A pós-graduação no Brasil:
a grande solução com pequenos problemas
Claudio de Moura Castro
Como anda a pós-graduação (PG)no Brasil? O que aconteceu nos últimos vinte
anos?
O presente ensaio não é mais do que uma anotação pessoal, refletindo as visões
e experiências passadas do autor como observador e participante, aqui e acolá
e, como Diretor da Capes. Pela natureza do texto, há afirmativas factuais não
documentadas e opiniões que não reivindicam ser mais do que isso.
A PG que veio do exterior, grilou o MEC e deu certo
Há hoje plena consciência de que estamos atrazadíssimos em matéria de
educação e que pagamos o preço elevado desse descompasso. Mas não foi tanto
a educação brasileira que se atrasou mas a economia que avançou depressa
demais, pois o Brasil está entre os cinco países recordistas de crescimento no
século 20 e na segunda metade teve por amplo tempo o mais rápido
crescimento do PIB.
A Revolução Industrial brasileira foi feita com pouquíssima educação. Foi
baseada em grandes empresas, sugando os poucos bem educados que
dispúnhamos. Concentrou-se em processos repetitivos ou de baixa tecnologia.
Havia pouca competição com o exterior, vivíamos em uma economia protegida
Mas na segunda metade do século, chegamos a um limite. A primeira crise de
cérebros coincide com a aceleração vertiginosa do crescimento econômico e as
percepções de que o Brasil precisava de lideranças bem educadas. Não se
acreditava realmente que fosse necessário ou prioritário educar todo mundo.
Precisávamos de grandes cabeças, capazes de liderar o processo de mudança.
Pouco depois, vêm as teses do capital humano e seu impacto no crescimento.
Foram amplamente usadas para justificar o crescimento concentrado no ensino
superior.
De fato, nos anos 60 explode um grande programa de construção de
universidades públicas, mobilizando um enorme orçamento. Nenhum país
Latino Americano jamais empreendeu algo semelhante, ainda descontando a
escala do Brasil.
Havia muito dinheiro, inclusive grandes empréstimos do BID. Havia bons
gerentes e vontade de fazer. Comparando com o MEC de anos mais recentes,
havia realmente bons tocadores de obra. A taxa de crescimento da matrícula
chega a 20% ao ano, entre 19xx e 19xx, um número extraordinário.
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Mas para tripular este grande conjunto de universidades, era preciso ter muito
mais professores, pois o estoque de então refletia um ensino superior cujo
alunado cuslevou tempo para passar de cem mil.
Portanto, para fazer face a esse colossal programa de construção civil, começa
um grande movimento de bolsistas para os Estados Unidos, inicialmente
financiado pelas Fundações Ford e Rockefeller e depois pela USAID, com
recursos ainda mais substanciais. Naturalmente, esse novo fluxo contraria a
tendência anterior à Segunda Guerra de ir para a Europa.
É uma brusca mudança do centro de gravidade intelectual do nosso ensino, da
Europa para os Estados Unidos. Ilustrando a velocidade de mudança, quando
comecei a estudar economia, na fronteira dos 50 para os 60, meus primeiros
livros de referência eram franceses. Ao chegar ao fim do curso, já estavamos
lendo livros americanos.
A universidade pública e a pirâmide deformada
Este grande canteiro de obras, com o resultante crescimento da matrícula, é
imposto sobre um sistema de primeiro e segundo graus precaríssimo, onde na
metade do século, sequer a metada da faixa etária ia para a escola algum dia na
vida.
Na verdade, o sistema público tinha alguma tradição de qualidade. Era um
sistema para alunos de classe média e alta, tripulado por professores de mesmo
nível social. Com o crescimento a partir da metade do século, com a entrada
maciça de faixas sociais mais baixas e com a ausência de aumentos
correspondentes nos gastos, há uma progressiva degradação na qualidade do
ensino público. Jamais esta perda de qualidade foi medida. Mas parece tão
flagrante que é difícil duvidar.
Portanto, houve claramente uma troca entre qualidade e quantidade. Ao subir a
primeira, caiu a segunda. Como resultado, a maioria dos que entravam ficavam
atolados nas primeiras séries e iam acumulando repetências.
Criou-se assim uma pirâmide deformada – por comparação com outros países.
Não havia matéria prima suficiente para o superior, pois o segundo grau era
raquítico, o primeiro sofria de séria arteriosclerose que bloqueava os alunos, já
na primeira série. Ao mesmo tempo, é ilustrativo registrar que até o início dos
90 havia mais vagas no superior do que graduados de segundo grau. Note-se
que nos Estados Unidos pouco mais da metade dos que se formam no segundo
grau entra para o superior.
Só mais em direção à metade dos 90 começa a ser consertada esta macrocefalia
do sistema. Antes disso, a oferta de candidatos de qualidade era amplamente
inferior às vagas existentes. E a PG já sofria com isso, pois mesmo tendo uma
matrícula de menos de 5% da graduação, tinha dificuldade em encontrar bons
alunos.
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O modelo americano de PG: a importação indolor
Para os padrões brasileiros, foi uma avalanche de mestres e doutores, indo
incialmente para os Estados Unidos e, em seguida, retornando. Esse refluxo
começa no fim dos anos sessenta.
O modelo de selecionar, financiar e acompanhar com cuidado e competência
veio da melhor origem possível: as Fundações Ford e Rockefeller. A USAID –
menos inspirada - copia
o modelo corretamente. Igualmente, a nossas
contrapartes tupiniquins aprendem a lição da meritocracia e da escolha
judiciosa das melhores universidades no exterior. CAPES e CNPq copiam,
copiam bem e acabam inovando seriamente na operação de montar uma
máquina de mandar gente estudar fora, sobretudo a CAPES.
Estas agências criam um quisto na burocracia brasileira, tradicionalmente
frondosa e treinada nas artes de servir aos seus chefes e não à sociedade. Esses
núcleos (CAPES, CNPq, FINEP e FAPESP) operam como um enclave
meritocrático na seleção de bolsistas e no financiamento da pesquisa. Este é
um dos passos mais importantes para explicar as raízes do nosso sistema de
ciência e pós-graduação. Cria-se uma boa tradição de respeitar competência e
evitar os fisiologismos, cartorialismos e patrimonialismos que as circundavam
em quase toda a burocracia brasileira. É bem verdade que houve derrapagens e
escorregões ocasionais, mas as agências logo se aprumaram, voltando a um
patamar muito respeitável de seriedade.
Nos anos setenta, começa a volta desse grupo de mestres e doutores (para
padrôes brasileiros era muita gente). Como as primeiras fornadas, vêm toda dos
Estados Unidos, cria-se aqui uma diáspora de mestres e doutores
americanizados. Em retrospecto isso foi uma sorte, pois a PG europeia era
arcaica do ponto de vista organizacional e teríamos copiado alguma coisa que
os próprios europeus, a duras penas, foram obrigados muito mais tarde a
americanizar (começando na Inglaterra, mas os Ph.Ds alemães formados nos
Estados Unidos também tiveram um papel modernizador).
Na hora de criar uma PG brasileira, há uma opção esponânea pelo único
modelo que conheciam nossos mestres e doutores: o americano. O que havia
antes era tão rudimentar que foi atropelado do dia para a noite. Começamos a
partir do zero, pois quase nada tínhamos antes. E criamos um bom sistema
desde o princípio.
A USP é a única andando completamente fora deste modelo e desta cronologia.
Começou muito mais cedo e como era mais madura e seus figurantes de muito
alta qualidade, permaneceu por mais tempo com um sistema estilo europeu. De
fato, levou muito mais tempo para se americanizar.
Foi importado um modelo americano, perfeitamente ajustado aos alienados
brasileiros que voltavam do exterior (incluindo o autor deste ensaio).
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A subversão dos tecnocratas e a cumplicidade dos jovens mestres e doutores
Chegam de volta os jovens PhDs, com seus reluzentes diplomas. Mas ao invés
de bandas de música e comitês de recepção, encontram uma oligarquia
universitária velha, fechada e cartorialista. Os catedráticos aferram-se aos seus
lugares e não criam espaço para os novos. Como países medievais, a
universidade estava em mãos de senhores feudais, dominando cada um o seu
pequeno principado. Ou melhor dito, eram os senhores de engenho da
academia, dominando soberbamente o seu território.
A modernidade estava apenas nos tocadores de obras da construção de
campus. Os gerentões estavam ali. Já os reitores, eram da velha geração e
ficaram bastante à margem do processo de crescimento. Isso, naturalmente,
cria espaço para um ou outro reitor/empresário que consegue criar campus
extravagantes em estados de pouquíssima tradição acadêmica.
Há então a feliz conjunção dos PhD desapontados e da nova classe tecnocrática
do Ministério do Planejamento. Finep e CNPq estão abarrotadas de dinheiro,
oriundo dos fundos criados pelo Ministro Velloso. Mas os dinheiros passam
batidos pelas reitorias e entram diretamente nos mestrados, à revelia da
administração central da universidade. Multiplicam-se as fundações paralelas.
Tudo acontecia nelas. Era o período da “ilegalidade com honestidade”. Meios
nebulosos em prol de uma boa causa e contabilidade criativa por todos os
lados.
A CAPES é uma ilha de subversão e modernidade dentro do MEC, com o qual
mal se entende – exceto durante a gestão de Edson Machado no antigo DAU. A
partir dos setenta, a cultura da CAPES se distancia do serviço público. Os
jovens e agressivos mestres e doutores recrutados dos núcleos mais dinâmicos
da PG pertencem a uma cultura organizacional completamente diferente da que
encontram nos velhos funcionários da CAPES. Seu pares estão nos jovens
doutores das universidades e na tecnocracia do Planejamento que financia
generosamente as bolsas.
A pós graduação é criada pela dobradinha dos tecnocratas do Planejamento
com os jovens doutores recém graduados e buscando criar seu espaço
institucional. Nem MEC e nem os próprios reitores entendiam bem ou
monitoravam corretamente o que estava se passando. Contava-se na época que
foram feitas até obras civis, enormes laboratórios, grilando os terrenos da
universidade e sem conhecimento dos reitores.
A avaliação da CAPES: o grande exemplo
Com toda a sua modéstia, a CAPES tomou a medida mais potente e definitiva
para proteger a PG: o sistema de avaliação. A CAPES criou uma avaliação,
inicialmente apenas para uso interno. Seu objetivo principal era alocar as
bolsas entre programas nacionais, ao invés de julgar pedidos individuais. Esse
sistema foi progressivamente se consolidando, isolado das pressões externas. A
iniciativa da avaliação foi do Darcy Closs, meu antecessor na direção da
CAPES.
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O que fiz foi consolidar mais, institucionalizar e começar progressivamente a
divulgar os resultados. Pouco depois de minha defenestração da CAPES, o
Estado de São Paulo conseguiu a lista dos cursos E e com êles encheu uma
página inteira de lamúrias e protestos. Os agraciados com a nota “E” da USP
quiseram desmoralizar a avaliação, alegando que não era séria. Mas nesse
momento, várias centenas dos melhores pesquisadores brasileiros já haviam
servido como consultores da CAPES. E dado o peso intelectual da USP, os seus
quadros docentes haviam já contribuido com um pequeno o exército de
consultores. A tentativa de motim dos operadores de curso “E” foi asperamente
cortada pela pró-reitoria de pós-graduação da USP, chefiada por um químico
que era habitual consultor da CAPES. Era a maturidade da avaliação. Depois
disso, não houve mais movimentos ameaçadores.
PG, as joias da coroa
Sem dúvidas, a PG é a maior realização da educação brasileira em toda a sua
história. Conseguimos criar mestrados e doutorados de padrão internacional
em um país ainda cheio de analfabetos. Lá pelos anos setenta, passamos
Argentina em matéria de produção científica apesar dos seus três prêmios
Nobel. E não paramos de aumentar a distância, medida pelo número de
publicações incluidas nos periódicos do Current Contents.
Apenas para ilustrar o salto dado pelo desenvolvimento da PG, quando sai do
Brasil para fazer minha pós-graduação, em 1963, não havia doutores
brasileiros em economia “made in USA”. Nesse momento, somente o Insituto
Torquato DiTella, em Buenos Aires, tinha mais de dez. Voltei em 1970, com a
primeira leva de doutores. Quando entro na CAPES em 1979, pude criar o
primeiro programa para receber alunos Argentinos em mestrados brasileiros
(PUC/Rio). Em vinte anos passamos de zero doutores para exportadores de pósgraduação.
No panorama mundial, nossa participação nas publicações científicas atingem
hoje 1.3%. Parece pouco e, de fato, o é. Mas note-se que pesquisa é muito mais
concentrada do que renda no cenário mundial. Considere-se que somos os
segundos produtores de pesquisa, se considerarmos que grande parte das
publicações atribuidas a Taiwan e Coréia são escritas fora dos seus países de
origem. Mas mesmo que incluamos estes dois países, ainda é uma posição
muito expressiva e resultado direto e imediato da criação de uma pósgraduação sólida e relativamente grande.
Vale mencionar uma divisão de trabalho mais ou menos espontânea entre
agências. CNPq e Finep financiam pesquisa e pesquisadores individuais. Bolsas
ficam com CAPES e CNPq. Mas cabe exclusivamente à CAPES aproximar a PG
do corpo da universidade, sendo a criação das pró-reitorias de pós-graduação o
passo mais expressivo nesta empreitada, até hoje inacabada.
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Em que pese a relativa estagnação institucional a partir dos anos oitenta, a PG
se mantêm sólida, aumentando a qualidade e a quantidade ao longo dos anos.
De fato, comos mostrado, quem parou foi o governo, não a PG.
Os problemas passados que continuam presentes
Nem tudo são glórias na PG e pesquisa. De fato, a grande característica dos
últimos anos é o estancamento do processo decisório do lado público, paralelo
ao crescimento da oferta de vagas, diplomados e pesquisas publicadas.
Em outras palavras, houve uma consolidação dos programas de PG, ao mesmo
tempo que o governo perde uma incontestável liderança que tinha no passado.
Ou seja, o centro de gravidade do processo passa da liderança agressiva das
agências de fomento para os próprios programas .
A confusão institucional e as babás da pesquisa
Houve a partir de 1975 um engordamento das agências, sobretudo FINEP e
CNPq. Aumenta o número de funcionários administrativos e os quadros
técnicos. Os números para cada uma delas ultrapassa a casa do milhar.
Curiosamente, a CAPES, mais franciscana, escapa incólume da obesidade.
Complicam-se as regras para distribuir fundos. Há mais funcionários
funcionando de babás de pesquisador do que pesquisadores produtivos. De
fato, 87% da pesquisa brasileira era produzida era por menos pesquisadores do
que o CNPq tinha de funcionários: mil e tantos.
Mais adiante, reduzem-se os fundos federais para a pesquisa e para os
pesquisadores. Mas mantêm-se nos mesmos quantitativos os quadros das
agências, e são cada vez mais sindicalizados e cada vez menos administráveis.
FINEP e CNPq se tornam ingovernáveis.
Somente na décadade 90, a perda de orçamento das agências começa a levar o
enxugamento dos seus quadros. Muito mais por atrito e aposentadorias do que
por vontade própria.
Persiste em grande medida um vácuo para cuidar do problema mais grave da
pesquisa brasileira: a fragmentação. Não há políticas centrais eficazes para
atenuar a tendência à fragmentação da pesquisa. Cada pesquisador continua o
trabalho de seu orientador no exterior. Hoje, segundo pesquisa do CNPq,
metade dos pesquisadores tem quatro ou menos pares fazendo pesquisas na
mesma área.
Não há autoridade central para cuidar das áreas limítrofes e para impedir o
enquistamento das áreas profissionais. Cada tribo defende o seu território e
rejeita os índios que vêm das outras, prejudicando a fertilização cruzada da
interdisciplinaridade. As políticas passam a vir de baixo para cima, das
comissões de consultores. Ora, ciência não é para cientista, mas para a
sociedade. As comissões de consultores têm o papel de apoiar a autoridade
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constituida e não tomar o seu lugar nas decisões. Tanto na área da
CAPES/MEC quanto na FINEP e CNPq, criou-se um clima onde é difícil impor
a sua autoridade legítima para decidir em nome do interesse da nação, ao invés
de ceder aos interesses particularistas dos grupos de cientistas.
O exagero dos diplomas nas áreas profissionais
Cria-se o império dos doutores. Esse era o grande anseio e o grande plano de
todos os que pensavam no desenvolvimento da PG. Mas isso se deu de uma
forma perversa, criando-se uma exclusão para os que não têm diplomas. Quem
não é mestre ou doutor não é gente dentro da academia, está de fora.
Mas quem disse que diploma é condição necessária e suficiente para a
competência, experiência, conhecimento técnico e talento? O ensino superior e
a PG brasileiras hoje se vêm privados de um extraordinário talento que está em
pessoas sem diplomas formais e que estão alijadas do magistério e da pesquisa,
por conta de regras excludentes e burras.
Diploma é um indicador de competência, não um filtro ditatorial de quem sabe
e quem não sabe. Nas áreas profissionais, essa exclusão é fatal. Só quem tem
anos de boca de forno conhece siderurgia. Os outros são diletantes. Só quem
opera sabe de cirurgia. Não quero ser operado por um PhD de medicina, mas
por alguém que já fez centenas ou milhares de cirurgias.
Claudio Santoro era professor do Departamento de Música da Universidade de
Brasilia, tinha lá a sua posição e seu salário. Mas havia um outro professor,
mais alto na hierarquia e no salário. Por que? Simples, havia escrito uma tese
de doutorado sobre a obra musical do compositor Claudio Santoro.
Há igualmente o viés da ciência, onde deveria haver tecnologia. Publica-se o que
deveria ser patenteado. É pouco conhecida a invenção do microfone de eletreto
pelo físico Sérgio Costa Ribeiro. Como a pesquisa foi financiada pelo CNPq que
não cuidava de tecnologia, não foi possível patentear.
Com a ênfase nas publicações e nos diplomas, vão sendo progressivamente
banidos os que sabem. Ficam os escribas. Quem publica avança na carreira e
consegue fundos para publicar mais. Quem faz, sequer tem a quem contar que
fez.
Nas áreas aplicadas e de serviço, impôe-se a camisa de força das regras da pósgraduação formal nas áreas científicas. De fato, a regulamentação da nossa
pós-graduação inspira-se nas normas internas da bio-física da UFRJ – cujas
regras foram generalizadas para toda a PG, incluindo enfermagem, educação
física e música
Cria-se o Tempo Integral e a Dedicação Exclusiva (TI e DE). Se fosse cumprido,
o que seria da arquitetura brasileira? Nossos arquitetos estariam aprendendo
com quem não projeta. E cálculo de estrutura? Os alunos estariam aprendendo
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a calcular com professores que só o fazem de fingidinho. Quem tem coragem
de entrar em edifcío calculado por um Ph.D que sempre cumpriu o TI/DE?
Gasta-se uma fortuna para contratar em TI/DE pessoas sem a mais remota
possibilidade de fazer pesquisa, entre outras coisas porque nunca foram
preparados para fazê-la. Quando se diz que não há dinheiro para a pesquisa,
esquece-se o quanto se gasta contratando gente por mais tempo do que levam
preparando e dando aula, corrigindo provas e participando de
órgãos
colegiados. Como esse tempo não gera pesquisa – em geral não é passado na
universidade - é um custo sem retorno.
A agonia da pesquisa sem PG
Todo pesquisador que queria exercer o seu metier, sonhava em criar uma PG,
pois os fundos de pesquisa estavam todos carimbados para a PG stricto sensu.
Se teve energia e iniciativa, criou um mestrado que passou a administrar, tendo
então ainda menos tempo para fazer pesquisa êle próprio.
Uma consequência inauspiciosa da PG foi distanciar a graduação da pesquisa,
pois havendo uma PG, esta atrai os pesquisadores, afastando-os da graduação.
É exatamente o oposto do que se pregava com o maldito
dogma da
indissociabilidade do ensino e da pesquisa.
Pela mesma forma, a autonomia e independência da PG leva a um
esvasiamento da graduação, pois esta última estava dentro da universidade
velha com a qual o diálogo era penoso. Até hoje não foi superada esta
dicotomia.
Talvez um dos piores aspectos da nossa pós-graduação tenha sido congelar-se
uma fórmula única para todos: MA, PhD ou nada. A PG lato sensu sempre foi
meio órfã e enjeitada. E mais ainda, a pesquisa na graduação.
A morte lenta demais do mestrado nas áreas científicas
O mestrado foi concebido originalmente como um esquentamento de motores
antes que o grupo se aventurasse no doutorado. Uma vez amadurecido, estava
autorizado ao nível mais elevado do Olimpus: o doutorado.
É perfeita a estratégia. É prudente e foi bem executada.
Mas houve um problema. Alguém esqueceu de dizer que uma vez criado o
doutorado, o mestrado nas áreas científicas era um ente obsoleto a ser
abandonado, como os insetos que trocam de casca ao crescerem, virando outra
coisa. Assim é na matriz de origem da PG. Nos Estados Unidos não há
mestrados em áreas científicas, a não ser que se considere o mestrado como os
primeiros anos do doutorado.
Continuamos sendo um país pobre, só que temos a PG mais longa do mundo:
em média, três anos de mestrado e depois mais cinco de doutorado. Com as
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aposentadorias prematuras, quando termina-se o doutorado, já está na hora de
aposentar.
Estamos levando tempo demais para desvencilhar-nos da casca velha do
mestrado e dar a êle um outro destino.
O mestrado profissional: tardio e corporativista
Quando estava na CAPES, discutiamos ativamente a criação do mestrado
profissional, para as áreas onde a pesquisa e o magistério em grandes
universidades públicas não correspondem ao mercado típico. Achava que era
questão de meses. Mas a idéia passou vinte anos encroada.
Houve e há grande resistência dos próprios grupos de pesquisa, enrustidos e
olhando olimpicamente para seus próprios umbigos. Até hoje, a questão não
está satisfatoriamente resolvida. Obviamente, sobrevive um vácuo de poder.
Com o “populismo intelectual” inaugurado nos anos setenta, o governo retraiuse, ficando com vergonha de cumprir sua missão inalienável de decidir em
nome da sociedade.
Os mestrados profissionais são julgados pelos mesmos times de consultores da
CAPES, que a êle impõe o seu padrão acadêmico – que é exatamente o que se
desejava evitar nos mestrados profissionais.
Na prática da avaliação, os professores têm que ter o perfil clássico acadêmico,
com doutorados. A experiência prática dos professores não pode ser premiada
ou mesmo permitida, pois nas áreas típicas do mestrado profissional, os que
praticam não têm mestrado e muito menos doutorado.
Exigem-se, igualmente, linhas de pesquisa, como nos cursos acadêmicos. Ora,
se os professores tiverem o perfil dos profissionais do ramo, não serão
pesquisadores. Para ser aprovado, o programa tem que desfigurar sua
orientação de mercado. Na prática, cria-se uma reserva de mercado para quem
já tem mestrado ou doutorado acadêmico e que, portanto, sua pesquisa já
instalada.
Ora, esse não deveria ser o espírito. A IBM não será aprovada se tentar oferecer
um mestrado profissional de informática e a Usiminas não teria um mestrado
de siderurgia aprovado. Nem os professores teriam os perfis acadêmicos e nem
a pesquisa seria considerada apropriada,
Só a Administração saiu na frente com o MBA, não dando bola para os
curadores do velho modelo de pesquisa. Vivas para os administradores que
arrostaram os burocratas de plantão, inapetentes para tomar as decisões
apropriadas.
Nisso tudo, a universidade resiste tomar consciência de que o seu produto não
é para consumo interno apenas. Não há quase interação com empresas (apesar
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de brilhantes exceções). Não há representantes de empresas nas bancas de tese
e nos conselhos da pós-graduação.
O lato sensu, deserdado e não avaliado
A especialização é prêmio de consolação, para os deserdados. Quem não têm
recursos para o stricto sensu, fica com as migalhas do lato sensu.
Infelizmente, não há avaliação do lato sensu. Mas este poderia lucrar muito com
uma avaliação bem montada e relativamente simples. Claramente, há abuso e
se está vendendo gato por lebre.
Felizmente, os administradores de plantão não prestam demasiada atenção a
esses cursos. Porisso, continuam relativamente flexíveis.
Não precisamos de controlar ou fiscalizar o lato sensu. Precisamos, isso sim, de
monitoramento de qualidade, para que o usuário saiba o que está comprando.
A CAPES não o faz. Quem poderia fazê-lo?
O setor privado: cliente ou vítima?
Com dois terços dos alunos, o ensino superior privado é um cliente, espectador
e, quem sabe, vítima da PG estatal. Mas não podemos eximi-lo de culpa nesse
cenário.
O circuito fechado: a PG para formar pesquisadores
Um aluno de medicina de universidade pública recebe uma graduação gratuita,
uma residência gratuita, um mestrado e doutorado idem e vai ser cirurgião
plastico, no mercado privado, consertando narizes, peitos e barriguinhas,
mediante remuneração substancial.
Mas o setor público acha que criar programas voltados para o ensino superior
privado é ceder às pressôes privatistas. É compactuar com o mercantilismo do
ensino.
Ora, cada professor cujo desempenho é melhorado, afeta positivamente pelo
menos uma geração inteira de alunos. Por que a PG pública pode calibrar seus
graduados para todos os mercados menos o mercado do ensino superior
privado, onde as externalidades ou benefícios sociais são maiores?
Como muitos professores do sistema privado são de tempo parcial e tem outros
empregos, parar tudo para fazer um mestrado não é em geral possível. Mas
note-se, o objetivo maior deveria ser fazê-los melhores professores. O diploma é
um detalhe e não se demonstrou que os mestrados presentes são a melhor ou a
única maneira de melhorar o desempenho dos professores do ensino superior.
Portanto, se Maomé não pode ir à montanha, é lamentável que a montanha da
PG pública não possa ir a Maomé.
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Note-se que, nos Estados Unidos, grande parte dos mestrados para professores
hoje são feitos à noite, em fins de semana ou nas férias. E grande parte da PG
americana é justamente para formar professores de nível secundário. Por que o
purismo brasileiro?
Por que a PG pública não pode criar programas cujos horários e duração se
adequem às possibilidades dos professores de carne e osso do setor privado?
Note-se que, embora algumas instituições mais elitizadas possam transferir
para os alunos o ônus do treinamento de seus professores no stricto sensu, a
maioria não tem alunos que possam arcar com os custos de permitir a muitos
professores abandonar tudo por alguns anos, enquanto fazem seus mestrados.
Nesse assunto, o setor privado é vítima do público. Deixa de receber o que
trivialmente outros setores igualmente privados recebem.
A PG pasteurizada e homogeneizada: onde está a variedade?
Tal como acontece com a graduação, a PG de hoje é vítima do modelo único. Ou
é mestrado ou é doutorado ou é pária.
Lamentavelmente, o setor privado se conforma e sai imitando como pode as
públicas, na criação de mestrados e doutorados pasteurizados e
homogeneizados. Uns fingem, outros até tentam. Mas por que ser igual?
Os números de professores presentes e futuros requeridos para o crescimento
da graduação sugerem que a PG convencional não dará conta do recado. Aqui
não falamos de filosofia, mas de demografia, a única ciência social exata. Com o
crescimento projetado da matrícula em cursos de graduação, não se requer
matemáticas de alta sofisticação para concluir que a PG acadêmica não vai dar
conta.
Por que não pensar em cursos voltados diretamente para os conteúdos das
disciplinas que os professores irão ensinar na graduação? A maioria dos
professores não têm interesse ou pré-condições para virar pesquisador. Mas
quem disse que tem que ser pesquisador para ser professor? Quem demonstrou
que os pesquisadores são necessariamente melhores professores? Isso é dogma
de fé. São mitos tupiniquins criados e papagueados, sem que haja qualquer
evidência de que sejam verdade. Quando a Escola de Minas de Ouro Preto não
fazia pesquisa, era a matriz que formou os engenheiros que construiram boa
parte da siderurgia e da geração elétrica no Brasil. Quando resolveu fazer
pesquisa, passou a ser mais uma universidade medíocre que nem faz bom
ensino e nem pesquisa.
Onde está a iniciativa do setor privado e a ousadia de fazer diferente?
Por que credenciamento para o mercado profissional?
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Se a PG pública permanece autista, por que a privada não pode entrar mais
pesadamente no mercado empresarial? Afinal, o setor privado tem muito menos
limitações administrativas e as empresas menos preocupações cartoriais.
Por que o sistema privado se comove com as restrições criadas para o mestrado
profissional, se o setor empresarial, para onde iriam os graduados, não tem
tais purismos?
De uma perspectiva puramente pragmática, o setor privado deveria dar graças
aos deuses, pela cretinice da regulamentação dos mestrados profissionais, que
tolhe as universidades do setor público. Fica assim o mercado livre para o
ensino privado que pode operar sem dar a mais remota bola para a certificação
oficial.
O problema da descertificação só existe se o curso quiser ser certificado. Mas
por que certificá-lo? As empresas querem resultados e pouco interesse tem nos
meandros bizantinos dos cartórios do MEC.
A PG feita em casa? Endogenia e embromação
Parece que muito da preocupação dos cursos privados com a PG é para
encontrar uma solução interna para diplomar seus professores. Com a pressão
do MEC para que tenham mestres e doutores, há muitas tentativas de criar
programas internos para certificar os seus próprios professores. Nota-se aqui
um impacto positivo das exigências do MEC. Mas as respostas nem sempre
correspondem aos desideratos das políticas públicas.
Há a tentação dos mestrados aéreos ou
trêfegos, com universidades
estrangeiras muito piores do que as nossas. Para essess, não tenho a mais
remota generosidade. A má vontade da CAPES é mais do que justificada.
Quando era diretor, fiz muitos inimigos em minha sanha de cortar suas asas.
Mas há também os outros, meio improvisados, sobretudo para uso interno.
Além da sua falta de qualidade, soluções internas criam excessiva endogenia, o
que é mau. Em tais programas, é sempre
a vitória da forma sobre a
substância. Portanto, são soluções pouco defensáveis.
Por que os privados não criam cursos de mestrado, sob medida para os
professores do próprio setor privado? Não os próprios, mas os das outras
escolas. Há um grande mercado para os programas de formação de professores
para o ensino superior. O setor público tem pejos de entrar nele. Novamente, há
aí um grande mercado para o setor privado.
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Date modified: December 27, 2007
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