BARROSO, Mariana Drumond Figueiredo; LEAL, Rodrigo José. A PEC 37/11 deve ser aprovada pelo Congresso Nacional? Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 800-823, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 A PEC 37/11 DEVE SER APROVADA PELO CONGRESSO NACIONAL? Mariana Drumond Figueiredo Barroso1 Rodrigo José Leal2 SUMÁRIO Introdução; 1 A proposta de Emenda Constitucional n° 37/11; 2 Argumentos favoráveis à aprovação da PEC 37/11; 2.1 Exclusividade Constitucional da Polícia Judiciária; 2.2 Concentração de poder e desvio de função; 2.3 Os argumentos corporativistas; 3 Argumentos contrários à aprovação da PEC 37/11; 3.1 Interpretação do art. 144 da Constituição Federal; 3.1.1 A teoria dos poderes implícitos; 3.2 Os grupos de atuação; Considerações finais; Referências bibliográficas. RESUMO Desde a promulgação da Constituição de 1988 existem os questionamentos sobre a atuação do Ministério Público nas investigações criminais. A jurisprudência não é pacífica sobre o tema. A previsão do texto constitucional é uma das razões do conflito, com disposições passiveis de diferentes interpretações, aliadas às resoluções de órgãos superiores e problemas de viés corporativistas. Os juristas dividem-se basicamente em duas diferentes posições: uma corrente argumenta que o Ministério Público deve ter a prerrogativa para investigar, pois é órgão essencial à Justiça; outra defende que a Polícia Judiciária deve ter exclusividade neste tipo de atividade. Constantemente o assunto chega ao Supremo Tribunal Federal (STF), que não se pronunciou de forma definitiva. Tramita na Capital Federal, uma medida que tem a pretensão de dar um fim a esta discussão: a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n° 37/2011. Tal proposta visa, em suma, consagrar a exclusividade da investigação criminal para a Polícia Judiciária. Se prosperar, terá severas consequências, entre elas a extinção das forças-tarefas organizadas pelo Ministério Público, que são compostas por agentes de vários órgãos e que tem resultados muito expressivos contra a macrocriminalidade no Brasil. O objetivo desta pesquisa é, por meio do método indutivo, confrontar os argumentos das correntes de juristas, por meio de revisão bibliográfica, acompanhar as manifestações do STF sobre o tema, expor e analisar os fundamentos da referida PEC e demonstrar as consequências que sofreria o Estado democrático e social de Direito, caso tal proposta venha a prosperar. 1 Acadêmica do 9° período do Curso de Direito na Universidade do Vale do Itajaí – Campus Balneário Camboriú-SC. Endereço eletrônico: [email protected]. 2 Professor de Direito Penal da Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI. Endereço eletrônico: [email protected]. 800 BARROSO, Mariana Drumond Figueiredo; LEAL, Rodrigo José. A PEC 37/11 deve ser aprovada pelo Congresso Nacional? Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 800-823, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 Palavras-chave: Investigação criminal. Ministério Público. Proposta de Emenda Constitucional n° 37/11. INTRODUÇÃO Entre os vários temas constitucionais ainda não pacificados por leis ou órgãos julgadores está o da possibilidade do Ministério Público (MP) realizar investigações criminais. Existem nos tribunais de todo o país, diferentes decisões sobre a possibilidade do promotor de justiça encabeçar uma investigação criminal. É necessário esmiuçar cada caso em concreto para entender a argumentação e fundamentação utilizadas nas decisões monocráticas, nas decisões dos tribunais e do próprio Superior Tribunal Federal (STF). Apesar de ser tema comum no STF, este ainda não se pronunciou de forma definitiva, a ser sumulada sobre a questão. É iminente um pronunciamento neste sentido, uma vez que a discussão é antiga e existe em trâmite na Capital Federal uma situação que se encontra em latente debate democrático. Trata-se da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n° 37/2011, que se tornou conhecida como a “PEC da impunidade” e é um projeto de autoria do Deputado Lourival Mendes do PT do B/MA. A emenda prevê uma mudança no art. 144 da Constituição Federal, no sentido de que seja acrescido que a apuração das infrações penais seja prática privativa das policias federal e civis. As opiniões doutrinárias divergem. Renomados juristas como, por exemplo, Guilherme de Souza Nucci e Manoel Messias Barbosa, são contrários à ideia de que o Ministério Público possa, ao mesmo tempo, assumir a postura de investigador e acusador na ação penal. Entre os argumentos que sustentam, tem-se que a Constituição definiu que as policias federal e civil são instituições que tem a função de investigar, servindo de órgão auxiliar ao Poder Judiciário, na atribuição de apurar as infrações penais. Também argumentam que não existe determinação no rol de atribuições do Ministério Público assegurando-lhe a função de órgão investigador criminal. A corrente que sustenta o entendimento da possibilidade do MP realizar investigações defende, entre outras ideias, a “teoria dos poderes implícitos” e a realidade prática da atuação do MP no combate ao crime organizado, através da organização das forças-tarefa, como os Grupos de Atuação Especial de Combate às 801 BARROSO, Mariana Drumond Figueiredo; LEAL, Rodrigo José. A PEC 37/11 deve ser aprovada pelo Congresso Nacional? Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 800-823, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 Organizações Criminosas (GAECO) ou o Grupo Nacional de Combate às Organizações Criminosas (GNCOC). Nesta pesquisa, a pretensão é discorrer sobre a composição da referida PEC e sobre os principais argumentos contrários e favoráveis à aceitação da PEC 37/11. O problema central deste artigo científico reside na seguinte indagação: A PEC 37/2011 deve ser aprovada pelo Congresso Nacional? A hipótese central deste artigo científico, por sua vez, é a seguinte: aprovando-se a PEC 37/2011 a sociedade e o interesse público sairão perdendo pois o Ministério Público tem contribuído para o enfrentamento do crime organizado e da corrupção no Brasil. Quanto à metodologia, utilizar-se-á o método indutivo para a fase de busca e recolhimento de dados e com relação à técnica utilizar-se-á pesquisa documental bibliográfica em documentos que possam dar valor probante a esta pesquisa. 1 A PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL N° 37/11 Conforme se extrai do portal de informações públicas do Senado Federal, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) pode ser apresentada pelo presidente da República, por um terço dos deputados federais ou dos senadores ou por mais da metade das assembleias legislativas, desde que cada uma delas se manifeste pela maioria relativa de seus componentes. Existe a ressalva de que não podem ser apresentadas PEC’s para suprimir as chamadas cláusulas pétreas da Constituição (forma federativa de Estado; voto direto, secreto, universal e periódico; separação dos poderes e direitos e garantias individuais). A PEC é discutida e votada em dois turnos, em cada Casa do Congresso, e será aprovada se obtiver, na Câmara e no Senado, três quintos dos votos dos deputados e dos senadores3. Nesse passo, a PEC 37 trata-se de uma Proposta de Emenda à Constituição de autoria do Deputado Federal Lourival Mendes, que busca atribuir competência exclusiva às polícias federal e civil para o exercício da atividade de investigação 3 BRASIL. Senado Federal. Glossário legislativo. Disponível em <http://www12.senado.gov.br/noticias/glossario-legislativo/emenda-constitucional>. Acesso em 10 mar. 2013. 802 BARROSO, Mariana Drumond Figueiredo; LEAL, Rodrigo José. A PEC 37/11 deve ser aprovada pelo Congresso Nacional? Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 800-823, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 criminal, mediante a inserção de um parágrafo (§ 10) no artigo 144 da Constituição vigente, nos seguintes termos: § 10. A apuração das infrações penais de que tratam os §§ 1° e 4° deste artigo, incumbem privativamente às polícias federal e civis dos Estados e do Distrito Federal, respectivamente4. Esta proposta sustenta que a investigação conduzida pela polícia judiciária irá propiciar às partes a robustez probatória necessária e evitar posterior declaração de nulidades pelos tribunais superiores. É indiscutível que é do Congresso Nacional a atribuição de alterar a Constituição. Porém, como requisito de estabilidade constitucional, exige o artigo 60 da Constituição que a proposição seja precedida da assinatura de um terço dos membros da Câmara ou do Senado: Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: I – de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal. Assim, para a propositura e emenda à Constituição, diferente do que ocorre em casos de projetos de lei ordinária, a própria Carta Magna limita a iniciativa isolada de parlamentar. Para que tramite uma proposta de alteração no texto constitucional, são necessárias assinaturas de, pelo menos, 171 Deputados. Entre os argumentos trazidos pelo propositor da PEC 37/11, para justificar sua aprovação, destacam-se os seguintes trechos: A falta de regras claras definindo a atuação dos órgãos de segurança pública neste processo tem causado grandes problemas ao processo jurídico no Brasil. Nessa linha, temos observado procedimentos informais de investigação conduzidos em instrumentos, sem forma, sem controle e sem prazo, condições absolutamente contrárias ao estado de direito vigente. Dentro desse diapasão, vários processos têm sua instrução prejudicada e sendo questionado o feito junto aos Tribunais Superiores. Este procedimento realizado pelo Estado, por intermédio exclusivo da policia civil e federal propiciará às partes – Ministério Público e a defesa, além da indeclinável robustez probatória servível à propositura e exercício da ação penal, também os elementos 4 BRASIL. Câmara dos Deputados. Proposta de Emenda Constitucional n. 37/2011, de 08 de junho de 2011.. Disponível em <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=507965>. Acesso em 13 mai. 2013. 803 BARROSO, Mariana Drumond Figueiredo; LEAL, Rodrigo José. A PEC 37/11 deve ser aprovada pelo Congresso Nacional? Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 800-823, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 necessários à defesa, tudo vertido para a efetiva realização da justiça5. Extrai-se da proposta que a segurança jurídica esta comprometida com a atuação de qualquer órgão envolvido em investigação criminal, que não seja a polícia judiciária. O autor da proposta sugere que os procedimentos investigatórios fora do âmbito da polícia judiciária são realizados de maneira informal, sem prazos definidos, sem controle dos atos, maculando o Estado democrático de direito. A seguir, serão expostos alguns fundamentos que corroboram com a proposta acima mencionada. 2 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À APROVAÇÃO DA PEC 37/11 De acordo com a majoritária doutrina que trata de Direito Processual Penal, o sistema processual penal foi elaborado para apresentar-se equilibrado e harmônico. Essa ideia é aludida quando se trata da participação do Ministério Público na investigação criminal, motivo pelo qual doutrinadores acreditam que o MP não tem competência para atuar nessa esfera investigatória, pois esta função é prevista somente para a Polícia Judiciária. 2.1 Exclusividade Constitucional da Polícia Judiciária Um dos principais argumentos favoráveis para a aceitação da PEC 37/11 consiste na ideia de que constitucionalmente, a atividade investigativa, em âmbito criminal, é de atribuição exclusiva da polícia judiciária. O doutrinador Nucci, acerca da previsão contida na Constituição Federal das atribuições para investigação criminal, assevera que: A Constituição Federal foi clara ao estabelecer as funções da polícia – federal e civil – para investigar e servir de órgão auxiliar do Poder Judiciário – daí o nome polícia judiciária – na atribuição de apurar a ocorrência e a autoria de crimes e contravenções penais (art. 144, CF). Ao Ministério Público foi reservada a titularidade da ação penal, ou seja, a exclusividade no seu ajuizamento, salvo o excepcional 5 BRASIL, Câmara dos Deputados. Proposta de Emenda Constitucional n° 37, de 08 de junho de 2011. Disponível em <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=507965>. Acesso em 13 mai. 2013. 804 BARROSO, Mariana Drumond Figueiredo; LEAL, Rodrigo José. A PEC 37/11 deve ser aprovada pelo Congresso Nacional? Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 800-823, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 caso reservado à vítima, quando a ação penal não for intentada no prazo legal (art. 5º, LIX, CF)6. Nesse raciocínio, o autor expõe que, quando a polícia judiciária elabora e conduz a investigação criminal, é supervisionada pelo Ministério Público e pelo Juiz de Direito. Nucci concluiu sua ideia defendendo que, neste viés, permitir-se que o Ministério Público, por mais bem intencionado que esteja, produza de per si investigação criminal, isolado de qualquer fiscalização, sem a participação do indiciado, que nem ouvido precisaria ser, significaria quebrar a harmônica e garantista investigação de uma infração penal7. Nesse sentido, Santin defende que: A Constituição Federal foi clara em separar as funções, tanto em relação à polícia federal (art. 144, § 1º, I e IV) quanto às civis e militares (art. 144, § 4º). As funções da polícia federal de investigar crimes e de Polícia Judiciária estão em dois incisos diferentes (I e IV), indicando que se tratam de duas funções diferentes, duas finalidades diversas: uma de investigação e outra de cooperação. Em relação às polícias estaduais (civis e militares) o constituinte programou que lhes incumbem as funções de Polícia Judiciária e a apuração de infrações penais (§ 4º), evidenciando que se tratam de duas atividades policiais (“funções” está no plural) diferentes (de Polícia Judiciária e de apuração de infrações penais) e com duas finalidades diversas (cooperação e investigação).8 Ainda, alega Santin que para a função de Polícia Judiciária, o constituinte encarregou as polícias federal e civil, esta no caso de crimes estaduais e aquela na hipótese de crimes federais (art. 109, IV, CF), ressalvando, porém, esta função à polícia militar quando se tratar de delito perpetrado por militar9. Rangel, referenciando Seidi, expõe seu viés em relação ao poder de investigação do Ministério Público: Nenhuma razão de ordem constitucional, ou mesmo legal, placita a postura do Ministério Público, no passo em que pretende se ocupar da investigação criminal. Com efeito, não há preceitos no texto da 6 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 6 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 231. 7 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal, p. 232. 8 9 SANTIN, Valter Foleto. O Ministério Público na investigação criminal. 2. ed., rev. e ampl. Bauru/SP: Edipro, 2007, p.57. SANTIN, Valter Foleto. O Ministério Público na investigação criminal, p.59. 805 BARROSO, Mariana Drumond Figueiredo; LEAL, Rodrigo José. A PEC 37/11 deve ser aprovada pelo Congresso Nacional? Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 800-823, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 Carta Política para que se possa ensejar exegese permissa para que o parquet assuma atribuições de natureza policial.10 Nesse mesmo sentido é o entendimento de Machado, que assevera: [...] a lei não pode cometer as funções de elaboração de inquérito policial e de investigações criminais a quem não revista expressamente de autoridade policial, segundo a Constituição Federal. A leitura que se deve fazer dessa atribuição administrativa constitucional é ser uma garantia individual, a garantia da imparcialidade e impessoalidade do Ministério Público, dominus litis e que, por isso, não deve, e não pode, investigar ou coligir informações para o exercício da ação processual criminal.11 Ferreira Filho leciona que é incontestável, de acordo com o artigo 144, da Constituição Federal, que a competência para a apuração das infrações penais é atribuída expressa e exclusivamente à Polícia. Assim, como se vislumbra no artigo 129 da Constituição, que estabelece as funções institucionais do Parquet, esta competência não lhe é estendida, ou seja, entre estas importantíssimas funções não está a da investigação criminal12. Ainda, Rocha comenta que a Constituição Federal, nas duas oportunidades que teve de dar ao Ministério Público o poder de investigação, não o fez propositalmente: a primeira no art.129 e a segunda no art. 144. Entretanto, deu ao órgão Ministerial poderes de investigação em se tratando de Ação Civil Pública e deu às Comissões Parlamentares de Inquérito amplos poderes de investigação13. Dessa maneira, essa corrente de entendimento se baseia na interpretação restrita do art. 129 da Constituição, aliada ao art. 144, que não prevê expressamente a possibilidade do Ministério Público promover investigações criminais. 2.2 Concentração de Poder e desvio de função 10 RANGEL, Paulo. Investigação criminal direta pelo ministério público: visão crítica. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003. p. 223 11 MACHADO, Luiz Alberto. Conversa com a polícia judiciária (Estadual e Federal). Revista ADPESP. N. 22, dezembro de 1996, p. 62. 12 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O poder investigatório do Ministério Público. São Paulo: Boletim do Instituto Manoel Pedro Pimentel, v. 6, n. 23, 2004. 13 ROCHA, Diogo Mentor de Mattos. PEC nº 37/2011: uma análise crítica da função investigatória do Ministério Público. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3564, 4 abr. 2013. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/24100>. Acesso em: 23 maio 2013. 806 BARROSO, Mariana Drumond Figueiredo; LEAL, Rodrigo José. A PEC 37/11 deve ser aprovada pelo Congresso Nacional? Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 800-823, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 Na linha de entendimento dos juristas favoráveis à PEC 37/11, no equilíbrio do sistema processual penal, não deve existir qualquer instituição superpoderosa. Entendem que quando o Ministério Público atua na investigação criminal, extrapola sua função constitucionalmente prevista e passa a concentrar o poder de produzir provas e titularizar a ação penal, ferindo, assim a equidade processual. Os doutrinadores que alegam o desvio de função na atividade investigativa do Ministério Público, no sentido de que o Parquet tem função de controle externo da atividade policial e não de substituí-la. Nesse sentido, colhe-se da lição de Pontes: Observe-se que o controle externo da atividade policial atribuído ao Ministério Público pela Constituição Federal não é um controle interna corporis, mas sobre a atividade fim da polícia, ou seja, a investigação com o escopo de apurar a prática de crimes. Desta maneira, cabe ao Ministério Público acompanhar o trabalho da polícia, buscando evitar ofensas às garantias dos acusados, bem como orientar as apurações para que cumpram seu fim.14 Os defensores deste específico argumento, da concentração desordenada de poder, asseveram que a investigação criminal direta é o fato causador desta concentração, e isso favoreceria o cometimento de abusos de poder pelos seus membros. Nesse diapasão, Tucci argumenta que o exercício de atividades de investigação criminal pelo órgão ministerial daria lugar ao excesso de poder e afrontaria o princípio do devido processo legal, tendo em vista a ausência de controle externo sobre a atuação do Ministério Público15. Nesta linha de entendimento, leciona Barroso que: Ao concentrar no Ministério Público atribuições investigatórias, além da competência para promover a ação penal, estar-se-ia conferindo excessivo poder a uma única instituição, que praticamente não sofre controle por parte de qualquer outra instância, favorecendo assim condutas abusivas16. 14 PONTES, Manuel Sabino. Investigação criminal pelo Ministério Público: uma crítica aos argumentos pela sua inadmissibilidade. Jus Navigandi. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2945>. Acesso em: 06 de abr de 2013. 15 TUCCI, Rogério Lauria. Ministério Público e investigação criminal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 45. 16 BARROSO, Luís Roberto. Investigação pelo Ministério Público. Argumentos contrários e a favor. A síntese possível e necessária. 2004. Disponível em: 807 BARROSO, Mariana Drumond Figueiredo; LEAL, Rodrigo José. A PEC 37/11 deve ser aprovada pelo Congresso Nacional? Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 800-823, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 Nesse sentido, alega-se ainda que haveria uma ofensa ao princípio do devido processo legal, pois haveria a falta de um ente que fiscalizasse a atuação do Ministério Público. E este é um fundamento trazido no próprio texto da PEC 37/11, ou seja, que os procedimentos investigatórios que não são realizados pela polícia judiciária não obedecem qualquer parâmetro constitucional ou legal, Nesse passo, Yarochewsky comenta que: A razão pela qual o Ministério Público não pode conduzir investigações criminais é deveras singela. Não se trata da falta de poderes constitucionais para fazê-lo nem de uma questão corporativa qualquer. Falta à investigação conduzida pelo Ministério Público um marco normativo, ditado por lei ordinária. Afinal de contas, em matéria de direito público, os órgãos do Estado são regidos pelo princípio da legalidade estrita, fato que os fiscais da execução da lei deveriam bem conhecer. (...) Se investigações são mal feitas -e "malsucedidas", no dizer de muitos-, é necessário pugnar-se pelo aprimoramento daqueles que exercem a função investigatória, no caso a polícia judiciária, e não simplesmente atribuir a outro órgão ou Poder essa função17. Desta maneira, argumenta-se que com o poder de investigar em mãos, teria o órgão ministerial todos os requisitos para instalar uma verdadeira ditadura em nosso sistema jurídico, pois assim, passaria a ser o responsável pela investigação penal e também elaboração da denúncia, que devidamente formulada, seria enviada ao magistrado. Surgiria assim, a possibilidade de violação ao princípio da obrigatoriedade da ação penal18. 2.3 Os argumentos corporativistas Alguns juristas entendem que a PEC 37/11 é uma iniciativa de viés corporativista, uma tentativa de fortalecer a polícia. A Associação dos Delegados de Polícia do Brasil formulou uma lista de argumentos para explanar a razão pela qual, <http://www.mp.sc.gov.br/portal/site/portal/portal_impressao.asp?campo=2289&conteudo=fixo_detal he>. Acesso em: 10 abr. 2013. 17 YAROCHEWSKY, Leonardo Isaac. O papel do Ministério Público e as Investigações Arbitrárias. Adepol Brasil. Disponível em: <http://www.adepoldobrasil.com.br/2.0/wpcontent/uploads/2013/02/FINALIZADO.pdf>. Acesso em: 22 maio 2013. 18 MENDES FILHO, Valdir Caires. Poderes investigatórios do Ministério Público. In: DireitoNet. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2605/Poderes-investigatorios-doMinisterio-Publico>. Acesso em: 10 abr. 2013. 808 BARROSO, Mariana Drumond Figueiredo; LEAL, Rodrigo José. A PEC 37/11 deve ser aprovada pelo Congresso Nacional? Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 800-823, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 em seu entendimento, a PEC 37/11 não retira o poder de investigação de nenhum outro órgão, do qual se extraem alguns: 1- A Constituição prevê que o MP é o fiscal da lei e o titular da ação penal pública; 2- A Constituição confere ao MP o poder de requisitar, a qualquer tempo, a abertura de investigações e a realização de diligências investigatórias; 3- A Constituição atribui ao MP o controle externo da atividade policial; 4- A Constituição, de forma expressa, dispõe que compete às Polícias Civis e à Polícia Federal a apuração de infrações penais, exceto as militares; 5- Como a Constituição não confere ao MP o poder de investigação, nem explícita nem implicitamente, não se pode dizer que a PEC 37/2011 lhes suprime tal direito. ORA, NÃO SE PODE PERDER AQUILO QUE NÃO SE DETÉM19.; Estes argumentos trazidos pela Associação dos Delegados revelam que a discussão sobre a aprovação da PEC 37/11 possui caráter corporativista. Isso porque, extrai-se da maioria das argumentações dos juristas e estudiosos que são a favor da aprovação da referida emenda, que em vez de admitir a investigação criminal por órgãos e instituições não legitimados para tanto, a sociedade brasileira deveria promover o fortalecimento da polícia judiciária e debater uma maior autonomia policial frente ao Poder Executivo20. No limiar do latente debate democrático, o plenário da Ordem dos Advogados do Brasil posicionou-se favoravelmente à aprovação da PEC 37/11, pois prevaleceu o entendimento de que a referida PEC é “meramente declaratória”, uma vez que a Constituição é clara em conceder ao Ministério Público apenas poderes auxiliares de investigação e de fiscalização da atividade policial. Porém, frente às distorções provocadas por um cenário de constante desprestígio do direito de defesa e de militância pelo protagonismo do Ministério Público, a entidade da advocacia brasileira deve intervir21. 19 ASSOCIAÇÃO DOS DELEGADOS DE POLÍCIA DO BRASIL. Entenda porque a PEC 37 não retira poder de investigação do Ministério Público. Adepol Brasil. Disponível em: <http://www.adepoldobrasil.com.br/2.0/wp-content/uploads/2013/02/FINALIZADO.pdf>. Acesso em: 22 maio 2013. 20 CABRAL, Bruno Fontenele. Por que sou a favor da aprovação da PEC 37. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3615, 25 maio 2013. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/24531>. Acesso em: 9 jun. 2013. 21 CONSELHO FEDERAL DA OAB. Notícias. Disponível em <http://www.oab.org.br/noticia/25648/plenario-da-oab-e-favoravel-a-aprovacao-da-pec-37>. Acesso em 03 jun. 2013. 809 BARROSO, Mariana Drumond Figueiredo; LEAL, Rodrigo José. A PEC 37/11 deve ser aprovada pelo Congresso Nacional? Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 800-823, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 3 ARGUMENTOS CONTRÁRIOS À APROVAÇÃO DA PEC 37/11 É evidente que a investigação criminal antecede a fase processual e visa a preparar a ação penal, através da dinâmica e incessante busca das provas que viabilizam a reconstrução dos fatos delituosos acontecidos. Inclusive, há situações em que a ação penal prescinde de qualquer movimentação investigatória, na medida em que, eventualmente, a simples apresentação de documentos comprobatórios de um fato criminoso poderá ser o bastante para justificar uma acusação formal por parte do dominus litis22. Nesse passo, o Ministério Público sempre pôde laborar na fase investigatória da persecução penal, mesmo sem constar expresso tal atividade no texto constitucional e mesmo sem a necessidade de presidir um procedimento, como o inquérito policial, por exemplo. Isso porque o processo penal sem a investigação preliminar é um processo irracional, uma figura inconcebível segundo a razão e os postulados da instrumentalidade garantista. Deve-se, em primeiro lugar, preparar, investigar e reunir elementos que justifiquem o processo ou o não-processo. É um grave equívoco que primeiro se acuse, para depois investigar e ao final julgar23. Nesse passo, extrai-se de informativo do Supremo Tribunal Federal: O Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, pelos agentes de tal órgão, as prerrogativas profissionais de que se acham investidos os advogados, sem prejuízo da possibilidade sempre presente no Estado Democrático de Direito do permanente controle jurisdicional dos atos praticados pelos promotores de justiça e procuradores da república. Com base nesse entendimento, a Turma indeferiu habeas corpus em que se alegava a nulidade de ação penal promovida com fulcro em procedimento investigatório instaurado exclusivamente pelo Ministério Público e 22 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 15 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 454. 23 LOPES JÚNIOR, Aury. Sistemas de investigação preliminar no processo penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 01. 810 BARROSO, Mariana Drumond Figueiredo; LEAL, Rodrigo José. A PEC 37/11 deve ser aprovada pelo Congresso Nacional? Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 800-823, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 que culminara na condenação do paciente, delegado de polícia, pela prática do crime de tortura24. A seguir, serão expostos os principais argumentos utilizados na campanha que se posicionou contra a aprovação da PEC 37/11, por entender que a sociedade será a maior prejudicada, caso seja aprovada tal emenda. 3.1 Interpretação do art. 144 da Constituição Federal Inicialmente, é oportuno expor previsão do art. 144 da Constituição Federal, no que se refere ao tema em voga: Art. 144. [...] § 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a: I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei; [...] IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União. [...] § 4º - às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. [...]25 A simples leitura deste dispositivo permite a conclusão de que à Polícia Federal é reservada, com exclusividade, a função de Polícia Judiciária da União, entretanto, não há exclusividade da polícia no que diz respeito à investigação de infrações penais. A interpretação deste artigo deve ser no sentido de reconhecer a 24 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Informativo nº 564. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo564.htm>. Acesso em: 25 mai. 2013. 25 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Organização do texto:Juarez de Oliveira. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm.>. Acesso em 10 mai.2013. 811 BARROSO, Mariana Drumond Figueiredo; LEAL, Rodrigo José. A PEC 37/11 deve ser aprovada pelo Congresso Nacional? Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 800-823, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 possibilidade do Ministério Público atuar na investigação criminal, de maneira harmônica com a polícia judiciária26. Extrai-se das considerações de Capez acerca do poder de investigação preliminar do Ministério Público e a exclusividade da polícia judiciária: A atividade investigatória jamais foi exclusiva da polícia, tanto que, em nosso ordenamento, temos também exercendo tal função: a) a ABIN (Agência Brasileira de Inteligência); b) a CVM (Comissão de Valores Imobiliários); c) o Ministério da Justiça, por meio da COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras); d) as Corregedorias da Câmara do Senado Federal; e) os Tribunais de Contas da União, dos Estados e dos Municípios, onde houver; f) a Receita Federal; g) o STF, o STJ, os Tribunais Federais e os Tribunais de Justiça dos Estados.27 Nesse passo, o doutrinador entende que o Ministério Público não pode ficar de fora de um rol de instituições que exercem a função investigativa, além da polícia judiciária. Ainda, Capez leciona que no tocante ao argumento de que o art. 144, §1°, VI, da Constituição Federal conferiu com exclusividade as funções de polícia judiciária da União à policia federal e polícia civil, convém esclarecer que tal não significa excluir o Ministério Público das atividades de investigação, pois a expressão “com exclusividade” destina-se apenas a delimitar o âmbito das atribuições das polícias estaduais, as quais não poderão exercitar a atividade de polícia judiciária na esfera federal28. Isso porque, segundo o entendimento do autor, o Ministério Público não poderia mesmo atuar como polícia judiciária, de maneira que a exclusividade se refere a afastar da presidência de inquéritos policiais que investiguem crimes de competência da Justiça Federal as polícias civis e estaduais. Capez conclui seu raciocínio da seguinte maneira: Em outras palavras, as expressões “com exclusividade” (CF, art. 144, § 1°, IV), relacionada à polícia federal, e “ressalvada a competência da União” (CF, art. 144, § 4°) destinam-se a destacar o campo de atuação de cada polícia, na presidência de seus respectivos inquéritos. Nada tem que ver com as atribuições investigatórias do Ministério Público em seus procedimentos, distintos dos inquéritos 26 SANTIN, Valter Foleto. O Ministério Público na investigação criminal. Bauru: Edipro, 2001, p.124. 27 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 150. 28 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal, p. 150. 812 BARROSO, Mariana Drumond Figueiredo; LEAL, Rodrigo José. A PEC 37/11 deve ser aprovada pelo Congresso Nacional? Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 800-823, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 federais e estaduais. Assim, nada autoriza, em nosso entender, o posicionamento restritivo da atuação do MP em defesa da “ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (CF, art. 127)29. Desta maneira, a corrente doutrinária que se posicionou contra a aprovação da PEC 37/11 entende que é um equívoco o argumento de que o art. 144 da Constituição Federal disciplinou a competência da investigação criminal para as polícias judiciárias de maneira a excluir o Ministério Público de tal atuação. Nesse sentido, Streck e Feldens asseveram que: O que fez a Constituição foi, tão somente, delimitar as atribuições entre as diversas polícias (federal, rodoviária, ferroviária, civil e militar), razão pela qual reservou, para cada uma delas, um parágrafo dentro do mesmo art. 144. Daí porque, se alguma conclusão de caráter exclusivista pode-se retirar do dispositivo constitucional seria a de que não cabe à Polícia Civil “apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas” (art. 144, § 1º, I), pois que, no espectro da “Polícia Judiciária”, tal atribuição está reservada à Polícia Federal30. Nesse passo, o Superior Tribunal de Justiça já se posicionou contra a exclusividade da polícia para conduzir a investigação criminal, como se extrai do julgado: Diversamente do que se tem procurado sustentar, como resulta da letra do seu art. 144, a Constituição da República não fez da investigação criminal uma função exclusiva da Polícia, restringindose, como se restringiu, tão somente a fazer exclusivo, sim, da Polícia Federal o exercício da função de Polícia Judiciária da União (parágrafo 1º, inciso IV). Essa função de Polícia Judiciária – qual seja, a de auxiliar do Poder Judiciário -, não se identifica com a função investigatória, isto é, a de apurar infrações penais, bem distinguidas no verbo constitucional, como exsurge, entre outras disposições, do preceituado no parágrafo 4º do art. 144 da Constituição Federal, verbis: “§ 4º às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de Polícia Judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”. Tal norma constitucional, 29 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal, p. 150. 30 STRECK, Lenio Luiz; FELDENS, Luciano. Crime e Constituição. A legitimidade da função investigatória do Ministério Público. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 93. 813 BARROSO, Mariana Drumond Figueiredo; LEAL, Rodrigo José. A PEC 37/11 deve ser aprovada pelo Congresso Nacional? Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 800-823, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 por fim, define, é certo, as funções das polícias civis, mas sem estabelecer qualquer cláusula de exclusividade31. Seguindo essa linha de entendimento, Lima leciona que: No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, sempre prevaleceu o entendimento de que a Constituição Federal e a Legislação infraconstitucional assegurassem ao Ministério Público o poder de realizar investigações no âmbito criminal. Aliás, a Súmula n° 234 do STJ dispõe que a participação do membro do Ministério Público na fase investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia32. O Supremo Tribunal Federal, por diversas vezes fora acionado para posicionar-se acerca da problemática envolvendo o Ministério Público, a investigação criminal e a previsão contida no art. 144 da Constituição Federal. O julgamento do Habeas corpus n. 89837/DF foi uma das oportunidades onde houve manifestação do Pretório Excelso, nesse sentido, no qual se destaca o seguinte trecho: linhas]. [...].Ainda que inexista qualquer investigação penal promovida pela Polícia Judiciária, o Ministério Público, mesmo assim, pode fazer instaurar, validamente, a pertinente "persecutio criminis in judicio", desde que disponha, para tanto, de elementos mínimos de informação, fundados em base empírica idônea, que o habilitem a deduzir, perante juízes e Tribunais, a acusação penal. Doutrina. Precedentes. A QUESTÃO DA CLÁUSULA CONSTITUCIONAL DE EXCLUSIVIDADE E A ATIVIDADE INVESTIGATÓRIA. - A cláusula de exclusividade inscrita no art. 144, § 1º, inciso IV, da Constituição da República - que não inibe a atividade de investigação criminal do Ministério Público - tem por única finalidade conferir à Polícia Federal, dentre os diversos organismos policiais que compõem o aparato repressivo da União Federal (polícia federal, polícia rodoviária federal e polícia ferroviária federal), primazia investigatória na apuração dos crimes previstos no próprio texto da Lei Fundamental ou, ainda, em tratados ou convenções internacionais. Incumbe, à Polícia Civil dos Estados-membros e do Distrito Federal, ressalvada a competência da União Federal e excetuada a apuração dos crimes militares, a função de proceder à investigação dos ilícitos penais (crimes e contravenções), sem prejuízo do poder investigatório de que dispõe, como atividade subsidiária, o Ministério Público. - Função de polícia judiciária e função de investigação penal: uma distinção conceitual relevante, que também justifica o 31 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 494320, Rio de Janeiro, j. em 26 de outubro de 2004, da Sexta Turma. Rel. Min. Paulo Medina. 32 LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. Vol.1. Rio de Janeiro: Impetus, 2011, p. 434. 814 BARROSO, Mariana Drumond Figueiredo; LEAL, Rodrigo José. A PEC 37/11 deve ser aprovada pelo Congresso Nacional? Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 800-823, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 reconhecimento, ao Ministério Público, do poder investigatório em matéria penal. Doutrina. É PLENA A LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO PODER DE INVESTIGAR DO MINISTÉRIO PÚBLICO, POIS OS ORGANISMOS POLICIAIS [...] NÃO TÊM, NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO, O MONOPÓLIO DA COMPETÊNCIA PENAL INVESTIGATÓRIA. – [...]33 (Grifou-se). Assim, os defensores desta posição sustentam que o Ministério Público na condição de titular da ação penal pública, não pode ser somente um espectador da investigação a cargo da autoridade policial, podendo, por isso, não só requisitar diligências, como realizá-las diretamente, quando elas se mostrem necessárias. 3.1.1 A teoria dos poderes implícitos A finalidade de investigação é, única e exclusivamente, a de formar a opinião do órgão ministerial. Há uma relação de meio e fim. Quem dá os fins também dá os meios. Daí porque o órgão ministerial para formar sua convicção, pode requisitar diligências à policia judiciária, requerer determinada medida para a continuidade das investigações, complementá-las, supervisioná-las34. É nesse sentido a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, reconhecendo expressamente os poderes implícitos do Ministério Público para o exercício da investigação: DIREITO PROCESSUAL PENAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ALEGAÇÕES DE PROVA OBTIDA POR MEIO ILÍCITO, FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DO DECRETO DE PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA E EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE. PODERES INVESTIGATÓRIOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA PARTE, IMPROVIDO. (...) 5. A denúncia pode ser fundamentada em peças de informação obtidas pelo órgão do MPF sem a necessidade do prévio inquérito policial, como já previa o Código de Processo Penal. Não há óbice a que o Ministério Público requisite esclarecimentos ou diligencie diretamente a obtenção da prova de modo a formar seu convencimento a respeito de determinado fato, aperfeiçoando a 33 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas corpus n. 89837/DF, Segunda Turma, Min. Rel. Celso de Mello. j. 20/10/2009. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(89837.NUME.%20OU%208 9837.ACMS.)%20((CELSO%20DE%20MELLO).NORL.%20OU%20(CELSO%20DE%20MELLO).N ORV.%20OU%20(CELSO%20DE%20MELLO).NO.RA.%20OU%20(CELSO%20DE%20MELLO).A CMS.)&base=baseAcordaos>. Acesso em: 30 mar.2013. 34 STRECK, Lenio Luiz; FELDENS, Luciano. Crime e Constituição. A legitimidade da função investigatória do Ministério Público, p. 123. 815 BARROSO, Mariana Drumond Figueiredo; LEAL, Rodrigo José. A PEC 37/11 deve ser aprovada pelo Congresso Nacional? Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 800-823, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 persecução penal, mormente em casos graves como o presente que envolvem a presença de policiais civis e militares na prática de crimes graves como o tráfico de substância entorpecente e a associação para fins de tráfico. 6. É perfeitamente possível que o órgão do Ministério Público promova a colheita de determinados elementos de prova que demonstrem a existência da autoria e da materialidade de determinado delito, ainda que a título excepcional, como é a hipótese do caso em tela. Tal conclusão não significa retirar da Polícia Judiciária as atribuições previstas constitucionalmente, mas apenas harmonizar as normas constitucionais (arts. 129 e 144) de modo a compatibilizá-las para permitir não apenas a correta e regular apuração dos fatos supostamente delituosos, mas também a formação da opinio delicti. (...) 8. Há princípio basilar da hermenêutica constitucional, a saber, o dos "poderes implícitos", segundo o qual, quando a Constituição Federal concede os fins, dá os meios. Se a atividade fim - promoção da ação penal pública - foi outorgada ao parquet em foro de privatividade, não se concebe como não lhe oportunizar a colheita de prova para tanto, já que o CPP autoriza que "peças de informação" embasem a denúncia. (RE 468523, Relator (a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 01/12/2009, DJe-030 DIVULG 18-02-2010 PUBLIC 19-02-2010)35. (Grifou-se). Dessa forma, conclui-se que os posicionamentos favoráveis à atuação do Ministério Público no curso do inquérito policial remetem ao entendimento de que se deve desenvolver uma atividade conjunta deste órgão com a investigação policial, possibilitando, quando necessário, que a persecução seja eficaz não somente pela troca de informações, porém na avaliação inicial dos procedimentos, nas práticas mais convenientes para cada hipótese, e, principalmente, para que se contribua e se previnam operações frustradas, como também a difusão da impunidade36. 3.2 Os grupos de atuação especial Se for aprovada a PEC 37/11, o MP será impedido de investigar crimes como a corrupção, sonegação de impostos, formação de quadrilha, crimes do colarinho branco, crimes tributários, crimes em licitações públicas, verdadeiras fontes de desvios de dinheiro público, especialmente em grandes obras como a 35 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n° 468523, Relatora: Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, julgado em 01/12/2009. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28468523%2ENUME%2E +OU+468523%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/br97mgy>. Acesso em 10 mar. 2013. 36 PICOLIN, Gustavo Rodrigo. O inquérito policial e a atuação do Ministério Público na ação penal.In: Jurisway. Disponível em: <http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=161>. Acesso em: 18 mar. 2013. 816 BARROSO, Mariana Drumond Figueiredo; LEAL, Rodrigo José. A PEC 37/11 deve ser aprovada pelo Congresso Nacional? Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 800-823, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 Copa do Mundo e Olimpíadas. Isso porque, se a polícia judiciária monopolizar as investigações criminais, serão extintos os grupos de atuação especial que o MP coordena. No ano de 2002, foi criado pelo Conselho Nacional de Procuradores Gerais de Justiça, o GNCOC – Grupo Nacional de Combate às Organizações Criminosas -, a partir de um antecedente histórico lamentável, que foi a morte do Promotor de Justiça do Estado de Minas Gerais Francisco José Lins do Rego Santos, assassinado a mando de um grupo criminoso que atuava na adulteração e em outras fraudes relacionadas à fabricação, distribuição e comercialização de combustíveis naquele Estado37. Os Grupos de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas (GAECO) são forças-tarefas formadas por promotores de justiça, policiais civis e militares, delegados de policia e fiscais da fazenda estadual, sob a coordenação do Ministério Público, em muitos estados do Brasil. Os principais crimes investigados pelos GAECO’s são a corrupção, formação de quadrilha, sonegação de impostos e lavagem de dinheiro38. Segundo os dados do Ministério Público Estadual de Santa Catarina, em 2011, as forças-tarefa conseguiram nas 28 maiores investigações daquele ano, mais de 70 prisões, entre eles administradores, agentes públicos, além de delegados e policiais civis e militares. O poder de investigação do promotor de justiça é decisivo para a defesa do patrimônio público39. Em relação às investigações de crimes na área da Ordem tributária, as forças tarefa, em conjunto com a Secretaria de Estado da Fazenda, em oito grandes operações, recuperaram cerda de R$ 300 milhões de reais em quatro anos, em uma dessas operações, foi descoberto um esquema com estimativa de sonegação de 37 TRENTIN, Jiskia Sandri. Organização criminosa. Tipo penal? Atuação. Revista Jurídica do Ministério Público Catarinense. Vol. 7, n. 16, jan/jun. 2010. p. 243-250. 38 Programa Alcance, do Ministério Público de Santa Catarina. Portal do Ministério Público de Santa Catarina. Exibido em 11/04/2012. Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=6KSVmAMESFY. Lio Marcos Marin, Procurador Geral de Justiça do MPSC e Andrey Cunha Amorim, Presidente da Associação Catarinense do Ministério Público. Acesso em 12 abr. 2013. 39 Programa Alcance, do Ministério Público de Santa Catarina. Portal do Ministério Público de Santa Catarina. Exibido em 11/04/2012. Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=6KSVmAMESFY. Lio Marcos Marin, Procurador Geral de Justiça do MPSC e Andrey Cunha Amorim, Presidente da Associação Catarinense do Ministério Público. Acesso em 12 abr. 2013. 817 BARROSO, Mariana Drumond Figueiredo; LEAL, Rodrigo José. A PEC 37/11 deve ser aprovada pelo Congresso Nacional? Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 800-823, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 cerca de R$ 60 milhões. São operações especiais, diferenciadas, que tem a prioridade que só o Ministério Público pode dar40. Além dos grupos, também foram criadas Varas Especializadas em Lavagem de Dinheiro e em Crime Organizado (VELD). Nesse passo, Trentin leciona que: O art. 1º da Resolução nº 517/2006 do Conselho de Justiça Federal foi expresso ao afirmar que os Tribunais Regionais Federais, na sua área de Jurisdição, poderiam especializar varas federais criminais com competência exclusiva ou concorrente para processar e julgar os crimes praticados por organizações criminosas, independentemente do caráter transnacional ou não das infrações, o que de fato ocorreu em várias capitais do Brasil. O parágrafo único da citada Resolução ainda complementa que os juízos especializados deverão adotar os conceitos previstos na Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, promulgada pelo Decreto nº 5.015, de 12 de março de 200441. Em uma entrevista concedida ao Programa do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, o promotor de Justiça David Medina da Silva esclareceu que entre as principais consequências da aprovação da referida PEC, será que os crimes de organizações criminosas terão um órgão a menos para investigar. Alegou que em âmbito Estadual, a policia civil tem uma alta demanda de crimes comuns (homicídio, roubos, crimes contra a dignidade sexual); sem a investigação e atuação das forças-tarefas, a macrocriminalidade recairia para a policia civil nos estados, que está sobrecarregada com os crimes comuns42. O promotor de Justiça David Medina da Silva salientou acerca do viés corporativista da PEC 37/11: É uma tentativa, com viés corporativista, de fortalecer a Polícia Judiciária que não prospera, pois a polícia sozinha não tem condições de suprir sozinha com a demanda investigatória; falta pessoal, equipamento, recursos, treinamento, capacitação constante. Polícia, especialmente civil, é instituição que não recebe a devida 40 Programa Alcance, do Ministério Público de Santa Catarina. Portal do Ministério Público de Santa Catarina. Exibido em 11/04/2012. Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=6KSVmAMESFY. Lio Marcos Marin, Procurador Geral de Justiça do MPSC e Andrey Cunha Amorim, Presidente da Associação Catarinense do Ministério Público. Acesso em 12 abr. 2013. 41 TRENTIN, Jiskia Sandri. Organização criminosa.Tipo penal? Atuação. Revista Jurídica do Ministério Público Catarinense. Vol. 7, n. 16, jan/jun. 2010. p. 243-250. 42 Programa do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul. Portal do Ministério Público do Rio Grande do Sul. Exibido em 06/03/2012. David Medina da Silva, Promotor de Justiça. Coordenador do Centro de Apoio Criminal do Ministério Público do Rio Grande do Sul. Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=L4lZWwj-P6w&feature=related>. Acesso em 12 mar. 2013. 818 BARROSO, Mariana Drumond Figueiredo; LEAL, Rodrigo José. A PEC 37/11 deve ser aprovada pelo Congresso Nacional? Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 800-823, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 atenção dos governos, é dotada de muitas fragilidades, não tem condições de possuir a titularidade exclusiva das investigações criminais. O Brasil está ainda em processo de consolidação de sua democracia, então é importante que outras instituições se credenciem para a tarefa de investigar. Nada melhor que o Ministério Público, que é p titular da ação penal, para tal atividade43. Ainda, o promotor de Justiça concluiu seu raciocínio asseverando que A proposta da PEC 37 só interessa a quem ganha milhões com desvios de verbas públicas, com fraudes licitatórias, com a criminalidade organizada. As ações contra o crime organizado no país são organizadas e protagonizadas por investigações do Ministério Público. Desta maneira, a proposta da PEC 37 só interessa a quem ganha milhões com desvios de verbas públicas, com fraudes licitatórias, com a criminalidade organizada. As ações contra o crime organizado no país são organizadas e protagonizadas por investigações do Ministério Público. CONSIDERAÇÕES FINAIS A PEC 37 trata-se de uma Proposta de Emenda à Constituição de autoria do Deputado Federal Lourival Mendes, que busca atribuir competência exclusiva às polícias federal e civil para o exercício da atividade de investigação criminal, mediante a inserção de um parágrafo (§ 10) no artigo 144 da Constituição. Existem duas posições claras em relação à proposta: os que vão contra a aprovação e os favoráveis. Os principais argumentos favoráveis à aceitação da proposta, estudados nesta pesquisa, versam sobre: a) a exclusividade constitucionalmente prevista para a investigação criminal, pois o art. 144 da Constituição prevê que a investigação deve ser realizada pela polícia judiciária; b) a concentração de poder e desvio de função do Ministério Público: a corrente doutrinária favorável à PEC 37/11 acredita que caso seja institucionalizado a possibilidade do Ministério Público investigar (apesar de não ser esse o objeto da 43 Programa do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul. Portal do Ministério Público do Rio Grande do Sul. Exibido em 06/03/2012. David Medina da Silva, Promotor de Justiça. Coordenador do Centro de Apoio Criminal do Ministério Público do Rio Grande do Sul. Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=L4lZWwj-P6w&feature=related>. Acesso em 12 mar. 2013. 819 BARROSO, Mariana Drumond Figueiredo; LEAL, Rodrigo José. A PEC 37/11 deve ser aprovada pelo Congresso Nacional? Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 800-823, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 PEC 37/11), o Órgão Ministerial estará propenso a ser abusivo e controlador, pois não terá fiscalização; c) Ainda, defende-se que com o monopólio das investigações criminais, a policia judiciária, tanto a Polícia Federal quanto as Polícias Civis dos Estados, serão fortalecidas, rumo ao reconhecimento que merecem. Entre os argumentos contrários à aprovação da PEC 37/11 estudados nesta pesquisa, constam: a) A interpretação do art. 144 da Constituição Federal deve ser no sentido de reconhecer a possibilidade do Ministério Público atuar na investigação criminal, de maneira harmônica com a polícia judiciária. b) A teoria dos poderes implícitos e as previsões do Supremo Tribunal Federal garantem a autuação do Parquet nas investigações criminais. c) Com a aprovação da PEC 37/11, os grupo de atuação especial contra o crime organizado, encabeçadas pelo Ministério Público serão extintas, favorecendo a criminalidade “do colarinho branco”. O Ministério Público Brasileiro, embora não tenha função prioritária de investigar crimes, está legitimado a fazê-lo como corolário da mencionada Teoria dos Poderes Implícitos e por força dos dispositivos constitucionais e legais, especialmente quando se tratar de crime organizado ou praticado por organização criminosa. A proposta trazida pela PEC 37/11 é incompatível com o sistema constitucional brasileiro, uma vez que mitiga a atuação do órgão ministerial, no exercício de sua atividade fim. A tentativa de limitar a atuação do parquet na seara criminal acaba por atingir conquistas inderrogáveis do povo brasileiro, na medida em que o Ministério Público é o órgão incumbido de fiscalizar a atuação policial, não apenas em determinadas investigações, mas em todas elas, de requerer medidas limitem direitos fundamentais da pessoa (interceptações telefônicas, buscas e apreensões, quebra de sigilo telemático, fiscal e bancário, entre outros), bem como de zelar pela integridade física dos próprios investigados. A quem interessa tirar o poder de investigação do MP? Somente os detentores de poder econômico e poder político, pois o cidadão comum já sofre as investigações de todas as maneiras possíveis; os órgãos de investigação têm maiores dificuldade de chegar aos indivíduos de maior atuação política ou 820 BARROSO, Mariana Drumond Figueiredo; LEAL, Rodrigo José. A PEC 37/11 deve ser aprovada pelo Congresso Nacional? Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 800-823, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 representação econômica, por isso, o Ministério Público, por sua independência, autonomia e outras prerrogativas que a Constituição lhe deu, consegue fazer isso de maneira mais eficiente que outros órgãos, inclusive do que a própria polícia. Diante disso podemos dizer que a hipótese levanta a este artigo científico se confirmou na medida em que uma vez aprovada a PEC 37/2011 pelo Congresso Nacional a sociedade e o interesse público sairão perdendo pois o Ministério Público contribui para o enfrentamento do crime organizado e da corrupção no Brasil. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS ASSOCIAÇÃO DOS DELEGADOS DE POLÍCIA DO BRASIL. Entenda porque a PEC 37 não retira poder de investigação do Ministério Público. Disponível em: <http://www.adepoldobrasil.com.br/2.0/wpcontent/uploads/2013/02/FINALIZADO.pdf >. Acesso em: 22 maio 2013. BARROSO, Luís Roberto. Investigação pelo Ministério Público. Argumentos contrários e a favor. A síntese possível e necessária. 2004. Disponível em: <http://www.mp.sc.gov.br/portal/site/portal/portal_impressao.asp?campo=2289&cont eudo=fixo_detalhe>. Acesso em: 10 abr. 2013.. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas corpus n. 89837/DF, Segunda Turma, Min. Rel. Celso de Mello. j. 20/10/2009. 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