaria sob sua responsabilidade, para as novíssimas instalações do hospital universitário. Ainda como estudante de enfermagem acompanhei a instalação do novo ambulatório. O clima cordial e de seriedade predominava no relacionamento entre o Professor e seus discípulos, propiciando o surgimento de laços de amizade no grupo, que se mantém até os dias de hoje. Entre as colegas de enfermagem, esse entendimento respeitoso, aliado a uma grande admiração ao Mestre, foi decisivo em sua escolha como paraninfo da primeira turma de nosso curso. Em brilhante oração “às moças”, o Professor Adriano ressaltou o grande papel da nova profissão de enfermagem, tanto nos modernos hospitais – escola, quanto no trabalho visando à prevenção das enfermidades, principalmente aquelas endêmicas em nosso meio. Mais tarde, já formada e na qualidade de Diretora da Escola de Enfermagem, tive mais uma vez oportunidade de trabalhar muito proximamente com o Professor Adriano, agora no Conselho Universitário onde ele era representante da Congregação da Faculdade de Medicina. Por dois mandatos consecutivos ocupou também o cargo de Vice Reitor, sendo o primeiro na gestão do Prof. Albérico Fraga e o segundo com o Prof. Miguel Calmon, quando teve oportunidade de assumir o cargo de Reitor em virtude do falecimento deste. Foi um momento difícil na vida de nossa Universidade, tolhida pela dor e pela surpresa do inesperado desaparecimento do Reitor Miguel Calmon. O Reitor Adriano soube conduzir a Universidade naquela inusitada situação, demonstrando grande equilíbrio e liderança. 96 Suas preocupações, além da administração da Universidade, estavam particularmente concentradas na Escola de Nutrição que ele próprio havia criado, e desejava que fosse realmente uma unidade modelo, centro de referência para o nordeste brasileiro. Finalmente, para concluir essas breves palavras, escritas sob emoção ao relembrar a figura de um grande Mestre, lembro das palavras de J. Maritain: “a grandeza das grandes figuras da História reside em que souberam inserir-se nas exigências do seu tempo”. O Professor Adriano soube aliar a sua sabedoria de grande profissional da medicina, ao de eminente professor, além de líder universitário. Salvador, abril de 2001 Maria Ivete Ribeiro de Oliveira Professor Emérito da UFBA 97 Ao Prof. Adriano de Azevedo Pondé, no seu centenário de nascimento É uma honra poder compartilhar, juntamente com a área de saúde da UFBA, e, de modo especial, com a dedicada equipe da então – 1ª Clínica Médica – Prof. Dr. Adriano de Azevedo Pondé do HC – nas pessoas dos seus diletos ex- assistentes, responsáveis pela realização dessa justa homenagem ao mestre, por ocasião do seu centenário de nascimento. Conheci o Prof. Pondé em 1945 quando aqui cheguei do meu interior – Jequié – trazendo a minha mãe, com uma carta de recomendação do nosso médico de família, o Dr. Cely de Freitas, para o seu colega, solicitando examina-la. Logo o procuramos, e fomos muito bem atendidas; cujo resultado do exame teve, Graças a Deus, o diagnóstico satisfatório. Fiquei impressionada com a maneira atenciosa e com a segurança demonstrada por aquele Senhor simpático e ainda jovem, no atendimento dispensado à sua nova cliente, nos deixando à vontade, ouvindo perguntas e respondendo com simplicidade. Procurou saber dos meus estudos, se eu já havia definido a profissão, insinuando-me a optar pela medicina; disse-lhe que preferia odontologia; ele rindo, disse-me louvar a minha determinação. – Nunca pensei que um dia viria a ser sua aluna. Em 1946, com a fundação da Escola de Enfermagem da UFBA, o meu amigo, Prof. Trípoli Gaudenzzi, me convenceu a ingressar na recém-criada escola, dizendo-me ser uma nova e promissora profissão. Foi quando tive a oportunidade de novamente encontra-me com o Prof. Pondé, já na condição de sua aluna, assistindo suas aulas de clínica médica. O seu método de ensino, despertava 98 atenção porque, ao tempo em que desenvolvia a teoria, intercalava exemplos vivenciados com os seus próprios doentes, alusivos ao assunto teórico, para uma melhor compreensão; aí, vibrava quando o diagnóstico e o tratamento levavam à recuperação do paciente; mas, também se mostrava triste quando falhava e, às vezes, levava o seu paciente ao óbito. Emotivo, evidenciava a sua dignidade profissional, seu espírito de responsabilidade e amor ao próximo. Era um dos professores mais ilustre da sua época, marcado pela competência, dedicação ao ensino e aos seus pacientes do então Hospital das Clínicas, bem como à clientela particular. Era um verdadeiro “médico de família”, visitando seus pacientes em domicílio tantas vezes quanto necessitassem de sua assistência, sem se preocupar com o horário. Hoje, que tanto se fala na oficialização do “médico de família”, naquela época eram os professores catedráticos da melhor estirpe que iam às residências, sem nenhuma complicação, atender aos seus pacientes de qualquer condição financeira. Impossível deixar, nesta oportunidade, de citar fatos referentes ao Prof. Pondé vivenciados por mim, os quais ficaram indeléveis na minha memória, a capacidade de compreensão, a sensibilidade e o respeito humano daquele homem de tanta projeção profissional. Era eu ainda estudante, e fazia estágio na 1ª Clínica Médica Prof. Adriano Pondé, unidade do então HC. Era a enfermeira chefe dessa Clínica, D. Radicliff Guanais Dourado (Santos Pereira), que também era professora da Escola de Enfermagem (naquela época se acumulava as duas funções), minha eficiente quanto exigente supervisora. Havia na clínica um paciente idoso, de temperamento difícil, que se negava de modo absoluto a beber água; os comprimidos ele ingeria a seco, derramava o copo d’água, desobedecia a todos. Esse paciente ficou sob meus cuidados e a D. Rad, me encarregou a convence-lo a beber água de qualquer modo. Estava eu nessa “luta” quando o Prof. Pondé entrou na enfermaria 99 e tomando conhecimento do problema, me pediu o copo, e, certo da sua vitória, disse ao paciente: “beba logo sua água com o comprimido amigo”; o homem, num gesto de revolta resPondéu: “doutô, o Senhor sabe muita coisa, mas não sabe tudo não... vou lhe dizer o meu segredo pra vocês me deixar em paz; ou vou embora... tem 10 anos que comi coração de cágado pra fechar meu corpo contra doença ruim e por isso não posso beber água nunca mais, para não perder o efeito; e, não é aqui que vou quebrar minha promessa” e deitando-se cobriu a cabeça. O professor me entregou o copo, bateu no ombro do paciente e disse: “está certo amigo, ninguém mais vai lhe falar em água; fique com aquela do seu coração de cágado”. Rindo, saiu dizendo: “a fé tem poderes além da medicina... aprendi mais uma lição”. Era assim o Prof. Pondé, cordato e humilde. Sua maneira como distinguia a Escola de Enfermagem, conferindo-lhe sempre uma posição de alto nível na Universidade, a atenção e amizade dispensada às estudantes, levou-nos, estudantes da 1ª turma dessa Escola, ao término do curso, a convida-lo para ser o paraninfo da turma em 09/12/50. Um outro fato que muito me sensibilizou em relação ao Prof. Pondé foi quando – já formada e chefe de enfermagem da Clínica Ginecológica – num fim de tarde, o professor chegou na minha sala visivelmente emocionado me pedindo licença para ficar sozinho, na sala de reunião dos professores, pois precisava desabafar; e, chorando copiosamente me falou de gravidade do estado de saúde do seu “filho profissional”, o jovem assistente Silvio Monsão, que se ultimava na sua 1ª Clínica Médica. Atendendo seu pedido ofereci-lhe água e deixei-o sozinho, por um bom tempo. Mais tarde, tentando se fazer de forte, banhou o rosto, agradeceu-me e saiu abatido. O Prof. Pondé não deixou filhos biológicos, mas, praticamente, “adotou” grande parte de seus alunos de medicina – 100 os internos da 1ª Clínica Médica, os quais chamava de “filhos profissionais”, muitos deles se tornaram seus fiéis assistentes. E, em relação a isto, vou falar de mais um dos seus episódios: já na década de 70, retornei ao seu consultório com a minha mãe; ele a examinou e disse-lhe: “a senhora está ótima e a partir de agora, quando precisar de médico, procure uma jovem médica, minha assistente, que atualmente sabe mais do que eu”; assim rindo muito disse que era a Dra. Angelina Pelosi; “não diga isso a ela para que não fique compenetrada, mas é ela, uma das minhas filhas de profissão”. E assim o fiz. A Dra. Angelina nunca soube dessa recomendação mas passou a assistir a mamãe com toda competência e carinho, passando a visitá-la em nossa residência quando isto se tornou necessário. Tão grande foi a sua assistência e dedicação, que a mamãe a chamava de “professora dos doutores”. E assim foi até os seus últimos dias entre nós (1990). O Prof. Pondé foi, portanto, um grande mestre não só na medicina, mas na orientação de pessoas em todas as dimensões! Maria José de Oliveira Professora Adjunto aposentada da escola de Enfermagem da UFBA Ex- Diretora da Escola de Enfermagem da UFBA Presidente da Associação dos Enfermeiros Aposentados da Bahia 101 ADRIANO PONDÉ – O INOVADOR Das qualidades magistrais e magisteriais de Adriano Pondé, merece principal destaque a de ter sido ele a fronteira e ao mesmo tempo traço de união entre o ensino da medicina clínica, em bases predominantemente teóricas como faziam os grandes professores que o precederam (José Olímpio da Silva, Fernando São Paulo, Sabino Silva etc.) e o ensino dirigido para Prática Clínica, como passou a ser por ele e pelos que lhe seguiram o exemplo, aproximando o jovem estudante do doente, mais do que da doença, o que se mantém até agora. De seus antecessores, o de que mais se aproximou foi o notável Armando Sampaio Tavares, cuja Cátedra veio ocupar em poucos anos. Outra notável realização foi ter criado uma Escola Médica Cardiológica, sendo especialidade da qual, foi introdutor entre nós embora, não deixasse de ser o grande Clínico Geral, sem subdividir a Medicina Interna em muitas sub especialidades (pneumologia, gastroenterologia, endocrinologia etc.) como infelizmente se vem fazendo no Ensino Médico, esquecendo-se que a medicina interna é uma só e que o grande clínico, é o que conhece bem e pratica todas estas sub-especialidades clínicas, até porque não se trata apenas o coração, o fígado, ou a tireóide de alguém trata-se alguém que tem um coração um fígado e uma tireóide. Portanto, Adriano Pondé, sendo um dos maiores cardiologistas do País, nunca se divorciou da clínica em geral, defendendo como os que lhe seguimos a orientação, que a Clínica Médica é uma só, não pode ser fracionada artificiosamente para contemplar os interesses e as limitações dos que se conformam com uma daquelas especialidades. Dentre os que se destacaram na Escola de cardiologia que iniciou, estavam Moreira Ferreira, Jorge Leocadio, Rubens Tabacoff, Anita Franco Teixeira, Angelina Pelosi, Denakê 102 Philocreom, Géothon Philocreom, Alberto Pondé, Armênio Guimarães, mas os que foram seus alunos apenas curriculares, receberam também a marca de sua orientação científica. Foi fundador de inúmeras associações científicas nacionais, tendo inclusive presidido algumas delas como as de Cardiologia. Estimulou e conduziu a pesquisa científica, inovou portanto o ensino da Medicina Clínica, o que não significa concordamos com a designação injusta, ingrata e pejorativa de “bacharelice médica” pela qual ainda hoje algumas desmemoriados designam o ensino clínico praticado pelos professores anteriores. Perfeccionistas, sua lições alcançavam todo assunto proposto, sem esconder a minúcia dos detalhes. Sua presença nas bancas de concurso, sempre se tornava dominante, além de temível pelos candidatos, porque a profundidade do seu saber e a elegância da sua dialética tornavam suas argüições de difíceis respostas pelos candidatos que pretendessem supera-lo até porque se transformavam em vigorosas lições científicas. Filho de um grande médico João Pondé, Adriano não teve filhos, mas considerava afilhados não só seus paraninfados, como os que lhe acompanhavam na Escola Científica. Fui um destes! Não se negava em acompanhar e ajudar médicos mais novos junto a casos clínicos difíceis mas, ainda assim não esquecia de fazer suas ironias. Lembro-me bem que visitando comigo uma paciente em que eu fizera o diagnostico de tromboflebite criticou a designação, substituindo por “venite” dos autores franceses ao que respondi, que aprendera com ele a primeira designação. Em outra oportunidade, quando lhe ofereci o estetoscópio para auscultar um paciente, agradeceu perante a família, dizendo preferir praticar a auscultação direta do tórax. Comentei ter ciência do valor destas últimas, que aliás foi a primeira e maliciosamente acrescentei, saber que ele a praticava diferentemente em pacientes masculinos ou femininos, usando orelha direta no primeiro caso e a esquerda no segundo; percebendo a malícia, acrescentou que assim fazia por sugestão das clientes... 103 Fui seu médico por algum tempo, num dos seus últimos anos de vida e pude perceber, que a disciplina quanto ao tratamento, inclusive a dieta, que exigia dos seus pacientes, modelarmente praticava como paciente, até porque ensinou-me: “ou se confia integralmente no médico ou se muda de médico” Meu primeiro contato com Adriano – tinha eu então 10 anos. Fui em casa do meu avô Francisco Eloy Paraíso Jorge, também médico cardíaco, quando por alguns dias Adriano substituiu seu pai João Pondé na assistência ao venerano paciente. E ali nasceu a admiração e a confiança que progressivamente aumentaram nas décadas seguintes. A lacuna deixada por Adriano Pondé na nossa Faculdade de Medicina, quando se aposentou, permanece até hoje, apesar de seus doutos sucessores. Com Adriano Pondé, aprendi que o médico não pode alinear sua autoridade e que deve praticar sua “Arte” com profundo conhecimento e também com sutil elegância. Documentava assim a sua presença na Posteridade, que ainda e sempre deve, saudade, respeito e admiração. Mário Augusto Jorge de Castro Lima Professor de Medicina 104 Adriano Pondé: parentesco e afinidades Ao procurar fixar alguns traços do perfil de Adriano Pondé deparo-me com uma série de imagens que se justapõem simultaneamente: a do médico humanitário, a do professor dedicado, a do pesquisador escrupuloso, a do acadêmico e outros tantos qualificativos que se conjugam para compor o retrato deste baiano ilustre, aqui justamente homenageado na oportunidade da celebração do centenário de seu nascimento. O meu propósito, porém, é revelar apenas um pouco do que foi Adriano Pondé na intimidade, aquele tão perfeito homem de família com quem tive o prazer da mais estreita convivência, pois, sendo ele o mais velho dos irmãos de minha mãe, nosso relacionamento começa, por atávicos caminhos, antes mesmo de meu próprio nascimento, na estreita relação de parentesco e compadrio. Debruçada no espelho turvo do passado busco captar uma das imagens de Adriano Pondé: a minha imagem de Adriano Pondé. Busco juntar fragmentos dispersos. Às vezes opacos, diluídos na distância, às vezes brilhantes e vivos como vidros coloridos formando desenhos num calidoscópio. Na monografia que escreveu sobre Marcel Proust, Adriano Pondé assinala que, para esse autor “a justaposição de estados sucessivos é que faz o nosso Eu”. Convenhamos, neste momento, que a“ busca do tempo perdido” é um difícil e lento trabalho para quem se disponha a resgatar sua verdade e permanência, no antigo sabor dos dias vividos. Mas o que será realmente a “verdade” de um homem, seu lado mais absoluto? E haverá, porventura, esta totalidade do ser? Se para Marcel Proust, uma das paixões literárias de nosso homenageado, “a nossa personalidade social é uma criação do 105 pensamento alheio” e por isso mesmo se nos afigura múltipla, distorcida, conflitante, o que será então nossa personalidade real? Existe, realmente, ou será também uma permanente mutação, um reflexo de variados estados de alma, das contingências do ser “em situação”? Assim, nesta busca de camuflados caminhos, onde se enredam os confusos fundamentos de meu próprio labirinto, vou tateando aos poucos, como se armasse peças de um quebra-cabeças: intuições, reminiscências, reinventos. Como através de um painel que se desdobra, vejo a casa da rua 8 de dezembro, com sua escada de mármore branco lançando faiscas ao sol do meio dia. Uma mangueira sombreava o pátio e na varanda, móveis de ferro, no melhor estilo art-decô, apertavam os dedos dos visitantes distraídos em suas lâminas maleáveis. Havia um almoço, reunião de família, e ele chegava, apressado, num terno de linho branco, óculos de grau, redondos com aros pretos, sorridente, desculpando-se do atraso. Lembro também, de repente, de uma varanda sobre o mar – havia por acaso luar aquela noite em Praia Grande ou a memória fantasia a sua parte? Havia lua, sim, a claridade esbranquiçava a areia da praia onde pescávamos papa-fumos. De súbito, uma barata apareceu, voando, do arvoredo da casa ao lado fazendo com que ele subisse lépido e apavorado, na amurada da janela. Passado o susto, desatamos todos na gargalhada: pois não é que o Dindo tinha medo de baratas? Há um sabor de chá e madeleine nestes assomos de reminiscência. Todos temos nossos Combrays, nossas tias Leôncias com seus chás, seu perfume suave acendendo lembranças. Assim é que aos poucos, lentamente, vou desfazendo os novelos. O Dindo da minha infância era uma presença boa, amistosa, agradável, sempre pronto a presentear generosamente, a aliviar os sofrimentos de nossas moléstias infantis, mas não era 106 ainda a presença duradoura, indispensável, a que buscou e conseguiu, na cumplicidade do espírito, apagar as diferenças de geração, de idade e até, porque não dize-lo, de uma diferente visão de mundo. De repente, não posso bem precisar a época, Adriano passa a ocupar na minha vida um lugar privilegiado numa escolha ditada mais por uma afinidade espiritual do que pelas razões de parentesco. Agora era também o companheiro que ouvia com atenção, que chegava de repente com um livro desejado, que me reconhecia a vocação, ainda na insegurança dos primeiros versos. Presente em todos os momentos importantes de minha vida: alcovitava o namoro, acompanhou o noivado, paraninfou o casamento. Assistiu ao parto de todos os meus filhos. Quando editei o primeiro livrinho e, diante dos volumes, ainda quentes da prensa, me perguntava, meio aflita, o que fazer daqueles pacotes empilhados na sala, ele chegou de repente já tinha sabido do livro! Chegou entusiasmado, desfez os pacotes, ditou dedicatórias, distribuiu orgulhosamente alguns volumes para parentes e amigos, enviando pelo correio, cobrando opiniões, de preferência elogiosas, é claro. Daí para diante não perdia lançamento, sempre fazendo questão de comprar vários livros Não quis o destino que ele, já então muito doente, assistisse à minha posse na Academia de Letras. Ele, que tantas vezes vaticinara esse acontecimento. Aqui assinalarei duas coincidências: a primeira vez que participei de uma cerimônia acadêmica foi por ocasião de sua posse na Academia de Letras da Bahia. Ainda no Terreiro de Jesus, a velha casa que então sediava a Academia seria insuficiente para tantos convidados. Por isso a festa se fez no salão nobre de sua querida Faculdade de Medicina, também ali, na mesma praça, no Terreiro de Jesus. 107 Naquela noite memorável, para minha surpresa, terminou o discurso de posse citando versos de meu livro Sesmaria. Foi então que tomei consciência de que seu interesse pela minha atividade poética transcendia o círculo familiar. Respeitada em minha tão jovem experiência, me senti feliz de estar sendo publicamente reverenciada. Mas, se a primeira vez que pisei na Academia foi para assistir à sua posse, a última em que ele lá esteve foi para votar na minha candidatura. Não teve a alegria de me ver com o colar e eu, cumprindo a liturgia acadêmica, fui escolhida para o doloroso dever de fazer-lhe o elogio, como a um confrade desaparecido, ao declarar-se a vacância da cadeira que fora, por ele, tão honrosamente ocupada. Myriam Fraga Poeta 108 ORAÇÃO DE DOUTORANDO COLAÇÃO DE GRAU FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA 1942 O LIVRO UNDÉCIMO Osvaldo Devay de Souza (in memóriam) PROFESSORES HOMENAGEADOS E vô-lo digo com perversão da verdade, porque nós e que estamos homenageados à nossa escolha e na aceitação que lhes destes. Nós os destacamos, sem excluir, mas preferenciais, ou por afeto mais comunicado, ou por estímulo mais assíduo, ou por objeto de esperança maior de ajuda e patrocínio quando das nossas mais ingratas dificuldades. E assim nos veio: A bondade que se oculta, disfarça, mimetiza em Eduardo Diniz. A amizade fraterna de João Andréa, em todos os nossos passos de estudante presente. A acolhida paterna de José Olímpio, simples e dadivoso, servindo o ouro de lei do seu senso clínico. A formosura de coração e o talento de Estácio de Lima. O cavalheirismo e a simpatia de Adriano Pondé, jovem mestre amadurecido de saber, a quem devemos os nossos reais primeiros encontros com a medicina. (N.R.o grifo é nosso) 109 A cordialidade de Lafayete Coutinho, que tão mais se liga conosco porque integra a família de um de nós. A capacidade de ser e de ilustrar, de Cesário de Andrade, que nem a distância afastou dos moços seus discípulos. E o mais que afeto, e mais que justiça, a idolatria por Almir de Oliveira. E ao Professor EDGARD REGO DOS SANTOS, querido padrinho das nossas boas e belas esperanças. Cortesia de Ogvalda Devay Torres médica 110 Adriano Pondé As pessoas predestinadas trazem a característica de uma personalidade polimórfica, refletindo a biodiversidade natural dos seres bem dotados. Por tal motivo, um perfil de Adriano Pondé tem que focalizar os múltiplos aspectos da brilhante trajetória da sua vida. Ele nos deixou a lembrança sempre viva do professor, do chefe de escola, do clínico, do administrador, da pessoa humana entusiasmada pela vida. O professor da Faculdade de Medicina, titular de duas disciplinas, Propedêutica Médica e Clínica Médica, se distinguia pela singularidade da sua didática. Sem pressa, sem estardalhaço, sem querer impressionar ninguém, o mestre, no seu raciocínio cartesiano, timbrava em ser compreendido. Com a segurança e tranqüilidade que Deus lhe deu, transmitia aos alunos a alegria genuína da aprendizagem. O que noutras aulas parecia sobrecarga ou aborrecimento com ele era o “apprendre par plaisir”. Realista, prático, teorizava quando necessário, mas sempre ancorava suas afirmativas em lições concretas. Sempre a par dos avanços contínuos da medicina, logo trazia as novidades e as aplicava nas aulas de enfermaria. Foi um verdadeiro chefe de escola médica, criando no Hospital Santa Isabel, onde se ministrava a parte clínica do Curso Médico da UFBA, a célula pluripotente da cardiologia baiana. Fundou o primeiro ambulatório de Cardiologia de Salvador, onde dirigia e incentivava um grupo ebuliente de estudantes e assistentes da cardiologia, especialidade que se tornou a mais prodigiosa da medicina atual. 111 Professor Adriano Pondé chegou a contratar um professor de Matemática para explicar a teoria dos vetores, assunto básico para a interpretação dos mistérios do eletrocardiograma. Depois, transferiu seu serviço para o Hospital das Clínicas da UFBA, onde continuou a formar gerações de médicos que se beneficiaram com sua orientação. Ao lado da criadora atividade acadêmica, exercia também a clínica particular, pois não era possível sobreviver com o ordenado irrisório de Professor Catedrático. Com a sua competência e seu carisma interpessoal, atraiu uma das maiores clientelas de Salvador. Quando diante do cliente, dedicava-lhe toda a sua atenção, sem interposição da sua pessoa de médico e sem quaisquer interrupções. Sabia ouvir porque sentia ele que a doença freqüentemente diz seus segredos em parênteses casuais. Era um ouvinte atento, com especial sensibilidade para as entrelinhas da história do paciente. Além de ser profissional competente era uma pessoa humana que tratava de seres humanos que necessitavam de ajuda. Um outro aspecto da personalidade do Prof. Adriano Pondé era representado pela sua insaciável curiosidade intelectual. Era um aprendiz eterno. Não se julgava dono de nenhum conhecimento. Quando previu que a língua inglesa iria torna-se universal e que a hegemonia do francês iria ser destronada, resolveu estudar inglês, e logo começou, com seu entusiasmo juvenil, a falar, sem temer os erros iniciais e normais. Dizia, na época, que quem não conhecia o inglês só utilizava um hemisfério cerebral. Na sua especialidade, a cardiologia, os avanços científicos eram contínuos e amplos. E ele dizia que estava sempre aprendendo e se atualizando e acompanhando o que ocorria em todos os outros centros de estudo cardiológico. Sua tese de concurso versou sobre enfarte do miocárdio. Numa época em que não havia Bireme nem Internet, conseguiu, num esforço homérico, reunir o que havia sido feito no mundo inteiro sobre o assunto e 112 publicou uma tese que se tornou famosa pelo volume de informações que proporcionou. Outra qualidade importante possuía o Prof. Adriano Pondé: era um administrador geneticamente bem estruturado. Dedicado ao trabalho, onde encontrava a realização se seu ímpeto criador, sabia como pouca gente, distribuir o seu tempo e fazer tudo que fazia com a concentração total dos seus pensamentos. Nos mandatos do grande Reitor Prof. Edgard Santos, participou ativamente da Universidade Federal da Bahia. Foi essa época que teve a inspiração de criar a Escola de Nutrição da UFBA. Durante muitos anos dedicou o melhor dos seus esforços para criar, manter e dirigir esta escola que se tornou uma das melhores unidades da UFBA. Nessa época foi também Reitor interino da UFBA e ai então exerceu este cargo com muita inteligência, e diria mesmo, com muita alegria. Também se tornou membro da Academia de Letras da Bahia. Dominando todos os aspectos dessa vida fecunda, sobressaia a figura de pessoa humana que era o Prof. Adriano Pondé. Possuía o raro dom de saber ser feliz. Tinha a capacidade de transformar acontecimentos hostis e neutralizar as pessoas que monopolizavam a maldade. Diante dos seus pacientes, ele corporificava o velho axioma de que o médico era o melhor medicamento. Irradiava sempre o sentimento da alegria para seus familiares, seus alunos, seus amigos, seus pacientes. Estamos reunidos, nesta homenagem, para honrar a memória de nosso mestre e amigo. Os mortos deixam de ser mortos quando os vivos os reanimam. É através dos vivos que os mortos revivem, que observam, que falam, que se tornam presentes. A lembrança de Adriano Pondé está presente em cada um de nós. Tudo o que amamos nele, tudo o que admiramos subsiste. Nossas idéias, nossos trabalho, nossos sentimentos, nossos atos trazem sua marca decisiva. 113 Somos, nessa homenagem, em grande número, os que testemunhamos essa grande vida. Transmitiremos a lembrança e o exemplo dela às gerações futuras. A vida do nosso mestre se tronou sua própria lenda. Nós o encontrávamos sempre o mesmo, sempre o que esperávamos de mais nobre. Sempre nos mostrou a elevação dos pensamentos, a beleza do seu trabalho, a coragem das suas decisões. É natural que a meditação se dirija aos mortos que foram nossos modelos, a fim de lhes pedir conselhos e exemplos. Professor Adriano Pondé resumia tudo que fazia numa palavra: esperança. Ele pedia que tivéssemos confiança no homem, o que, leva a respeitar suas liberdades; confiança no nosso espírito para ir, de erro em erro, na direção da verdade e confiança na nossa ânsia de encontrar passagens através do universo imenso da nossa alma. Essa é a sua mensagem que devemos manter viva em nós a fim de que o espírito de Adriano Pondé não morra. Sabemos como ele gostava das comemorações em que os grandes mortos guiam os vivos e que louvava o gesto piedoso de acrescentar uma pedra à pirâmide erguida sobre o túmulo. Depende de nós que Adriano Pondé continue a ser. Nesta homenagem do centenário do seu nascimento, colocamos a pedra fundamental de um monumento do seu espírito. Penildon Silva Médico 114 No Centenário de ADRIANO PONDÉ Reúne-se, esta noite, a Academia de Letras da Bahia, para reverenciar a memória de Adriano de Azevedo Pondé, confrade nosso cujo nascimento ocorreu, exatamente, há cem anos. Era Adriano, por natureza, de temperamento irrequieto. Incluía-se entre os que detestam o ócio e buscam a cada instante uma causa nobre para com ela ocupar-se. Pelos seus múltiplos interesses e variadas habilidades, deixou Adriano expressivas realizações em campos muito diversos. E reuniu amplo círculo de amigos e de admiradores, tanto entre os que conviviam com ele, diuturnamente, como entre os que, radicados embora em terras distantes, compartilhavam idênticos interesses. Em meio a uma vida assim cheia de afazeres tão diversificados, identificavam-se preferências e prioridades. Acima de todas, esteve, inquestionavelmente, a dedicação aos seus pacientes. Soube Orlando Gomes, companheiro seu de lides universitárias durante décadas, sintetizar de modo admirável a marca predominante da personalidade de Adriano: “Foi intensamente médico”. Em três palavras, resumiu Orlando o que Adriano trouxe do berço e representou para ele o legado maior do convívio com o Dr. João de Souza Pondé. Além de pai, o “velho Pondé”, conforme era conhecido entre os amigos mais íntimos da geração seguinte, foi também o exemplo e o modelo por ele escolhidos para toda a sua existência. Ouçamos as palavras do próprio Adriano, no discurso de posse nesta Academia: “Com simplicidade vos declaro que praticar a Medicina foi a minha primeira ambição consciente, estimulada com o exemplo aliciante de meu pai. Assim, nascia uma vocação, este apelo para uma determinada forma de vida, e que me atraía e me compelia a adotá-la, nos seus anseios, nas suas vicissitudes, na sua luta obstinada contra a morte. Em meu Pai, conheci a completa 115 personificação do verdadeiro clínico: pelo saber, nas qualidades do coração, pelos donos do espírito. Através do exemplo, ensinou-me a tolerância e a paciência – a elevação moral – a dignidade da profissão; com a palavra, inspirou-me na compreensão dos que sofrem e instruiu-me na fidelidade ao ato clínico. – Todo ato médico é, com efeito, um ato de fé – nos progressos ilimitados da ciência – no poder da arte de curar!” No exercício da profissão, graças à verdadeira maestria na prática das relações médico - paciente, sabendo unir o sentimento da dignidade do ser humano sob os seus cuidados ao conhecimento atualizado da ciência médica e à intuição nutrida pela experiência, Adriano fez amizade incontáveis, que se estenderam ao longo de toda a vida. Invariavelmente, a amizade assim construída, não ficava restrita ao próprio paciente. Logo, estendia-se à respectiva família, o que em muito ampliava o círculo de amigos nascido da relação médico-paciente. Mesmo quando exames especializados se mostravam necessários, e colegas que dominavam outras técnicas eram chamados a colaborar, permanecia Adriano, pela vontade do paciente e da família, coordenando e orientando os trabalhos, como é próprio do exímio “médico de família” que havia aprendido a ser como o velho João Pondé. Coincidiu a época em que Adriano foi atingido a plenitude do exercício da Medicina clínica, com transformações em grande profundidade nas bases científicas da prática médica. Não faltou quem chegasse a considerar difícil a dissociação entre medicina e ciência. Contudo, a relação médico - paciente é, essencialmente, uma relação entre pessoas humanas, entre indivíduos, com personalidades próprias. Por sua vez, a produção científica se apresenta sob a forma de generalidades, entre as quais compete ao médico selecionar e identificar as informações que importam à condição do seu paciente. Enquanto a ciência busca o entendimento de fenômenos da natureza, em si mesmos desprovido de um sentido ético, na medicina, ao contrário, lida-se constantemente com uma hierarquia de valores cristalizada em antigas tradições. É certo que já se não pode conceber a Medicina 116 esvaziada das suas científicas. Porém, o labor científico e o exercício da clínica tem, cada qual, identidade própria, mesmo quando aplicadas conjuntamente em benefício do ser humano cuja saúde se acha perturbada. Como denominador comum e requisito essencial aos médicos de todas as épocas, esteve sempre a necessidade de uma boa dose de altruísmo, o que nada tem a ver com as bases científicas da medicina. Colocava-se Adriano entre os que encontraram o equilíbrio no domínio das técnicas firmadas em bases científicas, com o sentido humanista da relação com os pacientes. Na civilização ocidental, ao longo de tantos séculos de tentativas e erros visando o aperfeiçoamento dos cuidados com a saúde, a despeito de terem sido postos à prova modelos variados de organização do exercício profissional, nenhum se mostrou tão confiável entre as partes envolvidas quanto a simples e sempre atualizada fórmula do “médico-de-família”. E era esta a lição maior que apreendiam os seus alunos, quando exercia Adriano o mister de professor de Clínica Médica, ao qual se dedicou por quase toda a vida profissional. A prática do magistério médico, contudo, envolve muitas responsabilidades das quais o nosso homenageado soube desincumbir-se de modo a fazer crescer incessantemente o conceito que desfrutava entre os colegas e discípulos. Assim, era extremamente zeloso no preparo das aulas expositivas. Preocupava-o, sobremodo, a constante atualização, pelas melhores fontes, do material que apresentava ás turmas sucessivas do último ano do curso médico. Para isso, esteve sempre entre os professores que custeavam do próprio bolso os livros e as muitas assinaturas de periódicos da sua especialidade. A irregularidade (poderia dizer, a irresponsabilidade) na aquisição de bibliotecas universitárias. Os professores mais consciente da importância da formação atualizada – entre os quais Adriano ocupava posição inarredável – sentiam-se obrigados a custear com os seus minguados salários a aquisição de vasto material bibliográfico. A conservação destes livros e revistas, instrumentos 117 essenciais ao nosso labor, se vem tornando cada dia mais onerosa na vida moderna, pela exigência de espaço e pelos cuidados na profilaxia das várias “doenças” a que estão expostos, particularmente quando mantidos em ambiente doméstico e não em bibliotecas institucionais devidamente climatizadas e sob a guarda de pessoal especializado. Como Adriano precedeu a era do xerox e da Internet, dos editores de texto, das maravilhas projetoras e das sensacionais impressoras ligadas aos computadores, era para ele – e para os seus auxiliares – uma luta incessante obter microfilmes e providenciar reproduções ou máquinas de leitura que, por mais sofisticadas, sempre deixavam a desejar. Só os mais velhos sabem como as novas tecnologias tornaram tudo isso mais fácil para os intelectuais dedicados ao seu trabalho. Os jovens de hoje, por terem encontrado a baixo custo tais regalias, nem sempre imaginam a imensa tenacidade exigida dos os que os precederam, quando queriam manter-se em dia com as publicações científicas ou localizar exemplares de material bibliográfico mais antigo. A preocupação de Adriano com a atualidade das aulas ia mias longe. O temperamento irrequieto levava-o a buscar o que fosse mais avançado no tocante aos métodos audiovisuais, muito antes que estes se tornarem rotineiros. Tanto para as aulas como para a apresentação das suas próprias pesquisas, adquiria equipamento e manuseava material de projeção cuidadosamente escolhidos. Convém lembrar que tudo isto ocorria quando a pobreza das instituições locais era muito maior que a de hoje. A despeito do muito que aprendi da disciplina de Clínica Médica enquanto discípulo de Adriano, a causa maior da minha admiração pelo seu desempenho como professor está no esforço colossal que devotou às pesquisas clínicas, ainda quando eram extremamente precários os meios ao nosso alcance. O que há de melhor nestes seus trabalhos data de antes do funcionamento do Hospital das Clínicas e teve como principal ambiente o velho Santa Isabel das décadas de 1930 e 1940. Pouquíssimos foram os seus colegas de cátedra que lograram produzir, na mesma época, obra 118 de densidade comparável, por exemplo, à dos estudos sobre o infarto do miocárdio e sobre a doença de Chagas em nossa terra. Depois da profunda transformação nos equipamentos da área da saúde ocorrida no Norte- Nordeste do Brasil quando do início do funcionamento do Hospital Universitário Professor Edgard Santos, já Adriano estava sendo freqüentemente convocado para tarefas de liderança, ora na nossa e em outras Universidades Brasileiras, ora na comunidade baiana em geral. Restava-lhe, então, pouco tempo para atender às exigências da pesquisa clínica, no estilo das que havia realizado anteriormente, quando as condições eram de muito maior escassez. Um dos temas da predileção de Adriano, ao longo de toda a sua vida profissional, foi o infarto do miocárdio, sobre o qual escreveu a tese de concurso à cátedra de Clínica Propedêutica Médica, em 1937. Este trabalho extraordinário impressiona sobremodo pela riqueza das observações próprias que o autor conseguiu reunir, dentro das limitações que enfrentava. A tese de Adriano tornou-se conhecida no mundo acadêmico nacional, já em virtude do aspecto externo, uma vez que ocupava cerca de setecentas páginas de texto, além das sessentas e quatro preenchidas pelas mil cento e trinta e três referências bibliográficas. Mas, não foi ente o motivo maior de haver servido para que o autor firmasse definitivamente a sua reputação entre os colegas de profissão. Valeu e vale o trabalho, acima de tudo, pela qualidade do material próprio que ilustra vários dos seus capítulos, e que foi colhido graças a imenso esforço e indizível dedicação. Nisto, se sobressaía quando confrontada com outras teses de época pretéritas à nossa Faculdade, nas quais as quais do autor ficavam relegadas a plano muito secundário, enquanto predominava a preocupação com a revisão crítica da leitura. A parte essencial do trabalho em tela consiste nas observações clínicas, profusamente documentadas, de quatorze pacientes atingidos pelo infarto do miocárdio. Procedendo-as, entretanto, encontra-se clichês de excelente qualidade referentes a material colhido pelo mesmo autor para ilustrar a anatomia do sistema 119 circulatório coronariano, as alterações radiológicas conseqüente ao infarto, além de fartíssima documentação eletrocardiográfica de estudos experimentais em cães submetidos a intervenções cirúrgicas sobre os vasos coronarianos. Sempre atento ao que havia de mais moderno em cada época, logrou Adriano, no devido tempo, dominar a interpretação das imagens radiológicas, especialmente as do tórax, e dos traçados eletrocardiográficas. Estas duas técnicas encontravam campos de aplicação particularmente férteis no estudo de outra doença cujo significado em nosso meio era então ainda desconhecido. De toda a história da Medicina no Brasil, o capítulo do qual mais nos orgulhamos é, sem sombra de dúvida, o da identificação e da descrição da tripanossomíase americana pelo médico-cientista Carlos Chagas. Incluem-se esses trabalhos entre os clássicos da leitura biomédica universal. Não obstante, como é sobejamente conhecido, a importância dessas pesquisas não foi logo reconhecida, e houve até quem as contestasse veementemente. Não é de surpreender, pois, que outros estudiosos brasileiros tivessem a atenção voltada para a doença que representava verdadeiro desafio entre os responsáveis pela saúde da nossa população. Na Bahia, a percuciência clínica de Adriano o levou a enfrentar desse desafio, reunindo os protocolos de 36 pacientes exaustivamente examinados. Originou-se, desta forma, a famosa monografia intitulada “A doença de Chagas na Bahia”, publicada nos “Arquivos da Universidade da Bahia” em 1946, e que assim se inicia: “Desde algum tempo, que vinha chamando nossa atenção, nas enfermarias, a ocorrência de casos de miocardite crônica, em indivíduos jovens, cuja etiologia não era possível identificar... .“ Do trabalho de Adriano e colaboradores, destaca-se a cuidadosa análise das arritmias cardíacas, possibilitada pelos conhecimentos profundos que tinha da eletrocardiografia. Quero fazer valer, aqui, o meu testemunho pessoal da verdadeira “garra” de Adriano ao dedicar-se a essa pesquisa , sem a qual jamais teria sido possível a valiosa contribuição que ofereceu ao conhecimento de uma entidade nosológica assim 120 complexa e de tão grande significado social, como a moléstia de Chagas. Entre os seus colaboradores, era tudo levado com muito bom humor. Lembro, por exemplo, as peripécias de mobilização até ao Hospital, dos galináceos usados para alimentar os insetos vetores do agente causador da doença. Era esta tarefa atribuída, predominantemente, á técnica Helena, nas suas poucas horas vagas, porquanto era ela a encarregada de colher os eletrocardiogramas interpretados pelo professor, tanto no Santa Isabel, quanto no consultório particular. Os exames laboratoriais dos pacientes objeto da pesquisa eram realizados por nós, estudantes, em apertada sala de um dos anexos do Santa Isabel, num laboratório provido apenas do equipamento mais elementar. Nenhum financiamento existia, a esse tempo, para pesquisas médicas, nem de fonte pública nem privada. Tudo era na base da dedicação e do sacrifício. Tive o privilégio de, juntamente com outros discípulos seus, acompanhá-lo durante as horas da manhã, todos os dias, ao longo de vários anos. Na Enfermaria e no Laboratório da 1ª Cadeira de Clínica Médica da Faculdade, eram seus colaboradores àquela época: Jorge Leocádio de Oliveira, Renato Sena, Anita Franco, Angelina Pelosi, Denaké Philocreon, Lydia Paraguassú, Moacir Veríssimo e outros que permaneceram conosco menos tempo. E, no Ambulatório de Cardiologia da Santa Casa da Misericórdia, também dirigido por Adriano, integravam a mesma equipe os colegas José Moreira Ferreira, Alberto Pondé e Rubens Tabacof. Com eles iniciei o meu aprendizado da clínica. A despeito de todas as dificuldades enfrentadas pelos que dedicam, atualmente, ao magistério superior, em nada se comparam as de agora com as que enfrentávamos para resolver os mais elementares problemas, naqueles tempos que já vão distantes. Para exemplificar as carências com que lutávamos, cabe lembrar a inexistência de qualquer arremedo de enfermagem junto aos pacientes da Enfermaria do Hospital Santa Isabel a cargo da 1ª Cátedra de Clínica Médica. A transferência do ensino da nossa 121 Faculdade para o Hospital das Clínicas, entre o final da década de 1940 e o começo dos anos 50, modificou radicalmente esse quadro. Não me canso, por esta e outras razões, de afirmar que as inovações implantadas no Hospital Universitário Edgard Santos constituem o mais importante evento da história da assistência à saúde na Bahia, ao longo do século que passou. Durante largo tempo, devotou-se Adriano com o maior entusiasmo, a conhecer melhor as publicações do Professor Frank Wilson, da Universidade de Michigan, que precisamente àquela época, vinham revolucionando a interpretação dos traçados eletrocardiográficos. A análise crítica das pesquisas de Wilson envolvia conceitos matemáticos que Adriano não trazia consigo, porém não o fizeram recuar.Com a sua característica tenacidade, foi aprender o de que necessitava para bem acompanhar a transição da eletrocardiografia clássica, baseada na simples comparação de padrões gráficos com achados clínico-patológicos, para a interpretação científica dos traçados, calcada em bases, matemáticas. Vale aqui destacar o enorme avanço ocorrido no Brasil quanto à valorização da pesquisa médica. Houvesse Adriano realizado os seus trabalhos umas poucas décadas mais tarde, disporia ele de meios de financiamento que, embora ainda limitados, tem representado enorme diferença em relação ao passado remoto. Foi este o grande salto verificado no papel das Universidades brasileiras – e, em especial, das Universidades públicas – nas décadas recentes. A pesquisa técnico-científico deixou de ser atividade de exceção, a exigir atitudes quase-heróicas dos professores e alunos, para atingir patamar muito mais alto de valorização por parte de amplos segmentos da sociedade e dos dirigentes das Universidades. A reestruturação das Universidades, iniciada na década de 1960, abriu caminho para a criação dos cursos de mestrado e doutorado, e ensejou a valorização dos setores básicos do conhecimento, condição necessária ao florescimento de ambientes voltados para a investigação cientifica. Sobreveio, simulta122 neamente, o regime de tempo integral e dedicação exclusiva. A exigência de teses e dissertações para a obtenção dos graus de doutor e de mestre, e a devida valorização desses títulos na competição inerente à carreira universitária, representaram fortíssimos estímulos à maior dedicação às atividades de pesquisa. O fator decisivo para tais transformações, entretanto, foi o reconhecimento, pelas lideranças da nossa sociedade, de que o Brasil precisava recuperar o tempo perdido, durante o qual as Universidades não atentaram suficientemente para o imenso papel a ser obrigatoriamente por elas cumprido na ampliação das fronteiras do conhecimento por meio da pesquisa técnicocientífica. Este indispensável passo à frente no processo de desenvolvimento, que já se evidencia com tanta clareza em outras unidades da Federação, merece receber entre nós renovados estímulos para alcançar vigor maior do que até agora observado. Dentre os registros que bem exprimem a confiança e o prestigio que Adriano desfrutava no seio dos colegas em nível nacional, vale referir o número enorme de bancas examinadoras das quais participou. Afim de julgar concursos de cátedra e de docência. Livre na nossa e em outras Faculdades de todo o Pais, além de teses de doutoramento, era ele repetidamente convidado pelos seus pares para julgar o mérito de colegas que se candidatavam a posições de liderança no magistério médico nacional. Mas, os resultados da capacidade de realização de Adriano não se limitaram à sua atividade na cátedra de Clinica Médica. No diaa-dia do trato com os pacientes, percebeu ele como a prevenção e o tratamento de numerosas condições mórbidas exigia o emprego de dietas cientificamente orientadas. Faltava, entre nós, o profissional especializado que disto se encarregasse. Em outras palavras, ressentia-se a Bahia da inexistência de nutricionistas que colaborassem com o médico afim de proporcionar junto aos pacientes, a alimentação adequada. Idealizou, então, Adriano a criação de um curso superior de Nutrição, para o que contou com o apoio irrestrito do então Reitor, o Professor Edgard Santos. 123 Nasceu, assim, a Escola de Nutrição que tantos e tão relevantes serviços tem prestado à população da Bahia e do Nordeste Brasileiro. A partir do momento em que teve essa feliz inspiração, acrescentou Adriano às atividades referentes à Cardiologia, as que dizem respeito à nutrição e à alimentação. Nos sucessivos pronunciamentos, nas publicações, na participação em eventos locais, nacionais e internacionais, no empenho em conseguir recursos financeiros, o sempre irrequieto Adriano passou a destinar boa parte da sua atenção para o mais recente alvo dos seus interesses. Bem ao estilo da Bahia da nossa época – estilo que auguramos seja preservado, em muitos dos seus aspectos – afim de tornar explicita a convicção que o animava quanto a importância dos profissionais da Nutrição, Adriano orientou a sobrinha mais querida a inscrever-se no vestibular que deu acesso ao curso. Nininha e varias das suas amigas mais próximas, entre elas Maria Amélia, a minha futura esposa. Foram assim contaminadas pelo entusiasmo do Professor Adriano e se fizeram alunas da turma da Escola de Nutrição da UFBA. Passou a ser essa Escola, de certa forma, a extensão da própria família do Professor, para o que contribuía o carinho com que eram as alunas tratadas pela D. Carmen Lebre Pondé, a digna companheira de Adriano durante cerca de meio século. Afim de formar o corpo docente da nova entidade, convidou Adriano colegas seus, professores da Faculdade de Medicina. Assim, fui eu encarregado da disciplina de Patologia da Nutrição. Veio esta grata incumbência a ter a mais profunda conseqüência em toda a minha vida. Entre as alunas dessa disciplina encontrava-se Maria Amélia, com quem iniciei o namoro que perdura até hoje, depois de percorrida a trajetória de quase quarenta anos de casamento enriquecido pela geração de seus filhos e por enquanto, de dois netos. Graças ao elevado conceito de que desfrutava entre os colegas, foi Adriano convocado, repetidas vezes, para o exercício de cargos de direção na nossa Universidade. Havia, já participado do 124 Conselho Técnico- Administrativo da Faculdade de Medicina desde 1940 até à fundação da Universidade, em 1946. Passou, então a integrar o Conselho Universitário, inicialmente como representante da Faculdade de Medicina, e, a partir de 1961 até à aposentadoria, como Diretor da Escola de Nutrição. Exerceu a Chefia do setor clínico do Hospital Universitário Professor Edgard Santos. Foi Vice- Reitor com vários mandatos, durante os quais assumiu a Reitoria vezes incontáveis. Ao encerrar-se, por implemento de idade, a brilhante carreira de professor, recebeu homenagem especial, a Medalha de Ouro do Mérito Universitário, “pelos altos e beneméritos serviços prestados ao ensino e à administração”. Pouco antes, havia passado a integrar o Conselho de Curadores da Universidade Federal da Bahia. Em 1973, foi feito Professor Emérito pela Faculdade de Medicina e pela Escola de Nutrição. Recebeu, ainda, a condecoração da “Ordem do Mérito da Bahia”, em grau de Comendador. No plano nacional, foi um dos fundadores da Sociedade Brasileira de Cardiologia, entidade da qual foi presidente e que cresceu de modo a tornar-se uma das maiores e mais importantes associações médicas do País. As reuniões anuais dessa Sociedade contam com muitos milhares de participantes e mobilizam convidados de várias partes do mundo. Sobre os temas de sua preferência, foi Adriano convidado a escrever capítulos de livros e volumes especiais de revistas publicados no Brasil e no exterior. Graças à cultura polimorfa, Adriano estendeu a sua atuação à categoria dos “escritores- médicos”, havendo sido um dos líderes das respectivas associações. Ainda em plena juventude, passara ele a integrar o círculo de estudantes de Medicina diretamente influenciados pelo talento extraordinário do Professor Prado Valadares, amigo do seu Pai, o “velho Pondé”. graças a esse convívio, não haveria como escapar, então, de expressar-se no estilo conhecido como “valadaresco”. Deste, é exemplo eloqüente o “Antelóquio” (a expressão é do autor) da teses de docência livre de Clínica Propedêutica Médica da nossa Faculdade, datada de 1928: “O fabrico deste trabalho, sem pretensões a cousa de vulto – 125 tão fraco é o alvaner que o opõe em esquadria –, é resultado de pacientes observações e estudos aturados, por mais de dois anos, no Gabinete Médico de Eletricidade e Luz... Serviram-lhe de sólida argamassa os ensinamentos e conselhos salutares hauridos no convívio espiritual de Prado Valadares, cuja escola magnífica houve sempre de ter a mais vincada influência em meu espírito”. Ocorreu com Adriano, ao longo do tempo, evolução idêntica à observada nos escritos de Edgard Santos, outro discípulo de Prado Valadares que adotou o estilo “valadaresco” nos trabalhos iniciais e passou, mais tarde, a expressar-se mediante frases menos elaboradas. Além das numerosas publicações deixadas por Adriano no domínio da Medicina, devo mencionar alguns dos seus trabalhos no campo literário. Referi-me, acima, ao discurso de posse da Cadeira nº 8 desta Academia, que tão bem refletiu as qualidades humanas e intelectuais do nosso confrade. Dessa obra primorosa, além da transcrição acima sobre o papel do Dr. João Pondé na formação profissional do nosso homenageado, quero reproduzir o que ele chamou de “declaração de fidelidade ao espírito da Academia”, com a qual encerra emocionado, a sua oração: “... no encantamento deste sonho de Beleza, trabalhei com todo empenho para, no justo afã de servir a esta Casa, servir à minha terra, com o puro sentimento de humanidade que palpita em meu coração e me consome”. No volume XXVI da Revista desta Academia, datado de Setembro de 1978, encontra-se traçado o perfil de uma das figuras mais interessantes da história da nossa Faculdade de Medicina. Sob o título: “Gonçalo Moniz – a lição de um sábio que dignificou os valores da inteligência”, Adriano proferiu conferência da qual extraio os seguintes trecho: “(Gonçalo Moniz) escreveu sobre Medicina, Literatura Portuguesa, questões do nosso vernáculo, problemas religiosos; colaborou não só em revistas médicas, mas literárias, como ainda na imprensa diária. Era um legítimo filosofo... No escritor o que sobressaia era a clareza e a 126 simplicidade, num estilo fluente. Evitava o supérfluo na construção da frase – límpida e atrativa – refletindo, com a linguagem direta, um espírito sereno e equilibrado ...era a discrição, a delicadeza, a naturalidade... A solicitude pelas grandes idéias, - a pureza de sentimentos, o espírito de justiça foram qualidades que fizeram, realmente, deste grande mestre uma das figuras insignes do nosso panorama cultural...” Merece, igualmente, referência espacial o cuidadoso trabalho biográfico sobre Marcel Proust, dividido em duas partes e apresentado perante esta Academia sob os títulos: “A doença e os últimos dias de Marcel Proust” e “Marcel Proust – asma e estilo”. Os próprios títulos dessas conferências revelam a condição de médico, da qual o autor não se consegui desvincular, mesmo quando percorre com grande brilho os caminhos da literatura francesa. Mais um dos seus trabalhos literários devo citar, por igualmente significativo da sua cultura polimorfa, e por ser de todos o que mais me impressionou: em Maio de 1946, achou por bem a direção da Faculdade de Medicina promover uma sessão solene em homenagem a professores que haviam recentemente falecido. Eram seis dos maiores vultos da história da nossa Escola, cada qual dotado de formação intelectual e de personalidade bem diversas dos demais. Foram eles: Alfredo Couto Brito, Aristides Maltez, Álvaro de Carvalho, Alfredo Magalhães, Eduardo de Morais e Armando Sampaio Tavares. A simples menção desses nomes nos desperta, entre os que vivemos intensamente a vida da nossa Faculdade, o mais profundo sentimento de respeito e admiração. Em linguagem que torna a leitura extremamente atraente, e graças às pesquisas que realizou com paciência e obstinação, conseguiu Adriano traçar retratos que aprofundam e aperfeiçoam o que me ficou da lembrança de cada qual dos biografados. Apesar da grande diferença entre a minha idade e as deles, conheci-os pessoalmente a todos, na minha casa paterna, onde eram visitas freqüentes, e onde seus nomes eram repetidamente citados, nas conversas familiares de cada dia. 127 Conservo lembrança especial de um deles, o “gentleman” Professor Eduardo de Moraes porquanto foi quem prescreveu pela vez primeira, aos meus 9 anos de idade, os óculos que passaram a fazer parte da minha fisionomia até o presente. Ao manusear, recentemente, o discurso a que me refiro, ocorreu-me que bem poderia a Faculdade de hoje reimprimi-lo em órgão de comunicação a que tivessem amplo acesso os atuais professores e alunos da nossa Faculdade, assim como os confrades desta Academia. Cidadãos presentes como os biografados pelo mestre Adriano foram os artificies bem sucedidos do imenso carinho dedicado pela Bahia à nossa Faculdade. Cabe, então, indagar: por que já não encontra a mesma instituição, nos dias de hoje, igual desvelo dentro da comunidade baiana? Não estaremos nós, os de agora, à altura dos nossos antecessores, ou ter-se-á alterado tão profundamente nas décadas mais recentes, o modo de ser e de sentir dos nossos conterrâneos? Por várias gerações, a família Pondé, originária do sertão baiano do Itapicuim, tem prestado relevantes serviços à Bahia e ao Brasil. Em publicação recente representante ilustre da Família na atual geração, a Professora Consuelo Pondé de Sena, relatou interessante pesquisa da sua lavra, que demonstra a extensa ramificação dos seus consangüíneos na Bahia e em outros Estados, a exemplo do Pará e do vizinho Sergipe. Tantos são os Pondé que se tem destacado na presente e nas anteriores gerações, que se iria tornar demasia da minha parte pretender enumera-los, correndo o risco, certamente, de faze-lo de maneira incompleta. Três nomes, entretanto, não podem deixar de ser aqui citados: dentre os muitos irmãos e irmãs de Adriano, o do Professor Lafayette, ex-Reitor da Universidade Federal da Bahia, professor dos mais ilustres da Faculdade de Direito de tão veneráveis tradições, e fundador da Escola de Administração que se tornou uma das mais atuantes e progressistas unidades da nossa Universidade. E, dentre os muitos sobrinhos, sobrinhos netos e primos, o da nossa confreira, poetisa Myriam Fraga, e o do herdeiro do nome do avô, João de Souza Pondé Neto. O Joaozito, como é conhecido entre os íntimos, 128 dedicou-se à mesma especialidade médica do tio, e sobre construir para si ambiente de trabalho no Instituto Cardio-Pulmonar da Bahia, que honra a nossa terra. Comparadas as condições que Adriano teve à disposição na prática da especialidade a domicilio e em seu consultório, às instalações a cuja frente se encontra o seu sobrinho, logo se observa como evoluiu favoravelmente a Bahia no tocante às instituições privadas para o atendimento à saúde. Encerro estas palavras ainda sob a inspiração do mesmo Adriano, amigo, mestre e confrade, transcrevendo o final do discurso datado de 1946, em que retrata seis dos seus companheiros de Congregação da Faculdade de Medicina da Bahia: “... Esses nunca duvidaram dos nossos destinos ... E também sonharam, como nós sonhamos, com um mundo em que a inteligência e a cultura triunfassem, e a Justiça e o Direito prevalecessem sobre a ferocidade e a violência, sobre o arbítrio e o obscurantismo ... um mundo melhor, enfim, em que a Humanidade pudesse desfrutar uma felicidade tranqüila, sob a proteção das liberdades democráticas”. Bahia, l6 de maio de 2001. Roberto Figueira Santos Médico 129 O seu dia foi bom. Justa e necessária a homenagem que se presta à memória do Prof. Adriano de Azevêdo Pondé. Justa, justíssima, pelos incontestados merecimentos do homenageado; necessária pelo seu significado de reverenciar o passado, com as suas figuras e a sua história, em verdade, o único e real patrimônio das pessoas, das comunidades e das instituições. Adriano de Azevêdo Pondé: o cidadão, o médico e o professor harmonizavam-se eqüânimes em sua personalidade. Para mim, não é difícil recompor o seu perfil. Reúno lembranças, reminiscências guardadas, relicário do tempo em que desfrutei a ventura de ser estudante de Medicina na sempre lembrada Faculdade do Terreiro de Jesus; do tempo em que vivi os verdes anos da profissão; e depois, o caminho do médico que amadureceu e que, finalmente, desembocou na situação em que hoje me encontro, com uma visão mais ampla e mais clara do caminho distante já percorrido. Não pertenci ao escolhido e seleto grupo que cercava o Professor Pondé. Faltava-me tempo, embora não me faltasse vontade. O meu esforço se concentrava, então, em participar, satisfeito, de uma não menos preciosa escola médica, a do Professor César de Araújo, meu mestre nunca esquecido. Ah! Como é fácil e bom estimular a memória. De sentir a sua pronta resposta, que me proporciona um momento remoçado e feliz. Tantas fisionomias juvenis e amigas emergem do longe das distâncias, quantas palavras ainda consigo relembrar e quantos episódios – aulas, discussões em enfermarias e ambulatórios, nos corredores do Hospital – ainda distingo. Silvio Monção e Denaké Rodrigues Philocreon, envoltos na bruma terna da saudade porque já tombaram; Anita Franco Teixeira, Angelina Pelosi de Matos, Silvio Vieira, José Verissimo e tantos outros; os mais velhos, entre os quais Alberto Pondé, Leocádio Oliveira. Os tempos do Santa 130 Isabel e a quadra próspera dos primeiros anos do Hospital das Clínicas. No centro de tudo, estimulando, selecionando vocações, amparando, procurando sempre novos conhecimentos nas revistas ou nas últimas edições dos livros, nos congressos, nas reuniões, a figura de um mestre, a quem se tinha fácil acesso, autêntico e amigo – o Professor Adriano. Considero que a geração de hoje dos competentes cardiologistas desta terra há de ter algumas de suas raizes plantadas no fértil terreno que foi a 1ª Cadeira de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Bahia. Estendeu os seus braços, a sua inteligência, a sua cultura a outras messes, onde a sua ação foi pródiga e generosa. Criou a Faculdade de Nutrição e amparou os seus primeiros passos. ViceReitor da Universidade Federal da Bahia, cargo que exerceu sem concessões a não ser as ditadas pela consciência do seu dever e da dignidade da instituição a que servia. Se alguém me pedir que defina uma qualidade maior do Professor Pondé, resPondérei que era a aversão ao imobilismo, e o faro do progresso. Lembra-me o entusiasmo com que me relatou a passagem de Hideo Nogushi, no início dos anos vinte, na Bahia; as dificuldades, a pequenez de recursos da terra pobre e como absorveu do pesquisador japonês o anseio e a fidelidade em decifrar o desconhecido. As suas publicações tinham sempre a busca da novidade. Um exemplo é o seu trabalho sobre a doença de Chagas. O trabalho é clínico e epidemiológico e tem incontestável mérito na história da cardiopatia chagásica na Bahia. Não sei se o seu gosto pelo ensino suplantava a plena satisfação que alcançava em praticar a Medicina no seu consultório da rua da Ajuda. Ano após ano ouviu, orientou, tratou, aconselhou a milhares de pessoas. A sua presença nos hospitais da Bahia foi uma constante até o extremo das suas possibilidades físicas. Nunca se excusou a praticar a Medicina em domicílio. Somente quem exerce este tipo de apostolado é que pode aquilatar a validade e a extensão do trabalho de um clínico que executa tal prática. Não 131 existem razões válidas que possam separar o doente do seu médico, de tal forma unidos pelos sentimentos e pelas emoções. O primeiro requisito que se deve exigir de um bom clínico é o ser paciente e simples; depois, é saber ouvir, é compreender a condição humana e ser compassivo com os que sofrem; é saber que a técnica é necessária mas não é prioritária. A Ética está acima delas e a Ética é indistinta dos mistérios da vida e das suas manifestações anímicas. Nisto se resume o verdadeiro sentido da arte médica que é assim função da cultura do espírito. Adriano Pondé se ajustou a tais princípios. Humanista, como muitos de sua geração. Tinha o gosto inato pelas artes e pela literatura, o que, afinal, no seu ocaso profissional, nos anos do outono, lhe acolheu e amenizou os dias. Membro da Academia de Letras da Bahia, onde se manteve leal às mesmas virtudes que o tornaram respeitado e aplaudido no ensino e no ofício da Medicina. Foi um dos fundadores da Academia de Medicina da Bahia. Ocupou a Cadeira 24, que tem como patrono uma outra figura estelar: Gonçalo Moniz de Aragão. Adriano Pondé foi um dos presidentes da Associação Bahiana da Medicina, cargo que exerceu com o zêlo e a competência costumeiros. Reflito a vida de Adriano de Azevêdo Pondé e ocorre-me concluir que “o seu dia foi bom e que quando a noite desceu, a noite com todos os seus sortilégios, encontrou lavrado o campo, a casa limpa, a mesa posta. Com cada coisa em seu lugar.” Rodolfo Teixeira Médico 132 ADRIANO PONDÉ, O PIONEIRO Adriano Pondé teve muitos méritos na vida. Foi um brilhante professor de Propedêutica Médica e de Clínica Médica. Era muito didata, e suas aulas costumavam atrair os alunos, que evitaram perder suas apresentações lúcidas e de enorme fundamentação clínica. Foi Vice-Reitor e Reitor da Universidade Federal da Bahia, tendo deixado uma imagem de excelente administrador. Na clínica particular mestre Adriano foi inexcedível. Diariamente, no velho Edifício Bahia, da Rua Padre Vieira, Dr. Adriano passava todas as tardes (e várias horas do princípio das noites), em suas disputadas consultas, atendendo com seu constante bom humor e aquela angelical paciência que caracterizavam sua grande personalidade. Os pacientes o adoravam, e ele sempre correspondeu à sua expectativa. Mas foi na área do progresso científico que Dr. Adriano se superou, constituindo-se como o grande, o benemérito fundador da cardiologia baiana. Todos nós, que fomos seus alunos, e depois seus companheiros de trabalho, nunca esqueceremos de ressaltar os méritos de Dr. Adriano Pondé, como legítimo pioneiro da especialidade, à qual devotou, durante muitos anos, sua aguçada inteligência e sua fantástica capacidade de trabalho. Graças à sua penetrante visão e infatigável noção de equipe, ele e seu grupo conseguiram dar o lance inicial e mobilizar a medicina brasileira em torno de um problema médico extremamente sério, mas cujos contornos, aquela época, eram muito, muito mal definidos. Eu me refiro à Doença de Chagas. 133 A cardiologia baiana – como especialidade – nasceu em 08 de agosto de 1945, quando Adriano Pondé, à época professor de Clínica Médica na Faculdade de Medicina, conseguiu, com seu grande prestigio social e acadêmico, instalar no Hospital Santa Isabel, o que veio a se chamar Ambulatório de Cardiologia “Prado Valadares”. O corpo clínico do serviço foi constituído pelos Drs. Adriano Pondé (chefe), Herval Bittencourt, Rubem Tabacof e José Moreira Ferreira (assistentes). Atendíamos, durante as manhãs, pacientes indigentes selecionados pelo pessoal da Medicina Interna do hospital, e a afluência, desde o início, foi bastante boa. Nossas instalações físicas consistiam em 3 modestas salas, no térreo do hospital e tínhamos um pequeno fichário para documentação dos atendimentos. O laboratório do hospital dava apoio às solicitações dos médicos assistentes. Naquela ocasião, o curso de medicina de nossa então única Faculdade, nas disciplinas que exigiam contato com o paciente, eram ministrado no Hospital Santa Isabel, através de convênio com nossa Faculdade. Porque a Faculdade não tinha hospital. Por isso mesmo a equipe de trabalho do Ambulatório foi constituída por docentes da Faculdade. Ninguém ganhava nada. Mais havia entusiasmo no trabalho. E grande interesse. Estávamos aprendendo algo novo. Sabíamos pouco. Adriano Pondé sabia muito mais e nos estimulava a observar e a estudar. Nossos recursos de trabalho eram extremamente pobres. Era o que havia na época: era a Cardiologia de 50 anos atrás. Após o interrogatório e o exame físico do paciente, dispúnhamos do estetoscópio e o tensiômetro. Havia um eletrocardiógrafo “Cambridge” americano, de fotografia, de revelação. (Fazia-se o registro e no final da manhã o filme era cuidadosamente retirado, com a sala obscurecida, e deixado no 134 gabinete de radiologia do hospital. Na manhã seguinte recebíamos o traçado revelado). Nosso eletrocardiógrafo era grande, pesado, e dificilmente removível para o leito do paciente. Um velho aparelho de radioscopia constituía o grande requinte do serviço. Ao laboratório solicitávamos exames de urina, fezes, eritrograma, leucograma, hemossedimentação, proteína C reativa e reações sorológicas para lues. As reações sorológicas para lues eram muito importantes, pois tínhamos numerosas casos de aortite sifilítica, insuficiência aórtica sifilítica e aneurismas da croça da aorta e da aorta ascendente. Hoje, praticamente, deixaram de existir essas afecções. O Ambulatório de Cardiologia do hospital Santa Isabel prestou assinalados serviços à incipiente especialidade em nossa terra, pois reuniu durante vários, em sua esfera de influência, numerosos médicos e acadêmicos de medicina, entusiasmados e até fascinados com a nova especialidade, até então praticamente desconhecida. E vejam mais o que Dr. Adriano e seu grupo de trabalho conseguiram: De 2 a 7 de julho de 1947 realizamos em Salvador, pela primeira vez na história médica da Bahia, um Congresso Nacional, que foi planejado, organizado e presidido pelo Dr. Adriano Pondé e secretariado pelo Dr. Rubem Tabacof. As reuniões foram realizadas na velha Faculdade de Medicina, no Terreiro de Jesus, com o comparecimento do então presidente nacional da SBC, Dr. Edgar Magalhães Gomes, além de colegas de Pernambuco, Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul. O Dr. Adriano Pondé apresentou um trabalho sobre Cardiopatia Reumática, com minucioso levantamento estatístico de pacientes atendidos em sua clínica particular e nos até então dois anos de funcionamento do Ambulatório de Cardiologia do Hospital Santa Isabel. 135 Esta foi, foi possivelmente, a 1ª contribuição científica de cardiologistas baianos em conclaves se âmbito nacional. Também nesse mesmo Congresso (até então ainda não se usava a expressão “reunião nacional”), o Dr. Adriano Pondé e seus assistentes da Faculdade de Medicina e do Ambulatório apresentaram importante trabalho intitulado “a Doença de Chagas na Bahia”, posteriormente publicado pela UFBA. Essa apresentação despertou grande interesse no plenário, e como decorrência, nos comentários, o congressista Dr. Reinaldo Chiaverini, de São Paulo, propôs que a SBC mandasse imprimir um folheto a ser enviado a todos os médicos do Brasil, destacando a importância da Doença de Chagas no Brasil. A enorme significação desse problema, já evidenciado nas reuniões anteriores da SBC, no Rio de Janeiro (1945) e Belo Horizonte (1946), estimulou o Dr. Jairo Ramos, de São Paulo, a apresentar na Assembléia Geral de encerramento deste Congresso, em 7 de julho de 1947, uma moção, que foi aprovada por unanimidade, e que cito textualmente, a seguir, pela grande significação histórica. “Considerando a importância fundamental do conhecimento exato da Doença de Chagas, que a SBC e as diversas instituições de saúde do Brasil forneçam dados sobre a freqüência da doença, orientação que servia de padrão a critérios clínicos a serem adotados. Que se obtenha dos serviços públicos dotação orçamentária para avaliação desse mal, afim de instruir os médicos de todo o Brasil a respeito da doença, e que se consiga do Governo Federal a impressão de um folheto com esses esclarecimentos” Nascia aí, e em Salvador, a definitiva compreensão da severa realidade que era a Doença de Chagas, e a evidencia formal de sua enorme seriedade. Este primeiro Congresso Nacional de Cardiologia desenrolado em Salvador, foi o estímulo que faltava, a mola propulsora, para a histórica iniciativa que surgia logo a seguir. 136 Em 12 de julho de 1947, nas dependências do Ambulatório do Hospital Santa Isabel, fundamos a Sociedade Baiana de Cardiologia, hoje denominada – por determinação estatutárias – de Sociedade de Cardiologia do Estado da Bahia, nesse momento já festejando 53 anos de existência. Mas méritos para o Dr. Adriano Pondé, grande impulsionador da iniciativa, e que foi naturalmente eleito nosso primeiro presidente. Foram ademais, sócios fundadores, os médicos Herval Bittencourt, Rubem Tabacof, José Moreira Ferreira, Renato de Moraes Sena, Lídia Paraguassu, Luiz Ramos de Queiróz, Lucilio Cobas Costa, Renato Lobo e Cícero Adolpho da Silva. Além dos acadêmicos Anita Franco, Roberto Figueira Santos, Almir Freire e Halil Medauar. Já funcionando, agora, como um corpo único, a Sociedade e o Ambulatório tiveram mérito, então, de pela primeira vez, enviar uma representação da Bahia a um Congresso Nacional de Cardiologia. Graças à ajuda de Dr. Octávio Mangabeira, que era Governador do Estado ( e paciente do Dr. Adriano), os Drs. Herval Bittencourt e Rubem Tabacof participaram da 5ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Cardiologia, realizada em julho de 1948, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. E vejam mais o que conseguimos, naquela época, pobres, pobres, pobres, mas corajosos e entusiasmados. De 11 a 26 de outubro de 1948, a Sociedade e o Ambulatório promoveram um curso de atualização em eletrocardiografia clínica, ministrado pelo médico baiano Dr. Augusto Mascarenhas, radicado em São Paulo e que naquela época era assistente do Prof. Jairo Ramos, da Escola Paulista de Medicina. O tema do curso foi “ a eletrocardiografia como método auxiliar em Cardiologia”. Este curso, que deve ser considerado como pioneiro e de amplo valor histórico em nosso meio, teve um sucesso sem precedentes e uma assistência numerosa, já estimulada face ao ambiente médico da época e à peculiaridade do assunto. 137 A Sociedade Baiana de Cardiologia funcionou no Hospital Santa Isabel, juntamente com o Ambulatório Prado Valadares, até fins de 1948, quando as duas entidades foram gradativamente sendo desativadas, naquele local. Dr. Adriano Pondé foi assim, o grande precursou da Cardiologia na Bahia. O indiscutível pioneiro. A ele devemos o nascimento e a consolidação da especialidade em nosso Estado. Que a história guarde seu nome e que as faturas gerações honrem o seu exemplo. Rubem Tabacof (Ex- Presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia) 138 Impressões Não creio exagerar impressões ao transmitir o que penso sobre Adriano de Azevedo Pondé: Médico, de saber científico legitimado no terreno da Medicina Interna, notadamente, no âmbito das doenças cardíacas, distinguiu-se como propedeuta meticuloso, clínico experiente e de assinalada dedicação ao enfermo. Professor, salientou-se como detentor de apreciável cultura humanística. No campo da produção científica pode ser apontado como pioneiro nas investigações sobre a Doença de Chagas, em nosso meio. Justas e oportunas as homenagens que lhe são prestadas no seu centenário de nascimento. Salvador, 02/04/01 Ruy Machado da Silva Membro da Academia de Medicina da Bahia 139 Prof. Dr. ADRIANO DE AZEVEDO PONDÉ “Só espero que vocês estudem para ser bons médicos”. Com estas palavras e um sorriso nos lábios, o Prof. Pondé, recebeu a nós pequeno grupo de estudantes, que estávamos ingressando na Faculdade de Medicina, naquele começo do ano de 1949. Fomos em comissão visitar o PROF. PONDÉ, catedrático da 1a. Clinica Medica, já funcionando no recém inaugurado Hospital das Clinicas. Esta comissão representava um pequeno grupo de colegas aprovados no Concurso Vestibular, que na época era realizado na própria Faculdade de Medicina, portanto a decisão de matricular os alunos “excedentes”dependia de uma aprovação da Congregação da Faculdade, portanto a visita aos professores catedráticos era muito importante para que eles conhecessem os jovens estudantes aprovados no vestibular e que desejavam aprender medicina. Fomos ao Hospital das Clinicas, que estava novo, com poucas clinicas em funcionamento, mas a 1a. Clinica Medica do Prof. Adriano Pondé, já estava em pleno funcionamento. Fomos encontrar o Prof. Pondé na Biblioteca do Hospital, dirigida por Nevolanda Soares, estava lendo um trabalho cientifico em microfilme; ficamos maravilhados com a tecnologia do aparelho que permitia a leitura de microfilmes e com a bondosa recepção do Prof. Pondé, a nós um pequeno grupo de calouros, que ainda estávamos recebendo os trotes na Faculdade de Medicina do Terreiro de Jesus. As palavras do Prof. Pondé, de incentivo, dizendo que só esperava que estudássemos para ser bons médicos, eram um aval positivo de voto favorável aos 18 estudantes excedentes ao numero de vagas. Aquele grupo não decepcionou ao 140 Prof. Pondé e pouco mais tarde em 1953, já no 5o. ano de medicina, todos éramos alunos do Prof. Adriano Pondé, na 1a. Cadeira de Clinica Médica. O Prof. Adriano Pondé na época era considerado o mais famoso cardiologista da Bahia, ilustre professor de Clinica Medica, com aulas em torno do leito dos pacientes, com exames físicos, radiologia e exames de laboratório; era conceituado e respeitado por todos, alunos e professores. Com seu valioso trabalho no Hospital das Clinicas, criou na Bahia, uma verdadeira escola de cardiologia, tendo como discípulos e colaboradores Anita Franco, Angelina Pelosi, Renato Sena, Prof. Leocadio, José Augusto Barreto, (este hoje professor de cardiologia em Aracaju), entre outros. Médicos formados na Bahia, quando iam fazer residência médica em outros estados ou mesmo no exterior, chamavam atenção o elevado conhecimento de clinica medica, esta admiração era fruto do aprendizado com Adriano Pondé, César Araújo, José Silveira e Augusto Mascarenhas. Todos em sua época considerados grandes mestres da medicina, e que muito contribuíram para o elevado conceito da Faculdade de Medicina da Universidade da Bahia, nas décadas de 50, 60 e 70. O Prof. Pondé era amigo do Reitor Prof. Edgard Santos, e fez notar ao mesmo, da necessidade de uma boa orientação nutricional e dietética para os pacientes internados no Hospital das Clinicas, daí nasceu a idéia da criação da Escola de Nutrição, da qual o Prof. Adriano Pondé foi professor e diretor por muitos anos. Esta escola contribue até hoje na boa formação de nutricionistas, as quais têm sido de papel relevante não só na área médica, mas também nos setores industrial e comercial. Fui aluno do Prof. Pondé na Cadeira de Clinica Médica, onde todos o consideravam e respeitavam.Mais tarde trabalhando no Laboratório de Anatomia Patológica do Hospital das Clinicas, onde 141 colaborava com o Prof. Zilton Andrade, que era e é até hoje grande estudioso da patologia da Doença de Chagas, tivemos oportunidade de conhecer mais de perto o conhecimento do cardiologista Prof. Adriano Pondé, nas discussões clinico-patologicas. Ao nosso ver o Prof. Pondé muito contribuiu para o elevado conceito da medicina da Bahia, portanto consideramos muito justa esta homenagem que lhe prestam seus ex-alunos, colaboradores e amigos, neste 26 de Junho de 2001, data do seu centenário de nascimento. Sergio Santana Filho Livre Docente de Anatomia Patológica, Faculdade de Medicina, UFBa. Prof. Adjunto de Anatomia Patológica ,FAMED,UFBA(aposentado) Ex-Fellow Memorial and Sloan-Kettering Câncer Center, Nova York Coordenador de Anatomia Patologica do Hospital Aliança 142 Ao Mestre Prof. ADRIANO, modesta homenagem do mais humilde de seus discípulos (discurso poético, convidandoo Prof. Adriano Ponde a ser um dos homenagedos da Turma de 1951) Mestre talhado pra o labor insano Fugindo aos gozos de os colher na vida Sustenta a flama da Ciência erguida Onde cintila o pensamento ufano Furtou-se à sorte de um viver profano Lançou-se em breve com clalor à lida Buscando a vida ter na palma erguida Levando um penso ao sofrimento humano A idéia lança com simplicidade A um campo mais fecundo a experência Germina, brota, cresce uma verdade E as idéias surgindo em turbilhão Já triunfos erguendo na Ciência São granadas de luz na escuridão 26.05.51 1a Clínica Médica do Hospital das Clínicas Silvio de Alcântara Vieira Médico 143 Relembrando o Vulto Singular do Prof. ADRIANO DE AZEVEDO PONDÉ Comemora-se o centenário de nascimento do grande médico e professor Adriano de Azevedo Pondé. A Bahia está assistindo a uma série de centenários de ilustres filhos, o que faz lembrar a existência de uma geração de intelectuais, que se foram, fazendo falta e que precisam ser relembrados como incentivo a novas gerações. É sabido que há uma tradição baiana de inteligência e de ilustres intelectuais. Salienta-se o fato do âmbito da Faculdade de Medicina, que sempre foi orgulho de nossa terra. Entre os vultos que já se foram e que precisam ser relembrados, está o de Adriano Pondé, professor emérito de clínica médica, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia. Destacou-se ele, principalmente, pela sua figura humana, refletindo bondade e conquistando uma simpatia singular entre quantos com ele conviveram. Na qualidade de professor de clínica médica, travou relações desse tipo com os docentes. Todavia, pela sua formação profissional, conseguiu um lugar definitivo de médico, com uma clientela que ele soube manter, impondo-se pela sua competência e pelos laços de amizade que soube fazer. O Professor Adriano Pondé integrou a equipe de Clementino Silva e manteve a sua projeção como um dos mais eficientes colaboradores de Edgar Santos, que foi o grande realizador da nossa Universidade e desenvolveu um Projeto até hoje digno de elogios e que vem continuando a ser executado pelos seus sucessores, como é o caso de Honir Rocha. Colaborador de Edgar Santos, posso testemunhar que o homenageado conviveu com Ele e privou de sua intimidade, o que 144 me permite dizer: tudo que Edgar fez pela Universidade foi objeto de entendimento e colaboração com Adriano Pondé. Nos momentos mais difíceis da administração universitária, quando Edgar enfrentou a oposição política e a rebeldia estudantil, sempre contou com a colaboração inseparável do homenageado. Além de Professor Emérito de Medicina, atuou junto aos Órgãos Superiores da Universidade, participando ativamente do Conselho Universitário, seja quando Reitor Interino, seja quando vice-reitor. Foi nessa oportunidade que atuei, juntamente com Ele, na qualidade de Representante dos Docentes Livres. O homenageado manifestava-se com extrema prudência e a sua palavra era ouvida e seguida por todos os Membros do Conselho Universitário, que não se deixavam levar pela paixão política, mas tinham em mente o funcionamento da mesma Universidade e tudo faziam para evitar a solução de continuidade que decorreria das greves. Atesto que a opinião de Adriano Pondé sempre foi para mim uma bússola por onde me orientava e tenho a dizer que, sempre, Ele foi seguido pelos seus pares em benefício da comunidade universitária. Em várias gestões, inclusive na de Albérico Fraga, foi vicereitor. Testemunho, no particular, a sua lealdade e o seu aconselhamento equilibrado. Rememoro a crise política da Universidade, quando, em todo o País, o ensino universitário foi convulsionado e a classe estudantil, ardorosamente, reivindicava uma reforma, que terminou por se fazer, nas condições possíveis, implantando-se o sistema ainda hoje vigente. Adriano Pondé colaborou, no particular da reforma universitária, seja aperfeiçoando as propostas em discussão, seja ajudando na interpretação dos textos básicos que o Ministério da Educação condicionava a todas as Universidades, visando uniformizar o Ensino Superior do Brasil. A consciência profissional de Adriano Pondé evoluiu para que Ele propalasse a necessidade de se especializar o conhecimento do tratamento dietético de seus pacientes. Assim, Ele lançou a 145 necessidade da Universidade ministrar o Curso de Nutricionismo, permitindo aos pacientes, correlatamente com a terapêutica médica, uma dieta a ser ministrada compativelmente. Foi tamanho o entusiasmo de Adriano Pondé pelo Curso de Nutricionismo, que contou com o apoio de Edgar Santos e dos demais reitores subsequentes, permitindo a institucionalização do Curso de Nutricionismo, que aí está esplendoroso e qualifica o ensino da nossa Universidade Federal. Não resta dúvida, que o entusiasmo, o prestígio do fundador do curso, são a causa do seu êxito. Nestas condições, muito deve o ensino superior médico na Bahia a Adriano Pondé, pela criação do Curso de Nutricionismo. Enquanto teve condições de atuar na vida universitária, o homenageado sempre se distinguiu e recebeu o apoio de quantos testemunhavam a sua atuação. Agora, quando recebe a consagração de seu centenário, todas estas razões são trazidas à tona, para que as novas gerações saibam que Ele foi dos vultos mais eloquentes da vida intelectual e sempre pôde prestar a colaboração para a construção desse grande edifício, que é a UFBA, que o seu colega e grande amigo Edgar Santos realizou, sempre com o seu conselho e o seu prestígio. Tenho consciência de que quase tudo quanto aqui declarei pude testemunhar, pois a vida me permitiu, ainda que em ramo diverso do conhecimento, atuar universitariamente sobre a sua indiscutível liderança. As novas gerações precisam conhecer o grande papel de Adriano Pondé e manifestar o seu reconhecimento, com o que se fará sempre justiça a um dos homens públicos mais dignos de nossa Terra. Sylvio Santos Faria Amigo 146 Uma modesta lembrança do Mestre Adriano de Azevedo Pondé Amoroso, afável Doutor emérito Respeitador da vida Inteligência brilhante Amigo fiel Notável pela simplicidade O homem íntegro Deus o criou para grandes coisas E o filho correspondeu, com sabedoria Autêntico Zeloso Empreendedor Verdadeiro Exemplo de vida Dedicação Olhar para o futuro Pacífico Organizado Natural Distinto É essa a minha visão do Mestre Beatriz Alfredo da 1a Turma da Escola de Nutrição Acróstico despertado durante a vivência em 27 de junho de 2001 147