ADRIANO PONDÉ
HOMENAGEM DOS SEUS EX-ALUNOS NO CENTENÁRIO DO SEU
NASCIMENTO
1
COMISSÃO ORGANIZADORA
Dra. Anita Guiomar Franco Teixeira
Dra. Angelina Maria Pelosi Matos
Dr. George Barreto Oliveira
REVISÃO
Dra. Anita Guiomar Franco Teixeira
CAPA
Ernesto Oliveira
2
Cabe em nossa memória a recordação daqueles
alunos e colaboradores que não estão mais entre nós
Alberto de Azevedo Pondé
Aldrovando Vasconcelos
Arlinda Luzia Veras
Boris Lecht Fitterman
Carlos Edmundo Chenaud
Denakê Rodrigues Philocreon
Euvaldo de Araújo Cardoso de Melo
Helcio Bessa
Herval Bittencourt
Horácio Alban
Jayme Nunes da Silva
José Moreira Ferreira
Silvio Raimundo Monsão
Simão Lecht Fitterman
Walter Amorim
Woquiton Teixeira
3
AGRADECIMENTOS
Dr. Paulo Gaudenzi
Secretário da Cultura e Turismo do Estado da Bahia
Dr. Gilson Soares Feitosa
Presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia
Dr. Mário Sérgio Bacellar
Presidente da Soc. Bras. de Cardiologia - secção Bahia
Profa. Consuelo Pondé de Sena
Presidente do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia
Enfa. Maria Ivete Ribeiro de Oliveira
Ex-Diretora da Escola de Enfermagem da UFBa
Professor Emérito da UFBa
Neuza Castro
Nutricionista. Presidente da Fundação Cidade Mãe
e a todas as Pessoas que, direta e indiretamente, colaboraram
conosco tornando realidade as homenagens que prestamos à
memória do nosso querido Prof. Dr. ADRIANO DE AZEVEDO
PONDÉ, Príncipe dos Cardiologistas Brasileiros,
no Centenário de seu Nascimento
26 de Junho de 2001
A Comissão Organizadora
4
Alguns dados Biográficos
do Mestre Adriano Pondé
Como seus alunos e Assistentes, enaltecemos a figura impar
do Prof. Pondé, prestando-lhe esta merecida homenagem e
referindo aqui, alguns dos seus dados biográficos:
Completou seus estudos pre-vestibulares no Colégio Antonio
Vieira, e foi aluno laureado.
Em 1923, teve sua colação de grau pela Faculdade de
Medicina e, novamente, como aluno laureado, recebendo a
Medalha de Ouro Alfredo Brito.
1926 - Apresentou e defendeu tese de doutoramento sobre
“Contribuição para o estudo das Aguas minero – medicinais do
Itapicuru.
1928 – Tese de Livre Docência, sobre “Em torno da Artéria
Pulmonar”, para a Cadeira de Clínica Propedêutica Médica.
1939 - Tese para Professor Catedrático da Clínica
Propedêutica Médica sobre “Infarto do Miocárdio” tese esta que o
lançou como o Grande Cadiologista.
1945 - Submeteu-se a Concurso de Títulos para transferência
para a 1ª Cadeira de Clínica Médica.
1948 - Transferência da 1ª Clínica Médica para o recém
inaugurado Hospital das Clínicas.
Participou da criação da Escola de Enfermagem.
Fundou a Escola de Nutrição da UFBa, elevando-a como a 1ª
Escola de Nutrição de nível universitário.
1971 – O Mestre que orientou e ensinou a gerações de
médicos, enfermeiras e nutricionistas, que serviu à Universidade
como Reitor substituto e, por duas vezes Vice-Reitor, foi
aposentado pela compulsória em 26 de junho. Foi alvo de muitas
homenagens por serviços prestados da mais alta qualidade e da
mais grata admiração.
5
APRESENTAÇÃO
Este livro é uma coletânea de memórias afetivas dos alunos e
colaboradores de um grande homem que, além de
Professor, foi Mestre de muitas gerações.
De temperamento alegre, bondoso, compassivo e, ao mesmo
tempo, irriquieto e sedento de muito saber, ele era entusiasta pela
vida, pela Medicina e, principalmente, pelo quanto poderia fazer ao
descortinar novos exames e novas técnicas no tratamento de
doenças crônicas.
Sua garra era ainda maior quando se aproximava de algo novo,
desconhecido, das chamadas
“doenças até então por nós ignoradas”.
Estamos dedicando este livro à memória de que seus Alunos,
Colaboradores, Familiares, Amigos e Funcionários do
Prof. Dr. Adriano de Azevedo Pondé,
guardam com muito carinho.
Salvador, 26 de junho de 2001
Angelina Maria Pelosi Matos
Anita Guiomar Franco Teixeira
George Barreto de Oliveira
Rubem Tabacof
6
Mensagem da Sociedade Brasileira de Cardiologia
Até o meado do século passado predominavam as doenças
infecciosas, parasitárias e carenciais, como principal causa de óbito
no Brasil.
Dificilmente ocorreria ao observador comum a idéia da
mudança do quadro nosológico nos anos vindouros.
Mas, o incremento do tabagismo, uso abusivo de comida
industrializada, rica por isso em conservantes salgados e em
gordura, o sedentarismo e o advento e massificaçõ de uso do
veículo automotor, haveriam de mudar essa perspectiva, trazendonos a epidemia das doenças cardiovasculares degenerativas dos
últimos anos.
O Professor Adriano Pondé estava entre os visionários que
antevinham a necessidade de um enfrentamento organizado do
problema e participou da criação da Sociedade Brasileira de
Cardiologia dotando, destarte, a comunidade médica, de um fórum
que permitisse o desenvolvimento adequado do conhecimento
dessa Ciência, e trazendo par a coletividade os benefícios que hoje
podemos constatar.
O Professor Adriano Pondé terá sempre um lugar relevante na
História da Cardiologia Nacional, por essa e outras atitudes.
No seu centenário a SBC alia-se com júbilo às comemorações
que muito justamente reverenciam a memória do grande mestre.
Junho 2001
Gilson Soares Feitosa
Presidente da SBC
7
Mensagem da Sociedade Brasileira de Cardiologia
Secção Bahia
A Sociedade Brasileira de Cardiologia - Secção-Ba. sente-se
honrada em participar das homenagens do centenário de tão ilustre
baiano. Ao fundar a nossa sociedade e ser o primeiro presidente
durante alguns anos, criou uma entidade hoje de grande relevância
no meio cardiológico da Bahia e do Brasil,imprimindo-lhe uma
força que sentimos presente em nossas atividades até hoje. Seu
espírito inovador e criativo tem mantido elevado o nome desta
entidade,legando a seus sucessores uma grande responsabilidade
perante a comunidade médica do Estado e do País. Pôr onde
passou, na Faculdade de Medicina nas cadeiras de Propedêutica e
Clínica Médica, no ambulatório de cardiologia do Hospital Santa
Izabel, na criação da Escola de Nutrição, como vice-reitor da
UFBA, construiu parte importante da nossa história intensamente
vivida pelo seu espírito de pessoa genial. A sua presença se faz
sentir diariamente no quadro de ex-presidentes da nossa sede,
mostrando-nos que a vida dignifica as entidades pelo quanto de
doação se lhes pode oferecer. Assim procuramos a cada dia seguirlhes os passos em respeito à sua memória.
Junho 2001
Mário Sérgio Bacellar
Presidente
SBC-BA
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ÍNDICE
Adriana Maria Baptista Pondé - sobrinha ........................................................15
Aída Maria Ramos Costa de Castro – nutricionista 1a turma* ........................36
Almeidina Maciel de Almeida – nutricionista .................................................16
Angelina Maria Pelosi Matos – médica assistente ...........................................17
Anibal Muniz Silvany Filho - médico ..............................................................19
Anita Guiomar Franco Teixeira – interna, médica e assistente........................21
Antonio Carlos Nogueira Britto - médico.........................................................29
Antonio Carlos Peçanha Martins - médico .......................................................33
Assis Fernandes - médico .................................................................................35
Beatriz de Paulo Alfredo – nutricionista 1a turma* .........................................36
Cléa Almeida – nutricionista 1a turma*...........................................................36
Consuelo Pondé de Sena – prima e afilhada ....................................................38
Cremilda Costa de Figueiredo - médica ...........................................................51
Edith Tolentino Vieira – nutricionista 1a turma*.............................................36
Ernane N. A. Gusmão - médico........................................................................55
Ernesto Simões Neto – médico.........................................................................58
Estácio de Lima – (im memoram).....................................................................59
Fernando Costa D’Almeida - médico ...............................................................66
George Alakija - médico...................................................................................68
George Barreto de Oliveira – Prof. Adj. do Dep. de Medicina da UFBa. ........71
Geraldo Milton da Silveira - médico ................................................................73
Hugo S. Maia - médico.....................................................................................75
Ildefonso do Espírito Santo – médico assistente ..............................................78
Irmã Joana Calmon Villas – Boas – 1a enfermeira da 1a Clínica Médica........80
Jacy Rêgo Vieira – interna, médica e assistente ..............................................82
José Antonio de Almeida Souza – médico .......................................................83
Joselina Martins Santos - nutricionista ............................................................86
Lia Regina Valente Vassilatos – nutricionista 1a turma*.................................36
Lúcia Maciel – nutricionista 1a turma*............................................................36
9
Luiz Antônio Costa -- médico ..........................................................................88
Luiz Muylaert de Azevedo - - médico familiar ................................................89
Luiz Ramos de Queiroz – médico e um dos 1o assistentes ...............................90
Margot Lobo Valente - médica.........................................................................92
Maria de Jesus Valente Monteiro - nutricionista .............................................95
Maria Lúcia Pires Santana – nutricionista 1a turma*.......................................36
Maria de Lourdes Rocha Santos Burgos - médica............................................97
Maria Duarte Sepúlveda - enfermeira ..............................................................98
Maria Ivete Ribeiro de Oliveira – enfermeira ..................................................99
Maria José de Oliveira – enfermeira ..............................................................102
Mário Augusto Jorge de Castro Lima - médico..............................................106
Myriam Fraga - poeta.....................................................................................109
Nícia Maria Biscaia – nutricionista 1a turma* .................................................36
Osvaldo Devay de Souza – (in memóriam) ....................................................113
Penildon Silva - médico..................................................................................115
Roberto Figueira Santos - médico ..................................................................119
Rodolfo Teixeira - médico..............................................................................134
Rubem Tabacof - médico ...............................................................................137
Ruy Machado da Silva - médico.....................................................................143
Sergio Santana Filho - médico........................................................................144
Silvio de Alcântara Vieira – médico e assistente............................................147
Sylvio Santos Faria - amigo ...........................................................................148
Yolanda Pondé de Senna – nutricionista 1a turma* .........................................36
* Apresentação Grupal
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HOMENAGEM AO “DINDO”,
MEU TIO ADRIANO
Lembro quando criança nas festas em sua casa à Rua Oito de
Dezembro quando íamos todos os sobrinhos, pois todos eram seus
afilhados e o chamávamos “Dindo”.
A noite, quando ele chegava, nos colocávamos à frente do seu
velho carro “ OPEL VERDE ” de Placa nº 49 e cantávamos “A
LATA VELHA” “A LATA VELHA”.
Faziam parte da turma Nininha, Adriana, Gilda, Myriam,
Joãozito, Lafayetinho, Jorge e Fernando, Lula e Marita Novis que o
chamavam carinhosamente Vô Ano (Vovô Adriano) e Marita
Frank.
Ele dirigindo com seu sorriso paternal cuidadosamente e
vagarosamente para não tocar em nenhum de nós.
Dindo: - esta é a lembrança carinhosa, homenagem de sua
sobrinha e afilhada
Adriana Maria Baptista Pondé
11
O Idealista
O ideal do grande mestre Adriano Pondé era o de criar a
Escola de Nutrição na Universidade Federal da Bahia. Com a sua
brilhante inteligência, já naquela época, tinha a certeza da
importância da Nutrição na prevenção e na cura das doenças.
Assim, em 1956 com o apoio do Magnifico Reitor Prof. Dr.
Edgar Santos e por instância do Prof. Pondé foram dados os
primeiros passos para a realização desse sonho. Fui contratada e
juntamente com Sônia Moreira Alves de Souza iniciamos, no
Hospital das Clinicas, a organização do Serviço de Nutrição e
Dietética que serviria de base para a implantação da Escola: o
sonho do renomado mestre foi concretizado e para gáudio da
Universidade ele a dirigiu por 15 anos.
O Prof. Adriano Pondé era um visionário e distinguia-se pelo
seu humanismo, ideal de servir, cavalheirismo, trabalho e
simplicidade no trato. Acreditava nas pessoas e lutava de forma
devotada pela saúde dos menos favorecidos.
A 1a Clinica Médica foi a sua trincheira de onde defendeu e
lutou pelos princípios da boa medicina.
Maio 2001
Almeidina Maciel de Almeida
Nutricionista
12
Professor ADRIANO AZEVEDO PONDÉ
Fazer um comentário sobre o Professor ADRIANO PONDÉ
com quem mantive um convívio de mais de 30 anos de profissão é
sempre muito grato à condição de sua aluna, e sua assistente no
serviço de 1ª Clínica Médica da UFBA.
Reporto-me ao ano de l948, no início do 2º ano médico,
quando dois colegas de anos mais avançados estimularam o meu
desejo de participar de um serviço no Hospital das Clínicas, onde
podíamos encontrar um ensinamento disciplinar muito apurado, por
parte do professor, de seus assistentes e dos seus internos
doutorandos, tanto que a equipe de alunos de todos as series
alcançavam um número superior a 20 estudantes.
Daí então o meu convívio diário e permanente com o Prof.
Pondé, nas suas aulas, às visitas às enfermarias, onde eram
discutidos os prontuários dos pacientes com toda aquela equipe, de
estudantes e professores, e com seu grande empenho em estimular
a leitura de revistas estrangeiras, de livros didáticos para que
sempre permanecêssemos atualizados nos assuntos da Clinica
médica e principalmente nos assuntos condizentes com a
Cardiologia, sua grande meta. Desse tempo os trabalhos sobre
doenças de Chagas, a febre reumática com repercussão nas
válvuloplastias, as cardiopatias congênitas e a hipertensão arterial e
doença arterial coronariana em seus estudos sobre ateroesclerose.
De sua tese sobre infarto do miocardio, o aspecto da prevenção
da ateroesclerose das coronariopatias, os estudos sobre os lipídios e
as dietas apropriadas. Nesse afã de progredir veio a necessidade de
introduzir o estudo da nutrição e com muita garra se empenhou em
fundar a Escola de Nutrição, onde vislumbrara o grande avanço que
traria à medicina em todos os seus aspectos, incluindo também seu
grande papel social e político aos povos de todo o mundo.
Assim seguia a trajetória do Prof. Pondé até que instalada a
Reforma, Universitária e o limite de idade o fizeram afastar-se da
13
FAMED e de sua 1ª Clinica Médica porem não arrefeceram o
animo de servi-la como também à Universidade que sempre tinha
contado com seu trabalho, desde a sua participação no Conselho
Universitário até ocupar o lugar de Vice Reitor e depois o de Reitor
pelo espaço de dois anos, tempo conturbado no cenário político
brasileiro e no qual se empenhou com coragem para manter a
autonomia do ensino universitário.
Fora do convívio universitário, veio a amizade duradoura de
nossas famílias, a admiração pelo seu lar onde a presença de dona
MARIA DO CARMO trazia harmonia e tranqüilidade ao seu
espirito de HOMEM DA MEDICINA E DA CULTURA.
Dessa época seus estudos sobre os médicos de Napoleão
Bonaparte, o aprofundamento da obra de Proust, com a qual se
deliciava. Consultar sua vasta biblioteca, reler o que mais gostava,
escrever na sua maquina, ter aulas de inglês ininterruptamente para
não esquecer a pratica, já que ele que havia estudado nos livros de
língua francesa e alemã, e pudesse acompanhar a evolução da
medicina agora sob o domínio da América do Norte, suas
anotações em fichário dos artigos que mais lhe interessavam, eram
na realidade a ocupação preferida depois do seu consultório.
Essa é a pequena trajetória que posso escrever a respeito do
Prof. ADRIANO PONDÉ que com a sua privilegiada inteligência,
o amor ao estudo, nos deixou como legado o exemplo do seu
trabalho desprendido pela medicina e por seu semelhante.
Angelina Maria Pelosi Matos
14
VIVÊNCIAS ACADÊMICAS
Prof. Adriano Pondé
A década de 1940 foi perturbada pelo conflito da chamada 2ª
Grande Guerra. Iniciei meu curso de formação médica na vigência
das hostilidades. E quase no meado do curso as vi terminar. Foi
uma fase de muita turbulência e expectativas, mas que me ajudou a
amadurecer. Desde o primeiro ano, apliquei o tempo acadêmico
disponível em tarefas voluntárias, de minha própria iniciativa,
tentando aprender já ao tempo, um pouco da arte médica.
Freqüentei com assiduidade o Laboratório de Histologia,
exercitando-me na técnica, confeccionando os preparados para os
estudos microscópicos e, depois, parti para as análises laboratoriais
clínicas, no velho Hospital Santa Isabel, na época o hospital –
escola da Faculdade de Medicina.
No final do 2º ano passei a trabalhar, com racional destinação
de tempo, na enfermaria S.Vicente e no necrotério, onde iniciei
meu preparo como patologista. Com Roberto, Cícero Adolfo e a
tutela do Prof. José Olimpio investia no aprendizado da
propedêutica e nos difíceis meandros da Clínica Médica. Na
mesma enfermaria, à moda da época, alinhavam-se muitos leitos
onde pacientes desbonados procuram tratamento. Nesta enfermaria
conheci Adriano Pondé. Muito bem apessoado, com óculos
brilhantes de lentes espessas, atraia pela simplicidade e serenidade.
Todos o tinham em alto conceito, não só pelas atitudes corretas,
mas pela competência. Foi, talvez o primeiro especialista.
Dedicou-se especialmente a Cardiologia, valorizando o emprego
do ECG, largamente. Para os antigos clínicos, formados à moda
francesa apegados ao estestoscópio, sinais e “tino clínico”,
representava uma revolução. Antecipava-se o mestre ao advento da
nova medicina, mais instrumentalizada e factual, que viria assomar
no após guerra.
15
Adriano Pondé lia e escrevia inglês e procurava constante
atualização. Era, sem dúvida, um comportamento novo na
Faculdade, cujos professores, na sua maioria, tinham formação à
francesa. Por este fato era considerado por muitos de seus pares,
como um inovador. Sempre o apreciei pela modéstia e convicção
de seus propósitos acadêmicos. Era um predestinado. Pude o
assistir argüindo teses, quando analisava cientificamente o trabalho
dos candidatos à vida acadêmica, sempre com muita proficiência e
incontestáveis segurança e modernidade.
Jamais fui um aproximado do professor. O destino, creio, não
nos ensejou, senão, em ocasiões excepcionais, quando manteve a
mesma serenidade, correção e lhaneza de trato, que me
encantavam. Assisti o seu decaimento físico, o mesmo que me
assalta agora.
Por certo mereceu justas homenagens, mas, esta, por ocasião
do centenário de seu nascimento, parece-me a mais convincente de
seu valor, pois partida de seus alunos passados assistentes,
delineia, com linhas fortes, o mérito que um Mestre mais deseja-o
apreço daqueles a quem ajudou a tornarem-se também Mestres.
Anibal Muniz Silvany Filho
Prof. Livre de Anatomia Patológica
de Histologia e Embriologia da FAMED da UFBA.
16
Em homenagem ao
Prof. Adriano de Azevedo Pondé,
cabe-me contar uma história que começou em
8 de Maio de 1945
Pela primeira vez, fui ao Hospital Santa Izabel, acompanhada
pelo acadêmico de Medicina Luiz M. Azevedo, meu futuro
cunhado e primo do Prof. Pondé. Ao me ver, pergunta-me quem
sou e o que queria: ‘Falar ao Senhor e solicitar sua permissão
para...’
-“Minha filha, hoje não é dia de trabalho. Você não ouviu o
rádio? Paris foi libertada pelas Forças Aliadas. HOJE é um dia de
festa: terminou a 2ª Guerra Mundial !”
E, imediatamente, começou a cantar a Marselheza: Allons
enfant de la Patrie...
Com a chegada de seus assistentes, Lydia Paraguassú, José
Moreira Ferreira, Walter Amorim, nos tornamos um grupo de
cantores pouco afinado e improvisado. Enfim, aquele dia que se
tornou feriado para toda a Humanidade foi, para mim, a
concretização do que esperava do Prof. Pondé - além de ser O
Prof. de Cardiologia, era um homem-coração, com um amor tão
grande que, como nos falou o Anibal Silvany, “Só quem ama é
capaz de ouvir estrelas”.
Isto aconteceu em 1945, ano importante na vida do Mestre
Adriano e na minha própria vida; estava cursando a 2ª série
médica, mas já tinha um aprendizado adquirido no Pronto Socorro
do Canela , cuja diretora era irmã prima-freira, que convidou-me a
acompanha-la no serviço de orientação a um grupo de auxiliares de
enfermagem. Aprendi rápido e sempre que podia ia visitá-la e
ajuda-la. Tantas vezes isso aconteceu que fui um dia convidada a
instrumentar numa urgência. Após o vestibular, frequentei
17
oficialmente o serviço da Pupileira onde encantei-me com que
aprendi em laboratório com Dr. Estácio Gonzaga. O Prof. Pondé ao
saber de ‘tantos conhecimentos’ disse-me: “Ainda falta muito
para chegar aonde você quer”. Recomendou-me ao Prof.
Leocádio como pessoa a ser aceita como estagiária, apesar de ser
apenas um segundo anista de Medicina.
A re-descoberta da Doença de Chagas, se deu neste ano.
Regressando de um Congresso, ele trouxe uns insetos
Panstrongilus Megista (barbeiro) e explicou algo ao Prof.
Leocádio. Não prestei atenção; eles se revezavam em olhar o
microscópio e depois deram por terminada a pesquisa. Falaram que
esperavam encontrar o tripanosoma cruzi, mas as lâminas nada
mostraram. Dirigiram-se à outra sala e ficaram falando de que
devia ter sido encontrado o tripanosoma, pois aquele barbeiro
estava infectado.
Ouvindo isso, peguei a lâmina e coloquei-a sob o microscópio:
e o que vi, me fez falar alto: Professor, venha ver se é isso que está
no campo? Vieram apressados e logo confirmaram o achado.
Enquanto o Prof. Leocádio percorria outros campos, ele me
perguntou: “Em que ano você está?” e, antes de minha resposta,
falou: “A partir de agora, você é a minha interna”. E confirmou
esta afirmação, dando-me este título no livro que escreveu e
indicando meu nome para ser a Interna da 1ª Cl. Médica, de 1947 a
1949.
A pesquisa da doença de Chagas em Salvador e em cidades
onde ele sabia que havia um profissional seu amigo, explodiu em
trabalhos organizados. Casos suspeitos chegavam e eram
examinados pelos seus assistentes acima mencionados além de
Rubem Tabacof e Luis R.de Queiroz.
De início, começamos indo em caravana, aos sábados, a
diversos bairros de Salvador, como caronas dele e do Prof.
Leocádio. Além deles, a Lydia Paraguassú, Walter Amorim, José
Moreira Ferreira e eu. Estacionávamos próximos a casebres e a
casas de barro. Após nos apresentarmos como médicos, e
explicado o motivo, em geral recebiam-nos de boa vontade e
18
franqueavam nossa entrada para esmiuçar as ‘locas’ onde, de dia,
se escondiam os barbeiros. Em algumas casas encontramos sob o
colchão barbeiros e, em outras, o percevejo ‘doméstico’... Quanta
tristeza sentimos percebendo tanta miséria e sujeira, e doenças
decorrentes.
Colhíamos os exemplares colocando-os em frasco tipo
Nescafé que, após vedados, rotulados com nome e endereço,
levávamos ao hospital e o examinávamos sob a orientação
supervisão do Prof. Leocádio.
Um outro trabalho referente à re-descoberta da doença de
Chagas, foi o xenodiagnóstico, exame que usava barbeiros criados
no laboratório, chamados de ‘virgens’, isto é, por terem sido
criados desde o ovo e considerados não infectados e não
infectantes.
Esses barbeiros sugavam pacientes cardiopatas, com coração
bovino, ou com bloqueio de ramo ao eletrocardiograma, ou por
viverem sob o mesmo teto onde, alguém, já havia sido
diagnosticado como portador ou doente de Chagas. Neste trabalho,
contamos com a ajuda das funcionárias Helena e Creusa, que
criavam galinhas para alimentar barbeiros, enquanto não apareciam
pacientes- candidatos ao xenodiagnóstico.
A fixação de complemento foi inicialmente um trabalho de
parceria com o Instituto Manguinhos no Rio de Janeiro. Colhíamos
o sangue do paciente, retirávamos o soro, colocávamos em
ampolas estéreis, fechávamos a maçarico, acomodávamos em caixa
e levávamos pessoalmente à agencia da Varig que levava a seu
destino, como cortesia.
A apresentação do trabalho de toda a equipe foi destaque no
Congresso de Cardiologia. E dele saíram premissas que foram
encaminhadas ao Governo Federal e a muitas autoridades em todos
os Estados pelos representantes das Sociedades presentes.
O perigo do sangue contaminado ser mais uma possibilidade
diagnóstica da doença de Chagas, começou a ser motivo de nossas
conversas. A internação de uma paciente que veio do Pronto
Socorro, onde recebera sangue de mais de 8 doadores e apresentara
19
Insuficiência Renal Aguda. Após sua recuperação, surgiu-lhe
febre que perdurou por mais de 42 dias e, re-internada pelo Prof.
Pondé com forte suspeita, foi confirmado tratar-se de um caso
agudo de doença de Chagas, pós transfusional. Levado à
apresentação em duas Sessões Clinicas, divulgada entre os
cientistas brasileiros, a paciente continúa gozando boa saúde em
2001, sem apresentar sinais de descompensação.
Este fato levou o colega Silvio Monsão a pesquisar quanto
tempo vivia o tripanozoma em sangue infectado e em geladeira:
mais de 21 dias.
O resultado desta pesquisa causou grande impacto no serviço
de transfusão de sangue: primeiro, tornou-se uma exigência
pesquisar em cada doador tanto quanto à presença de tripanosoma,
como realização da fixação de complemento. O sangue positivo
estocado era desprezado imediatamente; e o doador era convidado
a comparecer ao Serv. Social onde era informado e conscientizado
a submeter-se a exames indicados. Acreditamos que foi um grande
passo para reduzir a transmissão sanguínea da d. de Chagas;
entretanto, quantos doadores ‘aparentemente saudáveis’ foram
examinados, diagnósticados apenas...? e sairam sem receber
qualquer orientação sobre a continuidade das visitas ao serviço,
afim de que qualquer novo conhecimento lhe fosse oferecido.
Infelizmente continuamos sem uma política social em saúde,
ignorando os sofridos e sofredores. Em alguns poucos pacientes foi
usada a Penicilina em alta dose e medicamentos em experiência
(Roche AT-2?), cujo uso também não revelou qualquer benefício.
Outros estudos feitos em Ribeirão Preto pelo médico bahiano
Pedreira de Freitas, que verificou que a adição de solução de azul
de metileno ao sangue colhido, como inibidor e destruidor do
tripanosoma cruzi. As trocas de informação eram sempre em mão
dupla.
Com todos estes conhecimentos que tiveram origem da
curiosidade, da tenacidade e da ousadia do Prof. Adriano Pondé,
tivemos nós seus alunos e auxiliares a oportunidade de sermos
capazes de pensar alto e de sonhar com a resolução de certos
20
problemas de saúde que nos deixam ainda atados como parte do
terceiro mundo.
É preciso garra e entusiasmo pela vida, afim de irmos além do
que nos parece ser o necessário. Entusiasta pela vida, o Prof. Pondé
ia além do esperado. Ensinou a todos nós a ordem, a organização, o
sentido de equipe, a compaixão, a responsabilidade e, muito mais..
Um verdadeiro ‘gentleman’, foi admirado e muito querido por
todos nós.
Acrescento a seus maiores feitos alguns outros dos quais fui
um dos participantes:
O primeiro caso de paciente em coma por diabetes mellitus foi
internado às 14 horas e todos nós fomos chamados a colaborar.
Nada sabíamos sobre tratar um caso como aquele; comunicamos
nosso receio em dar cobertura a tal situação. Porém o resultado nos
valeu uma grandiosidade de aprendizado. Nós, assistentes e
internos, nos revezamos durante 72 horas, enquanto o Prof.
Adriano e Prof. Leocádio, nos assessoravam com uma freqüência
desejada, em tempo suficiente para irmos creditando a favor de
Eremita, a paciente, e de nós, a confiança do conhecimento e da
recuperação. Com a necessidade de termos o resultado de exames
com a urgência necessária, ele solicitou do chefe de laboratório a
permanência de técnicos ‘em torno do relógio’. E o Serv. de
Eletrocardiografia nos fornecia o resultado da onda T - ‘expressão
impressa, apesar de grosseira, dos níveis de potássio sérico’.
Na área da Angiologia, o uso de ‘coquitel’ com novocaina,
acetilcolina e antibióticos injetados lentamente por 2 horas, na
artéria femural de pacientes com doença vascular obliterante de
membros inferiores. Os casos tratados obtiveram alta, sem
precisarem da cirurgia. Entretanto o custo x duração do tratamento
e benefício, avaliado pelo Prof. Pondé, foi considerado de custo
inaccessível.
A diálise peritonial, utilizada tanto em pacientes renais, quanto
em hepáticos que, muitas vezes apresentavam a insuficiência
cardíaca como consequência.
21
A punção – biopsia hepática e renal, e até a punção do
miocárdio em época em que apenas o Raio X era um dos grandes
avanços na Medicina.
Estimulou os hematologistas a realizarem a punção da medula
esternal.
Como verdadeiro Medico de familiar, ensinava a pacientes
cardíacos, como ‘retirar’ o sal da ricota, fazendo verdadeira diálise
do alimento. Enfim, tudo que o Prof. Pondé aprendia, procurava
ensinar a um maior número de pessoas. Assim pensava ele.
Sabia falar com seus pacientes e familiares. Tinha paciência e
muito jeito sugerindo e valorizando o ambiente harmônico como
peça fundamental na cura. Falava da compaixão que devemos ter
com quem está sofrendo, da ajuda que cada um pode dar sem
superproteger o paciente, da confiança que cada assistente deveria
transmitir.
A Escola de Enfermagem teve nele um grande estimulador. As
primeiras turmas receberam a informação diretamente do Prof.
Pondé; e nós, seus assistentes, o substituimos, quando dedicou
parte de seu tempo e trabalho como vice Reitor.
1958: A história da fundação Escola de Nutrição é expressão
de um de seus sonhos tornado realidade. Acredito que foi o seu
mais arrojado empreendimento, reflexo inconsciente do que
visualizara Hipócrates (400 anos a C), quando vaticinou:
“Que o alimento seja o teu remédio, e que o remédio seja o
teu alimento”.
Em 1965, estavam ele e d. Carmem em férias, em Paris, e
depois Estados Unidos, quando soubemos que o ensino de
Nutrição em todo o Brasil seria considerado de nível médio.
Comunicamos a ele este ‘movimento’; logo de imediato decidiu
regressar e defendeu veementemente seu interesse em beneficiar a
Universidade, considerando o desenvolvimento do estudo de
alimentos como Programa de Saúde de valor inestimável.
22
Assim, era ele: “Quem não luta pelos seus direitos não é
digno de merece-los”.
E o finalmente, como parte desta história:
O Prof. Pondé cursou no Colégio Antonio Vieira e foi aluno
que recebeu muitos prêmios e, quando se graduou, recebeu a
medalha de mérito.
Estudou Medicina na nossa ancestral Faculdade de Medicina
no Terreiro de Jesus, onde defendeu suas teses de doutoramento e a
famosa tese sobre enfarte do miocárdio.
Foi nomeado assistente do Prof. Prado Valadares, seu mestre a
quem devotava especial carinho. Ocupou a Cadeira de
Propedêutica Médica – excelente propedeuta – e depois transferiuse para a 1ª Cadeira de Clínica Médica onde permaneceu até a
compulsória.
Recém formado, conheceu a jovem carioca Maria do Carmo
do Amaral Lebre, que visitava Salvador juntamente com a prima
Adelina, (sobrinhas do Almirante Francisco das Neves, Capitão de
Portos em Salvador e casado com uma prima da família Pondé).
O romance entre eles, Prof. Adriano e d. Carmem, foi selado
com breve namoro e casamento no Rio de Janeiro. Quase todos os
irmãos e seus Pais estiveram presentes e sempre mantiveram um
especial carinho por d. Carmem, a Tatá de Nininha, Yolanda,
sobrinhos e afilhados. Para o Prof., D. Carmem, a Madame e,
muitas vezes, a Yayá.
Viveu e existiu sempre a seu lado como esposa, assessora,
secretária, datilógrafa e bibliotecária. As revistas estrangeiras
(francesas, alemãs e inglêsas) tinham seus resumos datilografados
e ordenados por assunto. Em sua casa e depois em seu apartamento
-ambos na Graça-, o enorme quarto de estudo tinha as paredes
‘forradas’ até o teto com estantes cheias de livros e revistas. As
principais novidades eram revistas por d. Carmem e os resumos
antigos, somados ao mais recente, eram apresentados ao Prof. A
ordem em guarda-los, impressionava-me quando ia ajuda-la; muito
aprendi com ela.!
23
Por muitos anos d. Carmem participou de Obras Sociais em
Salvador que muito contribuiram para a sociedade bahiana. Figura
destacada nas rodas sociais, mantinha grandes amizades.
Pura fidalguia, era o viver do casal. Recebiam em sua casa
amigos, alunos, colegas brasileiros e estrangeiros, com um estilo
primoroso.
O traço mais importante era o afeto que eles deixavam
transparecer, lindo demais, nascido na mocidade, ele já formado
em Medicina - o seu Yoyô - e ela, a Grande Mulher que existe por
trás de todo Grande Homem.
***
Por alguns anos, o Prof. Pondé continuou atendendo em seu
consultório, à rua da Ajuda – Ed. Bahia, e em visitas domiciliares,
como Médico de Família.
Deixou a todos nós um grande legado: seu senso de humor e
sua sabedoria, da qual considerava ser ele apenas um canal:
distribuía a quem estivesse disponível a aprender, jamais se
considerava dono do saber.
Um traço marcante de sua auto-estima: admirava sua
assinatura como representação de si mesmo.
Acreditava que o sobrenome Pondé fosse de origem francesa.
Trazia uma forte inclinação por tudo que lhe significasse a França:
amava Paris, admirava Proust e freqüentemente expressava-se em
francês:
“En Medicine comme en amour, on ne dit
ni jamais, ni toujours!”
Em 4 de junho de 1987, veio a falecer em Salvador – Bahia.
Junho, 2001
Profª. Drª. Anita Guiomar Franco Teixeira
24
ADRIANO PONDÉ — LENTE DE MEDICINA
E INTELECTUAL
Na cidade da Bahia, o sol achava-se no zênite, na quadra
canicular. Ao introduzir-me na loja de alfarrábios, regado por
camarinhas de suor, fui guiado por um chupista, que evolava, dos
beiços, o fumo em espiral do último tabaco ordinário. Encaminheime até a estante onde, em atmosfera asfíxica, miasmando o recinto,
falta de luz, com bafio típico de umidade, bolor e fungos, jaziam
ancianas obras sobre medicina. Tateante, exumei precioso livro de
antanho. Impado de satisfação, olhos ardentes de santificada
conjuntivite causada pela poeira em suspensão perlustrei o
frontispício do trabalho científico:
EXPOSÉ ANALYTIQUE
DES
PRINCIPAUX TRAVAUX
D'ANATOMIE, DE PHYSIOLOGIE
D'HYGIÈNE, DE CHIRURGIE, DE MÉDECINE PRATIQUE
ET
DE LITTÉRATURE PHILOSOPHIQUE
DE
P. A. PIORRY
CHEVALIER DE LA LÉGION D'HONNEUR
A L'APPUI DE SA CANDIDATURE A L'ACADÉMIE DES SCIENCES
(Section de Médecine et de Chirurgie).
A Paris
CHEZ J. -B. BAILLIÈRE
LIBRAIRE DE L'ACADEMIE IMPÉRIALE DE MÉDECINE
Rue Hautefeuille, 19
—
1856
E emocionei-me com a dedicatória lavrada: "Ao caro collega
Adriano Pondé como lembrança do seu brilhante concurso —
ilegível — Rio, 1939".
25
Adquirido, o livro foi "entronizado" no "altar" da minha
modesta biblioteca, ladeando "A Oração do Paraninfo" - Prof.
Adriano de Azevedo Pondé - Discurso proferido na solenidade da
colação de grau dos doutorandos em Medicina (125.ª turma), a 19
de dezembro de 1945; "Discursos na Academia" - Adriano Pondé e
Zitelmann de Oliva; Revista da Academia de Letras da Bahia Volume XXIII - 1973/1974, onde estão lavrados os magníficos
trabalhos do mestre Adriano Pondé em derredor de Marcel Proust:
"A doença e os últimos dias de Marcel Proust" e "Marcel Proust:
Asma e Estilo"; "Discurso de saudação proferido pelo Acadêmico,
Professor Plínio Garcez de Sena, em 20 de setembro de 1977",
durante a posse do professor Adriano de Azevedo Pondé na
Academia de Medicina da Bahia; Dr. João Pondé Filho "Syndrome Iliaca Direita - These Inaugural - Approvada com
distincção - Cadeira de Clinica Cirurgica - 1925". Miro com muito
carinho, postados ao lado das sobreditas obras: Sóror Mariana "Cartas de Amor ao Cavaleiro de Chamilly" - D. Francisco Manuel
de Mélo - "Carta de Guia de Casados" - "Pela Terra Alheia" (2
volumes) e "Ultimas Farpas", de Ramalho Ortigão. Os ditos livros
de lusos autores são extremamente valorizados e enriquecidos pelo
fato de conterem o autógrafo do inesquecível Adriano Pondé, com
sua característica de caligrafia cursiva, de belo efeito estético,
traçada de modo corrente.
No Hospital das Clínicas, na bela e organizada enfermaria da
1ª Cadeira de Clínica Médica, sob a égide do ilustre e ilustrado
mestre Pondé, encontrava-me a examinar, um tanto acanhado, o
precórdio de um sertanejo que enfermara de moléstia do coração.
No claustral sossego do acolhedor e asseado cômodo amplo,
destinado ao tratamento dos padecentes, imaginando-me
inteiramente só, cismativo, buscava decifrar, solilóquio, os
enigmáticos enunciados de autoria do professor Prado Valladares,
tais como: “Cronognose de um sopro cardiaco: criterio da
coincidencia esfigmica, critério da análise do tom livre”. – “Sopros
cardiacos: nova tentativa taxonômica”. – “Sopro circular de Miguel
Couto” e “Sopro cormico de Garcez Fróes: analise destas especies
semiotecnicas à luz das leis de propagação” – “Eletividade cardiosinistra das lesões adquiridas: uma conjectura patogenica". "Galope auricular e galope ventricular: definição destas especies
pela traqueo-broncofonese de Eteocles Gomes”.
26
Subitâneo, tive o pressentimento que alguém se encontrava
atrás de mim, observando-me e atentando para as minhas
conjeturas, vagas e confusas, ante o desconfiado olhar do paciente
interiorano. Voltei-me, e lá estava o notável professor, de olhar
plácido por detrás de óculos de grossa armação e hastes, refulgindo
de seu arcangélico semblante um terno sorriso. Blandíloquo, à luz
da moderna ciência da cardiologia ensinou-me os conceitos atuais
cotejados com os preceitos do grande Prado Valladares, ele, que
com suas mãos iniciou o magnífico Adriano Pondé no magistério
médico, conforme é reconhecido no seu discurso, no ensejo da
posse na Academia de Letras da Bahia.
Ao lado de Adriano Pondé, seus assistentes davam alma e
energia, além de singular encantamento aos estudantes que
freqüentavam a Clínica Médica - 1ª Cadeira. Os estudantes
testemunhavam a virtude da exemplar atuação didática e
inexcedível proficiência dos jovens professores Anita G. Franco
Teixeira, Angelina Pelosi, Antonio Ferreira Lima, Alberto Pondé e
Elias Cheade.
Na minha timidez, própria de um tabaréu, sentei-me na última
fila do Salão Nobre da imortal Faculdade de Medicina da Bahia,
para haurir prazerosamente o discurso que seria recitado pelo
professor Adriano Pondé na sua oração de posse em a noite de 5 de
maio de 1970. Emocionou-me, deveras, a sua assertiva, bastante
atual: "A MEDICINA NÃO SE DESUMANIZARÁ" — e
valendo-me do seu discurso escrito, relembro-me, lendo-o: "Os
progressos da Ciência transformaram profundamente a Medicina
em seus métodos de exame e de pesquisa, porém não lhe
modificaram as nobres inspirações que a animam e divinizam"...
"A natureza espiritual confere dignidade à pessoa humana, que
deverá ser respeitada e preservada na defesa de seus direitos
essenciais e imperecíveis."... "A Medicina não se desumanizará.
Porque o homem continuará a ser, em qualquer tempo, o metro de
todas as coisas. Uma vida poderá nada valer — nem sequer valer a
pena de viver — mas, nada haverá no mundo que valha uma
vida."... "A tecnologia nos transporta a surpresas fascinantes nos
domínios da Medicina! Desde a corrida para o transplante dos
órgãos, até o prodígio de máquinas eletrônicas que apresentarão o
diagnóstico em tempo mínimo e com toda a exatidão... Ah! as
maravilhas da informática nos domínios da clínica!"... "A técnica,
todavia, não é uma finalidade: é o resultado humano. Falta-lhe a
27
alma... Falta-lhe a primazia do sentimento... o "pathos", — que
tanto domina a razão, como a vontade."...
O Jornal do Cremeb em agosto e setembro - Nº 82 e outubro Nº 83, publicou trabalhos inéditos, de minha autoria, frutos de
fontes primárias, com o título "Banhos nas agoas thermaes da Mai
d'Agoa do Sipó" - (1831 a 1874). Antes da pesquisa ir para a
prensa, mestre Jesuino Netto, suspensa a sessão do Instituto
Bahiano de História da Medicina, recomendou-me a leitura da tese
inaugural de Adriano Pondé, defendida em 1923, versando sobre as
águas do Itapicurú. Estudei-a, de imediato, atento. Magnífico e
atual trabalho do doutorando Adriano Pondé, intitulado
"Contribuição para o estudo das águas minero-medicinaes do
Itapicurú".
No lutuoso 4 de junho de 1987, a morte de Adriano Pondé fez
um vácuo na medicina nacional. É impossível avaliar a catadupa de
lágrimas que a saudade o velou, o pranto com que o
reconhecimento o consagrou, o crepe do sentido luto com que a
sociedade baiana e a classe médica o envolveram nas
manifestações eloqüentíssimas da gratidão da Bahia, pois Adriano
de Azevedo Pondé, que tão nobremente serviu a Medicina, ilustrou
a Bahia lacrimosa, que ainda hoje chora por ele, vertendo lágrimas
da mais acrisolada saudade, que é graça que suaviza, desafogo que
liberta e ternura que balsamiza.
O professor Adriano de Azevedo Pondé, dignificou a minha
turma de médicos de 1960, graduados pela Faculdade de Medicina
da Universidade da Bahia, ocupando no tradicional álbum e no
coração de cada um dos formados a merecida homenagem de
Honra ao Mérito.
Antonio Carlos Nogueira Britto*
*
Vice-Presidente do Instituto Bahiano de História da Medicina.
28
Professor Adriano Pondé:
uma lembrança
No ano em que se comemora o centenário de nascimento do
saudoso Professor Adriano Pondé, achei oportuno prestar esse
depoimento no que tange a sua imágem de professor, sem detalhar
o seu extenso currículo, que certamente será melhor abordado por
seus colaboradores, mas enfocando as suas qualidades de médico
obstinado e de mestre. Na Faculdade, mantivemos contato, quando
era estudante do quarto ano médico, passando pela 1ª cadeira de
clínica médica, e depois como docente. Lembro-me muito bem
daquele professor de fala mansa, distinto, sempre sorridente, e
assíduo na sua enfermaria. Nesta, estavam sempre em sua
companhia, as suas fiéis assistentes, as Dras Angelina Pelosi e
Anita Teixeira, que juntamente com o seu sobrinho Dr João de
Souza Pondé Neto, tocavam o serviço. No ambulatório, lá estavam
os Drs Renato Senna e Jorge Leocádio, todos com atividades no
curso de graduação, que lamentavelmente, hoje está sendo cada
vez mais esquecido. Era um professor atuante, cumpridor dos seus
deveres, sempre solícito, muito embora não fosse homem de
cobranças exigentes.Delegava-as assim, às Dras Anita e
Angelina.Entretanto, o que mais me marcou na sua vida, era o seu
grande amor e obcessão pelo exercício profissional.Possuidor de
uma clínica particular invejável na época, era de uma dedicação
extrema aos seus clientes, com horário de entrada, mas sem hora de
saida.Atendia a todos com o mesmo humor, sempre com uma
palavra de conforto, e jamais se negando aos atendimentos
domiciliares,muito comuns naquela época. Viveu assim
intensamente a sua profissão, enquanto teve forças. Dou o meu
testemunho desse desempenho, diante do seu comportamento na
enfermidade da minha mãe, quando presenciei as suas lágrimas de
emoção no seu falecimento precoce.Naquela ocasião, eu era um
29
adolescente de quinze anos que nunca tinha visto um médico
chorar. A partir daí, passei a amar a minha profissão. Após esse
episódio, continuou médico de meu pai, seu fraternal amigo e
colega, ainda por muitos anos. Por tudo isso, nào poderia deixar de
prestar-lhe essa homenágem por um preito de gratidão a um grande
mestre, introdutor da cardiologia na Bahia, médico por excelência
e admirável figura humana.
Antonio Carlos Peçanha Martins
30
Professor
Dr. ADRIANO DE AZEVEDO PONDÉ
Freqüentei a 1ª Clínica Médica do Hospital Escola (Hospital
da Clínicas) do 2º ao 6º ano de medicina, onde tive a honra de
conhecer e conviver com o ilustre e saudoso Professor Adriano
Pondé.
Fidalgo no trato com seus assistentes, seus discípulos e de
modo muito especial com seus pacientes.
Inteligência, cultura, dedicação e modestia.
Além de médico e professor, foi também líder da classe
médica. Um dos fundadores da ABM – Associação Bahiana de
Medicina., em outubro de 1942, fazendo parte da Diretoria na
condição de Vice-Presidente, tornando-se seu Presidente no
mandato imediato.
Já na década de 70, quando fui Presidente da ABM, havendo
cumprido dois mandatos, tive a honra de contar com a visita, quase
mensal, aos sábados pela manhã, do ilustre Professor com quem
trocávamos ideias sobre as ocorrências Medico-Sociais da época.
O nome do PROFESSOR ADRIANO DE AZEVEDO
PONDÉ honra e dignifica a Medicina e a Bahia.
Assis Fernandes
Médico
31
Quem foi Dr. ADRIANO PONDÉ
para a Escola de Nutrição
da Universidade Federal da Bahia?
Como professor Catedrático de Clínica Médica no Hospital
das Clínicas, sentiu a necessidade de ampliar os recursos médicos,
para exercício imediato na área de Dietoterapia, como já existentes
no Sul do País e para tanto não poupou esforços para a criação da
nossa Escola de Nutrição.
A dedicação e o entusiasmo desse reconhecido estudioso
médico humanista, também especialista em Cardiologia, colocaram
todo o seu coração a serviço do objetivo a que se propôs.
A responsabilidade de formar profissionais habilitados levou-o
a escolher, nas diversas Unidades Universitárias, entre os
professores, o melhor dos melhores e que partilhavam com ele o
mesmo ideal.
Fundador, Diretor e Coordenador, com seu dinamismo trouxe
à Escola, nutricionistas de comprovada habilitação para
desenvolverem a parte prática.
No contato diário na Escola passou seu entusiasmo a um
pequeno grupo integrante da 1ª Turma, que no decorrer dos anos
de estudo atuou em Hospitais e clínicas de Cidade, bem como em
comunidades carentes nos arredores, despertando para as
desigualdades sociais.
O pioneirismo do mestre em perceber a importância da
nutrição no tratamento das doenças geneticamente correlacionadas,
tais como obesidade, diabetes e doenças cardíacas foi o mais
marcante e significativo aspecto ao criar a Escola de Nutrição de
Universidade da Bahia.
Hoje, esta homenagem de seus diletos discípulos em diversas
áreas da medicina, à qual nos associamos, na passagem de seu
centenário de nascimento, mantém vivos em nossa memória, os
32
anos que enriquecemos com o seu convívio e registramos a sua
figura entusiasta, tranqüila e fidalga, que nos deixou como mestre,
marcante exemplo de espírito universitário.
Disse Bertold Brecht:
“Há homens que lutam um dia e são bons.
Há outros que lutam um ano e são melhores.
Há aqueles que lutam muitos anos e são muito bons.
Mas há os que lutam a vida toda. Esses são imprescindíveis.”
Nós alunas de 1ª Turma da Escola de Nutrição da Universidade
Federal da Bahia vemos o emérito Professor ADRIANO DE AZEVEDO
PONDÉ no patamar dos imprescindíveis.
Beatriz de Paulo Alfredo
Lia Regina Valente Vassilatos
Edith Tolentino Vieira
Cléa Almeida
Lúcia Maciel
Maria Lúcia Pires Santana
Nícia Maria Biscaia
Aída Maria Ramos Costa de Castro
Yolanda Pondé Senna
33
Homenagem a Adriano Pondé,
meu padrinho
Tem-se constituído em curiosidade para mim verificar que os
jovens de hoje quase nada sabem a respeito de sua ascendência.
Quando muito recuam às informações sobre os avós,
desconhecendo as raízes mais antigas de sua progênie.
Quanto a mim, sempre tive o interesse em conhecer os meus
ancestrais, além de cultivar o convívio com os parentes de ontem e
de hoje, gosto este que herdei, certamente, de meu pai, Edístio
Pondé.
Foi, pois, com satisfação, que recebi o honroso convite para
participar deste livro de memória em homenagem ao saudoso
Mestre da Cardiologia Baiana, Prof. Adriano Pondé.
É que a Adriano Pondé estou ligada por estreitos laços de
parentesco e amizade, razão pela qual não posso furtar-me a esse
indeclinável dever. Isto porque, era ele primo carnal de meu pai e,
consequentemente, meu primo em segundo grau. Além disso, por
ele e por sua esposa, Maria do Carmo Lèbre Pondé, fui levada à pia
batismal, na Igreja de São Pedro, poucos anos após o meu
nascimento, em data que não sei precisar. Ambos substituíram o
casal – Adriana – João de Souza Pondé, ele conceituado clínico
nesta capital, falecido a 14 de setembro de 1934, os quais haviam
meus pais escolhidos como patronos do meu ingresso na Igreja
Católica Apostólica Romana.
A morte, entretanto, não permitiu a consubstanciação desse
convite, tendo tia Adriana, após a morte do marido, sugerido que o
compadrio fosse transferido para o filho mais velho e sua mulher.
Até quanto foi possível ao genealogista Everaldo Pedreira
Rocha
localizar, em suas pesquisas, a família Souza Pondé, teve
origem no Capitão Antonio José de Souza Mendonça que, no início
34
do século XIX, residia na freguesia de Nossa Senhora da
Conceição do Aporá, município de Inhambupe. Casado com Maria
do Nascimento Dórea, faleceram ambos antes de 1853. Desse
consórcio nasceram onze filhos: 1) Inácio Mendes de Souza
Periquito. 2)Maria Rita de São Félix. 3) Cap. Pedro Nolasco de
Souza. 4)Joana Bernardina de Souza. 5) José Joaquim de Santana.
6) Carlos Antonio de Souza. 7) Cap. Antonio José de Souza. 8)
Cap. Francisco Xavier de Souza Pondé. 9) Maria Procópia Teles de
Menezes. 10) Carlota Joaquina do Amor Divino. 11) Ana Porcina
de Menezes.
Do oitavo filho do casal, portanto, o único que teria Pondé no
seu sobrenome, Francisco Xavier Souza Pondé, procedem
diretamente todos os Pondés.
DESCENDÊNCIA DE FRANCISCO XAVIER DE SOUZA PONDÉ
Nasceu Francisco Xavier de Souza Pondé em Itapicuru, falecendo
na mesma localidade em 1878. Tendo sido proprietário de uma fazenda
em Santa Cruz do Gangu, em Itapicuru, e senhor de engenho no Conde,
casou-se, na matriz de Nossa Senhora da Conceição do Aporá, a 6 de
fevereiro de 1825, com sua prima em 4o grau, Ana Joaquina de Souza
Pondé, filha do Capitão Gonçalo de Souza Ormundo e de Angela Patrícia
de Menezes. Dessa união nasceram 12 filhos: João Joaquim de Souza
Pondé, Pedro Faustino de Souza Pondé, Carolina Pondé Mendes da
Silva, Minervina Francisca Pondé de Oliveira, Maria Ernestina Pondé de
Mendonça, Gonçalo Aprigio de Souza Pondé, Joaquim Maturino de
Souza Pondé, Manoel Dultra de Souza Pondé, José Raimundo de Souza
Pondé, Antonia Laudelina Pondé de Melo, João Maria de Souza Pondé e
Antonio de Souza Pondé.
O segundo filho do casal, Pedro Faustino de Souza Pondé, que se
casou com sua prima em 3o grau, Oliva Baptista Pondé, deu origem ao
ramo ao qual pertenço, sendo seus filhos: Ezequiel de Souza Pondé,
Pedro Faustino de Souza Pondé, João de Souza Pondé, José de Souza
Pondé, Francisco de Souza Pondé e Maria de Souza Pondé, esta última
falecida em abril de 1884, com apenas sete dias de nascida.
35
Sobre Pedro Faustino de Souza Pondé, conhecido como Donzinho, e
sua mulher, assim escreveu o líder político Severino Vieira, nas páginas
do Diário da Bahia: “Conheci os pais do Dr. Pondé. Dois santos. Os
sertanejos vizinhos, quando passavam em frente da casa da fazenda,
descobriram-se como diante de um templo. Os filhos todos os
continuaram. A árvore sarada floresceu e se perpetuou em frutos de
perfeição. Ele fez da ciência um apostolado de altruísmo (referia-se a
João Pondé). E quanto aos seus irmãos foram, como ele, uma geração
insigne de magistrados e médicos: “Ezequiel, o mais velho, membro
egrégio dos superiores tribunais do Estado, destacando-se pelo saber e
pela sisudez ao lado de Felinto Bastos, de Chico Alexandre, de Pedro
Ribeiro e outros vultos. Pedro Faustino, herdeiro do nome e do espírito
paternos, consagrado por toda a Bahia, através uma benemérita carreira,
como o “bom juíz”, José, o procurado oftalmologista, Francisco, clínico
e docente livre da Faculdade de Medicina do Pará, do mesmo modo
especializado em estudos no Velho Continente”.
Dado o grande interesse que Adriano nutria pelas origens da sua
família, em sua homenagem, valho-me de algumas informações extraídas
do trabalho inédito do genealogista Everaldo Rocha sobre a família
Souza Pondé, a ser proximamente editado, e de outras publicações
relacionadas na bibliografia consultada.
Por ordem cronológica, cabe-me fazer referência inicial a Ezequiel
de Souza Pondé, a quem os familiares tratavam de tio Pondé, nascido
em Itapicuru (Ba) a 8 de agosto de 1866 e falecido em Salvador a 10 de
dezembro de 1942. Tendo-se diplomado em Ciências Jurídicas e Sociais
pela Faculdade de Direito do Recife, em 1887, iniciou sua vida
profissional como promotor público de Monte Santo. Em seguida, foi
Juiz Municipal de Tucano, de onde foi removido para Inhambupe, tendo
sido nomeado juiz de direito daquela Comarca em 1892. Transferiu-se
depois para Alagoinhas, onde funcionou em 1898, tendo sido removido
para a capital, onde passou a atuar na Vara de Comércio. Alcançou o
ápice da carreira ao ser nomeado desembargador do Tribunal de
Apelação e Revista. Ocupou a vice presidência do Tribunal de Justiça e a
Presidência do Tribunal Regional Eleitoral, de onde foi o primeiro titular.
Casou-se com sua prima em 2o grau Maria de Oliveira Pondé, “tia
Pequena”, filha do major Faustino de Paula Oliveira e Minervina
Francisca de Souza. Em seu livro Caminhos de um Magistrado, Adalício
Coelho Nogueira assim o definiu: “Ezequiel Pondé foi uma organização
36
inteiriça de magistrado. Sobravam-lhe integridade e consciência
escrupulosa”. Do mesmo parente, Adalício Nogueira são ainda, as
seguintes palavras sobre o velho Ezequiel: “A ascendência que ele
exercia no círculo familiar tinha um cunho verdadeiramente patriarcal.
Os parentes ouviram-no, e respeitavam-no. As suas opiniões eram
dogmas. O escrúpulo que impregnavam as suas atitudes era um modelo
digno de imitar-se. A compostura que lhe exornava o comportamento
impunha-se a todos, como o reflexo de sua inteireza moral”.
Lembro-me de ter freqüentado a sua casa, situada na Ladeira da
Independência no 7, avivando-me a lembrança de sua figura imponente,
do seu trajar impecável, suas polainas que tanto me causavam estranheza.
Em casa, sempre ouvira meu pai dizer que tio Pondé era um magistrado
incorruptível, dono de uma inteligência luminosa, uma personalidade
marcante a qual todos reverenciavam. Para nós, descendentes de Pedro
Pondé, o Bom Juiz, seu irmão amado, era tio Pondé o oráculo e o guia, a
quem meu avô no leito de morte confiara a família.
Impressionava pela retidão de caráter e sobretudo, para nós, os
pequenos, por suportar estoicamente o temperamento ácido de sua
mulher, tia Pequena. O casal não deixou descendência.
O segundo filho do casal, meu avô, era Pedro Faustino de Souza
Pondé, nascido em Itapicuru (Ba), a 12 de fevereiro 1870, viveu apenas
54 anos, tendo falecido nesta capital, a 25 de abril de 1925.
Bacharelando-se em direito pela Faculdade do Recife, em 1890, foi
promotor público de Juazeiro (1891), juiz preparador do termo de
Paripiranga, ex-Patrocínio do Coité (1853) e de Irará (1897), Juiz de
direito das comarcas de Cícero Dantas e ex-Bom Conselho (1898), de
Inhambupe (1900), de Amargosa (1914), de Cachoeira, de Alagoinhas
(1923) e da Vara de Órfãos e Ausentes, na capital baiana (1926).
Casou-se em Aporá (Inhambupe) com sua prima em 2o grau,
Vitalina Mendes Pondé, no dia 28 de junho de 1892. Era ela filha do
capitão Antonio Mendes da Silva, senhor do engenho Cipó em
Inhambupe e de Carolina de Oliveira Pondé. Desse casamento nasceram
17 filhos: Maria do Patrocínio Pondé (Cotinha), Ezequiel Pondé
Sobrinho, Antonio Mendes Pondé, Edgard Pondé, Palmira Mendes
Pondé, Edístio Pondé, Mário Pondé, José Pondé Sobrinho, Maria do
Carmo Mendes Pondé, Nelson Pondé, Francisco Pondé Sobrinho, Jaime
Pondé, João Pondé Sobrinho, Maria Dolores Pondé Peixoto e Clóvis
Pondé.
37
Sobre meu avô, acerca de quem tenho escrito muitas vezes,
confessei certa feita não saber defini-lo – se um juiz ou um santo.
Cognominado “O Bom Juiz”, era um temperamento sóbrio e sereno, de
uma suavidade incomum, que inspirava confiança e respeito. A seu
respeito, entre outras palavras, escreveu Adalício Nogueira: “Eu o vi, por
vezes, na austera presidência dos atos judiciais. A minha retina infantil
fixou o quadro daquela imponência que não pecava pela excessiva
rigidez da severidade. A inflexibilidade do seu temperamento de juiz não
tinha a dureza agressiva das almas frias, porque se impregnava dos
influxos de um coração bem formado. Era justo e bom. Era um misto de
energia e mansidão”.
Ventre bendito o da bisavó Oliva, que gerou cinco figuras estelares
da Bahia, abençoado seio cuja seiva vital alimentou bocas sequiosas de
justiça e de bem. Braços sertanejos e carinhosos que embalaram o sono
daqueles que honrariam a sua terra e a sua gente, tornando-se paradigmas
das virtudes humanas em nosso meio.
O terceiro filho do casal de sertanejos era, precisamente, João de
Souza Pondé, que nasceu em Itapicuru (Ba) a 2 de julho de 1874, tendo
falecido em Salvador em 14 de setembro de 1934. Ingressou no
Seminário de Salvador, mas abandonou a carreira religiosa para a qual
não se sentia vocacionado. Matriculou-se na Faculdade de Medicina da
Bahia, diplomando-se em 14 de dezembro de 1897. Inicialmente, exerceu
a profissão em Cruz das Palmeiras (SP) e Madalena (RJ).
Regressando à Bahia, residiu por pouco tempo em Lençóis(Ba),
médico do serviço de Profilaxia da Peste Bubônica, médico do Hospital
de Isolamento, médico e diretor do Laboratório Municipal de Análises
Química e Bromatológica (1914), professor livre de higiene da
Faculdade de Medicina (1912). Como estudante do 6o ano de Medicina,
trabalhara nos hospitais de sangue da Campanha de Canudos, tendo,
inclusive, ido ao teatro da guerra, onde lhe foi destinada a missão de
reconhecer o corpo do beato Antonio Conselheiro, a quem, segundo
consta, havia conhecido quando criança em Itapicuru.
João de Souza Pondé casou-se a 8 de setembro de 1900 com
Adriana Maria Daltro de Azevedo, nascida em 8 de setembro de 1876
e falecida, em Salvador, a 9 de julho de 1962. Adriana Maria era filha de
Antonio Martins de Azevedo Júnior e de Maria Amélia Daltro de
Azevedo, neta paterna de Antonio Martins de Azevedo e de Leopoldina
Azevedo, e materna de José Cerqueira Daltro e de Joana Augusta
38
Guimarães Daltro. Desse consórcio nasceram os seguintes filhos:
Adriano de Azevedo Pondé, João de Azevedo Pondé, Bernadete de
Azevedo Pondé, Francisca de Paula de Azevedo Pondé, Lafayette de
Azevedo Pondé, Jaime de Azevedo Pondé, Beatriz Pondé de Castro
Lima, Regina Pondé Falcão e Alberto de Azevedo Pondé.
Adriano de Azevedo Pondé nasceu em Salvador a 26 de junho de
1901, tendo falecido na mesma cidade a 4 de junho de 1987. Diplomado
em medicina pela Faculdade da Bahia, em 1923, foi assistente de clínica
propedêutica de 1925 a 1938, assistente do Instituto Osvaldo Cruz (19251938), Chefe do Serviço de Radiologia do Hospital Português (19331938), docente livre de clínica propedêutica médica (1928), catedrático
de clínica propedêutica (1939-1971), vice-reitor da UFBA, professor
emérito da Faculdade de Medicina, membro da Academia de Letras da
Bahia e presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Era sócio
efetivo de IGHB, que hoje presido. Casou-se em 30 de setembro de 1921
com Maria do Carmo do Amaral Lebre e Azevedo Pondé, nascida no Rio
de Janeiro e falecida em Salvador a 7 de março de 1990, de cuja união
não houve descendentes.
João de Souza Pondé Filho nasceu em Salvador, a 5 de novembro
de 1902, diplomou-se em medicina em 1925, tendo-se casado com
Dagmar Vaz Baptista filha de Elizeu de Assis Baptista e Anisia Vaz de
Assis Baptista, desse consórcio nasceu a única filha Adriana Maria
Baptista Pondé.
Maria Bernadete Pondé de Senna nascida em Salvador a 17 de
março de 1904 e falecida em 11 de dezembro de 1982. Casou-se em
1924 com o Engenheiro Civil José Soares Senna, que lecionou na
Faculdade de Ciências Econômicas, foi diretor de Construções e
Máquinas da Prefeitura de Salvador e faleceu em 1939, deixando duas
filhas: Yolanda Pondé de Senna, nascida em Salvador, licenciada em
Geografia e História e em Nutrição pela UFBA e Maria do Carmo Pondé
de Senna Adeodato de Souza, Nininha, como é tratada na intimidade,
nascida em Salvador, no dia 4 de março de 1939 nutricionista pela
UFBA. Casou-se em Salvador, na igreja de São Francisco em 10 de
agosto de 1963, com José Adeodato de Souza Neto, químico industrial,
filho de José Adeodato de Souza Filho e Dionea Carneiro Adeodato de
Souza, com os seguintes filhos: Cláudia Pondé de Senna Adeodato de
Souza, nascida em 17 de outubro de 1964 e Adriano José Pondé de
Senna Adeodato de Souza.
39
Francisco de Paula de Azevedo Pondé (Chiquito), nasceu em
Salvador no dia 6 de agosto de 1905. Fez os cursos primário e secundário
em Salvador, ingressando na Escola Militar de Realengo a 12 de março
de 1923, foi declarado aspirante a oficial da Arma de Artilharia em 30 de
dezembro de 1935. Tornou-se engenheiro militar, após curso no TME,
em 1939, fazendo brilhante carreira no Exército Brasileiro, onde
alcançou o generalato, como general-de-brigada a 25 de março de 1956 e
general de divisão em 1959. Casou-se com Dulce do Amaral Lebre
Pondé, sendo seus filhos Leda Maria Pondé de Serra, arquiteta, que se
casou com Teodomiro Serra Filho, também militar, em 25 de agosto de
1957, tendo o casal os seguintes filhos: Paulo Nei Pondé Serra, Luiz
Carlos Pondé Serra, Sérgio Luiz Pondé Serra e Dulce Adriana Pondé
Serra. Francisco Nei Lebre Pondé, nascido no Rio de Janeiro, engenheiro
civil, casou-se com Neide Cerqueira Pondé, sendo pais de Carlos Nei
Pondé e Tânia Lúcia Pondé.
Lafayette de Azevedo Pondé, nascido a 12 de março de 1907,
bacharel em direito pela Faculdade da Bahia (1929). Promotor público
das comarcas de Remanso, Santo Amaro, Maragogipe e Alagoinhas. Foi
procurador geral do Estado (1935-1938), secretário do Interior e Justiça
no governo Landulfo Alves (1938-1942), conselheiro do Tribunal de
Contas (1940-1957), professor de direito público internacional da
Faculdade de Ciências Econômica, professor de Política da Faculdade de
Filosoofia, professor de direito administrativo da Faculdade de Direito,
diretor da Escola de Administração, reitor da Universidade Federal da
Bahia, presidente do Conselho Federal de Educação, sócio fundador do
Instituto de Economia e Finanças da Bahia, conselheiro da Ordem dos
Advogados, Presidente da Academia de Letras Jurídicas da Bahia,
membro da Academia Bahiana de Educação. Casou-se com Lourdes
Margarida Vaz Porto e Azevedo Pondé, sendo pais de João de Souza
Pondé Neto, Gilda Maria Pondé Bastianetti e Lafayette de Azevedo
Pondé Filho.
Jaime de Azevedo Pondé, nasceu em Salvador a 12 de outubro de
1912. Após os cursos primário e secundário feitos na Bahia, ingressou na
Marinha, alcançando o Almirantado. Foi comandante do Distrito Naval
de Belém do Pará. Casou-se com Helena Fialho, sendo pais de Roberto
Fialho Pondé, Lígia Maria Pondé Vassalo e Glória Maria Fialho Pondé.
Beatriz Pondé de Castro Lima, nasceu em Salvador, em 10 de
novembro de 1910, casou-se com Orlando de Castro Lima, também
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nascido em Salvador, em 20 de agosto de 1907, médico, diretor da
Escola Baiana de Medicina e Saúde Pública, nascido em Salvador. e
falecido a 28 de março de 1988. Era filho de César de Castro Lima e de
Leonor Damásio de Castro Lima, sendo pais de Myriam Castro Lima
Fraga.
Myriam Fraga é a diretora executiva da Fundação Casa de Jorge
Amado. Escritora, pertence à Academia de Letras da Bahia. Casou-se
com Carlos Fraga, filho de Albérico Pereira Fraga e Odete Basto Fraga.
Regina Pondé Falcão nascida em Salvador, em 16 de agosto de
1912, casou-se com Pedro de Cerqueira Falcão, que se diplomou em
medicina pela Faculdade da Bahia, em 1929. Pedro Falcão especializouse em oftalmologia e transferiu-se para São Paulo, onde se fixou e
exerceu a profissão tendo feito parte da Academia de Medicina local.
Nascido em Salvador e falecido em São Paulo a 22 de junho de 1994, era
filho do conselheiro Teófilo Borges Falcão e de Maria das Dores Falcão.
O casal não teve descendência. O último filho do casal João de Souza
Pondé e Adriana de Azevedo Pondé era Alberto de Azevedo Pondé,
nascido a 8 de setembro de 1915 e falecido a 24 de junho de 1978.
Diplomou-se em Medicina. Foi professor assistente da Faculdade de
Medicina da UFBA e radiologista do Hospital Português. Casou-se com
Antonietta Ballalai Alves Pondé, nascida em Salvador, filha de Fernando
Ballalai Alves e Alzira de Carvalho Alves, tendo o casal um filho, Jorge
Alves Pondé. Este, por sua vez, tem também um único filho, Marcos
Mesquita Pondé, filho do seu primeiro casamento com Lucila Mesquita.
A mesma devoção que possuía meu pai, e seus irmãos, pela figura
paterna repete-se no enlevo com que hoje escuto emocionada Lafayette
Pondé referir-se a seu pai, João de Souza Pondé. Uma saudade que o
tempo não apaga, uma admiração que cresce com o passar do tempo,
uma presença firme e forte quase 67 anos após o seu desaparecimento.
Milagre que só a bondade, a retidão, o afeto, a solidariedade constróem e
perenificam.
Meu pai, seu sobrinho, tinha por João Pondé uma afeição imensa,
afeição que se misturava com a enorme admiração, com a gratidão que
lhe devotava sinceramente. Por isso, não se cansava de recordar da
dedicada assistência prestada por tio João a minha mãe, assistindo-lhe na
sua ausência, nos dias que antecederam ao nascimento de Lúcia. Ouvi,
incontáveis vezes, o relato desse momento difícil de meus pais, em que o
tio atento e prestimoso deu-lhes o apoio de que necessitavam,
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amanhecendo o dia sentado numa poltrona, na casa da Ladeira de
Santana, enquanto o sobrinho, no interior, preparava-se para voltar a
capital. Esse gesto de solidariedade sempre foi mencionado em nossa
casa com especial ternura
Resta fazer referência aos dois últimos filhos do casal Oliva e
Dãozinho, José e Francisco.
José de Souza Pondé o penúltimo da irmandade, nasceu em
Itapicuru(BA) a 8 de agosto de 1878. Fez o curso de humanidades na
capital baiana, freqüentando o colégio Spencer, sob a direção do Prof.
Alexandre Borges dos Reis, tendo em seguida ingressado na Faculdade
de Medicina da Bahia, onde se doutorou em 16 de dezembro de 1900.
Diplomado, exerceu inicialmente a clínica em Estância (SE), onde
conheceu aquela que seria a companheira de sua vida, senhorita
prendada, modelo de educação e fineza de trato, Maria do Carmo Dórea
(Zulica), filha do sr. Joseph Dórea, empresário naquela localidade. Em
seguida, clinicou em Aracajú, onde também, foi inspetor de Saúde dos
portos em Sergipe (1903-1907). Neste último ano, seguiu com a jovem
esposa para Europa, fixando-se em Paris. Ali permaneceu 2 anos em
estudos da especialidade, durante os quais freqüentou no Hospital
Lariboisière o curso do ilustre oftalmologista Prof. Vitor Mourax.
Retornando ao Brasil, passou a clinicar em Salvador, candidatando-se em
1914 à livre docência de Clínica Oftalmológica da Faculdade de
Medicina e, depois, professor substituto dessa mesma cadeira. Teve
como competidor o Dr. João Cesário de Andrade. Ambos obtiveram da
congregação igual números de pontos, mas um “empurrão” político
promoveu a nomeação do seu concorrente. Mais tarde, submeteu-se a
novo concurso de oftalmologia, sagrando-se vitorioso. Em 1924, adoeceu
gravemente, vindo a falecer no Rio de Janeiro aos 46 anos de idade, sem
deixar descendência. Seu retrato a óleo, encontra-se na sala da
congregação da Faculdade de Medicina do Terreiro de Jesus.
Francisco de Souza Pondé nasceu em Itapicuru (Ba), a 17 de
fevereiro de 1880, estudou na sua terra natal, transferindo-se mais tarde
para Salvador, onde cursou os preparativos no conceituado Colégio
Spencer. Ingressou no Seminário, onde aprendeu francês, italiano e latim,
que lhe serviram para o resto da vida. Com apenas 18 anos, matriculouse na Faculdade de Medicina da Bahia, concluindo o curso médico em
1902, após defender a tese Assistência Pública aos Loucos Delinqüentes
no Brasil. Em seguida, viajou para Belém(Pa) a fim de tentar a vida no
42
norte do país. Em 1911 seguiu para a Europa para ampliar seus
conhecimentos médicos, com ênfase na Pediatria. Casou-se, em Paris, na
Igreja de Sainte Madeleine, no dia 15 de maio de 1912, com Clorinda
Teixeira Pena, senhorita pertencente à mais fina e elegante sociedade
paraense que, na Cidade da Luz, ultimava a sua educação. Tia Zita, como
era tratada na intimidade, foi criada por sua irmã Leonila Pena de
Oliveira, esposa do Desembargador Napoleão de Oliveira, ambos de
nobres famílias paraenses.
Ao retornar a Belém, Francisco de Souza Pondé, construiu elegante
residência na Travessa Ruy Barbosa no 1454, na qual residiu durante o
tempo em que viveu, vindo a falecer em 24 de fevereiro de 1934, uma
semana após ter completado 54 anos. Francisco de Souza Pondé foi
professor das Faculdades de Direito e de Medicina, no Pará, fundador do
Instituto Histórico local e figura de proa no meio intelectual do Estado
nortista. O casal teve três filhos: Rui Pena Pondé, (falecido) nascido em
Belém (Pa), médico do Ministério da Fazenda, pediatra como o seu pai,
casado com Alcinda Tocantins Pondé, sem descendência. Climene Pena
Pondé, solteira, que desde 1939, com tia Zita e irmãos passou a viver no
Rio de Janeiro. Clorinda Pena Pondé, (falecida), que foi casada com
Cláudio Camargo Osório e teve dois filhos: Eliana e Cláudio, este último
também desaparecido.
Francisco de Souza Pondé deixou um nome respeitável nos meios
médicos e social do Pará, sendo patrono da cadeira no 33 da Academia de
Medicina local.
Dos cinco Pondés, descendentes de Oliva e Pedro Faustino de Souza
Pondé, apenas dois, Ezequiel e José não deixaram descendência.
ADRIANO PONDÉ, O PARENTE MÉDICO
Ao comentar o papel desempenhado pelo parente Adriano Pondé, no
seio da família, compete-me ressaltar o seu devotamento e a sua
solicitude. Consagrava-se a todos, fossem parentes mais próximos ou
mais afastados, aos quais dispensando-lhes atendimento carinhoso e
solícito. Herdara do velho pai, além da acuidade clínica, a atenção ao
paciente e a dedicação sem limite. Tendo João de Souza Pondé,
admirável figura de médico, sido justamente considerado um dos
43
melhores clínicos de sua época, seguiu-se-lhe o filho mais velho os
passos como autêntico herdeiro de uma legítima vocação.
Aliás, sobre essa afinidade intelectual e profissional com o modelo
paterno, teve Adriano a oportunidade de manifestar-se em discurso
pronunciado no salão nobre da antiga Faculdade de Medicina do Terreiro
de Jesus, ao ensejo da celebração do centenário de João Pondé: “Sintolhe a presença efetiva e orientadora nesse milagre da memória
involuntária, em muitas horas de estudo e meditação – conferindo-me
energias e serenidade nos momentos difíceis em que tenho que afirmar
minha presença no mundo”.
Em discurso de saudação a Adriano Pondé, proferido pelo
Acadêmico Plínio Garcez de Sena, em 20 de setembro de 1977, na
Academia de Medicina da Bahia, disse o orador: “Tivestes, pois, a
felicidade de ser filho de João Pondé, como igualmente fostes ditoso por
ter merecido ser filho de D. Adriana de Azevedo Pondé, a quem
definistes como possuidor daquele espírito da mulher forte da Bíblia,
louvada nos Provérbios, criatura dotada de sensibilidade, inteligência e,
de acordo com vossas próprias palavras: “Foi a trave e a candeia de nossa
casa”.
Adriano de Azevedo Pondé revelou-se desde cedo, tendo sido aluno
exemplar dos jesuítas, em cujo colégio do Portão da Piedade logrou
numerosas distinções, conforme depõe seu irmão, Professor Lafayette
Pondé. Distinguia-se também pela educação, lhaneza no trato e
cordialidade. Fez o curso médico com igual brilhantismo, diplomando-se
muito jovem, em 1923. Nessa mesma Faculdade de Medicina realizou
memorável concurso público de títulos e provas, defendendo a tese
intitulada: Enfarte do Miocárdio, trabalho pioneiro no país e que, até
hoje, é referência bibliográfica, com o qual obteve a cadeira de
Propedêutica Médica. Em 1945, contudo, após concurso de títulos,
transferiu-se para a Primeira Cadeira de Clínica Médica, em cuja
regência permaneceu até que oficialmente foi afastado das atividades
universitárias. Professor Emérito da UFBA, mesmo aposentado
costumava comparecer às reuniões da congregação da Faculdade de
Medicina como prova do grande afeto e interesse que dedicava à
instituição.
Idealista, realizador, foi criador da Escola de Nutrição da UFBA, de
onde foi diretor durante 15 anos. Dessa unidade de ensino recebeu a 28
de maio de 1976, data do vigésimo aniversário de sua fundação,
44
expressiva e carinhosa homenagem de reconhecimento pelos
inestimáveis serviços a ela prestados. Adriano de Azevedo Pondé foi
ainda Vice-Reitor da UFBA, conduzindo-se nessa função, e nas vezes em
que ocupou interinamente a Reitoria, com competência, descortino e
probidade.
Dotado de cultura sólida e diversificada, lastreada no estudo
sistemático e no culto às belas letras, alcançou a Academia de Letras da
Bahia, onde ocupou a cadeira no 8, cujo patrono é o médico e liberal
revolucionário Cipriano José Barata de Almeida.
Adriano de Azevedo Pondé era profundamente afeiçoado à sua
família, estendendo-se em atenções com os parentes, fossem os jovens ou
os mais idosos, tanto do ramo materno quanto do paterno. Não tendo tido
filhos ele e Maria do Carmo assumiram, inteiramente, a criação e a
educação da sobrinha, Maria do Carmo Pondé de Senna (Nininha), a
quem dedicavam atenção, cuidado e carinho como se fossem seus
verdadeiros pais.
Lembro-me muito bem do carinho que dispensava aos Mendes,
também Pondés pelo lado materno, a exemplo de Ana Mendes Ribeiro
(tia Morena), minha avó, Vitalina Mendes Pondé, sua prima e cunhada,
ao Des. João Mendes da Silva, ao Des. Políbio Mendes da Silva, a D.
Basílio Mendes Ribeiro O.S.B., aos quais atendia com zelo e solicitude.
Com efeito, não sei de um parente que lhe houvesse solicitado os
cuidados médicos e ele houvesse se furtado a atende-lo. Adriano era bom
e solidário, ungido de paciência e solicitude, enfim um médico admirável
que exerceu a profissão com competência, desprendimento e carinho.
Somos, os filhos de Edístio Pondé, particularmente gratos à atenção
e à solidariedade que dispensou ao primo, especialmente na fase final de
sua vida. Não só providenciou o tratamento quimioterápico que lhe
acrescentaria os dias de vida, como esteve ao seu lado, no Sanatório
Espanhol, durante um intervenção a que teve que se submeter aquele que
o antecederia na trajetória derradeira da existência e no portal da
eternidade.
São essas, pois, as palavras que com carinho e saudade, dedico à sua
memória, à memória do meu padrinho muito querido, Adriano de
Azevedo Pondé.
45
Bibliografia consultada
1. E.C. Estância e estancianos, Sergipe e sergipanos e outros.
(Crônicas da passagem do século). [s.l.: s.n.] 1965. 6 p.
2. IN MEMORIAM. Discursos pronunciados em comemoração ao
centenário de nascimento do Des. Ezequiel de Souza Pondé. Bahia,
[s.n.], 1996. 30 p.
3. JUDEX PERFECTUS. Coletânea de artigos, discursos, notas de
imprensa e homenagens outras, referentes ao falecimento do Dr.
Pedro Faustino de Souza Pondé. Bahia: Imprensa Oficial, 1945, 160
p.
4. PANDOLFO, Sérgio Martins. Francisco de Souza Pondé: pioneiro no
ensino da medicina legal no Pará. An. Acad. Med. Pará, Belém, v.6,
p.5-15, 1995.
5. ROCHA, Everaldo Pedreira. Família Souza Pondé. Salvador: Empresa
Gráfica da Bahia, 2000. Não paginado (No prelo).
6. SENA, Consuelo Pondé de. Introdução ao estudo de uma comunidade
do agreste baiano; Itapicuru, 1830/1892. Salvador: Fundação Cultural
do Estado da Bahia, 1979. 242 p. (Coleção Cabrália, 8).
Consuelo Pondé de Sena
46
Professor ADRIANO PONDÉ
- 100 ANOS -
Ao ingressar na Faculdade de Medicina tinha como meta
especializar-me em cardiologia. No afã de inteirar-me dos segredos
da profissão, no início do 2º ano consegui estágio na então
denominada 1ª Clínica Médica, dedicada à Cardiologia e chefiada
pelo Professor Catedrático Adriano Pondé, colega e amigo do meu
pai.
Fui carinhosamente recebia pelo Professor e seus assistentes,
ali permanecendo até o 4º ano quando mudei de rumo, cedendo aos
encantos da Obstetrícia.
Nunca me desliguei totalmente da 1ª Clínica, onde comecei a
aprender tratar os pacientes com amor e integral dedicação, além
de haver recebido a base clínica que me tem sido tão importante na
vida profissional.
No Professor Adriano encontrei um mestre exemplar,
dedicado, amigo, sempre pronto a uma palavra de incentivo, e um
excepcional ser humano. Lembro aqui, com uma doce saudade
daqueles tempos e carinho pela figura do Mestre, uma sua fraqueza
que divertia a todos que trabalhávamos na clínica: seu medo não
confessado de injeção. Sob a desculpa de que, para aplicação de
medicações injetáveis, não confiava em qualquer pessoa, dizia só
aceitar a aplicação por Angelina Pelosi, cuja paciência por todos
conhecida era posta à prova nesses momentos.
Lembro-me especialmente de uma ocasião em que, acometido
de um processo infeccioso, foi-lhe prescrito Benzetacil (à época
usado para diversas infecções). Nos dias da aplicação ficávamos
apreciando Angelina percorrer toda a enfermaria com a seringa na
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mão, atrás do Professor, que, fugindo, dizia ter um paciente a
examinar, uma anotação a ser feita, ou qualquer outro pretexto até
que, esgotadas as desculpas para o adiantamento, rendia-se à sua
tenaz perseguidora, aceitando o inevitável. Nossa diversão era
observar as idas e vindas dos dois, sabendo que Angelina, nunca
perdendo a paciência, conseguiria, mais cedo ou mais tarde, a
capitulação do paciente recalcitrante.
27/03/01
Cremilda Costa de Figueiredo
Médica
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Sempre amigos,
Adriano Pondé e Edgard Santos
Ao Dr. Adriano de Azevedo Pondé, devo muito, a partir de
quando comecei minha vida profissional, na Bahia, em 1951, como
Professora de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia
(UFBA) e como Enfermeira-chefe do Hospital das Clínicas da
Bahia, ele chefiando a primeira clínica médica.
Ainda jovem, distinguia-se pela sua cordialidade, e pelo seu
temperamento, atencioso para quem dele se aproximasse, sendo
comum vê-lo sendo sempre cercado pelos seus diligentes
assistentes, Dr. Renato Senna, Anita Franco, Angelina Pelosi,
Denakê Philocreon e Silvio Monsão.
O Hospital das Clinicas se nos afigurava parte do nosso lar,
sem que sentíssemos "desigualdades" mas todos se respeitando.
Em 1956, colegas e sempre amigos, Adriano Pondé e Edgard
Santos, Magnífico Reitor da Universidade Federal da Bahia
(UFBA), idealizaram e realizaram a nossa Escola de Nutrição, para
o que contaram com a experimentada colaboração, vinda do Rio de
Janeiro, das Nutricionistas Sônia Moreira Alves de Souza e
Almeidina Maciel de Almeida.
Honroso e prazeroso, foi, para mim, estar sempre a trabalhar
com ele, substituindo-o algumas vezes e finalmente, quando da sua
aposentadoria.
Alem de Diretor, foi nosso professor de Dietoterapia,
distinguindo-se também como amigo solidário de professores,
estudantes, funcionários e colegas. Seu gabinete estava sempre
aberto e acessível a todos, a qualquer hora.
49
A Escola de Nutrição da UFBA foi das primeiras a funcionar
no Brasil assim como das mais atuantes, o que afirmo, modéstia à
parte, mas por dever histórico, ser a primeira a ser dirigida por
Nutricionista. Por esta razão, a Associação Nacional de
Nutricionistas concedeu-me, na condição de sua então Diretora o
titulo de Nutricionista do ano, cuja honraria desejo compartilhar
com "Dr. Adriano" devido a sua grande influência na minha
indicação para referido cargo, conforme me foi confidenciado pelo
então Reitor Dr. Roberto Santos
Ao Dr. Adriano Pondé, resta-me desejar, a sua recompensa
divina pela sua grande contribuição à sociedade e o bem que a
todos nos fez, como liderados e como amigos.
Salvador, maio 2001
Edith Tolentino Vieira
Nutricionista
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Adriano Pondé – Exemplo e Palavra
Disse o filósofo espanhol Miguel de Unamuno, “...nossa maior
empreitada deve ser nos tornarmos insubstituíveis”. Isto significa
que, ao deixarmos um dia uma lacuna entre os que conosco
conviveram, todas a sintam não apenas como a falta de alguém que
se foi, mas como algo que não deveria ter acontecido. Tornar-se
insubstituível, é mais do que um exercício espiritual, é estético. O
que resta depois que alguém insubstituível desaparece
somaticamente do nosso circulo de convivência formal, é a sua
imagem, o caráter que ele imprimiu a seu ambiente e a seu tempo,
indelével, duradouro, na memória e na reverência dos que o
conheceram e, mais ainda, dos que tiveram o privilégio de privar
da sua proximidade e dos seus ensinamentos.
Assim foi, e assim é, com a figura inesquecível, e com a
imagem e o caráter presentes do Professor Adriano Pondé. Eu fui
um desses privilegiados que beberam na fonte do seu infinito saber
– não apenas o saber da ciência, da Medicina Interna, da
Cardiologia, como sextanista-interno da 1ª Clínica Médica do
Hospital Universitário Professor Edgard Santos. Mas o saber
transcendente, das verdades simples e puras, despidas de vaidades
catedráticas, que perfazia a individualidade do seu estilo
inconfundível. Adriano Pondé foi um desses que ensinou pela
palavra e pelo exemplo, muito mais pelo exemplo que pela palavra.
Em seu serviço universitário do magistério, encontrei também,
o zelo quase maternal das suas então assistentes – Anita Franco
Teixeira e Angelina Pelosi – sob cuja eficiente orientação, em
Enfermaria e Ambulatório, completaria o meu curso de Clínica
Médica, iniciado e desenvolvido sob a clarividência de Jessé
Aciolly, César de Araújo, Augusto Mascarenhas, Roberto Santos,
Cícero Adolpho da Silva, Gerson Pinto e Heonir Rocha.
Adriano não era um professor de gabinete; transitava entre os
doentes, assistentes, estagiários, residentes, internos e alunos com
51
o despojamento que todos nele admiravam. Sua simplicidade
contrastava benfazejamente com seu valor; não exibia a pompa de
certos catedráticos da sua época, gente que se sentia iluminando os
corredores do hospital quando por eles passavam. Existia nele um
sentimento intuitivo, daqueles intimamente cultivados, que
impedem os seres humanos de ultrapassarem as fronteiras da sua
verdadeira autenticidade. Sabia-se bom, mas não alardeava a sua
bondade, tampouco a sua competência. Usava-a, porém, com
naturalidade precisa, para ensinar e conduzir os seus pupilos.
Certa feita eu estava auscultando o tórax de um paciente
internado, quando o mestre, discretamente, aproximou-se de mim
e, quase balbuciando, para não parecer grandiloqüente, orientou o
meu estetoscópio para os espaços interescapulovertebrais, depois
para os subescapulares e basais, por fim as laterais infra-axilares,
onde pude realmente encontrar os murmúrios que procurava.
Minutos após, no corredor, ele me disse – “Gusmão, ali, sobre o
processo espinhoso da escápula não se ouve nada, ou quase nada”.
De outra feita, convocou todos os internos e residentes da
Enfermaria à ausculta cuidadosa de estertores basais crepitantes,
em um caso típico de pneumonia lobar. Lembro-me bem de suas
palavras, sete lustros passados – “Ouçam bem; tornem a ouvir; esse
crepitar nos alvéolos é típico da exsudação pneumônica; parece o
fino estalido de brasas em uma fogueira, é inconfundível”. E sorria
satisfeito, feliz com o aprendizado dos discípulos, consciente de
que jamais esqueceríamos aqueles crépitos patognomônicos. E
assim foi.
Em uma outra oportunidade, já médico pós-graduado em
Nefrologia, no exercício privado da clínica hospitalar, estava eu
assistindo a um grave paciente cirúrgico de outro expoente da
Medicina baiana, o Professor Venceslau Pires da Veiga, quando a
presença do Professor Adriano, na qualidade de Cardiologista
emérito, se fez necessária. O paciente, em choque circulatório, não
respondia às manobras terapêuticas ensaiadas por mim, quando o
mestre, com muita singeleza, sugeriu dobrar ou triplicar a dose da
amina dopaminérgica que fluía através a soroterapia. Atendi-o de
52
pronto, para assistir, quase de imediato, a situação se reverter. Ao
contemplarmos juntos a rápida transformação, do leito cianótico
das unhas e do roxeado das polpas digitais, em róseo tom
alvissareiro, enquanto os níveis de pressão sangüínea se elevavam,
e a lívida frieza das extremidades se aquecia, sorrimos
discretamente um para o outro e ele disse – “É fantástico, é
simplesmente fantástico”. Extasiava-se o velho professor com as
recentes maravilhas da terapêutica vascular. Pareceu-me uma
criança embriagada com a magia do seu brinquedo.
Era assim, na minha visão, o Professor Adriano Pondé. Um
homem simples, afável, acessível, rico de pendores. Daqueles que
envelhecem como os vinhos, cada vez melhores. E por isto faz
falta, muita falta, numa época, trinta anos apenas passados, em que
os valores éticos titubeiam numa Medicina massificada, onde
muitos médicos se arrogam a continência do saber, descuidosos
dos mais comezinhos deveres para com a solidariedade
profissional e a consciência do servir.
Há realmente pessoas insubstituíveis. Não apenas pelo que
foram ou fizeram. Mas, principalmente, pela imagem que o caráter
impôs, com naturalidade, aos que lhe são pósteros. Esta imagem é
tão sólida, tão densa, que não permite a outrem a ocupação do seu
lugar. Para mais além dos aspectos éticos e morais, há uma lei
física instransponível, segundo a qual dois corpos não podem
ocupar, ao mesmo tempo, o mesmo lugar no espaço. E o Professor
Adriano, com sua imagem, e seu caráter, permanece vivo entre
nós.
Ernane N. A. Gusmão
Médico Clínico e Nefrologista - Ex-aluno do Professor Adriano Pondé
Professor Adjunto da FAMED/UFBA
Presidente da Comissão Cultural da Associação Bahiana de Medicina
Diretor Cultural da Associação de Antigos Alunos da Faculdade de Medicina da Bahia
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Professor Dr. Adriano de Azevedo Pondé
Entre os Médicos e Professores de Medicina que tive, o
professor Adriano Pondé foi um dos expoentes; digo isto pois o
conheci exercendo o magistério e atendendo a pacientes, muitas
vezes, portadores de doenças graves, podendo assim apreciar as
duas faces do Grande Mestre.
Sempre alegre, gentil e solícito com seus alunos ministrava
aulas agradáveis, sempre atualizadas, principalmente no que se
referia a doenças cardíacas e vasculares, nas demais especialidades
médicas mantinha o mesmo nível de atualização pois sempre se
reciclava através da leitura de revistas nacionais e estrangeiras.
Esta afirmação é fruto de minha observação, pois tive o privilégio
de ser vizinho do Mestre durante alguns anos.
A outra face do Professor Adriano era a de médico na
cabeceira do paciente. Nos tempos em que não havia esta
propedêutica sofisticada que hoje dispomos, diagnosticava com
segurança, como se tivesse um sentido alem dos comuns.
Acompanhei-o algumas vezes no tratamento de pessoas do
meu conhecimento, numa época em que não havia clínicas de
emergência, quando muitas vezes passava toda noite como médico
e enfermeiro, instalando soluções endovenosas e ele mesmo
aplicando os medicamentos necessários. Aos familiares sempre
uma palavra de consolo e clareza diante do quadro clínico dos
pacientes.
Cansaço era algo que não existia para ele, pois estava sempre
disponível para os seus diversos pacientes, independente de
qualquer compromisso social que porventura existisse. E mesmo
atendendo a qualquer hora da noite com dedicação seus pacientes,
cedo ele estava no Hospital das Clínicas, ministrando aulas e
discutindo casos clínicos com seus assistentes, como se não tivesse
passado a noite toda anterior acordado e trabalhando.
Por tudo isto acho que o Professor Adriano Pondé honrou o
Magistério e a Medicina Assistencial, tornando-se um exemplo a
ser seguido pelas gerações dos Médicos atualmente em exercício e
as que estão por vir.
Ernesto Simões Neto
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DISCURSO
Pronunciado na Sessão Solene de Instalação da IV
Reunião Anual da Sociedade Brasileira de
Cardiologia pelo Prof. Estácio de Lima
(In memóriam)
Adriano de Azevedo Pondé é Professor de vocação. A cátedra
lhe é um refúgio a que sempre se abrigou nos momentos felizes ou
dolorosos, nela encontrando consolações dulcíssimas, além do
milagre, o formoso milagre do perene rejuvenescimento das
energias do espírito, outros tantos Faustos, mais ou menos
parecidos, que, afinal, somos todos.
É neste notável Professor de Cardiologia que tão bem sabe e
extraordinariamente faz aplicar a digital e tatear, dia a dia,
ansiosamente, a pulsação do seu paciente à procura da bradicardia
tão esperada, preocupado com o surgimento do dicrotismo que
poderá surgir!...
Os fatores da formação científica conferiram a Adriano a
condição de homem suave, esquivo, comedido, reto, sereno, crente,
minucioso, simples, sempre comunicativo, porém impávido no
cumprimento dos deveres. Habituado a leitura dos poetas e
prosadores da Inglaterra, da França e da Itália em seus respectivos
idiomas.
Adriano Pondé, com a esquisitice dos sábios que vivem para o
trabalho e para o estudo, embora, aos quandos, raramente, é verdade, para os devaneios e os sonhos, sem os quais a existência
seria mais triste e mais árida do que aquela Filosofia de Alexandre
Herculano, Adriano Pondé houve por bem acometer-me o
agradável encargo de saudar-vos. preeminentes confrades, em
nome da Bahia, e no instante desta solenidade.
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Quase paradoxal que o fizesse eu. Porque não tive a honra
excelsa de encontrar, no regaço maternal da terra gentil e morena,
o berço de nascimento.
Venho do nordeste, lá de um rincão, debruado de palmeiras e
de águas represadas á beira do oceano, - mas áspero e seco nos
sertões batidos, meses a fio, pela cruel monotonia de um sol
inclemente, que tosta, estiola e combure a vegetação mirrada,
criando o trágico pesadelo das secas episódicas...
A gente, por lá, adquire na alma doçuras e amenidades
inerentes à paisagem dos coqueirais intérminos e da meiga Lagoa
Manguaba, onde os jaçanãs em bandos infindos, alçam vôos de
nuvens policrômicas... Mas, igualmente. na alma fica a indelével
tatuagem das plagas desoladas, marcando-nos, para sempre, com o
ressaibo do sofrimento e das agonias...
Foi assim que aportei à Bahia, criança ainda, já trazendo,
porém, no coração e no pensamento, ilusões e descrenças, em
constante agitação...
Cedo, porém, experimentei os encantos e as seduções sem par
desta natureza excepcional e bela. Amei, e para sempre amei, ai
Bahia feiticeira de graças infinitas. Heróica e sublime nas pelejas
de 2 de Julho. Ingênua, terna e boa nos descantes das serenatas,
acompanhadas a violão primorosamente dedilhado, pelas ruas
estreitas, iluminadas por discreta claridade de um luar de prata,
calçadas de pedras coloniais, pisadas outrora por vice-reis, cheias
de velhos sobrados, e de cujas varandas austeras ainda escuta, a
sempre sedutora Yayá, recatada, mimosa, e comovida, as notas
repassadas de afeto e de saudade... Tradicional, grave, respeitável,
magnífica, nos seus templos de ouro e de azulejos, perfumados de
incenso, embalados pelos campanários seculares, capazes de
comover às lágrimas, os espíritos empedernidos, que se deixaram
maravilhar - e como deixar de maravilhar-se? - pelos revérberos do
materialismo científico.
Admirável, generosa e fecunda, nos seus estadistas do império
e da república, inclusive esse batalhador da democracia, OTÁVIO
MANGABEIRA, que nos estendeu a dextra amiga, amparando este
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conclave de cardiologistas, dificilmente levado a bom termo, sem a
ajuda inestimável do grande Governador e do nosso Prefeito,
ilustre e digníssimo.
A Bahia, de quem sou filho adotivo, leal e ardoroso, pelos seus
artistas, os seus sábios, os seus mártires, as suas instituições, da
anciana Faculdade de Medicina, templo de estudo e de civismo, até
á jovem e promissora Universidade, toda ela cheia de brasilidade,
pelo que foi e pelo que é, recebe, com especial carinho, aos nobres
caravaneiros da cardiologia nacional.
O século dezenove, sem dúvida, foi marcante. Na Inglaterra,
os estadistas consolidaram a grandeza de um império antevisto, no
pretérito, pela singular Elizabeth. Na América do Norte, um povo
jovem, depois de acerba guerra contra a negra opressão, criou
maravilhas de técnica, e deu á pátria da flâmula das estrelas, uma
grandeza soberana e impar.
Na Alemanha, o pensamento filosófico atingiu a culminâncias
excepcionais, que poderiam tê-la conduzido ao fastígio mais
admirável, porém, desgraçadamente, gerou fatais idéias de
dominação, responsáveis pelas sucessivas tragédias que
mergulharam o mundo num oceano de mortes, de incêndios e
desolações. Na França o século dezenove assistiu ás cintilações dos
gênios soberanos de Pasteur e de Cláudio Bernard que, tanto
valendo, não valem muito mais do que a esquisita elegância
intelectual de Renan e a fina tessitura do espírito sutilíssimo do
criador de Silvestre Bonard.
Foi, justamente, em meio daquela época ilustre, lá pelos dias
memoráveis de 1856, que dois insignes pesquisadores, Köllicker e
Müller, tomando entre as mãos ágeis de fisiologistas eméritos, o
coração palpitante, dentro do peito aberto de um cão, viram e
registaram que esse coração era capaz, em todas as sístoles, de
excitar o nervo motor da rã, determinando o abalo muscular, que
sempre se interrompia às diástoles subsequentes, como si houvesse
ali misterioso e invisível manipulador de Morse...
Foram, certamente, os dois, ás custas da experiência formosa e
singela - e pode, acaso, haver formosura sem a singeleza? - terão
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sido eles ambos, indubitavelmente, fazendo o que fizeram, os
precursores da electrocardiologia, demonstrando, como
demonstraram, e de modo insofismável, "a existência de potências
elétricas engendradas pela cardio-dinâmica".
A Clinica teve, igualmente, naqueles anos pretéritos e
luminosos, os seus representantes mais destacados. Laenec, vindo
de mais ancianos dias, floresceu e dominou no século dezenove.
Trousseau nasceu e morreu dentro dele, tendo sido o mestre dos
diagnósticos incomparáveis e das incomparáveis previsões
prognósticas, não errando sequer no cálculo fatal de seus finais
instantes. E até no Brasil, esse extraordinário Francisco de Castro,
baiano e carioca a um tempo só, criou monumento da sua
Propedêutica, obra que se envelheceu pelas conquistas
surpreendentes de hoje, imortal ficará como relicário melhor da
ciência de então, exposta na linguagem lapidar de um clássico,
bem servido pelas riquezas e louçanias de um estilo raro.
A despeito, entretanto, de todas essas forças propulsoras do
pensamento científico, não vem daquelas eras o decisivo progresso
da Cardiologia. Nos últimos quarenta anos do século vinte, creio
bem terá ele avançado mais, e mais se enriquecido, que nos quatro
mil derradeiros de toda a história da Medicina.
Vós outros, eminentes confrades de mais ou menos longínquas
terras brasileiras, e porque não vocês, também, companheiros
prezados de aqui mesmo, todos vós, indubitavelmente, sois, com os
demais desse mundo que bem quiséramos fosse o mundo só que o
sonhou Wilckie, procurando combater essas fronteiras eriçadas de
baionetas e essas terríveis cortinas de aço que escondem o medo, a
desconfiança e a agressividade, todos vós sois, por sem dúvida, os
denodados construtores do edifício majestoso da Cardiologia
moderna.
Não nos falta, aqui, a figura prestigiosa e brilhante de
Pazzanese, que tomando a si, primeiro de todos, as rédeas da
Sociedade Brasileira de Cardiologia, soube alçá-la ás culminâncias
de organismo precioso e fecundo.
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E porque São Paulo, a terra encantadora e miraculosa, tão
profícua ao desabrochar da sementeira das grandes realizações
materiais e dos anseios do mais puro idealismo, ora nos surge
diante dos olhos deslumbrados, outra personalidade de relevo se
impõe à consideração nossa - um filho seu distintíssimo: Jairo
Ramos.
Descendo um dia da serra altaneira, onde os cravos multicores
perfumam e alegram a paisagem e as hortênsias lindas, mas
nostálgicas, amenizando o ambiente, nos convidam à meditação e
ao sonho, descendo um dia das culminâncias petropolitanas,
Magalhães Gomes fixou-se na Cidade Maravilhosa, para
conquistá-la pelo talento e pelo saber. Também ele aqui se
encontra, e naquela presidência condigna, merecendo, junto a todos
os que vieram nos honrar com as suas presenças de homens de
cultura e de fé, os saudares da Bahia intelectual.
Muito se tem feito, principalmente nestes quatro decênios
últimos, em favor da importantíssima especialidade.
Agora, quer-se perquirir melhor a questão tormentosa do
reumatismo nefasto e bárbaro. Volta-se a um tenra nacional
palpitante, investigando-se até onde vai, definitivamente, esse
protozoário, caprichoso e malsinado, responsável pela ingrata
moléstia de Chagas. Insiste-se no trágico problema das
hipertensões, desafiando a argúcia dos clínicos, sobrepondo-se ás
investigações da técnica hodierna, resistindo ás terapêuticas mais
cuidadas e melhor conduzidas.
Vê-se, indubitavelmente, que um largo terreno foi percorrido,
no setor da patologia cardíaca, e os resultados têm sido excelentes.
Muito há, entretanto, por fazer ainda.
O prático, no exercício profissional, encontra a maior soma de
surpresas, de ciladas desconcertantes, de singulares manifestações,
justamente no âmbito da cardiologia.
O conceito da Medicina psicossomática impõe a todos os
clínicos um conhecimento particular de psicologia, para lhe ser
possível devassar a pobre alma do enfermo. Nenhuma
especialidade, porém, exige tão particular sutileza espiritual, mais
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finura da inteligência, maiores doses de psicologia, do que esta de
que então cuidamos.
Às vezes, a sífile chega e se assesta, firmemente. numa
válvula, no miocárdio, nas coronárias... Outras, é o reumatismo que
morde, brutalmente, este ou aquele departamento cardíaco. O
paciente, porém, resiste admiravelmente, em ambos os casos, e por
anos a fio. Certas criaturas, ao revés disso, em que a escuta muito
pouco denuncia, o eletrocardiograma é plenamente satisfatório, a
radiologia nada revela de causar apreensões, e outros exames
complementares são silenciosos, de repente, em dado momento,
caem mortas pelo coração...
As ações hiper-emotivas, as condições temperamentais, os
violentos choques morais sucessivos devem causar tantos receios
quanto, digamos, uma onda Q profunda em D III. Não há digital
capaz de compensar um coração cheio de angústias e de torturas
íntimas.
E quando for possível, um dia, aplicarmos, seguramente, o
mendelismo em biologia humana, haveremos de enxergar a valia
considerável dos fatores genotipos em cardiologia.
São, destarte, múltiplas as razões que justificam a existência
de uma Sociedade Brasileira de Cardiologia, ramificada nos vários
centros de cultura do país, e impondo o mais carinhoso trato e as
grandes e repetidas reuniões como esta que assistimos na Bahia.
Cumpre-nos desvendar, por diante, embora tanto já tenhamos
feito, sérias questões etio-patogênicas, para clarearmos as sendas
da medicina curativa e preventiva em cardiologia, além da
recuperação, para o trabalho compatível, daqueles havidos por
incuráveis, e que às vezes se quedam, indefinidamente, na
desoladora tristeza das enfermarias, ou em casa, nos tugúrios ou
palácios, apreensivos, mão constantemente espalmada sobre o
precórdio, no pavor ininterrupto da morte súbita...
Vós sois, preclaríssimos confrades, os caravaneiros dessa
cruzada magnifica. O caminho é difícil e a meta inatingível para a
nossa geração. É preciso, entretanto, lutar e progredir. As vitórias
mais dignas são aquelas que se alcançam pelo trabalho diuturno e
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pelo sofrimento constante. Ensinava o meu grande clássico, no seu
famoso livro, "Os Apólogos Dialogais".
"Aquilo que se alcança dificilmente, guarda-se com maior
estimação e cautela". Pouco importa não sejamos testemunhas do
êxito glorioso. Devemos ir adiante. Os nobres objetivos justificam
os sacrifícios da batalha cruenta.
Sede bem-vindos, colegas e amigos digníssimos.
Conheceis, realmente, muitos dos segredos do coração
humano, e agora ireis conhecer e sentir um coração amorável e
boníssimo, e onde mora inextinguível afeto: o coração da Bahia!
Sede bem-vindos, cavalheiros ilustres, exímios soldados da
santa cruzada dos corações sofredores!
Salvador – 1947
Cortesia de
Maria Theresa Pacheco
Médica
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Professor Adriano de Azevedo Pondé
Foi, sem dúvida, um dos grandes mestres da Faculdade de
Medicina e da UFBa.
Como integrante da turma de 1944, da qual fiz parte, tive a
oportunidade de tê-lo como mestre da Cadeira de Propedêutica
Médica. Depois dos primeiros anos de estudo das cadeiras básicas,
passamos a freqüentar o Hospital Santa Isabel e assistir as aulas do
Professor Adriano Pondé.
Colocou o estetoscópio no nosso pescoço e nos ensinou como
utilizá-los, interpretar os ruídos que captava e como examinar um
doente após a anamnese. Logo percebemos que estávamos diante
de um professor que, embora jovem, não só acumulava sólido
conhecimento da Medicina, como tinha satisfação de transmiti-los
a seus alunos, que por sua vez passaram a ter grande admiração
pelo Mestre que conseguiu renovar o entusiasmo pela profissão
que tínhamos decidido praticar.
Anos mais tarde, quando construído o Hospital das Clínicas
por iniciativa do sempre saudoso Prof. Edgard Santos, foi pelo
mesmo designado para progressivamente transferir todas as
clínicas que funcionavam no velho Hospital Santa Isabel para o
novo e bem equipado Hospital, e o fez com tal eficiência que foi
em seguida indicado para instalar as recém criadas Escolas de
Enfermagem e de Nutrição. O Prof. Adriano Pondé prestou assim
incalculável serviço ao desenvolvimento de ensino médico e
aperfeiçoamento da prática médica no Estado da Bahia sendo
distinguido pelo Conselho Universitário como Prof. Emérito da
nossa Universidade.
Poucos sabem que, com o Prof. José Silveira atuou como
assistente do renomado Prof. Prado Valadares e trabalharam no
Gabinete de Radiologia que montara.
O Prof. José Silveira dedicou-se então ao estudo da
Pneumologia e particularmente d Tisiologia enquanto que o Prof.
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Adriano Pondé especializou-se em Cardiologia e particularmente
na Eletrocardiologia, desenvolvendo importe pesquisa na
interpretação do Eletrocardiograma.
Voltei a encontrar o Prof. Adriano Pondé já depois de formado
e trabalhando no Hospital que sverio a ser denominado de Edgard
Santos, quando tive a honra de ser convidado a integrar a sua
equipe, ministrando aulas de Radiologia do sistema cardiovascular, durante anos seguidos.
Agora, quando se comemora o seu centenário, é justo fazer
ressurgir para as novas gerações o g rande vulto da medicina
baiana, que tanto contribuiu para o ensino médico e que, pelos
serviços prestados à nossa Faculdade de Medicina, não pode ser
esquecido.
Fernando Costa D’Almeida
Ex Chefe do Serviço de Radiologia
do Hospital das Clínicas,
hoje, Hospital Universitário Prof. Edgard Santos.
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GRATIDÃO
Sou o psiquiatra mais antigo da Bahia. Em 1942 cursava o
segundo ano médico, alimentando bonitos sonhos, hoje, quase
todos realizados. A despeito de estar aposentado, continuo em
pleno exercício da profissão, numa fuga consciente e benéfica da
ociosidade. Mesmo assim, sobra-me tempo para relaxar e viajar no
tempo, atividade deliciosa para aqueles da minha faixa etária,
saboreando avidamente os bons momentos de uma vida bem
vivida.
Aquele foi um dos anos mais importantes de minha vida, pois
ocorreram três acontecimentos inesquecíveis: conheci a minha
esposa, tomei a decisão de ser psiquiatra e conheci o professor
Adriano de Azevedo Pondé.
Toda a minha turma já o conhecia embora ainda não fosse
nosso professor. Sua simpatia irradiante, sua jovialidade, sua
capacidade de comunicação confirmavam o adágio popular: “a
vida começa aos quarenta”. Curioso observar que o seu
relacionamento com os alunos, a despeito de tão familiar, não
quebrava a postura de professor que conseguia de todos nós, sem
imposição, admiração e respeito.
Aproximei-me dele, através de minha irmã Cleonice, sua
amiga, também médica, assistente do professor Eduardo Morais.
Foi assim que ele tomou conhecimento de que eu filho de
nigeriano, além de estudar medicina também mantinha cursos
particulares de Inglês.
Um certo dia encontramo-nos no Hospital Santa Isabel e ele
sorrindo perguntou: Alakija, você poderia me dar aulas de Inglês?
Aquela consulta foi um impacto. Senti um aperto no plexo
solar seguido de evidente taquicardia emotiva. Eu dar aula ao
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professor Adriano? Controlei-me o quanto foi possível e
aparentando tranqüilidade respondi: estou às suas ordens professor.
Ficou estabelecido que eu iria ao seu consultório duas vezes
por semana onde as aulas seriam ministradas. Uma coisa foi
decisiva: antes que eu dissesse que não cobraria (antigamente havia
essas gentilezas) ele foi categórico: você vai cobrar as suas aulas
senão nada feito.
O meu convívio com Dr. Adriano durante alguns meses foi
maravilhoso. Infelizmente por motivos imprevistos não
continuamos. Pude sentir de perto a pessoa que ele era. Chamoume de início a atenção a sua modéstia: já conhecia muito a língua
inglesa e insistia em dizer que queria aprender. Em realidade o que
desejava era praticar conversação e ter uma ajuda relativa na
leitura de obras de cardiologia em inglês.
Se tivesse feito testes de inteligência teria se revelado um
superdotado. A capacidade didática em transmitir coisas difíceis de
modo fácil seria uma prova disso. Seu senso de humor era
admirável; tinha facilidade em encontrar nas coisas mais sérias
uma brecha onde inseria com suavidade um toque humorístico. Era
um homem bondoso, fui testemunha várias vezes disso,
observando a sua postura discreta ao beneficiar alguém. Memória
excelente, guardando com facilidade os vocábulos que aprendia.
Como disse anteriormente, ao iniciarmos as nossas aulas já
possuía razoável conhecimento de inglês. Nas traduções de
capítulos de livros de cardiologia naquele idioma esbarrávamos em
vocábulos técnicos que ele, como especialista, traduzia melhor do
que eu. Havia uma palavra presente com freqüência no livros de
eletrocardiologia que era “Fluttering”. Os trabalhos escritos em
português não encontravam tradução e preferiam manter o termo
original. Ele decidiu: temos que encontrar uma tradução para isso.
Lembrei-lhe que o bater de asas do beija-flor era um “fluttering”.
Ele então concluiu: adejamento. Cito este fato para registrar que a
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palavra adejamento traduzindo “Fluttering” foi utilizada em
primeira vez pelo professor Adriano Pondé.
Posteriormente, já médico, o encontrava com freqüência em
diferentes acontecimentos sociais. Aproximava-se de mim
sorridente e dizia: How are you?
Lembro sempre daquela figura ímpar, com imenso sentimento
de gratidão: minha cunhada, diabética, foi hospitalizada e
solicitaram uma avaliação cardiológica. Fui à noite à residência do
professor pedir uma orientação, juntamente com o clínico, Dr.
Leopoldo Valverde. Com surpresa disse-me ele que se fossemos
buscá-lo na manhã seguinte iria pessoalmente ao hospital. Não foi
preciso, a paciente faleceu à noite.
Felizes aqueles que são lembrados pelo que de positivo
fizeram na vida. Imagino, quanta coisa edificante ele teria feito e
de que não tivemos conhecimento. Acredito que tornando público
o meu sentimento de gratidão estou modestamente contribuindo
para perpetuar a sua memória.
George Alakija
Médico
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Ao Mestre Adriano Azevedo Ponde
Nos anos Dourados, fim da década de 50 e início dos anos 60,
estudava no Colégio 2 de Julho e era Presidente do Grêmio Erasmo
Braga, porquanto mantinha relacionamento salutar não tão
somente, com os meus colegas, outrossim, com outros que
reuníamos na Praça do Campo Grande, dentre eles, o aluno do
Colégio Maristas, Jorge Alves Ponde, sobrinho do Professor
ADRIANO AZEVEDO PONDÉ, nascendo daí um laço de
profíncua amizade, estendendo-a aos genitores de Jorge; Alberto
Ponde e Maria Antonieta Ponde, ambos tínhamos a mesma faixa
etária, anseios pares, objetivos e sonhos convergentes demonstrada
com o logro de Jorge no vestibular para engenharia, e o meu para o
Curso de Medicina no mesmo ano.
Cursando o 30 ano de Medicina, o Professor Alberto Ponde,
indicou-me para o Hospital das Clínicas, atualmente denominado
Hospital Universitário Prof. Edgard Santos, no Serviço de
Eletrocardiografia, sob a orientação do Prof. Yulo Cesare Viana
Pereira. Era o ano de 1964, momento histórico indelével, quando
conheci o Prof. ADRIANO PONDÉ, começando daí a freqüentar o
ambulatório da 1a Cadeira de Clínica Médica com Dr. Renato
Sena, Dra. Angelina Pelosi e Dr. João Ponde Neto, fluindo
tenazmente sentimento de admiração, respeito a uma equipe de
coesão impar, mormente, altruísta, sensível as necessidades dos
mais humildes “indigentes”.
Neste ano o marido da secretária da minha mãe, foi acometida
por insuficiência cardíaca por miocardiopatia chagásica e teve a
eficaz assistência médica desta equipe. Estreitava-se os laços
profissionais e a admiração com a equipe médica, conquanto eu
começava a participar da mesma, embuido da curiosidade de
estudante e jamais senti dificuldades em expressar opiniões apesar
do meu parco conhecimento, vez que em fase de formação.
Sucedera o 5o ano médico, época em que fui convidado pelo
Prof. Alberto Ponde, para participar do Congresso Brasileiro de
Cardiologia em Recife-Pernambuco, minha terra natal e com
anuência do meu pai, que subsidiou efusivamente a viagem.
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Memoro que em 1966, durante o congresso, a cidade de Recife
sofreu uma grande inundação, todavia não obstaculou o sucesso do
evento, haja vista que obtive um grande aprendizado, conhecendo
outros profissionais e ante a minha maior proximidade com o Prof.
ADRIANO PONDÉ, apresentou-me ao Prof. Luís Decourt e o
Prof. João Tranchesi, oportunidade que solicitei um estágio em seu
serviço, a fim de cursar o período de interno.
O Professor ADRIANO ratificou o pedido, entretanto o
coordenador do Internato à época recusou argumentando que
tratava-se de uma especialização precoce.
Não obstante, este mesmo Coordenador no ano seguinte, em
1968, liberou uma interna para Colômbia, com o escopo de
especializar-se em Prontuário Médico.
Diplomado, incorporei a equipe do Prof. Adriano Ponde, e fui
o seu último Prof. Assistente.
A convivência com a Família Ponde, arraigou-se a minha vida,
eternizando uma amizade impostergável, marcada pela gratidão e
amor, inspirando-me a escolher o Prof. Cícero Adolpho da Silva e
D. Maria Antonieta Alves Ponde para padrinhos da minha filha
caçula, Andréa Marciel de Oliveira Rossini, atualmente, Médica
Especialista na área de Infectologia Pediátrica.
Perdurou o convívio com o Prof. Adriano Pondé mesmo
depois de aposentado, absorvendo gradativamente muito das suas
facetas como ser humano, mestre e principalmente da sua
humildade. Sofremos juntos com a perda de Prof. Alberto, ele não
se conformava!
Hoje como coordenador da Disciplina de Cardiologia do
Departamento de Medicina da Universidade Federal da Bahia, não
me facultaria furtar-se juntamente com a Prf. Angelina Pelosi de
Matos e a Prof. Anita Guiomar Franco Teixeira de externar a este
Eminente e Benemérito Mestre da Universidade Federal da Bahia
na passagem do Centenário de seu nascimento a Homenagem de
reconhecimento dos seus ex-alunos e colaboradores.
George Barreto de Oliveira
Prof. Adj. do Departamento de Medicina da UFBa
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Prof. ADRIANO AZEVEDO PONDÉ
Conheci o Prof. Adriano Pondé mais de perto, em 1949,
quando era o interno oficial da Primeira Clínica Cirúrgica, que
tinha como Catedrático o Prof. Eduardo de Sá Oliveira. Nesse ano,
três ou quatro “cadeiras” haviam-se transferido do Hospital Santa
Izabel para o então Hospital das Clínicas, inclusive as Primeiras
Clínicas Médica e Cirúrgica, razão pela qual, com certa freqüência,
ia examinar doentes e participar de discussões de casos com
indicação cirúrgica. Nessas ocasiões, pude constatar a soma de
conhecimentos médicos, o espírito humanitário, o cuidado, até
paternal, que o Prof. Adriano Pondé dispensava aos acadêmicos
participantes e, até, aos seus assistentes mais novos e menos
experientes.
Em fase posterior, quando foram criados os famigerados
departamentos clínico-cirúrgicos, como o de Gastroenterologia, fui
por este eleito para ministrar o curso de Fisiopatologia da Nutrição,
na Escola de Nutrição, recentemente fundada pelo Magnífico
Reitor Edgard Santos, sob influência do prof. Adriano Pondé. Por
ser, além de muito jovem e cirurgião, de um lado, e do outro, por
ensinar em uma escola em fase de estruturação, de quando em vez
procurava o Prof. Pondé para orientar-me e, também, a Prof.ª Edite
Vieira, sua Diretora. Nessa fase, pude ratificar constatação anterior
sobre seus conhecimentos médicos e o cuidado temeroso que
deixava claramente transparecer, e até aconselhava ser mantido, no
relacionamento interpessoal.
Essa aproximação foi preservada, e mesmo ampliada, através
dos anos, porquanto Anita Guiomar Franco, hoje Teixeira, colega
de turma e amiga queridíssima, assim como Angelina Pelosi, não
menos considerada, eram suas assistentes.
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Quando, em 1979, ingressei na Academia de Medicina da
Bahia, aceitando honroso convite do então Presidente, Prof. José
Silveira, honra e glória científica da Bahia, o meu trabalho, que
versou sobre o Tratamento cirúrgico das manifestações digestivas
da doença de Chagas, foi analisado pelos professores Manoel
Pereira, cirurgião, Zilton Andrade, patologista, e Adriano Pondé,
clínico estudioso da doença de Chagas, com diversos trabalhos
publicados sobre a cardiopatia que a doença determina, aprovandoo com encômios.
Guardo na memória uma das mais elogiáveis recordações do
cientista simples e afável, do clínico ético, capaz, de fácil
abordagem e alegre; do administrador sempre preocupado com o
bem-estar de seus comandados e com o progresso da ciência
médica e das entidades que fundou.
Geraldo Milton da Silveira
Médico
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Sob a regência do
Mestre Pondé
Meu primeiro contato com o professor ADRIANO PONDÉ,
foi em março 1945 cursava então o 2o ano de medicina quando, por
pedido do prof. MARIO LEAL (catedrático de psiquiatria) passei a
frequentar o ambulatório e enfermaria da cadeira de propedêutica
médica da Faculdade de Medicina da Bahia no Hospital Santa
Isabel, sob a regência do mestre Pondé. O meu convívio foi o mais
proveitoso possivel, calouro ainda, vestir uma capa médica, passar
a ter contato com pacientes foi a primeira e grande emoção do meu
curso médico.
Duas vezes por semana frequentava o ambulatório de
cardiologia “Prado Valadares” e no final das manhãs visitava a
enfermaria. Ao correr deste ano participei de um fato importante,
chegava à Bahia o primeiro eletrocardiógrafo Cambridge que
passou a funcionar no ambulatório onde frequentava e vi ser
realizado pela primeira vez um eletrocardiograma.
Embora tendo frequentado por apenas um ano a cadeira de
propedêutica médica foi de extraordinário valor este pequeno
estágio, porque convivi numa disciplina onde se estudava os meios
de diagnóstico clínico.
Como não era meu destino ser clínico, a partir do 3o ano
médico passei a trabalhar como “mata cachorro” no ambulatório de
pequena cirurgia do hospital santa isabel sob a chefia do Dr . Elziro
Macêdo. Lembro ainda que o Prof. Pondé possuia em 1945 um
carro opel movido a gazogênio, pois nesta época ainda havia
racionamento de gasolina e na mala do carro havia torpedo de
oxigênio e uma mala com toda a medicação de urgência . do 3o ano
médico em diante o meu contato com o Prof Pondé era muito breve
nos corredores das enfermarias do Hospital Santa Isabel até o ano
de 1949, quando cursava o 6o ano médico. A indicação do seu
71
nome como um dos homenageados foi a oportunidade para
voltarmos a uma nova convivência.
Em 1949 conquistei por concurso o internato de ginecologia e
posteriormente logo após a formatura fui em 1950 indicado para
“técnico especializado” junto à clínica ginecológica. A partir de
janeiro de 1950 as cadeiras de clínica e cirurgia foram
gradativamente transferidas para o recém inaugurado hospital das
clínicas. Aí já no novo hospital o meu convívio com o Prof. Pondé
foi mais assíduo pois, recém formado, participava das reuniões da
cadeira de clínica médica (houve transferência do Prof. Pondé da
cadeira de propedêutica médica para clínica médica) toda vez que
um paciente em estudo necessitava a opinião de um ginecologista.
Em 1953 iniciei o meu atendimento em clínica privada e com
frequência recebia do Prof. Pondé clientes para consulta
ginecológica.
Para mim no entanto, o fato mais marcante do meu convívio
com o Prof. Pondé foi em 1956, quando a seu pedido participei de
uma conferência médica sôbre uma paciente sua que apresentava
um quadro de abdome agudo e urgia um esclarecimento
diagnóstico imediato. Tratava-se de uma senhora da mais alta
sociedade e, nesta conferência participavam também um cirurgião
geral e mais dois clínicos além do Prof. Pondé.
Não tenho palavras para exprimir a grande emoção quando da
minha chegada.
Quando compreendi a grande confiança em mim depositada
pelo eminente mestre, diante de uma paciente em que pesava a
grande responsabilidade de uma ação imediata devido as
circunstâncias do caso em apreço.
Após um exaustivo relato da história clínica e análise dos
exames laboratoriais cada participante manifestou a sua opinião
quando então pedi permissão para examinar a paciente.
Procurando me concentrar ao máximo e dominando a tensão
emocional presente naquele momento iniciei um pequeno
interrogatório seguindo-se o exame ginecológico. Senti como se
estivesse sozinho e a minha mente trabalhava aceleradamente.
72
Terminado o exame emiti a minha opinião levantando a suspeita de
tratar-se de um cisto de ovário que havia sofrido torção do
pedículo. sugeri que a paciente fôsse transferida para Sanatório
Espanhol onde seria feito sob anestesia local uma pequena incisão
no abdome inferior e exploração direta da cavidade peritonial.
Confirmado o diagnóstico e com uma complementação
anestésica o conteúdo do cisto seria aspirado por punção seguindose a retirada da cápsula tumoral.
Exposto o meu ponto de vista retirei-me do recinto, e horas
após o Prof. Pondé telefonou-me perguntando se estaria disposto a
assumir com ele a total responsabilidade do caso o que respondi
afirmativamente.
Este foi o momento mais emocionante porque compreendi o
quanto de responsabilidade assumiria embora estivesse escutado
por uma das mais importante figura médica da Bahia.
A paciente foi internada no sanatório espanhol, convocado o
Dr. Menandro de Faria para complementar a anestesia e tudo mais
graças a deus seguiu como programado. Vinte quatro horas após a
cirurgia na minha 1a visita do pós operatório encontrei-a sentada no
leito hospitalar alimentando-se normalmente e com um sorriso que
jamais esquecerei.
Este foi um dos casos mais brilhantes da minha vida
profissional graças a confiança que o Prof. Pondé depositou na
minha competência profissional.
Hugo S. Maia
Médico
73
Texto Sobre
Dr. Adriano Pondé
Vocação de pesquisador e de mestre, Dr. Adriano Pondé foi,
por excelência, um clínico, um médico. Isso porque o médico, na
essência de sua missão, engloba a figura de um pesquisador
quando busca nos relatos do paciente e dos familiares,
complementos com os dados oferecidos pelo exame físico,
estruturar as bases do diagnostico. E de mestre quando ensina,
quando orienta, quando prescreve com maestria os cuidados e
procedimentos capazes de determinar acura do paciente.
Dr. Adriano, como era chamado, detinha em plenitude essas
qualidades. A partir daí diante de um caso clínico com sabedoria
cuidava do esquema do tratamento e da estratégia de ação, sem
esquecer as recomendações ao paciente e aos responsáveis pela
execução das medidas terapêuticas prescritas. Era como se
estivesse diante de uma batalha em que todos juntos – paciente,
familiares, médicos e auxiliares – tivessem de sair vitorioso,
como um dever, uma obrigação.
Frente a um doente alguma coisa haveria de ser feita. Era o
dever do médico. Por isso era importante colher informações
reunidas. Eles, aliados ao saber científico conduziram o candidato
capaz de superar as dificuldades, melhorando o paciente e dando
satisfação aos familiares.
Como professor, estava particularmente atento à necessidade
de o aluno aprender a pensar. Pensar para agir com oportunidade
de modo a obter resultados que significassem a recuperação do
paciente.
Tais, como se fossem princípios, valeram-lhe a condição de
grande clínico, que lhe era com justiça atribuída.
No momento atual, quando se comemora seu 1º centenário,
as condições da prática médica são outras, bastante diferentes do
74
seu tempo, contudo, sentimento que ele desenvolveu e transmitiu,
de uma medicina humanizada, solidária com o sofrimento
daquele que adoece ainda tem muito sentido. Razão porque esta é
uma hora de reflexão para todos aqueles que, como um, tiveram a
honra de ser aluno e colaborador nos núcleos de aprendizagem e
tratamento que ele desenvolveu na 1ª Clínica Médica da FAMED
e na Escola de Nutrição da Bahia, ambos integrantes da
Universidade Federal da Bahia, cuja Reitoria por ele exercida
algumas vezes, em substituição.
Assim, quando lhe são tributadas as homenagens do
reconhecimento, pelo mérito que o fez contribuir para o
engrandecimento da medicina bahiana e brasileira, modestamente
quero expressar a minha mais profunda gratidão por tudo que
recebi de sua magnanimidade, rogando a Deus que o ampare na
continuidade de sua trajetória imortal.
Salvador, 23 de Março de 2001
Ildefonso do Espírito Santo
Médico
75
Homenagem ao
Prof. ADRIANO PONDÉ
É uma alegria poder partilhar desta homenagem, prestada por
seus amigos pelos cem anos do prof. Adriano Pondé. Dois laços
nos unem profundamente.
Durante dez anos de luta com doença de minha família, Prof.
Pondé foi nosso médico, amigo e conselheiro. Infatigável na sua
dedicação, quase diariamente ia à nossa casa, acompanhando meu
pai e minha mãe no seu sofrimento. Para nós, os filhos, ele soube
criar laços de amizade, que nos acompanharam por toda a vida,
mesmo depois do falecimento dos dois, cuja assistência e
competência até a última hora de cada um deles, soube demonstrar.
Neste longo tempo, foi para nós o médicos competente, fiel,
que apesar de suas múltiplas ocupações encontrava tempo de ir até
nossa casa, dar uma palavra de conforto e de carinho. Contávamos
com sua presença amiga e nela confiávamos. Por tudo o que
recebemos dele, nasceu em nós uma profunda gratidão.
Terminado o nosso curso de Enfermagem em 1950, pois
pertencemos à primeira turma desta Faculdade recém-criada, fui
nomeada enfermeira chefe da 1ª Clínica Médica no Hospital das
Clínicas, também recém-inaugurado, cujo Professor era, Adriano
Pondé. Com ele trabalhavam jovens recém formados e estudantes
de Medicina, incansáveis na sua dedicação. Dentre eles ainda estão
entre nós Anita Franco e Angelina Pelosi, que exercem a Medicina
com a mesma dedicação que o seu querido Mestre. Animados pelo
Professor, organizamos a Clínica, e em pouco foi reconhecida
como um centro sério de estudos médicos e de pesquisa.
Prof. A. Pondé foi o primeiro professor de Clínica Médica,
para a Escola de Enfermagem ré- inaugurada. Foi de tal modo
dedicado, também para este novo grupo, que foi escolhido como
paraninfo na formatura de 1950. A formatura foi realizada no salão
76
nobre da Faculdade de Medicina no Terreiro de Jesus, por não ter
sido ainda inaugurada a Reitoria do Canela.
A Escola de Enfermagem contou, desde a sua fundação com o
apoio irrestrito do Prof. A. Pondé. Tenho em minha mão datado de
30 de dezembro de 1950 um bilhete escrito por Prof. A. Pondé que
diz o seguinte: “Na história da Enfermagem bahiana, este ano 1950
assinala duas grandes efemérides de alta significação para o
prestígio da profissão: 1) Formatura da primeira turma de alunas,
2) Assento no Conselho Universitário da Diretora da Escola de
Enfermagem. Prof. Pondé, fazia parte do conselho.
Na formatura Prof. Adriano Pondé foi com a diretora da
Escola buscar as formandas, entrando formalmente no Salão Nobre
da Faculdade. Depois do discurso da aluna escolhida para oradora
pela classe, Prof. Pondé leu com muito entusiasmo o seu discurso
de paraninfo. Houve uma Missa pela manhã, no Mosteiro de S.
Bento onde depois de abençoados os distintivos da Escola de
Enfermagem, as neoformadas os receberam individualmente do
Prof. Pondé e da Diretora da Escola.
Com pena não o pude acompanhar nos últimos anos de vida.
Passei muitos anos no Mosteiro de Na. Sra. das Graças em Belo
Horizonte. Não mais tive oportunidade de encontra-lo. Indo visitar
no Hospital Cardio pulmonar, pude conversar com sua esposa, D.
Carmem Pondé, muito doente mas bem consciente, que me
reconheceu e falou-me do nosso caro amigo que já havia falecido.
Que Deus já o tenha recompensado no Céu, por toda a sua vida de
amor ao próximo.
Irmã Joana Calmon Villas – Boas
Maria Julieta Calmon Villas – Boas
77
TEMPO, LEMBRANÇAS, AFEIÇÃO*
Em sua inexorável passagem o tempo faz esmaecer, apagar e
destruir todas as coisas materiais ou não que tenhamos conhecido.
Isso é um aforisma que temos ouvido e proferido pela vida afora
aceitando-o em sua aparente integrabilidade.
Existem coisas, no entanto, tão arraigadas a nossos próprios
sentimentos que nem mesmo essa característica do tempo as pode
sequer esmaecer.
Refiro-me aqui, com muita saudade, respeito e admiração às
lembranças que guardo grata e carinhosamente do inesquecível
Prof. Adriano Pondé, da primeira Cadeira de Clínica Médica da
Universidade Federal da Bahia onde, como Interna e após
Assistente Honorária, privei de sua magnífica companhia, seus
ensinamentos, sua ciência e bondade, juntamente com os tão
queridos companheiros Jorge Leocádio, Renato Sena, Anita
Franco, Denakê Philocreon, Veríssimo, Angelina Pelosi, Euvaldo
Melo, Sílvio Monsão, José Augusto e a exemplar Enfermeira
Julieta Calmon.
São reminiscências maravilhosas guardadas em minha mente
que o tempo – com certeza – jamais apagará.
Hoje, nesta merecida homenagem que estamos prestando pela
passagem do centenário de seu nascimento, sei que, onde quer que
ele esteja, estará feliz por ter tão fortemente contribuído na
formação moral e profissional de tão ilustres colegas aqui presentes
e dos que, como ele, já se foram.
*DEPOIMENTO FEITO POR JACY RÊGO VIEIRA, POR OCASIÃO DA
HOMENAGEM FEITA AO PROF. ADRIANO PONDÉ, PELA PASSAGEM DO
CENTENÁRIO DE SEU NASCIMENTO.
78
ADRIANO PONDÉ
Paradigma de Professor do Século XXI
Um homem elegante, gentil. Um Professor Pesquisador
incansável. Um eterno coração de Estudante aplicado, metódico e
obstinado.
Professor Adriano Pondé aliava a sua imensa capacidade de
trabalho à extrema meticulosidade, qualidades que o caracterizam
desde a sua Tese de Graduação, arquivada na Biblioteca do
Memorial da Medicina Brasileira, do Terreiro de Jesus, na
Faculdade de Medicina.
Essa Tese foi apresentada em 30 de outubro de 1923, para
obter o Grau de Doutor em Medicina, e o registra como Adriano
de Azevedo Pondé, ex-Interno de 2ª Clínica Cirúrgica e da 4ª
Clínica Médica, natural da Bahia, filho de Dr. João de Souza
Pondé e D. Adriana Maria de Azevedo Ponde.
O trabalho foi intitulado como:
“Contribuição para o Estudo das Águas Minero-Medicinais
do Itapicuru”.
Começava com a definição de águas minerais segundo os
conceitos da época e, daí em diante, descortinava-se dentro do
mesmo raciocínio e numa disciplina muito grande (outra sua
característica).
Discorria sobre as origens, a mineralização e o diagnóstico.
Neste último explicava: “os elementos principais de diagnósticos
da água são a situação topográfica, a termalidade e a
constituição...”.
No Capítulo Segundo, em continuação, relatava, de maneira
profunda, sobre as propriedades físicas das águas, considerando
coloração, limpidez, fluorescência, índice de refração, cheiro e
79
sabor. Sobre esta última, comentava: “De todas as águas minerais
são as sulfurosas que têm odor característico. O cheiro particular
de ovos podres, obtido no desprendimento de ácido sulfídrico, é
mais acentuado nas águas sulfurosas cálcicas do que nas sódicas.
Estas mesmas águas sulfurosas têm sabor desagradável, hepático e
nauseoso.”, concluiu.
Um outro item interessante e que mostra o acirrado grau de
observação, foi sobre a temperatura da água: “Com a água de Cipó
apresentou-se-nos ensejo de observar que, transportada da fonte
para usos domésticos, conservava-se quente durante 10 horas”.
Deste fato, a busca da explicação pelo retardamento da evaporação,
em virtude das cargas elétricas de que são portadoras...
Analisou, ainda, as águas do Itapicuru sobre o prisma da
iontização crioscópia, pressão osmótica, resistências elétricas e
colóides.
Um dos aspectos que chama mais atenção é a atualidade do
Autor (outro traço considerável).
Estudava diuturnamente, sempre procurando estar à frente da
informação.
Para exemplificar, na ocasião em que realizou a Tese,
começava-se a falar em Radioatividade. Pois, em um dos
Capítulos, discorreu sobre a radioatividade das águas minerais,
citandos vários Autores Franceses da época em que se iniciava a
discussão sobre o assunto. Há, inclusive, uma fotografia mostrando
uma placa com evidências da radiação de uma das fontes
estudadas.
No Capítulo Quinto desenvolveu o seu Estudo na composição
e concluiu com a classificação das águas de acordo com a
predominância de determinados Elementos, tais como: sulfurosos,
cloretados, bicarbonatados, sulfatados, indeterminados e
ferruginosos.
Feitas essas considerações, o Graduado Pondé entrou no relato
histórico do Itapicuru, abrangendo Caldas de Cipó, Mosquete,
Muriçoca e Fervente.
80
Dosou todos os Componentes Químicos de forma qualitativa e
quantitativa. A seguir, fez análise bacteriológica, ilustrando sua
Tese com microfotografias dos bacilos encontrados. Contudo, o
ponto alto da Tese estava na tentativa de provar, farmacodinamicamente, porque as águas citadas faziam bem aos Seres
Humanos.
As observações e os gráficos da pressão arterial, antes e após o
banho, continuam, na atualidade, interessantes. A ação sobre a
diurese, também. A análise profunda da urina e de elementos
nitrogenados do sangue já demonstrava o grande Investigador que
ali aparecia. Fez considerações sobre o efeito no aparelho digestivo
e relatos de casos de desenssibilização anafilática após o uso das
águas de Caldas de Cipó.
As suas observações sobre os efeitos da água no aparelho
digestivo contra asma, reumatismo, lotíase urinária, hipertensão e
arteriosclerose, moléstias do coração e outras, são verdadeiros
modelos de sua boa pesquisa e senso crítico.
Nas suas conclusões acentuava sobre o valor efetivo das fontes
em determinadas afecções gerais do corpo humano.
Descrevia o cenário: “O pior é que não se cuidam das fontes.
Tudo está ao abandono e ficará ao abandono sem a proteção
decidida do Governo”.
Impressiona esta Tese pela sua abrangência, pela sua
interdisciplinaridade, envolvendo História, Geologia, Química,
Física, Medicina, Geografia, Política, realizada não por um simples
Formando, mas, por um Pesquisador, Médico, Educador nato,
dentro do paradigma do século XXI.
Obrigado Professor Adriano pelo seu exemplo!
José Antonio de Almeida Souza
Médico
81
Relembrando a presença do
Dr. Adriano Pondé na Escola de Nutrição
Ao falar em Dr. Adriano de Azevedo Pondé, o vejo como
mestre e amigo, dotado de grande paciência frente aos arroubos
dos jovens.
Por vários momentos durante a minha vida acadêmica, quer
como aluna ou membro do Diretório acadêmico em dias tão
nefastos para a Nação, pude testemunhar a atitude deste homem
que abandonava a sua postura de mestre e adotava a de um Pai,
preocupado com sua prole, com o nosso bem estar, receio que ao
tomarmos alguma atitude podéssemos ser vitimas de contratempos.
Em sua quietude, deixava transparecer sua grande preocupação.
Lembro-me das várias vezes que me argüiu para saber dos
estudantes de Nutrição, se estavam em algum movimento, ou se
liderando greve. Relato uma das ações mais importante que
ocorreu quando houve um movimento para reduzir o Curso de
Nutrição de 4 para 3 anos; após abrir para discussão e análise pelos
membros da Congregação esta proposta de mudança, aguardando
que todos dessem seu parecer, solicitou a palavra da representante
dos “mais interessados” como citou; todos aguardaram, a aluna
(eu), se pronunciou, e ele acatando a fala da aluna, colocou o
assunto em votação, ficando mantido o curso com 4 anos. E assim
fora em outros episódios, sempre valorizando o forma de pensar do
jovem em formação profissional, animando para as novas
investidas, cônscio do alto valor da Nutrição como ciência, na
missão maior de mestre, dentro da ótica de Paulo Freire: “cabe ao
mestre desenvolver a consciência crítica do aluno”, assim, Dr
Adriano Pondé, cumpriu com maestria a nobre função do
82
professor/educador – mesmo nos momentos mais difíceis do País e hoje se faz mais presente que antes, neste templo onde soube
erguer a científica fornalha do saber ciência em Nutrição e
Alimentação. Como professora desta Escola, que ele fundou numa
época em que falar de Nutrição e Alimentação não causava eco,
reconheço que sua coragem e ação foi de um visionário no projeto
para o futuro além do futuro, rendo as minhas homenagens, e
agradeço a Deus por ter permitido a sua existência.
Joselina Martins Santos
Prof. Adjunto da Escola de Nutrição – UFBA
83
Declaração afetiva
Eu, Luiz Antônio Costa, tendo colado grau em medicina em
15 de dezembro de 1956 pela nossa querida Faculdade de
Medicina da UFBA, não poderia deixar de participar desta justa e
oportunissima homenagem comemorativa do centenário do
nascimento do nosso inesquecível mestre Professor Dr. Adriano
Pondé; não poderia e não deveria estar ausente nesta grande
efeméride pois fui um dos seus alunos, e como tal, aprendi acima
de tudo ser um verdadeiro médico. O Professor Adriano Pondé
além de ser o nosso querido, amado e respeitado mestre, foi o
pioneiro da cardiologia do nosso país, dando uma dimensão
inigualável ao nascer da cardiologia brasileira. Sendo assim, todos
nós médicos que abraçamos tão nobre e dignificante especialidade
cardiológica, devemos muito aos seus ensinamentos e acima de
tudo à sua dedicação e amor a medicina em geral e
fundamentalmente à cardiologia. Ele, o mestre Adriano Pondé, não
é somente o Príncipe dos cardiologistas, ele foi e será sempre o
nosso grande mestre, o nosso guia, o paladino da cardiologia
brasileira.
Nota: Lembro-me que numa manhã em aula, na primeira
clínica médica no ano de 1955, quis contesta-lo sobre a
insuficiência mitral, ele na sua característica do verdadeiro mestre
resPondéu-me da seguinte maneira:
___ Meu colega, você terá muito a aprender como eu também
terei muito a aprender com meus alunos.
Essas palavras como muitas outras, foram de importância
fundamental para a minha carreira médica, onde humildade,
dedicação e competência são fundamentais.
"OBRIGADO MESTRE"
Luiz Antônio Costa
CRM 1.170
84
Prof. Dr. ADRIANO DE AZEVEDO PONDÉ
Solicitado a relatar algumas palavras sobre o ilustre Prof.
Adriano Pondé, meu primo carnal e com quem tive a honra de
conviver nos mais íntimos acompanhamentos da sua vida
profissional. Não só a admiração e o respeito, mas tambem o grau
de parentesco nos aproximava muito. Fui seu colaborador durante
anos e, algumas vezes, discordávamos de algum diagnóstico o que
nos levava a profundos estudos e analises até chegarmos a uma
conclusão. Sentia nele o olhar de acerto e sua vibração quando o
resultado era correto.
Quando retornei do início de minha vida profissional exercida
no interior deste Estado, fui convidado a montar um Laboratório de
Patologia Clínica com a finalidade de montar técnicas novas
visando mais a pesquisa que a rotina.
Trabalhávamos em conjunto, dia e noite, domingos e feriados,
com visitas familiares e hospitalares onde presenciei o professor
passar as noites ao lado dos seus pacientes até a estabilização do
quadro. Só usava os exames complementares para tirar alguma
dúvida ou para controle. Era impressionante vê-lo firmar um
preciso diagnóstico unicamente com o seu tino, poder de
observação e conhecimento profundo da ciência medica, aliada à
prática quotidiana que ocupava todos os momentos da sua
existência.
Não tenho a menor dúvida de afirmar ter sido o Prof. Adriano
Pondé o maior expoente da medicina na minha geração.
Luiz Muylaert de Azevedo
Médico
85
DEPOIMENTO
Certamente foi o Prof. Adriano de Azevedo Pondé um dos
grandes clínicos e dos melhores professores que passaram pela
nossa Faculdade de Medicina, então sediada no Terreiro de Jesus.
Quando assumiu a 1ª Cadeira de Clínica Médica da Faculdade
de Medicina, então única na Bahia, o Prof. Adriano convidou-me
para seu assistente honorário, já que eu nela trabalhava há vários
anos como interno do então catedrático Prof. Armando Sampaio
Tavares, que falecera.
Permaneci como assistente ministrando as aulas práticas e
algumas teóricas, até 1954, quando, por interesses particulares
solicitei o meu afastamento para integrar a Diretoria de um
estabelecimento bancário, para qual fora convidado.
Nessa ocasião o Prof. Adriano com sua verve habitual
Pondérou-me: “mas seu Luiz, você trocar minha Cadeira por um
Banco?
O Prof. Adriano foi, sem dúvida, quem firmou na prática o
exercício da Cardiologia na Bahia, divulgando o exame mais
moderno da época, o eletrocardiograma tanto como “sua”
terapêutica nas doses adequadas com os medicamentos digitálicos e
estrofantínicos.
Nessa época em 1944, quando me diplomei em Medicina,
introduzi aqui na Bahia a oxigenioterapia, fundando com mais 2
colegas o Serviço de Gases Terapêuticos da Bahia, que também
aplicava o Carbogênio, uma mistura de Oxigênio (95%) e Gás
Carbônico (5%), que era empregado em injeções subcutâneas como
vaso dilatador das artérias periféricas, nos casos de arterites,
86
principalmente diabéticas e posteriormente para fazer cessar os
espasmos da coqueluche.
O Prof. Adriano Pondé deu inteiro apoio ao Serviço de Gases
Terapêuticos, utilizando a oxigênioterapia através de máscaras,
cateteres e tenda de oxigênio nos casos indicados, ele que era o
clínico mais conceituado e de maior clientela em Salvador.
Fundamos também com vários outros colegas a Sociedade
Bahiana de Cardiologia, da qual ele foi o 1º. Presidente e eu 1º
Tesoureiro.
Mesmo afastado da sua cátedra, continuamos a boa amizade
até o seu falecimento.
Salvador, 05 de maio de 2001.
Luiz Ramos de Queiroz
Médico
87
Homenagem ao professor Adriano de Azevedo
Pondé, em seu centenário de nascimento.
Trecho do livro: “uma mulher de branco”, que conta
reminiscências do 1. Ano de Residência médica, no Hospital das
Clínicas, hoje Hospital Edgar Santos, da Universidade Federal da
Bahia.
Capitulo XVII
Na 1a médica, encontro o professor Adriano Pondé, como
chefe da Clínica, um dos maiores cardiologistas da cidade na
época, já mais idoso que Dr. Roberto. Possuindo uma clínica
invejável, talvez por isso mesmo, não disponha de tempo como
este para dedicar ao Hospital.
É alvo, altura mediana, usa óculos, educado, fala mansamente,
com um tom levemente irônico. Recebe bem seus residentes e
demonstra sempre aquele cavalheirismo e fidalguia das famílias
tradicionais baianas.
Entre seus Assistentes, há três mulheres: Dra. Anita,
orientadora da Residência, Dra. Angelina, descendente como eu de
italianos e Dra. Denakê.
Dra. Anita é morena, cor de jambo, tem cabelos negros e lisos,
sorriso doce, covinhas maravilhosamente colocadas em sua face de
pele macia. Alta, elegante, inteligente, mostra-se sempre atenta e
interessada em seus doentes. É alta, veste-se com muito bom gosto,
tem olhos escuros e vivos, boca de lábios grossos e sensuais,
dentes alvíssimos, que surgem encantadores quando sorri.
Dra. Angelina é alva, cabelos escuros, veste-se com mais
sobriedade, sem perder a elegância. Trata a todos com gentileza.
Está sempre correndo, de um leito para outro, vendo prontuários,
dando ordens, observando.
Dra. Denakê é morena, magra, não muito alta; tem fama de ser
pessoa difícil no trato e na Residência, existem recordações não
muito agradáveis de sua atuação. Tem um temperamento instável e
não muito acessível, segundo dizem.
88
Chego meio temerosa, com orientação para não criar
problemas. Procuro juntar todo mel que encontro em meu coração
e, confiando nisso, sigo em frente, pensando:
- Seja o que Deus quiser!
Apresento-me ao professor, logo cedo, devidamente
acompanhada pelo meu estetoscópio e belo abençoado caderno,
armas do residente. Capa alvíssima, impecável. Sorridente, entro
em sua sala. Dr. Adriano levanta-se, com uma mesura e me recebe
com um sorriso largo.
- Bom dia, Dra. Giovanina. A casa é sua! Vou mandar chamar
Dra. Anita para apresentá-la. Já se conhecem, não?
- Sim, naturalmente. Das aulas
- Bem, isto dispensa apresentações. E, virando-se para fora:
- D. Marisa, quer por favor chamar Dra. Anita?
- Não demora e uma vozinha arrastada de nordestina faz-se
ouvir na porta da sala.
- Chamou, professor?
- Sim, chegou a nova residente. Quer fazer o favor de vir Até
aqui
- Pois não, com prazer.
Dra. Anita entra na sala, irradiando simpatia. Tem o ar fresco,
um perfume delicado penetra com ela na sala. Sua capa é branca e
limpa. Anda com movimentos felinos, sem pressa, com leves
meneios sensuais. Sorri para mm.
Já nos conhecemos, não é, Giovanina?
- Sim, doutora Anita, fui sua aluna.
- E muito boa aluna, ela comenta, delicada. É um prazer tê-la
conosco, diz, apertando simplesmente minha mão.
- Qualquer dúvida, ela é quem está encarregada de orientá-la.
Mas pode vir a mim, quando queira; estou á sua disposição. Espero
que se adapte bem conosco.
- Obrigada, professor, sinto-me em casa.
- Vai passar enfermaria agora, professor? Pergunta Dra. Anita.
- Sim; vamos apresentar nossa colega aos pacientes, diz o
doutor Adriano levantando-se.
Penso emocionada:
Vou conhecer um novo mundo...
A enfermaria sem Silvio fica vazia.
Chega o dia D de Cláudia; subo para instrumentar sua cirurgia.
89
Aberto o abdome o Dr. Hugo Maia, o cirurgião, encontra útero
e ovários, solucionando o problema.
Na véspera da cirurgia, acontece um incidente engraçado.
Na hora de passar enfermaria, o professor Adriano vê Claudia
chorando. Ele para, conversa com a menina, promete balinha,
chocolate e... nada! Ela não para de choramingar.
Passamos as duas enfermarias inteiras e os leitos individuais.
Continua o ruído desagradável do choro de Claudia.
O professor resolve voltar e conversar com ela.
- O que você tem, Boneca? Vou dar a você uma nova filha.
Esta está um pouco... velha, não é?
A menina continua choramingando.
- Se não quer uma boneca, quer uma bola? Umas panelas para
brincar de casinha?
- A criança olha-o com os olhos cheios d´dágua, mas não
resPondé, amuada.
- Faz tempo que está chorando. Quando a gente pergunta diz
que num é nada... Explica a doente do leito vizinho.
- Doutorinha, converse com ela, diz o professor sorrindo para
mim e observando.
- Claudia, Dr. Adriano vai dar a você outra boneca. Panelas
para você brincar. Nós lhe daremos chocolates. Isto não é bom,
querida?
Dei um beijo estalado em sua face molhada de lágrimas. Um
abraço apertado e ruidoso. A garota continuou chorando.
- Você não quer os presentes? Responda, querida!
O choro continuava. Ela afirmava com a cabecinha que queria,
mas continuava chorando...
O professor então olhou-a pensativo. Depois sorriu e
comentou comigo e com Dra. Anita:
E vocês ainda têm dúvidas de que ela seja mulher? Ora esta,
chorando à tôa...
Margot Lobo Valente
Médica
90
Eu fui “uma das pupilas de Dr. Adriano”
“Entrei para Escola de Nutrição em março de 1957. Foi o
primeiro ano em que foi realizado o ingresso mediante concurso
vestibular ... Fui aprovada!!! Felicidades!!! A partir daí ,
acostumei-me a ouvir sempre que éramos as “pupilas de
Dr.Adriano”...Até então, não entendia direito a extensão da
alcunha...
Quando, n’uma manhã qualquer de 18 de outubro de 1957...
Estava esperando a condução em um ponto de Ônibus. Aflita,
haveria uma reunião... Foi tudo muito rápid... Um convite de uma
amiga em um Citroen preto... Uma providencial carona!!! Uma
manobra intempestiva de um caminhão... A derrapagem...O
acidente... Ferros retorcidos, o Pronto Socorro do Canela... Fui
reconhecida por uma colega de enfermagem... A Escola fora
avisada!!! Neste instante a providencia divina traçou uma linha
divisória entre uma mocinha qualquer vítima de um acidente, e
uma “pupila de Dr.Adriano”.
O querido mestre providenciou minha transferência para o
renomado Hospital das Clínicas, no andar dirigido por ele, onde
toda sua equipe (em especial Dra.Angelina Pelosi Matos) não
mediu esforços e conhecimentos naqueles sofridos meses de
internamento, entre o coma, o afundamento craniano, a amnésia
profunda, e enfim,a recuperação.
Por sua influencia, a Escola de Enfermagem foi mobilizada,
havendo diuturnamente uma estudante ao meu leito.
Após 2 meses tive alta, e nossa estória não terminou por aí...
Após intenso sofrimento físico, o sofrimento moral... Deparei-me
com a incompreensão da Secretaria da Escola, proibindo-me de
realizar a 2a.chamada das provas perdidas...
Eu,aquela aluna aplicada, responsável, com o ano perdido?!
Não! Mais uma vez o mestre,o amigo, naquele instante o pai,
entrou em cena, e com apoio da grande e saudosa amiga,
91
Enfa.Nilza Garcia, então Diretora da Escola de Enfermagem,
descerraram o véu da incompreensão, e pude realizar as provas
finais, permitindo–me o acesso ao 2o.ano, formando-me em 1959.
A partir daí, pude entender o peso de ser uma “pupila”...
Sua atitude despida de qualquer interesse pessoal ou político,
a uma simples aluna desconhecida, norteou a minha vida
profissional...
Tal qual o Mestre e seus discípulos daquela Clínica
Cardiológica do Hospital das Clínicas que testemunhei como
paciente, como nutricionista,em um Hospital Psiquiátrico,
procurei abordar cada paciente com respeito, dignidade, e
individualidade, e não simplesmente como fichas dietoterápicas
para doentes mentais.
Hoje ,aposentada das minhas atividades profissionais, mas
não da gratidão,agradeço a Deus a oportunidade de o ter
conhecido, e poder contribuir à sua memória por ocasião do seu
centenário de nascimento, entrelaçada à minha própria memória,
por tudo acima relatado, e pela honra de possuirmos a mesma
data natalícia...”
Salvador,26 de junho de 2001
Maria de Jesus Valente Monteiro
Nutricionista/CRN 0007
92
“Meu Cliente”,
o Prof. Adriano de Azevedo Pondé
Um carinho muito grande guardo em minha memória: o que
significou para nós - eu e Jair, esta figura impar de Mestre,
Professor, Amigo e Paraninfo da Turma de 1945 – “a turma de
Jair”.
Além de esposa de seu afilhado, fui agraciada com o título
honorífico de “minha ginecologista”. Cuidei da querida dona
Maria do Carmo por muitos anos. Seu acompanhante, o querido
Prof. Pondé, tinha razão de assim me chamar; apesar de eu
examinar a D. Maria do Carmo, ele procedia como se ele fosse o
cliente, aquele para quem prescrevi a receita. Perguntava-me sobre
tudo, desde qual o meu diagnóstico até a minúcias sobre a
medicação prescrita, que substâncias originais continha o remédio,
seus efeitos colaterais...
Parecia-me que ele captava até o “não bom” da medicação,
deixando apenas o BOM para que sempre surtisse o efeito desejado
em sua “Iaiá”. Quanto amor, quanta dedicação!
Lembro-me de suas visitas à nossa casa em São Thomé de
Paripe, nos encontros e comemorações da turma de 1945.
Balançando-se na rede, como vibrava de alegria, sempre
expressando seu agradecimento pela beleza do lugar, pela nossa
acolhida e a companhia de seus afilhados! Dona Maria do Carmo
estava sempre rodeada da afilhada Bety Souto Maior e de nós, as
“Esposas dos Doutores de 1945”!
Maria de Lourdes Rocha Santos Burgos
Médica
93
Lembranças
Lembrar do Prof. Adiando Pondé é sempre um prazer. A
lembrança daquele professor digno, estudioso e competente,
lutando pela sua clínica e seu paciente, fazendo da medicina um
ideal de vida.
Criou uma escola, prestigiou seus colegas e alunos, dando uma
lição do exercício da profissão com a maior seriedade e dedicação.
Foi um amigo da Escola de Enfermagem nos seus promórdios,
procurando valorizar aquele grupo, desejando fazer da profissão
um parceiro importante na cura e manutenção da saúde.
No seu centenário, devemos nos sentir honrados de termos
participado de seu convívio.
Maria Duarte Sepulveda
Enfermeira da Turma de 1952
94
Professor ADRIANO PONDÉ
A sociedade baiana associa-se à Universidade Federal da
Bahia e, em particular à Faculdade de Medicina, nas homenagens
que vêem sendo prestadas ao insigne Mestre da medicina, ao
ensejo do centenário de seu nascimento em junho do corrente ano.
Professor Catedrático, título conquistado em brilhante
concurso de títulos e provas, o Professor Adriano, autor de
numerosos trabalhos sobre sua especialidade, sempre buscou
manter-se atualizado, o que lhe valeu o reconhecimento nacional
de seus pares, tal as solicitações que lhe eram feitas para examinar
concursos em outras faculdades do país ou pronunciar
conferências.
Também a sociedade soube apreciar os méritos do famoso
clínico, acorrendo em grande número para o seu consultório. Valiase para tanto não só de sua grande competência clinica, mas de sua
lhaneza no trato com pacientes e familiares, aliado a um grande
senso de responsabilidade, dedicação e ética no atendimento aos
que buscavam sua atenção profissional.
Integrante da primeira turma do curso de enfermagem da
UFBA tive o privilégio de ser uma de suas alunas na disciplina de
Cínica Médica. Didático, discorria de modo eloqüente mas sem
afetação, a matéria que dominava, sempre interessado no
aprendizado de suas alunas. Essas aulas também despertavam
grande interesse dos estudantes do curso de medicina, a procura de
uma novidade a mais.
Quando o Hospital das Clínicas (hoje Hospital Professor
Edgard Santos) foi inaugurado em novembro de 1948, o Professor
95
Adriano foi dos primeiros a transferir da Santa Casa de
Misericórdia os serviços ambulatoriais e de enfermaria sob sua
responsabilidade, para as novíssimas instalações do hospital
universitário.
Ainda como estudante de enfermagem acompanhei a
instalação do novo ambulatório. O clima cordial e de seriedade
predominava no relacionamento entre o Professor e seus
discípulos, propiciando o surgimento de laços de amizade no
grupo, que se mantém até os dias de hoje.
Entre as colegas de enfermagem, esse entendimento
respeitoso, aliado a uma grande admiração ao Mestre, foi decisivo
em sua escolha como paraninfo da primeira turma de nosso curso.
Em brilhante oração “às moças”, o Professor Adriano ressaltou o
grande papel da nova profissão de enfermagem, tanto nos
modernos hospitais – escola, quanto no trabalho visando à
prevenção das enfermidades, principalmente aquelas endêmicas em
nosso meio.
Mais tarde, já formada e na qualidade de Diretora da Escola de
Enfermagem, tive mais uma vez oportunidade de trabalhar muito
proximamente com o Professor Adriano, agora no Conselho
Universitário onde ele era representante da Congregação da
Faculdade de Medicina. Por dois mandatos consecutivos ocupou
também o cargo de Vice Reitor, sendo o primeiro na gestão do
Prof. Albérico Fraga e o segundo com o Prof. Miguel Calmon,
quando teve oportunidade de assumir o cargo de Reitor em virtude
do falecimento deste. Foi um momento difícil na vida de nossa
Universidade, tolhida pela dor e pela surpresa do inesperado
desaparecimento do Reitor Miguel Calmon. O Reitor Adriano
soube conduzir a Universidade naquela inusitada situação,
demonstrando grande equilíbrio e liderança.
96
Suas preocupações, além da administração da Universidade,
estavam particularmente concentradas na Escola de Nutrição que
ele próprio havia criado, e desejava que fosse realmente uma
unidade modelo, centro de referência para o nordeste brasileiro.
Finalmente, para concluir essas breves palavras, escritas sob
emoção ao relembrar a figura de um grande Mestre, lembro das
palavras de J. Maritain: “a grandeza das grandes figuras da História
reside em que souberam inserir-se nas exigências do seu tempo”. O
Professor Adriano soube aliar a sua sabedoria de grande
profissional da medicina, ao de eminente professor, além de líder
universitário.
Salvador, abril de 2001
Maria Ivete Ribeiro de Oliveira
Professor Emérito da UFBA
97
Ao Prof. Adriano de Azevedo Pondé,
no seu centenário de nascimento
É uma honra poder compartilhar, juntamente com a área de
saúde da UFBA, e, de modo especial, com a dedicada equipe da
então – 1ª Clínica Médica – Prof. Dr. Adriano de Azevedo Pondé
do HC – nas pessoas dos seus diletos ex- assistentes, responsáveis
pela realização dessa justa homenagem ao mestre, por ocasião do
seu centenário de nascimento.
Conheci o Prof. Pondé em 1945 quando aqui cheguei do meu
interior – Jequié – trazendo a minha mãe, com uma carta de
recomendação do nosso médico de família, o Dr. Cely de Freitas,
para o seu colega, solicitando examina-la. Logo o procuramos, e
fomos muito bem atendidas; cujo resultado do exame teve, Graças
a Deus, o diagnóstico satisfatório. Fiquei impressionada com a
maneira atenciosa e com a segurança demonstrada por aquele
Senhor simpático e ainda jovem, no atendimento dispensado à sua
nova cliente, nos deixando à vontade, ouvindo perguntas e
respondendo com simplicidade. Procurou saber dos meus estudos,
se eu já havia definido a profissão, insinuando-me a optar pela
medicina; disse-lhe que preferia odontologia; ele rindo, disse-me
louvar a minha determinação. – Nunca pensei que um dia viria a
ser sua aluna.
Em 1946, com a fundação da Escola de Enfermagem da
UFBA, o meu amigo, Prof. Trípoli Gaudenzzi, me convenceu a
ingressar na recém-criada escola, dizendo-me ser uma nova e
promissora profissão.
Foi quando tive a oportunidade de novamente encontra-me
com o Prof. Pondé, já na condição de sua aluna, assistindo suas
aulas de clínica médica. O seu método de ensino, despertava
98
atenção porque, ao tempo em que desenvolvia a teoria, intercalava
exemplos vivenciados com os seus próprios doentes, alusivos ao
assunto teórico, para uma melhor compreensão; aí, vibrava quando
o diagnóstico e o tratamento levavam à recuperação do paciente;
mas, também se mostrava triste quando falhava e, às vezes, levava
o seu paciente ao óbito. Emotivo, evidenciava a sua dignidade
profissional, seu espírito de responsabilidade e amor ao próximo.
Era um dos professores mais ilustre da sua época, marcado
pela competência, dedicação ao ensino e aos seus pacientes do
então Hospital das Clínicas, bem como à clientela particular. Era
um verdadeiro “médico de família”, visitando seus pacientes em
domicílio tantas vezes quanto necessitassem de sua assistência,
sem se preocupar com o horário.
Hoje, que tanto se fala na oficialização do “médico de
família”, naquela época eram os professores catedráticos da melhor
estirpe que iam às residências, sem nenhuma complicação, atender
aos seus pacientes de qualquer condição financeira.
Impossível deixar, nesta oportunidade, de citar fatos referentes
ao Prof. Pondé vivenciados por mim, os quais ficaram indeléveis
na minha memória, a capacidade de compreensão, a sensibilidade e
o respeito humano daquele homem de tanta projeção profissional.
Era eu ainda estudante, e fazia estágio na 1ª Clínica Médica
Prof. Adriano Pondé, unidade do então HC. Era a enfermeira chefe
dessa Clínica, D. Radicliff Guanais Dourado (Santos Pereira), que
também era professora da Escola de Enfermagem (naquela época
se acumulava as duas funções), minha eficiente quanto exigente
supervisora. Havia na clínica um paciente idoso, de temperamento
difícil, que se negava de modo absoluto a beber água; os
comprimidos ele ingeria a seco, derramava o copo d’água,
desobedecia a todos. Esse paciente ficou sob meus cuidados e a D.
Rad, me encarregou a convence-lo a beber água de qualquer modo.
Estava eu nessa “luta” quando o Prof. Pondé entrou na enfermaria
99
e tomando conhecimento do problema, me pediu o copo, e, certo
da sua vitória, disse ao paciente: “beba logo sua água com o
comprimido amigo”; o homem, num gesto de revolta resPondéu:
“doutô, o Senhor sabe muita coisa, mas não sabe tudo não... vou
lhe dizer o meu segredo pra vocês me deixar em paz; ou vou
embora... tem 10 anos que comi coração de cágado pra fechar meu
corpo contra doença ruim e por isso não posso beber água nunca
mais, para não perder o efeito; e, não é aqui que vou quebrar minha
promessa” e deitando-se cobriu a cabeça. O professor me entregou
o copo, bateu no ombro do paciente e disse: “está certo amigo,
ninguém mais vai lhe falar em água; fique com aquela do seu
coração de cágado”. Rindo, saiu dizendo: “a fé tem poderes além
da medicina... aprendi mais uma lição”. Era assim o Prof. Pondé,
cordato e humilde.
Sua maneira como distinguia a Escola de Enfermagem,
conferindo-lhe sempre uma posição de alto nível na Universidade,
a atenção e amizade dispensada às estudantes, levou-nos,
estudantes da 1ª turma dessa Escola, ao término do curso, a
convida-lo para ser o paraninfo da turma em 09/12/50.
Um outro fato que muito me sensibilizou em relação ao Prof.
Pondé foi quando – já formada e chefe de enfermagem da Clínica
Ginecológica – num fim de tarde, o professor chegou na minha
sala visivelmente emocionado me pedindo licença para ficar
sozinho, na sala de reunião dos professores, pois precisava
desabafar; e, chorando copiosamente me falou de gravidade do
estado de saúde do seu “filho profissional”, o jovem assistente
Silvio Monsão, que se ultimava na sua 1ª Clínica Médica.
Atendendo seu pedido ofereci-lhe água e deixei-o sozinho, por um
bom tempo. Mais tarde, tentando se fazer de forte, banhou o rosto,
agradeceu-me e saiu abatido.
O Prof. Pondé não deixou filhos biológicos, mas,
praticamente, “adotou” grande parte de seus alunos de medicina –
100
os internos da 1ª Clínica Médica, os quais chamava de “filhos
profissionais”, muitos deles se tornaram seus fiéis assistentes. E,
em relação a isto, vou falar de mais um dos seus episódios: já na
década de 70, retornei ao seu consultório com a minha mãe; ele a
examinou e disse-lhe: “a senhora está ótima e a partir de agora,
quando precisar de médico, procure uma jovem médica, minha
assistente, que atualmente sabe mais do que eu”; assim rindo muito
disse que era a Dra. Angelina Pelosi; “não diga isso a ela para que
não fique compenetrada, mas é ela, uma das minhas filhas de
profissão”. E assim o fiz. A Dra. Angelina nunca soube dessa
recomendação mas passou a assistir a mamãe com toda
competência e carinho, passando a visitá-la em nossa residência
quando isto se tornou necessário. Tão grande foi a sua assistência e
dedicação, que a mamãe a chamava de “professora dos doutores”.
E assim foi até os seus últimos dias entre nós (1990).
O Prof. Pondé foi, portanto, um grande mestre não só na
medicina, mas na orientação de pessoas em todas as dimensões!
Maria José de Oliveira
Professora Adjunto aposentada da escola de Enfermagem da UFBA
Ex- Diretora da Escola de Enfermagem da UFBA
Presidente da Associação dos Enfermeiros Aposentados da Bahia
101
ADRIANO PONDÉ – O INOVADOR
Das qualidades magistrais e magisteriais de Adriano Pondé,
merece principal destaque a de ter sido ele a fronteira e ao mesmo
tempo traço de união entre o ensino da medicina clínica, em bases
predominantemente teóricas como faziam os grandes professores
que o precederam (José Olímpio da Silva, Fernando São Paulo,
Sabino Silva etc.) e o ensino dirigido para Prática Clínica, como
passou a ser por ele e pelos que lhe seguiram o exemplo,
aproximando o jovem estudante do doente, mais do que da doença,
o que se mantém até agora.
De seus antecessores, o de que mais se aproximou foi o
notável Armando Sampaio Tavares, cuja Cátedra veio ocupar em
poucos anos.
Outra notável realização foi ter criado uma Escola Médica
Cardiológica, sendo especialidade da qual, foi introdutor entre nós
embora, não deixasse de ser o grande Clínico Geral, sem subdividir
a Medicina Interna em muitas sub especialidades (pneumologia,
gastroenterologia, endocrinologia etc.) como infelizmente se vem
fazendo no Ensino Médico, esquecendo-se que a medicina interna
é uma só e que o grande clínico, é o que conhece bem e pratica
todas estas sub-especialidades clínicas, até porque não se trata
apenas o coração, o fígado, ou a tireóide de alguém trata-se alguém
que tem um coração um fígado e uma tireóide. Portanto, Adriano
Pondé, sendo um dos maiores cardiologistas do País, nunca se
divorciou da clínica em geral, defendendo como os que lhe
seguimos a orientação, que a Clínica Médica é uma só, não pode
ser fracionada artificiosamente para contemplar os interesses e as
limitações dos que se conformam com uma daquelas
especialidades.
Dentre os que se destacaram na Escola de cardiologia que
iniciou, estavam Moreira Ferreira, Jorge Leocadio, Rubens
Tabacoff, Anita Franco Teixeira, Angelina Pelosi, Denakê
102
Philocreom, Géothon Philocreom, Alberto Pondé, Armênio
Guimarães, mas os que foram seus alunos apenas curriculares,
receberam também a marca de sua orientação científica.
Foi fundador de inúmeras associações científicas nacionais,
tendo inclusive presidido algumas delas como as de Cardiologia.
Estimulou e conduziu a pesquisa científica, inovou portanto o
ensino da Medicina Clínica, o que não significa concordamos com
a designação injusta, ingrata e pejorativa de “bacharelice médica”
pela qual ainda hoje algumas desmemoriados designam o ensino
clínico praticado pelos professores anteriores.
Perfeccionistas, sua lições alcançavam todo assunto proposto,
sem esconder a minúcia dos detalhes.
Sua presença nas bancas de concurso, sempre se tornava
dominante, além de temível pelos candidatos, porque a
profundidade do seu saber e a elegância da sua dialética tornavam
suas argüições de difíceis respostas pelos candidatos que
pretendessem supera-lo até porque se transformavam em vigorosas
lições científicas.
Filho de um grande médico João Pondé, Adriano não teve
filhos, mas considerava afilhados não só seus paraninfados, como
os que lhe acompanhavam na Escola Científica. Fui um destes!
Não se negava em acompanhar e ajudar médicos mais novos junto
a casos clínicos difíceis mas, ainda assim não esquecia de fazer
suas ironias. Lembro-me bem que visitando comigo uma paciente
em que eu fizera o diagnostico de tromboflebite criticou a
designação, substituindo por “venite” dos autores franceses ao que
respondi, que aprendera com ele a primeira designação.
Em outra oportunidade, quando lhe ofereci o estetoscópio para
auscultar um paciente, agradeceu perante a família, dizendo
preferir praticar a auscultação direta do tórax. Comentei ter ciência
do valor destas últimas, que aliás foi a primeira e maliciosamente
acrescentei, saber que ele a praticava diferentemente em pacientes
masculinos ou femininos, usando orelha direta no primeiro caso e a
esquerda no segundo; percebendo a malícia, acrescentou que assim
fazia por sugestão das clientes...
103
Fui seu médico por algum tempo, num dos seus últimos anos
de vida e pude perceber, que a disciplina quanto ao tratamento,
inclusive a dieta, que exigia dos seus pacientes, modelarmente
praticava como paciente, até porque ensinou-me: “ou se confia
integralmente no médico ou se muda de médico”
Meu primeiro contato com Adriano – tinha eu então 10 anos.
Fui em casa do meu avô Francisco Eloy Paraíso Jorge, também
médico cardíaco, quando por alguns dias Adriano substituiu seu
pai João Pondé na assistência ao venerano paciente. E ali nasceu a
admiração e a confiança que progressivamente aumentaram nas
décadas seguintes.
A lacuna deixada por Adriano Pondé na nossa Faculdade de
Medicina, quando se aposentou, permanece até hoje, apesar de
seus doutos sucessores.
Com Adriano Pondé, aprendi que o médico não pode alinear
sua autoridade e que deve praticar sua “Arte” com profundo
conhecimento e também com sutil elegância. Documentava assim a
sua presença na Posteridade, que ainda e sempre deve, saudade,
respeito e admiração.
Mário Augusto Jorge de Castro Lima
Professor de Medicina
104
Adriano Pondé: parentesco e afinidades
Ao procurar fixar alguns traços do perfil de Adriano Pondé
deparo-me com uma série de imagens que se justapõem
simultaneamente: a do médico humanitário, a do professor
dedicado, a do pesquisador escrupuloso, a do acadêmico e outros
tantos qualificativos que se conjugam para compor o retrato deste
baiano ilustre, aqui justamente homenageado na oportunidade da
celebração do centenário de seu nascimento.
O meu propósito, porém, é revelar apenas um pouco do que foi
Adriano Pondé na intimidade, aquele tão perfeito homem de
família com quem tive o prazer da mais estreita convivência, pois,
sendo ele o mais velho dos irmãos de minha mãe, nosso
relacionamento começa, por atávicos caminhos, antes mesmo de
meu próprio nascimento, na estreita relação de parentesco e
compadrio.
Debruçada no espelho turvo do passado busco captar uma das
imagens de Adriano Pondé: a minha imagem de Adriano Pondé.
Busco juntar fragmentos dispersos. Às vezes opacos, diluídos na
distância, às vezes brilhantes e vivos como vidros coloridos
formando desenhos num calidoscópio.
Na monografia que escreveu sobre Marcel Proust, Adriano
Pondé assinala que, para esse autor “a justaposição de estados
sucessivos é que faz o nosso Eu”. Convenhamos, neste momento,
que a“ busca do tempo perdido” é um difícil e lento trabalho para
quem se disponha a resgatar sua verdade e permanência, no antigo
sabor dos dias vividos.
Mas o que será realmente a “verdade” de um homem, seu lado
mais absoluto? E haverá, porventura, esta totalidade do ser?
Se para Marcel Proust, uma das paixões literárias de nosso
homenageado, “a nossa personalidade social é uma criação do
105
pensamento alheio” e por isso mesmo se nos afigura múltipla,
distorcida, conflitante, o que será então nossa personalidade real?
Existe, realmente, ou será também uma permanente mutação, um
reflexo de variados estados de alma, das contingências do ser “em
situação”?
Assim, nesta busca de camuflados caminhos, onde se enredam
os confusos fundamentos de meu próprio labirinto, vou tateando
aos poucos, como se armasse peças de um quebra-cabeças:
intuições, reminiscências, reinventos.
Como através de um painel que se desdobra, vejo a casa da rua
8 de dezembro, com sua escada de mármore branco lançando
faiscas ao sol do meio dia. Uma mangueira sombreava o pátio e na
varanda, móveis de ferro, no melhor estilo art-decô, apertavam os
dedos dos visitantes distraídos em suas lâminas maleáveis. Havia
um almoço, reunião de família, e ele chegava, apressado, num
terno de linho branco, óculos de grau, redondos com aros pretos,
sorridente, desculpando-se do atraso.
Lembro também, de repente, de uma varanda sobre o mar –
havia por acaso luar aquela noite em Praia Grande ou a memória
fantasia a sua parte? Havia lua, sim, a claridade esbranquiçava a
areia da praia onde pescávamos papa-fumos. De súbito, uma barata
apareceu, voando, do arvoredo da casa ao lado fazendo com que
ele subisse lépido e apavorado, na amurada da janela. Passado o
susto, desatamos todos na gargalhada: pois não é que o Dindo
tinha medo de baratas?
Há um sabor de chá e madeleine nestes assomos de
reminiscência. Todos temos nossos Combrays, nossas tias
Leôncias com seus chás, seu perfume suave acendendo
lembranças. Assim é que aos poucos, lentamente, vou desfazendo
os novelos. O Dindo da minha infância era uma presença boa,
amistosa, agradável, sempre pronto a presentear generosamente, a
aliviar os sofrimentos de nossas moléstias infantis, mas não era
106
ainda a presença duradoura, indispensável, a que buscou e
conseguiu, na cumplicidade do espírito, apagar as diferenças de
geração, de idade e até, porque não dize-lo, de uma diferente visão
de mundo.
De repente, não posso bem precisar a época, Adriano passa a
ocupar na minha vida um lugar privilegiado numa escolha ditada
mais por uma afinidade espiritual do que pelas razões de
parentesco.
Agora era também o companheiro que ouvia com atenção, que
chegava de repente com um livro desejado, que me reconhecia a
vocação, ainda na insegurança dos primeiros versos. Presente em
todos os momentos importantes de minha vida: alcovitava o
namoro, acompanhou o noivado, paraninfou o casamento. Assistiu
ao parto de todos os meus filhos. Quando editei o primeiro livrinho
e, diante dos volumes, ainda quentes da prensa, me perguntava,
meio aflita, o que fazer daqueles pacotes empilhados na sala, ele
chegou de repente  já tinha sabido do livro!
Chegou entusiasmado, desfez os pacotes, ditou dedicatórias,
distribuiu orgulhosamente alguns volumes para parentes e amigos,
enviando pelo correio, cobrando opiniões, de preferência elogiosas,
é claro. Daí para diante não perdia lançamento, sempre fazendo
questão de comprar vários livros Não quis o destino que ele, já
então muito doente, assistisse à minha posse na Academia de
Letras. Ele, que tantas vezes vaticinara esse acontecimento.
Aqui assinalarei duas coincidências: a primeira vez que
participei de uma cerimônia acadêmica foi por ocasião de sua
posse na Academia de Letras da Bahia. Ainda no Terreiro de Jesus,
a velha casa que então sediava a Academia seria insuficiente para
tantos convidados. Por isso a festa se fez no salão nobre de sua
querida Faculdade de Medicina, também ali, na mesma praça, no
Terreiro de Jesus.
107
Naquela noite memorável, para minha surpresa, terminou o
discurso de posse citando versos de meu livro Sesmaria. Foi então
que tomei consciência de que seu interesse pela minha atividade
poética transcendia o círculo familiar. Respeitada em minha tão
jovem experiência, me senti feliz de estar sendo publicamente
reverenciada.
Mas, se a primeira vez que pisei na Academia foi para assistir
à sua posse, a última em que ele lá esteve foi para votar na minha
candidatura. Não teve a alegria de me ver com o colar e eu,
cumprindo a liturgia acadêmica, fui escolhida para o doloroso
dever de fazer-lhe o elogio, como a um confrade desaparecido, ao
declarar-se a vacância da cadeira que fora, por ele, tão
honrosamente ocupada.
Myriam Fraga
Poeta
108
ORAÇÃO DE DOUTORANDO
COLAÇÃO DE GRAU
FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA
1942
O LIVRO UNDÉCIMO
Osvaldo Devay de Souza
(in memóriam)
PROFESSORES HOMENAGEADOS
E vô-lo digo com perversão da verdade, porque nós e que
estamos homenageados à nossa escolha e na aceitação que lhes
destes.
Nós os destacamos, sem excluir, mas preferenciais, ou por
afeto mais comunicado, ou por estímulo mais assíduo, ou por
objeto de esperança maior de ajuda e patrocínio quando das nossas
mais ingratas dificuldades.
E assim nos veio:
A bondade que se oculta, disfarça, mimetiza em Eduardo
Diniz.
A amizade fraterna de João Andréa, em todos os nossos passos
de estudante presente.
A acolhida paterna de José Olímpio, simples e dadivoso,
servindo o ouro de lei do seu senso clínico.
A formosura de coração e o talento de Estácio de Lima.
O cavalheirismo e a simpatia de Adriano Pondé, jovem
mestre amadurecido de saber, a quem devemos os nossos reais
primeiros encontros com a medicina. (N.R.o grifo é nosso)
109
A cordialidade de Lafayete Coutinho, que tão mais se liga
conosco porque integra a família de um de nós.
A capacidade de ser e de ilustrar, de Cesário de Andrade, que
nem a distância afastou dos moços seus discípulos.
E o mais que afeto, e mais que justiça, a idolatria por Almir de
Oliveira.
E ao Professor EDGARD REGO DOS SANTOS, querido
padrinho das nossas boas e belas esperanças.
Cortesia de
Ogvalda Devay Torres
médica
110
Adriano Pondé
As pessoas predestinadas trazem a característica de uma
personalidade polimórfica, refletindo a biodiversidade natural dos
seres bem dotados.
Por tal motivo, um perfil de Adriano Pondé tem que focalizar
os múltiplos aspectos da brilhante trajetória da sua vida. Ele nos
deixou a lembrança sempre viva do professor, do chefe de escola,
do clínico, do administrador, da pessoa humana entusiasmada pela
vida.
O professor da Faculdade de Medicina, titular de duas
disciplinas, Propedêutica Médica e Clínica Médica, se distinguia
pela singularidade da sua didática. Sem pressa, sem estardalhaço,
sem querer impressionar ninguém, o mestre, no seu raciocínio
cartesiano, timbrava em ser compreendido.
Com a segurança e tranqüilidade que Deus lhe deu, transmitia
aos alunos a alegria genuína da aprendizagem. O que noutras aulas
parecia sobrecarga ou aborrecimento com ele era o “apprendre par
plaisir”.
Realista, prático, teorizava quando necessário, mas sempre
ancorava suas afirmativas em lições concretas.
Sempre a par dos avanços contínuos da medicina, logo trazia
as novidades e as aplicava nas aulas de enfermaria. Foi um
verdadeiro chefe de escola médica, criando no Hospital Santa
Isabel, onde se ministrava a parte clínica do Curso Médico da
UFBA, a célula pluripotente da cardiologia baiana. Fundou o
primeiro ambulatório de Cardiologia de Salvador, onde dirigia e
incentivava um grupo ebuliente de estudantes e assistentes da
cardiologia, especialidade que se tornou a mais prodigiosa da
medicina atual.
111
Professor Adriano Pondé chegou a contratar um professor de
Matemática para explicar a teoria dos vetores, assunto básico para
a interpretação dos mistérios do eletrocardiograma.
Depois, transferiu seu serviço para o Hospital das Clínicas da
UFBA, onde continuou a formar gerações de médicos que se
beneficiaram com sua orientação.
Ao lado da criadora atividade acadêmica, exercia também a
clínica particular, pois não era possível sobreviver com o ordenado
irrisório de Professor Catedrático. Com a sua competência e seu
carisma interpessoal, atraiu uma das maiores clientelas de
Salvador.
Quando diante do cliente, dedicava-lhe toda a sua atenção,
sem interposição da sua pessoa de médico e sem quaisquer
interrupções. Sabia ouvir porque sentia ele que a doença
freqüentemente diz seus segredos em parênteses casuais. Era um
ouvinte atento, com especial sensibilidade para as entrelinhas da
história do paciente.
Além de ser profissional competente era uma pessoa humana
que tratava de seres humanos que necessitavam de ajuda.
Um outro aspecto da personalidade do Prof. Adriano Pondé
era representado pela sua insaciável curiosidade intelectual. Era um
aprendiz eterno. Não se julgava dono de nenhum conhecimento.
Quando previu que a língua inglesa iria torna-se universal e que a
hegemonia do francês iria ser destronada, resolveu estudar inglês, e
logo começou, com seu entusiasmo juvenil, a falar, sem temer os
erros iniciais e normais. Dizia, na época, que quem não conhecia o
inglês só utilizava um hemisfério cerebral.
Na sua especialidade, a cardiologia, os avanços científicos
eram contínuos e amplos. E ele dizia que estava sempre
aprendendo e se atualizando e acompanhando o que ocorria em
todos os outros centros de estudo cardiológico. Sua tese de
concurso versou sobre enfarte do miocárdio. Numa época em que
não havia Bireme nem Internet, conseguiu, num esforço homérico,
reunir o que havia sido feito no mundo inteiro sobre o assunto e
112
publicou uma tese que se tornou famosa pelo volume de
informações que proporcionou.
Outra qualidade importante possuía o Prof. Adriano Pondé: era
um administrador geneticamente bem estruturado.
Dedicado ao trabalho, onde encontrava a realização se seu
ímpeto criador, sabia como pouca gente, distribuir o seu tempo e
fazer tudo que fazia com a concentração total dos seus
pensamentos.
Nos mandatos do grande Reitor Prof. Edgard Santos,
participou ativamente da Universidade Federal da Bahia. Foi essa
época que teve a inspiração de criar a Escola de Nutrição da
UFBA. Durante muitos anos dedicou o melhor dos seus esforços
para criar, manter e dirigir esta escola que se tornou uma das
melhores unidades da UFBA.
Nessa época foi também Reitor interino da UFBA e ai então
exerceu este cargo com muita inteligência, e diria mesmo, com
muita alegria. Também se tornou membro da Academia de Letras
da Bahia.
Dominando todos os aspectos dessa vida fecunda, sobressaia a
figura de pessoa humana que era o Prof. Adriano Pondé. Possuía o
raro dom de saber ser feliz. Tinha a capacidade de transformar
acontecimentos hostis e neutralizar as pessoas que monopolizavam
a maldade. Diante dos seus pacientes, ele corporificava o velho
axioma de que o médico era o melhor medicamento.
Irradiava sempre o sentimento da alegria para seus familiares,
seus alunos, seus amigos, seus pacientes.
Estamos reunidos, nesta homenagem, para honrar a memória
de nosso mestre e amigo. Os mortos deixam de ser mortos quando
os vivos os reanimam. É através dos vivos que os mortos revivem,
que observam, que falam, que se tornam presentes.
A lembrança de Adriano Pondé está presente em cada um de
nós.
Tudo o que amamos nele, tudo o que admiramos subsiste.
Nossas idéias, nossos trabalho, nossos sentimentos, nossos atos
trazem sua marca decisiva.
113
Somos, nessa homenagem, em grande número, os que
testemunhamos essa grande vida. Transmitiremos a lembrança e o
exemplo dela às gerações futuras.
A vida do nosso mestre se tronou sua própria lenda. Nós o
encontrávamos sempre o mesmo, sempre o que esperávamos de
mais nobre.
Sempre nos mostrou a elevação dos pensamentos, a beleza do
seu trabalho, a coragem das suas decisões.
É natural que a meditação se dirija aos mortos que foram
nossos modelos, a fim de lhes pedir conselhos e exemplos.
Professor Adriano Pondé resumia tudo que fazia numa
palavra: esperança. Ele pedia que tivéssemos confiança no homem,
o que, leva a respeitar suas liberdades; confiança no nosso espírito
para ir, de erro em erro, na direção da verdade e confiança na nossa
ânsia de encontrar passagens através do universo imenso da nossa
alma.
Essa é a sua mensagem que devemos manter viva em nós a
fim de que o espírito de Adriano Pondé não morra.
Sabemos como ele gostava das comemorações em que os
grandes mortos guiam os vivos e que louvava o gesto piedoso de
acrescentar uma pedra à pirâmide erguida sobre o túmulo.
Depende de nós que Adriano Pondé continue a ser.
Nesta homenagem do centenário do seu nascimento,
colocamos a pedra fundamental de um monumento do seu espírito.
Penildon Silva
Médico
114
No Centenário de ADRIANO PONDÉ
Reúne-se, esta noite, a Academia de Letras da Bahia, para
reverenciar a memória de Adriano de Azevedo Pondé, confrade
nosso cujo nascimento ocorreu, exatamente, há cem anos.
Era Adriano, por natureza, de temperamento irrequieto.
Incluía-se entre os que detestam o ócio e buscam a cada instante
uma causa nobre para com ela ocupar-se.
Pelos seus múltiplos interesses e variadas habilidades, deixou
Adriano expressivas realizações em campos muito diversos. E
reuniu amplo círculo de amigos e de admiradores, tanto entre os
que conviviam com ele, diuturnamente, como entre os que,
radicados embora em terras distantes, compartilhavam idênticos
interesses.
Em meio a uma vida assim cheia de afazeres tão
diversificados, identificavam-se preferências e prioridades. Acima
de todas, esteve, inquestionavelmente, a dedicação aos seus
pacientes. Soube Orlando Gomes, companheiro seu de lides
universitárias durante décadas, sintetizar de modo admirável a
marca predominante da personalidade de Adriano: “Foi
intensamente médico”. Em três palavras, resumiu Orlando o que
Adriano trouxe do berço e representou para ele o legado maior do
convívio com o Dr. João de Souza Pondé. Além de pai, o “velho
Pondé”, conforme era conhecido entre os amigos mais íntimos da
geração seguinte, foi também o exemplo e o modelo por ele
escolhidos para toda a sua existência.
Ouçamos as palavras do próprio Adriano, no discurso de posse
nesta Academia: “Com simplicidade vos declaro que praticar a
Medicina foi a minha primeira ambição consciente, estimulada
com o exemplo aliciante de meu pai. Assim, nascia uma vocação,
este apelo para uma determinada forma de vida, e que me atraía e
me compelia a adotá-la, nos seus anseios, nas suas vicissitudes, na
sua luta obstinada contra a morte. Em meu Pai, conheci a completa
115
personificação do verdadeiro clínico: pelo saber, nas qualidades do
coração, pelos donos do espírito. Através do exemplo, ensinou-me
a tolerância e a paciência – a elevação moral – a dignidade da
profissão; com a palavra, inspirou-me na compreensão dos que
sofrem e instruiu-me na fidelidade ao ato clínico. – Todo ato
médico é, com efeito, um ato de fé – nos progressos ilimitados da
ciência – no poder da arte de curar!”
No exercício da profissão, graças à verdadeira maestria na
prática das relações médico - paciente, sabendo unir o sentimento
da dignidade do ser humano sob os seus cuidados ao conhecimento
atualizado da ciência médica e à intuição nutrida pela experiência,
Adriano fez amizade incontáveis, que se estenderam ao longo de
toda a vida. Invariavelmente, a amizade assim construída, não
ficava restrita ao próprio paciente. Logo, estendia-se à respectiva
família, o que em muito ampliava o círculo de amigos nascido da
relação médico-paciente. Mesmo quando exames especializados se
mostravam necessários, e colegas que dominavam outras técnicas
eram chamados a colaborar, permanecia Adriano, pela vontade do
paciente e da família, coordenando e orientando os trabalhos, como
é próprio do exímio “médico de família” que havia aprendido a ser
como o velho João Pondé.
Coincidiu a época em que Adriano foi atingido a plenitude do
exercício da Medicina clínica, com transformações em grande
profundidade nas bases científicas da prática médica. Não faltou
quem chegasse a considerar difícil a dissociação entre medicina e
ciência. Contudo, a relação médico - paciente é, essencialmente,
uma relação entre pessoas humanas, entre indivíduos, com
personalidades próprias. Por sua vez, a produção científica se
apresenta sob a forma de generalidades, entre as quais compete ao
médico selecionar e identificar as informações que importam à
condição do seu paciente. Enquanto a ciência busca o
entendimento de fenômenos da natureza, em si mesmos desprovido
de um sentido ético, na medicina, ao contrário, lida-se
constantemente com uma hierarquia de valores cristalizada em
antigas tradições. É certo que já se não pode conceber a Medicina
116
esvaziada das suas científicas. Porém, o labor científico e o
exercício da clínica tem, cada qual, identidade própria, mesmo
quando aplicadas conjuntamente em benefício do ser humano cuja
saúde se acha perturbada. Como denominador comum e requisito
essencial aos médicos de todas as épocas, esteve sempre a
necessidade de uma boa dose de altruísmo, o que nada tem a ver
com as bases científicas da medicina. Colocava-se Adriano entre
os que encontraram o equilíbrio no domínio das técnicas firmadas
em bases científicas, com o sentido humanista da relação com os
pacientes.
Na civilização ocidental, ao longo de tantos séculos de
tentativas e erros visando o aperfeiçoamento dos cuidados com a
saúde, a despeito de terem sido postos à prova modelos variados de
organização do exercício profissional, nenhum se mostrou tão
confiável entre as partes envolvidas quanto a simples e sempre
atualizada fórmula do “médico-de-família”. E era esta a lição
maior que apreendiam os seus alunos, quando exercia Adriano o
mister de professor de Clínica Médica, ao qual se dedicou por
quase toda a vida profissional.
A prática do magistério médico, contudo, envolve muitas
responsabilidades das quais o nosso homenageado soube
desincumbir-se de modo a fazer crescer incessantemente o
conceito que desfrutava entre os colegas e discípulos.
Assim, era extremamente zeloso no preparo das aulas
expositivas. Preocupava-o, sobremodo, a constante atualização,
pelas melhores fontes, do material que apresentava ás turmas
sucessivas do último ano do curso médico. Para isso, esteve
sempre entre os professores que custeavam do próprio bolso os
livros e as muitas assinaturas de periódicos da sua especialidade. A
irregularidade (poderia dizer, a irresponsabilidade) na aquisição de
bibliotecas universitárias. Os professores mais consciente da
importância da formação atualizada – entre os quais Adriano
ocupava posição inarredável – sentiam-se obrigados a custear com
os seus minguados salários a aquisição de vasto material
bibliográfico. A conservação destes livros e revistas, instrumentos
117
essenciais ao nosso labor, se vem tornando cada dia mais onerosa
na vida moderna, pela exigência de espaço e pelos cuidados na
profilaxia das várias “doenças” a que estão expostos,
particularmente quando mantidos em ambiente doméstico e não em
bibliotecas institucionais devidamente climatizadas e sob a guarda
de pessoal especializado. Como Adriano precedeu a era do xerox e
da Internet, dos editores de texto, das maravilhas projetoras e das
sensacionais impressoras ligadas aos computadores, era para ele –
e para os seus auxiliares – uma luta incessante obter microfilmes e
providenciar reproduções ou máquinas de leitura que, por mais
sofisticadas, sempre deixavam a desejar. Só os mais velhos sabem
como as novas tecnologias tornaram tudo isso mais fácil para os
intelectuais dedicados ao seu trabalho. Os jovens de hoje, por
terem encontrado a baixo custo tais regalias, nem sempre
imaginam a imensa tenacidade exigida dos os que os precederam,
quando queriam manter-se em dia com as publicações científicas
ou localizar exemplares de material bibliográfico mais antigo.
A preocupação de Adriano com a atualidade das aulas ia mias
longe. O temperamento irrequieto levava-o a buscar o que fosse
mais avançado no tocante aos métodos audiovisuais, muito antes
que estes se tornarem rotineiros. Tanto para as aulas como para a
apresentação das suas próprias pesquisas, adquiria equipamento e
manuseava material de projeção cuidadosamente escolhidos.
Convém lembrar que tudo isto ocorria quando a pobreza das
instituições locais era muito maior que a de hoje.
A despeito do muito que aprendi da disciplina de Clínica
Médica enquanto discípulo de Adriano, a causa maior da minha
admiração pelo seu desempenho como professor está no esforço
colossal que devotou às pesquisas clínicas, ainda quando eram
extremamente precários os meios ao nosso alcance. O que há de
melhor nestes seus trabalhos data de antes do funcionamento do
Hospital das Clínicas e teve como principal ambiente o velho Santa
Isabel das décadas de 1930 e 1940. Pouquíssimos foram os seus
colegas de cátedra que lograram produzir, na mesma época, obra
118
de densidade comparável, por exemplo, à dos estudos sobre o
infarto do miocárdio e sobre a doença de Chagas em nossa terra.
Depois da profunda transformação nos equipamentos da área
da saúde ocorrida no Norte- Nordeste do Brasil quando do início
do funcionamento do Hospital Universitário Professor Edgard
Santos, já Adriano estava sendo freqüentemente convocado para
tarefas de liderança, ora na nossa e em outras Universidades
Brasileiras, ora na comunidade baiana em geral. Restava-lhe,
então, pouco tempo para atender às exigências da pesquisa clínica,
no estilo das que havia realizado anteriormente, quando as
condições eram de muito maior escassez.
Um dos temas da predileção de Adriano, ao longo de toda a
sua vida profissional, foi o infarto do miocárdio, sobre o qual
escreveu a tese de concurso à cátedra de Clínica Propedêutica
Médica, em 1937. Este trabalho extraordinário impressiona
sobremodo pela riqueza das observações próprias que o autor
conseguiu reunir, dentro das limitações que enfrentava. A tese de
Adriano tornou-se conhecida no mundo acadêmico nacional, já em
virtude do aspecto externo, uma vez que ocupava cerca de
setecentas páginas de texto, além das sessentas e quatro
preenchidas pelas mil cento e trinta e três referências
bibliográficas. Mas, não foi ente o motivo maior de haver servido
para que o autor firmasse definitivamente a sua reputação entre os
colegas de profissão. Valeu e vale o trabalho, acima de tudo, pela
qualidade do material próprio que ilustra vários dos seus capítulos,
e que foi colhido graças a imenso esforço e indizível dedicação.
Nisto, se sobressaía quando confrontada com outras teses de época
pretéritas à nossa Faculdade, nas quais as quais do autor ficavam
relegadas a plano muito secundário, enquanto predominava a
preocupação com a revisão crítica da leitura.
A parte essencial do trabalho em tela consiste nas observações
clínicas, profusamente documentadas, de quatorze pacientes
atingidos pelo infarto do miocárdio. Procedendo-as, entretanto,
encontra-se clichês de excelente qualidade referentes a material
colhido pelo mesmo autor para ilustrar a anatomia do sistema
119
circulatório coronariano, as alterações radiológicas conseqüente ao
infarto, além de fartíssima documentação eletrocardiográfica de
estudos experimentais em cães submetidos a intervenções
cirúrgicas sobre os vasos coronarianos.
Sempre atento ao que havia de mais moderno em cada época,
logrou Adriano, no devido tempo, dominar a interpretação das
imagens radiológicas, especialmente as do tórax, e dos traçados
eletrocardiográficas. Estas duas técnicas encontravam campos de
aplicação particularmente férteis no estudo de outra doença cujo
significado em nosso meio era então ainda desconhecido.
De toda a história da Medicina no Brasil, o capítulo do qual
mais nos orgulhamos é, sem sombra de dúvida, o da identificação e
da descrição da tripanossomíase americana pelo médico-cientista
Carlos Chagas. Incluem-se esses trabalhos entre os clássicos da
leitura biomédica universal. Não obstante, como é sobejamente
conhecido, a importância dessas pesquisas não foi logo
reconhecida, e houve até quem as contestasse veementemente. Não
é de surpreender, pois, que outros estudiosos brasileiros tivessem a
atenção voltada para a doença que representava verdadeiro desafio
entre os responsáveis pela saúde da nossa população. Na Bahia, a
percuciência clínica de Adriano o levou a enfrentar desse desafio,
reunindo os protocolos de 36 pacientes exaustivamente
examinados. Originou-se, desta forma, a famosa monografia
intitulada “A doença de Chagas na Bahia”, publicada nos
“Arquivos da Universidade da Bahia” em 1946, e que assim se
inicia: “Desde algum tempo, que vinha chamando nossa atenção,
nas enfermarias, a ocorrência de casos de miocardite crônica, em
indivíduos jovens, cuja etiologia não era possível identificar... .“
Do trabalho de Adriano e colaboradores, destaca-se a cuidadosa
análise das arritmias cardíacas, possibilitada pelos conhecimentos
profundos que tinha da eletrocardiografia.
Quero fazer valer, aqui, o meu testemunho pessoal da
verdadeira “garra” de Adriano ao dedicar-se a essa pesquisa , sem
a qual jamais teria sido possível a valiosa contribuição que
ofereceu ao conhecimento de uma entidade nosológica assim
120
complexa e de tão grande significado social, como a moléstia de
Chagas.
Entre os seus colaboradores, era tudo levado com muito bom
humor. Lembro, por exemplo, as peripécias de mobilização até ao
Hospital, dos galináceos usados para alimentar os insetos vetores
do agente causador da doença. Era esta tarefa atribuída,
predominantemente, á técnica Helena, nas suas poucas horas
vagas, porquanto era ela a encarregada de colher os
eletrocardiogramas interpretados pelo professor, tanto no Santa
Isabel, quanto no consultório particular. Os exames laboratoriais
dos pacientes objeto da pesquisa eram realizados por nós,
estudantes, em apertada sala de um dos anexos do Santa Isabel,
num laboratório provido apenas do equipamento mais elementar.
Nenhum financiamento existia, a esse tempo, para pesquisas
médicas, nem de fonte pública nem privada. Tudo era na base da
dedicação e do sacrifício.
Tive o privilégio de, juntamente com outros discípulos seus,
acompanhá-lo durante as horas da manhã, todos os dias, ao longo
de vários anos. Na Enfermaria e no Laboratório da 1ª Cadeira de
Clínica Médica da Faculdade, eram seus colaboradores àquela
época: Jorge Leocádio de Oliveira, Renato Sena, Anita Franco,
Angelina Pelosi, Denaké Philocreon, Lydia Paraguassú, Moacir
Veríssimo e outros que permaneceram conosco menos tempo. E,
no Ambulatório de Cardiologia da Santa Casa da Misericórdia,
também dirigido por Adriano, integravam a mesma equipe os
colegas José Moreira Ferreira, Alberto Pondé e Rubens Tabacof.
Com eles iniciei o meu aprendizado da clínica.
A despeito de todas as dificuldades enfrentadas pelos que
dedicam, atualmente, ao magistério superior, em nada se
comparam as de agora com as que enfrentávamos para resolver os
mais elementares problemas, naqueles tempos que já vão distantes.
Para exemplificar as carências com que lutávamos, cabe lembrar a
inexistência de qualquer arremedo de enfermagem junto aos
pacientes da Enfermaria do Hospital Santa Isabel a cargo da 1ª
Cátedra de Clínica Médica. A transferência do ensino da nossa
121
Faculdade para o Hospital das Clínicas, entre o final da década de
1940 e o começo dos anos 50, modificou radicalmente esse quadro.
Não me canso, por esta e outras razões, de afirmar que as
inovações implantadas no Hospital Universitário Edgard Santos
constituem o mais importante evento da história da assistência à
saúde na Bahia, ao longo do século que passou.
Durante largo tempo, devotou-se Adriano com o maior
entusiasmo, a conhecer melhor as publicações do Professor Frank
Wilson, da Universidade de Michigan, que precisamente àquela
época, vinham revolucionando a interpretação dos traçados
eletrocardiográficos. A análise crítica das pesquisas de Wilson
envolvia conceitos matemáticos que Adriano não trazia consigo,
porém não o fizeram recuar.Com a sua característica tenacidade,
foi aprender o de que necessitava para bem acompanhar a transição
da eletrocardiografia clássica, baseada na simples comparação de
padrões gráficos com achados clínico-patológicos, para a
interpretação científica dos traçados, calcada em bases,
matemáticas.
Vale aqui destacar o enorme avanço ocorrido no Brasil quanto
à valorização da pesquisa médica. Houvesse Adriano realizado os
seus trabalhos umas poucas décadas mais tarde, disporia ele de
meios de financiamento que, embora ainda limitados, tem
representado enorme diferença em relação ao passado remoto.
Foi este o grande salto verificado no papel das Universidades
brasileiras – e, em especial, das Universidades públicas – nas
décadas recentes. A pesquisa técnico-científico deixou de ser
atividade de exceção, a exigir atitudes quase-heróicas dos
professores e alunos, para atingir patamar muito mais alto de
valorização por parte de amplos segmentos da sociedade e dos
dirigentes das Universidades.
A reestruturação das Universidades, iniciada na década de
1960, abriu caminho para a criação dos cursos de mestrado e
doutorado, e ensejou a valorização dos setores básicos do
conhecimento, condição necessária ao florescimento de ambientes
voltados para a investigação cientifica. Sobreveio, simulta122
neamente, o regime de tempo integral e dedicação exclusiva. A
exigência de teses e dissertações para a obtenção dos graus de
doutor e de mestre, e a devida valorização desses títulos na
competição inerente à carreira universitária, representaram
fortíssimos estímulos à maior dedicação às atividades de pesquisa.
O fator decisivo para tais transformações, entretanto, foi o
reconhecimento, pelas lideranças da nossa sociedade, de que o
Brasil precisava recuperar o tempo perdido, durante o qual as
Universidades não atentaram suficientemente para o imenso papel
a ser obrigatoriamente por elas cumprido na ampliação das
fronteiras do conhecimento por meio da pesquisa técnicocientífica. Este indispensável passo à frente no processo de
desenvolvimento, que já se evidencia com tanta clareza em outras
unidades da Federação, merece receber entre nós renovados
estímulos para alcançar vigor maior do que até agora observado.
Dentre os registros que bem exprimem a confiança e o
prestigio que Adriano desfrutava no seio dos colegas em nível
nacional, vale referir o número enorme de bancas examinadoras
das quais participou. Afim de julgar concursos de cátedra e de
docência.
Livre na nossa e em outras Faculdades de todo o Pais, além de
teses de doutoramento, era ele repetidamente convidado pelos seus
pares para julgar o mérito de colegas que se candidatavam a
posições de liderança no magistério médico nacional.
Mas, os resultados da capacidade de realização de Adriano não
se limitaram à sua atividade na cátedra de Clinica Médica. No diaa-dia do trato com os pacientes, percebeu ele como a prevenção e o
tratamento de numerosas condições mórbidas exigia o emprego de
dietas cientificamente orientadas. Faltava, entre nós, o profissional
especializado que disto se encarregasse. Em outras palavras,
ressentia-se a Bahia da inexistência de nutricionistas que
colaborassem com o médico afim de proporcionar junto aos
pacientes, a alimentação adequada. Idealizou, então, Adriano a
criação de um curso superior de Nutrição, para o que contou com o
apoio irrestrito do então Reitor, o Professor Edgard Santos.
123
Nasceu, assim, a Escola de Nutrição que tantos e tão relevantes
serviços tem prestado à população da Bahia e do Nordeste
Brasileiro.
A partir do momento em que teve essa feliz inspiração,
acrescentou Adriano às atividades referentes à Cardiologia, as que
dizem respeito à nutrição e à alimentação. Nos sucessivos
pronunciamentos, nas publicações, na participação em eventos
locais, nacionais e internacionais, no empenho em conseguir
recursos financeiros, o sempre irrequieto Adriano passou a destinar
boa parte da sua atenção para o mais recente alvo dos seus
interesses. Bem ao estilo da Bahia da nossa época – estilo que
auguramos seja preservado, em muitos dos seus aspectos – afim de
tornar explicita a convicção que o animava quanto a importância
dos profissionais da Nutrição, Adriano orientou a sobrinha mais
querida a inscrever-se no vestibular que deu acesso ao curso.
Nininha e varias das suas amigas mais próximas, entre elas Maria
Amélia, a minha futura esposa. Foram assim contaminadas pelo
entusiasmo do Professor Adriano e se fizeram alunas da turma da
Escola de Nutrição da UFBA. Passou a ser essa Escola, de certa
forma, a extensão da própria família do Professor, para o que
contribuía o carinho com que eram as alunas tratadas pela D.
Carmen Lebre Pondé, a digna companheira de Adriano durante
cerca de meio século.
Afim de formar o corpo docente da nova entidade, convidou
Adriano colegas seus, professores da Faculdade de Medicina.
Assim, fui eu encarregado da disciplina de
Patologia da Nutrição. Veio esta grata incumbência a ter a
mais profunda conseqüência em toda a minha vida. Entre as alunas
dessa disciplina encontrava-se Maria Amélia, com quem iniciei o
namoro que perdura até hoje, depois de percorrida a trajetória de
quase quarenta anos de casamento enriquecido pela geração de
seus filhos e por enquanto, de dois netos.
Graças ao elevado conceito de que desfrutava entre os colegas,
foi Adriano convocado, repetidas vezes, para o exercício de cargos
de direção na nossa Universidade. Havia, já participado do
124
Conselho Técnico- Administrativo da Faculdade de Medicina
desde 1940 até à fundação da Universidade, em 1946. Passou,
então a integrar o Conselho Universitário, inicialmente como
representante da Faculdade de Medicina, e, a partir de 1961 até à
aposentadoria, como Diretor da Escola de Nutrição. Exerceu a
Chefia do setor clínico do Hospital Universitário Professor Edgard
Santos. Foi Vice- Reitor com vários mandatos, durante os quais
assumiu a Reitoria vezes incontáveis.
Ao encerrar-se, por implemento de idade, a brilhante carreira
de professor, recebeu homenagem especial, a Medalha de Ouro do
Mérito Universitário, “pelos altos e beneméritos serviços prestados
ao ensino e à administração”. Pouco antes, havia passado a integrar
o Conselho de Curadores da Universidade Federal da Bahia. Em
1973, foi feito Professor Emérito pela Faculdade de Medicina e
pela Escola de Nutrição. Recebeu, ainda, a condecoração da
“Ordem do Mérito da Bahia”, em grau de Comendador.
No plano nacional, foi um dos fundadores da Sociedade
Brasileira de Cardiologia, entidade da qual foi presidente e que
cresceu de modo a tornar-se uma das maiores e mais importantes
associações médicas do País. As reuniões anuais dessa Sociedade
contam com muitos milhares de participantes e mobilizam
convidados de várias partes do mundo. Sobre os temas de sua
preferência, foi Adriano convidado a escrever capítulos de livros e
volumes especiais de revistas publicados no Brasil e no exterior.
Graças à cultura polimorfa, Adriano estendeu a sua atuação à
categoria dos “escritores- médicos”, havendo sido um dos líderes
das respectivas associações. Ainda em plena juventude, passara ele
a integrar o círculo de estudantes de Medicina diretamente
influenciados pelo talento extraordinário do Professor Prado
Valadares, amigo do seu Pai, o “velho Pondé”. graças a esse
convívio, não haveria como escapar, então, de expressar-se no
estilo conhecido como “valadaresco”. Deste, é exemplo eloqüente
o “Antelóquio” (a expressão é do autor) da teses de docência livre
de Clínica Propedêutica Médica da nossa Faculdade, datada de
1928: “O fabrico deste trabalho, sem pretensões a cousa de vulto –
125
tão fraco é o alvaner que o opõe em esquadria –, é resultado de
pacientes observações e estudos aturados, por mais de dois anos,
no Gabinete Médico de Eletricidade e Luz... Serviram-lhe de sólida
argamassa os ensinamentos e conselhos salutares hauridos no
convívio espiritual de Prado Valadares, cuja escola magnífica
houve sempre de ter a mais vincada influência em meu espírito”.
Ocorreu com Adriano, ao longo do tempo, evolução idêntica à
observada nos escritos de Edgard Santos, outro discípulo de Prado
Valadares que adotou o estilo “valadaresco” nos trabalhos iniciais
e passou, mais tarde, a expressar-se mediante frases menos
elaboradas.
Além das numerosas publicações deixadas por Adriano no
domínio da Medicina, devo mencionar alguns dos seus trabalhos
no campo literário.
Referi-me, acima, ao discurso de posse da Cadeira nº 8 desta
Academia, que tão bem refletiu as qualidades humanas e
intelectuais do nosso confrade. Dessa obra primorosa, além da
transcrição acima sobre o papel do Dr. João Pondé na formação
profissional do nosso homenageado, quero reproduzir o que ele
chamou de “declaração de fidelidade ao espírito da Academia”,
com a qual encerra emocionado, a sua oração: “... no encantamento
deste sonho de Beleza, trabalhei com todo empenho para, no justo
afã de servir a esta Casa, servir à minha terra, com o puro
sentimento de humanidade que palpita em meu coração e me
consome”.
No volume XXVI da Revista desta Academia, datado de
Setembro de 1978, encontra-se traçado o perfil de uma das figuras
mais interessantes da história da nossa Faculdade de Medicina. Sob
o título: “Gonçalo Moniz – a lição de um sábio que dignificou os
valores da inteligência”, Adriano proferiu conferência da qual
extraio os seguintes trecho: “(Gonçalo Moniz) escreveu sobre
Medicina, Literatura Portuguesa, questões do nosso vernáculo,
problemas religiosos; colaborou não só em revistas médicas, mas
literárias, como ainda na imprensa diária. Era um legítimo
filosofo... No escritor o que sobressaia era a clareza e a
126
simplicidade, num estilo fluente. Evitava o supérfluo na construção
da frase – límpida e atrativa – refletindo, com a linguagem direta,
um espírito sereno e equilibrado ...era a discrição, a delicadeza, a
naturalidade... A solicitude pelas grandes idéias, - a pureza de
sentimentos, o espírito de justiça foram qualidades que fizeram,
realmente, deste grande mestre uma das figuras insignes do nosso
panorama cultural...”
Merece, igualmente, referência espacial o cuidadoso trabalho
biográfico sobre Marcel Proust, dividido em duas partes e
apresentado perante esta Academia sob os títulos: “A doença e os
últimos dias de Marcel Proust” e “Marcel Proust – asma e estilo”.
Os próprios títulos dessas conferências revelam a condição de
médico, da qual o autor não se consegui desvincular, mesmo
quando percorre com grande brilho os caminhos da literatura
francesa.
Mais um dos seus trabalhos literários devo citar, por
igualmente significativo da sua cultura polimorfa, e por ser de
todos o que mais me impressionou: em Maio de 1946, achou por
bem a direção da Faculdade de Medicina promover uma sessão
solene em homenagem a professores que haviam recentemente
falecido. Eram seis dos maiores vultos da história da nossa Escola,
cada qual dotado de formação intelectual e de personalidade bem
diversas dos demais. Foram eles: Alfredo Couto Brito, Aristides
Maltez, Álvaro de Carvalho, Alfredo Magalhães, Eduardo de
Morais e Armando Sampaio Tavares.
A simples menção desses nomes nos desperta, entre os que
vivemos intensamente a vida da nossa Faculdade, o mais profundo
sentimento de respeito e admiração. Em linguagem que torna a
leitura extremamente atraente, e graças às pesquisas que realizou
com paciência e obstinação, conseguiu Adriano traçar retratos que
aprofundam e aperfeiçoam o que me ficou da lembrança de cada
qual dos biografados. Apesar da grande diferença entre a minha
idade e as deles, conheci-os pessoalmente a todos, na minha casa
paterna, onde eram visitas freqüentes, e onde seus nomes eram
repetidamente citados, nas conversas familiares de cada dia.
127
Conservo lembrança especial de um deles, o “gentleman”
Professor Eduardo de Moraes porquanto foi quem prescreveu pela
vez primeira, aos meus 9 anos de idade, os óculos que passaram a
fazer parte da minha fisionomia até o presente. Ao manusear,
recentemente, o discurso a que me refiro, ocorreu-me que bem
poderia a Faculdade de hoje reimprimi-lo em órgão de
comunicação a que tivessem amplo acesso os atuais professores e
alunos da nossa Faculdade, assim como os confrades desta
Academia. Cidadãos presentes como os biografados pelo mestre
Adriano foram os artificies bem sucedidos do imenso carinho
dedicado pela Bahia à nossa Faculdade. Cabe, então, indagar: por
que já não encontra a mesma instituição, nos dias de hoje, igual
desvelo dentro da comunidade baiana? Não estaremos nós, os de
agora, à altura dos nossos antecessores, ou ter-se-á alterado tão
profundamente nas décadas mais recentes, o modo de ser e de
sentir dos nossos conterrâneos?
Por várias gerações, a família Pondé, originária do sertão
baiano do Itapicuim, tem prestado relevantes serviços à Bahia e ao
Brasil. Em publicação recente representante ilustre da Família na
atual geração, a Professora Consuelo Pondé de Sena, relatou
interessante pesquisa da sua lavra, que demonstra a extensa
ramificação dos seus consangüíneos na Bahia e em outros Estados,
a exemplo do Pará e do vizinho Sergipe. Tantos são os Pondé que
se tem destacado na presente e nas anteriores gerações, que se iria
tornar demasia da minha parte pretender enumera-los, correndo o
risco, certamente, de faze-lo de maneira incompleta. Três nomes,
entretanto, não podem deixar de ser aqui citados: dentre os muitos
irmãos e irmãs de Adriano, o do Professor Lafayette, ex-Reitor da
Universidade Federal da Bahia, professor dos mais ilustres da
Faculdade de Direito de tão veneráveis tradições, e fundador da
Escola de Administração que se tornou uma das mais atuantes e
progressistas unidades da nossa Universidade. E, dentre os muitos
sobrinhos, sobrinhos netos e primos, o da nossa confreira, poetisa
Myriam Fraga, e o do herdeiro do nome do avô, João de Souza
Pondé Neto. O Joaozito, como é conhecido entre os íntimos,
128
dedicou-se à mesma especialidade médica do tio, e sobre construir
para si ambiente de trabalho no Instituto Cardio-Pulmonar da
Bahia, que honra a nossa terra. Comparadas as condições que
Adriano teve à disposição na prática da especialidade a domicilio e
em seu consultório, às instalações a cuja frente se encontra o seu
sobrinho, logo se observa como evoluiu favoravelmente a Bahia no
tocante às instituições privadas para o atendimento à saúde.
Encerro estas palavras ainda sob a inspiração do mesmo
Adriano, amigo, mestre e confrade, transcrevendo o final do
discurso datado de 1946, em que retrata seis dos seus
companheiros de Congregação da Faculdade de Medicina da
Bahia: “... Esses nunca duvidaram dos nossos destinos ... E
também sonharam, como nós sonhamos, com um mundo em que a
inteligência e a cultura triunfassem, e a Justiça e o Direito
prevalecessem sobre a ferocidade e a violência, sobre o arbítrio e o
obscurantismo ... um mundo melhor, enfim, em que a Humanidade
pudesse desfrutar uma felicidade tranqüila, sob a proteção das
liberdades democráticas”.
Bahia, l6 de maio de 2001.
Roberto Figueira Santos
Médico
129
O seu dia foi bom.
Justa e necessária a homenagem que se presta à memória do
Prof. Adriano de Azevêdo Pondé. Justa, justíssima, pelos
incontestados merecimentos do homenageado; necessária pelo seu
significado de reverenciar o passado, com as suas figuras e a sua
história, em verdade, o único e real patrimônio das pessoas, das
comunidades e das instituições.
Adriano de Azevêdo Pondé: o cidadão, o médico e o professor
harmonizavam-se eqüânimes em sua personalidade. Para mim, não
é difícil recompor o seu perfil. Reúno lembranças, reminiscências
guardadas, relicário do tempo em que desfrutei a ventura de ser
estudante de Medicina na sempre lembrada Faculdade do Terreiro
de Jesus; do tempo em que vivi os verdes anos da profissão; e
depois, o caminho do médico que amadureceu e que, finalmente,
desembocou na situação em que hoje me encontro, com uma visão
mais ampla e mais clara do caminho distante já percorrido.
Não pertenci ao escolhido e seleto grupo que cercava o
Professor Pondé. Faltava-me tempo, embora não me faltasse
vontade. O meu esforço se concentrava, então, em participar,
satisfeito, de uma não menos preciosa escola médica, a do
Professor César de Araújo, meu mestre nunca esquecido.
Ah! Como é fácil e bom estimular a memória. De sentir a sua
pronta resposta, que me proporciona um momento remoçado e
feliz. Tantas fisionomias juvenis e amigas emergem do longe das
distâncias, quantas palavras ainda consigo relembrar e quantos
episódios – aulas, discussões em enfermarias e ambulatórios, nos
corredores do Hospital – ainda distingo. Silvio Monção e Denaké
Rodrigues Philocreon, envoltos na bruma terna da saudade porque
já tombaram; Anita Franco Teixeira, Angelina Pelosi de Matos,
Silvio Vieira, José Verissimo e tantos outros; os mais velhos, entre
os quais Alberto Pondé, Leocádio Oliveira. Os tempos do Santa
130
Isabel e a quadra próspera dos primeiros anos do Hospital das
Clínicas.
No centro de tudo, estimulando, selecionando vocações,
amparando, procurando sempre novos conhecimentos nas revistas
ou nas últimas edições dos livros, nos congressos, nas reuniões, a
figura de um mestre, a quem se tinha fácil acesso, autêntico e
amigo – o Professor Adriano. Considero que a geração de hoje dos
competentes cardiologistas desta terra há de ter algumas de suas
raizes plantadas no fértil terreno que foi a 1ª Cadeira de Clínica
Médica da Faculdade de Medicina da Bahia.
Estendeu os seus braços, a sua inteligência, a sua cultura a
outras messes, onde a sua ação foi pródiga e generosa. Criou a
Faculdade de Nutrição e amparou os seus primeiros passos. ViceReitor da Universidade Federal da Bahia, cargo que exerceu sem
concessões a não ser as ditadas pela consciência do seu dever e da
dignidade da instituição a que servia.
Se alguém me pedir que defina uma qualidade maior do
Professor Pondé, resPondérei que era a aversão ao imobilismo, e o
faro do progresso. Lembra-me o entusiasmo com que me relatou a
passagem de Hideo Nogushi, no início dos anos vinte, na Bahia; as
dificuldades, a pequenez de recursos da terra pobre e como
absorveu do pesquisador japonês o anseio e a fidelidade em
decifrar o desconhecido.
As suas publicações tinham sempre a busca da novidade. Um
exemplo é o seu trabalho sobre a doença de Chagas. O trabalho é
clínico e epidemiológico e tem incontestável mérito na história da
cardiopatia chagásica na Bahia.
Não sei se o seu gosto pelo ensino suplantava a plena
satisfação que alcançava em praticar a Medicina no seu consultório
da rua da Ajuda. Ano após ano ouviu, orientou, tratou, aconselhou
a milhares de pessoas. A sua presença nos hospitais da Bahia foi
uma constante até o extremo das suas possibilidades físicas. Nunca
se excusou a praticar a Medicina em domicílio. Somente quem
exerce este tipo de apostolado é que pode aquilatar a validade e a
extensão do trabalho de um clínico que executa tal prática. Não
131
existem razões válidas que possam separar o doente do seu médico,
de tal forma unidos pelos sentimentos e pelas emoções. O primeiro
requisito que se deve exigir de um bom clínico é o ser paciente e
simples; depois, é saber ouvir, é compreender a condição humana e
ser compassivo com os que sofrem; é saber que a técnica é
necessária mas não é prioritária. A Ética está acima delas e a Ética
é indistinta dos mistérios da vida e das suas manifestações
anímicas. Nisto se resume o verdadeiro sentido da arte médica que
é assim função da cultura do espírito.
Adriano Pondé se ajustou a tais princípios. Humanista, como
muitos de sua geração. Tinha o gosto inato pelas artes e pela
literatura, o que, afinal, no seu ocaso profissional, nos anos do
outono, lhe acolheu e amenizou os dias. Membro da Academia de
Letras da Bahia, onde se manteve leal às mesmas virtudes que o
tornaram respeitado e aplaudido no ensino e no ofício da Medicina.
Foi um dos fundadores da Academia de Medicina da Bahia.
Ocupou a Cadeira 24, que tem como patrono uma outra figura
estelar: Gonçalo Moniz de Aragão.
Adriano Pondé foi um dos presidentes da Associação Bahiana
da Medicina, cargo que exerceu com o zêlo e a competência
costumeiros.
Reflito a vida de Adriano de Azevêdo Pondé e ocorre-me
concluir que “o seu dia foi bom e que quando a noite desceu, a
noite com todos os seus sortilégios, encontrou lavrado o campo, a
casa limpa, a mesa posta. Com cada coisa em seu lugar.”
Rodolfo Teixeira
Médico
132
ADRIANO PONDÉ, O PIONEIRO
Adriano Pondé teve muitos méritos na vida.
Foi um brilhante professor de Propedêutica Médica e de
Clínica Médica.
Era muito didata, e suas aulas costumavam atrair os alunos,
que evitaram perder suas apresentações lúcidas e de enorme
fundamentação clínica.
Foi Vice-Reitor e Reitor da Universidade Federal da Bahia,
tendo deixado uma imagem de excelente administrador.
Na clínica particular mestre Adriano foi inexcedível.
Diariamente, no velho Edifício Bahia, da Rua Padre Vieira, Dr.
Adriano passava todas as tardes (e várias horas do princípio das
noites), em suas disputadas consultas, atendendo com seu
constante bom humor e aquela angelical paciência que
caracterizavam sua grande personalidade. Os pacientes o
adoravam, e ele sempre correspondeu à sua expectativa.
Mas foi na área do progresso científico que Dr. Adriano se
superou, constituindo-se como o grande, o benemérito fundador da
cardiologia baiana.
Todos nós, que fomos seus alunos, e depois seus
companheiros de trabalho, nunca esqueceremos de ressaltar os
méritos de Dr. Adriano Pondé, como legítimo pioneiro da
especialidade, à qual devotou, durante muitos anos, sua aguçada
inteligência e sua fantástica capacidade de trabalho.
Graças à sua penetrante visão e infatigável noção de equipe,
ele e seu grupo conseguiram dar o lance inicial e mobilizar a
medicina brasileira em torno de um problema médico
extremamente sério, mas cujos contornos, aquela época, eram
muito, muito mal definidos.
Eu me refiro à Doença de Chagas.
133
A cardiologia baiana – como especialidade – nasceu em 08 de
agosto de 1945, quando Adriano Pondé, à época professor de
Clínica Médica na Faculdade de Medicina, conseguiu, com seu
grande prestigio social e acadêmico, instalar no Hospital Santa
Isabel, o que veio a se chamar Ambulatório de Cardiologia “Prado
Valadares”.
O corpo clínico do serviço foi constituído pelos Drs. Adriano
Pondé (chefe), Herval Bittencourt, Rubem Tabacof e José Moreira
Ferreira (assistentes).
Atendíamos, durante as manhãs, pacientes indigentes
selecionados pelo pessoal da Medicina Interna do hospital, e a
afluência, desde o início, foi bastante boa.
Nossas instalações físicas consistiam em 3 modestas salas, no
térreo do hospital e tínhamos um pequeno fichário para
documentação dos atendimentos.
O laboratório do hospital dava apoio às solicitações dos
médicos assistentes.
Naquela ocasião, o curso de medicina de nossa então única
Faculdade, nas disciplinas que exigiam contato com o paciente,
eram ministrado no Hospital Santa Isabel, através de convênio com
nossa Faculdade. Porque a Faculdade não tinha hospital.
Por isso mesmo a equipe de trabalho do Ambulatório foi
constituída por docentes da Faculdade.
Ninguém ganhava nada.
Mais havia entusiasmo no trabalho. E grande interesse.
Estávamos aprendendo algo novo. Sabíamos pouco. Adriano
Pondé sabia muito mais e nos estimulava a observar e a estudar.
Nossos recursos de trabalho eram extremamente pobres. Era o
que havia na época: era a Cardiologia de 50 anos atrás.
Após o interrogatório e o exame físico do paciente,
dispúnhamos do estetoscópio e o tensiômetro. Havia um
eletrocardiógrafo “Cambridge” americano, de fotografia, de
revelação. (Fazia-se o registro e no final da manhã o filme era
cuidadosamente retirado, com a sala obscurecida, e deixado no
134
gabinete de radiologia do hospital. Na manhã seguinte recebíamos
o traçado revelado).
Nosso eletrocardiógrafo era grande, pesado, e dificilmente
removível para o leito do paciente.
Um velho aparelho de radioscopia constituía o grande requinte
do serviço.
Ao laboratório solicitávamos exames de urina, fezes,
eritrograma, leucograma, hemossedimentação, proteína C reativa e
reações sorológicas para lues. As reações sorológicas para lues
eram muito importantes, pois tínhamos numerosas casos de aortite
sifilítica, insuficiência aórtica sifilítica e aneurismas da croça da
aorta e da aorta ascendente.
Hoje, praticamente, deixaram de existir essas afecções.
O Ambulatório de Cardiologia do hospital Santa Isabel prestou
assinalados serviços à incipiente especialidade em nossa terra, pois
reuniu durante vários, em sua esfera de influência, numerosos
médicos e acadêmicos de medicina, entusiasmados e até fascinados
com a nova especialidade, até então praticamente desconhecida.
E vejam mais o que Dr. Adriano e seu grupo de trabalho
conseguiram:
De 2 a 7 de julho de 1947 realizamos em Salvador, pela
primeira vez na história médica da Bahia, um Congresso Nacional,
que foi planejado, organizado e presidido pelo Dr. Adriano Pondé
e secretariado pelo Dr. Rubem Tabacof.
As reuniões foram realizadas na velha Faculdade de Medicina,
no Terreiro de Jesus, com o comparecimento do então presidente
nacional da SBC, Dr. Edgar Magalhães Gomes, além de colegas de
Pernambuco, Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, Paraná e
Rio Grande do Sul.
O Dr. Adriano Pondé apresentou um trabalho sobre
Cardiopatia Reumática, com minucioso levantamento estatístico de
pacientes atendidos em sua clínica particular e nos até então dois
anos de funcionamento do Ambulatório de Cardiologia do Hospital
Santa Isabel.
135
Esta foi, foi possivelmente, a 1ª contribuição científica de
cardiologistas baianos em conclaves se âmbito nacional.
Também nesse mesmo Congresso (até então ainda não se
usava a expressão “reunião nacional”), o Dr. Adriano Pondé e seus
assistentes da Faculdade de Medicina e do Ambulatório
apresentaram importante trabalho intitulado “a Doença de Chagas
na Bahia”, posteriormente publicado pela UFBA.
Essa apresentação despertou grande interesse no plenário, e
como decorrência, nos comentários, o congressista Dr. Reinaldo
Chiaverini, de São Paulo, propôs que a SBC mandasse imprimir
um folheto a ser enviado a todos os médicos do Brasil, destacando
a importância da Doença de Chagas no Brasil.
A enorme significação desse problema, já evidenciado nas
reuniões anteriores da SBC, no Rio de Janeiro (1945) e Belo
Horizonte (1946), estimulou o Dr. Jairo Ramos, de São Paulo, a
apresentar na Assembléia Geral de encerramento deste Congresso,
em 7 de julho de 1947, uma moção, que foi aprovada por
unanimidade, e que cito textualmente, a seguir, pela grande
significação histórica.
“Considerando a importância fundamental do conhecimento
exato da Doença de Chagas, que a SBC e as diversas instituições
de saúde do Brasil forneçam dados sobre a freqüência da doença,
orientação que servia de padrão a critérios clínicos a serem
adotados.
Que se obtenha dos serviços públicos dotação orçamentária
para avaliação desse mal, afim de instruir os médicos de todo o
Brasil a respeito da doença, e que se consiga do Governo Federal a
impressão de um folheto com esses esclarecimentos”
Nascia aí, e em Salvador, a definitiva compreensão da severa
realidade que era a Doença de Chagas, e a evidencia formal de sua
enorme seriedade.
Este primeiro Congresso Nacional de Cardiologia desenrolado
em Salvador, foi o estímulo que faltava, a mola propulsora, para a
histórica iniciativa que surgia logo a seguir.
136
Em 12 de julho de 1947, nas dependências do Ambulatório do
Hospital Santa Isabel, fundamos a Sociedade Baiana de
Cardiologia, hoje denominada – por determinação estatutárias – de
Sociedade de Cardiologia do Estado da Bahia, nesse momento já
festejando 53 anos de existência.
Mas méritos para o Dr. Adriano Pondé, grande impulsionador
da iniciativa, e que foi naturalmente eleito nosso primeiro
presidente.
Foram ademais, sócios fundadores, os médicos Herval
Bittencourt, Rubem Tabacof, José Moreira Ferreira, Renato de
Moraes Sena, Lídia Paraguassu, Luiz Ramos de Queiróz, Lucilio
Cobas Costa, Renato Lobo e Cícero Adolpho da Silva. Além dos
acadêmicos Anita Franco, Roberto Figueira Santos, Almir Freire e
Halil Medauar.
Já funcionando, agora, como um corpo único, a Sociedade e o
Ambulatório tiveram mérito, então, de pela primeira vez, enviar
uma representação da Bahia a um Congresso Nacional de
Cardiologia.
Graças à ajuda de Dr. Octávio Mangabeira, que era
Governador do Estado ( e paciente do Dr. Adriano), os Drs. Herval
Bittencourt e Rubem Tabacof participaram da 5ª Reunião Anual da
Sociedade Brasileira de Cardiologia, realizada em julho de 1948,
em Porto Alegre, Rio Grande do Sul.
E vejam mais o que conseguimos, naquela época, pobres,
pobres, pobres, mas corajosos e entusiasmados.
De 11 a 26 de outubro de 1948, a Sociedade e o Ambulatório
promoveram um curso de atualização em eletrocardiografia clínica,
ministrado pelo médico baiano Dr. Augusto Mascarenhas, radicado
em São Paulo e que naquela época era assistente do Prof. Jairo
Ramos, da Escola Paulista de Medicina. O tema do curso foi “ a
eletrocardiografia como método auxiliar em Cardiologia”.
Este curso, que deve ser considerado como pioneiro e de
amplo valor histórico em nosso meio, teve um sucesso sem
precedentes e uma assistência numerosa, já estimulada face ao
ambiente médico da época e à peculiaridade do assunto.
137
A Sociedade Baiana de Cardiologia funcionou no Hospital
Santa Isabel, juntamente com o Ambulatório Prado Valadares, até
fins de 1948, quando as duas entidades foram gradativamente
sendo desativadas, naquele local.
Dr. Adriano Pondé foi assim, o grande precursou da
Cardiologia na Bahia. O indiscutível pioneiro.
A ele devemos o nascimento e a consolidação da especialidade
em nosso Estado.
Que a história guarde seu nome e que as faturas gerações
honrem o seu exemplo.
Rubem Tabacof
(Ex- Presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia)
138
Impressões
Não creio exagerar impressões ao transmitir o que penso sobre
Adriano de Azevedo Pondé: Médico, de saber científico legitimado
no terreno da Medicina Interna, notadamente, no âmbito das
doenças cardíacas, distinguiu-se como propedeuta meticuloso,
clínico experiente e de assinalada dedicação ao enfermo. Professor,
salientou-se como detentor de apreciável cultura humanística. No
campo da produção científica pode ser apontado como pioneiro nas
investigações sobre a Doença de Chagas, em nosso meio.
Justas e oportunas as homenagens que lhe são prestadas no seu
centenário de nascimento.
Salvador, 02/04/01
Ruy Machado da Silva
Membro da Academia de Medicina da Bahia
139
Prof. Dr. ADRIANO DE AZEVEDO PONDÉ
“Só espero que vocês estudem para ser bons médicos”. Com
estas palavras e um sorriso nos lábios, o Prof. Pondé, recebeu a nós
pequeno grupo de estudantes, que estávamos ingressando na
Faculdade de Medicina, naquele começo do ano de 1949. Fomos
em comissão visitar o PROF. PONDÉ, catedrático da 1a. Clinica
Medica, já funcionando no recém inaugurado Hospital das
Clinicas. Esta comissão representava um pequeno grupo de
colegas aprovados no Concurso Vestibular, que na época era
realizado na própria Faculdade de Medicina, portanto a decisão de
matricular os alunos “excedentes”dependia de uma aprovação da
Congregação da Faculdade, portanto a visita aos professores
catedráticos era muito importante para que eles conhecessem os
jovens estudantes aprovados no vestibular e que desejavam
aprender medicina. Fomos ao Hospital das Clinicas, que estava
novo, com poucas clinicas em funcionamento, mas a 1a. Clinica
Medica do Prof. Adriano Pondé, já estava em pleno
funcionamento. Fomos encontrar o Prof. Pondé na Biblioteca do
Hospital, dirigida por Nevolanda Soares, estava lendo um trabalho
cientifico em microfilme; ficamos maravilhados com a tecnologia
do aparelho que permitia a leitura de microfilmes e com a bondosa
recepção do Prof. Pondé, a nós um pequeno grupo de calouros, que
ainda estávamos recebendo os trotes na Faculdade de Medicina do
Terreiro de Jesus. As palavras do Prof. Pondé, de incentivo,
dizendo que só esperava que estudássemos para ser bons médicos,
eram um aval positivo de voto favorável aos 18 estudantes
excedentes ao numero de vagas. Aquele grupo não decepcionou ao
140
Prof. Pondé e pouco mais tarde em 1953, já no 5o. ano de
medicina, todos éramos alunos do Prof. Adriano Pondé, na 1a.
Cadeira de Clinica Médica. O Prof. Adriano Pondé na época era
considerado o mais famoso cardiologista da Bahia, ilustre
professor de Clinica Medica, com aulas em torno do leito dos
pacientes, com exames físicos, radiologia e exames de laboratório;
era conceituado e respeitado por todos, alunos e professores. Com
seu valioso trabalho no Hospital das Clinicas, criou na Bahia, uma
verdadeira escola de cardiologia, tendo como discípulos e
colaboradores Anita Franco, Angelina Pelosi, Renato Sena, Prof.
Leocadio, José Augusto Barreto, (este hoje professor de
cardiologia em Aracaju), entre outros. Médicos formados na Bahia,
quando iam fazer residência médica em outros estados ou mesmo
no exterior, chamavam atenção o elevado conhecimento de clinica
medica, esta admiração era fruto do aprendizado com Adriano
Pondé, César Araújo, José Silveira e Augusto Mascarenhas. Todos
em sua época considerados grandes mestres da medicina, e que
muito contribuíram para o elevado conceito da Faculdade de
Medicina da Universidade da Bahia, nas décadas de 50, 60 e 70.
O Prof. Pondé era amigo do Reitor Prof. Edgard Santos, e fez
notar ao mesmo, da necessidade de uma boa orientação nutricional
e dietética para os pacientes internados no Hospital das Clinicas,
daí nasceu a idéia da criação da Escola de Nutrição, da qual o Prof.
Adriano Pondé foi professor e diretor por muitos anos. Esta escola
contribue até hoje na boa formação de nutricionistas, as quais têm
sido de papel relevante não só na área médica, mas também nos
setores industrial e comercial.
Fui aluno do Prof. Pondé na Cadeira de Clinica Médica, onde
todos o consideravam e respeitavam.Mais tarde trabalhando no
Laboratório de Anatomia Patológica do Hospital das Clinicas, onde
141
colaborava com o Prof. Zilton Andrade, que era e é até hoje grande
estudioso da patologia da Doença de Chagas, tivemos oportunidade
de conhecer mais de perto o conhecimento do cardiologista Prof.
Adriano Pondé, nas discussões clinico-patologicas. Ao nosso ver o
Prof. Pondé muito contribuiu para o elevado conceito da medicina
da Bahia, portanto consideramos muito justa esta homenagem que
lhe prestam seus ex-alunos, colaboradores e amigos, neste 26 de
Junho de 2001, data do seu centenário de nascimento.
Sergio Santana Filho
Livre Docente de Anatomia Patológica, Faculdade de Medicina, UFBa.
Prof. Adjunto de Anatomia Patológica ,FAMED,UFBA(aposentado)
Ex-Fellow Memorial and Sloan-Kettering Câncer Center, Nova York
Coordenador de Anatomia Patologica do Hospital Aliança
142
Ao Mestre Prof. ADRIANO,
modesta homenagem do mais humilde
de seus discípulos
(discurso poético, convidandoo
Prof. Adriano Ponde a ser um
dos homenagedos da Turma de 1951)
Mestre talhado pra o labor insano
Fugindo aos gozos de os colher na vida
Sustenta a flama da Ciência erguida
Onde cintila o pensamento ufano
Furtou-se à sorte de um viver profano
Lançou-se em breve com clalor à lida
Buscando a vida ter na palma erguida
Levando um penso ao sofrimento humano
A idéia lança com simplicidade
A um campo mais fecundo a experência
Germina, brota, cresce uma verdade
E as idéias surgindo em turbilhão
Já triunfos erguendo na Ciência
São granadas de luz na escuridão
26.05.51
1a Clínica Médica do Hospital das Clínicas
Silvio de Alcântara Vieira
Médico
143
Relembrando o Vulto Singular
do Prof. ADRIANO DE AZEVEDO PONDÉ
Comemora-se o centenário de nascimento do grande médico e
professor Adriano de Azevedo Pondé.
A Bahia está assistindo a uma série de centenários de ilustres
filhos, o que faz lembrar a existência de uma geração de
intelectuais, que se foram, fazendo falta e que precisam ser
relembrados como incentivo a novas gerações. É sabido que há
uma tradição baiana de inteligência e de ilustres intelectuais.
Salienta-se o fato do âmbito da Faculdade de Medicina, que
sempre foi orgulho de nossa terra.
Entre os vultos que já se foram e que precisam ser
relembrados, está o de Adriano Pondé, professor emérito de clínica
médica, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da
Bahia.
Destacou-se ele, principalmente, pela sua figura humana,
refletindo bondade e conquistando uma simpatia singular entre
quantos com ele conviveram.
Na qualidade de professor de clínica médica, travou relações
desse tipo com os docentes. Todavia, pela sua formação
profissional, conseguiu um lugar definitivo de médico, com uma
clientela que ele soube manter, impondo-se pela sua competência e
pelos laços de amizade que soube fazer.
O Professor Adriano Pondé integrou a equipe de Clementino
Silva e manteve a sua projeção como um dos mais eficientes
colaboradores de Edgar Santos, que foi o grande realizador da
nossa Universidade e desenvolveu um Projeto até hoje digno de
elogios e que vem continuando a ser executado pelos seus
sucessores, como é o caso de Honir Rocha.
Colaborador de Edgar Santos, posso testemunhar que o
homenageado conviveu com Ele e privou de sua intimidade, o que
144
me permite dizer: tudo que Edgar fez pela Universidade foi objeto
de entendimento e colaboração com Adriano Pondé.
Nos momentos mais difíceis da administração universitária,
quando Edgar enfrentou a oposição política e a rebeldia estudantil,
sempre contou com a colaboração inseparável do homenageado.
Além de Professor Emérito de Medicina, atuou junto aos
Órgãos Superiores da Universidade, participando ativamente do
Conselho Universitário, seja quando Reitor Interino, seja quando
vice-reitor. Foi nessa oportunidade que atuei, juntamente com Ele,
na qualidade de Representante dos Docentes Livres. O
homenageado manifestava-se com extrema prudência e a sua
palavra era ouvida e seguida por todos os Membros do Conselho
Universitário, que não se deixavam levar pela paixão política, mas
tinham em mente o funcionamento da mesma Universidade e tudo
faziam para evitar a solução de continuidade que decorreria das
greves.
Atesto que a opinião de Adriano Pondé sempre foi para mim
uma bússola por onde me orientava e tenho a dizer que, sempre,
Ele foi seguido pelos seus pares em benefício da comunidade
universitária.
Em várias gestões, inclusive na de Albérico Fraga, foi vicereitor. Testemunho, no particular, a sua lealdade e o seu
aconselhamento equilibrado.
Rememoro a crise política da Universidade, quando, em todo o
País, o ensino universitário foi convulsionado e a classe estudantil,
ardorosamente, reivindicava uma reforma, que terminou por se
fazer, nas condições possíveis, implantando-se o sistema ainda
hoje vigente. Adriano Pondé colaborou, no particular da reforma
universitária, seja aperfeiçoando as propostas em discussão, seja
ajudando na interpretação dos textos básicos que o Ministério da
Educação condicionava a todas as Universidades, visando
uniformizar o Ensino Superior do Brasil.
A consciência profissional de Adriano Pondé evoluiu para que
Ele propalasse a necessidade de se especializar o conhecimento do
tratamento dietético de seus pacientes. Assim, Ele lançou a
145
necessidade da Universidade ministrar o Curso de Nutricionismo,
permitindo aos pacientes, correlatamente com a terapêutica
médica, uma dieta a ser ministrada compativelmente. Foi tamanho
o entusiasmo de Adriano Pondé pelo Curso de Nutricionismo, que
contou com o apoio de Edgar Santos e dos demais reitores
subsequentes, permitindo a institucionalização do Curso de
Nutricionismo, que aí está esplendoroso e qualifica o ensino da
nossa Universidade Federal.
Não resta dúvida, que o entusiasmo, o prestígio do fundador
do curso, são a causa do seu êxito. Nestas condições, muito deve o
ensino superior médico na Bahia a Adriano Pondé, pela criação do
Curso de Nutricionismo.
Enquanto teve condições de atuar na vida universitária, o
homenageado sempre se distinguiu e recebeu o apoio de quantos
testemunhavam a sua atuação. Agora, quando recebe a
consagração de seu centenário, todas estas razões são trazidas à
tona, para que as novas gerações saibam que Ele foi dos vultos
mais eloquentes da vida intelectual e sempre pôde prestar a
colaboração para a construção desse grande edifício, que é a
UFBA, que o seu colega e grande amigo Edgar Santos realizou,
sempre com o seu conselho e o seu prestígio.
Tenho consciência de que quase tudo quanto aqui declarei
pude testemunhar, pois a vida me permitiu, ainda que em ramo
diverso do conhecimento, atuar universitariamente sobre a sua
indiscutível liderança.
As novas gerações precisam conhecer o grande papel de
Adriano Pondé e manifestar o seu reconhecimento, com o que se
fará sempre justiça a um dos homens públicos mais dignos de
nossa Terra.
Sylvio Santos Faria
Amigo
146
Uma modesta lembrança do Mestre
Adriano de Azevedo Pondé
Amoroso, afável
Doutor emérito
Respeitador da vida
Inteligência brilhante
Amigo fiel
Notável pela simplicidade
O homem íntegro
Deus o criou para grandes coisas
E o filho correspondeu, com sabedoria
Autêntico
Zeloso
Empreendedor
Verdadeiro
Exemplo de vida
Dedicação
Olhar para o futuro
Pacífico
Organizado
Natural
Distinto
É essa a minha visão do Mestre
Beatriz Alfredo
da 1a Turma da Escola de Nutrição
Acróstico despertado durante a vivência em
27 de junho de 2001
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