As cinzas da feiticeira – O enredo em construção Profª Ms. Cerize Nascimento Gomes Faculdades Guarapuava O livro As cinzas da feiticeira – Tributo a Jules Michelet, permite uma aproximação entre a história e a literatura, através da construção de um enredo que promove o retorno completo a narrativa. A obra foi escrita a partir de uma releitura dos processos publicados pelo historiador francês Jules Michelet no clássico A Feiticeira, publicado em 1862. A narração parte de documentos do Tribunal do Santo Ofício, estudados e descritos por Michelet. Com a intenção de dar continuidade a sua forma de narrar, escrever e conceber a história, foram utilizadas as teorias da metahistória de Hayden White, optando-se por lançar mão de um artefato desprezado pelos historiadores contemporâneos – a imaginação histórica. As cinzas da feiticeira apresenta a construção de um enredo forjado a partir de casos e personagens reais, unidos pela feiticeira Juliana, personagem ficcional que encarna doze séculos de caça às bruxas. A comunhão da história com a literatura e a filosofia permite observar o macro contexto de 1.200 anos de inquisição na França Medieval e Moderna, por meio de uma síntese que possibilita aos leitores viajar no tempo por meio de rupturas e deslocamentos bruscos no campo histórico. Para a realização dessa empreitada, toma-se de Michelet “um fiozinho biográfico e dramático” e com ele borda-se o caminho percorrido desde o Século VI até o século XVIII, recriando o cenário inquisitorial dos primeiros aos derradeiros processos contra as feiticeiras. O leitor percorre o denso caminho aberto por Michelet, desde os “tempos legendários da feitiçaria”, quando a igreja começou a catalogar os demônios e suas formas de ação – prosseguindo até os últimos processos da era moderna. Ao empreender uma fala sobre As Cinzas da Feiticeira, penso que sua maior realização é a apresentação de um nova forma de trabalhar o tempo histórico: abarcando-o,. distendendo-o e finalmente sintetizando-o. Por mais humilde que seja o trabalho, seu propósito não é modesto, ele preconiza a renovação historiográfica por meio de rupturas drásticas e um retorno completo à narrativa histórica e às imagens poéticas e filosóficas. Citações dos diversos autores trabalhados foram incorporadas ao texto em formato de falas ou narrações , com vistas a promover um diálogo constante e verdadeiro, não apenas com as fontes, mas principalmente entre as fontes. Os três livros que perfazem a história dividem-se em a fonte, o rio e o mar, unidos permitem reconhecer a inquisição em três momentos distintos: infância, maturidade e velhice. A obra conversa de modo especial com três autores: Jules Michelet, Gaston Bachelard e Sêneca. Encontra, ainda, embasamento teórico em Paul Veyne, para quem “a história é um romance verdadeiro”; em Stephen Bann, ao apresentar novas invenções historiográficas e apagar as fronteiras entre a história e a literatura; nos sonhos oníricos de verticalização de Gaston Bachelard e Friedrich Nietzche; nas teorias de Hayden White, que carrega sobre ombros o fardo da história e entende que a construção historiográfica só ganhará a leveza pretendida quando retornar à narrativa completa e for concebida com arrojo, poesia, urdidura e trama – elementos que, se não garantem a completa cientificidade da história, pelo menos asseguram sua humanidade. Ao aproximar corajosamente a história da literatura, As cinzas da feiticeira expande as fronteiras da historiografia contemporânea e apresenta sua contribuição para o processo de escrita da história e para a construção de novos e revolucionários enredos. Ao apresentar As cinzas da feiticeira, considero importante lembrar que ela foi escrita, no mínimo, a quatro mãos: as minhas e as de Jules Michelet. “Eis agora o meu pecado, onde a crítica me espera!”