Outlook SUPLEMENTO DE SÁBADO DIÁRIO ECONÓMICO 19/JUNHO/2010 82 2010 “O1922 céu acabou.” José José Saramago Saramago 1922 - 2010 A ÚLTIMA ENTREVISTA I A BIOGRAFIA I O TESTAMENTO I AS REACÇÕES Outlook | Sábado, 19.6.2010 | 3 Look at 19.6.10 Não era para ser esta capa, não era para ser reeditada esta entrevista. Este Outlook não era para ser assim até à hora de almoço de ontem quando chegou a notícia da morte de José Saramago. O Nobel da Literatura morreu nove meses depois de ter dado a última entrevista ao DE e uma das últimas da sua vida cheia de polémicas, prémios, consagrações, provocações. Uma vida com 87 anos da qual deixamos aqui algumas notas. 2010 ficará para a história como o ano da morte de José Saramago 4 Uma notícia que veio remeter para segundo plano o tema que abriu os noticiários de ontem: um projecto de duas deputadas do PS para alteração de feriados. Fomos fazer uma pesquisa e fizemos a contabilidade aos feriados mundiais. Portugal segue no pelotão da frente 20 Tudo pela produtividade dizem elas, isso que fez Susana Gateira recuperar uma antiga fábrica familiar num negócio de sucesso. A assinatura Gateira é uma das mais consagradas entre os adeptos de ginásios e já tem exportação 16 E andámos pelo Castelo de S. Jorge a ver os ensaios das histórias que por lá se passam numa conversa com Bernardo Sassetti entre pregos e umas espreitadelas aos jogos do mundial 38 Isabel Lucas 4 | Outlook | Sábado, 19.6.2010 SARAMAGO O ano da morte de José Saramago Polémico na escrita, polémico na política, José Saramago, Nobel da Literatura em 1998, morreu aos 87 anos na sua casa de Lanzarote TEXTO I S A B E L L U C A S / FOTO A U G U S T O B R Á Z I O se a morte deixasse de matar? A interrogação foi do próprio José Saramago, a propósito do livro “As Intermitências da Morte”. Uma ideia. Porque nele os romances nasciam assim. Primeiro era a ideia. Esta foi a que o lançou num livro que está longe de ser um dos seus melhores e que é uma interrogação à vida. Isso foi em 2005. Numa entrevista em que dizia: “Eu sou um velho.” Tinha 83 anos. A voz ainda não lhe tremia, mãos cruzadas sobre a mesa, porte altivo, sorriso nada fácil. “A morte do outro é lógica e natural e necessária. A nossa própria morte é uma injustiça tremenda, uma partida que nos pregam. Ele que não pensava que a morte lhe pudesse chegar quase por carta, como no livro, a avisar. “Partida tremenda”, essa, a da vida, considerava a propósito da sua tal ficção. O facto é que a José Saramago, Prémio Nobel da Literatura em 1998, a morte fez-se anunciar, provocadora e ele resistiu-lhe durante anos, até ontem, ao meio-dia e meia. Morreu, vítima de uma “múltipla falha orgânica, após uma prolongada doença”, na casa onde vivia, na ilha de Lanzarote. A morte aconteceu-lhe bem longe da aldeia onde nasceu, em 1922, na Azinhaga do Ribatejo, a aldeia que há dois anos se vestiu de festa para celebrar o seu mais famoso habitante. O neto do Jerónimo e da Josefa, ex-operário, militante comunista, homem que esteve ligado ao PREC à frente de um jornal e que se tornou escritor de nome e de vendas. Ele voltava Nobel quando a água do Alviela, ali ao lado, estava a subir e à porta das tabernas os homens comentavam o rio e o escritor. A cheia estava por pouco. O escritor estava a minutos. E já se assavam porcos e se preparavam churrascos e a banda filarmónica afinava as últimas notas para uma romaria ensaiada. Nunca a Azinhaga foi tão falada, fotografada, filmada. Ele chegou atrasado meia hora e as pessoas, quase todas com laços familiares, impacientes. “Não esperava tanta gente. Creio que a Azinhaga está toda aqui”, comentou à chegada. E estava. Mais os que vieram de Lisboa e das aldeias à volta para ver Saramago apresentar o seu livro de memórias a que chamou “Pe- E / 1922 Nasceu a 16 de novembro na Rua da Alagoa de Azinhaga, Golegã, no seio de uma família de camponeses. / 1936 O primeiro livro que possui é-lhe oferecido pela mãe: “A Toutinegra do Moinho”, de Émile de Richebourg. A morte aconteceu-lhe bem longe da aldeia onde nasceu, em 1922, na Azinhaga. A terra que há dois anos se vestiu de festa para celebrar o seu mais famoso habitante quenas Memórias” e onde a Azinhaga tinha ares de protagonista. A doença já se comentava, mas era um assunto silenciado. O escritor iria recuperar. Mas a debilidade física já lá estava e ele disfarçava. Atravessou a aldeia de braço dado com Pilar del Rio, a quem culpou pela “conspiração”. Irónico. Olhos brilhantes de uma vaidade pródiga. Ele que teve o primeiro sucesso literário aos 54 anos e que voltava trinta anos depois, já Nobel. E discursou como o povo quis e disse o que o povo quis: “Entre todas as boas surpresas que tenho tido na minha vida, talvez a principal tenha sido esta.” E terminou a citar uma memória dita emocionada e para emocionar. “Sou avô, mas continuo o neto do Jerónimo e de Josefa.” E disse ainda que devia ter cultivado mais essa terra, antes de terminar a dizer: “Não vos digo adeus, digo-vos até à vista.” E voltou em grande com um livro aplaudido que pensou que não iria terminar. “A Viagem do Elefante”. Um romance interrompido por um internamento que quase lhe tirou a vida. Essa experiência, garantiu, não o influenciou em nada na escrita. Prosseguiu. Aderiu à Internet, criou um blogue e uma fundação com o seu nome nas instalações da sua editora de sempre, a Caminho. Mandava recados por aí. Sempre gostou de falar ao mundo este escritor que nunca deixou de opinar sobre política, economia, que defendeu a Ibéria e que vivia dividido entre Portugal e Espanha, casado com uma ex-jornalista que se tornaria sua tradutora para castelhano e que parecia a sua sombra. Saramago e Pilar. Inseparáveis. Mas foi em Outubro. A voz saia-lhe frágil, o discurso ágil, directo, desafiador como sempre. Tinha dado uma conferência de imprensa para explicar uma alegada ofensa à Igreja. “A Bíblia é um livro de maus costumes.” Ele afirmou e toda a imprensa replicou, ainda não se conhecia o conteúdo de “Caim”, o seu último romance, o livro que lhe merecera este comentário em tempos de promoção e que fez lembrar uma polémica antiga, quando um ex-secretário de Estado da Cultura que só ficou para a história por isso, Sousa Lara, lhe censurou “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”. Cavaco Silva era pri- / 1944 Casa-se com a pintora Ilda Reis. / 1947 Publica “Terra do Pecado”, o seu primeiro romance, intitulado inicialmente “A Viúva”. No mesmo ano nasce a sua filha, Violante. / 1966 É editado o seu primeiro livro de poesia, os “Poemas Possíveis”. / 1970 Divorcia-se de Ilda Reis e muda-se para Lisboa, depois de viver 12 anos na Parede. / 1969 Filia-se no Partido Comunista Português. / 1972 Publica numerosas crónicas no “Jornal do Fundão” e trabalha como editorialista no “Diário de Lisboa”. Nasce a sua primeira neta, Ana. Outlook | Sábado, 19.6.2010 | 5 “Mas ainda não acabámos.” Acabámos. Pilar insistiu. Saramago obedeceu a contragosto, rosto fechado, olhar vivo. A última vez que o vi. Em Outubro / 1974 Após a revolução de Abril coordena uma equipa do Fundo de Apoio aos Organismos Juvenis, sob dependência do Ministério da Educação. / 1975 Nomeado director-adjunto do “Diário de Notícias”. É acusado de radicalismo e de sanear politicamente dezenas de jornalistas. Acaba por ser despedido nesse mesmo ano sem sequer contar com o apoio do seu próprio partido. Decide não procurar outro trabalho e dedicar-se exclusivamente à escrita e à tradução. Traduziu para português 27 obras, muitas delas de carácter político. / 1979 Publica a peça de teatro “A Noite”, que recebe o prémio da Associação Portuguesa de Críticos. / 1980 Publica “Levantado do Chão”, que marca o início do estilo saramaguiano. É-lhe ainda atribuído o prémio Cidade de Lisboa. meiro-ministro e Saramago nunca lhe perdoou a não existência de um pedido de desculpas. Mas foi em Outubro, altura em que fez 87 anos. Depois da conferência, eu e ele numa sala cheia de cadeiras vazias e o escritor a explicar que a dimensão da polémica à volta da frase era pura ingenuidade e afirmando ainda que o Deus do Antigo Testamento era um Deus “injusto e não de fiar”. Lá estava ele, desafiador, sem medo de aumentar o bruá. A debilidade era apenas física e o cansaço que revelava ao princípio foi-se dissipando ao longo de uma conversa que não chegou a durar meia hora. Pilar de Rio, vestida de verde alface, diz-lhe “cariño, anda que estás fatigado”. Saramago limitou-se a desviar o pescoço em direcção à mulher e a dizer: “Mas ainda não acabámos.” Acabámos. Pilar insistiu. Saramago obedeceu a contragosto, rosto fechado, olhar vivo. A última vez que o vi. Em Outubro. / 1982 Publica “Memorial do Convento”, que o consagra internacionalmente. / 1984 Publica “O Ano da Morte de Ricardo Reis”. / 1986 Conhece a jornalista Pilar del Rio / 1988 Casa-se com Pilar del Rio / 1990 Estreia no teatro Alla Scalla de Milão, a ópera “Blimunda” Fotos: arquivo Fundação José Saramago 6 | Outlook | Sábado, 19.6.2010 SARAMAGO A herança de Saramago Deixa os livros. As polémicas. Os leitores que já são e os que vão ser. Mas a herança do autor é maior e não se vê. Está na Fundação com o seu nome TEXTO Â N G E L A M A R Q U E S aquilo a que se chama uma contradição em termos: um escritor que não deixe herança não pode ter sido um escritor. Nas bibliotecas, nas memórias, até nas ideias feitas – a herança de um escritor está em cada livro que escreveu e nas pessoas que o leram. E se Saramago escreveu alguns dos mais importantes livros da literatura portuguesa, então não se lhe devia pedir mais. Mas como o próprio escreveu na declaração que celebrou a criação da Fundação José Saramago (“Não vos peço muito, peço-vos tudo”), há sempre mais para pedir. E o que os portugueses pedirem, Saramago tem para dar. E vai fazê-lo através da sua fundação. Que é, para lá da escrita, o seu maior legado. De resto, foi criada com essa intenção. Pilar del Rio, mulher do escritor e criadora do projecto, disse-o muitas vezes em entrevistas: a Fundação foi criada para oferecer a Portugal tudo aquilo que José Saramago acumulou ao longo da vida. “Para que José Saramago pudesse continuar a ser o mesmo, soubemos que tínhamos a obrigação ética de criar a Fundação José Saramago e assim, dando abrigo ao homem, aumentarmos o tempo do escritor, sermos também a sua casa, o lugar onde as ideias se mantêm, o pensamento crítico se aperfeiçoa, a beleza se expande, o rigor e a harmonia convivem”, pode ler-se no site da Fundação. Mas o que representa financeiramente uma fundação de natureza cultural sem fins lucrativos? Que herança é esta que o escritor deixa aos portugueses? José Sucena, administrador da Fundação José Saramago, explica que a 29 de Julho de 2007, para ser instituída, a Fundação precisou de 300 mil euros para abrir portas. “No mesmo dia, José Saramago decidiu deixar um terço de todos os seus direitos de autor à fundação.” No último ano, conta o administrador, “a fundação fechou contas com 600 mil euros líquidos no banco”, o que significa que a gestão não tem corrido mal. “Temos quatro trabalhadores remunerados e temos a renda do espaço para pagar.” Espaço esse, a Casa dos Bicos, que deu polémica, tendo levado mesmo a presidente da fundação, Pilar, a apelidar de “rasca, absurda e estúpida” a discussão sobre a cedência da Casa dos Bicos à fundação. Águas passadas. Hoje a fundação quer continuar a fazer o que faz melhor: conservar a herança que ainda vivo Saramago começou a partilhar. Com conferências, debates, exposições, concertos e sessões literárias, a fundação quer honrar os desejos do nobel. Que no mesmo texto em que disse que pedia tudo à fundação, escreveu: “Bem sei que, por si só, a Fundação José Saramago não poderá resolver nenhum destes problemas [do aquecimento global ao respeito pela Declaração Universal dos Direitos Humanos], mas deverá trabalhar como se para isso tivesse nascido.” Agora que morreu o homem, respeite-se o testamento. É / 1991 Publica “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”. / 1992 O governo português veta a candidatura de “O Evangelho Segundo Jesus Cristo” ao Prémio Literário Europeu. A mulher, Pilar, presidente da fundação com o nome do marido, disse-o sempre: a Fundação José Saramago foi criada para oferecer a Portugal tudo aquilo que José Saramago acumulou ao longo da vida. E foi muito / 1993 Transfere a sua residência para Lanzarote e é-lhe atribuído o prémio inglês “The Independent Foreign Fiction Award”. / 1995 Publica “Ensaio sobre a Cegueira”. LUTO NACIONAL De acordo com a agência Lusa, o corpo de José Saramago será transportado para Lisboa por um avião do governo português.”Estamos à espera que o corpo chegue amanhã a Lisboa onde ficará em câmara ardente no salão nobre da Câmara de Lisboa”, diz José Sucena, administrador da Fundação José Saramago. A bordo do avião da força Aérea Portuguesa vai a ministra da Cultura, Gabriela Canavilhas, e a filha e a neta de José Saramago. Ontem, durante a tarde, o primeiro-ministro José Sócrates convocou uma reunião extraordinária do Conselho de Ministros para decretar luto nacional pela morte do escritor. / 1998 Recebe o Prémio Nobel da Literatura. / 1999 Recebe vários títulos Doutor Honoris Causa, entre os quais, o da Universidade de Nottingham, Massachusetts e Rio de Janeiro. / 2000 Recebe a medalha de ouro pelo governo das Canárias e publica “A Caverna”. / 2002 Lança “O Homem Duplicado”. / 2004 Publica “Ensaio Sobre a Lucidez”. Outlook | Sábado, 19.6.2010 | 7 A notícia que correu mundo “Escritor de projecção mundial, justamente galardoado com o Prémio Nobel da Literatura, será sempre uma figura de referência da nossa cultura” ANÍBAL CAVACO SILVA “O seu desaparecimento torna a nossa cultura mais pobre” JOSÉ SÓCRATES “Será sempre recordado como um dos maiores escritores da literatura mundial” DURÃO BARROSO “Em nome dos portugueses e em meu nome pessoal, presto homenagem à memória de José Saramago, cuja vasta obra literária deve ser lida e conhecida pelas gerações futuras. À família do escritor, endereço as minhas mais sentidas condolências. ” A declaração de Cavaco Silva, com quem José Saramago uma relação distante desde que o Governo liderado pelo agora presidente da República vetou o livro “Evangelho Segundo Jesus Cristo” a um prémio europeu, foi uma das primeiras a surgir na imprensa. Mais que isso, Cavaco e Silva evocou a memória de um “escritor de projecção mundial”, sublinhando que “será sempre uma figura de referência” da cultura nacional. A noticia da morte encheu páginas de jornais do mundo inteiro. O diário norte-americano “The New York Times” publica uma biografia do autor português e recorda uma frase marcante: “Foi o melhor dia da minha vida”, disse Saramago referindo-se ao despedimento do “Diário de Notícias”, em 1975. O jornal noticia também que Saramago “descreveu a globalização como o novo totalitarismo e lamentou fracasso da democracia contemporânea para deter o poder crescente das multinacionais”. Os jornais espanhóis “ABC” e “El País” contam também a história de vida do Prémio Nobel e publicam entrevistas antigas. O francês “Le Monde”, o italiano “Corriere Della Sera” e a revista alemã “Stern” elogiam as obras e o estilo de escrita de Saramago. As declarações de condolências chegam do mundo inteiro. O ministro brasileiro da Cultura, Juca Ferreira, recebeu “com muita tristeza” a notícia da morte de José Saramago salientando que o escritor português mantinha relações privilegiadas com o Brasil, onde se tornou “muito popular antes mesmo de conquistar o Nobel”. Em Espanha, país onde o escritor vivia, a ministra da Cultura, Ángelez González-Sinde, definiu Saramago como um homem que “queria muito a Espanha, com uma alma muito portuguesa”. A escritora moçambicana, Paulina Chiziane, afirmou que Saramago “partiu muito cedo”. José Sócrates, Durão Barroso, Passos Coelho, Lídia Jorge, Mega Ferreira, Carlos Queiroz, Fernando Nobre, Gabriela Canavilhas, Manuel Alegre e Jerónimo de Sousa foram algumas das personalidades do mundo da política, cultura e desporto que elogiaram a vida e a obra do Nobel da literatura. A morte de escritor liderou o Twitter, com mais de 50 mensagens por minuto. O português, o espanhol, mas também o Inglês foram as línguas mais usadas nos milhares de “tweets” alusivos à morte de Saramago. Também no Facebook, o Nobel esteve em destaque, com vários utilizadores a reproduzirem fotografias, excertos de livros, declarações e entrevistas do escritor. ANTÓNIO SARMENTO E CRISTINA S.BORGES “Os espanhóis choram hoje Saramago como um dos nossos” JOSÉ LUIS ZAPATERO A reacção de Cavaco Silva, com quem Saramago mantinha uma relação pouco amigável desde 1992, foi das primeiras a serem divulgadas “Uma referência universal da grandeza e do dessassombro” MANUEL ALEGRE / 2005 Compra uma casa em Lisboa, no Bairro do Arco do Cego, que a partir de finais de Outubro lhe servirá de residência durante a sua estadia em Lisboa. / 2006 É nomeado Filho Predilecto da Província de Granada. É-lhe atribuido o prémio Dolores Ibarruri. / 2007 Em Fevereiro começa a escrever “A Viagem do Elefante”. Meses depois, interrompe a escrita por problemas de saúde. Só voltaria a pegar-lhe em Fevereiro do ano seguinte. / 2008 A 22 de Janeiro tem alta hospitalar e regressa a casa. No dia seguinte a abandonar o hospital retoma a escrita “A Viagem do Elefante”. Os dois primeiros dias dedica-os à correcção do que já estava escrito e, ao terceiro, já avança na história. / 2009 No início de Fevereiro participa numa homenagem a Jorge Sampaio, em Lisboa. A 5 de Abril dá entrada numa clínica de Lanzarote afectado por problemas de saúde. Uma semana mais tarde, abandona a clínica por umas horas para participar na mesa-redonda, “Experiência de Um Sequestro”. / 2010 No dia 29 de Janeiro, na sequência do sismo que abalou o Haiti, dá início a uma campanha de solidariedade com o povo haitiano. Esta campanha traduziu-se no lançamento de uma edição especial do livro “A Jangada de Pedra”. Fotos: arquivo Fundação José Saramago 8 | Outlook | Sábado, 19.6.2010 SARAMAGO José Saramago “Já não há Céu. O Céu acabou” Ingenuidade, disse ele a propósito da dimensão da polémica causada pela crítica que fez à Bíblia, chamando-lhe livro de maus costumes, e a Deus, que acusa de ser mau e não de fiar. Foi no lançamento do seu último romance, “Caim”, que José Saramago deu a última entrevista da sua vida ao DE. Foi em Outubro de 2009, numa altura em que se viu no centro de uma polémica que envolveu a sociedade e a Igreja e deu uma conferência de imprensa onde ficou patente a sua debilidade física em contraste com a agilidade mental. Entrevista de Isabel Lucas. Fotografia de Augusto Brázio Outlook | Sábado, 19.6.2010 | 9 10 | Outlook | Sábado, 19.6.2010 SARAMAGO O cansaço de Saramago não se mede. Em poucos dias as solicitações foram muitas. Respondeu a todas a propósito da polémica iniciada no domingo. Marketing para o novo livro? Ele garante que não T Toda esta polémica à volta do livro surpreendeu-o? Sim e não. Sim porque sempre teria de haver alguma polémica, agora que ganhasse esta dimensão é que não esperava. E não esperava por ingenuidade minha. Não esperava que houvesse grande polémica porque os católicos não lêem a Bíblia. Ou quando lêem, lêem o Novo Testamento. E o resto, enfim, não é com eles. Aí fala-se de Deus, mas no fundo o Deus do Antigo Testamento e o Deus que Jesus reformou, porque Jesus era um judeu, portanto o seu Deus era aquele e o Novo Testamento ainda não existia. Jesus tornou esse Deus mais humano? Sim. Sem nenhuma dúvida. Um Deus cruel, vingativo, invejoso, com todos os defeitos do mundo, que é o Deus do Antigo Testamento, Jesus transformou-o num Deus de amor, Deus de compaixão. Esse foi o grande milagre de Jesus, que parece que fez outros, mas o grande milagre objectivamente considerado foi esse, pôr um Deus no lugar do outro. A polémica surgiu antes que as pessoas lessem o seu livro. Já estou habituado, aliás. Mas foi na sequência de umas declarações que fez em Penafiel… Mas o que é que eu disse em Penafiel? Que a Bíblia era um manual de maus costumes? E é. Aquilo é um estendal de horror. Para instalar os judeus na Palestina morrem milhares e milhares e milhares de pessoas a quem Deus conduz por intermédio dos chefes hebreus, como Josué e Moisés, claro. É uma guerra de conquista. E não é uma guerra de conquista só no sentido de ocupar o território do outro, mas começando por eliminar o outro para depois ocupar o território que foi dele. É a História. Isto é a Bíblia além de muitas outras coisas. Um livro escrito por homens? Pois, Deus não sabe escrever. Claro que foi. A Bíblia foi escrita ao longo de mil anos; gerações e gerações de pessoas foram pondo o seu grão de areia naquele livro, ou naqueles livros, porque são uma quantidade deles, e depois reuni-los num todo que não é homogéneo nem é coerente. O que faz o “Cântico dos Cânticos” ali? Não faz grande coisa, embora a Igreja Católica se tivesse encarregado de promover uma leitura simbólica de um texto erótico, amoroso, como é aquele, e convertê-lo em instrumento de edificação religiosa. Aí já se introduz a noção da Igreja; já se introduz a noção de que o amado ali tantas vezes citado é Jesus. É um abuso. Para mim é um abuso. Claro que não devemos ficar no que o texto apresenta literalmente; sabemos que há interpretações e somos livres de as fazer. palavras. As palavras podem justificar muitas coisas, mas não tudo. Um Deus que se preze ou um Deus que se respeite a si mesmo não pode proceder de uma maneira tão radicalmente oposta com duas pessoas no mesmo momento. Está aí Abel. Sacrifica a gordura do cordeiro. Deus acolhe-a com gosto. Está aí Caim que como lavrador que é, sacrifica umas espigas e Deus rejeita isso. Então nesse momento, quando acontece por um lado essa aceitação, por outro, a rejeição, nasce um sentimento muito humano que é o ciúme. Caim sofre com a preferência que Deus mostra por Abel. “ Houve quem o acusasse de ter sido leviano na interpretação que fez. Não. Nada leviano. Tomei a Bíblia à letra. Acusam-me de não ter lido os teólogos e de não estar informado sobre as exegeses praticadas sobre o texto bíblico e a minha resposta é a de que não tenho obrigação de o fazer. Não vou competir agora com os ilustres senhores que escrevem sobre Deus e que vão construindo, às vezes com muita dificuldade, uma espécie de andaime que sustente a ideia de Deus. Disso estão encarregados os teólogos. Não sou teólogo. Sou uma pessoa simples que tem um livro e o lê como ele se apresenta. Então a Igreja teria de pôr ao lado de qualquer pessoa que esteja a ler a Bíblia alguém que vá dizendo a essa pessoa “olhe que isto não é exactamente o que está escrito. Significa outra coisa”. Nunca mais acabamos. Queriam que eu escrevesse um tratado teológico? Não nasci para isso. Nasci para escrever histórias. Diz que os seus livros começam sempre com uma ideia. Qual foi a ideia que deu origem a “Caim”? A ideia, neste caso, é bastante simples. A questão de Caim não nasceu ontem na minha cabeça. Sempre, desde que leio, ou que li a Bíblia pela primeira vez… Isso foi quando? Sei lá. Não sei. A história de Caim pareceu-me estranha. Não entendi à primeira como era aquilo e de vez em quando, ao longo de todos estes anos, pensava em Caim ou a propósito de uma conversa ou fosse do que fosse, mas nunca tinha pensado que isto poderia vir a transformar-se num livro, numa ficção. E foi no final do ano passado que de repente... porque funciono assim por impulsos que vêm não sei de onde – sei de onde, vêm daqui [aponta para a cabeça] – “e se eu pegasse na história do Caim?”. E voltou à Bíblia? Voltei à Bíblia com toda a atenção e o arranque do livro é claro e de alguma forma apresenta o conflito. E o conflito é: Deus aceita o sacrifício de Abel e não aceita o sacrifício de Caim. Isso sem qualquer explicação. A explicação aparece muito depois na “Carta aos Hebreus”, em que pela fé Abel não sei o quê e Deus gostou. Não vale a pena. Não brinquemos com as Deus é injusto, e com palavras que uso no livro, “Não é de fiar”. Para mim é inconcebível a ideia de um Deus eterno que não se sabe onde está Na história bíblica Caim aparece como metáfora do mal. É verdade. A sua intenção foi mostrar que não foi assim? Caim podia ser tão generoso que não matasse o irmão, apesar de todo o ciúme que sente por ele e que é natural que o tenha, embora a palavra ciúme não esteja lá escrita. Se isso não acontecesse, então não tínhamos história, não podíamos falar de Abel e Caim. Se Deus tivesse aceite as duas oferendas da mesma maneira, não haveria história. A imagem que quer passar é a de um Deus injusto? Injusto, e como eu digo por palavras que estão no livro, que não é de fiar. E não é. Quando diz “Deus não é de fiar” ou “Deus não sabe escrever” presume a existência dessa entidade? Não presumo nada. Quem presume são vocês ou as pessoas que acreditam. Quando eu falo de Deus e ao mesmo tempo assumo que Deus não existe, falo porque Deus existe para muitas pessoas. Nunca procurou Deus na sua vida? Porque é que eu tinha de procurar? Estou-lhe a perguntar. Procurar Deus? Ou está ou não está. Ou se apresenta ou não se apresenta. E, para mim, é inconcebível a ideia de um Deus eterno que está não se sabe onde. Antigamente dizíamos céu e o céu era logo ali por cima das nuvens. Agora já não se pode dizer isso. Já não há céu. O céu acabou. Agora há o espaço, os milhões de galáxias, mundo habitados ou não. Ao começar a ler o livro… Leu-o todo? Li. Estava a dizer que à medida que vamos avançando no livro vamos assistindo a uma escalada daquilo a que se podem chamar os grandes defeitos da Humanidade e que teve a génese no paraíso. Há uma ausência de moral, no início… E como é que poderia existir moral? E depois uma sucessão daquilo a que a Igreja chama pecados. Desde o conflito Outlook | Sábado, 19.6.2010 | 11 12 | Outlook | Sábado, 19.6.2010 SARAMAGO Eu naquela altura estava bem disposto e de certo modo colaborei numa atmosfera do encontro entre nós, mas ninguém, nem o Santana Lopes que era o secretário de Estado da Cultura, me pediu desculpa. E mais ainda. entre homem e mulher, o ciúme entre irmãos, a nudez, a descoberta do corpo como objecto sexual… Isso são pecados veniais se compararmos com os pecados capitais de Deus. “ E há a morte em nome de Deus… Em nome de Deus, por causa de Deus e por ordem de Deus, milhares de pessoas mortas. A história de Caim serve-lhe para contar esse lado “não de fiar” de Deus? Não. Deus é o responsável por aquilo a que se convencionou chamar Mal? Não sei se Deus é o responsável pelo Mal, mas como ele criou tudo, é de admitir que também tenha criado algo tão negativo como o Mal. O Mal e o Bem são variáveis, são tão variáveis como nós porque Deus e o Diabo, o Mal e o Bem estão na sua cabeça e na minha. Não estão fora. Dizer que o Mal anda por aí é falso. O Mal transportamo-lo nós. Fomos nós que o inventámos. Não vamos pôr culpas em mais ninguém. Se inventamos Deus, inventamos também o demónio. Fora da nossa cabeça é evidente que há mundo que não sabemos exactamente qual é. Um cão, segundo parece, vê tudo em cinzento. Quem me diz a mim que as coisas não são cinzentas? Que a visão do cão não é a visão correcta? Então, o Mal, o Bem, Deus e o Demónio habitam a minha cabeça e a sua, mesmo que você não queira esses vizinhos. Então, se isso acontece, se se expressa num livro sagrado – assim lhe chamam –, fundador de culturas e civilizações, isso não é para estudar, não é para observar, não é para analisar, não é para criticar? Basta porem na capa o título de “Bíblia Sagrada” para que eu não lhe possa tocar? Sagrado porquê? Porque alguém decidiu que se aquele livro fundava alguma coisa passa a ser sagrado? Fundador de duas religiões cujos responsáveis o estão a criticar, só que no judaísmo, segundo as suas palavras, não houve Cristo para humanizar Deus. Isso é um problema que os judeus têm para resolver. Por isso em Israel há aquela gente que já se resignou a que as coisas sejam o que são ou como se mostram, e outros, os ultra-ortodoxos, que até negam o Estado de Israel porque o Messias não chegou. É um conflito, um problema deles. Agora, como reajo às opiniões destas pessoas? É simples: exprimem as opiniões que são as deles e parece que não podiam ter outras. Não se sente magoado? Não. Não me sinto nada magoado. Nem com o pedido daquele deputado para que renunciasse à nacionalidade portuguesa? Sobre esse senhor eu não comento nada. Não o classifico sequer. Magoado? Como é que eu podia permitir-me sentir magoado porque esse senhor disse o que disse? Eu tenho a pele muito dura ao contrário daquilo que parece. Com 86 anos de idade estou um bocado débil, mas eu não me vergo, a mim não me vergam, sejam eles deputados ou seja o Papa. Há cerca de 20 anos foi um secretário de Estado que o impediu de concorrer a um prémio com “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”. Pois foi, com o apoio de um primeiro-ministro que agora é Presidente da República. E nunca pediu desculpa. Durão Barroso ainda tentou amenizar as coisas. Não aceito pedidos de desculpa com 17 anos de atraso. Também não vale a pena preocupar-me porque ele (Cavaco Silva) não é homem para pedir desculpas. Se fosse, tê-las-ia pedido pela triste figura naquela comunicação ao país sobre as escutas Aceitaria as desculpas se o Presidente da República lhas pedisse hoje? Viria tarde. Não aceito. Não aceito pedidos de desculpa com 17 anos de atraso. Aliás, também não vale a pena preocupar-me com isso porque ele também não é nada homem para pedir desculpas. Se fosse capaz de pedir desculpa tê-la-ia pedido pela triste figura que fez naquela comunicação ao país sobre as escutas. Ouviu-o com muita atenção, envergonhado por o representante máximo do meu país se permitir, não só mentir, como deturpar os factos. Alguém dentro da Presidência da República resolveu inventar um conflito com o Governo. Criaram um conflito entre o Governo e a Presidência da República e saiu-lhes furado. Este livro pode levantar questões políticas. Falou-me do conflito israelo-palestiniano… Não lhe chamaria religioso. Evidente que há uma diferença de religião entre um lado e outro do conflito. São dois povos com dois livros fundadores diferentes… Sim, mas não são os livros que se opõem. O Deus do Islão é um deus diferente? Não o conheço suficientemente para poder emitir uma opinião, mas a verdade é que os palestinos têm a sua religião, praticam-na. Os judeus têm a sua religião, praticam-na. Em caso nenhum, que me lembre, pelo menos se falou numa guerra de religião entre uns e outros. Não se fala nisso. Nunca se falou. A única questão é que, por razões que não são muito limpas, a Inglaterra, principalmente, mas também os Estados Unidos, entenderam que deviam colocar os judeus ali. Logo no desembarque, 800 mil palestinos tiveram de abandonar as suas casas e isto já vai há 60 anos. 60 anos que isto dura e não se vê solução. Por outro lado há essa coisa estranhíssima de um povo que supostamente tem um país que se chama Cisjordânia e nessa Cisjordânia há pelo menos 200 colonatos de judeus com um sistema de estradas construídas em território palestino que ligam todos os colonatos uns nos outros. Por essas estradas os palestinos não podem circular. Seriam abatidos a tiro. E, para culminar, agora há a história do muro que separa aquilo que Israel pensa que é o seu território do território que deixa a um uso limitado e condicionado dos palestinos. As potências, sobretudo os Estados Unidos, que adoptaram como coisa sua a política de expansão de Israel, que não façam nada. O próprio Obama agora queria mudar alguma coisa, começar à procura de um caminho eficaz para uma paz justa. Porque é que Israel tem direito a um estado e os palestinos não têm? Os judeus têm um desprezo profundo pelos palestinos. Quase poderia dizer que para um judeu, o palestino não é um ser humano. O desprezo que eles têm pelo povo palestino é de tal forma que se pode dizer isto sem grande exagero. Caim, Abel eram judeus. Pois eram, mas na altura ainda não havia Palestina (risos). Havia um território que mudava de dono consoante as guerras tribais. Nem sei bem o que é que se adorava. Quando chega Maomé, durante Outlook | Sábado, 19.6.2010 | 13 30 anos foi recebendo as mensagens de Deus e foi escrevendo o Corão e o Corão tornou-se o outro livro sagrado. Mas antes, as pessoas viviam com os seus Deuses que não sei exactamente quem eram, mas tinham Deus, fossem espíritos, fossem símbolos, fosse aquilo que fosse. No tempo de Caim e Abel, que não sabemos que tempo foi esse, porque Caim e Abel nunca existiram – Adão e Eva tampouco existiram. Lilith não existiu – podemos apostar quase com a certeza de ganhar que nada disso existiu. Mas como foi criado, inventado, posto no papel e noutras formas de transmissão escrita. E oral… Sim. Isso passou a ter um tipo de existência que no fundo não é menor do que se de facto eles tivessem existido. Por isso digo que tudo se passa nas nossas cabeças. E também em função do sítio onde nascemos, que tem uma cultura, que tem uma civilização, que tem uma religião e nós nascemos e automaticamente entramos no jogo. Acha que estas críticas são o preço de ter nascido em Portugal? Não. Recordo de ter feito uma declaração há anos e mantenho-a. Eu disse que gostava do que este país fez de mim. O que fez de si? A pessoa que sou. Mas atenção: quando dizemos “este país” do que é que estamos a falar? De quem o governa? Das classes dominantes? Das elites? Não sei, nunca frequentei as elites, nunca andei por aí, mas por alguma coisa a recordação da minha infância continua tão viva em mim como se a tivesse vivido ontem. Isso foi o que me fez a mim pertencer a este país. A minha aldeia, a Azinhaga, está em Portugal. É Portugal. Não fui criado por Vila Real ou por Bragança, nem por Beja nem por Évora. De Lisboa já não posso dizer o mesmo, já que fui levado para Lisboa muito cedo. Mas pela força das coisas, do que está escrito aqui, a força dos lugares, das pessoas, foi na minha aldeia que me fiz. Se me perguntar, “explique lá?” Não posso. É uma coisa que se leva dentro e não é fácil traduzir por palavras. No entanto escolheu Espanha para viver. Porquê? Não escolhi Espanha para viver. Não? Não. Eu fui maltratado por um governo em Portugal. E você sabe até que ponto. E casualmente, parentes da minha mulher, a irmã dela e o meu cunhado viviam em Lanzarote. Tínhamos estado nessa ilha nos dois anos anteriores. Gostámos muito da ilha, mas isso não fez nascer em nós, pelo menos em mim, a ideia de que talvez um dia pudesse ir viver para Lanzarote. Nem pensar. O que aconteceu é que a história do “Evangelho Segundo Jesus Cristo” me indignou. Fiquei legitimamente indignado. Aí, sofri. Depois de ter vivido quase 60 anos no fascismo fosse em democracia que se proibisse um livro meu. A Pilar teve a ideia de procurarmos uma casa aqui pelos arredores para estarmos mais tranquilos. Ela apresentou como alternativa fazer uma casa em Lanzarote. O nosso cunhado é arquitecto, comprávamos uma parcela de terreno e fazíamos uma casa. Comecei por dizer que não, mas dois dias depois já estava convencido. E foi assim. Não deliberei ir viver para Lanzarote. Se não tivesse acontecido a história do Evangelho provavelmente nunca teria saído daqui. Se tivesse feito alguma casa, ou comprado, seria aqui. Portanto não me digam nem que me exilei. Também não fui exilado. Mudei de bairro, no fundo é isso. Mudei de bairro, nada mais. E isso não é nada de dramático. Dramático foi o que me obrigou a tomar a decisão. Isso sim. Não há direito. Não se faz. E depois alegando razões idiotas, de que eu tinha ofendido a consciência católica do povo português. Alguém foi perguntar ao povo português? São os mesmos argumentos de agora. Sim. Tanto tempo depois, continuo a ofender a consciência dos católicos, a fé dos católicos. O que é isso? E a mim um certo clã não me ofende quando se exibe triunfalmente em Fátima? Isso ofende-o? Não, mas pergunto-me como é possível manter esta ficção com quase cem anos, dos pastorinhos que viram a Virgem? Toda essa mágoa com Portugal e continua a votar cá? Voto quando estou. Não viajo de propósito de Lanzarote a Portugal para vir votar. Votou nas últimas legislativas? Não estava cá. Não votou. Não. E teria sabido em quem votar? Votaria no meu partido, evidentemente. MAKING-OF É um homem fisicamente débil mas com um discurso lúcido que entra na sala onde poucas horas antes os jornalistas se amontoavam para ouvir a sua explicação sobre Deus, a Bíblia e o seu último livro. O mesmo homem que se presta sem reclamar às fotografias, de conversa fluida que termina ao fim de 34 minutos, quando Pilar del Rio, a mulher, o chama. Saramago estava preparado para mais. Não foi possível.