UNIVERSIDADE DE MARÍLIA NANCI ADELINA DA ROCHA KURATA “O NINHO OCULTO: FÁBULA E A REPRESENTAÇÃO NA MÍDIA” Marília - SP 2008 Universidade de Marília FACULDADE DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E TURISMO REITOR MÁRCIO MESQUITA SERVA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO COORDENADORA PROFª DRª ROSANGELA MARÇOLLA ÁREA DE CONCENTRAÇÃO MÍDIA E CULTURA LINHA DE PESQUISA PRODUÇÃO E RECEPÇÃO DE MÍDIA ORIENTADORA PROFª DRª MARIA CECÍLIA GUIRADO NANCI ADELINA DA ROCHA KURATA “O NINHO OCULTO: FÁBULA E A REPRESENTAÇÃO NA MÍDIA” Dissertação de Mestrado apresentada Programa de Pós-Graduação em Comunicaç da Universidade de Marília, para obtenção título de Mestre em Comunicação. Orientadora: Profª. Dra. Maria Cecília Guirado Marília - SP 2008. NANCI ADELINA DA ROCHA KURATA “O NINHO OCULTO: FÁBULA E A REPRESENTAÇÃO NA MÍDIA” BANCA EXAMINADORA Profª. Drª. Maria Cecília Guirado (orientadora) Julgamento ____________________________________ Assinatura ____________________________________ Profª. Drª. Rosangela Marçolla Julgamento ____________________________________ Assinatura ____________________________________ Prof. Dr. Cesar Augusto de Carvalho Julgamento ____________________________________ Assinatura ____________________________________ Marília – SP 2008 Nunca desista de sonhar. Sonhe, sonhe sempre, mesmo que com o impossível E procure tornar seus sonhos, realidade. Quando deixamos de sonhar, É como se deixássemos a nossa própria essência, Como se mortos estivéssemos em vida. Abra seu coração LibereLibere-o para que ele possa ir em busca da felicidade E nunca desista dessa procura, Que poderá fazer a diferença em sua vida. Pior do que tentar e não conseguir, É nos culparmos uma vida inteira por não ter tentado. Viver é ousar, é ir além de nossos limites, idéias e concepções prépré-estabelecidas de vida. Ouse, ame, sonhe, liberteliberte-se! O amanhã é agora e não se exime de vivevive-lo! Dê a você mesmo esse direito: pelo menos, o de tentar... As coisas são como são. A vida não mudará seu curso porque você deixou de sonhar ou resolveu resolveu lutar. O mundo não deixará de girar porque hoje você chora, tem problemas ou foi seriamente magoado. O tempo não pára e não espera por ninguém. Mas nos dá uma chance ímpar: a de lutar... E somente vence aquele que ousa tentar... (Autor desconhecido) desconhecido) DEDICATÓRIA Primeiramente aos meus pais, in memoriam, pelo amor, incentivo, dedicação e compreensão, pois sem eles eu não seria a pessoa que sou hoje e com certeza estão muito orgulhosos dessa nova conquista. Ao Dr. Donizete Aparecido Pinheiro da Silveira – Juiz da Vara da Infância e Juventude, ao Dr. Décio Mazeto, Juiz Diretor do Fórum e as assistentes sociais e psicólogas do Fórum da Comarca de Marília, porque a ajuda deles foi imprescindível para a realização desse sonho. A minha filha Vanessa, pois sem o seu respaldo, talvez eu não tivesse conseguido concluir esse curso. KURATA, Nanci Adelina da Rocha. “O ninho oculto: fábula e a representação na mídia”. 2008. Dissertação. (Mestrado em Comunicação) – Universidade de Marília. Marília, 2008. RESUMO Essa pesquisa objetiva verificar se, com o avanço tecnológico ocorrido no século XX, ainda há relações entre as histórias de tradições orais e as formas com que elas se fazem representar na mídia atual. A fábula foi eleita, porque é uma forma de comunicação que favorece a reflexão do homem crítico, tendo em vista que legitima a moral. As reportagens publicadas no jornal Diário, focadas neste estudo (o caso do padre Balikian), retratam a violação da moral, tornando-se, portanto, semelhante à fábula, que era uma forma de expor juízos de valores em épocas remotas e distantes, por meio da oralidade. O trabalho sistematiza-se utilizando como referencial teórico a análise da narrativa jornalística, apoiando-se em vários estudiosos da comunicação que corroboram com este esforço de discutir um caso de sensacionalismo e violência moral na imprensa mariliense. Palavras-chave: reportagens. histórias de tradições orais, jornal impresso, fábulas e KURATA, Nanci Adelina da Rocha. “Occult nest: fable and the representation on media”. 2008. Dissertation. (Master Degree in Communication) – Marília University. Marília, 2008. ABSTRACT This paper aims to verify if, there are still relations between the stories of oral traditions and the way that they are represented on present media with the technological advance in the XX century. Fable was elected because it is a communication way that favours the reflection of the critical man, having in view that legitimates the moral. Reports focused in these studies (priest Balikian case), published by Diário newspaper show the moral violation, so, becoming similar to fable, that was a way to exposure values of good sense in remote and distant age by using the orality. The paper is arranged methodically as a theoretical referential to the journalistic narrative analysis, being based on varied communication studious who corroborate with this effort of discuss a case of sensationalism and moral violence in Marilia’s city press. Key words: stories of oral traditions, printed newspaper, fables and reports. SUMÁRIO INTRODUÇÃO 10 CAPÍTULO 1 ....... 1.1 Sensacionalismo e violência na mídia 13 ....... 1.2 Jornalista – Contador de histórias 28 CAPÍTULO 2 ....... 2.1 Recomposição do caso estudo 41 ....... 2.2 Breve histórico do veículo e da cidade onde o fato aconteceu 63 CAPÍTULO 3 ....... 3.1 Relação entre a fábula e as reportagens sobre o caso do ............ padre Balikian 71 CONSIDERAÇÕES FINAIS 98 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 101 ANEXOS 111 10 INTRODUÇÃO Este trabalho elegeu as reportagens que envolvem a acusação de pedofilia de um padre da Igreja Matriz Santo Antonio, da cidade de Marília-SP., no ano 2005 (acusado e preso por quatro crimes: corrupção de menores, estupro com violência presumida, possibilidade de contágio venéreo e oferecer bebida alcoólica a menor de 18 anos) para analisar sua relação com as histórias de tradição oral. No Brasil, a maioria da população pertence à religião Católica Apostólica Romana, e os crimes citados envolveram um padre, pessoa com muito destaque social e religioso na cidade. Foi uma situação de cunho social, haja vista que envolveu o celibato sacerdotal. Procurou-se este caso específico para a análise (dentre muitos outros), para analisar as reportagens sob o ponto de vista das fábulas, em especial o texto sobre A andorinha e o dragão. O caso em estudo justificou-se porque, apesar de ser um fato ocorrido no início do século XXI, existe muita semelhança com o imaginário da fábula escolhida, apesar da grande distância temporal entre ambas. A fábula é uma forma de comunicação e interação direta entre as pessoas, ela é uma história curta, mas que se preocupa em transmitir e legitimar a moral, além de favorecer a reflexão do homem crítico. O jornalista, na qualidade de contador de histórias, também reproduz ou faz representações de possíveis fábulas nas reportagens. Como a fábula era uma forma de se expor juízos de valores, como a moral, a grande pergunta da pesquisa é: será que a fábula foi esquecida com o 11 desenvolvimento da mídia, ou ela foi readaptada, realojada em novos contextos? Ou, talvez, a ancoragem das tradições orais foram remodeladas numa multiplicidade de lugares, cujos limites ultrapassam os da interação face a face? Para responder às questões propostas, a pesquisa utilizou como referencial teórico a teoria da narrativa, utilizando-se de vários teóricos da comunicação, da narratologia e das formas simples das histórias de tradição oral representadas na mídia. Segundo Motta, a narratologia pode ser utilizada como um procedimento analítico para compreender os mitos, as fábulas, os valores subjetivos, as ideologias e a cultura política inteira de uma sociedade. A análise da narrativa passa a lidar com a questão da construção dos significados servindo para observar os valores canônicos de uma cultura e seus desvios. Nesta pesquisa, o primeiro capítulo faz uma panorâmica sobre a violência, sensacionalismo na mídia e a profissão do jornalista, inclusive mostra o jornalista como contador de histórias (como citado por muitos, dentre estes: Carlos Chaparro e Caco Barcellos), pois para publicar os fatos, o jornalista ético o faz por meio de uma história, com consciência, sempre atento e com talento para ampliá-la de forma real ou aproximada da realidade. A fim de contextualizar, no segundo capítulo fez-se a apresentação do caso estudo, por meio de sua recomposição para evidenciar em episódios e seqüências o desenrolar da narrativa. Assim, notícias unitárias passaram a ser parte de um acontecimento integral, que foi recontado nesta dissertação com o propósito de aumentar a compreensão do leitor, pois sem uma história completa a análise da narrativa seria impossível. 12 Com a reconfiguração das seqüências em um enredo coerente, o que antes parecia desconectado foi ganhando continuidade e coesão. Também foi feito um breve histórico sobre o jornal Diário de Marília e do município, pois o jornal e a cidade têm seus desenvolvimentos coincidentes e interligados. Em seguida, foi feita a análise da narrativa, na relação entre a fábula A andorinha e o dragão e as reportagens sobre o “padre acusado de pedofilia” contra duas irmãs adolescentes em Marília. Espera-se que o leitor desta pesquisa goste da viagem ao imaginário ancestral das fábulas, que parece se repetir na atualidade, diariamente na mídia impressa. 13 CAPÍTULO 1 1.1. Sensacionalismo e violência na mídia Neste início do século XXI, em um meio ambiente cada vez mais moderno, onde a mídia utiliza-se exacerbadamente dos avanços tecnológicos, pode-se observar alguns paradoxos curiosos com o intuito de esclarecer melhor as violências difundidas nos meios de comunicação. Em primeiro lugar, as violências generalizadas nas mensagens difundidas pelas mídias – que se tornaram a proposta estética predominante, inclusive no aspecto visual e corporal – contribuem para a criação e consolidação de uma cultura jovem mundializada, cujas características mais marcantes podem-se resumir em: consumismo, narcisismo, banalização da violência como imagem do mundo moderno, uso dos meios violentos como forma de resolver conflitos, sendo esses meios legitimados, tudo isso levando os jovens à dessensibilização em relação às cenas de violências físicas e psíquicas. Em segundo lugar, além desses aspectos ideológicos (antiéticos) a violência tem também sua dimensão estética. Ela é embelezada, estetizada, repetida sem cessar, inclusive, ela tornou-se uma das fórmulas de maior sucesso na televisão, no cinema e nas reportagens jornalísticas. Ela está presente em qualquer produto, do drama romântico ao desenho animado e, muitas vezes, é recriada nas publicidades. A repetição de cenas estereotipadas de brigas corporais, perseguições em carros em alta velocidade, cenas de torturas, tiroteios com armas cada vez mais sofisticadas; a utilização de efeitos especiais, a criação de imagens, de som padronizado, em escala planetária, forma não só um conjunto mínimo de símbolos e valores comuns no imaginário dos 14 jovens, como influenciam seu gosto, seus padrões estéticos, provocando um efeito de uniformização que tende a ocorrer tanto na dimensão ética (do significado valorativo) quanto estética, isto é, do ponto de vista da composição técnica e formal da mensagem. Evidencia-se cada vez mais que o imaginário que essas mídias vêm construindo é um imaginário dominado pelo princípio de morte, ou seja, de violência, que se materializa nas imagens fragmentadas e encadeadas em ritmo acelerado, com efeitos de luz, som, animação e edição digitalizada; com significações construídas, porque estão submetidas às regras do mercado. Exemplo disso encontra-se presente no filme “Tropa de Elite”1, na medida em que retrata as cenas de violência de forma a minimizar a brutalidade, banalizando-a, construindo no imaginário do receptor a violência como sendo uma imagem natural, totalmente adequada ao sistema. Em terceiro lugar, paradoxalmente, a crescente sofisticação técnica e a profissionalização da guerra para torná-la mais eficaz (a guerra do Vietnã mostrou ao vivo e em cores o quanto as motivações ideológicas são fundamentais para a guerra), deixam sem finalidade todo aquele conjunto de valores e modelos voltados para a guerra, criados e difundidos pelas mídias. Ou mais precisamente: a indústria cultural canaliza a agressividade desenvolvida pelas mídias para a principal finalidade do sistema capitalista, o consumo, gerando como efeito perverso, “não intencional”, mais violência na sociedade real. [...] É a percepção dessa violência integrada na sociedade e nos indivíduos que leva Hobbes, no Leviatã, a sustentar que a possibilidade generalizada de serem assassinados é o que os homens mais têm em comum. Todo homem pode ser morto por 1 Título Original: Tropa de Elite; Gênero: ação; Lançamento (Brasil): 2007; Distribuição: Universal Pictures do Brasil; Direção: José Padilha; Roteiro: Rodrigo Pimentel, Bráulio Mantovani e José Padilha; Produção: José Padilha e Marcos Prado; Produção Executiva: James Darcy e Eliane Soares; Assitente de Produção: Fernada Chasim e Gabi Haber; Co-produção: Weinstein Co, Zazen Produções e Universal Pictures do Brasil. 15 qualquer outro. Para Hobbes, a doação da morte está inscrita no cerne da comunidade. É Caim, o fratricida – mas também o permanente, o sedentário, em oposição a Abel, o peregrino – que funda a comunidade humana. A violência, a agressão enraíza-se tão profundamente quanto à propensão amorosa ou sexual na composição psicobiológica do ser humano. Ou seja, a destrudo acompanha estruturalmente a libido na complexidade do indivíduo, é, portanto, algo inerente à experiência subjetiva e intersubjetiva dos indivíduos. Trata-se, assim, de um vasto território dentro da condição humana, a ser avaliado diferentemente de acordo com a variedade de suas realizações (SODRÉ, 2002, p. 24). Em um viés com a mídia impressa, as reportagens sobre a violência fazem uma representação da sociedade, da realidade e do homem que a pratica. O discurso jornalístico “‘articula-se com’ e ‘são modelados por’ espaço social mais amplo, incluídos o processo histórico e as orientações culturais partilhadas pelos diversos agentes sociais que ordenam à interação oral e escrita” (LOPES, 1999, p. 122). Em sua opinião, o jornalismo naturaliza e reproduz comportamentos sociais e as relações de desigualdades existentes na sociedade. O jornalista faz sempre uma opção ideológica quando ele define o que é noticiável, como deve ser publicado, o que será excluído, o que terá favorecimento, destaque e o que será selecionado. Neste processo, o jornal torna-se um veículo de reprodução recortada da realidade, pois o fato traz em seu conteúdo a visão de mundo e a posição ideológica do jornalista. Lopes prioriza a busca por parte da produção do jornal, dos jornalistas, em capturar os sentidos da violência compartilhados pelo público. Existiria não apenas uma opinião compartilhada pelo público como também o conhecimento dessa opinião por parte do jornal; haveria uma homogeneidade do público leitor e um esforço por parte do jornal em tentar capturar essa homogeneidade. Uma outra forma de abordar a questão da violência na mídia é a do sociólogo Sérgio França Adorno de Abreu. Seu interesse é discorrer sobre a possibilidade de utilizar a mídia como fonte de informação e pesquisa a respeito da violência e, 16 portanto, em estudar as percepções e dados oficiais “que ‘expressariam’ a chamada criminalidade real”. Ao realizar essa discussão, Abreu nos coloca que: A construção da criminalidade como um problema social e sociologicamente significativo passa, no nosso entender, pela construção ‘marginal’ a respeito do crime, do criminoso e da criminalidade e, sobretudo pelo conjunto de representações que fazem com que a criminalidade seja hoje um objeto privilegiado da preocupação (1995, p. 181). A imprensa, em sua opinião, seria um importante veículo de expressão das percepções sociais quanto à criminalidade, ao crime, ao criminoso e ao modo pelo qual a sociedade transforma essa questão num problema de interesse público. Adorno de Abreu não tem pretensão de discorrer sobre o público leitor ou seu comportamento tendo em vista a atuação da mídia. Entretanto, a proposição da mídia como um “importante veículo de expressão das percepções” é de bastante interesse neste estudo, na medida em que introduz um novo elemento: a questão da percepção social da violência. Observa-se que existe, sim, uma relação entre o que é noticiado e o que acontece na realidade, relação essa que, todavia, não significa uma correspondência direta entre os dois fatores, ou seja, quando ela noticia certos fatos e coloca ênfase em alguns aspectos, a mídia estabelece um recorte significativo, não apenas porque contém fragmentos dessa realidade, mas também porque ajuda a criar sentido, atribui uma importância significativa aos fatos que ela está noticiando. Cabe ressaltar também a violência psicológica. Distingue-se agressão de agressividade, sendo esta uma força espontânea do ser vivo, o qual tem o controle necessário do meio ambiente ou para ações competitivas que fazem parte da vida cotidiana. Agressão implica hostilidade, uma forma investida pela violência, pelo ato violento. 17 Sodré cita Sigmund Freud, que oferece dois modelos explicativos para a agressão: O primeiro (1905) vê o fenômeno como força reativa às frustrações que impedem a satisfação dos desejos libidinais. Este modelo é retomado três décadas depois por pesquisadores norte-americanos que estabelecem um laço necessário entre agressão e frustração, entendendo esta última como o bloqueio objetivo que não permite ao indivíduo atingir um fim estabelecido. A intensidade de uma resposta agressiva é proporcional à intensidade da frustração. No segundo modelo freudiano (Para além do princípio do prazer, 1920), ganha destaque a hipótese da pulsão da morte, cuja finalidade é a autodestruição do sujeito. Freud parece aqui reinterpretar as especulações de Hobbes sobre o medo da morte como angústia originária. Agredir alguém seria, assim, garantir imaginariamente a sobrevida própria, transferindo a morte para o outro. Agredir a si mesmo implicaria dirigir para dentro a pulsão destrutiva. A relação sadomasoquista (pulsão de dominação e submissão) origina-se para Freud de uma fase (mítica) em que a pulsão de morte está voltada contra o si mesmo. Na verdade, parte-se hoje de um texto de Freud inicialmente vinculado à pulsão sexual (Sobre o narcisismo, uma introdução, 1914) para interpretar a agressão como derivada da pulsão de morte presente no narcisismo. Este último inscreveria assim, tanto a libido quanto a destrudo. Mesmo nas constelações ditas “normais” do ego, amor e destrutividade (inclusive a autoagressão, sob muitas formas, como o masoquismo moral, a autopunição culposa etc.) caminham juntos (SODRÉ, 2002, p. 25). A modernização ocidental, se de um lado com a razão e o método incrementaram as realizações técnicas e científicas, de outro, parecem ter exacerbado a destrudo social, que de acordo com o psicanalista Edoardo Weiss, autor do conceito, significa: “o instinto de morte que estrutura a cultura, e a sociedade e sua ação como instinto de agressividade e de morte através das formações reativas2”. Os assassinatos, os crimes hediondos com requintes de crueldade, os homicídios por motivos fúteis, tudo isso acompanha e cresce com a mesma rapidez que o progresso da racionalidade econômica. A violência destrutiva permanece como um destes instigantes “nós” culturais que Freud caracterizou como um malestar civilizatório. CARVALHO, José Carlos de Paula. Disponível em: www.interface.org.br/revista5/debates8.pdf. Acesso em 11 de janeiro de 2008. 2 18 De fato, a violência é um mal civilizatório, pois as agressões e a violência no plano das relações interpessoais são mais explícitas nos espaços comunitários. Quanto maior a proximidade física, maior a destrudo. Porém, em contrapartida, é a comunidade que indica caminhos para o controle da violência, tendo em vista sua capacidade de colocar em evidência os mecanismos que presidem a interdependência dos indivíduos. Estas questões nos levam a refletir sobre o papel da mídia no processo de construção de estratégias para o enfrentamento da violência existente no cotidiano diário em seus textos e a importância da informação na construção da cidadania. O texto jornalístico tem uma grande força e pode pesar a favor ou contra uma determinada questão colocada em debate no âmbito da sociedade. [...] Do inglês media, o termo mídia significa meio. Meio com dois sentidos: como canal para transmissão e enquanto centro, ponto central. Esses conceitos permitem a seguinte reflexão: canal ou canais que organizam, sistematizam informações para a compreensão ou transformação de determinados fenômenos. Enfim, condutores de idéias. Considerando raciocínio mais abstrato, mídia como promotora de equilíbrio. Em resumo: canal que objetiva o equilíbrio entre as partes da sociedade, através da promoção da informação equilibrada e, por decorrência democrática. Daí que o papel da mídia, particularmente o do jornalismo, configura-se como a atividade de caráter social que coloca a sociedade em linha de diálogo, que promove a mediação de conflitos, apurando, checando, selecionando (fontes e informações) e editando. Assim, o papel da mídia é o promover a grande assembléia, a polêmica, o debate, o enfrentamento do problema, o diálogo entre todos os segmentos da sociedade3. Para isso, ele obedece à lógica da comunicação de massa, pauta-se pela primazia dos emissores sobre os receptores de tal forma que os jornalistas tornamse mediadores sociais da realidade, definindo quais acontecimentos devem ou não ser notícia. Nessa expectativa, a notícia é uma espécie de representação simbólica da realidade, que deriva de processos centralizados de mediação social. 3 SILVA, Edson. Disponível em: www.caminhos.ufms.br/html/artigo_edson_silva.pdf. Acesso em 11 de junho de 2007. 19 [...] para ganhar o estatuto de notícia, um fato deve passar por uma negociação que envolve o próprio acontecimento e seus atributos e algumas exigências decorrentes da natureza do trabalho jornalístico. É dessa negociação que começa a tomar forma a notícia (MOTTA, 2002, p. 310). Esta notícia tem sua representação na mídia, assim: [...] papel é igual personagem de uma determinada história. Esta (a personagem), por sua vez, pressupõe a existência de um sujeito que age, influenciando situações. A mídia jornalística é esse sujeito, porque, ao dar visibilidade aos fatos cotidianos, não apenas conta e registra fatos, mas também se coloca como personagem que se projeta nesses fatos4. Por esse motivo, observa-se que ter um determinado veículo de comunicação a favor ou contra uma notícia, tem um valor muito grande. A televisão pela força da imagem; o jornal impresso, enquanto documento duradouro, acessível; o rádio e a internet pela velocidade da informação a ser divulgada. Todos estes veículos investidos de identidade jornalística têm forte significação social. [...] A projeção ou influência dos veículos de comunicação nos fatos provocam efeitos como de visibilidade, de verdade, de credibilidade, entre outros. Assim como o discurso jornalístico ancorado em personagens com referentes no mundo real, citados estrategicamente ao longo do percurso de construção do texto, o consumidor da informação ancora a elaboração de seu discurso naquilo que o jornal (impresso, eletrônico) afirmou. Daí o senso comum: algo existe porque a televisão mostrou, o jornal escreveu. O noticiário tem o poder de fazer existir o que é comunicado. O contrário também é possível no mundo da mídia, ou seja, se não foi noticiado, não tem registro, portanto, não existe5. A exibição da violência, de modo dramático ou não, na mídia, é uma tentativa, às vezes infantilizada, de se lidar com a banalização do trágico no cotidiano de hoje. O desastre, a agressão, a monstruosidade teatralizados, funcionam como objeto fóbico capaz de embalar aquela representação, a angústia generalizada em face da destrudo social. É preciso levar-se em conta também a: SILVA, Edson. Disponível em: www.caminhos.ufms.br/html/artigo_edson_silva.pdf. Acesso em 11 de junho de 2007. 5 Idem. 4 20 [...] estrutura mercadológica da mídia, a violência revela-se, desta maneira, um excelente operador semiótico para hibridizações ficcionais entre realidade e imaginário. Sobre a realidade da violência urbana, a mídia enxerta a realidade imaginária da ficção passada e presente. O que um filme de catástrofe, por exemplo, propõe ao espectador é que se auto-reconheça no que vê na tela. Não se trata mais da velha identificação projetiva com uma figura mítica e distante – em que se dá a perda de si no outro -, mas de um espelhamento total, com vistas à conservação imaginária de si mesmo (SODRÉ, 2002, p. 98). Todas essas tragédias alimentam a estetização midiática da vida cotidiana. A mídia transforma o mundo num teleteatro de horrores (desastres, assaltos, homicídios, crimes hediondos), são representações da realidade e do imaginário, fazendo com que a mídia mostre sua capacidade de gerar fantasias catastróficas, que ratificam o sentimento de precariedade da existência humana. A mídia aborda os casos de violência de uma forma que oferece ao público uma compreensão distorcida do fenômeno da violência. O fato da mídia propagandear o fenômeno da criminalidade praticado por pessoas pertencentes às camadas populares, contribui para reforçar a estigmatização das classes consideradas perigosas, e, desta forma, o pobre será visto sempre como um suspeito. O público em geral é influenciado a associar a violência com os grandes atos criminosos. Na realidade, a manifestação da violência sexual, homicídios, latrocínios, entre outros, por serem mostradas na imprensa deixam de evidenciar os fatores geradores ou incentivadores da criminalidade, que são os fatores sócioeconômicos. Entre estes, poder-se-ia destacar os desequilíbrios regionais que forçam a migração desordenada para os centros urbanos (problema da desintegração cultural e do menor que não tem o básico necessário para seu desenvolvimento); a má distribuição de renda, fator responsável tanto pela pobreza absoluta quanto pela proletarização das classes médias; aumento nas taxas de 21 desemprego e subemprego; ausência ou precariedade de serviços públicos, escolas, saúde, educação, entre outros. As identificações entre a violência e as classes populares se dão em função da existência de um grande interesse da imprensa em divulgar delitos que atingem os bairros da classe média e da burguesia cometidos por pessoas economicamente desfavorecidas. Ao noticiar esses delitos a imprensa contribui de forma significativa na estigmatização das classes populares (menos favorecidas economicamente). Um outro aspecto que contribui ainda mais para esta percepção do perigo dos pobres, diz respeito ao fato de se ver punição apenas para os crimes praticados pelos indivíduos da classe popular – pobre, e, pouca ou nenhuma punição para a elite. Todavia, mesmo sabendo que a violência perpassa em todos os segmentos sociais, os indivíduos de estratos economicamente mais elevados da sociedade vêem a violência como um problema que só afeta a eles. Eles percebem o problema da violência como uma ameaça constante das classes perigosas que precisam ser controladas a qualquer custo. Destarte, a polícia tende a agir como guarda do rico contra os pobres e a violência policial acaba sendo reforçada na impunidade, porque ela é exercida contra essas classes perigosas e raramente esta violência policial afeta a vida dos “bem-de-vida”. Entre as várias influências indesejáveis ao ver a violência na mídia é a contribuição dada para o aprendizado de comportamentos e atitudes agressivas, o que pode conduzir a efeitos de dessensibilização ou medo nas pessoas. Além disso, tendo em vista que tudo que as pessoas aprendem é através da observação do seu ambiente, pode-se imaginar que processos semelhantes ocorram com a influência da mídia. 22 Isso também não quer dizer que ver a violência na mídia seja o único ou o mais importante fator que contribui para o comportamento violento. A forma porque as notícias de violência são divulgadas pelo jornal não tem como principal preocupação despertar a consciência crítica dos leitores acerca desse fenômeno e, menos ainda, demonstrar o estado de anomia (ausência de leis, de normas ou regras de organização) que se encontra a sociedade. Na realidade, a imprensa está preocupada em descrever os fatos de violência, promovendo, por meio de descrição desses casos, um “espetáculo” capaz de atrair consumidores e “vender” uma mercadoria com boa receptividade no mercado. Como a mídia desempenha um papel fundamental no mundo atual, uma vez que ela é “uma das principais instâncias de construção de valores coletivos e hábitos sociais e culturais6”, é necessário que os jornalistas tenham consciência de sua responsabilidade em seu trabalho cotidiano, introjetando também seu compromisso com a qualidade e a ética para a prática de um bom jornalismo. Para isso, o jornalismo passa a [...] exigir também dos profissionais outras atribuições de grande relevância, entre as quais podemos destacar: a oferta de informações contextualizadas – ou seja, conteúdos acurados e que tragam os diversos ângulos relativos ao tema em pauta; o agendamento responsável e conectado à realidade local, das questões mais urgentes enfrentadas pela sociedade; e, por fim, o exercício do monitoramento e da fiscalização das ações dos diferentes atores sociais, especialmente dos governos7. Diante disso, é necessário assegurar e instrumentalizar com ferramentas teóricas os profissionais da imprensa com uma formação que contribua para a reflexão sobre a realidade social em que está inserida a violência e que eles possam contribuir de forma eficaz e eficiente no processo de construção e veiculação da AVANCINI, Marta. Disponível em: www.observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=424DAC001. Acesso em 10 de junho de 2007. 7 Idem. 6 23 informação. Com isto, poderão fomentar a consciência e a participação do receptor, pois, ao contrário, irão difundir a intolerância, o preconceito e a desinformação deste em sua realidade sócio-econômica e política. Atualmente, o jornalista precisa estar mais atento às relações com o social quando ele faz a representação de um fenômeno. Terá que buscar informações, navegar por outras disciplinas, abrir-se para uma visão de mundo diferente, ter um jornalismo competente, a fim de colaborar para construir uma humanidade melhor, pois ele é um formador de opiniões e tem grande responsabilidade para com o leitor (receptor) de suas mensagens. Apesar desse esforço realizado por muitos profissionais da mídia, ainda sobrevivem as histórias de tradições orais, conforme lembra John B. Thompson: [...] durante a maior parte da história humana, a grande maioria das interações sociais foram face a face. Os indivíduos se relacionavam entre si principalmente na aproximação e no intercâmbio de formas simbólicas, ou se ocupavam de outros tipos de ação dentro de um ambiente físico compartilhado. As tradições orais dependiam para sobreviver de um contínuo processo de renovação, através de histórias contadas e atividades relatadas em contextos de interação face a face (1998, p.77). Cabe neste momento conceituar o que é tradição, para entender sua natureza e seu papel na vida social: [...] a noção de tradição recebeu pouca atenção na literatura de teoria social [...] a teoria social clássica foi de muitas maneiras um produto do pensamento iluminista. O iluminismo estabeleceu como premissa a rejeição da tradição, que era vista por muitos pensadores iluministas como uma fonte de mistificação, uma inimiga da razão e um obstáculo ao progresso humano. Um outro conjunto de considerações tem caráter mais substantivo. Muitos teóricos sociais clássicos argumentam que o desenvolvimento das sociedades modernas implicou uma dinâmica intrinsicamente destruidora da tradição. A tradição era não somente inimiga do pensamento iluminista, uma herança do passado para ser criticada e dissipada em nome da razão, mas era também fadada à destruição pela própria dinâmica posta em movimento pelas emergências das sociedades modernas (THOMPSON, 1998, p.160). 24 Antes do desenvolvimento da mídia, época em que as pessoas tinham a compreensão do passado e do mundo distante de seu ambiente, era modelada “pelo conteúdo simbólico intercambiado em interações face a face e das formas de autoridade que prevaleciam em seus contextos sociais” (THOMPSON, 1998, p. 159). As pessoas com a modernização da mídia foram atraídas por redes de comunicação e chegaram a ter um certo distanciamento do conteúdo simbólico transmitido na interação direta e começaram a recorrer ao conteúdo simbólico transmitido pela mídia. [...] mas estes desenvolvimentos enfraquecem a tradição? Não necessariamente. Pois as tradições transmitidas oralmente continuaram a desempenhar um papel importante na vida cotidiana de muitos indivíduos. E mais, as tradições mesmas foram transformadas à medida que seu conteúdo simbólico foi sendo assumido pelos novos meios de comunicação. A mediatização da tradição dotou-lhe de uma nova vida: a tradição se libertou das limitações da interação face a face e se revestiu de novas características. A tradição se desritualizou; perdeu sua ancoragem nos contextos práticos da vida cotidiana. Mas o desenraizamento das tradições não as privou dos meios de subsistência. Pelo contrário, preparou-lhes o caminho para que se expandissem, se renovassem, se enxertassem em novos contextos e se ancorassem em unidades espaciais muito além dos limites das interações face a face (THOMPSON, 1998, p. 160). Thompson cita uma obra clássica – The passing of traditional society, de Daniel Lerner, que é visto como defensor de uma teoria fora de moda, porém, seu trabalho ainda é de interesse por ter esclarecido a relação entre a tradição e a mídia. Ele faz uma ampla distinção entre sociedades tradicionais e as sociedades modernas. Afirma que as sociedades tradicionais se fragmentam em comunidades isoladas umas das outras e nas quais as relações de parentesco têm um papel predominante. Lerner afirma que nas sociedades tradicionais, a vida cotidiana é rotinizada, não há necessidade de questionar as situações que acontecem, pois todos vivem de acordo com o estabelecido, há menos curiosidade sobre acontecimentos ocorridos 25 em lugares distantes, e que nas sociedades modernas, há flexibilidade e mobilidade das pessoas, na medida em que essas viajam, adquirem novos conhecimentos e são confrontadas com novas possibilidades. As experiências adquiridas também são mediadas pela comunicação de massa. A mídia é um “multiplicador da mobilidade: ela torna disponível aos indivíduos um vasto arsenal de experiências que diversamente permaneceriam encobertas, despertando assim a necessidade da viagem física” (THOMPSON, 1998, p. 167). Lerner usa o termo “empatia” para descrever a capacidade – estimulada pela exposição à mídia – de se imaginar no lugar do outro, e a considera um aspecto-chave da vida social moderna. [...] Com o desenvolvimento da empatia, o self se torna mais expansivo, ansioso, aberto; e ao invés de se ver localizado num ponto fixo de uma ordem imutável de coisas, percebe a própria vida como um ponto que se move ao longo de uma trajetória de coisas imaginadas (THOMPSON, 1998, p. 168). A exposição à mídia afeta as relações entre os indivíduos e destes com o poder e a autoridade. Nas fontes humanas, as relações são valorizadas, pois os aldeões recebem as notícias e as repassam aos outros indivíduos. Nas relações com a mídia, os jovens em suas viagens e nos contatos com a mídia, passam as informações, interpretam as notícias e opinam, enfraquecendo o poder e a autoridade dos mais velhos. Apesar do estudo de Lerner estar um pouco desatualizado, aconteceu no início dos anos 50, “talvez mais importante a este respeito seja a ênfase de Lerner no fato de que a mídia tem um papel crucial nas transformações culturais associadas ao surgimento das sociedades modernas” (THOMPSON, 1998, p. 168). Nas sociedades modernas houve a necessidade de se formularem novos conceitos, crenças e valores em detrimento de outros, pois, segundo Thompson, se 26 a sociedade atual conquistou ganhos e vitórias, também produziu algumas perdas, como o “déficit moral”. Este déficit moral ajudou a manter viva, para muitas pessoas, a crença na permanência da relevância da tradição religiosa. Crenças religiosas conservam sua importância porque, para muitas pessoas, os valores do humanismo secular se revelaram inadequados como meio de tratar de problemas éticos básicos da vida humana. O humanismo secular é moralmente insuficiente – ou até, aos olhos de alguns, moralmente falido (THOMPSON, 1998, p. 171). Mesmo na sociedade moderna, a religião tem um sentido de pertença às pessoas, pois todas estão ligadas à mesma comunidade, todas têm uma história juntas, crenças e práticas religiosas estão sempre conectadas às atividades da vida cotidiana. Só houve um remodelamento, em parte pela mídia, e os indivíduos tiveram maior autonomia para refletir e refazer sua própria identidade. [...] a exposição à mídia não implica, por si mesma, nenhuma particular posição frente à tradição. Os meios de comunicação podem ser usados não somente para desafiar e enfraquecer os valores e crenças religiosas, mas também para expandir e consolidar tradições. Não é difícil dar exemplos de como a mídia foi usada efetivamente no serviço da tradição, desde a difusão das bíblias impressas e dos livros de oração nos inícios da Europa moderna ao tele-evangelismo de hoje (THOMPSON, 1998, p. 172). Quanto mais a transmissão da tradição se torna dependente dos meios de comunicação, ela não desaparece, mas vai perdendo sua autoridade como transmissão direta nos indivíduos, que se interage nos contextos práticos da vida, gradualmente. A tradição adquire certa autonomia e uma autoridade própria, como as crenças, valores que existem independentemente dos indivíduos que faziam sua transmissão na relação direta entre as pessoas. Ela despersonaliza, muitas vezes, nas fábulas. As fábulas são pequenas histórias que transmitem uma lição de moral. As personagens das fábulas são geralmente animais que representam tipos humanos, como o egoísta, o ingênuo, o espertalhão, o mentiroso, o vaidoso e outros. Pertencem ao grupo das histórias de tradições orais. 27 A fábula é uma das mais antigas formas de narrativa. Muitos escritores dedicaram-se às fábulas, mas três ficaram mundialmente famosos: o grego Esopo (século VI a.C.), o latino Fedro (15 a.C.) e o francês Jean de La Fontaine (1621 – 1695). No Brasil, Monteiro Lobato (século XX) foi quem as recriou. [...] Millôr Fernandes é um escritor carioca que recriou as antigas fábulas de Esopo e La Fontaine, de forma satírica e engraçada. A fábula se divide em 2 partes: 1ª parte - a história (o que aconteceu); 2ª parte – a moral (o significado da história). [...] A origem da fábula perde-se na antiguidade mais remota. Os gregos citavam Esopo como fundador da fábula8. As tradições com esta despersonalização se afastam de seu contexto primário para sua transmissão e vão sendo deslocadas à medida que dependem cada vez mais dos meios de comunicação para serem transmitidas. Antes, elas faziam parte integrante da comunidade, de indivíduos que interagiam uns com os outros. Na reportagem jornalística vemos a fábula com roupagem diferente e ancorada no jornalismo contemporâneo. Tomemos como exemplo, o jornal Diário de Marília do dia 11 de junho de 2005, que traz como manchete: “PADRE ESTÁ PRESO ACUSADO DE PEDOFILIA” “O padre José Eduardo Balikian, 38, ex-pároco da matriz de Santo Antonio, foi preso ontem em Londrina (PR) acusado de corrupção de menores – pedofilia – contra duas irmãs adolescentes em Marília. A acusação foi feita pelo pai das meninas, que anexou mensagens de e-mail e outras provas à acusação. Afastado de Marília e da igreja, Balikian foi procurado em Presidente Prudente – onde seria professor – e localizado em Londrina, na casa de um amigo, onde foi preso por ordem judicial pedido da delegada Rossana Camacho. O delegado José Carlos Costa, da DIG (Delegacia de Investigações Gerais) fez a prisão e disse que Balikian não resistiu" (DIÁRIO, 11.06.2005, p. 01). Observa-se que apesar da fábula e da reportagem acontecerem em outros contextos, ambas se identificam, pois o pai das adolescentes faz a denúncia por se sentir violado por uma pessoa, a qual tinha apreço, estima e respeito. Observe-se agora uma fábula tradicional. MACHADO, Eduardo Alves. Disponível em: br.geocities.com/mitologica_2000/hisfabulas.htm. Acesso em 12 de janeiro de 2008. 8 28 A andorinha e o dragão Uma andorinha que havia feito seu ninho em um tribunal saiu e, enquanto isso, surgiu um dragão sorrateiro e devorou os filhotes. Quando ela voltou e encontrou o ninho vazio, gemeu tomada de dor. Como uma outra andorinha viesse para consolá-la, dizendo que ela não era a única a ter a infelicidade de perder os filhotes, ela retrucou: “Mas eu, neste caso, choro não tanto pelos meus filhotes, mas pelo fato de ter deixado isso acontecer exatamente no local em que os injustiçados encontram socorro”. A fábula mostra que muitas vezes as desgraças se tornam mais penosas de suportar quando vêm daqueles de quem menos se espera (SMOLKA, 2004, p. 186). Na fábula também se verifica que, assim como na reportagem, ocorreu uma tragédia onde menos se esperava, ou seja, as adolescentes foram envolvidas sexualmente por um padre da Igreja Católica Apostólica Romana, que prega o celibato dos sacerdotes como uma norma disciplinar, um princípio que faz parte da história e das culturas católicas há muitos séculos. As famílias ficam tranqüilas sabendo e apoiando a freqüência e os contatos das filhas com um padre, pois acreditam que na companhia destes, suas filhas estarão protegidas, amparadas e não correm nenhum perigo e/ou riscos à sua vida, à sua integridade e à sua moral. 1.2. Jornalista – contador de histórias Para contar as histórias, o jornalista utiliza como meio de difusão o jornal, a revista, a televisão, o rádio e a internet. Estas são escritas e concretamente registradas através de textos jornalísticos estampadas nas páginas dos jornais, das revistas, ou mesmo veiculados na TV. Para publicar os fatos o jornalista o faz através de uma história que, além da difusão de conhecimentos, utiliza-se também de recursos da técnica disponível ao seu desenvolvimento, pois tem como objeto informar e orientar a opinião pública. 29 Dentre os inúmeros conceitos de jornalismo existentes, é relevante destacar o conceito de Luiz Beltrão: Jornalismo é informação de fatos correntes, devidamente orientados e transmitidos periodicamente à sociedade, com o objetivo de difundir conhecimentos e orientar a opinião pública no sentido de promover o bem comum (2006, p. 30). Para Ricardo Noblat: “um jornal é ou deveria ser um espelho da consciência crítica de uma comunidade em determinado espaço de tempo” (2003, p. 21) e não um espaço onde se explicita ao leitor questões pessoais e ataques aos seus desafetos. O jornal deve refletir com nitidez esta consciência e estar sempre atento, com coragem e talento, para ampliá-la de forma real ou aproximada. Noblat diz que o jornal “refletirá tão-somente uma consciência que de todo ainda não amanheceu, mas que acabará por amanhecer” (2003, p. 21). Rosangela Marçolla, conceitua que já é hora da mídia ser vista: [...] como um espelho das atitudes humanas, isentando-a da culpa de ser a responsável pelo descarrilhamento do trem da humanidade. O que a mídia faz é retratar a vida (2006, p.187). O jornalismo tem relação com o registro da história do presente, pois, este normalmente publica algum dado ou evento socialmente relevante que mereça publicação na mídia, tais como fatos políticos, sociais, econômicos, culturais, naturais e outros. Geralmente, algo que tem conotação negativa, justamente por ser excepcional, anormal ou de grande impacto na sociedade. Alguns estudiosos do jornalismo dizem que nem todo texto jornalístico é noticioso, mas toda notícia é potencialmente objeto de apuração jornalística. Ricardo Kotscho diz que: ser repórter é bem mais do que cultivar belas-letras, se o profissional entender que sua tarefa não se limita a produzir notícias segundo alguma fórmula “científica”, mas é a arte de informar para transformar. Por um motivo muito simples: o Jornalismo não é uma 30 ciência exata. As técnicas, qualquer um aprende em pouco tempo. Mas, antes de começar a escrever, o repórter tem que definir bem definido porque escolheu essa profissão, o que quer dela (1995, p. 8). Mauro Wolf é o autor que melhor sistematizou os atributos dos fatos noticiáveis, utilizando o conceito de noticiabilidade para descrever a aptidão de um fato para tornar-se notícia. Segundo ele: a noticiabilidade é constituída pelo conjunto de requisitos que se exigem dos acontecimentos para adquirirem a existência pública de notícia. Não adquirindo o estatuto da notícia, o acontecimento é excluído do elenco de informações midiáticas e permanece como “matéria-prima”. Para adquirir o estatuto de notícia, portanto, o fato necessita ter os atributos chamados valores-notícia. [...] Operacionalizam as práticas profissionais nas redações, sugerindo o que deve ser escolhido, omitido, realçado. [...] Divide os “valoresnotícias” em cinco critérios: a) substantivos; b) relativos ao produto; c) relativos ao meio; d) relativos ao público; e) relativos à concorrência (1987, p. 175 - 193). A partir desse raciocínio, Wolf conclui que: para ganhar o estatuto de notícia um fato deve passar por uma negociação que envolve o próprio acontecimento e seus atributos e algumas exigências decorrentes da natureza do trabalho jornalístico. É desta negociação que começa a tomar forma à notícia. Negociação esta que é subjetiva e ocorre de maneira involuntária no dia-a-dia dos jornais (1987, p. 175 - 193). Luiz Gonzaga Motta discorre que a ruptura ou transgressão social enquanto notícia é uma ruptura inconsciente, quase involuntária, no nível individual, não coletivo. É uma transgressão, não da ordem pública estabelecida, mas dos comportamentos e relações sociais esperados no nível individual. Complementa que: [...] infração, por parte de indivíduos isolados, das relações que regulam e organizam comportamento do homem e estabelecem as condições da ordem social. Ou infração dos princípios éticos que definem as fronteiras da vida e da sociedade humana. Os acontecimentos relatados nas notícias [...] são “desvios” das normas e dos comportamentos das pessoas e das coisas. Eles contêm algo que poderíamos denominar com alguma redundância de “anormalidade negativa” (2002, p. 311). 31 Motta relata sobre seu esforço para compreender, nestes anos de estudos e trabalho, o que de fato é uma notícia, mas dentre algumas premissas preliminares elege uma: [...] é a de que a notícia é algo mais complexo do que nos parece à primeira vista. Na sua produção intervêm vários fatores e o produto final é o balanço possível de todos eles [...] Por isso nos atrevemos a dizer, neste momento da nossa reflexão, que notícia pode ser o fato, a versão do fato ou o meta-fato. Ela varia entre o que é real, o que é simbólico, até o que é super-simbólico. Entre outras palavras, na notícia, o fato significa a notícia, enquanto novo fato, constrói o seu próprio sentido e a publicação cotidiana de notícias ajuda a construir as imagens culturais que edificam todas as sociedades (2002, p. 318-319). Assim como a notícia, o jornalismo também é complexo, pois tem várias funções e seu exercício também está subordinado ao uso da linguagem, pois se baseia na comunicação, ou seja: No ato pelo qual se transmite uma mensagem, de uma pessoa a outra ou de um grupo a outro grupo. Embora as pessoas se possam comunicar por gestos e sinais, bem como por sons mecânicos, as palavras são o principal meio de expressão do homem, e só dele. Palavras são símbolos: uns de objetos reais (mesa, cadeira, giz, homem, mulher); outros de idéias abstratas (liberdade, amor, espírito, inferno). Os primeiros estabelecem uma associação com o objeto representado e são de fácil e unânime compreensão. Quanto aos que expressam idéias, não há para seu significado acordo tão generalizado, desde que representam o imaterial, que não pode ser locado, nem ouvido, nem visto ou experimentado igualmente por todos (BELTRÃO, 2006, p.62). Na comunicação impressa o processo exige três elementos: o transmissor, que é o jornalista (ou o jornal enquanto instituição, empresa); a mensagem, que é o texto escrito no jornal, em linguagem específica e graficamente apresentado; e o receptor, que é o leitor. Além destes elementos, a comunicação em geral, ainda depende do veículo (jornal) e do intermediário (pessoas que colaboram com o jornalista para informá-lo de acontecimentos ou proporcionando-lhe idéias, em cuja divulgação está 32 interessado). É o caso do jornal Diário, pois a reportagem do padre (estudo de caso), já tinha as informações de que o padre chegaria a Marília, preso e algemado. O público para o qual o jornal escreve é um público heterogêneo, assim, o editor deve estar atento ao formato e conteúdo do texto para que o público em geral tenha algum interesse para adquiri-lo, haja vista que, o jornal para existir e permanecer no mercado, tem que ter uma receita financeira, adquirida com sua vendagem, publicidade e publicações oficiais. É muito importante que o jornal consiga estabelecer uma linguagem contínua com o público. Para conseguir eficácia nessa relação, as palavras utilizadas pelo transmissor necessitam ter o mesmo significado para o receptor, para que, desta forma, sejam compreendidas. As palavras devem ser acessíveis à compreensão do receptor e da mensagem fornecida pelo transmissor. O jornal se utiliza de uma narrativa facilmente compreensível para o maior número de pessoas da comunidade, desde o portador de instrução primária ao detentor de título universitário. Um fenômeno surge a qualquer momento, em todos os lugares, pois o mundo está sempre em mutação entre grupos sociais, de trabalho, religioso, enfim, as classes sociais fazem parte do mundo e quando algo rompe, faz uma ruptura no que é considerado culturalmente e/ou legalmente como normalidade, está estabelecida uma anormalidade. Esta traz o conflito e este gera a matéria jornalística, o relato jornalístico. A face mais exposta de um conflito pode estar na conduta (o que as pessoas fazem) ou nas motivações (estados subjetivos que precedem a ação). A maioria das definições se concentra na conduta, mas é importante considerar também conflitos em torno dos objetivos e de percepções antagônicas. Ambas aparecem diariamente no noticiário dos jornais e telejornais. O mais importante é tomar o conflito não como uma situação estática, mas como um processo em transcurso, que evolui, afeta e constitui as mudanças 33 de estado, que vão surgindo em torno dele, a história do conflito que vai sendo narrada (MOTTA, 2004, p. 30). O repórter é o profissional que capta o fenômeno e para que este possa ter seu brilho, necessita ser traduzido em palavras, para que alguém o interprete. O repórter, assim, é o que clarifica o acontecimento, desvendando-o para que ele possa aparecer, ou simplesmente, parecer inteligível ao leitor que terá possibilidade de dar outra interpretação. Dentro desse universo de representações, a reportagem tem como objetivo traduzir de modo mais enfático, os fenômenos que preocupam, escandalizam ou enobrecem a sociedade (GUIRADO, 2004, p.21). Portanto, quando o fato surge na sociedade e este é considerado anormalidade dentro da mesma, este fenômeno merece ser traduzido para a narrativa jornalística. Tendo em vista o reconhecimento do jornalismo como parte das categorias estéticas objetivas da literatura, este não pode mais ser desconhecido pelos didatas e críticos. Para muitos o jornal ainda é o único órgão de cultura disponível. Por isso é que professores, artistas, filósofos e literatos que tenham algo a ensinar, dizer ou informar, procuram se utilizar do jornal como veículo de sua preferência para expor suas idéias ou obras. Isto trouxe ao jornalista muito mais responsabilidade com a produção do texto jornalístico, haja vista que o mesmo pode ser lido e compreendido por muitos. O jornal é o livro texto, o compêndio dos conhecimentos humanos do momento. Como categoria estética literária, o jornalismo tem um estilo próprio de escrita, caracterizada por cinco qualidades subjetivas: correção, clareza, unidade, precisão e harmonia. Cada jornal também tem o seu estilo de redação próprio que o distingue e o diferencia de outros jornais que existam na mesma comunidade. As normas especiais de grafia, abreviaturas, tratamento, pontuação e marcação dos textos 34 editoriais do jornal, estão contidas em uma coletânea, denominada livro de estilo, que irá conformar o modismo de cada um dos seus redatores ao chamado estilo da casa. Essas normas, no entanto, irão sistematizar as particularidades que a plasticidade da linguagem escrita permite. Vão ajudar o jornalista a escrever para ser lido e entendido para cada público específico. Descrevem os cinco princípios universalmente aceitos como característicos e fundamentais do estilo jornalístico: 1ª) a redação jornalística deve ter períodos e parágrafos curtos, a fim de que cada olhada do leitor lhe ofereça a visão de uma frase de sentido completo e que o anime a passar à seguinte; 2ª) a redação jornalística deve ser de construção clara e simples, evitando-se palavras pouco usadas, exóticas, técnicas, frases rebuscadas e preciosas. A ordem sintática preferida pelo leitor do jornal é a direta e os circunlóquios feitos no texto devem ser evitados, pois tornam a composição confusa e complicada; 3ª) a redação jornalística deve começar por uma frase decisiva, completa, substancial, que leve o leitor a prosseguir, evitando-se debilidades ou explicações de circunstâncias secundárias no trecho inicial; 4ª) a redação jornalística deve ser precisa no vocabulário e sóbria na adjetivação, usando-se as palavras adequadas às idéias e distribuindo-se os qualificativos com parcimônia e justeza; 5ª) a redação jornalística deve contribuir para elevar e não para degradar o idioma, evitando-se os plebeísmos, a atenção de cair do nível médio da cultura para atender a determinado público menos ilustrado ou apaixonado, utilizando expressões de gíria ou conceitos e julgamento soez muitas vezes expressos ao cair das paixões do momento (BELTRÃO, 2006, p.66). Então, a reportagem é a narração dos últimos fatos ocorridos ou com possibilidades de ocorrer, em qualquer lugar, sobre qualquer natureza, uma ruptura da normalidade, enfim, qualquer situação que seja do interesse público e do bem comum, como algum fato que cause um impacto na sociedade e/ou que envolva personalidades, políticos ou pessoas que não estejam em conformidade com o conceito de normalidade vigente, da mesma forma que as reportagens que serão foco deste estudo. Trata-se de um fato que chocou a cidade de Marília, a região e o País, haja vista que foi noticiada em jornais de abrangência nacional. 35 Luiz Gonzaga Motta, em seu artigo Jornalismo e configuração narrativa da história do presente, analisa que: [...] é esse o papel cognitivo da notícia: uma estratégia simbólica destinada, a nível individual e coletiva, a fazer frente aos estragos da negatividade e voltar a reintegrar o todo ameaçado, consolidando o conjunto social e evitando a sua desestruturação pela angústia, ansiedade e medo da contingência. É assim, portanto, no âmbito da cultura, não das imanências internas, que é possível reconhecer as determinações canônicas que configuram o caráter narrativo dos enunciados jornalísticos. Cabe ao analista identificar os impulsos morais e éticos no âmbito da cultura que configuram significativamente os dramas e tramas das narrativas jornalísticas, independente de seu maior ou menor grau de objetividade ou de narratividade em trâmite (2004, p. 15). Fernando Resende em seu artigo O jornalismo e a enunciação: perspectivas para um narrador-jornalista, explana: [...] nas narrativas jornalísticas, o ato de narrar é uma problemática a ser enfrentada. Nelas a forma autoritária de narrar as histórias mantêm-se, e, de certa forma, com muito mais agravantes por apresentar-se velada. Envolto no real e na verdade como referentes, além de trazer imparcialidade e a objetividade como operadores, o discurso jornalístico tradicional – aquele que é epistemologicamente reconhecido – dispõe de escassos recursos com os quais narrar os fatos do cotidiano. Há, sim, manuais de redação que ditam as normas sobre as quais se deve fundar a narrativa jornalística. E, desse modo, além de legitimar as regras que visam à produção do efeito de verdade, a existência de tais manuais propicia aos jornalistas uma aparente neutralidade (2005, p. 04). Felipe Pena analisa que a proximidade temporal e o envolvimento material fazem do jornalista praticante o reflexo do acontecimento, pois, aproxima-o da concepção de “história imediata” elaborado por Jean Lacouture. Este conceito tem o pressuposto de que pesquisadores e jornalistas desempenham simultaneamente o papel de agentes da comunicação, da transmissão da realidade, da interpretação de fatos sociais, ou seja, são documentaristas da história. Ambas enfrentam problemas comuns aos jornalistas e historiadores, pois desconhecem o final da história, têm excesso de informações, lidam com a falta de 36 confiabilidade das fontes e a impossibilidade de acesso a alguns arquivos. Enfim, as duas áreas tendem a se convergir. Felipe Pena considera que: [...] também parece bastante reducionista atribuir o estudo do passado aos historiadores e a interpretação do presente aos jornalistas. Aproximados e diferenciados, é na abordagem dos integrantes da Nova História que esta dicotomia é melhor enfrentada, com a conclusão de que ambos devem se pautar pela escolha consciente de seus objetos, assumindo que dão significação aos dados que possuem e que têm interesses e formações específicas para a análise do objeto como sentencia Lacouture: ‘o jornalista – camundongo rói gulosamente suas avelãs. O historiador – esquilo as acumula. O imediatista acumula roendo’ (1999, p. 3). Contudo, noticiar objetivamente, segundo José Marques de Melo, é: [...] uma tarefa que se estriba em três valores da mediação jornalística: veracidade (circunscrição ao real, factível, comprovável); clareza (Identificação dos elementos que permitam ao interlocutor a reconstituição integral do objeto narrado) e credibilidade (apresentação de indícios e evidência suficientes para suscitar a confiança coletiva). Não se pretende que a narração objetiva exclua o testemunho do próprio jornalista que muitas vezes diverge ou conflita com suas fontes. Mas se exige que o jornalista exponha o que apurou pessoalmente, como e onde, e o que relataram os personagens envolvidos nas ocorrências ou que as observaram circunstancialmente (2006, p. 50). Matéria, no Brasil, é sinônimo de material jornalístico de descrição ou narrativa factual. Dividem-se em matérias “quentes” (sobre um fato do dia, ou em andamento) e matérias “frias” (temas relevantes, mas não necessariamente novos ou urgentes). No dia 11 de junho de 2005, a manchete “Padre está preso acusado de pedofilia” abalou a cidade de Marília; este é um exemplo de matéria factual, que comove toda a sociedade. Há ainda os seguintes subtipos de matérias: Matéria leve ou feature – texto com informações pitorescas ou inusitadas, muitas vezes beira o entretenimento; suíte – é uma matéria que dá seqüência ou continuidade a uma notícia, seja por desdobramento do fato, por conter novos detalhes ou por acompanhar um personagem; perfil – texto descritivo de um personagem, que pode ser uma pessoa ou uma entidade, um grupo; muitas vezes é apresentado em forma de testemunho; entrevista – é o texto fundamentado nas declarações de um indivíduo a um 37 jornalista/repórter; seqüenciadas9. explicita as perguntas e as respostas É relevante mapear os tipos de textos que se estampam nos jornais. José Marques de Melo propõe uma classificação dos gêneros peculiares no jornalismo brasileiro. Toma como referência a classificação de Luiz Beltrão, não apenas pela sua significação histórica, mas, sobretudo, pela natureza empírica que possui, aproximando-se, portanto, da práxis profissional observada. Melo adota dois critérios para esta classificação: [...] Primeiro, agrupando os gêneros em categorias que correspondem à intencionalidade determinante dos relatos através de que se configuram. Nesse sentido, identificamos duas vertentes: a reprodução do real e a leitura do real. Reproduzir o real significa descreve-lo como jornalisticamente a partir de dois parâmetros: o atual e o novo. [...] O jornalismo articula-se portanto em função de dois núcleos de interesse: a informação (saber o que se passa) e a opinião (saber o que se pensa sobre o que se passa). Daí o relato jornalístico haver assumido duas modalidades: a descrição e a versão dos fatos. [...] Reside aí a bifurcação que identificamos no bojo do relato jornalístico e que chamaremos, para utilizar as expressões correntes, de jornalismo informativo e de jornalismo opinativo. Essa categorização exclui naturalmente as tendências rotuladas como jornalismo interpretativo e jornalismo diversional por não encontrarem ancoragem na práxis jornalística observada no país. [...] Segundo, buscando identificar os gêneros a partir da natureza estrutural dos relatos observáveis nos processos jornalísticos. [...] Tomamos em consideração a articulação que existe do ponto de vista processual entre os acontecimentos (real), sua expressão jornalística (relato) e a apreensão pela coletividade (leitura) (1994, p. 62-63). Partindo dessas premissas, Melo propõe: jornalismo informativo – nota, notícia, reportagem e entrevista; jornalismo opinativo – editorial, comentário, artigo, resenha, coluna, crônica, caricatura e carta. [...] A distinção entre a nota, notícia e a reportagem está exatamente na progressão dos acontecimentos, sua captação pela instituição jornalística e a acessibilidade de que goza o público. A nota corresponde ao relato de acontecimentos que estão em processo de configuração e por isso é mais freqüente no rádio e na televisão. A notícia é o relato integral de um fato que já eclodiu no organismo social. A reportagem é o relato ampliado de um acontecimento que já WIKIPÉDIA. Disponível em pt.wikipedia.org/wiki/Jornalismo#O_texto_jornal.C3.ADstico. Acesso em 29 de agosto de 2007 9 38 repercutiu no organismo social e produziu alterações que são percebidas pela instituição jornalística. Por sua vez, a entrevista é um relato que privilegia um ou mais protagonistas do acontecer, a coletividade. [...] O comentário, o artigo e a resenha pressupõem autoria definida e explicitada, pois este é o indicador que orienta a sintonização do receptor; já o editorial não tem autoria, divulgando-se como espaço da opinião institucional (ou seja, a autoria corresponde à instituição jornalística). O comentário, e o editorial estruturam-se segundo uma angulagem temporal que exige continuidade e imediatismo; isso não ocorre com a resenha e o artigo, pois o primeiro, embora freqüente, descobre os valores de bens culturais diferenciados, e o segundo, embora também contemple fenômenos diferentes, não se caracteriza pela freqüência, aparecendo aleatoriamente. [...] Em relação à coluna, crônica, caricatura e carta um traço comum é a identificação da autoria. Já as angulagens são distintas. A coluna e a caricatura emitem opiniões temporalmente contínuas, sincronizadas com o emergir e o repercutir dos acontecimentos. A crônica e a carta estruturam-se de modo temporal mais defasado; vinculam-se diretamente aos fatos que estão acontecendo, mas seguem-lhe o rastro, ou melhor, não coincidem com o seu momento eclosivo (1994, p. 65-66). Felipe Pena estuda alguns processos de produção do discurso jornalístico, revelando estratégias narrativas que se ocultam por trás da construção da notícia e da aparente neutralidade de veiculação midiática. Ele busca aproximar as narrativas da história e do jornalismo, e refere que: [...] sobre qualquer acontecimento, o imaginário da massa quer enxertar qualquer coisa do fato cotidiano: seu drama, [...] seu poder de identificação, o sentimento de fatalidade que o acompanha (NORA, PIERRE apud PENA, 1988, p. 184). A reportagem é o gênero mais nobre do jornalismo, porque permite maior criatividade, tendo em vista que, após a investigação do fato, o jornalista escolhe o ângulo que ele irá abordar, pois sua subjetividade estará impregnada em seu relato. Há várias definições sobre a reportagem em um artigo de Pedro Celso Campos – Reportagem contextualizada – sendo uma delas de Alberto Dines asseverando que: “a reportagem também é uma arte porque nela entra toda a bagagem subjetiva de quem a faz10”. CAMPOS, Pedro Celso. Disponível em: www.webmail.faac.unesp.br/~pcampos/reportagem%20contextualizada.htm. Acesso em 29 de agosto de 2007. 10 39 Muitos autores situam a reportagem a meio caminho da literatura, na verdade, já dentro da literatura, como se pode notar, inclusive, na modalidade do livro-reportagem que faz tanto sucesso, mesmo quando o volume ostenta 500 páginas a mais, tamanha a leveza do texto e a habilidade de narrar os fatos jornalisticamente [...] a reportagem é uma arte. Ela não pode ater-se apenas ao relato factual porque não pode ser um relatório frio, como um processo judicial ou um inquérito policial, nos quais há muitos dados mas não há reportagem, pois não está presente ali a arte de escrever, não há um estilo, uma interpretação jornalística dos fatos. Pelo menos não há um sentido para os fatos, uma contextualização, uma humanização do fato11. Enfim, o que se conclui em relação à reportagem é que a sua narrativa deve ser verossímil e respeitar os fatos e os acontecimentos concretos. Todavia, ela não traduz completamente a realidade, é uma abstração do real. Quando está sendo escrita, já está saturada do conteúdo teórico, do saber, da visão de mundo e da subjetividade do jornalista e/ou do interesse da empresa jornalística. Em cidades interioranas a reportagem factual é muito explorada pelo jornal, uma vez que a população ainda conserva e valoriza muitas regras, normas, valores morais e éticos. O jornalista enquanto contador de histórias tem na reportagem seu ápice, tendo em vista que ele tem a oportunidade de mostrar “sua capacidade de saber e fazer saber, de ver e fazer ver, de ouvir e fazer ouvir, de sentir e fazer sentir, de compreender e fazer compreender, há um envolvimento do jornalista12”. Curiosidade e observação crítica, lucidez, capacidade de decisão, compreensão humana e facilidade de comunicação são as principais qualidades do repórter, de um bom contador de histórias, de um jornalista completo. A reportagem, na verdade, é uma história ou um conjunto de histórias interrelacionadas, por isso, o repórter tem que dominar a técnica da narrativa. Sem o que CAMPOS, Pedro Celso. Disponível em: www.webmail.faac.unesp.br/~pcampos/reportagem%20contextualizada.htm. Acesso em 29 de agosto de 2007. 12 RICARDO, Daniel. Disponível em: www.abae.pt/jra_new/jra_seminario/a_reportagem.pdf. Acesso em 07 de setembro de 2007. 11 40 não conseguirá relatar o que aconteceu, transmitir as sensações, emoções e impressões, descrever lugares e pessoas, reproduzir conversas, demonstrar situações, enfim, contar detalhes, de tal sorte que o leitor se sinta transportado para o centro da situação que está sendo relatada e se sinta implicado nos acontecimentos, se identifique com as personagens, estabeleça com elas relações de cumplicidade ou as encare com piedade, desprezo, indignação ou raiva. 41 CAPÍTULO 2 2.1. Recomposição do estudo de caso Para relacionar conteúdos simbólicos da fábula “A andorinha e o dragão” e as reportagens em estudo, é necessário que o leitor tenha uma história contínua para visualizar as relações pretendidas. Luiz Gonzaga Motta, orienta que: [...] o analista precisa reescrever um resumo da história completa para ter um ponto de partida, embora sua análise não recaia sobre esse resumo e sim sobre a narrativa jornalística tal como ela aparece nos jornais ou telejornais. O resumo deve ser escrito a partir de uma leitura prévia muito cuidadosa de todo o material disponível. Sem esse resumo que junte as peças dispersas, sem essa visão da história integral, o analista não tem uma visão do conjunto da narrativa, torna-se impossível proceder uma análise. Para decidir se uma ação é funcional à narrativa integral, como se relaciona com o todo, para decidir se um personagem é importante ou não, é preciso ter essa macro visão do conjunto da história narrada (início, meio e fim), o que só pode ser feito pelo próprio analista [...]. Ao produzir tal resumo, o analista de fato já está em processo de análise. M. Bal (2001) chama esse resumo de resumo intuitivo e sugere solicitar a várias pessoas escrever tal resumo para diminuir a arbitrariedade do procedimento (2004, p. 34). No dia 11 de junho de 2005, a manchete do jornal Diário era “Padre está preso acusado de pedofilia”, em letras garrafais e com três fotos estampadas na capa: o padre com a cabeça coberta, o pai das meninas com a foto do padre na mão direita e um capuz na cabeça e, na outra foto, o delegado que efetuou a prisão do padre em Londrina-PR. José Eduardo Balikian, 38 anos, ex-padre da Igreja Matriz Santo Antonio, da cidade de Marília-SP, foi preso no dia 10 de junho de 2005, em Londrina-PR, acusado de corrupção de menores – pedofilia – contra duas irmãs adolescentes que freqüentavam a comunidade Santo Antonio e participavam das atividades 42 paroquianas. A acusação foi feita pelo pai das meninas, também freqüentador da Igreja e das atividades religiosas. O padre foi acusado de manter relacionamento sexual com as adolescentes (o jornal não citou os nomes das meninas por serem menores e nem do pai delas. Assim, foram usadas iniciais para que o leitor possa identificá-los: o pai: G.S.L., a adolescente mais velha: M.C, e a mais nova: A.C.) durante um ano e meio, quando, então, o pai descobriu e levou o caso ao conhecimento da própria igreja católica e da DDM - Delegacia de Defesa da Mulher, que anexou mensagens de e-mails e outras provas à acusação. A acusação foi transformada em inquérito no dia 7 de junho de 2005. Para evitar a fuga do padre, a polícia pediu sua prisão temporária, por cinco dias, enquanto realizava apuração do crime. Afastado de Marília e da igreja, Balikian foi, primeiramente, procurado em Presidente Prudente-SP – onde era professor universitário e havia feito os últimos contatos com as adolescentes envolvidas no caso, sendo, entretanto, localizado em Londrina-PR, na casa de um amigo, onde foi preso por ordem judicial concedida pelo juiz Décio Mazeto, a pedido da delegada Rossana Camacho, ambos de Marília. Dr. José Carlos Costa, delegado da DIG (Delegacia de Investigações Gerais), efetuou a prisão e contou que Balikian não resistiu. Ele estava escondido na casa de um amigo desde o dia 8 de junho de 2005. O delegado já o havia procurado em Presidente Prudente, onde reside a mãe. A delegacia recebeu designação do próprio delegado seccional para achar e prender o padre. O pároco foi transportado algemado e chegou a Marília por volta de 21h30 e foi levado para o exame de corpo de delito. Vestia calça jeans, tênis e uma camisa pólo vinho de mangas curtas. Após 43 o exame, foi conduzido à cadeia de Gália-SP, cidade vizinha a Marília, onde há cela especial, direito concedido aos indiciados com curso superior. G.S.L. (pai das adolescentes) esteve na noite de 10 de junho na delegacia para acompanhar a prisão do padre. Durante a conversa com jornalistas, chamou o eclesiástico de “monstro” e “lobo”. Ele contou que sua família era bastante religiosa, que ajudou a construir a Igreja Matriz Santo Antonio e que tinha várias provas contra o acusado, inclusive, setenta folhas com mensagens de e-mails, fitas gravadas pelo telefone e cartas, além de testemunhas, já ouvidas na delegacia. Segundo ele, o caso do padre com as filhas teria ocorrido durante o ano de 2004 e início de 2005. Na época as meninas tinham 15 e 16 anos. “Ele freqüentava a minha casa constantemente. Quando nós desconfiamos e o questionamos, ele negou tudo e chorou” (Diário,11.06.2005 – Anexo XXIV). O pai agradeceu a Deus e a Santo Antônio por ter lhe dado coragem para trazer os fatos à tona: “(Ele) quis que eu passasse por isso”, falou (Diário, 11.06.2005 – Anexo XXIV). Relatou que em janeiro de 2005 flagrou o padre com a filha na frente de um drive-in. Nessa ocasião os dois lutaram, momento em que foi ameaçado pelo padre: “As provas documentais e testemunhais nos levam a crer sobre a veracidade dos fatos”, contou a delegada Rossana Camacho (Diário, 11.06.2005 – Anexo XXIV). Balikian ainda seria ouvido pela delegada. No dia 10 de junho de 2005, quando chegou algemado em Marília, ele não quis falar com os jornalistas. A família se queixava de que Balikian teria se aproveitado dos segredos de confissão das meninas para manipulá-las, segundo a polícia, fazendo uma “lavagem cerebral” nas adolescentes. 44 Uma das meninas (o jornal não esclarece qual delas) teria contado ao padre que não era mais virgem. Ele teria então passado a estimulá-la para que ela terminasse o romance com o namorado e a convenceu a ser sua amante. Ainda segundo a acusação da família, Balikian também “jogou uma irmã contra a outra”. G.S.L. disse que, ao tomar conhecimento do que estava ocorrendo com suas filhas, procurou a Congregação dos Estigmatinos, à qual o padre é vinculado, para evitar que Balikian tomasse posse em outra paróquia. Balikian, único padre armênio do Brasil, chegou a Marília no ano de 2003. Era considerado bastante extrovertido pelos fiéis e atraía público para a missa, realizando curso para noivos e mantendo atividades populares. Padre José Eduardo Balikian, preso sob acusação de corrupção de menores, deveria ser solto em uma semana, depois de ser ouvido pela delegada de Defesa da Mulher, Rossana Camacho, que investigava o caso. A delegada, porém, considerou o caso muito complexo devido ao grande número de testemunhas. Oficialmente ela tinha apenas a representação feita pelos pais das duas irmãs, mas alertou que havia comentários entre a comunidade da existência de outras vítimas, que não teriam se manifestado por estarem com medo ou vergonha, por isso não revelou quantas pessoas seriam ouvidas. Entretanto, ressaltou que a falta de funcionários na delegacia atrasava os trabalhos. O padre poderia dar a sua versão sobre os fatos, ou se preferisse, se reservar o direito de só falar em Juízo. A delegada Rossana Camacho pediu a prisão temporária e contou que já tinham sido ouvidas várias testemunhas, sendo que, novas pessoas deveriam ser chamadas, inclusive o Bispo de Marília, D. Osvaldo Giuntini. Novas denúncias serviriam para reforçar as acusações contra o padre. “Um 45 inquérito ajuda o outro”, ponderou a delegada Rossana Camacho (Diário, 12.06.2005 – Anexo XXVI). A identidade dos denunciantes e das vítimas, bem como o teor das investigações, correu em sigilo. A delegada declarou que em 2004 foram instaurados mais de 40 inquéritos para apurar denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes na cidade de Marília. Em 2005 tinham sido instaurados aproximadamente 15 inquéritos, incluindo este que se pretende analisar pelos detalhes “fabulosos” que o elevam ao patamar de matéria sensacionalista. Repórteres tentaram falar com o padre José Eduardo Balikian na cadeia de Gália, mas ele informou por um funcionário que não iria se manifestar. As informações colhidas pelo jornal davam conta de que o pároco recebia a mesma alimentação dos presos, geralmente arroz, feijão, um tipo de carne e uma salada. Só não participava do banho de sol. Receberia visita do advogado apenas a partir do dia 13 de junho, na segunda-feira, ou no dia 11 ou 12 de junho, com autorização do delegado. A cadeia de Gália abrigava, até o dia 10 de junho de 2005, dezoito presos por crimes cíveis (infiel depositário e não pagamento de pensão alimentícia). O dia na cadeia começa às 8 h com o café da manhã. O almoço é oferecido às 11h10 e o jantar às 17 h. O padre Valmir Cassin da Silva, chefe da Congregação dos Estigmatinos, em Rio Claro-SP, disse, no dia 10 de junho de 2005, por telefone, que Balikian foi afastado da Igreja assim que os pais fizeram as denúncias contra ele, em janeiro do ano de 2005. O padre evitou falar sobre o assunto, no entanto reclamou da exposição pública do caso. “Tudo o que está sendo feito é um grande cenário”, disse (Diário, 46 12.06.2005 – Anexo XXVI). Informou também que um representante da congregação deveria vir a Marília, porém sem mencionar a data precisa. O padre José Eduardo deveria ser ouvido no dia 14 de junho pela polícia sobre as acusações de corrupção de menores. A defesa usou, entre outros argumentos, a imagem de que o padre teria sido repetidamente procurado e assediado pelas meninas. O Diário recebeu no domingo, dia 12 de junho, cópias de e-mails com supostas conversas entre a adolescente mais velha, M.C. e o padre. Nos e-mails, o padre tratava a menina com frases como “minha preta”, “meu infinito amor” e “meu amor”. Havia trechos em que o padre pedia para a garota não ter ciúmes de amigas dele e se referia como “teu Edu” (Diário, 14.06.2005 – Anexo XXIX). Os documentos de autoria atribuída ao padre mostravam ainda que o relacionamento entre os dois era conhecido e sua postura, criticada por amigos da menina. “Já há pessoas dizendo para vc que se eu realmente gostasse de vc largava tudo. Penso que não é assim”, disse o padre (Diário, 14.06.2005 – Anexo XXIX). Na mesma carta, trecho adiante, a mensagem dizia: “Estou absolutamente convencido, mas muito mesmo, que não será bom para vc nem para mim que sigamos como estávamos vivendo, isto é, eu padre e vc comigo” (Diário, 14.06.2005 – Anexo XXIX). Outros fragmentos do documento mostravam a evolução dos fatos. Primeiro, aparecia a mensagem atribuída ao padre sobre o surgimento das acusações. “Seu pai disse a meu superior, ao padre Gabriel, e vai saber para mais quantas pessoas, que eu tinha desvirginado, além das duas filhas dele. Sofri e estou sofrendo. Com a rapidez de um raio, perdi todos os cargos aos quais estava destinado” (Diário 14.06.2005 – Anexo XXIX). 47 Em mensagem supostamente enviada dois dias depois, o padre teria dito “mas minha preta, por favor, me entenda: vc não concorda que temos que esperar um pouco?” (Diário, 14.06.2005 – Anexo XXIX). Os documentos foram apresentados à Delegacia de Defesa da Mulher. Havia uma fita em que o pai dizia conter conversas telefônicas entre sua filha e o padre, mas referia que a divulgação somente seria feita no momento oportuno. Na tarde do dia 11 de junho de 2005, a delegada Rossana Camacho ouviu duas testemunhas, membros da paróquia, que confirmaram o relacionamento entre o padre e as meninas. Uma delas informou ao Diário que uma das meninas chegou a confidenciar-lhe que tinha saído com José Eduardo. A testemunha garantiu que procurou o padre para falar sobre o assunto, contudo, ele negou. Os advogados Alexandre Jean Daoun e Roberta Mastrorozza Dacorso, de São Paulo, estiveram no domingo, dia 12 de junho, na cidade para avaliar a defesa do padre Balikian e retornaram no dia 14 de junho para acompanharem o depoimento. Negaram as acusações. Eles não acreditavam em renovação da prisão temporária, que vencia no dia 14 de junho, e consideraram que Balikian deveria ser libertado tão logo prestasse informações à polícia. O advogado Alexandre Jean Daoun informou que conversou com José Eduardo no dia 11 de junho, na cadeia de Gália, onde o padre estava preso. Contou que o padre estava inconformado e apreensivo para contar sua versão sobre os fatos. “Ele quer dar a versão, está disposto a falar, ele tem interesse em falar” (Diário, 14.06.2005 – Anexo XXX). Daoun e outros advogados concederam uma entrevista coletiva à imprensa na manhã do dia 12 de junho em um hotel no centro da cidade. Disseram que o padre 48 nunca esteve foragido e que se tivesse sido intimado pela polícia para prestar esclarecimentos às autoridades, teria comparecido. “Ele nunca se escondeu, nunca ficou foragido” (Diário, 14.06.2005 – Anexo XXX). Mesmo reconhecendo a legalidade da prisão, concedida pela Justiça, a defesa considerou a prisão indevida. “Faltou boa vontade para achá-lo” (Diário, 14.06.2005 – Anexo XXX). Para os advogados, o padre estava sendo vítima de um “linchamento moral”, que era preciso analisar todo o contexto do fato, inclusive o perfil das meninas, e apontava excessos da família. “É natural que tenha excessos das supostas vítimas, mas a delegacia precisa saber separar esses excessos”, falou o advogado Daoun (Diário, 14.06.2005 – Anexo XXX). O advogado falou ainda que não teve acesso às provas apresentadas pelo Sr. G.S. L, mas que pretendia combater cada uma delas. Os advogados contaram que o padre deveria estabelecer residência na região, todavia não informou em qual cidade. José Eduardo Balikian foi indiciado formalmente no dia 14 de junho, após quatro dias de prisão e três da primeira manchete jornalística, por quatro crimes pelo envolvimento sexual com as duas adolescentes freqüentadoras da paróquia Santo Antonio, onde ele atuava: corrupção de menores, estupro com violência presumida, possibilidade de contágio venéreo e oferecer bebida alcoólica a menor de 18 anos (artigo previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente). A delegada Rossana Camacho divulgou o indiciamento, porém não revelou detalhes, como a doença venérea do padre. O depoimento prestado no dia 14 de junho na Delegacia de Defesa da Mulher começou às 18 h e terminou por volta de 21h15. O padre leu todo o depoimento e 49 chegou a pedir que fosse impressa uma nova cópia, porque havia erros de português. Relatou que estava cansado e abalado, mas tranqüilo. Mais magro, referiu que perdeu peso há alguns meses e completou: “estou tranqüilo, a verdade virá à tona”. Também agradeceu o apoio prestado pela comunidade. “Isso não tem preço” (Diário, 15.06.2005 – Anexo XXXI). Entretanto, não se viu em nenhum veículo de comunicação local, qualquer manifestação de apoio da comunidade. Quando os jornalistas iniciaram as perguntas, Balikian deixou rapidamente a delegacia na companhia dos advogados e entrou em um carro que o aguardava, sem informar para onde se dirigia. A delegada Rossana Camacho falou rapidamente com os jornalistas, no entanto, não quis revelar detalhes do depoimento. Apenas anunciou o indiciamento, porém não explicou as acusações, especialmente a de estupro, que teria ocorrido por violência presumida, ou seja, mesmo sem violência presume-se que a vítima não teve condições de evitar. Uma das justificativas seria o consumo de álcool. A polícia também não revelou qual doença venérea o padre teria para justificar o risco de contaminação no contato sexual com as adolescentes. A gravação telefônica divulgada pela família das jovens mostrou a conversa com a menina mais velha M.C., para marcar o encontro no drive-in da cidade. Veja os trechos divulgados: Padre – Se eu for a Marília sem carro, presta bem atenção, se eu for a Marília sem carro, você acha que tem condição de a gente pegar um moto táxi e ir para um drive-in ou para alguma coisa assim? Menina – É possível. Padre – Você teria algum lugar para a gente sair? Não tem né amor? Menina – Não (segundos sem conversa) Padre – Estou pensando em ir na quinta-feira, chegar umas 5 horas da tarde, entendeu? Ficar na rodoviária esperando a hora de você sair. (nova pausa) 50 Menina – Você não acha mais fácil você passar na Casa Paroquial e deixar as suas coisas por lá? Padre – Não, não e eu tô na casa paroquial tô fodido, entendeu, tá todo mundo sabendo que eu tô lá, entendeu. Eu não tenho que deixar coisa nenhuma, não tenho coisa nenhuma, tô indo aí pra te ver. Eu não preciso ir aí, amor. Eu não preciso ir aí, entendeu, eu tô indo pra te ver. (nova pausa e cortes na gravação) Padre – Você tem que virar para todo mundo e dizer: “bicho, esse cara é um sonho que nenhuma de vocês um dia... entendeu... um sonho que nenhuma de vocês poderia ter e eu tive, é isso que você tem que falar”. (pausa) Padre – Escuta, eu sempre te tratei como uma deusa...como uma deusa (Diário, 15.06.2005 – Anexo XXXII). Nesta ocasião, a delegada Rossana Camacho dizia que as investigações prosseguiam e que seriam ouvidas novas testemunhas. Contou que até o dia 15 de junho já tinham sido ouvidas mais de dez testemunhas: “Gostaríamos de ter ouvido todas as testemunhas antes do padre, mas isso não foi possível” (Diário, 15.06.2005 – Anexo XXXII), porque o prazo da prisão temporária expirou dia 14 de junho e a Justiça optou pela sua não renovação. A delegada não divulgou informações sobre o conteúdo do depoimento do padre. Mas, segundo ela, o mesmo serviu para esclarecer boatos e fatos em torno do caso. “Nosso trabalho foi muito produtivo” (Diário, 15.06.2005 – Anexo XXXII). Os advogados não se manifestaram sobre o depoimento. De acordo com a advogada Roberta Dacorso, a delegada teria pedido a renovação da prisão temporária, o que foi negado pela Justiça. Dia 14 de junho o caso ganhou ainda mais repercussão e foi destaque no Jornal da Tarde, do grupo Estado de S. Paulo, de circulação nacional. A libertação do padre José Eduardo Balikian, no dia 14 de junho de 2005, jogou a apuração do caso de corrupção das duas adolescentes mais uma vez sob a cortina de sigilo em que estava até a prisão de Balikian, em Londrina. 51 Acusado de quatro crimes, o padre deixou Marília após o depoimento à Polícia Civil, no dia 14 de junho de 2005, mas nem a polícia, nem seus advogados informaram sobre seu destino. Dia 15 de junho, a Delegacia de Defesa da Mulher não revelava nenhum detalhe da apuração que, segundo versão apresentada antes do depoimento do padre, dependia de novos depoimentos de testemunhas. A família das meninas que vinha divulgando parte dos documentos e acusações apresentadas contra o padre deram indicações, dia 15 de junho, de que haveria mais novidades a revelar, no entanto não há qualquer dado nesse sentido. O inquérito sobre o caso teria pelo menos 150 mensagens de e-mails mostrando a relação do padre com as adolescentes, mas a família não divulgou qualquer dos documentos com as mensagens enviadas pelas meninas. As duas adolescentes participaram com a família da quermesse promovida pela paróquia na semana seguinte à denúncia, quando o padre ainda estava preso. A delegada da DDM, Rossana Camacho, referiu dia 16 de junho que pretendia concluir o inquérito que apura denúncias de suposto abuso sexual praticado pelo padre José Eduardo Balikian contra as duas adolescentes antes do prazo de 30 dias. Relatou ainda que tinha ouvido mais três testemunhas sobre o caso: pessoas da comunidade da paróquia de Santo Antônio. Mais de dez testemunhas já haviam sido ouvidas até o dia 17 de junho, mas a delegada ainda pretendia colher novos depoimentos nos próximos dias. Além das declarações, a polícia estava examinando supostas provas fornecidas pelo pai das meninas, entre elas, uma fita gravada com conversa entre uma das filhas e o padre ao telefone. 52 A delegada afirmou que as investigações corriam sob sigilo e que não poderia fornecer detalhes. A defesa do Padre José Eduardo Balikian, acusado por quatro crimes, admitiu que houve um relacionamento afetivo do padre com uma das adolescentes, mas negou o contato físico com as duas irmãs. O advogado Marco Antonio Martins Ramos, o novo defensor de Balikian, informou no dia 18 de junho ao Diário que o exagero deixou as acusações mais frágeis e que esperava que Balikian fosse julgado como cidadão, não como padre. Essa seria a base da defesa de Balikian, que tinha novos advogados, os quais aguardavam a conclusão do inquérito policial para falar sobre as acusações. Ramos relatou ainda que além dele, havia mais três advogados, todos ligados a seu escritório, envolvidos na defesa de Balikian. A defesa assegurou que a acusação de envolvimento com as duas irmãs adolescentes era uma informação distorcida. Ramos dizia que o padre negava “veementemente” o envolvimento com a irmã mais velha, M.C.. Evitou dizer que o padre tenha vivido uma paixão. “Não consigo analisar dessa forma, subjetiva. Saber se a menina gosta, quer casar ou não, é subjetivo. O Direito não vai avaliar isso”, dizia o advogado Marco Antonio Martins Ramos (Diário, 19.06.2005 – Anexo XXXVI). Para a defesa não houve esforço em convencer e nem uso indevido da capacidade intelectual e cultural do padre para forçar a menina ao relacionamento. O advogado achava estranho que a família tenha demorado tanto em denunciar o relacionamento. Ramos referia ainda que a acusação de estupro era um “abantesma” (pessoa ou coisa que assusta ou cuja presença é desagradável ou repugnante) e considerou exagerado avaliar que houve violência presumida. “A própria fantasia da acusação 53 demonstra sua fragilidade. É embasada em preconceituosa e absolutamente subjetivas presunções” (Diário, 19.06.2005 – Anexo XXXVI). Católico praticante, Ramos dizia que foi procurado pelo padre, negava qualquer vínculo com a Diocese da Igreja Católica e afirmou que os advogados de São Paulo sugeriram ao padre manter-se com defensor na cidade. Ramos referia que, sob o aspecto jurídico, era mais um caso de um cidadão que teve relacionamento com adolescente de 16 anos e acreditava que a acusação teve exposição exagerada. “Estão fazendo um Big Brother disso” (Diário, 19.06.2005 – Anexo XXXVI). Dizia que pelo fato de existir envolvimento de um padre o caso ganhou repercussão social e moral, mas que no processo era preciso abstrair todas essas avaliações e prender-se à avaliação jurídica legal. “A verdade dos fatos tal como narrada pela própria menina esclarece a inexistência de qualquer dolo ou culpa que pudessem configurar corrupção de menores”, afirma Ramos (Diário, 19.06.2005 – Anexo XXXVI). Para a delegada Rossana Camacho, que comandava as investigações, o padre teria provocado envolvimento psicológico e emocional tão profundo que foi impossível para a menina manter discernimento. Assim, a menina teria perdido também a capacidade de resistir ao relacionamento sexual (a reportagem não esclarece sobre qual das meninas a delegada se referiu). Segundo a polícia, havia documentos provando que a menina precisou ser submetida a tratamento psiquiátrico após o relacionamento em função desse comprometimento psicológico e emocional. “Ele é uma figura carismática, vários cursos, formação em oratória, tanto que tinha a função de arrebanhar à juventude. Ela não tinha forma de falar não. A 54 vontade dela foi comprometida”, disse a delegada ao jornal (Diário, 19.06.2005 – Anexo XXXVI). Além da forma como tiveram acesso – o padre e a menina tiveram contato a partir do confessionário – haveria pressão psicológica permanente, como o envio de flores, cartões, telefonemas e outras formas de assédio que teriam provocado o envolvimento da adolescente. Segundo Rossana Camacho, o inquérito policial que precisaria ser concluído até 30 de julho deveria ser encerrado ainda no mês de junho. Em 6 de outubro de 2005, o jornal divulgou que o inquérito policial sobre o envolvimento do padre José Eduardo Balikian foi para as mãos do promotor Jairo José Gênova, no Fórum da Comarca de Marília, e acusa o sacerdote por três crimes: estupro com violência presumida, fornecimento de bebida alcoólica a menor e perigo de contágio venéreo. De acordo com a polícia, a violência ocorreu, porque o padre promoveu tamanha influência sobre a adolescente que abalou sua capacidade de entender as conseqüências de seus atos. O promotor não quis comentar as acusações e dizia que decidiria até a próxima semana se iria denunciar o padre e quais as acusações que seriam formalizadas no caso. O inquérito tramitou durante três meses na DDM. Conforme informações da delegada responsável pelo inquérito, Rossana Camacho, o resultado era um relatório de 30 páginas, com detalhes das investigações, entrevistas com 30 testemunhas e uma variedade de documentação e provas. “Creio que foi um dos inquéritos mais complexos e trabalhosos que já me envolvi, levantando um histórico de dois anos sobre o padre, desde que ele foi transferido para a cidade até o envolvimento sexual com as duas menores” (Diário, 06.10.2005 – Anexo XXXVIII). 55 “Foi uma apuração de todos os passos do padre na cidade nos últimos dois anos, o que acredito que seja suficiente para a Justiça trabalhar na acusação, mas isso quem decide é o Ministério Público” (Diário, 06.10.2005 – Anexo XXXVIII). Nos depoimentos, as testemunhas indicavam que a atividade sexual do padre teria ocorrido até na casa paroquial. A delegada, por sua vez, dizia que o inquérito policial não iria retornar para a Polícia Civil dado a quantidade de provas e testemunhas levantadas. Em 6 de outubro de 2005, o jornal Diário apurou que o inquérito havia sido registrado na 1ª Vara Criminal e ainda continha prazo de 15 dias para efetivação da denúncia. “Quero passar o final de semana avaliando detalhadamente o processo para não prejudicar a ação da Justiça”, afirmou o promotor (Diário, 06.10.2005 – Anexo XXXVIII). O Ministério Público denunciou dia 10 de outubro de 2005 o padre José Eduardo Balikian, 38 anos, por corrupção de menores, oferecimento de bebida alcoólica à menor de idade e exposição à doença venérea. A denúncia não seguiu relatório da Polícia Civil e descartou a acusação de estupro com violência presumida. As vítimas eram duas irmãs adolescentes que na época tinham 15 e 16 anos. O promotor Jairo José Gênova, da 3ª Vara Criminal, considerou agravante o fato de Balikian ter usado a função de padre para o assédio às meninas. “Tinha a função de orientar os jovens, mas as lançou no caminho da degradação”, diz a denúncia (Diário, 11.10.2005 – Anexo XXXIX). O inquérito concluído pela polícia dia 20 de setembro de 2005, além do fornecimento da bebida e exposição à doença venérea, acusou o padre pela prática de estupro com violência presumida. 56 O promotor Jairo José Gênova, da 3ª Vara Criminal, descartou a acusação do estupro por entender que não foram constatados indícios de violência real ou presumida, nem de grave ameaça contra as adolescentes. Segundo o Código Penal presume-se a violência se a vítima não é maior de 14 anos, é alienada ou débil mental e não pode, por qualquer causa, oferecer resistência. Balikian foi denunciado duas vezes pelo crime de corrupção de menores e uma vez pelo outros dois crimes. Conforme relatou o Ministério Público - MP, a acusação de corrupção de menores foi agravada pelo fato de o padre ter cometido os crimes sexuais utilizando-se de sua autoridade sobre as vítimas. De acordo com a denúncia, o pároco seduziu primeiro a irmã mais velha, M.C., após elogios, dizendo que gostava dela, se beijaram pela primeira vez na secretaria da igreja. A vítima era virgem e os dois tiveram a primeira relação sexual em outubro de 2003. O relacionamento durou até janeiro de 2004. Em um desses encontros, o padre teria oferecido bebida alcoólica para a adolescente que a teria ingerido. Ainda segundo o MP, simultaneamente o padre passou a se relacionar com a irmã mais nova da vítima, A.C., de 15 anos. A primeira relação sexual teria acontecido no dia 16 de maio de 2003, em um drive-in na zona oeste, região da cidade de Marília. Teriam seguidos diversos encontros no drive-in e em vários motéis. Em razão das relações sexuais, a menor teria contraído doença venérea e o padre sabia que estava contaminado, disse a acusação. O juiz José Roberto Nogueira Nascimento, do Fórum da Comarca de Marília, decidiria sobre a aceitação da denúncia e se daria início aos trâmites processuais, 57 ou se a rejeitaria. No caso de aceitar, a projeção era de que o interrogatório do padre seria marcado para o início de 2006. Jornalistas do Diário de Marília tentavam contato com o advogado Marco Antonio Martins Ramos, mas obtinham a informação de que ele estaria participando de um Congresso em Porto Alegre (RS). O ex-pároco José Eduardo Balikian confessou, no dia 23 de junho de 2006, na audiência à Justiça que realmente manteve relacionamento por mais de um ano com a adolescente A.C., todavia negou os outros delitos. Balikian, que não era mais padre desde 2005, foi denunciado pelo Ministério Público por crime contra as duas irmãs, entretanto o juiz José Roberto Nogueira Nascimento da 1ª Vara Criminal, extinguiu a punibilidade no caso da irmã mais velha porque a representação contra foi feita pela vítima fora do prazo legal. O promotor Celso Bellinetti Júnior disse que Balikian alegou na audiência que ele e a irmã mais nova, A.C., pretendiam se casar, sendo que isso não ocorreu em virtude da exposição do relacionamento, a instauração de inquérito policial e a pressão da família. O ex-padre confessou que eles chegaram a manter o romance, mesmo depois de instaurado o inquérito policial. “Ele negou ter servido bebida alcoólica, assim como negou ter transmitido doença venérea à vítima. Ele também negou relacionamento sexual com a vítima mais velha”, afirmou o promotor (Diário, 23.06.2006 – Anexo XLI). O ex-padre chegou às 9h58 ao Fórum acompanhado do advogado. Tentou evitar os repórteres e as câmeras entrando pela porta dos fundos. A audiência durou em torno de uma hora. Balikian saiu pelo mesmo caminho da entrada e dizia apenas estar satisfeito. “A verdade já está chegando” (Diário, 23.06.2006 – Anexo XLI). 58 O juiz marcou para o dia 29 de novembro de 2006 a audiência das testemunhas de acusação. No dia 30 de novembro de 2006, o jornal Diário publicou que no dia anterior, a Justiça tinha ouvido as testemunhas de acusação. Segundo o Promotor Público Celso Bellinetti Júnior, na audiência foram ouvidas sete das doze testemunhas arroladas. As testemunhas confirmaram informações passadas durante a fase policial. “As testemunhas foram firmes” (Diário, 30.11.2006 – Anexo XLII). A audiência durou em torno de três horas. A próxima fase do processo era a audiência com as testemunhas de defesa do ex-padre, marcada para o dia 4 de maio de 2007. No dia 5 de maio de 2007, o jornal Diário publicou que na audiência marcada para ouvir seis testemunhas de defesa do ex-padre, apenas um depoimento foi colhido, a pedido do advogado Marco Antônio Martins, que dispensou as outras cinco testemunhas. Com apenas uma testemunha a audiência foi rápida: durou em torno de quinze minutos. Segundo apurou o Diário, um paroquiano foi ouvido e teria respondido apenas uma pergunta: se o padre participava de festas com menores de idade e bebida alcoólica. O paroquiano teria respondido “sim” à questão (Diário, 05.05.2007 – Anexo XLIII). O advogado de defesa, Marco Antônio Martins, pediu nova audiência, que seria realizada no dia 19 de junho, às 14 horas, no fórum de Marília. Nesse dia, seria ouvida a secretária paroquial da época, que deveria ter estado presente à audiência de 4 de maio de 2007, todavia não compareceu e apresentou atestado médico. 59 A audiência para ouvir testemunhas de defesa, em junho, seria o último passo para sair à primeira sentença. Na pesquisa realizada, inclusive no site do jornal Diário13 não foi encontrada nenhuma publicação referente à audiência judicial marcada para o dia 19 de junho de 2007, contra o ex-padre José Eduardo Balikian. Destarte, é utilizada, neste momento, a reportagem publicada no dia 20 de junho de 2007, pelo Jornal da Manhã, na página 4, sob o título: Escândalo na Igreja – Justiça ouve testemunha do “caso Balikian”. A matéria discorria sobre a exsecretária da matriz Santo Antônio, arrolada como testemunha de defesa, que havia prestado depoimento à Justiça, no dia 19 de junho de 2007. Os novos depoimentos de defesa ficaram para ser solicitados em outras cidades através de cartas precatórias. O Promotor Salomão Sussumi Tanaka dos Santos presenciou o depoimento em substituição a Celso Bellinetti Júnior, que ainda acompanha o processo, mas que estava ausente do Fórum. Embora o depoimento da ex-secretária fosse aguardado como fundamental para a defesa do padre, a sessão durou cerca de vinte minutos e não apresentou avanços. Conforme divulgado no Jornal da Manhã, ela falou sobre o período em que teve contato próximo com Balikian e as menores, integrantes da comunidade paroquial. As declarações da secretária teriam incluído o relato sobre presentes comprados para uma das menores, entregues por ela mesma a pedido de Balikian. O advogado Pedro Camacho, assistente de acusação, referiu que as informações da testemunha de defesa poderiam complicar ainda mais a situação do ex-padre. 13 www.diariodemarilia.com.br. 60 José Eduardo Balikian tem direito a acompanhar depoimentos, contrários ou favoráveis, porém no dia 19 de junho de 2007 não veio a Marília. “Ele permanece em Presidente Prudente, onde leciona numa Universidade, mas continua afastado da Igreja. O advogado do padre não foi localizado pela reportagem” (Jornal da Manhã, 20.6.2007 – Anexo XLIII). No dia 28 de novembro de 2007, o Jornal da Manhã trouxe como manchete na folha 1, “Padre é condenado a serviços comunitários”. (Jornal da Manhã, 28.11.2007 – Anexo XLV). A sentença foi assinada pelo juiz José Roberto Nogueira Nascimento, da Primeira Vara Criminal, que condenou o padre José Eduardo Balikian, de 40 anos, ex-pároco da Matriz Santo Antonio, a cumprir serviços comunitários por três anos. A decisão do juiz foi assinada no dia 13 de outubro de 2007 e só chegou à imprensa no dia 28 de novembro. O juiz condenou o padre pelo crime de corrupção contra à adolescente A.C., na época com 15 anos. A denúncia acerca da irmã mais velha (na época com 16 anos) a punibilidade do réu foi considerada extinta por ter sido apresentada fora do prazo legal (seis meses). A sentença contrariou o parecer do Ministério Público, que tinha pedido a condenação de Balikian em dois crimes (repetidos) e aplicação da pena acima do mínimo legal fixado em dois anos. O órgão ministerial manifestou-se ainda pelo regime semi-aberto ao invés de pena alternativa, mesmo o ex-pároco sendo réu primário. O parecer do promotor de justiça, Celso Belinetti Júnior, destacou que José Eduardo “teve dolo intenso e valeu-se de seu sacerdócio” para envolver as 61 adolescentes que freqüentavam a paróquia. (Jornal da Manhã, 28.11.2007 – Anexo XLVI). O padre também tinha sido acusado de ter transmitido doença venérea para uma das adolescentes, porém a acusação não foi confirmada tecnicamente por nenhum laudo. Apesar das proporções do escândalo, Balikian nunca foi acusado de abuso sexual, ou estupro presumido, pois não ficou comprovado nenhum tipo de violência física, além do constrangimento sofrido pelas irmãs. O processo inicial baseou-se numa lei já extinta sobre a “sedução” de menores e prosseguiu com base nas novas denúncias acerca da oferta de bebida alcoólica e corrupção. Na decisão judicial, Nascimento assinalou que o caso teve repercussão principalmente pela questão celibatária, que não cabe à Justiça discutir. O padre confessou ter mantido relações sexuais com uma das menores, contudo negou as acusações sobre a oferta de álcool às irmãs. “Em depoimento disse ainda que nutria sentimentos afetivos pela garota de 16 anos, motivo pelo qual abriria mão do sacerdócio. O argumento do “amor não compreendido” foi mantido pela defesa até a fase final do processo”. (Jornal da Manhã, 28.11.2007 – Anexo XLVI). Uma carta precatória para comunicar oficialmente a sentença judicial deveria ser encaminhada ao padre em Presidente Prudente-SP., cidade onde atualmente reside afastado do sacerdócio. Os serviços comunitários deveriam ser prestados todos os finais de semana naquela cidade, mas ainda não tinham sido definidos. O jornal Diário deu um pequeno destaque sobre a condenação do padre, na folha 1, do lado esquerdo superior e na folha 9-A (Diário, 2007 – Anexo XLVII) e fez 62 um resumo da situação vivenciada pelo padre e as adolescentes (Diário, 28.11.2008 – Anexo XLVIII). Manchetes publicadas no jornal Diário de Marília: Padre está preso acusado de pedofilia (11.06.2005, p.1). Padre acusado de corrupção de menores (11.06.2005, p.9-A). Padre deve sair da cadeia até terça (12.06.2005, p.1). Padre pode sair na terça; DDM busca mais vítimas (12.06.2005, p. 11-A). Padre acusado de corrupção de menores (12.06.2005, p. 11-A). Padre depõe; defesa espera a libertação (14.06.2005, p.1). Advogados negam fuga e criticam busca policial (14.06.2005, p.1). Padre deve depor hoje na delegacia (14.06.2005, p. 8-A). Advogados negam que padre tenha tentado fugir (14.06.2005, p. 8-A). Padre depõe, é solto e indiciado por quatro crimes (15.06.2005, p. 1). Padre diz estar tranqüilo, mas vai responder por quatro crimes (15.06.2005, p. 6-A). Depoimento devolve caso do padre ao sigilo (16.06.2005, p. 10-A). DDM ouve mais três no caso do padre (17.06.2005, p. 8-A). Padre nega caso com uma das duas adolescentes (19.06.2005, p. 1). Padre alega relação afetiva e nega sair com as duas irmãs (19.06.2005, p. 8-A). Ex-padre confessa relação com adolescente de 15 anos (23.06.2006, internet). Inquérito acusa padre por estupro de menor (6.10.2005, p. 1). Polícia indicia padre por estupro de menor (06.10.2005, p. 7-A). MP acusa padre por 3 crimes, estupro não (11.10.2005, p. 1). 63 MP denuncia padre por três crimes (11.10.2005, p. 4-A). Jornal da Manhã: Padre é condenado a serviços comunitários (28.11.2007, p. 1 e p. 7). 2.2. Breve histórico do veículo e da cidade onde o fato aconteceu Para discorrer sobre a história do jornal Diário de Marília, fez-se necessário falar sobre o início da cidade, sua posição geográfica, seus fundadores, pois, jornal e cidade desenvolveram-se juntos e houve uma estreita relação entre ambos, com contribuições entre si. Sr. Balthazar, o mais antigo historiador de Marília, disse: “jornal independente, sem colorido político, esteve à frente de todas as iniciativas que visavam o progresso de Marília, comentando, estimulando, pregando e acompanhando as boas causas” (MOREIRA, 1936, p. 88). Quanto à Marília, esta se localiza a 430 km da capital, na região centro-oeste do Estado de São Paulo, também chamada Região Alta Paulista, em função da extinta estrada de ferro. Quem fez Marília foi o café. Houve um verdadeiro êxodo das chamadas zonas velhas deste estado rumo ao avanço da Companhia Paulista da Estrada de Ferro. Havia abundância de braços, a corrente migratória era grande e perdurou por muitos anos. Em todos os artigos sobre o histórico de Marília, detectou-se o nome de Bento de Abreu Sampaio Vidal, conforme transcrito abaixo: Está ligado, aqui a todas as instituições da cidade, a todas tendo prestado o seu valioso auxílio. Sua mão bem feitora, sempre aberta, tem cumulado de dádivas, templos, associações, colégios. São numerosas as doações de terrenos que tem feito à municipalidade para edifícios públicos aos crentes de diversas religiões, para igrejas 64 e centros de reuniões às associações. O primeiro Grupo Escolar e o belo Colégio Sagrado Coração de Jesus, receberam de suas mãos o terreno próprio para suas instalações. A Igreja Matriz, de imponente arquitetura estará sendo feita inteiramente a sua custa. A Santa Casa deve à sua generosidade e ao seu amor por Marília, a maior parte de seu patrimônio. Associação Feminina, o Centro Operário, a Loja Maçônica, o Centro Espírita, beneficiaram-se com sua doação. (MOREIRA, 1936, p. 46). A história de Marília está impregnada de seu espírito desbravador, de sua vontade e de sua confiança no progresso. Bento de Abreu nasceu em 17 de agosto de 1872, em Campinas. Ele é o patrono da cidade, tendo escolhido o nome de Marília, segundo Moreira: Da escolha do nome que se deu ao distrito e à estação, e ampliou depois ao município, nos dá conta, ainda o Sr. Bento de Abreu Sampaio Vidal, em sucinta notícia histórica no “Correio de Marília”: “Vamos contar a origem da denominação de Marília, dada à estação da Companhia Paulista, ao distrito de Paz e ao município. O Sr. Dr. Adolfo Augusto Pinto, chefe do escritório central da Companhia Paulista, a quem devemos à vinda da estrada até aqui, resolveu dar às estações os nomes em ordem alfabética, começando pela primeira a partir de Piratininga, que foi denominada América, vieram depois Brasília, Cabrália, [...] eu escolhi Lácio, porque pareceu-me falar ao nosso coração pela origem da língua e da raça. [...] Tal projeto ficou adiado para o ano seguinte e a Companhia Paulista resolveu fazer outra estação antes, de modos que Lácio ficou sendo o nome desta e faltava escolher o nome para a seguinte, que devia começar por M. O Dr. Adolfo Pinto propôs Marathona, Macao e Moguncia. Achei todos feios e como havia tempo foi adiada a escolha. Partindo para a Europa, lembro-me bem que, uma tarde de sol, antes do estreito de Gibraltar, procurei um livro na biblioteca de “Giulio Cesare” e o primeiro que vi, foi o de “Marília de Dirceu”, o famoso poema de Tomaz Gonzaga. No mesmo momento, lembrei-se que seria Marília o nome da nova cidade, pois nenhum outro, começado por M seria tão sonante e tão nosso. De bordo mesmo, escrevi uma carta ao Dr. Adolfo Pinto, que em minha volta, aplaudiu entusiasticamente a minha idéia”. [...] o poema de Gonzaga nos recorda a Conjuração Mineira, heróica tentativa pela independência do Brasil, em virtude da qual foi enforcado Tiradentes e desterrados Tomaz Antônio Gonzaga e outros. (1936, p. 181-182). Após a escolha do nome da cidade, constou nos artigos que: em 1928 chegou aqui o primeiro trem da Paulista, com a locomotiva n° 201. Mas somente em 30 de dezembro do mesmo ano é que foi inaugurado o serviço de trem de passageiros [...]. No dia 29 de dezembro, véspera desta inauguração, chegou a notícia da criação do Município [...]. A cidade viveu euforicamente os últimos dias de 1928 [...] tudo isto colocando a população em grande regorzijo. (LARA, 1989, p. 21). 65 O jornal Diário antecede todos estes acontecimentos, tendo em vista que sua fundação data em 1° de maio de 1928. A cidade foi fundada em 4 de abril de 1929, sendo que a Lei n° 2.320, de 24 de dezembro de 1928, cria o Município e a Comarca de Marília no mês de junho de 1933. O Diário, quando de sua fundação, chamava-se Correio de Marília: O Correio de Marília, jornal, foi fundado em 1° de maio de 1928 por Alfredo Augusto de Araújo e seu filho Raul Roque de Araújo, com verba e apoio do fazendeiro e empresário Bento de Abreu Sampaio Vidal, dono da fazenda Cascata e um dos fundadores da cidade. (Diário, 2000, anexo I). O fundador do jornal: Alfredo Araújo nasceu em 31 de agosto de 1864, na cidade Rivadavia, na Espanha. Veio para o Brasil em 30 de maio de 1877, exercendo diversos cargos efetivos. Em Dourado, foi vereador da Câmara em 1906 e de 1907 até 1926, sendo várias vezes reeleito, foi prefeito. Residiu ainda em Lins, Rio de Janeiro, Piracicaba, Capivari e Ribeirão Bonito. Casou-se com Inocência de Carvalho Araújo, em 1885. Teve quatro filhos: Alfredo, Romeu, Raul Roque e Paulo. Veio para Marília em 1928. Faleceu em 1952 [...]. Raul Roque de Araújo nasceu em Ribeirão Bonito em 16 de agosto de 1896 e faleceu em 11 de março de 1964. [...] Em Dourado teve o jornal O Popular e em Lins o jornal O Imparcial. Veio com seu pai, Alfredo para Marília a convite de Bento de Abreu Sampaio Vidal para montar uma tipografia e o jornal. (Diário, 2000, anexo I). A tipografia e o jornal foram instalados, segundo Paulo Corrêa de Lara, em uma casa construída por Bento de Abreu Sampaio Vidal e que esta atualmente encontrase na Avenida Nelson Spielmann, n° 573. Lara discorre sobre o início do jornal e seu proprietário Raul Roque de Araújo que: Juntamente com sua casa comercial e tipografia “Casas das Novidades” ficava a redação. De temperamento extrovertido e cordial logo cercou-se de inúmeros amigos, sendo a redação do “O Correio de Marília”, ponto de encontro de amigos e admiradores, na época em que a cidade tinha poucos atrativos. Mudou-se a Casa Comercial, mais tarde, para o início da rua Prudente de Moraes, em prédio hoje demolido e nele construído o Banco Brasileiro de Descontos S.A. A redação ficava nos fundos numa plataforma e, quando a escada gemia, por certo era que por ela subia Monsenhor Adauto Rocha, 66 vigário de São Bento e grande amigo de Raul. Por essa época, o jornal se tornara de semanário em diário. (1991, p. 109). As notícias, informações e publicidade do Correio de Marilia favoreceram a expansão e desenvolvimento de Marília. Rosalina Tanuri e Antonio Augusto Neto, membros da Comissão de Registros Históricos, disseram que a principal característica do Correio - Diário foi formar a opinião pública: “Conseguimos muitas coisas para a cidade porque o jornal formava a opinião do povo. Quando nasceu, em 1928, já agitava que estas terras mereciam ser um município”, contou Rosalina (Diário, 2000, anexo II). O jornal teve um papel importante para a cidade, pois conseguiu trazer a energia elétrica, assim como influenciou na fundação da cidade. O jornal, instalado em 1928, foi administrado por várias diretorias, mas foi no ano de 1965 que o jornalista Anselmo Scarano, então gerente do Correio de Marília, assumiu sua administração. Scarano foi proprietário da editora do jornal até novembro de 1989, quando passou o controle acionário para o empresário Juan Arquer Rúbio, à época dono do Diário Marília Notícias (Diário, 1998, anexo III). A partir daí o jornal passa a ter novo projeto: Na administração de Juan Arquer Rúbio, durante dois anos a CMN (Central Marília Notícias) editou o Correio e o Diário. Em 1° de maio de 1991 a CMN desenvolveu projeto de fusão dos dois jornais, agregando os jornais num único veículo e estabelecendo a marca Diário. É processo semelhante ao ocorrido com os jornais Folha da Manhã, Folha da Noite e Última Hora, edição de São Paulo, que na década de 70 foram transformados na Folha de S. Paulo (Diário, 1998, anexo III). Tendo em vista o sistema capitalista vigente no Brasil, a fusão das empresas jornalísticas é a forma encontrada pelo meio empresarial para manter-se no mercado. Com a fusão do Diário-Correio, a CMN controlava então o maior e melhor jornal da região, pioneiro em impressão em cores e gerenciava as rádios Diário AM e Diário FM. A partir de 1° de dezembro de 1994, o empresário Antonio Marangão assumiu a empresa, passando a ser controlador do jornal e das emissoras de rádio (Diário, 1998, anexo III). 67 No ano de 1995, cogitava-se nos meios políticos que o verdadeiro proprietário dos veículos de comunicação de Marília era o então prefeito José Abelardo Guimarães Camarinha. José Abelardo Guimarães Camarinha esteve à frente do Poder Executivo Municipal como prefeito pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB, no período de 1983 a 1988, tendo como votantes 56.671, sendo eleito com 30.245 votos e de 1995 a 1999, como deputado estadual, novamente pelo PMDB, tendo 33.376 votos, mas deixou a Câmara de Deputados para novamente ser prefeito de 1997 a 2000, pelo citado partido, sendo que de 94.555 eleitores, teve 56.225 votos. De 2001 a 2004 foi reeleito para o mandato, pelo mesmo partido tendo 68,75% dos 64.318 votantes, dados fornecidos pela 70ª Zona Eleitoral de Marília. Em todos os mandatos foi eleito com um número significativo de votos, frente aos eleitores aptos para a eleição. A ala política que fazia oposição a José Abelardo afirmava no Jornal da Manhã, um outro jornal de menor tiragem e circulação em Marília, que o prefeito utilizava-se de nomes de terceiros para deter o poder sobre os meios de comunicação e, em conseqüência, controlar as informações e notícias políticas que eram publicadas pela CMN. Durante todo o período, o jornal mantido como o principal veículo formador de opinião do Oeste Paulista e ao completar 70 anos hoje o jornal estará entrando em nova fase de investimentos e evolução de desempenho, com a editora Central Marília de Notícias passando a ser controlada pelo administrador Carlos Francisco Cardoso (Diário, 1998, anexo III). Administram o referido jornal Carlos Francisco Cardoso, como superintendente e o publicitário Tony Filho como diretor do Conselho de Administração juntamente com o jornalista José Ursílio (Diário, 1998, anexo IV). 68 Nesta mesma entrevista o então superintendente afirma que: “Enquanto as emissoras de rádio segmentam sua programação dando enfoque tradicional e popular, o jornal revela prestígio ao cidadão comum, retorno ao anunciante e pluralismo editorial” (Diário, 1998, anexo IV). Esta afirmação sobre o pluralismo editorial soava como uma resposta às críticas oposicionistas que se faziam ao editorial do jornal que se posicionava a favor do sistema político municipal vigente, prefeito José Abelardo Guimarães Camarinha. José Ursílio, editor do jornal Diário, compartilha da mesma idéia de Carlos Francisco Cardoso ao afirmar: Há críticas isoladas sobre o Diário por causa de reportagens que mostram obras da administração municipal, que colocamos o prefeito Abelardo Camarinha em destaque. Mas não é essa a realidade atual. A Isto É, é uma das maiores revistas do país, mostrou que ele é o terceiro melhor prefeito do Estado. Nova pesquisa que sai nos próximos dias deve mostrar melhor desempenho ainda. (Diário, 2000, anexo V). Para justificarem-se as críticas feitas, o editor do jornal fala da influência do mesmo no dia a dia da comunidade: De terça a sábado são 12.800 exemplares circulando, enquanto aos domingos a quantidade pula para 14.330. As vendas avulsas do Diário oscilam entre 10.000 e 12.000 exemplares mensais. O compromisso com a qualidade do jornal é cada vez maior, pois somos responsáveis pela influência na opinião de uma média de 40 mil leitores diariamente. (Diário, 1998, anexo IV). O editor José Ursílio complementa estas informações ao falar da linha editorial do citado jornal: “O Diário é preferido por 72% dos leitores de jornais porque mantém linha editorial de defesa da comunidade e atende necessidade de informação em todas as áreas aliada à prestação de serviços” (Diário, 1998, anexo IV). Grupos políticos contrários a Central Marília de Notícias voltaram a criticar durante a gestão do prefeito Camarinha, sobre a manipulação e o controle que ele 69 mantinha sobre a veiculação do Jornal Diário e as Rádios AM e FM, mas ele negava seu envolvimento com estas empresas de comunicação. No ano de 2005, em função de divergências políticas e de interesses não mais compartilhados, o grupo empresarial rompeu-se, ficando o ex-prefeito Camarinha contra o superintendente da CMN e proprietário do Diário de Marília e o editor chefe do referido jornal, trocando acusações mútuas. Os ex-sócios não se poupam de ataques, calúnias, difamações e delações. Em setembro de 2005, houve um atentado contra a CMN (incêndio na empresa), foram presas e condenadas três pessoas pelo crime. Os condenados faziam parte do grupo de amigos do ex-prefeito Camarinha. A partir daí os ataques pessoais, familiares e políticos contra o ex-prefeito foram intensificados pelos meios de comunicação controlados pela CMN: Jornal Diário, Rádios AM e FM. O ex-prefeito tinha dois filhos: Vinícius Almeida Camarinha (Deputado Estadual e candidato a reeleição no ano de 2006) e Rafael Camarinha, 24 anos, assassinado na casa em que residia com sua mãe, no dia 14 de março de 2006. Houve então uma inversão nos ataques, pois o ex-prefeito (candidato a Deputado Federal no ano de 2006) utilizou-se da TV Marília, que tem como proprietário o publicitário Tony Filho (antigo colaborador do Diário e do ex-prefeito), assim como do Jornal da Manhã e outros meios de comunicação para atacar Carlos Francisco Cardoso e José Ursílio como responsáveis e mandantes do assassinato de seu filho. Aproximadamente em maio de 2006, o ex-prefeito Camarinha assumiu publicamente nos meios de comunicação que o editor-chefe e o superintendente do grupo Central Marília de Notícias eram seus funcionários, entretanto, estes se 70 utilizaram de falcatruas, arbitrariedades e há mais de um ano tomaram posse de suas empresas, aproveitando-se da confiança neles depositada. Percebe-se, portanto, o quanto se faz necessário à contextualização e o histórico do jornal analisado. Cada etapa da história do mesmo, ou seja, conforme o jornal altera-se em sua propriedade, também se modifica sua abordagem editorial. Quando o proprietário do jornal era o ex-prefeito Camarinha, no entanto, tendo como fachada o atual proprietário, as reportagens eram de apoio, incentivo e valorização às atitudes, procedimentos, obras e posições do ex-prefeito e seus simpatizantes. Com a ruptura com o ex-prefeito, o proprietário, que se assumiu como verdadeiro dono do jornal, mudou radicalmente o editorial. As reportagens passaram, então, a agredir, ofender e desmascarar todas as ações, discursos, atitudes do ex-prefeito e de seus seguidores. Há de se ressaltar que desde que Carlos Francisco Cardoso assumiu o jornal como proprietário, o editor é a mesma pessoa, José Ursílio. Então a postura ideológica do editor mudou-se para um discurso jornalístico não partidário ao sistema vigente, ou seja, do ex-prefeito. A linha editorial manteve-se com a mesma estrutura, mudou-se a ideologia. Editor e proprietário continuaram selecionando as notícias e informações veiculadas nas rádios e jornal, mas o enfoque, agora, é de ataque ao ex-prefeito e excolaborador José Abelardo Guimarães Camarinha, atualmente Deputado Federal. 71 CAPÍTULO 3 3.1. Relação entre a fábula e as reportagens sobre o caso do padre Balikian A cigarra e a formiga. Nesta fábula a cigarra, morrendo de fome no inverno, implora à formiga que lhe dê um pouco de comida que a formiga acumulou arduamente durante o verão. Ao saber que ela cantava e não trabalhava, a formiga rejeita seu pedido dizendo: “como você pôde cantar todo o verão, você pode dançar todo o inverno”. Este final é típico das fábulas, que são também contos populares transmitidos de geração a geração. (JOHNSON apud BETTELHEIM, 1980, p. 54). Segundo os fabulistas: Theon (séc. I d.C.) – “Fábula é um discurso mentiroso que retrata uma verdade”. Fedro (séc. I d.C.) – “A fábula tem dupla finalidade entreter e aconselhar”. La Fontaine (séc. XVII) – “A fábula é uma pequena narrativa que, sob o véu da ficção, guarda uma moralidade14” (SAKALL, 2007, p.1). O nascimento da fábula coincide com o aparecimento da linguagem escrita. Antes de ser considerada um gênero passou dispersa na boca do povo. A fábula nasceu simultaneamente na África, na Europa e no Oriente. As fábulas orientais foram passando da Índia para a China, ao Tibet e à Pérsia, terminando na Grécia com Esopo que soube adaptar as histórias orientais à sabedoria grega, mas será que Esopo existiu realmente? Várias lendas nos falam de um escravo chamado Esopo, fabulista grego que se acredita ter vivido no século VI a.C., mais ou menos de 620 a 560. Não há provas históricas de que ele tenha existido, embora ninguém negue a existência de mais de 300 fábulas, com características semelhantes, que podem ter sido escritas ou reescritas e divulgadas por ele. De espírito engenhoso e sutil, homem de muita cultura e criatividade, foi o maior contador de fábulas, e o 1º compilador dessas famosas histórias. Seu nome era familiar a Aristófanes e Platão. Foi escravo em Samos e morreu em Delfos, Grécia – local onde sua coletânea de textos recolhidos fora SAKALL, Sérgio Eduardo. Disponível em: www.sergiosakall.com.br/tudo/a_lfabula.html. Acesso em 12 de janeiro de 2008. 14 72 da Grécia, nas regiões da Ásia Menor, foi amplamente divulgado e prestigiado pelos atenienses15. A fábula é uma forma de comunicação, é uma história curta e favorece a reflexão do homem crítico, pois ela trabalha com a moral da história, apesar de ser fechada e preconceituosa, uma vez que é comum as pessoas a utilizarem para criticar as atitudes e os comportamentos de outras, no que concerne à moral. A fábula traz as falas dos animais; seu sentido é, por meio da transmissão oral, legitimar a moral, ensinar as pessoas, alterar comportamentos e condutas do ser humano. Os animais, na fábula, assumem uma situação humana com finalidades exemplares, pois representam símbolos, por exemplo, o leão representa a força; a raposa, a astúcia, a habilidade; o lobo, o despotismo; o cordeiro, a ingenuidade; a formiga, o trabalho, etc. (MARÇOLLA, 2006, p. 23). A fábula é de origem rural e seu surgimento não tem tempo e data precisa. Ela faz parte das histórias de tradição oral, assim como os contos de fada, contos maravilhosos, lendas e mitos, de acordo com a sua natureza e significados próprios. Em A psicanálise dos contos de fada, Bettelheim cita: Uma fábula parece ser, no seu estado genuíno, uma narrativa na qual seres irracionais, e alguns seres inanimados, com a finalidade de dar instrução moral, simulam agir e falar com interesse e paixões humanos (JOHNSON apud BETTELHEIM, 1980, p. 54). Pode-se fazer uma analogia entre a fábula A andorinha e o dragão e as reportagens que estão sendo focadas neste trabalho, tendo em vista sua semelhança no que diz respeito a moral que, no caso de ambas, é a traição. Muitas vezes santimonial, algumas vezes divertidas, a fábula sempre afirma explicitamente uma verdade moral; não há significado oculto, nada é deixado à nossa imaginação (BETTELHEIM, 1980, p. 54). A transmissão da fábula é oral, já o repórter publica a reportagem jornalística. O padre José Eduardo Balikian, 38, ex-pároco da Matriz Santo Antonio, foi preso ontem em Londrina (PR) acusado de Corrupção de 15 Idem. 73 menores – pedofilia – contra duas irmãs adolescentes em Marília. A acusação foi feita pelo pai das meninas, que anexou mensagens de e-mail e outras provas à acusação. Afastado de Marília e da igreja, Balikian foi procurado em Presidente Prudente – onde seria professor – e localizado em Londrina, na casa de um amigo, onde foi preso pó ordem judicial pedido da delegada Rossana Camacho. O delegado José Carlos Costa da DIG (Delegacia de Investigações Gerais) fez a prisão e disse que Balikian não resistiu (Diário, 11.06.2005 – Anexo XXIII). O repórter é um poeta-fabulador: Considerando fábula – no sentido aristotélico – uma reunião de ações. E poeta, num sentido amplo, porque é ele quem faz a cópia dos fatos reais e trabalha sobre eles para construir uma outra realidade: a realidade que se deixa entrever no texto. Uma imitação aristotélica, surgida segundo a verossimilhança e a necessidade, de acordo com a qual o poeta/repórter narra o que é possível. Como se pode perceber na citação de Aristóteles, sobre o poeta como criador de fábulas, ou seja, como alguém que interpreta alguns fatos reais e acrescente a estes fatos a sua intenção pessoal em comunicá-los, acarreta a presença – mesmo que ainda não definida – da famigerada subjetividade (GUIRADO, 2004, p. 38). Quando a reportagem é exposta no jornal Diário, ela vem estampada em letras garrafais e em negrito no alto da primeira página: “Padre está preso acusado de pedofilia” (Diário, 2005, p. 1 – Anexo XXIII). O jornal está aqui fazendo a função enunciadora, que tem uma representação importante no discurso jornalístico, pois ela faz [...] a elaboração de uma tipologia de estratégias de citação, que nos permitam ocultar ou sublinhar as fontes das notícias, as falas e as entrevistas, enfim o discurso do repórter ou emissor da mensagem. A função enunciadora em sua dicotomia já bastante conhecida, de fazer-saber, e fazer crer está na base do discurso do jornal diário, das revistas semanais, dos periódicos temáticos que se apóiam no discurso de autoridade do emissor e na credulidade do leitor (CAMOCARDI, FLORY, 2003, p. 123). Neste diapasão, também é a opinião de Guirado: [...] O repórter – já determinado sobre o assunto de que vai tratar, seja por fazer parte da pauta, seja por levantamento próprio sobre o tema – tenta enredar a realidade, coordenando alguns de seus fragmentos realiza a transcriação dos fatos para o leitor [...] No exercício criativo da reportagem, o jornalista não só traduz o fato, mas transcria pormenores, de acordo com seu particular ponto de vista. Essa fase de transcriação exige do repórter algo mais além da técnica. A habilidade maior consiste em saber elaborar frases, 74 parágrafos, saber a melhor seqüência para eles; [...] o melhor arranjo; [...] e a capacidade, sobretudo de fazer com que as palavras circulem em cirandas propensas a estabelecer empatia no leitor (2004, p. 38-39). À medida que o jornalista elege um acontecimento, um fenômeno que ocorre na realidade, para ele reportá-lo, enquanto contador de histórias, traz para si à responsabilidade de papel ativo que exerce na construção deste texto reportável e na construção da realidade social. Neste momento o repórter está se utilizando de seu conhecimento e de sua visão de mundo para que a produção daquela reportagem provoque seu leitor e o mantenha interessado em acompanhar o desenrolar do fato que está sendo apresentado. Luiz Gonzaga Motta, em seu artigo “Jornalismo e configuração narrativa da história do presente”, ao pontuar que o enunciado objetivo do jornalismo caracteriza uma narrativa, utiliza-se do conceito de Mieke Bal, que define: Um texto narrativo é aquele em que um agente relata uma narração. Um texto narrativo, diz ele, é uma história que se conta através da linguagem, isto é, uma história que se converte em signos lingüísticos. Isto implica dizer que o texto narrativo é aquele no qual se relata uma história, mas o texto não é a história. Os textos podem diferir entre si e contar a mesma história. A essência da identidade se transfere para o plano da história, que segundo Bal é uma fábula apresentada de certa maneira. Uma fábula seria uma série de acontecimentos lógica e cronologicamente relacionados que alguns atores causam ou experimentam. A definição de Bal de um texto narrativo é então formulada: é aquele onde se podem encontrar os três estratos: texto, história, fábula. A distinção da narrativa em três estratos separados e interdependentes, como faz Bal, permite-lhe aprofundar os estudos sobre os textos narrativos, mas não resolve a questão da identidade de uma narrativa. O autor acaba deixando ao analista realizar a eleição, intuitivamente (BAL apud MOTTA, 2004, p. 3). A história e o conteúdo das reportagens em foco trazem situações contundentes. Para explicitá-la cabe referendar um artigo de Gonzaga Motta que busca contribuições da psicologia cultural e da História, baseado nos conceitos do historiador Hayden White: 75 [...] insiste que as narrativas, sejam elas factuais ou fictícias, tem um motivo de ordem legal que provê o impulso para narrar e configurar as histórias. Esse impulso, diz ele a título de hipótese seguindo a Hegel, é o conflito entre o desejo e a legalidade, a legitimidade, ou a autoridade genericamente concebida. Narrar histórias seria impensável sem a pressuposição de um sistema de leis, legalidades e legitimidades que provêm as tensões e os conflitos que tornam possível representar a realidade como história, seja ela real ou imaginária. A conclusão de White é radical: se cada história é um tipo de alegoria moral, seu objetivo latente ou manifesto é moralizar os eventos e a realidade de que trata. Ele sugere, então, que a narratividade está intimamente vinculada ao impulso de moralizar, de estabilizar a realidade (WHITE apud MOTTA, 2004, p. 15). Na reportagem do padre acusado de pedofilia contra duas irmãs adolescentes, observa-se que em todo o seu desenvolvimento, os leitores tiveram facilidade na leitura. A escrita estava clara, com todas as informações e o leitor pode acompanhar o desenrolar dos fatos, sem dificuldades para o entendimento da narrativa. A fábula é “uma narrativa de natureza simbólica de uma situação vivida por animais, representando uma situação humana, com o objetivo de transmitir uma conduta, uma certa moralidade” (MARÇOLLA, 2006, p. 23). Segundo La Fontaine, em edição publicada em 1970, “o corpo é a fábula; a alma a moral” (LA FONTAINE apud MARÇOLLA, 2006, p. 6). O surgimento da fábula pelo homem deu-se: [...] por necessidade de crítica, fez dela sua voz para transmitir experiência, conhecimento e reflexão de um modo impessoal. É uma das formas simbólicas surgidas espontaneamente, decorrente do desenvolvimento histórico da idéia da arte, com o intuito de elevar a condição da vida humana (MARÇOLLA, 2006, p.6). No caso das reportagens do padre que se envolve sexualmente e emocionalmente com duas irmãs, a face mais exposta está na conduta (o que as pessoas fazem). Havia, inicialmente, três pessoas envolvidas diretamente na mesma relação sexual e amorosa, mas elas utilizavam-se de muita dissimulação, manipulação das pessoas com quem conviviam, situação forjada para driblar o real e manterem a situação em completo sigilo, inclusive, entre as irmãs. O padre 76 mantinha as irmãs sob seu controle e uma desconhecia que a outra também estava envolvida na relação. Assédio surgiu em confissões, diz a família. Segundo a queixa da família, Balikian teria aproveitado dos segredos de confissão das meninas para manipular as duas adolescentes, segundo a polícia, fazendo uma “lavagem cerebral” nas meninas. Uma das meninas teria contado ao padre que não era mais virgem. Ele teria então passado a estimular o fim do romance com o namorado e convenceu depois a menina a ser sua amante. Ainda segundo a acusação da família, Balikian também jogou uma irmã contra a outra. O pai das meninas disse ontem que procurou a Congregação dos Estigmatinos, à qual o padre é vinculado, para evitar que Balikian tomasse posse em outra paróquia (Diário, 11.06.2005, Anexo XXIV). O repórter abordando um ângulo interessante e, de preferência um aspecto da realidade atual, mostra o que se passou ou está a passar-se, como se se tratasse de um filme, com seus atores, figurantes; uma intriga, diálogos, cenários e tudo quanto os sentidos do repórter são capazes de apreender: cores, ruídos, silêncios, odores etc. E, deste modo, dramatiza e humaniza a informação, ao mesmo tempo em que a apresenta de forma personalizada, na medida em que a expressa de acordo com a maneira de olhar e de contar de seu autor. Pode-se observar alguns desses aspectos citados em uma foto da reportagem que é objeto deste estudo. O padre de camisa vermelha foi preso acusado de pedofilia no dia 11 de junho de 2005 e no dia 15 do mesmo mês, após ser solto, chega sorrindo para prestar depoimento sobre o caso à polícia. O fotógrafo está mostrando ao leitor uma faceta do padre, que não é pertinente naquele momento em que a sociedade está estarrecida com a acusação de pedofilia de um membro do clero contra duas irmãs adolescentes. O fotógrafo, quando escolhe essa foto, desnuda o cinismo do padre frente às acusações que lhe são imputadas. 77 O jornalista se utiliza, de modo geral, de fontes para obter informações dos fatos e, há uma relação de confiança e respeito ao anonimato das mesmas, que só pode ser revelado caso tenha autorização das próprias fontes. Jean-Dominique Boucher discorre em seu livro “A reportagem escrita”, que o repórter em serviço tem de comportar-se como se transportasse no ombro a máquina de filmar, para registrar os acontecimentos, o movimento, as cores, as formas, os sons da realidade em que ele mergulha e, em reportagem, é preciso mergulhar na realidade a fim de se chegar ao fundo dos problemas, mas com a precaução de não se deixar levar por fantasias e alterar o rumo da investigação16. Segundo Ricardo Kotscho: [...] se você se dedicar a fazer um trabalho sempre na mesma linha, sem ceder aos modismos de cada época, e tiver disposição para ouvir as pessoas que ligam a qualquer dia e a qualquer hora, os assuntos começam a vir até o repórter em vez de o repórter correr atrás deles. O maior patrimônio de um repórter é a credibilidade – as pessoas precisam confiar em você para contar histórias que consideram delicadas porque mexem com a vida de outras pessoas (1995, p. 23). RICARDO, Daniel. Disponível em: <http://www.abae.pt/jra_new/jra_seminario/a_reportagem.pdf>. Acesso em 07 de setembro de 2007. 16 78 O autor fala também da necessidade do repórter elaborar matérias chamadas humanas: [...] o perfil dá ao repórter a chance de fazer um texto mais trabalhado – seja sobre um personagem, um prédio ou uma cidade. Para isso, é necessário que ele se municie previamente sobre o tema de que vai tratar: para ir fundo na vida de uma pessoa ou de um lugar, é preciso, antes de mais nada, conhecê-lo bem. Estas informações prévias podem ser conseguidas tanto no arquivo do jornal como com pessoas ligadas ao assunto. Preparar perguntas e levantar os pontos polêmicos que serão tratados na matéria é o início do trabalho [...] o repórter tem que ganhar a confiança do entrevistado, para poder conseguir arrancar tudo dele. Sempre é bom conversar um pouco antes de começar a matéria propriamente dita – sentir, estudar o outro como numa luta de boxe (1995, p. 42). O repórter é, pois, uma testemunha, a reportagem, o seu testemunho. As histórias que nos contam, ajudam-nos a compreender o mundo em que vivemos. Ao ler uma fábula e uma reportagem jornalística envolvendo violência moral, percebe-se que apesar de ambas serem escritas em épocas tão diferentes e distantes, as mesmas mostram situações dignas de destaques e de reflexões. Retomaremos a fábula anteriormente citada: A andorinha e o dragão “Uma andorinha que havia feito seu ninho em um tribunal saiu e, enquanto isso, surgiu um dragão sorrateiro e devorou os filhotes." Quando ela voltou e encontrou o ninho vazio, gemeu tomada de dor. Como uma outra andorinha viesse para consolá-la, dizendo que ela não era a única a ter a infelicidade de perder os filhotes, ela retrucou: “mas eu, neste caso, choro não tanto pelos meus filhotes, mas pelo fato de ter deixado isso acontecer exatamente no local em que os injustiçados encontram socorro”. A fábula mostra que muitas vezes as desgraças se tornam mais penosas de suportar quando vêm daqueles de que menos se espera (SMOLKA, 2004, p. 186). Observa-se que a moral desta fábula está totalmente relacionada com as reportagens jornalísticas em foco, pois nenhuma pessoa espera que em uma Igreja uma jovem não esteja segura. Também a andorinha esperava que em um tribunal seus filhotes estariam seguros, pois é lá que se faz justiça. Já na primeira chamada da matéria jornalística há uma relação, uma vez que ambas abalam uma confiança 79 estabelecida, ou seja, da adolescente com o padre e da andorinha com a proteção do tribunal aos seus filhotes. Nilson Lage classifica essa matéria jornalística de fait-divers (fatos diversos), tendo em vista que o estudo da estrutura dessas notícias mostra uma peculiaridade: [...] as contradições que tornam interessante o fait-divers são de vários tipos: entre o fato e a causa ou instrumento; entre notações que se juntam na mesma frase; entre a violação de uma norma social (o crime) e a ignorância de sua causa ou do agente – motivo do êxito passageiro, na imprensa, dos casos de polícia. Estes, no entanto, só atingem a notabilidade histórica quando representam uma situação mais geral ou exemplificam tendências que se mantinham ocultas na sociedade (1997, p. 47). Exemplo de matéria fait-divers: “Padre está preso acusado de pedofilia”, onde há uma contradição entre o padre e o crime de pedofilia. Complementa dizendo que no estudo das relações interiores do fait-divers permite compreender por que uma matéria com essa chamada causa tanto impacto: Ocorre situação de cúmulo – contradição radical entre o que se espera e o que acontece. O quadro relacional do fait-divers reflete fenômeno da retórica muito anterior ao surgimento do jornalismo. Basta dizer que cúmulo é figura da tragédia grega. O sentido do faitdivers é ao mesmo tempo enganar – toda vez que uma informação se oculta por detrás da antítese atraente – e revelar que a realidade pode ser mais contraditória do que imaginam os historiadores e cientistas. [...] O fait-divers é uma das atualizações da antítese, figura bastante atraente e que sustenta historicamente seus estereótipos (1997, p. 47). As reportagens em estudo tiveram destaques e despertaram interesses na imprensa por muitos dias, exatamente porque, sendo situação de cúmulo, reproduziu um desses estereótipos da fábula em que a andorinha fez o ninho no tribunal para proteger seus filhotes e mesmo assim eles foram devorados pelo dragão. Embora uma adolescente possa se envolver sexualmente com um homem, parece absurdo às normas culturais e religiosas de uma sociedade como a nossa, que um padre da Igreja Católica Apostólica Romana, possa ser tal homem. 80 Cabe ressaltar que todo o processo de comunicação da imprensa é sensacionalista em si, pois mexe com sensações físicas e psíquicas e o próprio lead um recurso sensacionalista, por responder perguntas que são os elementos mais palpitantes da história para prender o leitor. Como o termo sensacionalismo é utilizado para definir os produtos jornalísticos populares, encontram-se alguns conceitos pertinentes de serem reproduzidos. Márcia Franz Amaral, em seu artigo Sensacionalismo, um conceito errante, refere que: [...] o sensacionalismo é um modo de caracterizar o segmento popular da grande imprensa, uma percepção do fenômeno localizada historicamente e não o próprio fenômeno. Corresponde mais à perplexidade com o desenvolvimento da indústria cultural no âmbito da imprensa do que um conceito capaz de traduzir os produtos midiáticos populares mais recentes17. Em nota de rodapé, a mesma autora discorre sobre: [...] o levantamento que faz Marques de Melo (1971) para justificar, em 1969, a escolha do tema sensacionalismo para a I Semana de Estudos da ECA mostra que o termo está relacionado ao movimento de William Hearst e Joseph Pulitzer nos Estados Unidos no final do século XIX. No Brasil, o termo começou a ter repercussão nos artigos de Brito Broca sobre as inovações da imprensa brasileira em 1900 e de Lima Barreto, que realizou uma comparação entre jornais nas primeiras décadas do século XX. Em 1930, o sensacionalismo era alvo de campanhas críticas18. Entre os estudiosos da comunicação e do jornalismo há vários conceitos de sensacionalismo. Para Marcondes Filho (1989): [...] o que diferencia um jornal dito ‘sensacionalista’ de outro dito ‘sério’ é a intensidade, afirma o autor, para quem o sensacionalismo é o “o grau mais radical de mercantilização da informação: tudo o que se vende é a aparência e, na verdade, vende-se aquilo que a informação interna não irá desenvolver melhor do que a manchete19”. AMARAL, Márcia Franz. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/gtjornalismocompos/doc2005/marciaamaral2005.doc>. Acesso em 15 de junho de 2007. 18 Idem. 19 Idem. 17 81 Também a reportagem jornalística emprega diferentes linguagens: verbal, gráfica e fotográfica, constituindo-se a partir de signos que comportam significados diversos. Na linguagem verbal, os títulos das reportagens têm grande destaque, já que são selecionadas a fonte e a cor das letras, seu tamanho e também a posição do título na página do jornal. A escolha do título tem que chamar a atenção do leitor para que ele se sinta atraído a obter mais informações sobre a manchete. O padre José Eduardo Balikian, 38, ex-pároco da Matriz Santo Antonio, foi preso ontem em Londrina (PR) acusado de Corrupção de menores – pedofilia – contra duas irmãs adolescentes em Marília. A acusação foi feita pelo pai das meninas, que anexou mensagens de e-mail e outras provas à acusação. Afastado de Marília e da igreja, Balikian foi procurado em Presidente Prudente – onde seria professor – e localizado em Londrina, na casa de um amigo, onde foi preso pó ordem judicial pedido da delegada Rossana Camacho. O delegado José Carlos Costa da DIG (Delegacia de Investigações Gerais) fez a prisão e disse que Balikian não resistiu (Diário, 14.06.2005 – Anexo XXIII). Com esta manchete, a cidade ficou estarrecida, porque tal publicação estava sendo divulgada em um jornal, que na época, tinha uma tiragem diária de aproximadamente dezoito mil exemplares, além de ser veiculada na Rede Globo Regional, no Jornal Nacional e em outros jornais de grande circulação. Além das rádios AM e FM da cidade. 82 Após a manchete, aparece o padre com o rosto coberto, em seguida, a foto do pai das adolescentes mascarado com a foto do padre nas mãos. E, na seqüência, também há a foto do Delegado de Polícia. Observa-se aqui que as fotos são estampadas logo abaixo do título e estas são expostas de forma a dar credibilidade ao título. Embora pareçam complementares, elas são fundamentais para que o título da reportagem jornalística fique completo. Neste sentido é a lição passada por Barthes: [...] A fotografia jornalística é uma mensagem e, como tal, é constituída por uma fonte emissora, um canal de transmissão e um meio receptor. A fonte emissora é a redação do jornal, seu grupo de técnicos, dos quais alguns fazem a foto, outros a selecionam, a compõem e retocam e outros enfim, a intitulam, a legendam, a comentam. O meio receptor é o público que lê o jornal. E o canal de transmissão, é o próprio jornal, ou, mais exatamente, um complexo de mensagens concorrentes cujo centro é a fotografia; os complementos que a circundam são o texto, o título, a legenda, a diagramação e, de maneira mais abstrata, mas menos “informante”, o próprio nome do jornal (este nome constituindo um saber que pode exercer grande influência sobre a leitura da mensagem propriamente dita: uma fotografia pode ter sentidos diferentes) (1990, p. 11). O pai das adolescentes aparece com capuz cinza, cobrindo-lhe o rosto, como se fosse um bandido, pois o leitor já tem introjetado internamente que quem anda encapuzado é bandido. A forma como o jornal expõe o pai das meninas (postura curvada e capuz), dá margem à dúbia interpretação por parte do leitor. O que “salva” o pai das meninas é a legenda da foto. O padre, por sua vez, aparece na foto com o rosto coberto por um pano branco. 83 Por definição, a fotografia é a própria cena, o literalmente real. Há uma redução do objeto: de proporção, de perspectiva e de cor, mas esta redução não é em nenhum momento uma transformação para passar do real à sua fotografia. Segundo Roland Barthes: [...] o estatuto próprio da imagem fotográfica: é uma mensagem sem código; proposição de que se deduz imediatamente um importante corolário: a mensagem fotográfica é uma mensagem contínua (1990, p. 13). 84 As fotografias jornalísticas das reportagens em foco trazem um paradoxo fotográfico que consistiria, então: [...] na coexistência de duas mensagens: uma sem código (seria o análogo fotográfico) e a outra codificada (o que seria a “arte” ou o tratamento, ou a “escritura”, ou a retórica da fotografia); estruturalmente, o paradoxo não é, sem dúvida, a conjunção de uma mensagem conotada: aí está o estatuto provavelmente, fatal de todas as comunicações de massa; e que a mensagem conotada (ou codificada) desenvolve-se, aqui, a partir de uma mensagem sem código. Esse paradoxo estrutural coincide com um paradoxo ético: quando queremos ser “neutros, objetivos”, esforçamo-nos por copiar minuciosamente o real, como se o analógico fosse um fator de resistência ao investimento dos valores (é, pelo menos, a definição do “realismo” estético): como pode, pois, a fotografia ser, ao mesmo tempo, “objetiva” e “investida” (de outros significados), natural e cultural? (BARTHES, 1990, p. 14-15). Nas três primeiras fotos das reportagens em estudo, ficou evidente que elas tinham a função de chocar a sociedade, porque a legenda e o texto tiveram um efeito significativamente menos evidente que a manchete a as fotos. Nessas fotos, a legenda já tem grande destaque, pois ela traz um significado diferente às fotos, porque o pai é quem parece o bandido, enquanto o padre parece um coitado que foi preso injustamente, pela forma como foi colocado na foto. 85 O delegado mostra-se com o poder, coragem e sua foto explicita segurança, bom senso e controle da situação investigada. Isso remete a uma questão muito complexa utilizada na atualidade que é a inversão de valores. Eder Heronildes diz: [...] a inversão de valores é tão grande, o julgamento que se faz do homem chega a ser tão mesquinho, que aquelas frases, que antes de serem filosóficas, são de amor, se quedam desamparadas diante das fraquezas humanas e seus valores invertidos. Olha-se para um lado e para outro e, ao invés de se vislumbrar, pelo menos, uma pequena luz, uma tênue vereda, um pálido caminho, vê-se escuridão, trevas envolvendo a todos no seu manto terrificante e doloroso, como se diante de nós, nada mais existisse. Parece que se perdeu a noção do bem e do mal, da verdade e da mentira, do amor e do ódio, do 86 certo e do errado, mesmo pondo-se em relevo esse terrível maniqueísmo. Aquilo que antes era errado, parece ser o certo, O que antes seria estigmatizado como pecado, hoje é fruto de absolvição coletiva. Parece que se tem vergonha de ser honesto, como disse o velho e inesquecível Ruy Barbosa20. Rolant Barthes analisa o suporte teórico das reportagens, ou seja: a totalidade da informação está, pois, apoiada em duas estruturas diferentes (uma das quais lingüística); essas duas estruturas são concorrentes, mas tendo unidades heterogêneas, não se podem confundir; no texto, a substância da mensagem é constituída por palavras; na fotografia, por linhas, superfícies, matizes. Além disso, as duas estruturas da mensagem ocupam espaços separados, contíguos, mas não “homogeneizados”, como, por exemplo, em um rébus que funde em uma única linha de leitura palavras e imagens (1990, p. 12). Tal reportagem produz no leitor sentimentos dos mais variados, ambivalentes e contraditórios, uma vez que a Igreja Católica Apostólica Romana é a religião dominante no Brasil, sendo também a que tem mais de dois mil anos de história. As famílias brasileiras já têm introjetados culturalmente que o envolvimento e o compromisso de seus filhos com movimentos religiosos é quase certeza de que os jovens estarão protegidos de envolvimento em atos ilícitos, uso de drogas, prostituição e outras condutas nocivas. Da mesma forma, aconteceu com a andorinha que fez seu ninho em um Tribunal para proteger seus filhotes. No caso em tela, a família das adolescentes sempre residiu em um bairro próximo à Igreja Santo Antonio, onde o padre José Eduardo era pároco e as filhas desde pequenas participaram de todas as atividades da paróquia. A relação dos pais e das filhas com o padre sempre foi de confiança, amizade, de crença religiosa e de afeto. Ainda segundo a reportagem: [...] O pai das meninas esteve ontem à noite na delegacia para acompanhar a prisão. Durante a conversa com jornalistas, chamou o HERONILDES, Elder. Disponível em: www.natalpress.com/index.php?Fa=aut.inf_mat&MAT_ID=5942&AUT_ID=123. Acesso em 19 de janeiro de 2008. 20 87 padre de “monstro” e “lobo”. Ele contou que a família é bastante religiosa, que ajudou a construir a Matriz e que tem várias provas contra o acusado, inclusive 70 folhas com mensagens de e-mails, fitas gravadas com conversas pelo telefone e cartas, além de testemunhas, já ouvidas na delegacia. Segundo ele, o caso do padre com as filhas teria ocorrido durante o ano de 2004 e início de 2005. Na época as meninas tinham 15 e 16 anos. “Ele freqüentava a minha casa constantemente. Quando nós desconfiamos e o questionamos, ele negou tudo e chorou”, falou (Diário, 11.06.2005 – Anexo XXIV). O choque da família deu-se, principalmente, devido à quebra da confiança e à traição do padre à sua família. No momento em que o jornalista faz um retrospecto do passado, ele está mostrando ao leitor que o protagonista (o padre) é o vilão e que suas ações são levadas às últimas conseqüências. A seguinte frase é marcante para os demais personagens desta narrativa – “Ele freqüentava a minha casa constantemente. Quando nós desconfiamos e o questionamos, ele negou tudo e chorou” (Diário, 11.06.2005 – Anexo XXIV). Nesse momento, a história divulga que foi dada uma oportunidade para que ele relatasse à família das adolescentes o que estava acontecendo, todavia ele utilizou-se do artifício da emoção para convencer os pais de que nada estava acontecendo fora da normalidade. O objeto de uma análise é a versão jornalística, não a história. Nesta construção textual, o padre é mostrado como o vilão, traidor, transgressor das normas da Igreja Católica. Segundo Luiz Gonzaga Motta, a questão mais controversa da análise da personagem jornalística, refere-se, portanto: [...] ao fato de não ser ela uma entidade puramente ficcional e arbitrária a gosto da criação do autor como ocorre na arte, mas produto de uma narrativa fática. A personagem jornalística guarda uma relação estreita com a pessoa, com o ser real objeto da narração. Isso gera uma complexidade singular. Mesquita defende, com o que concordamos, que a narratividade é uma característica dominante do texto jornalístico, guardando um parentesco com a 88 narrativa da história e biográfica. Por isso, o investimento ideológico no texto não é menor que nas artes21. Observa-se que, aparentemente, pelas investigações policiais, o envolvimento sexual do padre não se restringe às duas irmãs. A narrativa jornalística insinua a participação de mais personagens vítimas do vilão (padre). Este novo fato prende o leitor à narrativa e como a Delegada afirma que existem outras vítimas, o jornalista lança mão da declaração oficial para dar veracidade e credibilidade à sua informação. Cabe, então, refletir sobre o celibato. Como ele é uma lei disciplinar e não uma norma do Evangelho, o mesmo foi inserido na Igreja Católica Apostólica Romana, no seguinte contexto: No ano de 305, o Concílio Iliberitano decidiu impor o celibato aos bispos, padres e diáconos. Mas, ainda assim, o casamento de religiosos era tolerado. O rigor foi estabelecido com o Concílio de Latrão e, depois, reforçado com o Concílio de Trento, no século XV (entre 1537 e 1563), o celibato se tornou obrigatório em todo o mundo22. O celibato é motivo de discussão até dentro da Igreja Católica, mas a revisão de valores desejada por alguns padres parece estar longe de ser uma das prioridades da alta hierarquia da Igreja. [...] Para o Monsenhor Arnaldo Beltrani, da arquidiocese de São Paulo, esperar o fim do celibato é perda de tempo. “Há duas questões indiscutíveis no Vaticano: o matrimônio de sacerdotes e a ordenação de mulheres”, afirma. Uma das justificativas para a manutenção da norma é a dedicação a Deus. Setores da Igreja acreditam piamente que o padre não pode se dedicar simultaneamente a uma família e aos compromissos do sacerdócio. Na Idade Média, quando o celibato foi instituído, os motivos eram outros. “O clero não admitia ter de dividir os bens dos religiosos com sua família após a morte. Com o celibato, toda a herança do sacerdote vai para as mãos da Igreja”, explica Eduardo Cruz, professor de Teologia da Puc de São Paulo. “Além disso, o esteriótipo oferecido por Cristo é decisivo para a ordenação dos sacerdotes da Igreja. Por isso, o padre tem de ser do sexo MOTTA, Luiz Gonzaga. Disponível em: www.hdl.hancdle.net/1904/16836. Acesso em 25 de julho de 2007. 22 CELIBATO clerical – Um mal necessário? Revista “Isto é”. Disponível em: www.cacp.org.br/celibato1.htm. Acesso em 12 de junho de 2007. 21 89 masculino, celibatário e casto. O contraditório é que Jesus escolheu o apóstolo Pedro, um homem casado, para ser o primeiro Papa”, diz23. Por ser o celibato uma imposição para o exercício do sacerdócio, a população já tem introjetada interna e culturalmente que o homem-padre é assexuado, apesar de ser homem, não é representado no imaginário das pessoas como homem e sim como padre. As famílias católicas apóiam, favorecem e até estimulam o contato de suas filhas com um padre da paróquia do bairro, pois sentem que, na sua companhia e nas participações das atividades paroquianas, suas filhas estarão protegidas, amparadas e não correm nenhum perigo e/ou risco às suas vidas, às suas integridades e principalmente estarão recebendo orientações e aconselhamentos com relação à moral. As famílias marilienses acompanharam as reportagens sobre o caso que foram publicadas diariamente, inclusive com a publicação de cópias dos e-mails, gravações e de combinação de novos encontros que ocorreram do padre com a adolescente mais nova, mesmo após o caso ter-se tornado de conhecimento público. Segundo a reportagem: [...] Além dos depoimentos, a polícia está examinando supostas provas fornecidas pelo pai das meninas, entre elas uma fita gravada com conversa entre uma das filhas e o padre ao telefone. Na conversa, gravada dia 25 de janeiro, os dois combinam encontro em um drive-in na Vila Coimbra (Diário, 17.06.2005 – Anexo XXXIV). A reportagem fornece alguns trechos dos e-mails: [...] O Diário recebeu no domingo cópias de e-mail com supostas conversas entre a filha mais velha e o padre. Nos e-mails o padre trata a menina com frases como “minha preta”, “meu infinito amor” e “meu amor”. Há trechos em que o padre pede para a garota não tenha ciúmes de amiga dele e se refere como “teu Edu”. Os documentos atribuídos ao padre mostram ainda que o 23 Idem. 90 relacionamento entre os dois era conhecido e a postura do padre criticada por amigos da menina. “Já há pessoas dizendo para vc (sic) que se eu realmente gostasse de vc largava tudo. Penso que não é assim”. [...] No sábado à tarde a delegada Rossana Camacho, que preside o inquérito, ouviu duas testemunhas, membros da paróquia, que confirmaram o relacionamento entre o padre e as meninas. Um deles disse ao Diário que uma das meninas chegou a confidenciar que tinha saído com José Eduardo. A testemunha procurou o padre para falar sobre o assunto, mas Balikian negou (Diário, 14.06.2005 – Anexo XXIX). O jornalista necessita das provas do que ele está trazendo em sua publicação. O leitor deve acreditar na veracidade da narrativa para poder comentar o fato, querer saber dos detalhes, visualizar a emoção que salta dos textos e aprisioná-la. Além do trabalho exaustivo e sofrido dos genitores em reunir provas contra o padre, investigação esta efetuada em silêncio e sem levantar suspeita, ainda tiveram que lidar com a reação da comunidade na qual sempre estiveram inseridos. Houve algumas manifestações de apoio, mas a maioria da comunidade se voltou contra os pais e as adolescentes. O irmão mais novo das garotas ficou impedido de se relacionar com alguns amigos, por proibição dos pais destes. A família então, também teve que conviver com o desprezo e as agressões verbais de pessoas que conviviam diariamente com ela. Jamais esperou que estas pessoas também lhe magoaria tanto, assim como o padre. Mais uma traição não esperada. O jornalista conta não apenas “o que se passou efetivamente”, como também transporta para o relato algo que já é, de alguma forma, do conhecimento público. A bondade e o compromisso da família e das adolescentes, sua disponibilidade em ajudar a Igreja na qual estão inseridos e esses aspectos, são comumente construídos em oposição à maldade, à frieza e à crueldade do padre. O texto jornalístico apela para valores duais e deixa uma espécie de ensinamento moral suspenso em sua própria composição. 91 “Padre depõe, é solto e indiciado por 4 crimes” (Diário, 15.06.2005 – Anexo XXXI). Observa-se também na foto que o padre sai do depoimento, sorrindo e vestindo uma camisa vermelha: Os objetos iluminados por luzes normais dão a impressão de que avançam em direção ao observador. São cores próprias para ambientes esportivos, abertos ou, providos de decoração alegre, próprios para darem a ilusão de que se luta contra o frio. A cor parece sublinhar a temperatura (FARINA, 1990, p. 206). O sorriso estampado no rosto do padre passa a impressão de que ele não está se preocupando com o que está lhe acontecendo, nem com a gravidade da acusação que lhe está sendo imputada. As pessoas envolvidas neste episódio ainda sentiram estampada na primeira página do jornal, o padre, que após ser solto, retornou à delegacia para prestar depoimento sorrindo como se nada de grave estivesse acontecendo. Aqui nesta foto, observa-se o paradoxo fotográfico, ou seja: Qual o conteúdo da mensagem fotográfica? O que transmite a fotografia? Por definição, a própria cena, o literalmente real. Do objeto à sua imagem há, na verdade, uma redução: de proporção, de perspectiva e de cor. No entanto, essa redução não é, em momento algum, uma transformação (no sentido matemático do termo); para passar do real à sua fotografia, não é absolutamente necessário dividir este real em unidades e transformar essas unidades em signos substancialmente diferentes do objeto e sua imagem não é absolutamente necessário interpor um relais, isto é, um código; é bem verdade que a imagem não é o real, mas é, pelo menos, o seu 92 analogon perfeito, e é precisamente esta perfeição analógica que, para o senso comum, define a fotografia. Surge, assim, o estatuto próprio da imagem fotográfica: é uma mensagem sem código; proposição de que se deduz imediatamente um importante corolário: a mensagem fotográfica é uma mensagem contínua (BARTHES, 1990, p. 12-13). “O depoimento começou às 18h e terminou por volta de 21h15. O padre leu todo o depoimento e chegou a pedir que fosse impressa uma nova cópia, porque havia erros de português” (Diário, 15.06.2005 – Anexo XXXII). Ao ler este trecho da reportagem, sob um olhar crítico, aparentemente, o jornalista ao transcrever esta parte do ocorrido no depoimento deve ter-se espantado com a preocupação do padre com os erros de português em um depoimento que durou mais de três horas, no qual ele estava sendo interrogado por acontecimentos graves que ele provocara. Ao leitor ficam as questões delicadas do abuso de duas adolescentes que estavam em foco, e a postura do acusado deixa transparecer que, além de ser o mensageiro da palavra de Deus, ele ali se punha como o próprio Deus, pois estava acima do bem e do mal. Sua onipotência era tamanha, que a preocupação maior tinha que ser com o uso correto do português, uma vez que ele se tratava de uma pessoa culta, inteligente e sábia demais para assinar um depoimento com aqueles erros grotescos. Observa-se também que o padre em nenhum momento sensibilizou-se com o sofrimento que suas atitudes causaram às meninas e a seus pais. A frieza, a ironia e o sarcasmo foram às únicas emoções que o padre mostrou para todos, na delegacia, nos depoimentos e na foto que foi publicada no dia 15 de junho de 2005. Insta salientar também que a imagem – fotografia jornalística, neste contexto, não tem relação com a situação apresentada no texto jornalístico que está relatando 93 a saída do padre da delegacia de polícia, após três horas e quinze minutos de depoimento. [...] Cabem, aqui, três observações. Em primeiro lugar: o texto é uma mensagem parasita, destinada a conotar a imagem, isto é, “insuflarlhe” um ou vários significados segundo melhor dizendo (e trata-se de uma importante inversão histórica), a imagem já não ilustra a palavra; é a palavra que, estruturalmente, é parasita da imagem – essa inversão tem seu preço: nos moldes tradicionais de “ilustração”, a imagem funcionava como uma volta episódica à denotação, a partir de uma mensagem principal (o texto), que era sentido como conotado, já que necessitava precisamente de uma ilustração; na relação atual, a imagem já não vem esclarecer ou “realizar” a palavra; é a palavra que vem sublimar, patetizar ou racionalizar a imagem; mas, como essa operação é feita a título acessório, o novo conjunto informativo parece fundamentado, sobretudo, numa mensagem objetiva (denotada), da qual a palavra não é mais do que uma espécie de vibração secundária, quase inconseqüente; ontem, a imagem ilustrava o texto (tornava-o mais claro); hoje o texto torna a imagem mais pesada, impõe-lhe uma cultura, uma moral, uma imaginação; no passado, havia redução do texto à imagem; no presente, há uma amplificação recíproca: a conotação não significa mais uma ressonância natural da denotação fundamental, constituída pela analogia fotográfica; estamos, pois, diante de um processo caracterizado de naturalização cultural (BARTHES, 1990, p. 20). Cabe neste momento trazer um trecho da reportagem para que o leitor deste estudo possa novamente ser informado para fazer uma relação da foto e o ocorrido: Quando o pai das adolescentes fez a denúncia, esta foi transformada em inquérito no dia 07 e para evitar a fuga do padre, a polícia pediu 94 sua prisão temporária – por cinco dias – enquanto é desenvolvida apuração do crime (Diário, 12.06.2005 – Anexo XXVII). A Delegada Rossana Camacho indiciou formalmente o padre José Eduardo, que embora acusado de pedofilia, os crimes imputados a ele pelo envolvimento sexual com as irmãs adolescentes, foram quatro: Corrupção de menores, estupro com violência presumida, possibilidade de contágio venéreo e oferecer bebida alcoólica a menor de 18 anos (Diário, 15.06.2005 – Anexo XXXI). A delegada Rossana Camacho disse que as investigações prosseguem e que serão ouvidas novas testemunhas. “Gostaríamos de ter ouvido todas as testemunhas antes do padre, mas isso não foi possível”. Rossana Camacho contou que já foram ouvidas mais de 10 testemunhas até agora, ontem mesmo, foram ouvidas mais duas pessoas (Diário, 15.06.2005 – Anexo XXXII). Há relatos da delegada que presidiu o inquérito de que este caso foi um dos mais complexos e trabalhosos que ela já se envolveu: [...] “levantando um histórico de dois anos sobre o padre, desde que ele foi transferido para a cidade até o envolvimento sexual com as menores”. Nos testemunhos, testemunhas indicam que a atividade sexual do padre ocorreu até na casa paroquial em que ele atuava (Diário, 06.10.2005 – Anexo XXXVIII). Foi apurado também nas investigações efetuadas durante o tempo em que as meninas estavam envolvidas amorosamente com o padre, que: O padre provocou envolvimento psicológico e emocional tão profundo que foi impossível para a menina manter discernimento. Assim, a menina teria perdido também a capacidade de resistir ao relacionamento e de evitar um relacionamento sexual que não poderia ter. Segundo a polícia, há documentos provando que a menina precisou ser submetida a tratamento psiquiátrico após o relacionamento, em função desse comprometimento psicológico e emocional (Diário, 19.06.2005 – Anexo XXXVI). A polícia civil tem prazo de trinta dias para concluir o inquérito policial, se o indiciado estiver solto, como é o caso do padre, e enviá-lo ao Ministério Público que irá analisá-lo para oferecer a denúncia ao Juízo, conforme artigo 10 do Código de Processo Penal: Art. 10. O inquérito deverá terminar no prazo de 10 (dez) dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso 95 preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 (trinta) dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela (FEDERAL, 2003, p. 395). O Ministério Público denunciou ontem o padre José Eduardo Balikian, 38, por corrupção de menores, oferecimento de bebida alcoólica a menor de idade e exposição à doença venérea. A denúncia não seguiu relatório da Polícia Civil e descartou a acusação de estupro com violência presumida [...]. O promotor Jairo José Gênova, da 3ª Vara Criminal, considerou agravante o fato de Balikian usar a função de padre para o assédio às meninas. “Tinha a função de orientar os jovens, mas as lançou no caminho da degradação”, diz a denúncia (Diário, 11.10.2005 – Anexo XXXIX). O Juiz José Roberto Nogueira Nascimento da 1ª Vara Criminal, extinguiu a punibilidade no caso da irmã mais velha por que a representação contra o padre foi feita pela vítima fora do prazo legal (Diário, 30.11.2006 – Anexo XLII). Novamente o sentimento de frustração acomete uma família que está envolvida nesta situação, pois se aplica a lei, mas não se faz justiça. Na reportagem lê-se a fala do Ministério Público que também não entende como um padre pôde fazer uso de seu poder, seu conhecimento teórico, seu dom de oratória, sua autoridade enquanto representante da palavra de Deus, para levar, induzir a vítima a atividades inadequadas. A família não deve compreender como um prazo legal consegue deixar sem punição uma pessoa que lhe trouxe tamanha dor e sofrimento. Nesse caso das reportagens em foco, o padre é o dragão da fábula A andorinha e o dragão, o tribunal é a igreja, a andorinha é a família das adolescentes, pois mais grave do que o padre abusar das irmãs adolescentes, é o fato do mesmo ter se utilizado de seu cargo como sacerdote, como mensageiro da palavra de Deus, do seu poder de oratória, de seu carisma frente à comunidade, do fato de ser o responsável em arrebanhar as ovelhas perdidas, para trair um pai e uma mãe que tinham na fé religiosa o padre como um santo homem na comunidade católica. 96 Para reforçar o sofrimento dos pais das adolescentes, estes ainda tiveram que lidar com as reações das famílias integrantes da comunidade da Igreja Católica Santo Antonio que os julgaram e os condenaram. Também viram o Tribunal de Justiça não considerar o abuso sexual da filha mais velha, por ter decorrido o prazo para o oferecimento da denúncia, o que culminou com a não apuração dos fatos cometidos contra ela. Por analogia, percebe-se que a fábula das histórias da tradição oral são vivificadas ainda na atualidade pelos veículos de comunicação, neste caso específico, pelo jornal que fez a reportagem em tela, pois transcreve na sua essência, em outras roupagens a fábula A andorinha e o dragão. A reflexão é que os acontecimentos são semelhantes, contudo as formas de transmissão são diferentes. Mesmo com todo o desenvolvimento intelectual e tecnológico que ocorreu desde as histórias de tradições orais, onde as comunicações se estabeleciam nas relações de interação face a face, ainda hoje as histórias de tradições orais estão vivas, refletem-se na sociedade e nos conteúdos simbólicos transmitidos pela mídia. Tendo em vista que os meios de comunicação precisam fixar o conteúdo simbólico em um substrato material (livros, filmes e outros), eles dotam este conteúdo de permanência temporal, o que não existe no intercâmbio de comunicação de interação face a face. Hoje, com o desenvolvimento da mídia, as tradições [...] foram desenraizadas, trabalhadas e novamente ancoradas em novos tipos de unidades territoriais. Isto tudo interligado de formas complexas com outras tendências e características desenvolvimentistas das sociedades modernas. [...] a mídia fornece os meios de sustentar a continuidade cultural, apesar do deslocamento espacial, e de renovar a tradição em novos e diversos contextos através da apropriação das formas simbólicas mediadas (THOMPSON, 1998, p. 178). 97 Observa-se, destarte, que os meios de comunicação, neste caso, o jornal impresso, conseguem difundir as histórias de tradições orais, através de uma série de reportagens envolvendo um padre e duas irmãs adolescentes com o fim de resgatar discussões sobre a moral, como acontecia e ainda ocorre com as fábulas, especificamente A andorinha e o dragão. 98 CONSIDERAÇÕES FINAIS Na realização dessa pesquisa pode-se observar que na mídia impressa, o jornalismo naturaliza e reproduz comportamentos sociais e as relações de desigualdades existentes na sociedade. Porém, a exposição aos meios de comunicação afeta as relações entre os indivíduos e destes com o poder e a autoridade. Na rede de comunicação tradicional, na interação face a face, as relações humanas são valorizadas, pois os aldeões recebem as notícias e as repassam a outros indivíduos. Entretanto, nas relações da comunicação moderna, onde o acesso às informações é mais dinâmico, os jovens interpretam as notícias, opinam e as repassam, muitas vezes, enfraquecendo o poder e a autoridade dos mais velhos. Observa-se então, que com o advento das tecnologias, as sociedades modernas necessitaram formular novos conceitos, crenças e valores em detrimento de outros, conquistando ganhos e vitórias, mas também produzindo algumas perdas, como déficit moral, aqui entendido como a incapacidade de tratar certas questões fundamentais como a vida e a morte. Devido a essa deficiência, muitas pessoas mantiveram presente a crença na tradição religiosa, como forma de entender essas contradições. Outrossim, nota-se que na sociedade moderna a religião tem um sentido de pertença às pessoas, uma vez que todas estão ligadas à mesma comunidade, todas têm uma história juntas, crenças e práticas religiosas, sempre conectadas às atividades da vida cotidiana destas. A mídia proporcionou divulgação e maior acesso dos indivíduos a este conteúdo, permitindo aos leitores maior autonomia para refletir e refazer a sua própria identidade. 99 Na série de reportagens jornalísticas em foco verifica-se que as histórias de tradição oral estão na sociedade moderna ancoradas no jornalismo, porém com roupagem diferente. As reportagens constatam, assim como a fábula A andorinha e o dragão, que a moral ainda é um valor social que deve ser respeitado, principalmente, no que concerne à religião. E o repórter é então o profissional que legitima, nas reportagens, a moral que a sociedade anseia ver retratada. No caso em estudo, as famílias brasileiras já têm introjetadas culturalmente, que no compromisso dos seus filhos com movimentos religiosos, estes estarão protegidos de envolvimentos em atos ilícitos, uso de drogas, prostituição e outras condutas nocivas. Da mesma forma, aconteceu com a andorinha que fez seu ninho em um tribunal para proteger seus filhos. Todavia, nas reportagens analisadas nesta pesquisa, nas quais verifica-se que um padre abusa sexualmente de duas irmãs adolescentes, são evidenciadas as questões relacionadas à moral e ao celibato. Esta pesquisa pretendia preferencialmente responder alguns pontos, ou seja, se a fábula foi esquecida com o desenvolvimento da mídia, ou se ela foi readaptada, realojada em novos contextos? Ou, talvez, a ancoragem das histórias de tradições orais foram remodeladas numa multiplicidade de lugares, cujos limites ultrapassam os da interação face a face? Constatou-se nesta dissertação que apesar da fábula ter tido seu início em datas remotas, o jornalismo consegue, eventualmente, manter a transmissão das histórias de tradições orais, ainda que dependentes das formas simbólicas mediadas nas reportagens impressas no início do século XXI. Percebe-se também que, apesar do grande avanço tecnológico ocorrido, principalmente no século XX, o jornalista ainda pode buscar em seu imaginário, em 100 forma de fábula ou conto, mesmo que inconscientemente, narrativas de fatos atuais que se transformam em textos jornalísticos. Rosangela Marçolla, em seu artigo Histórias de tradição oral: matéria-prima do jornalismo, faz uma exposição que vem de encontro ao que queremos referir e por isso tomamos emprestada, para finalizar: A explicação por uma sociedade violenta com crimes que cada vez mais amedrontam as pessoas tem ligação com o passado da humanidade, um passado bruto, onde a sobrevivência era o prêmio conquistado ao final de cada dia. Talvez seja esta a hora de ver a mídia como um espelho das atitudes humanas, isentando-a da culpa de ser a responsável pelo descarrilamento do trem da humanidade. O que a mídia faz é retratar a vida como ela foi mostrada nas histórias que tinham apenas a oralidade como veículo de comunicação. E quantas outras narrativas se repetem a todo instante nos noticiários diários, com enredos conhecidos pelas pessoas. E, poderia até se pensar que a mídia recria a própria criação do homem. Devolve ao povo o que sempre lhe pertenceu, apenas com novas roupagens e uso de tecnologias24. 24 MARÇOLLA, Rosangela. Disponível em: www.bocc.ubi.pt/pag/marcolla-rosangela-historiastradicao-oral.pdf. Acesso em 06 de dezembro de 2007. 101 BIBLIOGRAFIA ADORNO, Sérgio. Violência, ficção e realidade. In: SOUSA, Mauro Wilton de (org), Sujeito, o lado oculto do receptor. São Paulo: Brasiliense/ECA-USP, 1995, p. 181188. AMARAL, Luiz. Objetividade jornalística. 1. ed. Porto Alegre: Sagra. DC Luzatto, 1996. 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