O desenvolvimento humano através
da prática do Aikido
Por João Bonvicino (Tese para exame de Shodan do Instituto Takemussu)
Fudo Myoo – o Buda das Artes Marciais
O santo patrono do Budô, Fudo significa “imóvel”, “imperturbável”, “inabalável”, como
deve ser o espírito dos artistas marciais. Myoo significa “rei da luz”, indicando a
iluminação dos mestres mais elevados. Representa o espírito calmo, livre da
agressividade. Carrega a corda para amarrar e prender os injustos e a espada da
sabedoria, para cortar a injustiça e a intolerância.
1 – AIKIDÔ: UM FRACTAL DE SABEDORIA
O Fundador do Aikidô, Morihei Ueshiba, profundo estudioso,praticante de Budô e
fervoroso Xintoísta, uma vez disse: “Na minha opinião, pode-se dizer que (o Aikidô) é a
verdadeira arte marcial. A razão disto é que ele é uma arte marcial baseada na verdade
universal. Este universo é composto de muitas partes diferentes e ainda assim, o universo
como um todo é uno como uma família e simboliza o estado último da paz. Por ter esta
visão do universo, o Aikidô não pode ser nada além da uma arte marcial da harmonia e de
não violência. (...) O Estado mental do aikidoísta deve estar pacificado e totalmente livre
da violência”.
John Stevens, em seu livro “A Filosofia do Aikidô” (2001), completa: “O Aikidô é o princípio
da não-resistência. Aquele que não é resistente é vitorioso desde o início. Aqueles com
más intenções ou pensamentos obscuros são instantaneamente aniquilados. Um
verdadeiro guerreiro é invencível porque ele não se opõe a nada”.
Analisando a definição descrita pelo próprio Fundador, em conjunto com as palavras
descritas por John Stevens, podemos vislumbrar o quanto é complexa e infinita a arte do
Aikidô. Como um fractal, que possui milhões de faces: quando vislumbramos uma delas,
outras tantas surgem de onde nunca imaginaríamos que poderiam surgir.
Fundamentado tecnicamente em um Budô de alta eficiência e muito antigo no Japão,
datado entre 858 e 875 d.C., chamado Daitoryu Aikijujitsu, curiosamente, o objetivo maior
do Aikidô – e por isso sua alta complexidade – não é ensinar aos outros a destruir, matar
ou sobrepujar o ser humano.
Esta idéia pode ser verificada analisando se o significado do ideograma Budô, que pode
ser traduzido como “parar o conflito com armas”. Mas também pode ser interpretado como
“modo corajoso de viver” ou “compromisso com a justiça” – do ideograma “Bu” – e ainda,
“caminho para a verdade” – do ideograma “Dô” – como nos ensina John Stevens, em seu
livro“Os Segredos do Budô”. Por isso é tão segura a afirmação de que o Aikidô é um Budô
por excelência.
Pesquisando as origens do Daitoryu Aikijujitsu, base da fundamentação técnica do Aikidô,
verifica-se que um de seus principais precursores, Shinra Saburo Minamoto, era um
grande estudioso de anatomia humana, do modo de vida das aranhas e de música. Tudo
isso com um único objetivo: aprofundar-se nos mistérios do Aiki, a arte de harmonizar a
energia. Em resumo grosseiro, estudar a anatomia humana, serviu de base para o
desenvolvimento mecânico das técnicas, como a criação de chaves e aprisionamentos,
por exemplo. Estudar música serviu para o treinamento da percepção sensível, estudos sobre ritmo,
harmonia e ressonância. E estudar o modo de vida das aranhas e a forma como este
animal captura suas presas, serviu de inspiração para a criação de estratégias de
aplicação de Aiki e Tai Jutsu.
Como consequência histórica não calculada deste estudo e desta tradição, muitos anos
depois surgiu o Aikidô. Ao contrário de ter sido criado para maltratar as pessoas ou para
ser uma arte letal, o Fundador do Aikidô deu continuidade aos estudos sobre Aiki, com a
diferença de que o objetivo agora não seria vencer batalhas ou ser vitorioso em duelos
marciais. Mas sim, melhorar o mundo, através da prática da não violência.
Como é muito difícil entender e aprender Aikidô verdadeiramente e muitíssimo difícil
auferir eficiência técnica real em sua prática, é certo que mesmo com muitos anos de
prática, pouco aprendemos em termos técnicos, se formos realistas e sinceros. Todos nós
sabemos, por exemplo, que atingir a faixa preta no Aikidô, nada mais é do que iniciar sua
prática em bons termos.
Quando iniciei meus treinos como faixa marrom percebi que depois de quase 10 anos
treinando todas as semanas da minha vida, eu pouco sabia sobre como aplicar as
técnicas com eficiência verdadeira, em uma situação real, por exemplo.
Este sentimento de frustração não é diferente do sentimento vivenciado após as aulas,
especialmente as do Sensei Wagner. Ao final dos treinos, percebo, sem exceção, o
quanto não sei sobre Aikidô. Então, por que é que alguém passa tanto tempo de sua vida
insistindo na prática desta arte marcial intrigante e tão difícil?
Muito apesar do pouco conhecimento técnico real, o treinamento contínuo produz um
efeito muito forte na personalidade do praticante. A transformação e o desenvolvimento
humano através do Aikidô é algo muito poderoso e seu valor é inestimável.
As mudanças começam sutilmente e aos poucos tornam se evidentes e intensas. Mas o
fato é: uma pessoa que pratica Aikidô se desenvolve e se transforma, continuamente. E
se desenvolve muito, o que é sempre impressionante. Atingimos lugares que jamais
imaginamos que poderíamos atingir e conquistamos evoluções, em termos emocionais,
físicos e mentais, que não sabíamos que fosse possível.
É sempre difícil para um ocidental entender a essência da cultura japonesa. No entanto,
praticando Aikidô, começamos a entrar em contato de forma verdadeira com a visão de
mundo e a forma de pensamento do povo japonês. Isso, quando ingressamos no dojô, é
algo muito difícil de ser assimilado.
A reeducação adquirida, em termos de etiqueta e comportamentos, durante os treinos é o
primeiro ponto focal de transformação humana que ocorre com o praticante. Aprender
novas formas de se dirigir às pessoas, de começar e terminar uma coisa, de se sentar, de
observar, de se calar e de se portar, de respeitar o próximo, em fim, tudo isso mostra ao
iniciante como cada detalhe é importante e tem algum sentido, abrindo um novo universo,
com milhares de facetas, para a mudança interior.
Ao entrar em contato com as técnicas de forma mais intensa, já na faixa amarela e roxa, a
percepção começa a mudar e o praticante percebe que está mais bem disposto, com
mais vigor, maior energia, mais bom humor, com mais apetite, mais tranquilidade e maior
alegria. A vida se torna mais leve e divertida, comparada a como era antes dos treinos.
A sensação de pertencimento é enorme, porque a percepção e a resiliência aumentam
muito. Começamos a sentir que podemos exercer as atividades mais difíceis e antes
nunca imaginadas, pois sentimos que seremos capazes de nos adaptar à adversidade,
nos esforçar ao extremo e ainda permanecer firmes. Notamos que, mesmo quando algo
acontece e não nos agrada, nos deixando tristes, desapontados ou assustados,
rapidamente nos recuperamos e nos adaptamos, para lidar com a questão de outra forma,
menos danosa e mais eficiente emocionalmente. Imaginem a diferença que isso causa na
vida de uma pessoa e quantas novas perspectivas começam a surgir. É algo como passar
a enxergar, sem antes saber que isto seria possível. E neste sentido, a capacidade de
adaptar-se às mudanças que a vida nos apresenta cotidianamente, torna-se o desafio
mais interessante, pois percebemos que o Aikidô nos fornece instrumentos que nos
permite vivenciar novos obstáculos.
Aprender a viver novamente, a partir de cada descoberta sobre si mesmo torna-se,
portanto, o foco do treinamento. E isso é o que faz com que, mesmo percebendo que não
saibam muito sobre Aikidô, os praticantes permaneçam treinando para sempre.
2 – UM POUCO DE HISTÓRIA, OU COISAS QUE NÃO VEMOS E ÀS VEZES
CONSEGUIMOS ENTENDER
Em 1999 procurei o Instituto Takemussu. Encontrei um anúncio do dojô em uma revista e
tive vontade de conhecê-lo. Na realidade, sem saber absolutamente nada sobre Aikidô e
observando a foto de Ô Sensei, Morihei Ueshiba, no anúncio, tive a impressão de que
aquele “vovozinho” na foto deveria ser bom, pela forma como seu olhar era compenetrado
e sua postura diferente. Imediatamente imaginei que poderia ser interessante conhecê-lo
pessoalmente. Assim, meu primeiro objetivo ao procurar o Instituto Takemussu, por
incrível que pareça, foi o de me encontrar com o Fundador do Aikidô.
Naquela época a internet ainda não era tão comum para mim e eu não pesquisei em
nenhuma bibliografia antes de procurar o Instituto. Simplesmente vi o anúncio e me guiei
pelo que vi.
Ao chegar ao dojô, a Cristina, hoje Sandan, à época faixa azul, era a responsável pela
secretaria, que ainda ficava posicionada onde atualmente se encontra o vestiário
feminino.
Sentei-me para assistir o primeiro treino e observei um momento em que todos ficavam
em silêncio. Pensei que seria aquele o melhor momento para atravessar o tatame e fui
falar com a Cristina. A primeira severa advertência que recebi no dojô foi naquele dia, meu
primeiro dia em um dojô.
Aprendi (e nunca mais me esqueci) que durante o mokussô, ninguém poderia transitar
pelo tatame. Fui informado imediatamente que havia começado quebrando a etiqueta. Ou
seja, nos momentos de meditação, o respeito e a concentração devem ser totais. Aquela
foi minha primeira lição de Aikidô, oculta em meu primeiro erro.
O tatame ainda era de cor verde e a entrada nos fazia necessariamente atravessar o
tatame inteiro. Imaginem a minha vergonha naquela situação. Claro, tomei a maior bronca
da Cristina e voltei para me sentar ao banco de madeira, convidado a assistir às aulas em
silêncio. Assisti a todas as aulas daquele dia e nada daquele “vovozinho” da foto aparecer
no dojô. Por um momento pensei que ele não daria aulas naquele dia e fiquei
decepcionado.
Quando me dei conta, observando todos os quadros de fotos na parede, percebi que na
verdade, se eu o visse, estaria vendo fantasmas. Também fiquei um pouco envergonhado
com esta confusão, mas esta história eu só contei anos depois aos meus companheiros
de treino e registro ela novamente agora, neste momento tão importante da minha vida.
Passada a frustração e grande decepção ao saber que não me encontraria com o
Fundador do Aikidô, nem naquele, nem em nenhum outro dojô, decidi ficar no Instituto
Takemussu. Algo me dizia que deveria tentar. Já neste dia, senti que havia alguma coisa
diferente nesta escola, que apenas os sentimentos sabiam entender, sem muitas
explicações.
Esta sensação foi o meu primeiro aprendizado mais profundo sobre o Aikidô: para tentar
entender o que é Aikidô, é preciso sentir e não raciocinar. Mas naquela época eu ainda
não tinha elementos para perceber isso claramente.
Finalmente ingressei no Instituto. Como estava no início da faculdade em período noturno,
a maioria das aulas que assistia eram as da tarde. Meu instrutor era o Rafael Athie –
nunca mais o vi no dojô desde aqueles tempos. O primeiro exame de Shodan que assisti
foi o dele. Nunca me esqueço: o Sensei Wagner parou o exame na metade e quase
reprovou o Rafael porque ele estava distribuindo o peso dos pés no calcanhar e não na
parte da frente. Aquilo me impressionou muito e me assustou. Um simples detalhe poderia
reprovar um aluno tão antigo e tão dedicado, em um momento tão especial, depois de
anos a fio de treinamento duro. Quanto rigor!
A banca examinadora – com apenas dois faixas pretas na ocasião – em um tom bastante
cauteloso, claramente com receio de desapontar o Sensei, quando indagada sobre a
continuidade do exame, decidiu não reprová-lo e o Rafael finalmente se tornou faixa
preta. Foi muito emocionante, inesquecível, assim como os inúmeros exames de Shodan
que assisti até hoje. Nunca acreditei que o meu exame chegaria. Sempre tive aimpressão
de que eu nunca conseguiria. Mas hoje, independentemente do resultado, estou aqui,
vivendo este momento, com todo o meu coração. Naquele tempo, as festas de
confraternização eram feitas no tatame, não havia ainda todo o espaço que o confortável
Instituto hoje dispõe, para as nossas festas, eventos internos, encontros e reuniões.
Tenho para mim, que a generosidade do Sensei Wagner em demonstrar Aikidô aos seus
alunos, expandiu também os espaços físicos do dojô e hoje podemos desfrutar desta
escola, organizada, limpa, agradável, bela e confortável. Não podemos nunca nos
esquecer que não é fácil construir uma escola. Mais difícil ainda é manter uma, com
tradição de alto nível técnico, humano e teórico. Outra grande lição do Aikidô que recebi
foi esta: por trás de tudo o que vemos, e às vezes não percebemos, há muito esforço,
muito zelo e muita dedicação. Depois que percebi isto, com a sorte de poder assistir ao
crescimento e desenvolvimento do Instituto nestes últimos anos, nunca mais deixei de me
esforçar para algo na minha vida, mesmo que fosse a coisa mais simples do mundo.
Quem fez minha entrevista de admissão foi o Ushikawa. Não me esqueço quando ele
demonstrou indignação e surpresa, arregalando os olhos quando respondi que não sabia
qual era o meu tipo de sangue. Ele escreveu com letras “garrafais” na minha ficha de
entrevista: “Tipo de sangue: NÃO SABE”. Por conta deste episódio, fiz um exame em
homenagem ao Ushikawa e descobri que sou O+. Refletindo sobre esta lembrança,
percebi que eu pouco me conhecia quando iniciei os treinos.
Nas poucas aulas de ukemis que fiz naquele ano de 99, ainda no tatame superior, fui
recebido pelo Alikawa, que naquele tempo era faixa marrom. O Alikawa não demonstrava
compaixão por iniciantes. Colocava um certo ar de terror no simples ato de ensinar a
introdução às bases (Kamae e Sabaki). A postura firme que exigia dos Kohais era sob
uma pressão considerável e que cobrava marcialidade acima de tudo, sem muita
gentileza, podemos assim dizer.
Sou agradecido até hoje por aqueles ensinamentos, que procuro transmitir a todos os
Kohais que de mim se aproximam. Mas eu procuro ser mais gentil, devo registrar, para
não desapontar meus professores e meu mestre, que são minhas maiores fontes de
inspiração e para cultivar o espírito de corpo de um grupo forte, onde os mais novos
devem ser bem acolhidos, para que os mais antigos possam treinar mais e melhor e todos
crescerem juntos.
Na primeira vez que me dirigi ao Sensei Wagner, fui até ele no corredor e timidamente o
cumprimentei e disse: “Sensei Wagner, gostaria de dizer que é uma grande honra estar
aqui no seu dojô – muito prazer em conhecê-lo”.
O Sensei respondeu imediatamente, sem hesitar, de forma bem séria: “Isso nós veremos
em cima do tatame”. Virou as costas e foi embora. Este foi outro ensinamento
inesquecível. As atitudes importam mais do que as palavras em um dojô de Aikidô.
Em casa, no trabalho, e em outros ambientes, às vezes é possível persuadir as pessoas
com palavras e argumentos. Mas no dojô é impossível. Ficamos despidos de argumentos
e nossas atitudes transparecem em cima do tatame, como se o treino pudesse mostrar
para os olhos de nosso mestre quem realmente somos, mesmo quando não queremos
que ninguém nos veja.
Este lado oculto do Aikidô é mesmo fascinante e um pouco esquisito também. O treino
mostra quem realmente você é, quais são seus pontos fortes, suas fraquezas, suas
qualidades e suas dificuldades. Acredito que aos olhos dos alunos mais perceptivos, o
Aikidô de uma pessoa, desde o primeiro dia de treino, descreve seu caráter e sua
personalidade, tudo isso expresso em seus movimentos, seu olhar, sua forma de treinar e
sua conduta no tatame.
Frequentemente nos esquecemos disso, mas na vida, na realidade também é assim. Isso
é um exemplo do valor que o silêncio tem e por isso é também um ensinamento oculto por
essência. O silencio é importante e deve ser praticado, sempre que possível.
Depois deste episódio, procurei ficar calado no tatame por todos os anos em que treinei,
sem perguntar muitas coisas, mesmo gostando muito de ouvir todas as explicações do
Sensei, quando alguém pergunta, ou quando ele decide nos presentear e falar sobre o
que é o Aikidô.
Demorou anos para que eu tivesse coragem de dirigir sequer uma única palavra ao
Sensei novamente. E ainda hoje quando me dirijo ao Sensei, procuro demonstrar máximo
respeito. E penso que isso deva continuar assim, porque acredito que devemos proteger
nossos mestres. Protegê-los de nós mesmos e de outros que possam, no decorrer dos
anos, demonstrar ingratidão e maldizer a quem nos acolhe, quando na realidade,
poderíamos não ter sido acolhidos. Talvez este seja um dos ensinamentos que não é
aparente, sobre como podemos aprender e treinar o sentimento de gratidão.
Com o passar do tempo, temos a ilusão de que sabemos Aikidô e já vi casos de alunos
que respeitavam mais a seus professores no início, do que ao final. Digo ao final, porque
por acaso, estes alunos não permanecem treinando, curiosamente. E este é outro
exemplo do lado oculto do Aikidô: o dojô afasta naturalmente pessoas que semeiam a
desarmonia e divulgam a desunião. Isso é algo incrível. Quantos alunos já vieram e
quantos já se foram... Foram tantos, que já perdi as contas. Mas o importante é que os
que fiquem se mantenham unidos, acima de qualquer coisa.
No ano de 2000 deixei o dojô após o seminário do Yamada Sensei. Cercado por
problemas pessoais, principalmente de ordem emocional. Passei alguns anos em um
estado de muita tristeza. Foram anos de muita dificuldade e confusão em minha vida
pessoal.
Três anos se passaram. Em 2003 retornei ao Instituto, com o incentivo, e na realidade,
grande apoio de uma terapeuta, acupunturista e excelente profissional, chamada Gisela
Yamauti, pessoa sobre a qual mantenho sentimento de profunda gratidão.
Depois de um tratamento intensivo de três anos com ela, Gisela disse algo que marcou
muito a minha trajetória pessoal. Não me recordo das exatas palavras, mas foi algo como:
“João, a partir deste momento não posso mais te ajudar, se você não se ajudar também.
Volte aos treinos de artes marciais e leve-os a sério, caso o contrário não há muito mais o
que possamos fazer”. Foi o que fiz. Eu precisava e queria muito melhorar. Acreditei que
seria possível.
Aos 23 anos retornei ao Instituto. Mas agora tinha um compromisso: nunca mais iria
abandonar o Aikidô – não era apenas uma questão de saúde – como Gisela sugeriu –
mas era uma certeza que o meu coração sabia. Antes de tudo, obrigado Gisela, sem você
hoje eu não estaria aqui. E obrigado ao Instituto Takemussu, que me permitiu treinar esta
arte marcial tão poderosa e me desenvolver verdadeiramente como pessoa.
3 – O AIKIDÔ E A ESPIRITUALIDADE: O DESENVOLVIMENTO SUTIL DO SER
HUMANO
A antiga sabedoria do Budismo Tibetano nos ensina que na natureza nada é bom ou ruim
em si mesmo. Esta simples afirmação traduz um conhecimento muito importante, que ao
longo dos meus treinos de Aikidô pude compreender de forma mais profunda e prática.
Se nada é bom ou ruim em si mesmo, o que, então, nos faz perceber um acontecimento,
uma pessoa, uma imagem, um sentimento, ou qualquer coisa, como algo bom ou ruim? A
resposta é relativamente simples e um tanto óbvia: a nossa mente.
Porém, o ponto de vista que escolhemos para analisar uma determinada situação, não
necessariamente tem o poder de alterar a realidade desta situação. Por exemplo, ao
batermos a cabeça e surgir um corte, se pensarmos que este corte não existe, não fará
parar de sangrar. O simples fato de pensarmos não transformará as coisas de imediato.
Uma segunda pergunta seria decorrente deste raciocínio. O que faz, então, que as coisas
aconteçam como elas acontecem em nossas vidas? As culturas mais antigas costumam
dizer que os efeitos do que não vemos, de tudo o que pensamos, falamos e fazemos, são
as causas dos resultados que obtemos em nossas vidas. E felizmente, o Aikidô é uma das
formas de atingirmos a plenitude através deste tipo de conhecimento, bastante
desvalorizado nos dias de hoje.
O pressuposto, em tese, é bastante simples: frutas não nascem de espinhos e o sabor
dos frutos indica a qualidade da árvore. Cada impressão marcada em nossas mentes,
como uma semente, cresce e se transforma na realidade em que nos encontramos hoje.
Por isso, podemos dizer que desejar a destruição de nossos inimigos é algo muito similar
com o desejo de nossa própria destruição.
Muitas das coisas que dizia o Fundador do Aikidô, Morihei Ueshiba – Ô Sensei, foram
escritas. Para quem é praticante de Aikidô, ler seus escritos, ou os escritos de quem o
conheceu, é muito interessante e gratificante. Uma das coisas que o Fundador dizia que
me chama muita atenção é a de que o Aikidô seria capaz de transformar o mundo em
uma grande família. E claro, para isso precisaríamos amar as pessoas e inclusive, aos
nossos inimigos. Não um amor romântico, mas o amor que protege todas as coisas, algo
também conhecido como compaixão.
Durante meus treinos percebi que estes valores de compaixão e solidariedade estavam
insculpidos no Aikidô, nas suas técnicas principalmente, que poderiam ser letais e
destrutivas, mas na prática procuram sempre não machucar.
Assim, o caminho para a felicidade, para a riqueza, prosperidade e saúde, depende
necessariamente das pequenas atitudes que temos diariamente, em cada coisa que
fazemos e com cada um que nos encontramos. Como pensamos, em cada
aparentemente inofensivo pensamento, palavra ou ato que dirigimos a alguém ou a
alguma coisa, isso possui uma força muito maior do que nos parece.
Se formos rudes ou gentis, arrogantes ou observadores, solidários ou cínicos, proativos
ou preguiçosos, firmes ou agressivos, sinceros ou desonestos, tudo isso refletirá em nós
mesmos diretamente.
Atitudes mais fortes se transformam em realidade concreta com mais facilidade. Atitudes
mais fracas demoram a emergir das profundezas da mente e aos poucos se transformam
em realidade de forma sutil. E as técnicas de Aikidô mostram isso claramente, porque um
ataque sem energia precisa de mais energia para se transformar em uma técnica forte.
Ou seja, quanto mais forte o ataque, mais intenso o resultado.
O Fundador do Aikidô dizia também que o a prática do Aikidô seria um dos caminhos para
a felicidade, por proporcionar a limpeza da mente, do corpo e do espírito do praticante,
corrigindo seu caráter, purificando seus pensamentos e transformando suas atitudes,
como uma forma de construir um mundo melhor.
Sob a ótica da filosofia Xintoísta podemos afirmar que a natureza é o pressuposto e ponto
de partida de tudo o que acontece no Universo e, portanto, fonte de toda a realidade. Ou
seja, tudo acontece porque, de certa forma, é natural – ou melhor, aquele resultado, a
partir de determinado evento, naturalmente iria ocorrer, pelo simples fato de que na
natureza é assim: toda ação produz uma reação.
É sabido que o Xintoísmo é a religião mais antiga do Japão e que o Fundador do Aikidô
era um fervoroso praticante desta antiga religião. Mas como já foi investigado pelos
estudiosos da história do Aikidô, o Budismo também foi uma grande fonte de inspiração
para o Fundador Morihei Ueshiba, que tinha como uma de suas principais referências um
monge budista, que vivia em um Templo, que ficava perto de sua casa, quando o
Fundador ainda era criança.
Na prática isso se traduziu nas técnicas do Aikidô: todas baseadas em sua profunda
espiritualidade, na observação atenta e perceptiva dos movimentos e eventos da
natureza.
Mas por que praticamos Aikidô? E o que ele significa? Em geral é comum nas artes
marciais tradicionais na atualidade a prática marcial ser parte integrada da vida cotidiana
de seus adeptos, por conta de um objetivo bem simples: ser mais feliz, mais saudável e
viver com maior qualidade de vida.
Existe um personagem de quadrinhos do mangá “Dragon Ball Z”, chamado “Mestre
Kame” que resume de forma divertida o motivo pelo qual devemos praticar artes marciais.
Diz ele que para sermos bons artistas marciais e pessoas mais felizes, todos nós
deveríamos comer bastante, trabalhar bastante, estudar bastante, se divertir bastante,
treinar bastante e descansar bastante.
Na realidade este personagem nos mostra o sentido do treinamento marcial nos dias de
hoje, que é viver melhor. No Aikidô podemos definir este motivo como: treinamos Aikidô
para aprendermos a seguir melhor o fluxo da vida e assim, sermos mais tranquilos, mais
felizes e mais construtivos.
E claro, sendo mais naturais, a vida será muito mais produtiva e divertida pelo simples
fato deste estado natural estar mais perto da essência da própria natureza humana, nos
permitindo ser mais livres e perceptivos.
A prática do Aikidô, depois de anos em sequência contínua, deixa este efeito bem claro na
vida de um praticante, em maior ou menor grau. Sei que meu grau de percepção ainda é
baixo, mas nem por isso deixei de me desenvolver e me beneficiar com o que pude
conquistar com muito esforço, através do Aikidô.
Várias são as facetas do treinamento de Aikidô – e por isso é uma prática infinita – e são
vários os seus benefícios, porém, a felicidade gradativa que adquirem seus praticantes ao
longo dos anos de treinamento acaba sendo o fator decisivo e principal, já que a saúde e
a qualidade de vida aumentam muito ao longo dos treinos, mesmo que a técnica não seja
totalmente descoberta pelo praticante.
Por isso é tão segura a afirmação: o Aikidô é um caminho para a felicidade. E este é, na
minha modesta opinião, seu maior ensinamento. Desta forma, podemos concluir que a
prática do Aikidô, quando levada a sério e com comprometimento, gera consequências
positivas indiscutíveis, assim como ensina também a antiga sabedoria dos Budistas e dos
Xintoístas.
Por isso tudo, tenho clareza absoluta ao afirmar que a prática dos princípios do Aikidô
possui reflexo direto no comportamento humano e assim se transforma em um poder
oculto de desenvolvimento humano, de percepção e fonte de energia positiva,
transformadora e construtiva. Ser uma pessoa íntegra exige rigor, mas é através do
treinamento constante que nos tornamos mais harmônicos e colaboramos para o
desenvolvimento de dias melhores e de um mundo com mais paz, justiça, solidariedade e
respeito.
4 – AGRADECIMENTOS
Obrigado aos Deuses do Budô e a todos os Budas, que nos permitem aprender com
nossos mestres e estar aqui, hoje. Obrigado aos meus pais e a todos os meus ancestrais,
por me darem a dádiva da vida, em especial à minha mãe, que tanto amo. Obrigado aos
mestres, aos professores e às pessoas que nos curam.
Obrigado aos meus irmãos, Marcelo, Bruna e Felipe. Felipe, você tem dois anos e não
sabe ainda o que é Aikidô, mas desejo que um dia você pratique esta arte marcial e se
torne assim, um homem melhor neste mundo. Obrigado à Suellen Cruz, pelo amor, pelo
carinho e pela parceria. Obrigado ao grupo dos Sempai: Ana, Lucélio, Gomigue, Voltarelli,
Marcão, Cabral, André e Fabinho. Vocês são especiais. Obrigado ao meu Sempai, Otávio,
por todo o apoio ao longo destes anos de treinamento e pela amizade sincera. Obrigado a
todos os Sempai da Velha Guarda: Eric Marinelli, Alexandre Borges, Satie, Rafa,
Claudineis, Claudinha, Mônica, Alicawa, Guilherme Esbaile, Abdala, Cidão, Tamotsu, Edu,
Edgar Bull, Marcus Ucci, Fabão, Athie, André, Cyro, Fujita, Ushikawa, Pecerini, em
especial ao Bala, que me observou atentamente e teve paciência em me orientar nesta
fase préexame para faixa preta, e ao Wagner Consani, que me transmitiu,
generosamente, todo o kihon de armas. Em nome destes, agradeço a todos que deveriam
ter sido aqui citados.
Obrigado a todos os meus companheiros de treino: Rafael Raichler, Thiago Vegi, Camila
Rinaldi, Diógenes, Vinicius Scaramel, Luis Cintra, Gisela Yamashita, Jaime Ihara, meu
irmão Marcelo Bonvicino, Priscila Lima, Washinton, Maíra, Bruna, Natália, Hiromi, Ângela
Berti, Cris, Inês, Leandra, Roberto Kyoshi, Celso, Nonato, Lia Asai, Felipe Antunes, em
especial ao Ednei Cavalcanti, que teve paciência de ma analisar com sinceridade e
sugerir formas através das quais eu pudesse evoluir verdadeiramente. Agradeço a todos
que estiveram um dia ao meu lado no tatame.
Obrigado a todos os Kohais do Instituto Takemussu. Aos que permanecem praticando e
aos que já se foram. Agradeço por tudo o que aprendo com vocês, através da
oportunidade de incentivar seus treinamentos. Sei que muitos não estarão nesta lista,
mas nem por isso são menos queridos no meu coração. Obrigado a: Luiza Furkim,
Valfredo, Marcelo, Ronald, André, Nilton, Yuri, Eric, Milena, Renata, Ivo, Samuel, Marcelo,
Murilo, Rafael, Tetsuo, Isadora, Fernando Rister, Alexandre, Hyllo, Pamela, Guilherme,
Ana Elise, Danila, Diógenes e Daniela, Janaína, Kamei, Marcos, Sérgio Trentin, Patrícia, e
todos os outros, por todos os treinos e por me permitirem estar com vocês. Para Tamara
Chezzi, registro gratidão especial, por ter voluntariamente apoiado a revisão deste
trabalho, auxiliando para que eu pudesse atingir o melhor resultado possível, com o rigor
dos bons Advogados. Os seguintes ukes, convidados a participar oficialmente do exame,
se disponibilizaram e por isso os agradeço eternamente pela cooperação, solidariedade e
generosidade:
• Marcelo Tambasco – Faixa Marron
• Weberton, do Onogoro Dojo – Faixa Marron
• Thomas, do Onogoro Dojo – Faixa Marron
• André Nabarrete – Faixa Azul
• André Costa Oliveira – Faixa Azul
• Danilo Mendes Faria – Faixa Azul
• Marcos Afonso Oliveira – Faixa Azul
• Iaro Bruno – Faxa Azul
• Roberto Kiyoshi – Faixa Azul
• Sérgio Igawa – Faixa Azul
• Marcelo Anache – Faixa Verde
• Rogério Mattos – Faixa Verde
• Marcos Esmerini – Faixa Roxa
• Danilo Mendes – Faixa Amarela
Registro aqui um agradecimento especial ao Ademar, ao Rogério Mattos, ao Danilo
Mendes, ao Camilo, ao Rafael Montanha e ao Marcos Esmerini, que foram generosos
como verdadeiros irmãos, ao me auxiliar nos treinos para este exame, sacrificando o
tempo precioso de suas vidas, semanas a fio, para me ajudar, sem hesitar em qualquer
momento. Muito obrigado.
Registro meu agradecimento especial ao Matsuda, que me apoiou e me incentivou em
momentos de dificuldade, sempre de maneira discreta e serena, além de ser excelente
professor de Aikidô e verdadeiro amigo.
Obrigado ao Miura, pela atenção e paciência, pelos ensinamentos generosos, pela
seriedade e pelo rigor com que conduziu muitos treinos em que tive a honra de participar.
Miura, você estará sempre no meu coração. Obrigado ao professor Alexandre Bull, por
todos os ensinamentos, por todo exemplo de marcialidade e cuidado com que ensina a
cada um no dojô, pela grande generosidade e firmeza de caráter que nos guia, nos
momentos mais difíceis, dentro e fora do tatame. Sua presença nos mantêm unidos. Se
não fosse pela sua paciência, apoio e austeridade, eu jamais teria conquistado o que
consegui hoje. Minha gratidão é eterna.
Obrigado ao Shihan Wagner Bull, por me aceitar como aluno do Instituto Takemussu,
permitir a oportunidade de meus treinamentos e dividir seus conhecimentos comigo e com
todos seus alunos. Muito obrigado Sensei, pelo exemplo de dedicação, pela oportunidade
e pela generosidade.
Ao meu mestre, gratidão e lealdade, eu juro!
*Este artigo foi retirado de http://aikikai.org.br/site.php?pagina=lista_artigos.php?categoria=1
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