VI Seminário de Iniciação Científica – SóLetras - 2009 ISSN 1808-9216 A ORIGEM DE CHAPEUZINHO VERMELHO: TEXTOS & TEXTOS Ana Carolina Del Padre (G – UENP / Jac.) [email protected] Tamires Garcia (G – UENP / Jac.) [email protected] Valéria de Oliveira (G – UENP / Jac.) [email protected] Penha Silvestre (Orientadora – UENP / Jac.) Chapeuzinho Vermelho é referência entre os clássicos infantis, sua primeira versão foi escrita por Charles Perrault em 1697, e desde então, surgiram outras versões, como dos Irmãos Grimm em 1812, e foram com eles que o conto se transformou no mais divulgado entre os contos maravilhosos. Na versão de Perrault, o escritor se preocupa com a moral da história e já na versão dos irmãos Grimm, o leitor é convidado a participar do evento narrativo. Além de Perrault e os irmãos Grimm, há diversos escritores contemporâneos que se apropriaram do conto em pauta, contextualizando-o no tempo. Nesse sentido, esta pesquisa tem como objetivo discorrer sobre os contos maravilhosos e analisar as diferentes versões presentes na literatura. Para tanto, os textos de Nelly Novaes Coelho, Regina Zilberman, Marisa Lajolo, dentre outros estudiosos farão parte da fundamentação teórica. Nesse sentido, pretendemos contribuir para com os estudos voltados para a literatura infanto-juvenil. O conto (do latim contare – falar) foi originalmente uma narrativa oral rápida, de um fato real ou lendário, no qual se acrescentava uma pequena dose de fantasia, nascido, então, da expressão oral. Desta forma, os primeiros contos do qual temos registro grafado provém do Egito antigo, sendo reunidos apenas em 1889 por Maspero. Tudo indica, porém, que o conto surgiu em sua forma primordial na Índia, pois “tanto os contos VI Seminário de Iniciação Científica – SóLetras - 2009 ISSN 1808-9216 egípcios quanto os gregos e, principalmente os arábicos, mesmo quando não são adaptações diretas, guardam íntima ligação com os hindus”. (ENCICLOPÉDIA ABRIL, 1972, p.1104). A literatura infanto-juvenil, por sua vez, surge da memória popular, pois sua gênese encontra-se nas narrativas primordiais. O primeiro conto a ser datado foi do século VIII d.C, uma versão árabe de Calila e Dimna, originalmente escrita em sânscrito, em meados do século VIII e IX, começaram a ser escritos a coletânea de contos “As Mil e Uma Noites” por diversos autores anônimos. A coletânea só começou a ser divulgada no século XVIII, por intermédio da tradução francesa. Vale assinalar que os contos de fada têm origem popular e raízes celtas, em que o herói ou heroína encontram grandes dificuldades antes de triunfar sobre o mal, já o conto maravilhoso, a problemática gira em torno do material, social, sensorial, o herói de origem humilde possui ambições e luta pela riqueza. Primeiramente os contos não eram destinados ao público infantil, ele era contado em reuniões em que apenas adultos participavam. Charles Perrault foi imortalizado por criar uma literatura de cunho popular, que além de se dirigir para crianças, conquistou o público adulto. Perrault morou em Paris e morreu aos 75 anos, trocou o serviço ativo pela educação dos filhos. Movido por esse desejo começou a registrar estórias que eram contadas pela sua mãe, ao pé da lareira. Em 1697 lança o livro O Conto da Mãe Gansa, composto por 8 estórias recolhidas da memória popular, são elas, “A Bela Adormecida”, “O Barba Azul”, “O Gato de Botas”, “As Fadas”, “Cinderela” ou “A Gata Borralheira”, “Henrique do Topete”, “O Pequeno Polegar” e “Chapeuzinho Vermelho”. Perrault dedicou a neta do Rei Sol, porém os textos escritos pelo autor não era especificamente para as crianças. Com a adaptação do conto “A Pele de Asno” (1696) é que o autor manifesta real intenção de escrever para as crianças, com o intuito de diverti-las e orientá-las em sua formação VI Seminário de Iniciação Científica – SóLetras - 2009 ISSN 1808-9216 moral, ele volta-se para descoberta da narrativa popular maravilhosa um ano depois com “Os Contos da Mãe Gansa”, marco inicial da literatura infantil. Nesse contexto que se originou uma das mais contadas histórias infanto-juvenil em todo o mundo: Chapeuzinho Vermelho, onde Perrault não deixa margem para a imaginação do leitor, preocupa-se em atribuir um significado pessoal e moral a história, ele especifica todas as ações da trama, não deixando espaço para a imaginação. Na versão de Perrault, a mãe pede a menina para visitar e levar doces para sua avó, pois estava doente, então no meio do caminho Chapeuzinho se depara com um lobo, que muito esperto perguntou-lhe aonde iria, a menina sem pensar respondeu que estava levando doces a sua avó, e explicou o caminho para seu devorador. O lobo chegou ao destino primeiro, e depois de fingir que era Chapeuzinho Vermelho, devorou a pobre avó, e ficou esperando na cama a menina. Chapeuzinho se distraiu no caminho e só depois de algum tempo chegou a casa de vovó, ela bateu na porta e percebeu que a voz dela estava estranha, mesmo assim quis entrar para ver a velhinha, que lhe pediu para tirar a roupa e se deitar com ela. Ela obedeceu por ser uma boa moça, por fim o lobo a seduziu e a devorou. Perrault gostava de finalizar seus contos com uma moral, e em “Chapeuzinho Vermelho”, ele mostra que as meninas não devem dar ouvidos a qualquer tipo de pessoa. Nessa versão há algumas falhas, Chapeuzinho não foi advertida por ninguém para não perder seu tempo conversando e dando informações para estranhos, e a vovó não tinha feito nada para merecer uma morte tão cruel. Depois de Charles Perrault, os irmãos Jacob Ludwig Grimm e Wilhelm Grimm, escreveram uma nova versão para Chapeuzinho Vermelho. Eles nasceram em Hanau, na Alemanha, em 1785 e 1786, estudaram o folclore alemão, a língua alemã, a mitologia e também foram estudantes de Direito, mas abandonaram para se dedicarem à literatura. Ingressaram como VI Seminário de Iniciação Científica – SóLetras - 2009 ISSN 1808-9216 professores em uma universidade da Alemanha e publicaram livros da respectiva língua do país. Em 1837, eles e mais cinco professores foram demitidos da Universidade de Göttingen por não serem a favor do rei, e após quatro anos foram convidados para serem professores da Universidade de Berlim, e foi nessa cidade que residiram até suas mortes. Jacob morreu em 1863 e Wilhelm, em 1859. Os irmãos Grimm são conhecidos no mundo inteiro devido a grande quantidade de contos populares que recolheram na Alemanha. Os primeiros contos foram publicados em 1812. A obra chamava-se Histórias das crianças e do lar e apresentava 51 contos, a qüinquagésima edição, últimas com os autores vivos, já totalizava 181 narrativas. Acredita-se que eles recolheram e registraram mais de 200 histórias e seus textos logo se espalharam, ganhando novas versões que agradaram pessoas de diferentes línguas e culturas, obtendo-se com isso um grande incentivo a outros pesquisadores cultivarem a história de seu povo. Fazendo assim, muitos estudiosos saíram à procura de contos populares para registrá-las em texto. No Romantismo surgiu ao mundo um sentido mais humanitário, fazendo assim com a violência presente nos contos de Perrault, cedesse lugar ao humanismo, em que se destaca o sentido maravilhoso da vida. Já os Irmãos Grimm elaboram histórias em que expressam suavidade e situações amenas e os aspectos negativos são substituídos pela esperança e a confiança na vida, e sempre há uma mensagem positiva. A ambiguidade da figura feminina fica bem explícita nas narrativas. É a figura feminina que causa o bem e também o mal. Os folcloristas mostram o resgate da verdade através da bondade e do amor e contrapondo-se a esses valores estão os prejuízos causados por ardis e traições. A violência não aparece de forma clara. VI Seminário de Iniciação Científica – SóLetras - 2009 ISSN 1808-9216 Todos os contos dos Grimm pertencem à área das narrativas do fantástico-maravilhoso, por pertencerem ao mundo do imaginário ou da fantasia. Jacob e Wilhelm defendem valores morais que existe na vida real como a bondade, o trabalho, a verdade, pois nos seus contos os “bonzinhos são recompensados e os malvados são castigados”, como exemplo A Gata Borralheira, especificamente, pode ser caracterizado como conto maravilhoso (histórias que apresentam um elemento mágico, sobrenatural, integrado naturalmente nas situações apresentadas). Diversas histórias dos irmãos Grimm ganharam versões de outros autores, a A Gata Borralheira, por exemplo, apresenta mais de 300 versões em todo o mundo. Também na obra de Chapeuzinho Vermellho, os irmãos dão final feliz a menina, diferentemente da versão de Charles Perrault em que se percebe o castigo por ter desobedecido alguém e nessa versão também há certos tipos de insinuações. Já na versão de Jacob e Wilhelm, alteraram a versão erótica, e adaptaram para as crianças, como de fato conhecemos hoje. Tanto a vovó quanto a neta são engolidas pelo lobo, e o caçador traz uma espécie de alento para a história, porque ele pode salvar os bons e punir o malvado, que é o lobo, e mesmo que sua ação seja violenta ao abrir a barriga do lobo e enchê-la de pedras, a ação se torna aceitável, pois o bem sempre prevalecerá. A chance que é dada para a menina de não morrer no final, enfatiza a mensagem no texto ao trazer a possibilidade de saber consertar os erros e não voltar a cometê-los novamente. Nelly Novaes Coelho, professora e pesquisadora de literatura portuguesa e brasileira da Universidade de São Paulo, ensaísta, crítica literária e também introdutora da literatura infanto- juvenil como disciplina universitária, afirma que a antiguidade do tema presente no mito grego de Cronos ou Saturno, onde o Deus do tempo engole os filhos logo ao nascerem temendo ser destronado; Júpiter escapa, graças aos artifícios maternos, e posteriormente resgata os irmãos que saem do estômago do pai, enchendo-o VI Seminário de Iniciação Científica – SóLetras - 2009 ISSN 1808-9216 de pedras, final semelhante ao encontrado na versão de Chapeuzinho dos irmãos Grimm. Assim, entre várias versões temos o texto de Chico Buarque, intitulado Chapeuzinho Amarelo: Era a chapeuzinho amarelo. Amarelada de medo. Tinha medo de tudo, aquela chapeuzinho. Já não ria. Em festa não aparecia. Não subia escada, Nem descia, Não estava resfriada, mas tossia. Ouvia conto de fada e estremecia. Não brincava mais de nada, nem amarelinha. Tinha medo de trovão. Minhoca, pra ela, era cobra. E nunca apanhava sol, porque tinha medo de sombra. Não ia pra fora pra não se sujar. Não tomava banho pra não descolar. Não falava nada pra não engasgar. Não ficava em pé com medo de cair. Então vivia parada, deitada, mas sem dormir, com medo de pesadelo. Era a chapeuzinho amarelo...”. (Chico Buarque. Chapeuzinho Amarelo. Rio de Janeiro, José Olympio, 1997) No texto em questão, Chico Buarque critica a ditadura do Brasil nos anos 60 e 70. Para tanto, dialoga com Chapeuzinho Vermelho pautado VI Seminário de Iniciação Científica – SóLetras - 2009 ISSN 1808-9216 na versão de Grimm. Enquanto Chapeuzinho Vermelho enfrenta o lobo e sua coragem é representada pela cor vermelha, Buarque apresenta o Chapeuzinho Amarelo brasileiro, significando: “medo, palidez e apatia, decorrentes do poder opressor sobre o oprimido”. (KHÉDE, p. 25-28), e as inversões das posições-sujeito que nele ocupam, Chapeuzinho e o Lobo apontam as marcas da polissemia que nele irrompe, instituindo de fato uma nova formação discursiva. Chapeuzinho Amarelo tinha medo de tudo. Assim, Chico Buarque produz um “texto que poderá ajudar a uma percepção profunda de que lobos são mentiras com que alguns pretendem dominar os outros” (SANDRONI, 2003, p.86). Dessa forma, podemos observar que cada escritor traz à tona diferentes visões: Perrault preocupava-se com a moralidade, Irmãos Grimm com o lúdico, Buarque organiza uma poesia de certa modo engajada com o intuito de desconstruir mentiras. Há várias versões de Chapeuzinho quase sempre marcadas pela irreverência e o deboche, como exemplo no texto de Dalton Trevisan, nos desenhos e textos de Maurício de Sousa que atrai o público mais infantil, Neil Gaiman impressionando seus leitores ao expôr uma Chapeuzinho inclinada para o mal, e Deu a louca na Chapeuzinho, filme de 2005 com paródia dos personagens. No ano de 2005, uma versão moderna de Ivone Gomes de Assis, deu-se inspirada em Bonezinho Vermelho, que traz tendências da mídia virtual. Ela nos mostra a vovó sendo uma Hacker, que se disfarça e afirma não gostar de tecnologia, e também denota-se a figura feia da avó de que tenta quebrar o mito de que muitos acham que a voz suave, gostosa das pessoas que conversam em chats, são sempre de pessoas exuberantes e com boa intenção, tanto faz essa obra ser para crianças quanto para adultos. Hilda Hilst vai além das expectativas, criando a paródia “A Chapéu”, em que ela transforma a chapeuzinho em uma cafetina do lobo nos vídeo games bb VI Seminário de Iniciação Científica – SóLetras - 2009 ISSN 1808-9216 hood / bulleta e uma versão maníaca serial killer de chapeuzinho vermelho. Outra releitura é “Fita Verde no Cabelo” de Guimarães Rosa, onde se demonstra muito criativa. A fita possui vários significados, um deles é o desabrochar. O Capuz vermelho, em que se direciona a história original, significa a menstruação, o sexo, à sensualidade, a maturidade, e já a fita verde está relacionada à imaturidade da menina. Percebe-se assim no texto quando ela perde sua fita verde no caminho, supõe-se que perdeu também sua inocência, que pode ser confirmado no final da história em que o narrador cita: “Fita-Verde mais se assustou, como se fosse ter juízo pela primeira vez”. Além disso, vale lembrarmos que em A psicanálise dos contos de fadas, Bruno Bettelheim tece discussões a partir da psicanálise e observa que os contos estão ligados, numa leitura vertical, ao desenvolvimento do comportamento psicossocial. Diz o estudioso que os contos representam, sobretudo as fases edípicas vivenciadas pelas crianças. Portanto, concluímos que a história de uma menina e seu chapeuzinho – ou capuz - vermelho parece ter encantamento sobremaneira diante de tantas outras que lhe são contemporâneas. O texto é constantemente revisitado – parafraseado ou parodiado -, constantemente reescrito. Novos discursos são produzidos à sua volta, instaurando outras “verdades” que, no fundo, nos levam a refletir sobre os sentidos e os lugares de representação dos textos fundadores. Por fim, tivemos o intuito de elencar alguns textos que dialogam, porém não esgotamos tal estudo. Nesse sentido, há necessidade de outros pesquisadores que possam contribuir para com os estudos voltados para a literatura infanto-juvenil. Este trabalho tem por objetivo pensar a literatura infantojuvenil, considerando o momento de sua produção e as intenções ligadas à VI Seminário de Iniciação Científica – SóLetras - 2009 ISSN 1808-9216 recepção. Como fio condutor, versões de Chapeuzinho Vermelho ligadas à tradição, observando a importância da “viagem” no desenrolar do enredo. Referências bibliográficas BETTELHEIM, Bruno. A Psicanálise Dos Contos de Fadas. 2002. Disponível em http://www.scribd.com/doc/9937711/Bruno-Bettelheim-A-Psicanalise-Dos-Contos-de-Fadas. Acesso em: 18 set.2009 BUARQUE, Chico. Chapeuzinho Amarelo, José Olypio, 1997. Disponível em http://leiturativa.blogspot.com/2008/02/chapeuzinho-amarelo.html. Acesso em: 19 set. 2009. LIMA, Adalberto. Literatura Infanto-Juvenil, 2007. Disponível em http://recantodasletras.uol.com.br/juvenil/774207. Acesso em 19 set.2009. 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