PEDAGOGIA
LITERATURA
INFANTO-JUVENIL
Universidade Estadual de
Santa Cruz
Reitor
Prof. Antonio Joaquim da Silva Bastos
Vice-reitora
Profª. Adélia Maria Carvalho de Melo Pinheiro
Pró-reitora de Graduação
Profª. Flávia Azevedo de Mattos Moura Costa
Diretora do Departamento de Ciências da Educação
Profª. Raimunda Alves Moreira Assis
Ministério da
Educação
Ficha Catalográfica
L776
Literatura infanto-juvenil: pedagogia – módulo 5, volume 1, EAD / Elaboração de conteúdo: Sandra
Maria Pereira do Sacramento, Inara de Oliveira
Rodrigues. – [Ilhéus, BA]: EDITUS, [2011].
141p. : il.
ISBN 789-85-7455-260-6
1. Literatura infantojuvenil – Estudo e ensino. I.
Sacramento, Sandra Maria Pereira do. II. Rodrigues, Inara de Oliveira. III. Pedagogia.
CDD 809.89282
Pedagogia
EAD . UAB|UESC
Coordenação UAB – UESC
Profª. Drª. Maridalva de Souza Penteado
Coordenação do Curso de Pedagogia (EAD)
Drª. Maria Elizabete Sauza Couto
Elaboração de Conteúdo
Profª. Drª. Sandra Maria Pereira do Sacramento
Profª. Drª. Inara de Oliveira Rodrigues
Instrucional Design
Profª. Msc. Marileide dos Santos de Olivera
Profª. Msc. Cibele Cristina Barbosa Costa
Profª. Msc. Cláudia Celeste Lima Costa Menezes
Revisão
Profª. Msc. Sylvia Maria Campos Teixeira
Coordenação de Design
Profª. Msc. Julianna Nascimento Torezani
Diagramação
Jamile A. de Mattos Chagouri Ocké
João Luiz Cardeal Craveiro
Capa
Sheylla Tomás Silva
PARA ORIENTAR SEUS ESTUDOS
SAIBA MAIS
Aqui você terá acesso a informações que
complementam seus estudos a respeito do
tema abordado. São apresentados trechos
de textos ou indicações que contribuem
para o aprofundamento de seus estudos.
PARA CONHECER
Aqui você será apresentado a autores e
fontes de pesquisa a fim de melhor conhecê-los.
VOCÊ SABIA?
Esses são boxes que trazem curiosidades a
respeito da temática abordada.
LEITURA RECOMENDADA
Indicação de leituras vinculadas ao conteúdo
abordado.
Sumário
PARTE I
Profª. Drª. Sandra Maria Pereira do Sacramento
UNIDADE I
A LITERATURA INFANTO-JUVENIL E A FORMAÇÃO DOS
ESTADOS NACIONAIS EUROPEUS
1
INTRODUÇÃO.......................................................................... 13
2
A LITERATURA INFANTIL E OS ESTADOS-NAÇÃO.................... 14
3
CIÊNCIA E RAZÃO NO CONTEXTO DA LITERATURA INFANTIL.. 15
ATIVIDADES.................................................................................. 22
RESUMINDO.................................................................................. 22
REFERÊNCIAS ............................................................................... 23
UNIDADE II
A QUESTÃO DO CÂNONE E A LITERATURA
INFANTO-JUVENIL
1
INTRODUÇÃO.......................................................................... 27
2
O LITERÁRIO: DO MUNDO GREGO ÀS COMUNIDADES
3
A LITERATURA INFANTIL E SUA FUNÇÃO PROPEDÊUTICA....... 31
IMAGINADAS.......................................................................... 28
ATIVIDADES.................................................................................. 39
RESUMINDO.................................................................................. 40
REFERÊNCIAS................................................................................ 40
UNIDADE III
LITERATURA INFANTO-JUVENIL E O LUDOS
1
INTRODUÇÃO.......................................................................... 43
2
DE ARISTÓTELES AO LUDOS................................................... 44
3
A CRIANÇA COMO PERSONAGEM NA LITERATURA INFANTIL... 49
ATIVIDADES ................................................................................. 52
RESUMINDO.................................................................................. 54
REFERÊNCIAS................................................................................ 55
UNIDADE IV
A LITERATURA INFANTO-JUVENIL E A REPRODUTIBILIDADE TÉCNICA
1
INTRODUÇÃO.......................................................................... 57
2
A LITERATURA INFANTO-JUVENIL E SEU ESTIGMA ................ 58
ATIVIDADES.................................................................................. 66
RESUMINDO.................................................................................. 69
REFERÊNCIAS................................................................................ 69
UNIDADE V
A LITERATURA INFANTO-JUVENIL E A FORMAÇÃO
DO ESTADO BRASILEIRO
1
INTRODUÇÃO.......................................................................... 71
2
A FORMAÇÃO DO ESTADO-NAÇÃO BRASILEIRO...................... 72
3
A LITERATURA INFANTIL E OS DADOS CONTEUDÍSTICOS....... 75
ATIVIDADES.................................................................................. 77
RESUMINDO.................................................................................. 80
REFERÊNCIAS................................................................................ 80
PARTE II
Profª. Drª. Inara de Oliveira Rodrigues
UNIDADE VI
A LEITURA NA ESCOLA E NA SOCIEDADE:
PAPEL E IMPORTÂNCIA DA LITERATURA INFANTO-JUVENIL
1
INTRODUÇÃO.......................................................................... 83
2
LOBATO, O SÍTIO E MUITAS HISTÓRIAS POR CONTAR............ 84
3
LEITURA COMO PRÁTICA SOCIAL............................................ 91
ATIVIDADES.................................................................................. 95
RESUMINDO.................................................................................. 97
REFERÊNCIAS ............................................................................... 98
UNIDADE VII
A DIMENSÃO DO IMAGINÁRIO NA LITERATURA INFANTO-JUVENIL
1
INTRODUÇÃO.......................................................................... 101
2
MUDAM-SE OS TEMPOS, MUDAM-SE AS HISTÓRIAS E OS
VERSOS .................................................................................. 102
3
IMAGINÁRIO, FANTASIAS E MARAVILHAS.............................. 107
ATIVIDADES.................................................................................. 115
RESUMINDO.................................................................................. 121
REFERÊNCIAS................................................................................ 121
UNIDADE VIII
AS ESTRATÉGIAS LITERÁRIAS E OS DIFERENTES SUPORTES
DA LITERATURA INFANTO-JUVENIL
1
INTRODUÇÃO.......................................................................... 123
2
ESTRATÉGIAS LITERÁRIAS: A INTERTEXTUALIDADE NA
LITERATURA INFANTO-JUVENIL ............................................ 124
2.1 Conhecendo alguns autores e pressupostos............... 124
2.2 A literatura infanto-juvenil, a intertextualidade e
outras estratégias literárias....................................... 128
3
LIVROS, MÍDIAS, REDE: OS ITINERÁRIOS ABERTOS DA
LITERATURA INFANTO-JUVENIL ............................................ 133
ATIVIDADES.................................................................................. 138
RESUMINDO.................................................................................. 139
REFERÊNCIAS ............................................................................... 140
AS AUTORAS
Profª. Drª. Sandra Maria Pereira do Sacramento
Doutora em Letras Vernáculas, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Coordenadenou até 2011.1
o Programa de Pós-Graduação em Letras: Linguagens e
Representações da Universidade Estadual de Santa Cruz
(UESC), Professora Associada à Cátedra UNESCO de Leitura, Professora Plena em Teoria da Literatura do DLA/
UESC. Possui vários textos publicados em periódicos na
área de Letras, disponíveis on line.
Profª. Drª. Inara de Oliveira Rodrigues
Doutora em Letras (Teoria da Literatura) pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do SUL (PUCRS),
professora do curso de Letras e Vice-Coordenadora do
Programa de Pós-Graduação em Letras: Linguagens e
Representações da Universidade Estadual de Santa Cruz
(UESC). Possui artigos publicados em periódicos na área
de Letras e desenvolve pesquisas no campo das literaturas de línguas portuguesas.
DISCIPLINA
LITERATURA INFANTO-JUVENIL
Profª. Drª. Sandra Maria Pereira do Sacramento
Profª. Drª. Inara de Oliveira Rodrigues
EMENTA
Literatura infanto-juvenil: discussões sobre o panorama
histórico e gênero literário e suas características. Produção literária. A prática da leitura na escola e na sociedade. Pesquisa sobre literatura infanto-juvenil na escola,
na biblioteca (livros, gibis etc.), na televisão, CDROM e
sites. A dimensão do imaginário na Literatura Infantil e a
intertextualidade.
CARGA HORÁRIA: 60h
1
Unidade
UNIDADE I
A LITERATURA INFANTO-JUVENIL E A
FORMAÇÃO DOS ESTADOS NACIONAIS
EUROPEUS
OBJETIVO
Identificar as relações entre a origem dos estados-nação
europeus e da literatura infantil, com destaque para os
seus principais representantes.
1 INTRODUÇÃO
Nesta unidade, vamos mostrar a você a relação estabelecida
entre os estados nacionais europeus e o início da literatura infantil.
A literatura infanto-juvenil, como se concebe hoje, tem sua origem
vinculada ao nascimento dos estados-nação burgueses europeus,
a partir do século XVIII, com a valorização dos ideais forjados de
tradição dos capitalistas, então em ascensão.
UESC
Pedagogia
13
Literatura Infanto-Juvenil | A Literatura Infanto-juvenil e a formação dos estados nacionais europeus
2 A LITERATURA INFANTIL E OS ESTADOS-NAÇÃO
Para o Estado-nação, a língua nacional e o limite territorial
eram vistos como elementos indispensáveis, capazes de imporem uma
identidade à nação (RENAN, 1997). Entretanto, de acordo com Nelly
Novaes Coelho, em Panorama Histórico da Literatura Infantil /Juvenil:
Quando hoje falamos nos livros consagrados como
clássicos infantis, os cont��������������������������
os-de-fada ou contos maravilhosos de Perrault, Grimm ou Andersen, ou nas fábulas de La Fontaine, praticamente esquecemos (ou
ignoramos) que esses nomes não correspondem aos
verdadeiros autores de tais narrativas. São eles alguns
dos escritores que, desde o século XVII, interessados
na literatura folclórica criada pelo povo de seus respectivos países, reuniram as estórias anônimas, que
há séculos vinham sendo transmitidas, oralmente, de
geração para geração, e as transcreveram (COELHO,
1991, p.12).
SAIBA MAIS
No texto abaixo, apresentamos mais informações sobre o conceito de EstadoNação. Leia com atenção e converse com um colega sobre o mesmo.
Estado-nação: quando se pensa em Estado-Nação, estamos longe de tratar de
uma experiência político-institucional simples. Muitas vezes não paramos para
indagar sobre o quanto o seu surgimento alterou as relações inter-humanas por
todo nosso planeta. Em primeiro lugar, deve-se romper com qualquer linha de
abordagem que insira a experiência histórica do Estado-Nação numa longa duração ligada aos Estados dos monarcas absolutos europeus. Contando de hoje,
a experiência histórica do Estado-Nação ainda não completou dois séculos, tal
como o Brasil mal tem 150 anos. Em segundo lugar, no rigor do conceito e da
cronologia, a formação do Estado antecede ao surgimento daquilo que definimos
como burocracia. Inicialmente, a experiência do Estado-Nação é circunscrita à
Europa e às suas projeções coloniais no século XIX, sendo antecipada culturalmente pelos debates intelectuais e políticos do contexto do Iluminismo, quando
houve a gradativa transformação no sentido que se dava à noção de Razão na
prática administrativa, que passou da condição de mero cálculo/ratio para aquela de força constituidora das coisas. Nesse sentido, e somente nesse sentido,
o Estado da Razão do final do século XVIII, diferentemente da Razão de Estado dos séculos XVI e XVII, não seria mais um simples mecanismo resultante
da soma das partes através de um pacto, como pretendera Thomas Hobbes
(1588-1679) em 1651 com seu “Leviathan”, mas a “coisa pública” em que os
“objetivos públicos” deixavam de ter nos corpos estamentais de privilégios os
suportes ou intermediários da ação político-administrativa estatal. Portanto, o
Estado da Razão de finais do século XVIII pressupôs um tipo novo de poder/potência pública que aos poucos abandonou uma atitude jurisdicionalista (centrada
na acomodação das partes de privilégio) e tornou-se apenas disciplina (ou seja,
atitude constituidora da natureza de suas partes). Tal mudança de paradigma é
historicamente indissociável do processo de burocratização – formação de um
corpo de agentes da administração separados patrimonialmente dos meios administrativos – e da uniformização legislativa e fiscal do Estado.
Fonte: http://www.espacoacademico.com.br/035/35evianna.htm
14
Módulo 5 I
Volume 1
EAD
1
3 CIÊNCIA E RAZÃO NO CONTEXTO DA LITERATURA IN-
Unidade
FANTIL
Além dessas informações, também podemos acrescentar os
textos da tradição oriental e mesmo da grega, que foram trazidos
pelos estados modernos, em forma de adaptação, como As Mil e
Uma Noites, que chegou ao continente europeu no século XVIII; por
Galland; da mesma forma que La Fontaine, ainda no século XVII,
traduz as fábulas de Esopo, com a presença de animais falantes
sempre com moralidade, como, por exemplo, A galinha dos ovos de
ouro, A cigarra e a formiga, A Raposa e a Cegonha, entre outras.
PARA CONHECER
Leia mais sobre os escritores falados acima e sua importância para a Literatura
Infantil do Ocidente.
Galland: Antoine Galland, escritor francês nascido no século XVII, introduziu
no Ocidente inúmeras histórias de tradição oral do Oriente. Galland nasceu em
uma família de camponeses na província de Somme, em 1646, e morreu em
1715. Ele era especialista em História, manuscritos antigos, línguas orientais e
moedas. Galland esteve no Oriente, a convite do rei francês Luís XIV, com várias personalidades da política, das letras e da ciência. Era um colecionador de
manuscritos e, em sua passagem pela Síria, descobriu os originais de “As Mil e
Uma Noites”, feitos entre 1704 e 1717. O escritor levou-os para a França, traduziu e publicou os contos mais importantes dessa obra e, ainda, acrescentou
alguns outros, que circulavam oralmente – como o de “Ali Babá e os Quarenta
Ladrões”. Para não chocar seus contemporâneos, Galland retirou do texto as
passagens picantes. O sucesso foi imediato. Essa tradução de Galland não é a
única, mas é a mais famosa. Especialmente nesse livro, a história de Ali Babá
foi adaptada por Luc Lefort. Homem excepcional, seu diário testemunha a paixão pelo saber e pela verdade. Durante toda sua vida, Galland foi um homem
simples. Ele foi um pouco a imagem da obra que nos fez descobrir.
Fonte: http://www.educarede.org.br/educa/index.cfm?pg=biblioteca.biografia&id_autor=83
La Fontaine: francês de origem burguesa, nascido na região de Champagne,
foi autor de contos, poemas, máximas, mas com as fábulas ganhou notoriedade mundial. Resgatando fábulas do grego Esopo (século VI a. C.) e do romano
Fedro (século I d. C.), os textos de La Fontaine não apresentam grande originalidade temática, mas recebem um tempero de fina ironia. O autor francês não
só tornou mais atuais as fábulas de Esopo, como também criou suas próprias,
dentre elas “A cigarra e a formiga” e “A raposa e as uvas”. Contemporâneo de
Charles Perrault, frequentava a corte do Rei Sol - Luís XIV, de onde extraiu
informações para sua crítica social. Integrou o chamado “Quarteto da Rue du
Vieux Colombier”, composto também por Racine, Boileau e Molière. Participou
da Academia Francesa com ingresso em 1683, em que sucedeu o famoso político Colbert, a quem se opunha ideologicamente. Estreou no mundo literário
em 1654 com uma comédia. A publicação da primeira coletânea de fábulas
data de 1668, sucedida de mais onze, lançadas até 1694. No prefácio dessa
primeira coletânea, deixa bem clara suas intenções na constituição dos textos:
“Sirvo-me de animais para instruir os homens”. Morreu aos 73 anos sendo
considerado o pai da fábula moderna. As narrativas de La Fontaine estão per-
UESC
Pedagogia
15
Literatura Infanto-Juvenil | A Literatura Infanto-juvenil e a formação dos estados nacionais europeus
meadas de pensamentos filosóficos com forte moralidade didática e, apesar de
tão antigas, mantêm-se vivas até hoje.
Fonte: http://www.graudez.com.br/litinf/autores/lafontaine/lafontaine.htm
Esopo: foi um célebre fabulista grego, provavelmente nascido no ano de 620
a. C. Segundo o historiador Heródoto, Esopo teria nascido na Trácia, região da
Ásia Menor, tornando-se escravo na Grécia. Outro historiador, Heráclites do
Ponto, afirma ser o roubo de um objeto sagrado a causa da morte do fabulista. Como era costume no caso de sacrilégios, Esopo teria sido atirado do alto
de um rochedo. Discute-se a sua existência real, assim como acontece com
Homero. Assim, há ainda alguns detalhes atribuídos à biografia de Esopo, cuja
veracidade não se pode comprovar: seria aleijado, com dificuldades de fala e
seria um protegido do rei Creso. Levanta-se a possibilidade de a obra esopiana ser uma compilação de fábulas ditadas pela sabedoria popular da antiga
Grécia. Seja lá como for, o realmente importante é a imortalidade das fábulas
a ele atribuídas. As primeiras versões escritas das fábulas de Esopo datam do
séc. III d. C. Muitas traduções foram feitas para várias línguas, não existindo
uma versão que se possa afirmar ser mais próxima da primordial. Destaca-se,
entre os estudiosos da obra esopiana, Émile Chambry, profundo conhecedor
da língua e da cultura gregas. Chambry publicou, em 1925, Aesoi -– Fabulae, em que trabalha com 358 fábulas. Características das fábulas esopianas:
narrativas, geralmente, curtas, bem-humoradas e relacionadas ao cotidiano;
encerram em si uma linguagem simples, pois se dirigem ao povo; contêm simples conselhos sobre lealdade, generosidade e as virtudes do trabalho; a moral
é representada por um pensamento, nem sempre relacionado diretamente à
narrativa; personagens são, basicamente, animais que apresentam comportamento humano
Fonte: http://www.graudez.com.br/litinf/autores/esopo/esopo.htm
A célebre fábula A Raposa e as Uvas, atribuída a La Fontaine,
é, na verdade, uma tradução do grego para o francês. Veja a sua
reprodução abaixo:
A Raposa e as Uvas
Certa raposa matreira,
que andava à toa e faminta,
ao passar por uma quinta,
viu no alto da parreira
um cacho de uvas maduras,
sumarentas e vermelhas.
Ah, se as pudesse tragar!
Mas lá naquelas alturas
não podia alcançar:
Então falou despeitada:
- Estão verdes essas uvas.
Verdes não servem pra nada!
16
Módulo 5 I
Volume 1
EAD
1
Como não cabem quatro mãos em duas luvas,
Unidade
Há quem prefira desdenhar a lamentar.
(La Fontaine)
Nesses textos, sempre em uma linguagem metafórica,
os animais têm um comportamento humano, como falar, ter
ressentimentos e covardia; trazem em seu final uma mensagem moral,
de cunho pedagógico; também em forma figurativa, conotativa, que,
quando passada para a linguagem de denotação, presta-se a uma
aplicação prática. Em outras palavras, “Como não cabem quatro mãos
em duas luvas, Há quem prefira desdenhar a lamentar.”, quer dizer
que, diante do inevitável, por conta, talvez, da incapacidade, é mais
fácil desdenhar a assumir a incompetência.
Essa volta ao passado desempenhou um papel preponderante
na busca de sedimentação dos valores então em voga; pois, desde o
século XVII, com a troca de eixo da ordem cosmológica teocêntrica
pela antropocêntrica, que a Europa sofreu sérios abalos em
seu
pilar ideológico medieval. Ocorreu a laicização do saber, antes
restrito à visão dogmática da Igreja, tendo levado Galileu, com o seu
heliocentrismo, a permanecer em prisão domiciliar por ter ousado
questionar a fé corrente de que a Terra era o centro do Universo, lugar
escolhido por Deus para morada do homem. A Reforma Protestante
de Lutero incide na Igreja outro duro golpe, quando esse questionou
as ações papais, como a venda de indulgências.
A
ciência
engatinha,
porém,
através
de
seu
método
investigativo, deixa de lado o saber contemplativo e volta-se para
a realidade de forma experimental. Fé e razão passam a ter esferas
distintas, a primeira condicionada à metafísica, à verdade revelada,
e a segunda busca, através do método rigoroso de explicação dos
fenômenos, a verdade científica. Segundo o professor Antônio
Cândido, em Formação da Literatura Brasileira (1976):
Por Ilustração, entende-se o conjunto das tendências
ideológicas próprias do século XVIII, de fonte inglesa
e francesa na maior parte: exaltação da natureza,
divulgação apaixonada do saber, crença na melhoria
da sociedade por seu intermédio, confiança na ação
governamental para promover a civilização e bemestar coletivo. Sob o aspecto filosófico, fundem-se
nela racionalismo e empirismo; nas letras, pendor
didático e ético, visando empenhá-las na propagação
das Luzes (CÂNDIDO, 1976, p.43-44).
UESC
Tomando-se Ilustração como sinônimo de Iluminismo, - que
Pedagogia
17
Literatura Infanto-Juvenil | A Literatura Infanto-juvenil e a formação dos estados nacionais europeus
SAIBA MAIS
Aufklärung: Iluminismo, Esclarecimento ou Ilustração
(em alemão Aufklärung, em
inglês Enlightenment, em italiano Iluminismo, em francês
Siècle des Lumières, em espanhol Ilustración) designam
uma época da história intelectual ocidental. No espaço cultural alemão, um
dos traços distintivos do
Iluminismo (Aufklärung) é a
inexistência do sentimento
anticlerical que, por exemplo, deu a tônica ao Iluminismo francês. Os iluministas alemães possuíam,
quase todos, profundo interesse e sensibilidade religiosas, e almejavam uma
reformulação das formas
de religiosidade. O nome
mais conhecido da Aufklärung
foi Immanuel Kant. Outros
importantes expoentes do
iluminismo alemão foram:
Johann Gottfried von Herder, Gotthold Ephraim Lessing, Moses Mendelssohn,
entre outros.
na Alemanha ganhou o nome de Aufklärung - percebe-se o
quanto o movimento racionalista foi importante, no sentido da
busca pela explicação das demandas, sejam elas no campo da
representação governamental, científica ou religiosa.
Tais indagações passaram a ser embasadas no princípio
da racionalidade, encerradas na expressão de Descartes: Penso,
logo existo. O filósofo francês Descartes, trazendo do século
anterior alguma coisa do método de Galileu, eleva-o ao sentido
primeiro do filosofar, com a dúvida metódica, isto é, a partir da
dúvida, da não certeza, investiga-se e chega-se à descoberta e,
mais do que tudo, com a possibilidade da demonstração.
Descartes, seguindo rigorosamente o caminho, o
método por ele estabelecido, começa duvidando
de tudo, até reconhecer como indubitável o ser
do pensamento. É na descoberta da subjetividade que residem as variações do novo tema. O
filósofo passa a se preocupar com o sujeito cognoscente (o sujeito que conhece) mais do que
com o objeto conhecido.
[...]
Outros filósofos, além de Descartes, também se
dedicam ao problema do método, tais com Bacon, Locke, Hume, Spinoza (ARANHA,1993, p.
154).
Fonte: http://videociencia.wordpress.com/historia/iluminismo/
Tal cenário sustenta-se no triunfo da razão sobre a fé,
com contribuições de filósofos franceses como D’Alembert,
Diderot, Voltaire, Montesquieu e Rousseau chamados de
enciclopedistas. No Discurso Preliminar da Enciclopédia, de 1751,
afirma o primeiro:
Descartes teve pelo menos a ousadia de ensinar
os espíritos bons a sacudir o jugo da Enciclopédia, da opinião, da autoridade, em uma palavra,
dos preconceitos e da barbárie; e por meio desta
revolta,cujos frutos hoje recolhemos, prestou à
filosofia um serviço talvez mais essencial do que
todos os que deve aos seus ilustres sucessores
[...] Embora acabasse por acreditar que podia
explicar tudo, começou, pelo menos, duvidando
de tudo; e as armas de que nos servimos para
combatê-lo, embora contra ele,nem por isso lhe
pertencem menos [...] (apud MOUSNIER et al.,
1961, p.16).
Logo, D’Alembert mostrou que aqueles que criticaram
Descartes, se valiam da mesma estrutura mental, ou seja, da
18
Módulo 5 I
Volume 1
EAD
1
dúvida, para chegarem a tal fim.
Unidade
Em Do contrato social, Rousseau atribui a obediência à Lei
como a verdadeira liberdade, em nome da soberania:
Aquele que recusar obedecer à vontade geral a
tanto será constrangido por todo um corpo, o que
não significa senão que o forçarão a ser livre, pois
é essa a condição que, entregando cada cidadão
à pátria, o garante contra qualquer dependência
pessoal (1973, p. 42).
Esses pensadores foram bastante tributários dos avanços
ocorridos na Inglaterra, ainda no século XVII, amparados no
também filósofo Locke, levando à Revolução Gloriosa de cunho
liberal. Locke foi muito influenciado pelo pensamento de Descartes,
logo depois, deixa o aparato da lógica, para se voltar para o
dado psicológico, no entendimento do ser humano.
Entretanto,
a ascensão da burguesia, no território franco, só ocorre com a
chamada Revolução Francesa de 1789.
Finalmente, a sociedade francesa é agitada por
uma série de convulsões que se repercutem, graças à analogia das circunstâncias, por toda a Europa Ocidental. A resultante histórica das várias
forças que participaram na Revolução Francesa é o
primeiro triunfo decisivo da alta burguesia no terreno político, ao cabo de uma sucessão de fases,
em que o dinamismo revolucionário pertenceu
sucessivamente a uma fração de alta nobreza, à
noblesse de robe, aos camponeses, à burguesia
provinciana (Girondinos), aos pequenos burgueses (Terror de Robespierre) a outras camadas
mais populares (Babeuf) (SARAIVA; LOPES, 1971,
p.599).
Por isso, torna-se importante destacar que o papel da
família, como núcleo societário, contrário ao modelo estamental
da monarquia, estabeleceu esferas de ação, de modo hierárquico,
para o homem, para a mulher e para os filhos. E Pedro Paulo de
Oliveira, em A Construção da Masculinidade, confirma a afirmação:
A assimetria de poder na família era reforçada pela disposição da nova ordem em promover
uma separação total entre homens e mulheres:
pensava-se na época que quanto mais feminina a
mulher e mais masculino o homem, mais saudáveis a sociedade e o Estado. Nessa separação, a
autonomia do gênero masculino contrastava com
UESC
Pedagogia
SAIBA MAIS
Estamental:
relativo
a estamento. Constitui
uma forma de estratificação social com camadas sociais mais fechadas do que as classes
sociais; e mais abertas
do que as castas (tipo
de sociedades ainda
presentes na Índia, no
qual o indivíduo desde o
nascimento está obrigado a seguir um estilo de
vida pré-determinado),
reconhecidas por lei e
geralmente ligadas ao
conceito de honra. Historicamente, os estamentos caracterizaram
a sociedade feudal durante a Idade Média.
Fonte: <http://www.dicionarioinformal.com.br/definicao.
hp?palavra=estamento&id=7
342>.
19
Literatura Infanto-Juvenil | A Literatura Infanto-juvenil e a formação dos estados nacionais europeus
Figura 1.1 - Cena da Família de Adolfo Augusto Pinto, 1891. Fonte:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Almeida_J%C3%BAnior_-_Cena
_de_Fam%C3%ADlia_de_Adolfo_Augusto_Pinto,_1891.JPG>.
Campesinato
s.m. Conjunto de agricultores de uma região, de um Estado.
Condição dos camponeses.
Fonte: http://www.dicio.
com. br/campesinato/
a submissão feminina. A subjugação da mulher ia ao
encontro da constituição de uma família nuclear para
a qual o lar, com os afazeres domésticos e os cuidados
com as crianças, se tornaria seu espaço legítimo, enquanto aos homens ficaria destinada a esfera pública,
a esfera do poder. Na sociedade burguesa as funções
da mulher foram postas com clareza: mãe, educadora, controladora dos empregados (quando eles existirem), provedora de afeto e carinho (OLIVEIRA, 2004,
p.49).
Esse modelo comportamental vem a reboque de amplas
mudanças na vida urbana
europeia, de forma mais ampla, já que
o campesinato, quase sempre, com o início da industrialização,
migra para os grandes centros europeus, como Paris e Londres, para
formar a massa do operariado. Para se ter uma ideia da projeção do
crescimento populacional nessas capitais europeias, no século XVIII,
a população das cidades representava 2%; enquanto que, em meados
do século XIX, 42 % da população europeia vivia em zona urbana
(RÉMOND, 1976).
A Alemanha e a Itália optam pela unificação de seus territórios
devido à crescente industrialização e esse processo:
Atendeu basicamente aos interesses de uma burguesia
desejosa de formar um amplo mercado nacional para
seus produtos. Assim ocorreu na Itália, onde a unificação partiu do Reino do Piemonte-Sardenha (Norte
Industrial) para o Sul, destacando-se as figuras de Vítor Emanuel II e seu Ministro Cavour. Na Alemanha,
a unificação econômica, através da União Aduaneira
(Zollverein), antecedeu à unificação política. Essa foi
realizada sob a direção da Prússia em três guerras
sucessivas, que afastam a Dinamarca, a Áustria e a
França de seu caminho (AQUINO, 1993, p. 107).
Como se vê, a unificação de condados levou a estados
europeus fortes, que necessitaram de parâmetros comportamentais,
contrários aos do passado, coincidindo com o Romantismo literário. E
a mulher ganha destaque nessa divisão de papeis já que deve assumir
uma função pedagógica diante do filho, ainda que, socialmente, esteja
condicionada ao marido e à prole, isto é, sua autonomia está em não
ter autonomia nenhuma. É o que Rousseau, filósofo do Iluminismo
francês, vai sublinhar:
A razão que leva o homem ao conhecimento de seus
deveres não é muito complexa; a razão que leva a
mulher ao conhecimento dos seus é ainda mais sim-
20
Módulo 5 I
Volume 1
EAD
A
construção
do
Estado-nação
estruturou-se
em
Unidade
1
ples. A obediência que deve aos filhos são conseqüências tão naturais e tão visíveis de sua condição, que ela
não pode, sem má-fé, recusar sua aprovação ao sentimento interior que a guia, nem desconsiderar o dever na inclinação que ainda não se alterou (ROUSSEAU,
2004, p.558).
bases
etnocêntricas e falocêntricas e creditou ao homem, branco, burguês,
europeu, a razão, o espaço público e a cultura; enquanto à mulher,
coube a não-razão, o privado e a natureza. E a literatura daí advinda
traz as marcas de origem da pretensão de uma unidade republicana;
uma vez que o princípio hierarquizador da modernidade, calcado em
pares dicotômicos do público/privado; homem/mulher; adulto/criança;
centro/periferia, alto/baixo, branco/negro, não levou em conta, na pauta
da racionalidade ocidental, a alteridade encerrada nos segundos desses
mesmos pares. Dessa sorte, os enredos das histórias infantis tendem
a dissolver os conflitos, quase sempre, pela via do fantástico, sem que
haja, de fato, intervenção racional na ordem dos acontecimentos.
Por exemplo, o conto Os sete corvos, dos irmãos Jakob e
Wilhelm Grimm, encerra os objetivos pedagógicos esperados para um
texto voltado para o público infantil. Nele, a bondade da irmãzinha fez
com que os sete irmãos voltassem a ser gente novamente, depois do
encantamento a que foram submetidos pelo pai, ao se tornarem corvos
porque se atrasaram para trazer a água do poço para o batismo da
menininha doente.
A narrativa encerra os valores do catolicismo, isto é, os enfermos
não batizados devem receber o sacramento antes da morte, caso
contrário, se morrerem pagãos, é possível não irem para o céu. A figura
do pai se faz presente com sua autoridade; bastou esse dizer: “- Tomara
que eles todos virem corvos!” (2002, p. 58), e automaticamente, as
crianças viraram sete animais. Por outro lado, os pais, ao revelarem à
menina que os irmãos tinham virado corvos, e explicarem que: o que
aconteceu tinha sido um desígnio do céu, e que o nascimento dela não
tinha culpa de nada (2002, p.61). Tal atitude encerra a crença no ente
sobrenatural que determina o que acontece na Terra. Assim, a fala do
pai dá início ao encantamento e o encontro do anel da menina por um
dos irmãos precipita o fim do encantamento: “Mas quando o sétimo
corvo acabou de esvaziar seu copo, o anel caiu lá de dentro. Ele olhou
bem e reconheceu que era um anel do pai e da mãe deles...” Então,
“[...] a menina, que estava escondida atrás da porta, ouviu esse desejo,
apareceu de repente e todos os corvos viraram gente outra vez” (2002,
p.63).
UESC
Pedagogia
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Literatura Infanto-Juvenil | A Literatura Infanto-juvenil e a formação dos estados nacionais europeus
ATIVIDADES
ATIVIDADES
Leia a fábula A Galinha dos ovos de ouro de La Fontaine e responda
às questões propostas:
A Galinha dos ovos de ouro
Havia um homem que
tinha uma galinha
que punha ovos de ouro.
Por avidez e burrice,
pensou: se a galinha abrisse,
encontraria um tesouro.
Ah, cobiça desastrada!
Morta e aberta a galinha
viu que lá não tinha
nada!
Por excesso de ambição,
Podes perder teu quinhão.
(La Fontaine)
a) Por que o homem resolveu abrir a barriga da galinha?
b) O narrador faz a seguinte exclamação: “Ah, cobiça desastrada!”
Desastrada é o adjetivo atribuído à cobiça, isto é, uma cobiça capaz
de causar um desastre. Você concorda com o narrador?
c) Transforme o ensinamento expresso em linguagem metafórica,
conotativa, em linguagem denotativa, isto é, aplicável no cotidiano:
“Por excesso de ambição, Podes perder teu quinhão.”
RESUMO
RESUMINDO
Você viu nesta Unidade I, que a literatura infantil tem sua origem nos
estados-nação europeus, ainda no século XVIII, quando destacam a
importância de um território, uma língua, como elementos da tradição
nacional.
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Módulo 5 I
Volume 1
EAD
1
REFERÊNCIAS
Unidade
Referências:
AQUINO, Rubim Santos Leão de; et al. Histórias das sociedades:
das sociedades modernas às sociedades atuais. Rio de Janeiro: Ao
Livro Técnico, 1993.
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires.
Filosofando: Introdução à Filosofia. São Paulo: Moderna, 1993.
CÂNDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira: momentos
decisivos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976.
COELHO, Nelly Novaes. Panorama Histórico da Literatura/
Juvenil: das origens Indo-Européias ao Brasil Contemporâneo. São
Paulo: Ática, 1991.
GRIMM, Jakob. Contos de Grimm: animais encantados. Apresentação,
Tradução e Adaptação de Ana Maria Machado. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2002.
LA FONTAINE, Jean de. Fábulas. Tradução de Ferreira Gullar. Rio de
Janeiro: Revan,1999.
MOUSNIER, Roland; LABROUSSE, Ernest. O século XVIII, o último século
do antigo regime. ...(Org). História geral das civilizações. Tradução de
Vitor Ramos. São Paulo: DIFEL, (tomo V) 1961.
OLIVEIRA, Pedro Paulo de Oliveira. A construção social da
masculinidade. Belo Horizonte; Rio de Janeiro: UFMG/IUPERJ, 2004.
RÉMOND, René. O Século XIX: 1815-1914. Tradução de Frederico
Pessoa de Barros. São Paulo: Cultrix, 1976.
RENAN, Ernest. O que é uma nação. In: ROUANET, Maria Helena.
Nacionalidade em questão. Universidade do Rio de Janeiro: IL, 1997.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio ou da educação. Tradução de
Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social; Discurso sobre a origem e
os fundamentos da desigualdade entre os homens e outros. Tradução de
Lourdes Santos Machado. São Paulo: Abril Cultural, 1973. Col. Os pensadores.
SARAIVA, António José; LOPES, Óscar. História da Literatura
Portuguesa. Porto: Porto Editora, 1971.
UESC
Pedagogia
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Literatura Infanto-Juvenil | A Literatura Infanto-juvenil e a formação dos estados nacionais europeus
ANEXOS
D’Alembert: Foi muito influenciado por Descartes, conservando, portanto, a visão mecanicista
do mundo, sendo a matéria, constituída de átomos que se repelem continuamente.
Fonte: www.algosobre.com.br/biografias/d-alambert.html)
Diderot: Denis Diderot (1713-1784), filósofo francês. Elaborou juntamente com D’Alembert
a “Enciclopédia ou Dicionário racional das ciências, das artes e dos ofícios”, composta de 33
volumes publicados, pretendia reunir todo o conhecimento humano disponível, que se tornou
o principal vínculo de divulgação de suas ideias naquela época. Também se dedicou à teoria
da literatura e à ética trabalhista.
Fonte:
http://videociencia.wordpress.com/historia/iluminismo/
Voltaire: Pode ser considerado como o filósofo que encerra o espírito do século XVIII. Por
ser muito crítico da nobreza, foi exilado várias vezes. Em um desses exílios, teve contato,
na Inglaterra, com as ideias de Locke, onde escreveu as famosas Cartas Inglesas, também
chamadas de Cartas Filosóficas, criticando a política francesa. Foi um liberal convicto, ao
defender os direitos civis, ainda que para aquele momento visse a necessidade do Despotismo
Esclarecido, com a presença de filósofos junto ao rei.
Fonte: www.pensador.info/autor/Voltaire/
Montesquieu: Ainda que tenha nascido em uma família de nobres, tornou-se crítico da
monarquia absolutista e do clero. Sua obra mais significativa foi O espírito das leis, em que
propõe uma teoria de governo, baseada no constitucionalismo e na separação dos poderes. A
democracia como o filósofo concebeu via os poderes: executivo, legislativo e judiciário como
instâncias autônomas e comandadas por pessoas diferentes, para que fosse evitado o arbítrio
e a violência, levando-o a afirmar: “Para que não se possa abusar do poder é preciso que, pela
disposição das coisas, o poder freie o poder.”
Fonte: www.suapesquisa.com/biografias/montesquieu.htm
Rousseau: Alguns não veem o genebrino, radicado em Paris, como um enciclopedista
racional, na medida em que valoriza a natureza, ainda que critique o poder absolutista, vindo
a influenciar, já no Romantismo, seus escritores. Escreveu, entre outras obras: Discurso sobre
a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, na qual defende os homens
vivendo na natureza, sem a propriedade privada, responsável pela miséria e a escravidão.
Fonte: www.unicamp.br/.../cursos/rousseau2001/aso.htm
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Módulo 5 I
Volume 1
EAD
Suas anotações
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2
UNIDADE II
Unidade
A QUESTÃO DO CÂNONE E A LITERATURA
INFANTO-JUVENIL
OBJETIVO
Identificar como a literatura infantil, em seu início, vinculase à tradição ocidental, na linha platônica, ao dar ênfase a
um conteúdo a ser “ensinado”.
1 INTRODUÇÃO
Nesta unidade, vamos mostrar a você como certa literatura
infantil mantém-se, por sua postura, na tradição do cânone literário,
quando se vincula à concepção de ver o artístico comprometido com
o conteudismo platônico; da mesma forma seu “menos valor”, ao ser
associada ao popular, por sua origem; à mãe ou à criança.
UESC
Pedagogia
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Literatura Infanto-Juvenil | A questão do Cânone e a Literatura Infanto-juvenil
2 O LITERÁRIO: DO MUNDO GREGO ÀS COMUNIDADES
IMAGINADAS
Ainda que a literatura infanto-juvenil tenha surgido na
modernidade ocidental, vinculada aos interesses dos estados-nação
europeus, faz-se necessário retomar o conceito de literatura, para a
tradição greco-latina, que se confundia com a gramática (gramma),
pois significava, assim como litteratus, a arte de conhecer a
gramática e a poesia. Chega ao século XVIII, vinculada à noção
de valor, portanto, ao ideológico, na medida em que fazia parte
da formação educacional do cidadão. Ernest Curtius, em Literatura
Européia e Idade Média Latina, justifica a ligação da literatura aos
valores gregos:
Porque os gregos encontraram num poeta o reflexo de seu passado, de seus deuses. Não possuíam
livros nem castas sacerdotais. Sua tradição era Homero. Já no séc. VI era um clássico. Desde então
é a literatura disciplina escolar, e a continuidade
da literatura européia está ligada à escola (1957,
p.38).
Simulacro
[Do lat. simulacru.]
Substantivo
masculino
Ant. 1.Imagem de divindade ou personalidade
pagã; ídolo, efígie. 2.
Ação simulada para exercício ou experiência:um
simulacro de vestibular.
3.Falsificação, imitação:
Não passa de um simulacro de herói. 4.Fingimento, disfarce, simulação.
5.Cópia ou reprodução
imperfeita ou grosseira;
arremedo: O cenário de
O Guarani era apenas
um simulacro de floresta brasileira; “Se, abastados e engrandecidos,
viemos de humildes e pobres, pretendemos muitas vezes fazer esquecer
ao mundo o nosso berço;
mas no abrigo familiar,
deixada tão viciosa vergonha, abrimos o larário
doméstico e tiramos dele
os deuses da meninice,
grosseiros
simulacros
das imagens paternas”
(Alexandre
Herculano,
Opúsculos, V, p. 34-35).
6.V. fantasma (3).
28
Nada podia abalar essa integração entre o poético e o político,
pois a poesia, sendo simulacro, constitui imitação da aparência
e não da realidade, só se justificando se estivesse a serviço da
educação do povo grego. Com admissão da poesia em sua ágora,
que se adequasse à Lei e à razão humana, através dos hinos aos
deuses e em louvor aos homens famosos.
Platão, em diálogo com Glauco, afirma:
Quanto a seus protetores, que, sem fazer versos,
amam a poesia, permitiremos que defendam em
prosa e nos mostrem que não só é agradável, mas
também útil, à república e aos particulares para
o governo da vida. De bom grado os ouviremos,
porque com isso só temos a lucrar, se nos puderem
provar que aí se junta o útil ao agradável (PLATÃO,1994, p.403).
Módulo 5 I
Volume 1
EAD
PARA CONHECER
Unidade
2
A filosofia platônica teve grande importância para a tradição ocidental. Leia
o que vai abaixo e depois se informe mais sobre esse grande filósofo e suas
obras.
PLATÃO: nasceu em Atenas, em 428 ou 427 a.C., de pais aristocráticos e
abastados, de antiga e nobre casta. Ao seu temperamento artístico deu, na
mocidade, livre curso, que o acompanhou durante a vida toda, manifestandose na expressão estética de seus escritos. Suas obras, até hoje, são objeto
de análise e apreciação, a mais conhecida, entretanto, é A República, em que
defende, na forma de diálogo, um modelo aristocrático de poder, governado
pelos intelectuais.
Fonte: http://www.mundodosfilosofos.com.br/platao.htm
Coloca, portanto, o literário a serviço do ideológico, na
medida em que, para ter existência reconhecida, necessita ser
útil à sociedade grega na formação de seus concidadãos. A razão
deve conter a emoção, contrária a qualquer manifestação do
desejo, fazendo, entretanto, concessão ao Belo, Bom e Justo, ao
colocar o artístico em comum acordo com a ética. A literatura do
período romântico, por outro lado, endossará as ideias correntes
burguesas, e coloca-se disponível para compor as comunidades
imaginadas (ANDERSON, 2008).
O romantismo reflete a ambiência então operante. O
romantismo alemão, - ainda que a princípio a Alemanha não
estivesse unificada - procura nas raízes folclóricas, na tradição
das narrativas orais, uma forma de sedimentar o seu cânone,
com o culto ao Volksgeist, com forte valorização do dado local.
Participantes do Círculo intelectual de Heidelberg, Jacob e Wilhelm Grimm, - filólogos, grandes folcloristas, estudiosos da mitologia germânica e da história do Direito alemão – recolhem
diretamente da memória popular as antigas
narrativas, lendas ou sagas germânicas, conservadas por tradição oral. [...].
Buscando encontrar as origens da realidade histórica ‘nacional’, os pesquisadores encontraram
a fantasia, o fantástico, o mítico... e uma grande Literatura Infantil surge para encantar crianças do mundo todo (COELHO, 1991 p.140).
É, nesse cenário, que Goethe propõe o conceito de
Literatura Universal (Weltliteratur), em atenção aos valores e
crenças da modernidade europeia, sustentados na nação e em
SAIBA MAIS
O conceito de comunidades
imaginadas trazido por Benedict Anderson embasa toda a
argumentação desse estudioso, nascido na China, filho de
pais ingleses, para explicar
como um modelo imposto,
coletivamente, é seguido por
todos como algo tido como natural e espontâneo.
Comunidades imaginadas:
é o conceito que intitula uma
obra de referência para os
estudiosos das identidades
nacionais e os processos de
construção da nação. Anderson tem repensado as bases
para o estudo da identidade
nacional com um estudo teórico e empírico sistemático e
aprofundado. Aqui, Anderson
coloca que as comunidades
nacionais são produto de um
processo de desenvolvimento
político, social e cultural que
resulta na geração de uma
relação imaginária com seus
concidadãos nas imediações
do Estado-Nação. A recuperação do conceito de imaginação
nega a conotação pejorativa
do termo, em oposição à realidade (realidade versus imaginação). Anderson examina a
base material da imaginação
para entender como se conforma uma comunidade nacional.
Fonte: http://www.netsaber.com.
br/resumos/ver_resumo_c_54197.
html
suas tradições, no progresso e na ciência.
UESC
Pedagogia
29
Literatura Infanto-Juvenil | A questão do Cânone e a Literatura Infanto-juvenil
SAIBA MAIS
Volksgeist: segundo a
Escola Histórica, o povo
é um ser vivo marcado
por forças interiores e
silenciosas que segrega
uma espécie de consciência popular, o espírito do povo (Volksgeist).
O povo é anterior e superior ao Estado e é do
espírito do povo que brota tanto a língua quanto
o direito, consideradas
produções instintivas e
quase inconscientes que
nascem e morrem com o
próprio povo. No caso específico do direito, o costume teria de ser mais
importante do que a lei,
porque o que emana do
Volksgeist tem de estar
numa posição superior
aos próprios ditames do
Estado.
Fonte: http://farolpolitico.blogspot.com/2007/09/
espritodo-povo-volksgeist.html
Dentro desse processo renovador, a criança é descoberta como um ser que precisava de cuidados específicos para sua formação humanística, cívica, espiritual, ética e intelectual. E os novos conceitos de Vida,
Educação e Cultura abrem caminho para os novos e
ainda tateantes procedimentos na área pedagógica e
na literária. Pode-se dizer que é nesse momento que
a criança entra como um valor a ser levado em consideração no processo social e no contexto humano
(COELHO, 1991, p.139).
Escritores como Charles Perrault, na França; os irmãos
Grimm, na Alemanha;
Andersen, na Dinamarca;
e Callodi, na
Itália; não hesitaram em voltar às raízes folclóricas medievais, na
linha de ação presa ao ideal da construção dos estados-nação, com
suas comunidades imaginadas. O idealismo romântico, então, acabou
por criar o mito da infância, esta vista como a idade de ouro do
ser humano, e, ao mesmo tempo, a adolescência (COELHO, 1991).
E a volta ao passado significou a pedra de toque necessária para
que a burguesia se impusesse; então, nada melhor do que a busca
em tempos imemoriais de suas narrativas e de suas manifestações
populares, como acontece com as produções dos primeiros escritores
voltados ao público infantil:
Charles Perrault, no século 17, [na França] e os irmãos Grimm, no início do século 19, [na Alemanha]
se apropriam dos contos de fadas. Estes relatos
fundam-se preferencialmente numa ação de procedência mágica, resultante da presença de um auxiliar com propriedades extraordinárias que se põe a
serviço do herói: uma fada, um duende, um animal
encantado (ZILBERMAN; MAGALHÃES, 1984, p.15).
É o que ocorre, por exemplo, em O Gato de Botas, de Charles
Perrault, que traz em seu enredo o pragmatismo esperado para a
nova sociedade. Como afirma Nelly Novaes Coelho, em Literatura
Infantil: teoria, análise, didática (2000):
Em épocas de consolidação, quando determinado
sistema se impõe, a intencionalidade pedagógica domina praticamente sem controvérsias, pois o importante para a criação no momento é transmitir valores
para serem incorporados como verdades pelas novas
gerações (2000, p.47).
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Módulo 5 I
Volume 1
EAD
O conto O Gato de Botas reflete toda a necessidade de
impor um modelo de homem empreendedor, que soubesse
superar qualquer dificuldade. A narrativa gira em torno da
divisão de uma herança: tendo o pai falecido, deixou para
seus três filhos, os seguintes bens - um moinho, para o mais
novo. O que fazer com um gato? Logo, o gato colocou-se
disposto a ajudar o seu dono:
De hoje em diante meu destino
Figura 2.1. Edição de wallpaper
“Shrek”. Gato de Botas
É ao meu dono servir.
Hei de cobri-lo de ouro!
Basta de me divertir!
Com este saco de pano
Vou para o bosque distante.
Um cérebro que trabalha
Faz fortuna num instante.
(Fábulas Encantadas)
A partir daí, fez de tudo para promover o rapaz e, após mil
peripécias, acaba por aproximá-lo do rei e de sua filha, com quem se
casa e vivem felizes para sempre. O que está subjacente a esse conto é a
valorização da iniciativa, típica dos valores burgueses então em ascensão.
Não interessa sua origem, ou classe social, na qual você nasceu, basta o
talento, “Um cérebro que trabalha” que “Faz fortuna num instante”. É o
self-made men do sistema liberal, capitalista, pois, a princípio, “todos são
iguais perante a Lei”.
3 A LITERATURA INFANTIL E SUA FUNÇÃO PROPEDÊUTICA
A questão da literatura infanto-juvenil passa, necessariamente,
por aquilo que se atribui como literário e como não-literário de acordo
com a tradição ocidental, no qual estão incluídas as obras tidas como
canônicas, ancoradas em pressupostos que vem desde a Grécia antiga.
Nesse sentido, por um lado, essa literatura reedita a velha fórmula, que
vem de Platão do Docere cum delectare (= ensinar deleitando). Entretanto,
desde o seu início, padeceu de uma espécie de menos valia; talvez não
tanto por seu vínculo aos valores correntes, mas por sua origem, isto é, os
contos populares apresentavam domesticidade e função propedêutica,
em que a figura da mãe era chamada como a primeira preceptora do filho
UESC
Pedagogia
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Unidade
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velho; um burro, para o do meio; e um gato, para o mais
Literatura Infanto-Juvenil | A questão do Cânone e a Literatura Infanto-juvenil
Propedêutica:
adj. 1. Que serve de
introdução;
preliminar.
da burguesia e depois a escola assumia esse papel. Tal paradoxo,
entre o ideário do Liberalismo e a promoção dos direitos da mulher,
colocou-se de pronto, mesmo que o símbolo da Revolução tenha sido
a Marianne, eternizada em suas vestes desnudas por Delacroix.
SAIBA MAIS
O conceito de cânone literário esteve presente desde os gregos, como algo a
ser seguido pelos escritores.
Canônicas: relativo ao cânone; termo derivado da palavra grega “kanon”, que
designava uma espécie de vara com funções de instrumento de medida; mais
tarde, o seu significado evoluiu para o de padrão ou modelo a ser aplicado
como norma. É, no século IV, que encontramos a primeira utilização generalizada de cânone: trata-se da lista de Livros Sagrados, que a Igreja cristã
homologou como transmitindo a palavra de Deus, logo representando a verdade e a lei que devia alicerçar a fé e reger o comportamento da comunidade
de crentes. Após a rejeição de certos livros, denominados apócrifos, o cânone
bíblico tornou-se fechado, inalterável, distinguindo-se nesse aspecto do outro
referente do cânone teológico, o conjunto de Santos Padres a que a Igreja
Católica periodicamente acrescenta novos indivíduos, através de um processo
chamado canonização. Importante para a história posterior do conceito é, pois,
a ideia de que canônica é uma seleção (materializada numa lista) de textos e/
ou indivíduos adotados como lei por uma comunidade e que lhe permitem a
produção e reprodução de valores (normalmente ditos universais) e a imposição de critérios de medida que lhe possibilitem, num movimento de inclusão/
exclusão, distinguir o legítimo do marginal, do heterodoxo, do herético ou do
proibido. Neste sentido, torna-se claro que um cânone veicula o discurso normativo e dominante num determinado contexto, teológico ou outro, e é isso
que subjaz a expressões como “o cânone aristotélico”, “cânones da crítica” etc.
Acompanhando o processo de secularização da cultura em marcha desde o
Renascimento, o conceito e o termo vieram progressivamente a ser aplicados
ao domínio da literatura, muitas vezes, sob a forma de expressões como “os
clássicos” ou “as obras-primas”. O cânone literário é, assim, o corpo de obras
(e seus autores) social e institucionalmente consideradas “grandes”, “geniais”,
perenes, comunicando valores humanos essenciais, por isso, dignas de serem
estudadas e transmitidas de geração em geração. Tal definição é válida, quer
se trate de um cânone nacional, presumindo-se que o povo se reconhece nas
suas características específicas, quer se trate do cânone universal, o que significa de fato, dada à própria origem histórica da categoria literatura, um cânone
eurocêntrico ou, quanto muito, ocidental.
Fonte: http://www.fcsh.unl.pt/invest/edtl/verbetes/C/canone.htm
O quadro, constante da Figura 2.2, retrata os representantes
da sociedade francesa da época e a Liberdade, encerrada em uma
mulher, seria uma espécie de síntese de todas as classes sociais.
O conto A Dama e o Leão, dos irmãos Grimm encerra as normas
comportamentais a serem seguidas pelos gêneros, com destaque
para valores como contenção, recato e incentivo à superação, e os
dotes a serem preservados pela mulher: beleza, modéstia, pureza.
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Módulo 5 I
Volume 1
EAD
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Unidade
Figura 2.2. Delacroix La Libertè guidant le peuple.1830.
Fonte: <http://fr.wikipedia.org/wiki/La_Libert%C3%A9_guidant_le_peuple>.
A narrativa apela sobremodo para o fantástico como solução para
os problemas existenciais enfrentados pelos personagens. Assim,
a menina pobre casa com o Príncipe, que se transveste de vários
bichos, como leão:
Ora, o leão era um príncipe encantado, que durante
o dia era leão. Todo o seu séquito também se constituía de leões. À noite, porém, reassumia a forma
humana (s/d, p.81).
Entre outros animais, está a pomba:
Mas o leão disse que seria perigoso demais, pois se
um raio de luz tocasse nele o transformaria em pomba, e ele teria de voar durante sete anos.
[...]
- Durante sete anos devo voar pelo mundo – disselhe a pomba.- A cada sete passos deixarei cair uma
gota de sangue e uma pena branca, para te mostrar
o caminho. Tu me seguirás e me libertarás.
Dizendo isso, a pomba voou e saiu pela porta. Ela
seguiu-a e a cada sete passos a ave deixava cair uma
gota de sangue e uma pequena pena branca, a fim
de mostrar o caminho (s/d, p.82).
Em certo momento, deixaram cair a pena branca e a gota
de sangue, com a pomba desaparecida. Para resgatá-la, a princesa
correu mundo. Foi ao sol, à lua, ao vento da noite, ao vento leste e ao
oeste. Aí o vento sul disse:
UESC
Pedagogia
33
Literatura Infanto-Juvenil | A questão do Cânone e a Literatura Infanto-juvenil
- Vi uma pomba branca. Voou para o mar Vermelho, onde se tornou de novo um leão, pois que os
sete anos se passaram. E o leão está sempre lutando
com um dragão que é uma princesa encantada (s/d,
p.83).
E o vento deu-lhe mais conselhos, mas, infelizmente, quando
o dragão e a pomba tomaram a forma humana,
... a princesa que tinha sido dragão se viu livre do
encanto, tomou o príncipe nos braços, sentou-se nas
costas do grifo e levou-o embora. E a pobre viajante, mais uma vez abandonada, sentou-se e pôs-se a
chorar (s/d, p.84).
No entanto, logo tomou uma resolução: “Para onde o vento
soprar eu irei, e enquanto o galo cantar eu procurarei e hei de achálo” (p.84). E o vento levou-a a muitos lugares até chegar ao castelo
aonde o príncipe e a princesa iam se casar. Lá, solicitou um encontro
com o noivo e, enquanto esse dormia, falou ao seu ouvido: - Durante
sete anos te segui. Estive com o sol, com a lua, com os quatro ventos,
à tua procura. Ajudei-te a vencer o dragão, e agora me esquecerás?
(s/d, p.85).
O príncipe, de início, nada entendeu e perguntou ao camareiro
que sons tinham sido aqueles, que ouvira durante a noite, ao que
esse respondeu que lhe fora administrada uma droga sonífera, devido
à presença de uma pobre moça. Então, o príncipe ordenou que
permitisse a entrada novamente da moça em seus aposentos e que
gostaria de tomar mais uma vez os comprimidos para dormir. Nesse
tempo, ao começar a relatar sua história, o príncipe reconheceu a voz
de sua querida esposa e falou:
- Agora estou realmente livre, pela primeira vez.
Tudo foi como um sonho, pois a princesa estrangeira
lançou-me um encanto pelo qual esqueci de ti. Mas o
céu, numa hora feliz, afastou de mim aquela cegueira (s/d, p.86).
E foram felizes para sempre...
Badinter assinala a condição a que foram relegadas as
mulheres:
Sem dúvida, as mulheres foram as ‘deixadas-porconta’ da Revolução. No momento em que o ideal re-
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Módulo 5 I
Volume 1
EAD
Unidade
2
volucionário colocava a igualdade formal abaixo das
diferenças naturais, ao sexo resta o último critério
de distinção. Os Judeus foram emancipados pelo decreto de 27 de setembro de 1791, a escravidão dos
negros abolida (nas colônias francesas) em 4 de fevereiro de 1794, mas, apesar dos esforços de alguns,
a condição das mulheres não foi modificada. Os direitos do Homem, direitos naturais ligados à pessoa
humana não as reconhece.
O Código Civil de Napoleão (1804) manteve a desigualdade dos sexos [...]. Aos homens, os direitos;
às mulheres, os deveres. O imperador interveio pessoalmente para restabelecer em sua plenitude a autoridade do marido, ligeiramente abalada no fim do
século XVIII. Insistiu para que, no dia do casamento,
a mulher reconhecesse claramente que devia obediência ao marido (BADINTER, 1986, p. 212-14).
Sinalizam-se, assim, previamente, a ocupação dos lugares, em
que a polis, da sociedade administrada, continuava sendo a seara do
masculino, enquanto às mulheres ficava reservado, em uma espécie
de não-lugar, o foyer, o emparedamento do restrito. Como afirma
Almeida:
A ideologia burguesa intentou mantê-las confinadas no espaço
doméstico, e essa domesticidade era desejada e mantida a todo custo.
Positivistas e higienistas foram determinantes para conseguir alicerçar
a concepção da mulher-mãe, guardiã dos lares, mãe extremosa,
tudo o mais que se seguiu ideologicamente foi preservar o culto ao
feminino e manter a mulher intocada dos efeitos nocivos da vida
terrena, em um espaço próprio, no qual dominavam os sentimentos,
a espiritualidade e a superioridade do coração sobre a razão, o que
significava o cerne de sua existência (ALMEIDA, 2007).
Enquanto a mulher ocupava o espaço da invisibilidade,
“mulher-mãe, guardiã dos lares, mãe extremosa”, deixava o espaço
público livre para que o homem transitasse. Então, a literatura
infanto-juvenil surge nessa dimensão de dependência aos valores do
estado burguês, mas, a partir de uma não-cidadã, mas importante
no arranjo dos interesses postos, sobre uma criança. Ambos, mãe e
filho, são considerados infantis, vistos como menores, por isso, sem
voz, uma vez que infantil é aquele, que não é sujeito de sua própria
enunciação. O incentivo ao hábito de leitura ocorre paralelamente
para a mulher e para a criança, como símbolo de civilidade urbana:
[A] leitura, enquanto prática difundida em diferentes camadas sociais e faixas etárias, isto é, enquanto
um procedimento de obtenção de informações [do]
cotidiano e acessível a todos, e não raro erudito, é
UESC
Pedagogia
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Literatura Infanto-Juvenil | A questão do Cânone e a Literatura Infanto-juvenil
uma conquista da sociedade burguesa do século 18.
A expansão do mercado editorial, a ascensão do jornal como meio de comunicação, a ampliação da rede
escolar, o crescimento das camadas alfabetizadas –
todos estes são fenômenos que se passam entre o
Iluminismo, sendo esta filosofia a sistematização e
culminância do processo civilizatório. O ler transformou-se em instrumento de ilustração e sinal de civilidade (ZILBERMAN; MAGALHÃES, 1984, p.21).
A novela em verso Grisélidis, de Charles
Perrault, trata-se de uma fábula, no sentido de algo
fantasioso, do folclore francês, em que tece elogios
aos atributos femininos como a fidelidade, a paciência
e a submissão ao homem, bem nos moldes esperados
para esse gênero. Grisélidis não tem voz e o príncipe,
Figura 2.3 - La Lecture (1869-1870), de Berthe Morisot.
Fonte: <http://fr.wikipedia.org/wiki/Fichier:Berthe_Morisot_006.jpg>.
ao procurar a sua pretendente, valorizava a submissão
feminina ao esposo. É o que ele afirma:
Seus caminhos são tais, com tantas variantes,
Que uma só coisa eu encontrarei
Em que estão todas concordantes,
É em querer ditar a lei.
Ora, estou convencido, em nenhum casamento
Se pode ter felicidade
Quando os dois têm autoridade;
Se pois quereis que a ele dê consentimento,
Buscai-se jovem muito bela
Livre de orgulho e de vaidade,
De total obediência total,
De uma paciência sem igual,
E que não possua vontade;
Quando a encontrardes, casarei com ela.
(PERRAULT, 2007, p.22)
Apesar de toda a maldade do príncipe, que, por ciúme, lhe
rouba a filha e quase vem a se casar com ela, Grisélidis, a pobre
pastorinha, comporta-se com resignação:
Sois vós o meu Esposo, e meu Mestre, e Senhor,
(Diz ela suspirando e quase a esvaecer),
E, embora seja horrendo o que estejais a dizer,
Quero fazer-vos sabedor
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Módulo 5 I
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EAD
De que o que eu mais prezo é vos obedecer.
(PERRAULT, 2007, p. 40)
Assim o príncipe chega a conceder a glória a Grisélidis,
2
reconhecendo-a como virtuosa, não por ela, mas por intermédio dele:
Maior será minha solicitude
Unidade
Em prevenir os seus desejos
De que já foi a minha inquietude
Em oprimi-la de atos malfazejos;
E se por todo o sempre há de estar a memória
Dos desgostos que o seu coração tem sopeado,
Quero que ainda mais celebrem essa glória
Com que a virtude imensa eu lhe terei coroado.
(PERRAULT, 2007, p. 46)
Tais atitudes são endossadas porque dos homens eram
esperados vigor, coragem, perseverança, para que se tornassem
vencedores. Por isso,
Com a ascensão da burguesia, mais do que nunca a
mulher passa a ser vista como um complemento do
homem, que deveria ser aperfeiçoado e enobrecido
pela afeição e o puro amor de uma mulher. Dessa
foram ela se transforma em algo especialmente destinado à satisfação masculina (OLIVEIRA, 2004, p.
73).
O filósofo Michel Foucault, crítico da modernidade, questionou
não a relação da verdade com as coisas, mas a forma como os
discursos são instituídos como princípio de verdade na sociedade,
chamando atenção para como os jogos de verdade e exclusão são
engendrados, isto é, organizados socialmente:
Decifrar a história das idéias não é tanto visar um estabelecimento do verdadeiro e sim perceber arranjos
que articulam jogos de verdade e de exclusão, que
estabelecem o tolerado e o intolerável (apud DESCAMPS, 1991, p.40).
Para Foucault, o poder não se encontra em instâncias
fechadas, isto é, em instituições, mas de forma difusa na estrutura
social. Roberto Machado, estudioso da teoria foucaultiana, adverte,
em Ciência e Saber: a trajetória da Arqueologia de Foucault (1981):
PARA CONHECER
Foucault: Michel Foucault (1926-1984) foi professor de História dos Sistemas de Pensamento no
Collège de France de 1970
a 1984. Autor das seguintes obras, nas quais analisa a construção da verdade – os biopoderes e as
disciplinas - para o Ocidente: História da loucura (1961), As palavras e
as coisas, uma arqueologia das ciências humanas
(1966),
A Arqueologia
do saber (1969), Vigiar
e punir (1975) e História
da sexualidade (1976).
Fonte:
HUISMAN, 2000,
p.16,
p. 270, p. 271, p.422, p. 568.
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Pedagogia
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Literatura Infanto-Juvenil | A questão do Cânone e a Literatura Infanto-juvenil
O Estado não é o ponto de partida necessário, o foco
absoluto que estaria na origem de todo tipo de poder social e de que também se deveria partir para
explicar a constituição dos saberes nas sociedades
capitalistas (MACHADO, 1981, p.190).
Alerta-nos, entretanto, que o poder do Estado instituído em
uma sociedade também exerce sua coerção, sobre os cidadãos, entre
outras microfísicas, isto é, aquilo que não é percebido, mas que coage
para a manutenção de uma verdade. Então, as regras de sujeição
disciplinar vão determinar as fronteiras do permitido e do não
permitido, porque se embasam em pares que se opõem: alto/baixo,
claro/escuro, natureza/cultura, homem/mulher, centro/periferia. Em
Vigiar e punir, Foucault vai nos dizer que as disciplinas atravessam o
corpo social e a realidade mais concreta do ser humano – o próprio
corpo – como uma rede, sem que suas fronteiras sejam delimitadas,
através de:
“Métodos que permitem o controle minucioso das
operações do corpo, que asseguram a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de
docilidade-utilidade” (FOUCAULT, 1977, p.139).
Logo, os estados-nação impõem uma norma comportamental
a ser vigiada e punida, em nome da ordem a ser mantida, tanto no
espaço doméstico quanto no público. Os primeiros textos voltados
para as crianças estiveram atrelados ao estado-nação e, portanto,
à pedagogia, pois: “O aspecto meramente lúdico de um texto não
justificava a publicação, apenas o critério de utilidade educativa
legitimava a difusão de histórias infantis” (ZILBERMAN, 1984, p.41).
A obra infantil, desse modo, assume o compromisso de
transmitir as regras, através do sonho, de que a criança necessitava
para transitar, de forma ajustada, na sociedade. Nesse sentido, a
fatura estética voltada para a petizada acaba por se encerrar em
duas chaves, uma voltada para a manutenção da ordem dominante, o
docere platônico; outra que enseja a ousadia, o delectare, devido ao
”mundo do faz de conta”, entretanto, pleno de verossimilhança, isto
é, à luz de Aristóteles em Arte Retórica e Arte Poética (1964), aquilo
que tem a aparência da verdade, no literário. Como afirma Coelho:
Os que são impelidos mais fortemente pelas forças
da renovação exigem que a literatura seja apenas
entretenimento, jogo descompromissado (pois é justamente a atividade lúdica que tem por função desarticular estruturas estáticas, já cristalizadas com o
tempo) (COELHO, 2000, p.47).
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Módulo 5 I
Volume 1
EAD
Assim, o lúdico, puro jogo, descola o texto infantil do
pragmatismo ético-social, levando o leitor mirim à aventura espiritual,
2
à fruição estética.
Unidade
ATIVIDADES
ATIVIDADES
1. Comente a intenção de Charles Perrault, acerca de seus escritos,
a partir da seguinte citação de Contes du temps passé, avec
des moralités, publicado em 1697:
“... Houve pessoas que perceberam que essas bagatelas não
são simples bagatelas, mas que guardam uma moral útil e que
a narração que as conduz não foi escolhida senão para fazer
entrar (tal moral) de uma maneira mais agradável no espírito,
e de uma maneira que instrui e diverte ao mesmo tempo. Isso
me basta para não temer o ser acusado de me divertir com
coisas frívolas. Mas como há pessoas que não se deixam tocar
senão pela autoridade dos antigos...”
2. Leia o conto Os dois Irmãos, dos irmãos Grimm, e, a partir
dos fragmentos destacados a seguir, identifique o princípio
pedagógico que encerra o conteúdo da narrativa:
a) “Era uma vez dois irmãos, um rico e outro pobre. O rico era
ourives, e malvado até não poder mais. O pobre ganhava a
vida fabricando vassouras, e era bom e honesto” (GRIMM,
2002, p.25).
b) “Acontece que o ourives era esperto e sabia uma porção
de coisas. Sabia que tipo de pássaro era aquele” (GRIMM,
2002, p.27).
c) “Fique sabendo que esse pássaro não era como os outros.
Tinha uma coisa maravilhosa: quem comesse o coração e o
fígado dele passaria a achar, todas as manhãs, uma moeda
de ouro debaixo do travesseiro” (GRIMM, 2002, p.27).
d) “- Não há nada de mal nisso – disse o caçador - desde que
vocês continuem sendo bons e honestos e não comecem a
ficar preguiçosos” (GRIMM, 2002, p.29).
e) “- Seria muito melhor se quem não tivesse língua fossem
os mentirosos. As línguas de um dragão são a presa do
matador do dragão” (GRIMM, 2002, p.50).
UESC
Pedagogia
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Literatura Infanto-Juvenil | A questão do Cânone e a Literatura Infanto-juvenil
f) “ – A misericórdia é mais importante que o direito. Pode
ficar com sua estalagem. E também vou lhe dar mil moedas
de ouro, de presente” (GRIMM, 2002, p.52).
g) “ Mas o caçador era muito esperto. Arrancou três botões de
prata do paletó e carregou a arma com eles, porque contra
a prata não havia poder mágico” (GRIMM, 2002, p.56).
h) “ Aí ele ficou sabendo como seu irmão lhe tinha sido fiel”
(GRIMM, 2002, p.58).
RESUMINDO
RESUMO
Foram mostrados, nesta Unidade II, a origem do cânone literário e
o modo como a Literatura infantil inseriu-se na tradição ocidental,
vinculada, ainda que a sua manutenção encerre uma certa
desvalorização em relação ao literário, sem adjetivação, talvez por
seu vínculo à sua origem popular, à figura da mãe, sem peso político,
fora do lar, e à criança, em sua dependência ao adulto.
REFERÊNCIAS
Referências
ALMEIDA, J. S. de. Ler as letras: por que educar meninas e
mulheres? São Bernardo do Campo: Universidade Metodista de São
Paulo: Campinas: Autores Associados, 2007.
ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre
a origem e a difusão do nacionalismo. Tradução de Denise Bottman.
São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Tradução de Antônio
Pinto de Carvalho. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1964.
BADINTER, Elisabeth. Um e o outro. Tradução de Carlota Gomes.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
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Módulo 5 I
Volume 1
EAD
COELHO, Nelly Novaes. Panorama Histórico da Literatura/
Juvenil: das origens Indo-Européias ao Brasil Contemporâneo. São
Paulo: Ática, 1991.
2
COELHO, Nelly Novaes. Literatura Infantil: teoria, análise, didática.
Unidade
São Paulo: Moderna, 2000.
CURTIUS, Ernest. Literatura Européia e Idade Média Latina.
Tradução de Teodoro Cabral. Rio de Janeiro: INL,1957.
DESCAMPS, Christian. As Idéias Filosóficas Contemporâneas na
França. Tradução de Arnaldo Marques. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 1991.
FOUCAULT, Michel. Fábulas Encantadas. São Paulo: Abril Cultural,
1970.
FOUCAULT, Michel. A Arqueologia do Saber. Tradução de Luis Felipe
Baeta Neves. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1977.
FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. Tradução de Salma
Tannus Muchail. São. Paulo: Martins Fontes, 1999.
FOUCAULT, Michel. História da loucura. Tradução de José Teixeira
Coelho. São Paulo: Perspectiva, 2003.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Tradução de Lygia M. Pondé
Vassalo. Petrópolis: Vozes, 1977.
GRIMM, Jakob. Contos de Grimm: animais encantados. Apresentação,
Tradução e Adaptação de Ana Maria Machado. Ilustração de Ricardo
Leite. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002.
MACHADO, Roberto. Ciência e Saber: a trajetória da arqueologia de
Michel Foucault. Rio de Janeiro: Graal, 1991.
PLATÃO. A República. Tradução de Jair Lot Vieira. São Paulo:
EDIPRO,1994.
ZILBERMAN, Regina; MAGALHÃES, Lígia Cademartori. Literatura
infantil: autoritarismo e emancipação. São Paulo; Ática, 1984.
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Suas anotações
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UNIDADE III
3
LITERATURA INFANTO-JUVENIL
E O LUDOS
Unidade
OBJETIVO
Compreender como o texto infantil pode despertar o prazer
estético, distanciando-se, assim, de um conteúdo pedagógico
de ensinamento.
1 INTRODUÇÃO
Nesta unidade, vamos apresentar a você uma visão mais
lúdica do texto da literatura infantil e como esse é capaz de despertar
o prazer estético em seu leitor.
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Pedagogia
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Literatura Infanto-Juvenil | Literatura Intanfo-juvenil e o Ludos
2 DE ARISTÓTELES AO LUDOS
Se voltarmos aos conceitos aristotélicos, podemos dimensionar
a literatura infanto-juvenil além da ênfase conteudística, isto é, que
destaca o conteúdo inserido na obra, na linha da tradição platônica.
Aristóteles, discípulo de Platão, distancia-se do mestre em suas
colocações acerca do artístico. para ele, a literatura é verdadeira e
séria, por princípio, uma vez que o poeta se ocupa do que poderia ter
acontecido, segundo a verossimilhança ou a necessidade, e não com
o que aconteceu, como o faz o historiador.
PARA CONHECER
Aristóteles: nasceu em Estagira, na península macedônica da Calcídica (por
isso é também chamado de o Estagirita). Era filho de Nicômaco, amigo e médico pessoal do rei Amintas 2o, pai de Filipe e avô de Alexandre, o Grande. Aristóteles mudou-se para Atenas, então o centro intelectual e artístico da Grécia, e
estudou na Academia de Platão até a morte do mestre, no ano 347 a.C. Depois
disso, passou algum tempo em Assos, no litoral da Ásia Menor (atual Turquia),
onde se casou com Pítias, a sobrinha do tirano local. Sendo este assassinado,
o filósofo fugiu para Mitilene, na ilha de Lesbos. Foi depois convidado para a
Corte da Macedônia onde, durante três anos, exerceu o cargo de tutor de Alexandre, mais tarde “o Grande”. Em 355 a.C., voltou a Atenas e fundou uma
escola próxima ao templo de Apolo Lício, de onde recebeu seu nome: Liceu.
O caminho coberto (“peripatos”) por onde costumava caminhar enquanto ensinava deu à escola outro nome: Peripatética. A escola se tornaria a rival e,
ao mesmo tempo, a verdadeira herdeira da Academia platônica. Aristóteles
é considerado um dos mais fecundos pensadores de todos os tempos. Suas
investigações filosóficas deram origem a diversas áreas do conhecimento. Entre outras, podem-se citar a biologia, a zoologia, a física, a história natural, a
poética, a psicologia, sem falar em disciplinas propriamente filosóficas como
a ética, a teoria política, a estética e a metafísica. As obras de Aristóteles que
sobreviveram ao tempo foram obtidas a partir de anotações do próprio autor
para suas aulas, de textos didáticos, de anotações dos discípulos, ou ainda de
uma mistura de várias fontes. De suas obras, destacam-se Organon, dedicada à lógica formal; Ética a Nicômaco (cujo título indica o tema; Nicômaco era
também o nome de seu filho); Poética e Política.
FONTE: http://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u190.jhtm
No capítulo IX da sua Arte Poética, que nos chegou de forma
incompleta, afirma:
[...] a poesia [isto é, a literatura] é mais filosófica
e de caráter mais elevado que a história, porque a
poesia permanece no universal e a história estuda
apenas o particular (ARISTÓTELES, 1964, p.278).
Aristóteles, então, destaca a autonomia do artístico, na
medida em que o vê como uma unidade, um todo orgânico, em
transcendência com a realidade evocada. Por isso, o conceito de
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Módulo 5 I
Volume 1
EAD
cópia, de mímesis, deve ser entendido semelhante a uma espécie
de recriação não assujeitada aos princípios da racionalidade, uma vez
que essa é capaz de criar um mundo coerente em sua universalidade,
com harmonia e perfeição.
SAIBA MAIS
Unidade
3
MÍMESIS ou MIMESE. do gr. mímesis, “imitação” (imitatio, em latim), designa a ação ou faculdade de imitar; cópia, reprodução ou representação da natureza, o que constitui, na filosofia aristotélica, o fundamento de toda a arte. O
fenômeno não é um exclusivo do processo artístico, pois toda atividade humana inclui procedimentos miméticos como a dança, a aprendizagem de línguas,
os rituais religiosos, a prática desportiva, o domínio das novas tecnologias,
etc. Por esta razão, Aristóteles defendia que era a mímesis que nos distinguia
dos animais. Os conceitos de mímesis e poeisis são nucleares na filosofia de
Platão, [ainda que Platão não tenha usado esses termos], na Arte Poética de
Aristóteles e no pensamento teórico posterior sobre estética, referindo-se à
criação da obra de arte e à forma como essa reproduz objetos pré-existentes.
O primeiro termo aplica-se a artes tão autônomas e ao mesmo tempo tão
próximas entre si, como a poesia, a música e a dança, nas quais o artista se
destaca pela forma como consegue imitar a realidade. A mímesis pode indiciar
a imitação do movimento dos animais ou o seu som, a imitação retórica de uma
personagem conhecida, a imitação do simbolismo de um ícone ou a imitação de
um ato musical. Esses exemplos podemos colher facilmente na literatura grega
clássica. As posições iniciais de Platão, em A República, para quem a imitação
é, sobretudo, produção de imagens e resultado de pura inspiração e entusiasmo do artista perante a natureza das coisas aparentemente reais (o que se
vê em particular na comédia e na tragédia), e de Aristóteles, na Arte Poética,
para quem o poeta é um imitador do real por excelência, mas seu intérprete,
função que compete ao cientista, foram largamente discutidas até hoje. Em
particular, a questão da poesia ainda permanece em aberto: seguimos com
Platão se aceitarmos que a imitação fica no nível da lexis, ou seguimos com
Aristóteles, se aceitarmos que todo o mundo representado ou logos está em
causa e que não resta ao artista outra coisa que não seja descrever o mundo
das coisas possíveis de acontecer, coisas a que chamamos verossimilhanças e
não propriamente representações diretas do real? Os tratadistas latinos, como
Horácio, defenderão o princípio aristotélico, reclamando que a pintura como a
poesia (ut pictura poesis), por exemplo, são artes de imitação. O filósofo Jacques Derrida propõe uma reflexão mais radical sobre o conceito de mímesis: o
real é, em síntese, uma replicação do que já está descrito, recontado, expresso
na própria linguagem. Falar nesse caso de imitação do mundo é aceitar que
repetimos apenas uma visão apreendida na linguagem. A semiótica contemporânea substituiu o conceito de imitação pelo conceito de iconicidade nos
estudos literários. Fonte: http://www.fcsh.unl.pt/invest/edtl/verbetes/M/mimesis.htm
A obra tem o compromisso de transmitir as regras, entretanto,
plena de verossimilhança, isto é, à luz de Aristóteles (1964), aquilo
que tem a aparência da verdade, “mundo do faz de conta”, no literário,
de que a criança necessita para transitar, de forma, ajustada, na
sociedade. Nas palavras de Nelly Novaes Coelho; aliás já citada na
aula anterior:
UESC
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Literatura Infanto-Juvenil | Literatura Intanfo-juvenil e o Ludos
Os que são impelidos mais fortemente pelas forças
da renovação exigem que a literatura seja apenas
entretenimento, jogo descompromissado (pois é justamente a atividade lúdica que tem por função desarticular estruturas estáticas, já cristalizadas com o
tempo) (COELHO, 2000, p.47).
Assim, o lúdico, puro jogo, descola o texto infantil do
pragmatismo ético-social, levando o leitor mirim à aventura espiritual,
à fruição estética. E o didatismo das produções voltadas às crianças
começa a ser refutado na metade do século XIX, em nome do lúdico,
“em obras como Alice no país das maravilhas, de
Lewis Carroll, [como As Aventuras de Pinóquio, de
Carlo Collodi, A ilha do tesouro, de Robert L. Stevenson e as histórias de Mark Twain: As aventuras
de Tom Sawyer e As aventuras de Huckleberry Finn”
(ZILBERMAN, 1984, p.41).
PARA CONHECER
Lewis Carroll: nasceu em Daresbury, Cheshire, 1832,
e faleceu em Guildford, Surrey, 1898. Escritor e matemático britânico. Homem de caráter tímido adota esse
pseudônimo para as suas obras literárias, o seu verdadeiro nome (Charles Lutwidge Dodgson) utiliza-o para as
obras científicas. De formação universitária, é professor
de matemática em Oxford e estudioso da lógica matemática. Escreve diversos relatos de falsa aparência infantil,
cuja matéria narrativa está, ilusoriamente, próxima do
absurdo. Amador entusiasta da fotografia elabora vários
álbuns de retratos de meninas; e para uma delas, Alice
Liddell, escreve a sua obra mais famosa, Aventuras de
Figura 3.1 - Lewis Caroll. Fonte:
Alice no País das Maravilhas (1845), conto de surpreen<http://pt.wikipedia.org/wiki/
dente originalidade. Outras obras do mesmo gênero são
Ficheiro:LewisCarrollSelfPhoto.
jpg>.
Through the Looking-Glass and What Alice Found There
(continuação da anterior, cujo grande êxito compartilha),
Sylvie and Bruno (carregada de um sentimentalismo moralizante) e The Hunting of the Snark. Esta última, que parece uma estranha poesia sem sentido,
esconde possibilidades de interpretação simbólica que fascinam a crítica moderna. Carroll serve-se da capacidade infantil para observar a realidade com
total ingenuidade, capacidade que utiliza para evidenciar os aspectos absurdos
e incoerentes do comportamento dos adultos e para animar jogos encantadores baseados nas regras da lógica.
Fonte: http://www.vidaslusofonas.pt/lewis_carroll.htm
Carlo Collodi: Carlo Lorenzini nasceu em Florença em
24 de novembro de 1826, numa família modesta. Completados os estudos no seminário, colaborou em numerosos jornais, escreveu romances e peças de teatro. Começou a dedicar-se à literatura para a infância em 1875;
adotou, entretanto o pseudônimo de Collodi, nome da
terra natal de sua mãe. A sua obra-prima, As Aventuras
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Volume 1
Figura 3.2 - Carlo Collodi. Fonte:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/
Carlo_Collodi>.
EAD
de Pinóquio, foi inicialmente publicada em episódios no Giornale per i Bambini,
surgindo em livro em 1883. Carlo Collodi morreu em Florença em 26 de outubro
de 1890.
Fonte: <http://html.editorial-caminho.pt/show_autor__q1area_--_3Dcatalogo__--_3D_obj_--_3D319
19__q236__q30__q41__q5.htm>.
Unidade
3
Robert L. Stevenson: (13 de novembro de 1850, Edimburgo – 3 de dezembro de 1894, Apia, Samoa), foi um
novelista, poeta e escritor de roteiros de viagem. Escreveu clássicos como A Ilha do Tesouro, O Médico e o Monstro e As Aventuras de David Balfour também traduzido
como Raptado. Nascido em Edimburgo, capital da Escócia,
Stevenson era filho de um engenheiro e de uma pastora
puritana. Tanto o pai como a mãe carregavam uma tradição familiar em seus ofícios e isso determinou em muitos
aspectos a vida do autor. Filho de engenheiro, ele acaba
Figura 3.3 Robert L. Stevenson.
entrando, em 1866, na faculdade de engenharia de EdimFonte: <http://pt.wikipedia.org/
burgo. Lá, estuda e escreve durante 1871 e 1872 para
wiki/Robert_Louis_Stevenson>.
o jornal universitário, o Edimburgh University Magazine,
revelando seu gosto e talento para a literatura. No ano
de 1873, após concluir a faculdade, Robert muda-se para a cidade de Londres,
Inglaterra, pois sentia-se deslocado no ambiente familiar, marcado por um clima
coercitivo e pela inexorável moral e religiosidade puritanas. Em sua curta estadia
na cidade, passa a frequentar os salões literários para, algum tempo depois, partir
por uma longa viagem pela Europa continental. O ano de 1876 é importante em
sua vida particular, pois nesse ano conhece uma mulher norte-americana, Fanny
Ousborne, com a qual se iria casar, em 1880, em São Francisco, Estados Unidos.
Volta à Inglaterra e traz consigo a esposa e um enteado, chamado Lloyd. No ano
seguinte, é internado na cidade de Davos, Suíça, para tratar sua tuberculose, que
há anos o vinha acompanhando. A carreira de engenheiro, jamais exercida, é preterida pela de escritor, que, a partir de 1882, é marcada por uma acentuada proficuidade. Conhece a notoriedade artística ao escrever, em 1886 The Strange case
of Dr.Jekyll and Mr.Hyde, um de seus maiores sucessos literários. Com a morte do
pai, em 1887, Stevenson retorna aos Estados Unidos, onde volta a tratar de sua
tuberculose. No ano seguinte, aventura-se num veleiro em diversos arquipélagos
do Pacífico-Sul, junto com a esposa e o enteado. Apaixonado pela paisagem paradisíaca se estabelece definitivamente nas Ilhas Samoa, em 1889. Morre, prematuramente, em 3 de dezembro de 1894, vítima de um ataque cardíaco.
Fonte: <http://cinema.sapo.pt/pessoa/robert-louis-stevenson/biografia>.
Mark Twain: Samuel Langhorn Clemens, mais conhecido
como Mark Twain, foi um escritor estadunidense que nasceu na Florida, no dia 30 de novembro de 1835, e se criou
às margens do rio Mississipi. Twain foi um aventureiro
incansável, que encontrou em sua própria vida a inspiração necessária para sua obra literária. Aos doze anos, seu
pai morreu, então, Mark largou os estudos e começou a
trabalhar como aprendiz de topógrafo numa editora, onde
começou a escrever seus primeiros artigos jornalísticos.
Aos dezoito anos, saiu de casa para correr atrás de aventuras e fortuna. Trabalhou como tipógrafo, como aprendiz
de piloto de uma embarcação movida a vapor, até que
Figura 3.4 - Mark Twain. Fonte: <
a Guerra da Secessão (1861) interrompeu sua carreira de
http://pt.wikipedia.org/wiki/Mark_
piloto. Em seguida, partiu para o oeste, em direção às
Twain >.
montanhas de Nevada, onde trabalhou em campos de mineração. Seu desejo de enriquecer o levou a procurar ouro, sem muitos resultados, fato que o obrigou a trabalhar como jornalista. Seu primeiro êxito literário
aconteceu, em 1865, com um conto de curta duração, chamado A Célebre Rã Saltadora do Condado de Calaveras, que apareceu num periódico já assinado como
Mark Twain. Como jornalista, viajou a São Francisco, onde conheceu o escritor
UESC
Pedagogia
47
Literatura Infanto-Juvenil | Literatura Intanfo-juvenil e o Ludos
Bret Harte, que o incentivou a prosseguir na carreira literária. Foi à Polinésia e à
Europa, cujas experiências foram relatadas no livro Os inocentes no Estrangeiro
(1869). Depois de se casar, em 1870, com Olivia Langdon, estabeleceu-se em
Connecticut. Seis anos depois, publicou a primeira novela que lhe daria fama: As
aventuras de Huckleberry Finn (1882), obra também ambientada nas margens do
rio Mississipi, mas não tão autobiográfica como Tom Sawyer, sua obra prima e
uma das mais destacadas da literatura estadunidense. É preciso destacar também
Vida no Mississipi (1883) que, além de uma novela, é uma esplêndida evocação
do sul, não isenta de crítica, consequência do seu trabalho como piloto. Com um
estilo popular e cheio de humor, Twain contrapõe estas obras ao mundo idealizado
da infância, inocente e ao mesmo tempo astuta, com uma concepção desencantada do homem adulto, do homem da era industrial, da era dourada, enganado pela
moralidade e pela civilização. Contudo, nas obras que se seguiram, o sentido de
humor e a ternura do mundo infantil dão lugar a um pessimismo e amargura cada
vez mais evidentes, expressados com ironia e sarcasmo. Uma série de desgraças
pessoais, como o falecimento de sua esposa e de uma de suas filhas, bem como
falta de dinheiro, escureceram seus últimos anos de vida. Depois de publicar mais
de 35 livros, Mark Twain faleceu, em Redding, no dia 21 de abril de 1910.
Fonte: <http://www.infoescola.com/biografias/mark-twain/>.
Alice no país das maravilhas narra o sonho de Alice, em que ela
cresce e diminui várias vezes, transitando por mundos nunca vistos:
Alice estava começando a se cansar de ficar ali sentada
no barranco ao lado da irmã, sem nada para fazer. [...]
Porém, quando o Coelho realmente tirou um relógio do
bolso do colete, olhou as horas e seguiu caminho apressado, Alice ergue-se de um pulo, ardendo de curiosidade. Ela saiu correndo atrás dele pelo campo afora,
alcançando-o bem a tempo de vê-lo pular para dentro
de uma grande toca embaixo da sebe (2002, p.11).
A partir daí, Alice percorre: 2. A lagoa de lágrimas; 3. Uma corrida
política e uma história de cabo a rabo; 4. O Coelho envia um pequeno
emissário; 5. Conselhos de um Bicho-da-Seda; 6. Porco e pimenta; 7.
Um chá muito louco; 8. O campo de croquê da Rainha; 9. A história da
Tartaruga de Imitação; 10. A Quadrilha das Lagostas; 11. Quem roubou
as tortas? E, finalmente, 12. O depoimento de Alice; quando ela acorda
com a cabeça no colo da irmã:
- Este foi, certamente, um sonho curioso, querida disse a irmã. - Mas já está ficando tarde. - Assim, Alice
levantou e saiu correndo. [...]
A grama alta farfalhou aos seus pés quando o Coelho
Branco passou correndo. Ela podia ouvir o tilintar das xícaras de chá enquanto a Lebre de Março e seus amigos
compartilhavam sua interminável refeição e, a distância, os soluços da infeliz Tartaruga de Imitação. Assim
ficou sentada, de olhos fechados e meio acreditando,
ela mesma, no País das Maravilhas, embora soubesse
48
Módulo 5 I
Volume 1
EAD
que bastaria abri-los de novo, e a grama estaria farfalhando ao vento (2002, p. 90-91).
Essa narrativa distancia-se da pretensão
tradicional do didatismo, sem fechar-se em
uma intenção calcada na lógica da causa e do
efeito. Traz, através da ambigüidade, o sentido
não fechado da imprevisibilidade. Como, por
exemplo, na sentença lógica, em que Alice
conversa com o Gatinho de Cheshire, isto
é, gato fictício de sorriso largo, originário da
muitos gatos sem sorriso”, pensou Alice, “mas
nunca um sorriso sem gato” (2002, p.51). Isto
é, pode haver gatos que não sorriem, mas
EL-GATO-DE-CHESHIRE-wallpaper/>.
aquele gato, com certeza, sorri.
3 A
CRIANÇA
COMO
Figura 3.5 - Gatinho de Cheshire. Fonte: <http://www.portalwallpaper.net/wallpaper/
PERSONAGEM
NA
LITERATURA
INFANTIL
Ligia Cademaroti Magalhães, em O Que é a Literatura Infantil,
esclarece que o uso de personagens infantis na literatura, voltado a essa
faixa etária, ocorre somente na segunda metade do século XIX, abrindo
espaço para o lúdico, com o aproveitamento do universo da criança:
A ligação entre o outro do narrador – o leitor – e o outro
do leitor – o narrador – consiste num grande desafio de
cuja superação também depende o estatuto literário do
texto infantil. O entrecruzamento dessas duas vozes,
juntamente a outras a que o texto pode dar espaço, não
traria o caos, a dificuldade de compreensão, mas uma
abertura para que muitas vozes se organizem – sufocando o discurso pedagógico persuasivo – e permitindo
unidade na diversidade (CADEMARTORI, 1991, p. 24).
A voz da criança, enquanto leitor, é levada em conta e a necessidade
de impor um modelo comportamental vai sendo relativizado, em
contraponto com a visão do adulto. Nesse raciocínio, vemos também os
poemas de Cecília Meireles e Manuel Bandeira, escritores do modernismo
brasileiro, na linha sucessória dos escritores acima referidos, uma vez
que não se subjugam a nenhum preceito, além do que diz o próprio
texto, por não estarem presos a um referente imediato.
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Pedagogia
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Unidade
3
Cheshire, região da Inglaterra: “Bem, já vi
Literatura Infanto-Juvenil | Literatura Intanfo-juvenil e o Ludos
Colar de Carolina
Com seu colar de coral
Carolina
Corre por entre as colunas
da colina.
O calor de Carolina
colore o colo de cal,
torna corada a menina.
E o sol, vendo aquela cor
do colar de Carolina,
põe coroas de coral
nas colunas da colina.
(Cecília Meireles)
O poema
reproduzido, voltado para o público infantil, da
poetisa brasileira Cecília Meireles, enquadra-se em uma concepção
artística de que o texto vale por si só, não necessitando do contexto
que lhe dá origem. Do mesmo, consta a possibilidade inventiva da
criança diante do mundo e do trato com o código linguístico, muito
próxima das brincadeiras infantis das parlendas e das travalínguas.
SAIBA MAIS
Parlendas: as parlendas são versinhos com temática infantil, recitados em
brincadeiras de crianças. Possuem uma rima fácil e, por isso, são populares
entre as crianças. Muitas parlendas são usadas em jogos para melhorar o relacionamento entre os participantes ou apenas por diversão. Muitas parlendas
são antigas e, algumas delas, foram criadas há décadas. Elas fazem parte do
folclore brasileiro, pois representam uma importante tradição cultural do nosso
povo. Exemplo: Rei, capitão,/ soldado, ladrão./moça bonita/Do meu coração.
Fonte: http://www.suapesquisa.com/folclorebrasileiro/parlendas.htm
Trava-línguas: podemos definir os trava-línguas como frases folclóricas criadas pelo povo com objetivo lúdico (brincadeira). Apresentam-se como um desafio de pronúncia, ou seja, uma pessoa passa uma frase difícil para outro
indivíduo falar. Essas frases tornam-se difíceis, pois possuem muitas sílabas
parecidas (exigem movimentos repetidos da língua) e devem ser faladas rapidamente. Esses trava-línguas já fazem parte do folclore brasileiro, porém estão
mais presentes nas regiões do interior brasileiro. Exemplos: O rato roeu /a
roupa do rei de Roma/. Atrás da pia tem um prato, um pinto e um gato./ Pinga
a pia, para o prato, /pia o pinto e mia o gato/.
Fonte: http://www.suapesquisa.com/folclorebrasileiro/trava_linguas.htm
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Módulo 5 I
Volume 1
EAD
O poema está estruturado em quatro estrofes, com números
variados de versos. A primeira estrofe compõe-se de quatro versos;
a segunda e a terceira estrofes, de três versos e a quarta e última
estrofe, de um verso. No nível fônico, a sonoridade é obtida, em rima
interna, aliterada, pela repetição indefinida do fonema consonantal
/k/: “Com seu colar de coral” (1º verso da 1ª estrofe); “Carolina”
(1º verso da 1ª estrofe);
“Corre por entre as colunas” (1º verso
da 1ª estrofe); “da colina.” (1º verso da 1ª estrofe). “O calor de
Carolina” (1º verso da 2ª estrofe); “colore o colo de cal,” (2º verso
da 2ª estrofe); “torna corada a menina.” (3º verso da 2ª estrofe).
“E o sol, vendo aquela cor” (1º verso da 3ª estrofe); “do colar de
3
Carolina,” (2º verso da 3ª estrofe); “põe coroas de coral” (3º verso
Unidade
da 3ª estrofe). “nas colunas da colina.” (único verso da 4º estrofe).
O poema “Debussy”, de Manuel Bandeira encanta-nos pelo
trato afetivo dado ao tema de seu texto, isto é, a ternura despertada
em um adulto diante dos movimentos inocentes de uma criança, que
se contenta com qualquer coisa para se distrair. Vejamos:
DEBUSSY
Para cá, para lá...
Para cá, para lá...
Um novelozinho de linha...
Para cá, para lá...
Para cá, para lá...
Oscila no ar pela mão de uma criança
(Vem e vai...)
Que delicadamente e quase a adormecer o balança
- Psiu...Para cá, para lá...
Para cá e...
- O novelozinho caiu.
(Manuel Bandeira)
Esse poema, de uma única estrofe, também se utiliza de recursos
poéticos fônicos, que remetem à simplicidade e à espontaneidade dos
movimentos infantis, com um novelo de linha nas mãos, “Oscila no
ar pela mão de uma criança” (6º verso); “(Vem e vai...)” (7º verso);
em que o verso “Para cá, para lá...” se repete por cinco vezes, e mais
uma parte “Para cá e...”, ao constatar o eu poético que a criança
dormiu, pois, logo em seguida “ – O novelozinho caiu.” (12º verso).
O poeta, ao se valer do nome do músico Debussy, como título
do poema, ao mesmo tempo em que presta uma homenagem ao
grande inovador da música clássica, a ele se contrapõe, por enfatizar
a simplicidade dos movimentos infantis com um novelo de linha nas
UESC
Pedagogia
51
Literatura Infanto-Juvenil | Literatura Intanfo-juvenil e o Ludos
mãos. Obtém, assim, uma espécie de antítese entre o simples (=
criança) e o complexo (= arranjos musicais), deixando que somente
a ternura se mantenha para o leitor. Dessa sorte, o poema não tem
a função de ensinar nada sobre os acordes inusitados obtidos pelo
artista francês, mas somente despertar o prazer estético no leitor.
PARA CONHECER
Achille-Claude Debussy (1862-1918). Debussy nasceu em Saint-Germainen-Laye (França) no dia 22 de agosto de 1862. É considerado o pai da música
moderna, apesar de ter vivido no tempo da belle époque. Sua obra musical
libertou-se dos cânones tradicionais, das repetições e das cadências rítmicas,
tendo dado extraordinária importância aos acordes isolados, aos timbres, às
pausas. Inovador, desenvolveu novas escalas e arranjos de orquestra em
“blocos”, em vez de melodia ou contraponto precisos. Introduziu novos modos
de tocar o piano. A única obra de Debussy que pode ser considerada como
música absoluta no sentido de Beethoven - Brahms é o Quarteto de cordas,
construído na forma cíclica, que ele inventou. Usa uma sucessão de acordes
isolados, como o pontilhismo dos pintores impressionistas, em vez da seqüência, conforme as regras da teoria. Desde então, a arte de Debussy foi chamada de Impressionismo. Suas obras consideradas mais impressionistas são
Prèlude à l’Après-Midi d’un Faune (1894) e La Mer (1.904). Foi o compositor
da poesia simbolista, musicando as Ariettes Oubliées e as Fêtes Galantes do
poeta Verlaine. Os simbolistas franceses eram ferrenhos wagnerianos. O próprio Debussy, no início, admirava Wagner, mais tarde, censurou a primazia da
orquestra, sufocando a voz humana, e a violenta efusividade dos sentimentos.
Nesta época, escreveu a ópera Pelléas et Mélisande, que o tornou famoso.
Todo o romantismo de Debussy é melhor visto no piano, onde seu estilo pianístico representa um mundo completo como o de Chopin e o de Schumann. Mais
tarde, sua arte tornou-se mais áspera. A França, sacudida por movimentos
nacionalistas, venerava Debussy, chamando-o de “Claude de France”, que teria
derrotado os alemães, tirando-lhes a hegemonia no reino da música. Entre
suas obras, podemos destacar: 24 Preludies; Estampes (1903), para piano;
Música vocal: Pelléas et Mélisande (1902), Fêtes Galantes, nº 1 (1903) e nº
2 de (1904). Morreu em Paris, no dia 25 de março de 1918, no ano anterior
ao da morte de Renoir.
Fonte: http://www.angelfire.com/pa/genesis4/DEBUSSY.html
ATIVIDADES
ATIVIDADES
1. Comente o conteúdo da seguinte citação:
A centralização da história na criança provocou outras mudanças: a ação tornou-se contemporânea,
isto é, datada, e seu desdobramento apresenta o
confronto entre o mundo do herói e o dos adultos.
Desse modo, o leitor encontra um elo de ligação visível com o texto, vendo-se representado no âmbito
ficcional. A nova orientação foi bastante fértil, já que
a evolução posterior da literatura infantil demonstra
52
Módulo 5 I
Volume 1
EAD
esta inclinação ao aproveitamento do universo da criança ou de heróis que simbolizam esta condição (animais, preferencialmente). O adulto não se viu banido
do texto, pois os livros de aventuras continuam a
atrair o leitor juvenil; porém, teve sua importância
restringida no conjunto do gênero, fato que assinala a ascensão do adjetivo infantil como congênito
à natureza dessa modalidade literária (ZILBERMAN;
MAGALHÃES, 1984, p.87).
2. Leia os fragmentos abaixo reproduzidos de As aventuras de Tom
Sawyer, de Mark Twain e responda o que se pede, utilizando-os em
Unidade
3
sua resposta:
“Enquanto Tom ceava e roubava torrões de açúcar sempre que podia,
tia Polly lhe fez várias perguntas cheias de malícia e muito profundas,
porque queria armar-lhe uma ratoeira e levá-lo a fazer revelações”
(1980, p.9).
“Chegou a casa tarde nessa noite e, ao trepar cautelosamente pela
janela, descobriu a tia à sua espera” (1980, p.15).
“Tom estava agora transformado num herói. Não ia correndo nem
saltitando, mas com ar digno, como compete a um pirata que se
sente o ponto de atração do público” ( 1980, p.149).
“- Isso é verdade. Mas não posso ouvir acusarem-no [Muff Potter]
dessa maneira, quando afinal não foi ele que fez aquilo” (1980, p.178).
“– Foi ele que disse a Jeff Thatcher e Jeff disse a Johnny Baker e
Johnny disse a Jim Hollis e Jim disse a Bem Rogers e Bem disse a um
preto; o preto é que me disse. E agora?
“- Ora! Todos eles mentem. Se não eles, pelo menos o preto. Eu não
o conheço, mas nunca vi um preto que não mentisse. Agora me conte
como é que o Bob Tauner fez isso” (1980, p.55).
“Que estranhas são as meninas! Nunca foi castigada na escola.
Imagine! Como se isso fosse uma grande coisa. Só uma menina,
mesmo. São todas muito sensíveis e medrosas” (1980, p.160).
a) Em que medida o menino da história se distancia de outros
narrados em histórias anteriores de um Charles Perrault
ou dos irmãos Grimm, por exemplo?
b) O menino pode ser considerado um herói?
c) Em qual(is) fragmento(s) se percebe uma visão datada, no
modo de narrar seres e problemas?
3. Leia o poema “O pingüim”, do poeta brasileiro Vinicius de Moraes:
UESC
Pedagogia
53
Literatura Infanto-Juvenil | Literatura Intanfo-juvenil e o Ludos
a) De que modo o mundo da criança se faz presente
nestes versos?
b) Há alguma intenção de ensinamento ou somente o
lúdico é enfatizado?
O pingüim
Bom-dia, Pingüm
Onde vai assim
Com ar apressado?
Eu não sou malvado
Não fique assustado
Com medo de mim.
Eu só gostaria
De dar um tapinha
No seu chapéu jaca
Ou bem de levinho
Puxar o rabinho
Da sua casaca.
(Vinicius de Moraes)
RESUMINDO
RESUMO
Nesta Unidade III, foi visto como o didatismo das produções
voltadas às crianças começa a ser refutado na metade do século
XIX, em nome do lúdico; através de obras como Alice no país das
maravilhas, de Lewis Carroll, As Aventuras de Pinóquio, de Carlo
Collodi, A ilha do tesouro, de Robert L. Stevenson e as histórias,
de Mark Twain: As aventuras de Tom Sawyer e As aventuras de
Huckleberry Finn.
54
Módulo 5 I
Volume 1
EAD
REFERÊNCIAS
REFERÊNCIAS
ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Tradução de Antônio
Pinto de Carvalho. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1964.
BANDEIRA, Manuel. Poesia Completa e Prosa. Volume Único. Rio
de Janeiro: Nova Aguilar, 1977.
CADEMARTORI, Ligia. O que é Literatura Infantil. São Paulo:
3
Brasiliense, 1991.
Unidade
COELHO, Nelly Novaes. Literatura Infantil: teoria, análise, didática.
São Paulo: Moderna, 2000.
LEWIS, Carroll. Alice no país das maravilhas. 2002.
MEIRELES, Cecília. Obra Poética. Vol. Único. Rio de Janeiro: Nova
Aguilar, 1987.
MORAES, Vinicius de. Poesia Completa e Prosa. Vol. Único. Rio de
Janeiro: Aguilar, 1980.
TWAIN, Mark. As aventuras de Tom Sawyer. Tradução de Luísa
Derouet. São Paulo: Abril Cultural, 1980.
ZILBERMAN, Regina; MAGALHÃES, Lígia Cademartori. Literatura
infantil: autoritarismo e emancipação. São Paulo: Ática, 1984.
UESC
Pedagogia
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Suas anotações
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UNIDADE IV
LITERATURA INFANTO-JUVENIL
E A REPRODUTIBILIDADE TÉCNICA
OBJETIVO
ao final desta Unidade IV, você deverá identificar como a
reprodutibilidade técnica é capaz de permitir o acesso à herança
Unidade
4
cultural da qual faz parte a literatura infantil.
1 INTRODUÇÃO
Nesta unidade, você terá acesso a informações sobre a
reprodutibilidade técnica tem papel preponderante na divulgação da
Literatura Infantil e se constitui em uma forma de democratização da
cultura.
UESC
Pedagogia
57
Literatura Infanto-Juvenil | Literatura Infanto-juvenil e a reprodutibilidade técnica
2 A LITERATURA INFANTO-JUVENIL E SEU ESTIGMA
A literatura infanto-juvenil, já afirmamos em outra ocasião,
surgiu - ainda que importantíssima para a imposição e a manutenção
do status quo dos estados-nação -, sob o estigma do menos
importante: o popular (por sua origem); a criança (a quem de
destina); a mulher, (mãe, primeira preceptora, responsável pelo lar)
e o suporte de veiculação (jornal, edições baratas, etc.). Em relação
a esse último aspecto, sobretudo quanto à reprodução em larga
escala dos textos literários, deve-se considerar a perspectiva crítica
de Walter Benjamin que, no capítulo, A obra de arte na era de sua
reprodutibilidade técnica, afirma:
Na medida em que ela multiplica a reprodução, substitui a existência única da obra por uma existência
serial. E, na medida em que essa técnica permite à
reprodução vir ao encontro do espectador, em todas
as situações, ela atualiza o objeto reproduzido. [...]
Seu agente mais poderoso é o cinema. Sua função
social não é concebível, mesmo em seus traços mais
positivos, e precisamente neles, sem seu lado destrutivo e catártico: a liquidação do valor tradicional
do patrimônio da cultura (BENJAMIN, 1994, p. 169).
Em contraposição à tradição estética da alta literatura,
reivindicaram as correntes teóricas atuais da literatura, por seu turno,
a ampliação investigativa, ao denunciarem a pretensão do literário de
estar imune ao alarido das ruas, destacando, exatamente o cunho
Cânone
Já tratamos sobre o
cânone na unidade II.
ideológico do cânone e a possibilidade da relativização das hierarquias
conceituais, que pré-determinaram a alta cultura, a cultura de massa
e a cultura popular, ainda que o aparato teórico dos estudos literários
tenha sido aplicado aos estudos de recepção midiática, no início das
investigações, atribuindo ao receptor da mensagem a função ativa
de mediador do sentido. Tal perspectiva acaba por desentronizar as
chamadas belas-letras, vistas abstraídas de uma contextualização
maior, pois, se a representação do chamado real constitui uma
produção discursiva, então, toda enunciação remete a um enunciado
comprometido com determinada formação ideológica, como quer o
pensamento pós-estruturalista.
E a quebra do cânone advém exatamente da reprodutibilidade
técnica. Walter Benjamin, nos anos quarenta do século passado,
quando os seguidores da Escola de Frankfurt atribuíam à técnica
algo danoso para a arte; ele, sem ser apocalíptico, vê o cinema e
a fotografia como um modo de democratizar a herança cultural da
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Módulo 5 I
Volume 1
EAD
humanidade, que ficou, por muitos séculos, restrita a uma ritualística
para poucos.
Unidade
4
Figura 4.1 - Fotografia antiga. Fonte: Jornal A tarde On-line - Banda da Polícia Militar da Bahia
Figura 4.2 - Cena de filme antigo. Fonte: Filme “My fair lady” - 1965.
A literatura infanto-juvenil muito tem se aproveitado dos outros
suportes que não livro para a sua divulgação, ao mesmo tempo, para
a sua popularização, com a possibilidade de acesso a um contingente
maior da população infanto-juvenil. Isso porque: “O modo pelo qual se
organiza a percepção humana, o meio em que ela se dá, não é apenas
condicionado naturalmente, mas também historicamente” (BENJAMIN,
1994, p. 169).
UESC
Não há como negar o poder de exposição que a arte ganhou.
Pedagogia
59
Literatura Infanto-Juvenil | Literatura Infanto-juvenil e a reprodutibilidade técnica
SAIBA MAIS
A palavra Iconicidade é
derivada de ícone. Para
Peirce, um dos pais da Semiótica, há três tipos de signos: ícone, índice e símbolo
O ícone é a coisa, o objeto,
ser etc., representados por
uma cópia similar ou não
similar a eles. Por exemplo:
a fotografia (cópia similar)
do Monte Fuji. Ou uma réplica em miniatura do monte. Ou ainda um desenho,
pintura... O índice, como a
palavra explica, é o índice
da coisa, objeto, ser etc. É
o que os representa de forma mais “íntima” ou aproximada. Por exemplo: uma
mecha de cabelo cortada é
o índice de uma pessoa. O
cheiro de churrasco é índice
de que estão a assar carne.
A fumaça é índice de fogo.
O símbolo é todo o signo
convencionado.
Fonte: <http://pt.shvoong.com/
social-sciences/1671942-semi
%C3%B3tica/>.
Logo, a desierarquização ocorre no próprio fazer artístico, porque
esse não pode ser visto desarticulado da cultura, no sentido pleno
da palavra, enquanto solução de existência encontrada por seres
humanos em condições específicas. Assim, a fatura estética ganha
em amplitude e desvencilha-se, principalmente, a chamada erudita,
da pecha do elitismo. E a questão da iconicidade já se encontra na
própria ilustração dos livros infantis, ampliando, assim, o conceito
de leitura e de texto, da mesma forma que as histórias-emquadrinho ganham, na linha da exposição, no Brasil, com O TicoTico, em 1905; fazendo-nos concordar com Nelly Novaes Coelho
de Panorama Histórico da Literatura Infantil/Juvenil: Das Origens
Indo-Européias ao Brasil Contemporâneo:
Essa valorização da imagem, no processo da aprendizagem infantil, coincide com o aparecimento dos
comics ou histórias-em-quadrinho, iniciando uma
nova era no campo editorial. Nos Estados Unidos,
o grande cartunista (Richard Felton) Outcault cria
o Yellow Kid (1895) e, mais tarde, o Buster Brown (1902). É este garoto crítico e contestador que,
na versão brasileira, se transforma no ingênuo/
travesso Chiquinho – personagem principal de O
Tico-Tico, o primeiro jornal infantil em quadrinhos
editado no Brasil (1991, p. 217-218).
Figuras 4.3 - Almanaque de O TICO-TICO. Fontes: <www.guiadosquadrinhos.com> e <www.universohq.com>.
No entanto, é, a partir da década de 1960, no governo de João
Goulart, na esteira da Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional
(Lei nº 4.024, de 20/12/1961), que se propõe a democratização
do ensino, que ganham destaque as histórias-em-quadrinhos e o
teatro infantil, quase sempre, importados:
essa matéria estrangeira conta ainda com um mercado já “trabalhado” para consumi-la, pois seus
heróis ou super-heróis são divulgados maciçamente através da televisão ou do cinema... (COELHO,
1991, p. 258).
60
Módulo 5 I
Volume 1
EAD
Em termos de produção, eminentemente, nacional, contamos
com Ziraldo e seu Pererê e, depois Zeróis, em sua crítica aos superheróis norte-americanos. Entretanto, façanha maior fica para Maurício
de Sousa Produções Ltda., responsável pela Turma da Mônica, além de
outros personagens.
SAIBA MAIS
Unidade
4
Pererê: A Turma do Pererê foi lançada na revista O Cruzeiro, em
1959, e se tornou o marco do quadrinho nacional. Criada pelo cartunista Ziraldo, a coleção conta as travessuras de um grupo de amigos
na Mata do Fundão. Pererê, um menino negro inspirado na figura
folclórica do Saci, e seus amigos; o índio Tininim, o macaco Alan,
a onça Galileu, o jabuti Moacir, a Boneca-de-Piche, a mãe Docelina
vivenciam situações que estão no cotidiano das crianças, mas difíceis
de tratar tanto na escola quanto em casa. Entre os assuntos, abordados com naturalidade por Ziraldo, estão saúde, ética, pluralidade
cultural, preservação da natureza e drogas. Para o autor, a coleção
procura ser uma nova abordagem na relação da escola com o aluno,
uma extensão do aprendizado, uma inserção criança em um universo de curiosidade e emoção. Nas histórias de Ziraldo, aprendemos
também com as brigas de seus personagens. Acompanhe a discussão
entre Saci-Pererê e seu desafeto, o arrogante e chato duende irlandês. Os amigos fazem mil conjecturas sobre o motivo do mau-humor
de nosso herói, por quem sentem imenso carinho. Daí tanta preocupação ética. Percebe-se a velada crítica do autor quanto ao desprezo
dos estrangeiros, principalmente europeus, pelo Brasil em relação ao
meio ambiente, considerando tudo o que já provocaram em seu próprio continente. A Turma do Pererê foi adaptada para TV, com estilo
opereta e teve a direção de Guto Graça Mello, com direção geral de
Augusto César Vannucci e produção de Gabriela Vannucci, veiculado
pela Rede Globo em 12 de outubro de 1983.
Fonte: <http://ebooksgratis.com.br/quadrinhos/quadrinhos-a-turma-do-perere-quiproquo-ziraldo/>.
Figuras 4.4 - Turma do Pererê. Fomte: <http://casaziraldodecultura.blogspot.com> e arquivos UAB.
Turma da Mônica: quem nunca se divertiu com a brabeza da Mônica,
as trapalhadas do Cebolinha ou o jeito caipira do Chico Bento? Os
personagens fazem parte da imaginação das crianças e de tantos adultos,
que acompanham a evolução da Turma da Mônica. O criador desta
turma divertida e de muito mais é o desenhista Mauricio de Sousa. Além
das revistas, ele está na telona com o CineGibi, um filme onde Franjinha,
o garoto inventor, resolve ler gibis com os quadrinhos em movimento.
Wanessa Carmargo, Luciano Huck, a dupla Pedro e Thiago e a modelo
UESC
Pedagogia
61
Literatura Infanto-Juvenil | Literatura Infanto-juvenil e a reprodutibilidade técnica
Fernanda Lima fazem participações especialíssimas. Para a alegria da garotada,
o filme já está em DVD e traz, ainda, uma versão na língua de sinais, para
ser entendida pelos deficientes. Recentemente, a Turma ganhou um reforço:
Xaveco, filho de pais separados, que estreou nas bancas em setembro. As
novidades não param. O desenhista apresentou ao então ministro da Cultura
Gilberto Gil o projeto Turma da Mônica na TV, uma série de 60 programas
educativos e culturais para crianças de três a 12 anos. Mauricio de Sousa, pai
de dez filhos e bisavô de Daniel, tem um carinho especial por todos os seus
personagens. Agora, anuncia a chegada de mais dois: Bloguinho, menino que
fala “internetês”, a linguagem da Internet, e Dorinha, uma menina cega. “Ela vai
mostrar às crianças como ouvir as coisas do mundo e ensinar a se tratarem de
igual para igual, independentemente de serem portadoras de alguma deficiência
física”, diz Mauricio. Filho de poetas, Mauricio começou a carreira ainda jovem,
desenhando cartazes e pôsteres. Além de ajudar no orçamento doméstico, ele
sonhava em se tornar um desenhista profissional. O primeiro sucesso foram as
tiras em quadrinhos com o cãozinho Bidu e seu dono. Depois vieram Cebolinha,
Piteco, Chico Bento, Penadinho e, mais tarde, Horácio, Raposão e Astronauta.
Mas foi em 1970 que Mauricio criou seu principal personagem, a dentucinha
Mônica. Dois anos depois, Cebolinha, Magali, Pelezinho e muitos outros. Uma
grande e divertida turma que faz sucesso até no exterior. “Nossas histórias já
estão nos Estados Unidos em vários países da Europa, como Grécia e Itália e
até no Japão”.
Fonte: http://www.monica.com.br/mural/leitura.htm
Figuras 4.5 - Turma da Mônica. Fonte:
<http://www.turmadamonica.com.br>.
Retomando-se as considerações do filósofo Walter Benjamin,
o poder de exposição, de que ele já falava (1994), quando analisou
a obra do poeta francês Baudelaire, ainda no século XIX, refletiu a
tendência da reprodutibilidade técnica trazida pela industrialização
do Ocidente.
SAIBA MAIS
Reprodutibilidade técnica: A Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade
Técnica, ensaio publicado em 1936, é o mais conhecido e citado dos textos do
filósofo alemão Walter Benjamin. Benjamin discute, nesse artigo, as novas potencialidades artísticas -- essencialmente numa dimensão política -- decorrentes da reprodutibilidade técnica. Em épocas anteriores, a experiência da obra
de arte era condicionada pela sua «aura», isto é, pela distância e reverência
que cada obra de arte, na medida em que é única, impõe ao observador. Primeiro - nas sociedades tradicionais ou pré-modernas - pelo modo como vinha
associada ao ritual ou à experiência religiosa; depois - com o advento da socie-
62
Módulo 5 I
Volume 1
EAD
dade moderna burguesa - pelo seu valor de distinção social, contribuindo para
colocar num plano à parte aqueles que podessem aceder à obra «autêntica».
O aparecimento e desenvolvimento de formas de arte (começando pela fotografia) em que deixa de fazer sentido distinguir entre original e cópia traduz-se
no fim dessa «aura», o que liberta a arte para novas possibilidades, tornando o
seu acesso mais democrático e permitindo que contribua para uma «politização
da estética», contrariando a «estetização da política» típica dos movimentos
fascistas e totalitários dominantes no momento em que Benjamin escreve esse
ensaio.
Fonte:
http://www.babylon.com/definition/A_obra_de_arte_na_era_de_sua_reprodutibilidade_t%C3%A9cnica/
Portuguese
É o que nos diz Nelly Novaes Coelho em Literatura Infantil:
teoria, análise, didática:
Unidade
4
Notemos que não há meio de comunicação de massa
eficaz que não tenha, como fundamento, um texto,
isto é, uma rede de idéias que só as palavras podem expressar. Sem palavra que a nomeie, não há
imagem que se comunique com eficácia; pois, sem
corresponder a uma representação mental/verbal na
mente do espectador, a imagem não significa nada
(COELHO, 2000, p.11).
O uso dos meios de comunicação de massa, como veiculadores
de literatura infantil, se intensifica, sobremodo, com o final da Segunda
Guerra Mundial, em 1945, principalmente, através da adaptação de
clássicos pelos estúdios do Walt Disney. No Brasil, durante os anos
50, do século passado,
Quando o costume-da-leitura, como fonte de lazer,
já começava a desaparecer, devido à crescente voga
das histórias-em-quadrinhos e da televisão, a criação lobatiana conhece uma nova face. Em 1952, Júlio Gouveia e Tatiana Belinky iniciam, na TV Tupi-São
Paulo, a série de teleteatro O Sítio do Pica-Pau Amarelo, que durante anos (até 1964) encantou crianças
e adultos (COELHO, 1991, p.228).
SAIBA MAIS
Walt Disney: nasceu em 5 de dezembro de 1901 em Chicago, Ilinois. Depois
do nascimento de Walt, a família Disney mudou-se para Marceline Missouri,
onde viveu a maior parte da sua infância. Walt tinha interesses muito cedo pela
arte. Costumava vender seus desenhos para os vizinhos para ganhar dinheiro
extra e exerceu a carreira artística, estudando arte e fotografia, indo estudar
no McKinley High School, em Chicago. Walt começou a amar e apreciar a natureza e a vida selvagem, pois viveu em área agrária. Seu pai era bastante
severo e muitas vezes havia pouco dinheiro, mas Walt foi incentivado por sua
mãe e por seu irmão mais velho, Roy, a desenvolver seu talento artístico. Durante o outono de 1918, Disney tentou se alistar no serviço militar, entretanto,
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Pedagogia
63
Literatura Infanto-Juvenil | Literatura Infanto-juvenil e a reprodutibilidade técnica
foi rejeitado por estar na época com dezesseis anos. Depois de fazer sucesso
em 1925, com Comédias de Alice, Walt se tornou uma figura reconhecida em
Hollywood. Em 1932, com a produção intitulada Flowers and Trees (a primeira
cor cartoon), Walt ganhou o primeiro estúdio da Academy Awards. Em 1937,
lançou The Old Mil e Branca de Neve e os Sete Anões, primeiro longa-metragem
de animação musical, estreado no Theater, em Los Angeles Carthay. A seguir,
conclui outros longa-metragens de animação, como os clássicos Pinóquio, Fantasia, Dumbo e Bambi. Inaugura a Disneyland Park em 1955. Walt Disney foi
pioneiro na televisão, em 1954, ao utilizar cores em sua programação, através
do Wonderful World of Color. Trata-se de um herói popular do século 20 e popularidade no mundo inteiro deve-se às características de sua personalidade,
como imaginação, otimismo, criação e self-man, que representa a tradição
americana de empreendedor.
Fonte: www.justdisney.com/walt_disney/
Figuras 4.6 - Walt Disney e Produção Walt Disney Psctures.
Fontes: http://disney-site.com/disneypics/> e <http://planetadisney.com.br>.
O Sítio do Picapau Amarelo já ganhou várias adaptações até
hoje, através de várias mídias (TV, DVD), em que o poder imagético
pode, muitas vezes, suscitar a vontade de acesso à leitura dos livros
de Monteiro Lobato.
64
Módulo 5 I
Volume 1
EAD
A reprodutibilidade técnica, inegavelmente, foi capaz
de fazer chegar a
cultura a contingentes inimagináveis. A
literatura infanto-juvenil, antes restrita a poucas crianças,
hoje está acessível em vários suportes, que vão do papel
às várias mídias; seja através da compra, seja através do
aluguel em locadoras, seja ainda através do empréstimo em
PARA CONHECER
Acesse o site da Rede Globo, em que consta a memória das várias edições do
Sítio do Pica-Pau Amarelo:
<http://memoriaglobo.globo.
com/Memoriaglobo/0,27723,G
YN0-5273-252780,00.html>.
acervo de bibliotecas.
Hoje vivemos direcionados pela imagem, pelo ícone, levando-
nos a acreditar que as atuais agências de propaganda são as
verdadeiras depositárias dos velhos manuais de estilo e estética que
balizaram a escrita artística anterior; e, ao mesmo tempo, assistimos
à dissolução do autor na medida em que as produções artísticotecnológicas ocorrem em equipe e todos os envolvidos assinam o
produto final, inclusive o receptor que promove a completude de
sentido; da mesma forma que tais produções não estão imunes à
lógica capitalista da globalização. Convivemos com um Estado cada
4
vez mais minimalista, que se desvencilhou das funções do Estado-
Unidade
nação, deixando, para os movimentos sociais de base e ONGs
nacionais e internacionais, o lugar antes ocupado por instâncias
de poder. Assistimos à queda das utopias, tanto de direita quanto
de esquerda, pois essas não foram capazes de gerar, de fato, o tão
esperado bem-estar para todos; ainda que a pretensão fosse, no caso
da direita, o pluribus unum, isto é, muitos vistos com um, quando
os limites territoriais e a línguas nacionais constituíam fortes marcos
identitários. Isso nos leva à constatação de que o ideário iluminista
Liberdade-Igualdade-Fraternidade,
só
conseguiu
colocar-se
em
parte, pois o Estado burguês, em nome da Liberdade e da Igualdade,
esqueceu a Fraternidade; por outro lado, o comunismo privilegiou a
Igualdade, com uma única classe social, mas obliterou a Liberdade e
a Fraternidade.
UESC
Pedagogia
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Literatura Infanto-Juvenil | Literatura Infanto-juvenil e a reprodutibilidade técnica
ATIVIDADES
ATIVIDADES
1. Leia o conto A bela adormecida, dos irmãos Grimm, e depois
assista ao filme de mesmo nome, produzido por Walt Disney,
disponível em <http://www.4shared.com/file/i_K0Nuii/A_Bela_
Adormecida__Portugus__C.htm>
e
responda
às
seguintes
questões:
a) Qual o apelo feito na narrativa em relação aos valores
passados ao leitor mirim?
b) As personagens pertencem a quais estratos sociais?
c) Há predominância etnocêntrica nesta obra?
d) A adaptação feita por Walt Disney é fiel à dos irmãos
Grimm?
e) De que modo a reprodutibilidade técnica é capaz de
democratizar a literatura infantil?
f) Como a linguagem icônica se faz presente no filme A
bela adormecida de Walt Disney?
2. Na década de 1980, a Rede Globo de Televisão levou ao ar um
especial contendo poemas infantis musicados de Vinicius de
Moraes. Tal programa gerou, inclusive, um LP (Long Play) em vinil,
com grande aceitação pela garotada. Primeiro, leia alguns dos
poemas utilizados no programa, abaixo reproduzidos, constantes
de Poesia Completa e Prosa (1980), do poeta e depois, assista ao
vídeo e responda ao que se pede:
O girassol
Sempre que o sol
Pinta de anil
Todo o céu
O girassol
Fica um gentil
Carrossel.
O girassol é o carrossel das abelhas.
Pretas e vermelhas
Ali ficam elas
Brincando, fedelhas
Nas pétalas amarelas.
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Módulo 5 I
Volume 1
EAD
— Vamos brincar de carrossel, pessoal?
— “Roda, roda, carrossel
Roda, roda, rodador
Vai rodando, dando mel
Vai rodando, dando flor”.
— Marimbondo não pode ir que é bicho mau!
— Besouro é muito pesado!
— Borboleta tem que fingir de borboleta na entrada!
— Dona Cigarra fica tocando seu realejo!
— “Roda, roda, carrossel
Gira, gira, girassol
Redondinho como o céu
Marelinho como o sol”.
4
E o girassol vai girando dia afora . . .
Unidade
O girassol é o carrossel das abelhas.
(Vinicius de Moraes)
O relógio
Passa, tempo, tic-tac
Tic-tac, passa, hora
Chega logo, tic-tac
Tic-tac, e vai-te embora
Passa, tempo
Bem depressa
Não atrasa
Não demora
Que já estou
Muito cansado
Já perdi
Toda a alegria
De fazer
Meu tic-tac
Dia e noite
Noite e dia
Tic-tac
Tic-tac
Tic-tac . . .
(Vinicius de Moraes)
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Pedagogia
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Literatura Infanto-Juvenil | Literatura Infanto-juvenil e a reprodutibilidade técnica
A foca
Quer ver a foca
Ficar feliz?
É pôr uma bola
No seu nariz
Quer ver a foca
Bater palminha?
É dar a ela
Uma sardinha
Quer ver a foca
Comprar uma briga?
É espetar ela
Bem na barriga
Lá vai a foca
Toda arrumada
Dançar no circo
Pra garotada
Lá vai a foca
Subindo a escada
Depois descendo
Desengonçada
Quanto trabalha
A coitadinha
Pra garantir
Sua sardinha
(Vinicius de Moraes)
Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=7AWBY711mfw>; http://www.youtube.com/
watch?v=rcBcKLiD95Y>;
<http://www.www.youtube.com/watch?v=kpjn6SRFts0>;
<http://www.
radio.uol.com.br/#/album/vinicius-de-moraes/a-arca-de-noe-de-vinicius-de-moraes/17784>.
a) A ênfase é dada ao conteúdo desses textos, em um princípio
pedagógico, ou prima pelo uso lúdico da palavra?
b) A reprodutibilidade técnica, ao colocar os poemas de Vinicius
de Moraes em um grande veículo de comunicação, foi capaz
de expô-los a um público maior? Explique:
c) Podemos dizer que o LP, gerado pelo programa, teve, para
os poemas, um poder de exposição maior do que a mídia
televisiva? Por quê?
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Módulo 5 I
Volume 1
EAD
RESUMINDO
RESUMO
Nesta Unidade IV, foi vista a forma como a reprodutibilidade
técnica, por seu poder de exposição, intensifica a divulgação e acesso
da Literatura voltada para o público infantil.
REFERÊNCIAS
REFERÊNCIAS
ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Tradução de Antônio
Pinto de Carvalho. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1964.
4
BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire, um lírico no auge do
Unidade
capitalismo. Tradução de José Martins Barbosa e Hemerson Alves
Baptista. São Paulo: Brasiliense, 1989.
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre
literatura e história da cultura. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet.
Prefácio de Jeanne Marie Gagnebin. São Paulo: Brasiliense,1994.
COELHO, Nelly Novaes. Panorama Histórico da Literatura/
Juvenil: das origens Indo-Européias ao Brasil Contemporâneo. São
Paulo: Ática, 1991.
MORAES, Vinicius de. Poesia Completa e Prosa. Vol. Único. Rio de
Janeiro: Aguilar, 1980.
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69
Suas anotações
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UNIDADE V
A LITERATURA INFANTO-JUVENIL E A
FORMAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO
OBJETIVO
Ao final desta Unidade V, você deverá identificar o vínculo da
literatura infantil no Brasil aos pressupostos do estado-nação,
bem como o uso dessa literatura para fins pedagógicos e a
Unidade
5
mudança trazida por Monteiro Lobato.
1 INTRODUÇÃO
Nesta unidade, serão apresentadas a você informações sobre
o início da formação
do
Estado-nação brasileiro em consonância
com os valores correntes burgueses, a partir da vinda da família real
portuguesa, em 1808. O vínculo estabelecido com a Europa levou
nossos intelectuais a reproduzirem um modelo que não nos refletia,
entretanto, a alteração ocorreu com Monteiro Lobato na concepção
de Brasil.
UESC
Pedagogia
71
Literatura Infanto-Juvenil | A Literatura Infanto-juvenil e a formação do estado brasileiro
2 A FORMAÇÃO DO ESTADO-NAÇÃO BRASILEIRO
A família real chega ao Brasil, em 1808, trazendo, em sua
bagagem,
gosto e refinamento pertencentes aos modos cortesãos
europeus. Em 1815, o Brasil é elevado a Reino Unido de Portugal,
Brasil e Algarves e a nossa Independência política de Portugal ocorre
em 1822, influenciada pelo ideário burguês da revolução de 1789,
com a posterior Proclamação da República em 1889. Foi a maneira
encontrada de transitar, no âmbito do poder instituído, em um quadro
maior de ocidentalização, tanto na Colonização e no Império, quanto
na República. Sérgio Buarque de Holanda auxilia-nos na explicação
desse quadro:
A presteza com que na antiga colônia chegara a confundir-se a pregação das ‘idéias novas’, e o fervor com
que em muitos círculos elas foram abraçadas às vésperas da Independência, mostra de modo inequívoco
a possibilidade que tinham de atender a um desejo
insofrido de mudar, à generalizada certeza de que o
povo, afinal, se achava amadurecido para a mudança.
Mas também é claro que a ordem social expressa por
elas estava longe de encontrar aqui o seu equivalente
exato, mormente fora dos meios citadinos (1977, p.
77-78).
Sérgio
Buarque
estava
convicto
de
que
dependíamos,
integralmente, das ideias teóricas de fora e que as relações
socioeconômicas também nos eram impostas, restando às nações
colonizadas, como a nossa, a convivência com noções bipolares
hierarquizadas, em que pares dicotômicos se excluem - fazendo
com que o segundo elemento, que nos caracteriza, esteja sempre
em desvantagem em relação ao primeiro, como metrópole e colônia,
progresso
e
modernização
atraso,
e
desenvolvimento
tradicionalismo,
e
subdesenvolvimento,
hegemonia
e
dependência,
fortemente marcados por um etnocentrismo, em que não é levada
em consideração, no sentido mais amplo que se lhe possa
atribuir
a categoria de alteridade. E essas ideias foram assimiladas por uma
elite que as alinhou ao aparelhamento do novo Estado Nacional. Esses
dois Brasis, apontados por ensaístas dessa época: um retrógrado, real,
ligado ao autoritarismo da época colonial; e o outro legal, com aparato
burguês de cidadania, não são devidos ao arremedo imitativo de nações
mestiças; pouco dadas à criação constitutiva do novo, mas à condição
mesma histórica de país periférico, ocupando o Sul da América, uma
vez que as ideias importadas serviam para legitimar qualquer tipo de
arbítrio por parte dos interesses de determinada classe.
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Módulo 5 I
Volume 1
EAD
Assim, a Literatura, como manifestação cultural, vai, ao
longo de seu desenvolvimento, reforçar o pensamento hegemônico.
Joaquim Nabuco chega a afirmar que:
O sentimento em nós é brasileiro; a imaginação é
européia. As paisagens todas do Novo Mundo, a floresta Amazônica ou os pampas argentinos não valem
para mim um trecho da Via Appia, uma volta da
estrada de Salerno e Amálfi, um pedaço do cais
do Sena à sombra do velho Louvre (apud RIBEIRO,
1984, p.51).
SAIBA MAIS
Unidade
5
Via Áppia: Das muitas maravilhas que a Roma antiga legou ao mundo de hoje,
a Via Appia Antiga destaca-se pela importância que teve ao longo da história e
chama a atenção pela excelente técnica de sua construção, o que permite que
possamos percorrer seus cerca de 90 quilômetros praticamente retilíneos até
hoje. Ligando Roma ao Sul da Itália, a estrada parte de Termas de Carcalla,
passa por Terracina, Cápua, na região da Campanha, passa por Benevento e
vai até Brindisi, cidade que era o início da rota oriental dos romanos. Originalmente batizada ‘Regina viarium’, ou rainha de todas as ruas, a construção da
via foi iniciada em 312 a.C. por um político chamado Appio Claudio, cujo nome
mais tarde foi dado à rua. A construção durou quase 120 anos, tendo sido concluída em 190 a.C. A largura da pista, 4,10 metros, mostra quão importantes
eram os planos dos construtores para a estrada. Com a decadência do império
romano, a Via Appia foi praticamente abandonada. E, apesar de ter sido redescoberta na Renascença, só foi restaurada no século XX. Mas o ótimo estado de
conservação em que se encontra hoje, não seria possível se, para empreender
tal façanha, os romanos não tivessem utilizado técnicas refinadas de engenharia, que só seriam empregadas novamente no século passado. Quem percorre
a Via Appia tem muito a conhecer em suas margens. Segundo o costume antigo, os mortos eram enterrados fora dos muros das cidades. Portanto, há, ao
longo da Via, túmulos das mais diversas épocas que podem ser visitados. Além
dos túmulos, há vários monumentos e pontos de interesse nos arredores.
Fonte: http:// br.olhares.com/via_appia_antica___roma_foto2038377.html
Amálfi: pertence à costa Amalfitana (Costiera Amalfitana), a 50 quilômetros
da costa de Sorrento a Salerno, é uma das mais belas da Europa. A estrada
estreita e sinuosa, que precariamente se apega a falésias, oferece vistas espetaculares sobre as águas azuis. A estrada serpenteia através de inúmeras aldeias com casas de estuque branco e cúpulas de igrejas em cerâmica aninhada
entre vinhas e pomares, que demonstram a versatilidade dos seus ocupantes
na adaptação da utilização do terreno para se adequar à sua diversidade. A
Costa Amalfitana é um Patrimônio Mundial da UNESCO.
Fonte:
http://translate.google.com.br/translate?hl=pt-BR&langpair=en%7Cpt&u=http://www.terragalleria.com/
europe/italy/amalfi-coast/
Sena: em francês Seine, rio da França que drena a maior parte da bacia parisiense e se lança no canal da mancha, ao S do Havre; 776 km. É navegável
em grande parte do seu curso. Desde 1960, a criação de um canal de 20km
de extensão permite aos navios de 8m de calado remontar o rio até Rouen,
mas o canal de Tancarville drena ainda parte do tráfego intenso, sobretudo
UESC
Pedagogia
73
Literatura Infanto-Juvenil | A Literatura Infanto-juvenil e a formação do estado brasileiro
entre Paris e o canal da Mancha. O baixo Sena é sede de um tráfego marítimo
importante que se aproxima do total de 40 milhões de toneladas nos portos do
Havre e de Rouen, e numerosos centros industriais se intercalam no vale entre
essas duas cidades. A rede fluvial do sena é ligada à rede fluvial do norte da
Europa pelos canais de Saint-Quentin, do rio Sambre ao Oise, e do rio Marne ao
Reno; comunica-se com o sistema fluvial do Ródano pelo canal de Bougogne,
pelo canal do rio Marne ao Saône, e com o rio Loire pelos canais de Briare e
do Nivernais.
Fonte: Grande Enciclopédia Delta Larousse, 1973, v. 13, p. 6236.
Louvre: o Palácio do Louvre, onde de encontra o Museu do Louvre, foi mandado construir no século XVI pelo Rei François I em estilo renascentista, com
melhoramentos feitos até 1667. Em 1678, a residência real mudou-se para
Versailles e o Louvre tornou-se uma galeria de arte e, finalmente em 1803, o
Museu Napoleão. O Museu propriamente dito é hoje um dos maiores e mais
famosos do mundo, com magníficas coleções de arte antiga egípcia, grega,
etrusca, romana, oriental e também coleções de pintura e escultura de várias
épocas, com destaque para os pintores renascentistas italianos, incluindo-se o
mais famoso quadro do mundo, a Mona Lisa de Da Vinci.
Fonte: http://mundofred.home.sapo.pt/paises/pt/franca_paris.htm
Nesse contexto, não era sem sustentação o índio europeizado
de um Alencar, vivenciando a chamada teoria da conciliação, que
esquece todos os excessos do nosso processo colonizador, ou o
interiorano sertanejo de um Bernardo Guimarães, enaltecido pelo lado
exótico, estranho ao europeu. E a literatura infantil, no Brasil, repetiu,
a princípio, em grande medida, o modelo imposto pelo colonizador
europeu. Essa ganhou, em nossas terras, uma espécie de “adaptação
de segunda mão”, considerando-se os escritores europeus como
Perrault, os irmãos Grimm e Andersen como os responsáveis pela
“adaptação de primeira mão”, uma vez que empreenderam a volta ao
passado medieval, no início da modernidade. Nas palavras de Regina
Zilberman, em A Literatura Infantil na Escola:
Märchen
do alemão: conto; [lit.]
conto de fadas.
Fonte: http://pt.bab.la/dicionario/
alemao-portugues/maerchen
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Herdeiras, talvez espúrias, da tradição popular européia e sombras do legítimo Märchen coligido pelos Grimm, esses relatos acabam por perder – ou,
ao menos, ver enfraquecerem – as peculiaridades
que os ligavam ao meio social no qual surgiram. Se
os compiladores mencionados já haviam tratado de
amenizar o conteúdo original dos textos – aquele que
traduzia a revolta dos segmentos sociais mais oprimidos, como os dos camponeses e artesãos urbanos,
que elaboraram as narrativas primitivas – o processo
se completou nas transposições que sucessivamente
foram feitas. Adaptações de adaptações, as histórias
começaram a falar de um mundo sem qualquer vínculo com a possível experiência do leitor; atenuadas
até em seus conflitos simbólicos, converteram-se em
resumos que pouco mostravam, seja a respeito da
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Volume 1
EAD
sociedade em que posteriormente se implantaram, por
nada terem assimilado do novo solo (ZILBERMAN, 2003,
p.156).
3 A LITERATURA INFANTIL E OS DADOS CONTEUDÍSTICOS
Desenvolve-se, no Brasil, o senso de inteligência, aliada à
implementação das instituições nacionais, com seu sistema educacional,
do qual não está distante a literatura voltada para o público infantil,
com reforço para os dados conteudísticos. Entre esses se encontram:
nacionalismo, intelectualismo, tradicionalismo cultural do ocidente,
moralismo e religiosidade (COELHO, 1991)
Do século XIX ao início do XX, antes de Monteiro Lobato, foram
publicadas as seguintes obras voltadas à leitura do público infantil: O
Livro do Povo (1861), de Antônio Marques Rodrigues; O Método de Abílio
(1868), de Abílio César Borges; O Amiguinho Nhonhô (1882), de Meneses
Vieira; Série Instrutiva (1882), de Hilário Ribeiro; Contos Infantis (1886),
de Júlia Lopes de Almeida; Livros de Leitura e Série Didática (1890), de
Felisberto de Carvalho; Coisas Brasileiras, (1893) de Romão Puiggari;
Série Puiggari/Barreto (1895), de Romão Puiggari e Arnaldo de Oliveira
5
Barreto; Cartilha das Mães (1895), de Arnaldo de Oliveira Barreto; Livros
Unidade
de Leitura (1895), de João Kopke; Antologia Nacional (1895), de Fausto
Barreto e Carlos de Laet; Contos da Carochinha (1896), de Figueiredo
Pimentel; Livro das Crianças (1897), de Zalina Rolim; O Livro da Infância
(1899), de Francisca Júlia; Leituras Infantis (1900), de Francisco Vianna;
As Nossas Histórias (1907), de Alexina de Magalhães Pinto; Páginas
Infantis (1908), de Presciliana Duarte de Almeida; Era Uma vez (1908),
de Viriato Correia; Através do Brasil (1910), de Olavo Bilac e Manuel
Bonfim; Biblioteca Infantil (1915), de Arnaldo de Oliveira Barreto;
Saudade (1919) de Teles de Andrade.
Vejamos o poema “A Pátria”, do poeta do Parnasianismo brasileiro
Olavo Bilac:
A Pátria
Ama, com fé e orgulho, a terra em que nasceste!
Criança! não verás nenhum país como este!
Olha que céu! que mar! que rios! que floresta!
A Natureza, aqui, perpetuamente em festa,
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Literatura Infanto-Juvenil | A Literatura Infanto-juvenil e a formação do estado brasileiro
É um seio de mãe a transbordar carinhos.
Vê que vida há no chão! vê que vida há nos ninhos,
Que se balançam no ar, entre os ramos inquietos!
Vê que luz, que calor, que multidão de insetos!
Vê que grande extensão de matas, onde impera
Fecunda e luminosa, a eterna primavera!
Boa terra! jamais negou a quem trabalha
O pão que mata a fome, o teto que agasalha...
Quem com o seu suor a fecunda e umedece,
Vê pago o seu esforço, e é feliz, e enriquece!
Criança! não verás país nenhum como este:
Imita na grandeza a terra em que nasceste!
(Olavo Bilac)
Figura: 5.1 - Olavo Bilac. Fonte: <http://
pt.wikipedia.org/wiki/Olavo_Bilac>.
Esse poema estrutura-se em oito estrofes de dois versos, ou
dísticos, com os seguintes pares de rimas. Em termos de conteúdo,
volta-se para a criança, procurando inculcá-lhe valores patrióticos;
para isso, trata de uma terra, cuja natureza é, como a mãe, acolhedora
e próspera para aqueles que se esforçam. “Boa terra! jamais negou a
quem trabalha” (1º verso do 6º dístico); “O pão que mata a fome, o
teto que agasalha...” (2º verso do 6º dístico). “Quem com o seu suor a
fecunda e umedece,” (1º verso do 7º dístico); “Vê pago o seu esforço,
e é feliz, e enriquece!” (2º verso do 7º dístico). Evidentemente, que
ocorre o reforço das bases ideológicas da burguesia, calcada no
trabalho e no enriquecimento advindo deste.
Edgard Cavalheiro afirma, acerca desse período, que:
A literatura infantil praticamente não existia entre
nós. Antes de Monteiro Lobato havia tão-somente
o conto com fundo folclórico. Nossos escritores extraíam dos vetustos fabulários o tema e a moralidade das engenhosas narrativas que deslumbraram
e enterneceram as crianças das antigas gerações,
desprezando, freqüentemente, as lendas e tradições
aparecidas aqui, para apanharem nas tradições européias o assunto de suas historietas (CAVALHEIRO,
1972, p.144).
Em Lobato, a moral é dissolvida e é dada ênfase à inteligência,
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Módulo 5 I
Volume 1
EAD
à esperteza, no bom sentido; porque se centra na valorização da
verdade individual e não acredita em processos revolucionários para
o ser humano atingir o bem-estar. O esforço individual e a denúncia
às mazelas nacionais, sem o ranço do patriotismo cego, constituem
a linha mestre das narrativas lobatinas; tais evidências lhe causaram
problemas com o poder constituído, tendo à frente Getúlio Vargas.
Entretanto, hoje seus textos são vistos, muitas vezes, com um vinco
de classe e étnico muito acentuado.
ATIVIDADES
ATIVIDADES
1. Por que os intelectuais brasileiros tinham dificuldade de representar
o Brasil e sua gente em seus textos, tanto da literatura dita para
adultos, quanto da literatura infantil?
2. Leia O Chapeuzinho Amarelo, de Chico Buarque, disponível em:
<http://recantodasletras.uol.com.br/visualizar.php?idt=102
457>. E responda a que você atribui a proposta de leitura diferente
5
para o célebre Chapeuzinho Vermelho, de Charles Perrault e
Unidade
depois revisitada pelos irmãos Grimm e pelo dinamarquês Hans
Christian Andersen?
3. Responda ao que se pede, após a leitura do texto abaixo
reproduzido:
A Antologia Nacional (ou Colleção de Excerptos dos
Principaes Escriptores da Língua Portuguesa, do 16º
ao 19o. século), organizada pelos professores Fausto
Barreto e Carlos de Laet, por solicitação do editor J.
G. Azevedo (da Francisco Alves & Cia.), foi dos livros
mais populares em nossas escolas, nos primeiros
anos do século XX.
Adotada no Colégio Pedro II do Rio de Janeiro, na Escola Normal do Distrito Federal, no Colégio Militar e,
progressivamente, pela maioria dos estabelecimentos de ensino nas principais capitais brasileiras, essa
Antologia Nacional básica na formação literária de
muitas gerações de brasileiros. Inclusive foi o modelo das dezenas de antologias que surgiram depois
e chegam até nós.
O critério da organização do volume bem como a
natureza dos textos escolhidos são bem elucidativos
dos principais objetivos e ideais que orientavam, na
época, a tarefa educativa. Resumindo-os: ênfase na
clareza e na lógica que devia imperar na expressão
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Literatura Infanto-Juvenil | A Literatura Infanto-juvenil e a formação do estado brasileiro
do pensamento; valorização do contemporâneo e ênfase ao nacional, a par da autoridade inquestionável
da fonte-geratriz portuguesa.
Fonte: <http://www.unicamp.br/iel/memoria/Ensaios/LiteraturaInfantil/fausto.html>.
a) Quais os objetivos esperados pelos organizadores de uma
antologia?
b) Até que ponto, vincular a literatura voltada para a criança ao
ensino da língua portuguesa empobrece o próprio conceito de
literatura?
4. Leia o fragmento abaixo tirado de Um Amor Conquistado: o mito
do amor materno, de Elisabeth Badinter (1985), e os versos da
poetisa brasileira Zalina Rolim, publicados no final do século XIX;
depois, responda ao que se pede:
Ao se percorrer a história das atitudes maternas,
nasce a convicção de que o instinto materno é um
mito. Não encontramos nenhuma conduta universal
e necessária da mãe. Ao contrário, constatamos a
extrema variabilidade de seus sentimentos, segundo
sua cultura, ambições ou frustrações. Como, então,
não chegar à conclusão, mesmo que ela pareça cruel,
de que o amor materno é apenas um sentimento e,
como tal, essencialmente contingente? Esse sentimento pode existir ou não existir; ser e desaparecer. Mostrar-se forte ou frágil. Preferir um filho ou
entregar-se a todos. Tudo depende da mãe, de sua
história e da História. Não, não há uma lei universal
nessa matéria, que escapa ao determinismo natural.
O amor materno não é inerente às mulheres. É ‘adicional’ (1985, p.266).
Cuidados maternais
Expor minha filhinha ao sol ardente ‑
Mamãe diz que é um perigo:
Quero sentar‑me ao delicioso abrigo
Deste arbusto virente.
A sombrinha de seda cor-de-rosa
Torna a luz tão suave!...
No arvoredo palpita um ninho de ave
Sob a fronde cheirosa.
Meio‑dia. Um barulho de água viva
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Cortando o fresco atalho
Do bosque, em fino leito de cascalho,
Marulhoso deriva.
Minha filhinha, a todo o encanto alheia,
Descansa em meus joelhos;
E nos seus lábios doces e vermelhos,
Leve sorriso ondeia.
Pesa‑lhe o sono; já entreabre a custo
Os olhos sonolentos,
E adormecê‑la assim exposta aos ventos,
Causa‑me grande susto.
Tão melindrosa e frágil! Pobre anjinho!
Traz‑me em perpétuo anseio...
Quem me dera escondê‑la no meu seio
Em faixas de carinho!...
E conservá‑la assim ‑ meu sonho eterno ‑
No íntimo do peito,
E de amor construir‑lhe o níveo leito
No coração materno!...
5
(Zalina Rolim)
Unidade
a) A maternidade é algo caro à família burguesa. Por que o
poema acima encerra ensinamentos acerca do comportamento
maternal?
b) Para a sociedade administrada burguesa, o espaço a ser
ocupado pela mulher é o da casa. Por quê?
Podemos identificar, no poema em questão, o que diz Badinter acerca
do amor materno como não pertencente às mulheres, mas algo
construído, “adicional”?
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Pedagogia
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Literatura Infanto-Juvenil | A Literatura Infanto-juvenil e a formação do estado brasileiro
RESUMO
RESUMINDO
Foi mostrada, nesta Unidade V, a formação do estado-nação
brasileiro; tendo início com a chegada da família real portuguesa e,
ao mesmo tempo, deu-se ênfase à sujeição dos nossos intelectuais ao
modelo europeu, trazido pela colonização, com reflexos na produção
artística voltada para a criança, ao ser colocada a literatura infantil
em uma dimensão pedagógica simplesmente.
REFERÊNCIAS
REFERÊNCIAS
ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Tradução de Antônio
Pinto de Carvalho. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1964.
BILAC, Olavo. Poesia, por Alceu do Amoroso Lima. Rio de Janeiro:
Agir,1976.
CAVALHEIRO, Edgard. Monteiro Lobato. São Paulo: Brasiliense,
1972. 2 v.
BADINTER, Elisabeth. Um Amor conquistado: o mito do amor
materno. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1985.
BUARQUE DE HOLANDA, Sérgio. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro:
José Olympio,1988.
RIBEIRO, Darcy. Revista do Brasil. Rio de Janeiro: DIV, Editorial
do Departamento de Cultura da SEC do Estado do Rio de Janeiro,
Imprensa Oficial do Município do Rio de Janeiro, 1984.
ROLIM, Zalina. Disponível em: http://www.unicamp.br/iel/memoria/
Ensaios/LiteraturaInfantil/zalina.htm. Acessado em: 24 set. 2010,
11:36:00
ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. São Paulo:
Global, 2003.
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5
Suas anotações
UNIDADE VI
A LEITURA NA ESCOLA E NA SOCIEDADE:
PAPEL E IMPORTÂNCIA DA LITERATURA
INFANTO-JUVENIL
OBJETIVO
Reconhecer a importância da literatura-infantil e seu papel na
escola e na sociedade, com destaque sobre a obra de Monteiro
Lobato.
1 INTRODUÇÃO
Por sua conformação histórica ao âmbito escolar, a literatura
infanto-juvenil esteve dividida entre sua expressão como arte e como
instrumento pedagógico, sendo que a dimensão pedagógica prevaleceu
por um bom tempo. Devemos entender que, no mercado editorial
brasileiro, a produção de livros voltados à escola representava (e
ainda é assim) um montante considerável. Desse modo, no início do
6
século XX, para uma publicação ganhar reconhecimento institucional,
deveria adequar-se a programas e cursos.
Poucos
foram
os
autores
que,
de
diferentes
modos,
Unidade
questionaram esse modelo até então vigente. Um deles foi Monteiro
Lobato, como vimos no final da aula anterior. A partir de agora, vamos
estudar um pouco mais sobre esse importante nome da literatura
brasileira e, sem dúvida, da literatura infanto-juvenil, cuja relevância
reside, entre outros aspectos, na compreensão que defendia das
potencialidades da leitura para o progresso social: ou seja, na sua
perspectiva nacionalista, Lobato entendia que, para o Brasil crescer,
era preciso formar leitores. Com os posteriores estudos sobre a
leitura, de modo amplo, e sobre a leitura literária, especificamente,
muitos especialistas passaram a compreender os atos de leitura
como efetivas práticas sociais, pois podem significar inclusão e,
consequentemente, podem levar à indagação - nesse processo,
torna-se possível a transformação individual e social.
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Pedagogia
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Literatura Infanto-Juvenil | A leitura na escola e na sociedade: papel e importância da Litreratura Infanto-juvenil
2 LOBATO, O SÍTIO E MUITAS HISTÓRIAS POR CONTAR
José Bento Monteiro Lobato, o Juca, como era carinhosamente
chamado pela família e amigos, nasceu na cidade de Taubaté-SP, em
18 de abril de 1882. Formou-se em Direito, mas exerceu muitas outras
atividades: foi fazendeiro, empresário, editor e notabilizou-se como
escritor, sendo reconhecido como um dos maiores autores da literatura
voltada ao público infanto-juvenil, com títulos que foram lançados na
década de 1920, como A menina do narizinho arrebitado. O sucesso
dessa primeira história permitiu estabilizar o grupo que passou a compor
o espaço privilegiado das aventuras vividas por adultos e crianças,
bonecos e animais falantes: o Sítio do Pica-pau Amarelo. Desse modo,
o autor pode definir “a unidade final das Reinações de Narizinho, obra
que, lançada em 1931, nunca perde a primogenitura, permanecendo
como livro inaugural da coleção das obras completas de Monteiro Lobato
para a infância” (LAJOLO; ZILBERMAN, 1985, p. 55).
- Loucura? Sonho? Tudo é loucura ou sonho no
começo. Nada do que o homem fez no mundo teve
início de outra maneira - mas já tantos sonhos se
realizaram que não temos o direito de duvidar de
nenhum.
Figura 6.1 - Monteiro Lobato. Fone: < http://lobato.
globo.com/>.
(Monteiro Lobato. Miscelâneas. 7. ed. São Paulo:
Brasiliense, 1956. p. 178 – disponível em: http://
www.unicamp.br/iel/monteirolobato/citacao.html).
Figuras: 6.2 - Sítio do Picapau Amarelo - 1ª versão. Fonte: <http://obviousmag.org/archives/2005/03/sitio_do_pica_p_1.html>.
Figuras: 6.3 - Sítio do Picapau Amarelo - 2ª versão - Rede Globo. Fonte: <http://sitio.globo.com/>.
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Ao livro inaugural referido, seguem-se:
Viagem ao céu e O Saci, 1932
Caçadas de Pedrinho e Hans Staden, 1933
História do mundo para as crianças, 1933
Memórias da Emília e Peter Pan, 1936
Emília no país da gramática e Aritmética da Emília, 1934
Geografia de Dona Benta, 1935
Serões de Dona Benta e História das invenções, 1937
D. Quixote das crianças, 1936
Em <http://www.unicamp.
br/iel/monteirolobato> você
encontrará muitos documentos, em diferentes meios de
apresentação (textos, fotos,
ilustrações), sobre a vida e a
obra de Lobato. Experimente
essa visita e anote, no final
desta aula, as informações
que considerar mais relevantes sobre esse autor.
um conselho
O poço do Visconde, 1937
Histórias de tia Nastácia, 1937
O Pica-pau Amarelo e A reforma da natureza, 1939
O Minotauro, 1937
A chave do tamanho, 1942
Fábulas, 1922
Os doze trabalhos de Hércules (1º e 2º tomos) , 1942
para conhecer
Para que você possa desenvolver bem seus estudos
sobre Monteiro Lobato, recomendamos que selecione alguns (no mínimo dois) livros
da listagem apresentada das
obras lobatianas. Há muitas edições atuais, de fácil
aquisição e/ou acesso (nas
bibliotecas públicas e de instituições de ensino).
O autor escreveu, também, livros de contos e de
reportagens/ensaios sobre questões importantes da realidade
brasileira de seu tempo, como os problemas ligados à agricultura,
ao desenvolvimento tecnológico, à exploração do petróleo, entre
muitos outros temas. Dos contos, “Urupês”, publicado em 1918,
tornou-se famoso por apresentar a controvertida figura do Jeca
Tatu, matuto do interior paulista que, nesse texto, era criticado,
do campo brasileiro. Mais tarde, teria revisado essa ideia de que
o urupê (parasita também conhecido como “orelha-de-pau”)
da vida interiorana do país era o trabalhador, pois o problema
Figura 6.4 - Jeca Tatú. Fonte: <http:// www.
miniweb.com.br/literatura/artigos/jeca_
tatu_historia1.html>.
estava na falta de políticas adequadas para o desenvolvimento
da população rural, como distribuição justa de terras, educação,
saúde, incentivos agrícolas.
saiba mais
Em Minhas memórias de Lobato, Luciana Sandroni apresenta a biografia do autor
a partir de uma bem-humorada trama narrativa dirigida por Emilia e o Visconde:
ela como a ‘mentora’ da iniciativa e o Visconde como efetivo pesquisador e escritor
do texto. Das brigas e confusões entre os dois brinquedos, vai surgindo a história
de Monteiro Lobato, conforme trecho abaixo:
“[...] O Visconde retomou a leitura, antes que a boneca se exaltasse mais ainda:
Lobatinho gostava muito de ler e vivia na biblioteca do avô Visconde. Naquela época
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Pedagogia
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Unidade
6
como exemplo do atraso da mentalidade e da cultura do homem
Literatura Infanto-Juvenil | A leitura na escola e na sociedade: papel e importância da Litreratura Infanto-juvenil
não havia muitos livros para crianças no Brasil. Então, os poucos livros que existiam,
ele lia e relia várias vezes, como Robinson Crusoé, O menino verde e João Felpudo. O
menino adorava ler para suas irmãs menores e para os filhos dos empregados. E Emília
foi perguntando:
- Mas por que que não tinha outros livros para ele ler? Os escritores não sabiam
escrever nessa época? – provocou.
- Não, Emília, é que como no Brasil não existiam editoras, a grande maioria dos livros
era feita na Europa, então era muito caro e complicado. E ninguém ia se preocupar
com livro para criança. Livro era uma coisa da elite. Só as pessoas ricas tinham livros
e bibliotecas, como o avô do Lobato.
- Puxa! Que sorte a do Lobato de ter um avô Visconde, fazendeiro e ainda por cima
cheio de livros!
- Que sorte a nossa. Porque assim, tendo uma infância cheia de livros, se divertindo
e aprendendo tanto com os livros, o Lobato notou que todo mundo, principalmente
as crianças, tinham que ler e, por isso, em 1919, ele fundou uma editora: a Monteiro
Lobato & Cia.
- Espera aí, Visconde, você estava na infância do Lobatinho e agora ele já está
afundando editora?
- Fundando, Emilia. Em todo o caso, você tem razão, acho que me adiantei um
pouquinho. Vamos lá, deixa eu continuar a ler: [...]”.
(Companhia das Letras, 1997, p. 13-14).
Sobre a obra infanto-juvenil de Lobato, devemos considerar o
contexto histórico-cultural em que se desenvolveu, ou seja, vivia-se
o processo de modernização da sociedade brasileira. Nesse período,
novas perspectivas culturais para o desenvolvimento do país eram
colocadas em causa: valorização da dimensão popular da cultura
brasileira, revalorização do folclore, da oralidade, ao mesmo tempo em
que se efetivava uma ‘apropriação’ criativa dos valores estrangeiros.
No caso da obra lobatiana, o autor concentrou a sua
representação do que esperava do Brasil no espaço privilegiado do
sítio de Dona Benta (LAJOLO; ZILBERMAN, 1985). Ali, por meio das
tantas aventuras capitaneadas pela boneca Emília, por Narizinho,
Pedrinho e muitos personagens que a eles se somam, refletiam-se
os valores do autor, suas críticas ao que considerava o atraso da
realidade brasileira, suas perspectivas de modernização.
Em termos de estrutura das narrativas de Lobato, devemos
considerar marcas de mudança e de conservação. Com relação às
primeiras, é reconhecida a importância positiva de o autor ter dado
espaço para o protagonismo infantil – as crianças do sítio são agentes
de muitas histórias, são espertas e ativas como todas as crianças,
não são um exemplo acabado de certo bom comportamento esperado
pela “norma” social. Entretanto, as peraltices mais acentuadas ficam
a cargo da boneca Emilia – e os brinquedos tudo podem fazer, já
que pertencem ao mundo da fantasia, o que também significou uma
importante estratégia narrativa a renovar essa literatura.
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Módulo 5 I
Volume 1
EAD
Por meio de Emília, a bonequinha de
pano que ganhou vida e não parou
mais de falar depois de engolir
a pílula falante, Monteiro Lobato
expressou muitas de suas ideias e
visão de mundo.
In Figuras 6.2. Fonte: <http://obviousmag.
org/archives/2005/03/sitio_do_pica_p_1.html>.
Outro aspecto relevante, apontado por Lajolo e Zilberman
(1985) refere-se à rejeição de Lobato à linguagem gramatical
normativa, como se pode ver, no trecho abaixo, de “O irmão de
Pinóquio”:
A moda de Dona Benta ler era boa. Lia ‘diferente’ dos
livros. Como quase todos os livros para crianças que
há no Brasil são muito sem graça, cheios de termos
do tempo do onça ou só usados em Portugal, a boa
velha lia traduzindo aquele português de defunto em
língua do Brasil de hoje. Onde estava, por exemplo,
‘lume’, lia ‘fogo’; onde estava ‘lareira’ lia ‘varanda’.
E sempre que dava com um ‘botou-o’ ou ‘comeu-o’,
lia ‘botou ele’, ‘comeu ele’. – e ficava o dobro mais
interessante.
(Disponível em: <http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?aula=7677>. Esse trecho é parte integrante das Reinações de Narizinho).
faz, com o uso da metalinguagem, uma referência
positiva sobre suas próprias estratégias de contar
histórias, ou seja, avalia as demais narrativas infantis
brasileiras como sendo pouco interessantes por não
falarem a linguagem das crianças, e explicita essa
avaliação no próprio “corpo” de uma história infantil.
Entretanto, há aspectos em que se verifica certa
conservação dos modelos até então vigentes. Vejamos o
caso de Dona Benta: a proprietária do sítio, se, por um lado,
representa a avó afetuosa e encorajadora das aventuras
dos netos, ao mesmo tempo, é a narradora que detém o
conhecimento acabado, isto é, de uma mulher idosa, que
possui o sentido apropriado das histórias que narra. Ainda
que garanta a devida adaptação dos chamados clássicos
infantis, ou da própria linguagem a ser utilizada, ela é a
representante da elite branca e culta de um Brasil ainda
marcado por altas taxas de analfabetismo.
UESC
Pedagogia
Metalinguagem
palavra formada com o prefixo grego meta, que expressa as idéias de
comunidade ou participação, mistura
ou intermediação e sucessão, designa a linguagem que se debruça sobre si mesma. Por extensão, diz-se
também: metadiscurso , metaliteratura, metapoema e metanarrativa.
Em seu estudo sobre as funções da
linguagem, Roman Jakobson (1974)
considera
função
metalinguística
quando a linguagem fala da linguagem, voltando-se para si mesma.
Tal função reenvia o código utilizado
à língua e a seus elementos constitutivos. [...] O cinema, os quadrinhos,
a propaganda, as artes plásticas e a
própria literatura fazem amplo uso
dessa função. Assim, quando um
escritor escreve um poema [ou uma
narrativa ficcional] e discute o seu
próprio fazer poético [ou narrativo],
explicitando procedimentos utilizados em sua construção, ele está usando a
metalinguagem.
Fonte: E-dicionário de termos literários, de Carlos Ceia.
Disponível em: http://www.edtl.com.pt/index.php.
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6
A crítica do narrador desse texto é clara e ainda
Unidade
Literatura Infanto-Juvenil | A leitura na escola e na sociedade: papel e importância da Litreratura Infanto-juvenil
Já Tia Nastácia, por outro lado, é a serviçal negra, herança
do tempo colonial e escravocrata, que detém o saber popular,
ao mesmo tempo valorizado, ao adentrar no espaço do Sítio, e
subalternizado pelas frequentes críticas que recebe quando se torna
também contadora de histórias. Essas e outras problematizações são
desenvolvidas por Marisa Lajolo, em “A figura do negro em Monteiro
Lobato”, do qual extraímos os trechos abaixo:
Tia Nastácia, [...] desfruta da afetividade da matriarcal família branca para a qual trabalha e, ao mesmo
tempo, apesar de suas breves, mas muito significativas incursões pela sala e varanda, encontra no espaço da cozinha emblema de seu confinamento e de
sua desqualificação social. Ao longo da obra infantil lobatiana, a exceção ao carinho brincalhão que a
cerca vem sempre pela boca da Emília que em momentos de discussão e desentendimento desrespeita
a velha cozinheira, como sucede em algumas passagens de Histórias de Tia Nastácia [1957, p. 30]:
“Pois cá comigo - disse Emília- só aturo estas
histórias como estudos da ignorância e burrice do
povo. Prazer não sinto nenhum. Não são engraçadas,
não têm humorismo. Parecem-me muito grosseiras e
até bárbaras - coisa mesmo de negra beiçuda, como
Tia Nastácia. Não gosto, não gosto, e não gosto!”
[Fonte: http://www.unicamp.br/iel/monteirolobato/
outros/lobatonegros.pdf]
Entretanto,
segundo
Lajolo,
nesse
mesmo
texto,
os
xingamentos de Emília são verossímeis e, “portanto, esteticamente
necessários numa obra cuja qualidade literária tem lastro forte na
verossimilhança das situações e na coloquialidade da linguagem”
(idem). Assim, o acirramento das contradições sociais está presente
na obra lobatiana principalmente na situação em que tia Nastácia,
como contadora de histórias de tradição oral, é subalternizada em
relação aos seus ouvintes, detentores da cultura escrita. Isso porque
Lobato, de acordo com Lajolo,
[...] ao contrário de seus pares, não se limita a reproduzir, em forma de antologia asséptica, as histórias
que Tia Nastácia conta. Lobato reproduz a história
encenando a situação de narração e recepção, pondo, pois, em confronto o mundo da cultura negra do
qual, no caso, Tia Nastácia é legítima porta-voz e o
mundo da modernidade branca, à qual dão voz tanto
às crianças quanto à própria Dona Benta, também
88
Módulo 5 I
Volume 1
EAD
ela ouvinte de Tia Nastácia e também ela insatisfeita
com as histórias que ouve. Mas, ao contrário dos outros
ouvintes, capaz de apontar, com objetividade, as razões
da insatisfação:
“- As histórias que correm entre nosso povo são reflexos
da era mais barbaresca da Europa. Os colonizadores
portugueses trouxeram estas histórias e soltaram-nas
por aqui - e o povo as vai repetindo, sobretudo na roça.
A mentalidade de nossa gente roceira está ainda muito
próxima da dos primeiros colonizadores.
- Por que, vovó?
- Por causa do analfabetismo. Como não sabem ler, só
entra na cabeça dos homens do povo o que os outros
contam - e os outros só contam o que ouviram. A coisa
vem assim num rosário de pais a filhos. Só quem sabe
ler e lê os bons livros, é que se põe de acordo com
os progressos que as ciências trouxeram ao mundo”
(1998, p.85).
Desse modo, para Lajolo (1998), num Brasil que se queria
moderno, à Tia Nastácia apenas restava o papel de “informante, de
fornecedora de histórias das quais as outras personagens lobatianas
se apropriavam”, elevando o seu conteúdo à relevância do folclore de
acordo com estética modernista.
Podemos compreender, dessa maneira, que a literatura infanto-
juvenil, aqui exemplificada com os textos paradigmáticos de Monteiro
Lobato, como toda arte, dialoga com o tempo histórico no qual está
inserida, apresentando seus avanços e contradições, suas possibilidades
e limites. Isso porque os autores, enquanto criadores de mundos,
6
neles veiculam, de forma mais ou menos consciente, seus valores, sua
conformação ideológica e sua posição de classe.
Entretanto, precisamos considerar o problema de “julgarmos”
Unidade
os valores e perspectivas de uma época com os de outra – ou seja,
numa leitura apressada, seria possível, hoje, acentuar um caráter
racista na obra lobatiana, mas esse não é um caminho adequado de
análise. O importante é compreendermos os impasses pessoais e sociais
então vividos pelo autor, por seu tempo, como explicou Lajolo no texto
seleiconado. Além disso, em um conto não direcionado ao público infantojuvenil, “Negrinha”, Monteiro Lobato aponta duras críticas à hipocrisia e
à crueldade de certos setores sociais em relação à desumana condição
dos negros, como podemos perceber no excerto abaixo:
Negrinha era uma pobre órfã de sete anos. Preta? Não;
fusca, mulatinha escura, de cabelos ruços e olhos assustados.
UESC
Pedagogia
89
Literatura Infanto-Juvenil | A leitura na escola e na sociedade: papel e importância da Litreratura Infanto-juvenil
Nascera na senzala, de mãe escrava, e seus primeiros anos vivera-os pelos cantos escuros da cozinha, sobre velha esteira e trapos imundos. Sempre escondida,
que a patroa não gostava de crianças.
Excelente senhora, a patroa. Gorda, rica, dona
do mundo, amimada dos padres, com lugar certo na
igreja e camarote de luxo reservado no céu. Entaladas
as banhas no trono (uma cadeira de balanço na sala
de jantar), ali bordava, recebia as amigas e o vigário,
dando audiências, discutindo o tempo. Uma virtuosa
senhora em suma — “dama de grandes virtudes apostólicas, esteio da religião e da moral”, dizia o reverendo.
Ótima, a dona Inácia.
Mas não admitia choro de criança. Ai! Punha-lhe os
nervos em carne viva. Viúva sem filhos, não a calejara
o choro da carne de sua carne, e por isso não suportava
o choro da carne alheia. Assim, mal vagia, longe, na
cozinha, a triste criança, gritava logo nervosa:
— Quem é a peste que está chorando aí?
Quem havia de ser? A pia de lavar pratos? O pilão?
O forno? A mãe da criminosa abafava a boquinha da
filha e afastava-se com ela para os fundos do quintal,
torcendo-lhe em caminho beliscões de desespero.
— Cale a boca, diabo!
No entanto, aquele choro nunca vinha sem razão.
Fome quase sempre, ou frio, desses que entanguem
pés e mãos e fazem-nos doer...
Assim cresceu Negrinha — magra, atrofiada, com
os olhos eternamente assustados. Órfã aos quatro
anos, por ali ficou feito gato sem dono, levada a pontapés. Não compreendia a idéia dos grandes. Batiamlhe sempre, por ação ou omissão. A mesma coisa, o
mesmo ato, a mesma palavra provocava ora risadas,
ora castigos. Aprendeu a andar, mas quase não andava.
Com pretextos de que às soltas reinaria no quintal, estragando as plantas, a boa senhora punha-a na sala, ao
pé de si, num desvão da porta.
— Sentadinha aí, e bico, hein?
Negrinha imobilizava-se no canto, horas e horas.
— Braços cruzados, já, diabo!
Cruzava os bracinhos a tremer, sempre com o susto nos olhos. E o tempo corria. E o relógio batia uma,
duas, três, quatro, cinco horas — um cuco tão engraçadinho! Era seu divertimento vê-lo abrir a janela e
cantar as horas com a bocarra vermelha, arrufando as
asas. Sorria-se então por dentro, feliz um instante. [...]
Fonte: Esse conto, de 1920, foi publicado originalmente em
livro do mesmo nome, tendo sido selecionado por Ítalo Moriconi e consta de Os cem melhores contos brasileiros do século [Objetiva: Rio de Janeiro, 2000, p. 78]. Disponível em:
<http://www.bancodeescola.com/negrinha.htm>.
90
Módulo 5 I
Volume 1
EAD
Ao considerarmos esses diferentes enfoques e perspectivas
de um mesmo autor, importa compreender que a leitura literária
permite, como talvez nenhum outro tipo de discurso (ou seja, modo
de linguagem que se concretiza em ato de comunicação tanto oral
quanto escrita: discurso jornalístico, político, literário, entre outros),
ampliar sentidos e perspectivas críticas em relação à realidade
concreta da vida. Desse modo, qualquer imposição de um determinado
sentido aos textos literários se torna descabida, empobrecedora e tão
criticável quanto toda forma de censura.
Aprofundar os sentidos da leitura e, especialmente, da leitura
literária, como fonte de emancipação humana, é o nosso próximo
você sabia?
No dia 8 de janeiro de
2002, a Lei 10.402 instituiu a data de 18 de
abril, aniversário de
Monteiro Lobato, como
o Dia Nacional do Livro
Infantil.
assunto.
3 LEITURA COMO PRÁTICA SOCIAL
Lendo, fica-se a saber quase tudo, Eu também leio, Algo portanto
saberás, Agora já não estou tão certa, Terás então de ler doutra
maneira, Como, Não serve a mesma maneira para todos, cada
um inventa a sua, a que lhe for própria, há quem leve a vida
inteira a ler sem nunca ter conseguido ir mais além da leitura,
ficam apegados à página, não percebem que as palavras são
apenas pedras postas a atravessar a corrente de um rio, se
estão ali é para que possamos chegar á outra margem, a outra
margem é que importa, A não ser, A não ser, quê, A não ser que
6
esses tais rios não tenham duas margens, mas muitas, que cada
pessoa que lê seja, ela, a sua própria margem, e que seja sua, e
Unidade
apenas sua, a margem que terá de chegar.
José Saramago – A caverna
Figura 6.5 - Fonte: http://imagens.kboing.com.br/papeldeparede/6384pedras.jpg
UESC
Pedagogia
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Literatura Infanto-Juvenil | A leitura na escola e na sociedade: papel e importância da Litreratura Infanto-juvenil
Quando pensamos em leitura, partimos de uma concepção
do
ato
de
ler
como
atividade
individual,
capacitada
pela
alfabetização e progressiva escolarização das crianças e jovens.
Consequentemente, como afirma Zilberman, em Leitura: História
e sociedade, “ler não é inato ao ser humano, e essa circunstância
- a de consistir em habilidade adquirida - denuncia, de imediato,
a natureza social daquela atividade” (Disponível em: http://www.
crmariocovas.sp.gov.br/pdf/ideias_05_p013-017_c.pdf).
Como prática social, o desenvolvimento da habilidade
leitora, sobretudo em um mundo balizado pelo código da escrita,
transforma-se em condição definidora do acesso mais ou menos
facilitado (quando não do efetivo entrave) às prerrogativas do
exercício da cidadania. Nesse processo, o papel da escola e do/a
professor/a, como mediador/a de leitura, é fundamental:
Somente quando se ensina o aluno a perceber esse
objeto que é o texto em toda sua beleza e complexidade, isto é, como ele está estruturado, como ele
produz sentidos, quantos significados podem ser aí
sucessivamente revelados, ou seja, somente quando
são mostrados ao aluno modos de se envolver com
esse objeto, mobilizando os seus saberes, memórias,
sentimentos para assim compreendê-lo, há ensino
de leitura. O papel da escola nesse processo é o de
fornecer um conjunto de instrumentos e de estratégias
para o aluno realizar esse trabalho de forma progressivamente autônoma (KLEIMAN, 2002, p. 28).
Entretanto, para Maria da Glória Bordini, em Literatura: a
formação do leitor (1993, p. 13), se todos os livros favorecem a descoberta de sentidos, são os textos literários “que o fazem de modo
mais abrangente. Enquanto os textos informativos atêm-se aos fatos
particulares, a literatura dá conta da totalidade do real, pois, representando o particular, logra atingir uma significação mais ampla”. Por
esse mesmo ângulo de abordagem, Eliana Yunes, em “Políticas públicas de leitura – modos de fazer” (2003), afirma que o processo de
desenvolvimento da leitura deve começar pela literatura,
[...] pela contação de histórias, pela narrativa, pois
ela excita nosso imaginário e organiza nossa narratividade. Justamente aí, na formação de nossa capacidade de dizer e de nos dizer, está o extraordinário
poder da linguagem [ao] nos ensinar a pensar com
autonomia e criticidade [...] além de construir nossa
história pessoal, nossa intersubjetividade e identidade (2003, p. 16).
92
Módulo 5 I
Volume 1
EAD
Quando se realiza o ato da leitura, portanto, sobretudo, no
caso da leitura literária, efetiva-se uma integração entre texto-leitor
que, abrindo-se a muitos possíveis sentidos, revela inumeráveis
perspectivas de compreensão do indivíduo com o mundo e consigo
mesmo. Vejamos um exemplo dessa questão: vamos retomar o texto
do escritor português José Saramago em epígrafe, que faz parte do
romance A caverna (2000). Em uma primeira leitura, o tipo de registro
escrito que o autor realiza não nos permite facilmente reconhecer a
alternância das vozes que compõe o diálogo. Porém, se prestarmos
bem atenção, veremos que se trata de duas personagens cujas falas
se alternam após as vírgulas seguidas de letra maiúscula. Percebemos
mais facilmente esse registro se fizermos a leitura do trecho em voz
alta: experimente. E siga esse exemplo:
_
Lendo, fica-se a saber quase tudo,
_
Eu também leio,
_
Algo portanto saberás,
_
Agora já não estou tão certa,
_
Terás então de ler doutra maneira,
_
Como,
_
Não serve a mesma maneira para todos, cada um
para refletir
Ao final do excerto de
José Saramago selecionado como epígrafe para o item 3
desta aula, encontramos a ideia de “que
cada pessoa que lê
[é], ela, a sua própria
margem, e que [é]
sua, e apenas sua, a
margem que terá de
chegar”. Então, cada
leitura que fazemos
é um trajeto para
conhecermos mais a
nós mesmos?
você sabia?
inventa a sua, a que lhe for própria, há quem leve a
vida inteira a ler sem nunca ter conseguido ir mais
atravessar a corrente de um rio, se estão ali é para
Figura: 6.6 - José Saramago. Fonte:
<http://en.wikipedia.org/wiki/File:Jose
Saramago.jpg>.
que possamos chegar á outra margem, a outra margem é que importa,
Vemos, assim, que não é difícil realizar a leitura se aceitarmos
o desafio da abertura para novos códigos, para diferentes registros
que, modificando nossa percepção imediata, exigem constante
amadurecimento de nossa capacidade leitora e de interpretação. Esse
desafio encontramos, com força e relevância, nos textos literários.
No caso da literatura infanto-juvenil, essa tem a importante
função de servir como uma espécie de chave inicial para o mundo da
leitura que cria outros mundos possíveis. Entretanto, não podemos
esquecer que o conceito de infância sofreu mudanças com o devir
histórico. Vamos, então, relembrar duas passagens anteriores, da
aula II e da III, respectivamente: nos séculos XVII e XVIII, durante
UESC
Pedagogia
José Saramago (Ribatejo, 16/11/1992 - Lanzarote, 18/06/2010) foi,
até presente, o único
escritor de língua portuguesa que recebeu o
Prêmio Nobel de Literatura (em 1999, pelo conjunto da sua obra, culminando com o romance
Ensaio sobre a cegueira). Sua vasta criação literária trata de questões
importantes sobre a realidade social portuguesa
e mundial. Na literatura
infanto-juvenil, publicou
A maior flor do mundo
(lançado em 2001, no
Brasil, pela Companhia
das Letras).
93
Unidade
cebem que as palavras são apenas pedras postas a
6
além da leitura, ficam apegados à página, não per-
Literatura Infanto-Juvenil | A leitura na escola e na sociedade: papel e importância da Litreratura Infanto-juvenil
o processo de afirmação da vida burguesa, “ambos, mãe e filho,
são considerados infantis, vistos como menores, por isso, sem voz,
uma vez que infantil é aquele que não é sujeito de sua própria
enunciação”. Já a partir da segunda metade do século XIX, “A voz
da criança, enquanto leitor, é levada em conta e a necessidade de
impor um modelo comportamental vai sendo relativizado”. Portanto,
conforme muda a concepção de infância, em função das circunstâncias
histórico-sociais e culturais, altera-se a compreensão da importância
da literatura direcionada a crianças e jovens. Isso também significa
reconhecer a literatura infanto-juvenil “mais em termos do leitor do
que das intenções dos autores ou dos próprios textos” (CECCANTINI,
2004, p. 21).
Se concordarmos com essa última afirmação e considerar-
mos que é na escola que se efetiva institucionalmente o processo
de formação de leitores, devemos ponderar sobre quais são os livros a serem encaminhados à leitura escolar: precisamos levar em
conta, especialmente, o público a que se destina e, dessa forma, não
podemos perder de vista a importância do reconhecimento de diferentes interesses por faixa etária, contexto histórico-cultural, entre
outros elementos significativos no delineamento mais aproximado do
grupo de leitores.
De forma consequente, é responsabilidade do(a) professor(a)
estabelecer os critérios para a adesão de seus alunos às atividades
propostas, como avalia Marisa Lajolo, em Do mundo da leitura para a
leitura do mundo (2004):
Os projetos precisam abrir-se com a crítica da inevitável participação nos rituais de apropriação da
literatura infantil pela escola e vice-versa: que os
professores lutem por uma formação competente,
regular e supletiva, que os liberte da tutela de cursos
efêmeros e do paternalismo autoritário de receitas
de leituras apostas a livros; que os autores se mobilizem no sentido de fazerem frente à escolarização de
seus textos; e que os demais envolvidos - nós todos
- discutamos nos circuitos, bastidores e arrabaldes
da literatura infantil o caráter histórico da organicidade institucional dos livros infantis, refinando categorias para a compreensão dessa historicidade que
também nos envolve, cumprindo, assim, de forma
mais crítica, o papel que nos cabe, e que ninguém
cumprirá por nós (2004, p. 74).
Portanto, a potencialidade reflexiva que a leitura literária
proporciona deve ser fruto do encantamento harmônico, que ocorre
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Módulo 5 I
Volume 1
EAD
no decorrer de uma leitura. Esse envolvimento só será bem sucedido
se o(a) professor(a) fizer sua parte de motivador(a), selecionando
os textos adequados aos interesses dos pequenos leitores em
desenvolvimento, estimulando-os para o percurso de uma crescente
complexidade de leituras.
ATIVIDADES
ATIVIDADES
1. Selecione um dos livros de Monteiro Lobato para crianças e escolha uma história, uma cena ou uma passagem para:
a) Desenvolver um comentário sobre a importância desse autor
em relação à literatura infanto-juvenil (considere a maneira
como são descritos os cenários, como são apresentadas as
personagens, a linguagem utilizada pelo narrador e pelos protagonistas);
b) relacionar com uma das seguintes frases* do autor:
“Ainda acabo fazendo livros onde as nossas crianças possam
morar.”
6
“Nada de imitar seja lá quem for. [...] Temos de ser nós
Unidade
mesmos. [...] Ser núcleo de cometa, não cauda. Puxar fila,
não seguir.”
[*Fonte: http://lobato.globo.com/misc_bau.asp]
2. Você concorda com a perspectiva crítica que Marisa Lajolo apresenta no excerto abaixo, do texto Quem paga a música escolhe
a dança? Por quê?
Como os antigos diziam que quem paga a música
escolhe a dança, talvez se acredite hoje ser correto
que quem paga o livro escolha a leitura que dele se
vai fazer. A situação atual tem sua (triste) caricatura
no lobo de Chapeuzinho Vermelho que não é mais
abatido pelos caçadores, e pela dona Chica-ca que
não mais atira um pau no gato-to. Muda-se o final
da história e reescreve-se a letra da música porque
se acredita que leitores e ouvintes sairão dos livros
UESC
Pedagogia
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Literatura Infanto-Juvenil | A leitura na escola e na sociedade: papel e importância da Litreratura Infanto-juvenil
e das canções abatendo lobos e caindo de pau em
bichanos. Trata-se de uma idéia pobre, precária e
incorreta que além de considerar as crianças como
tontas, desconsidera a função simbólica da cultura.
Para ficar em um exemplo clássico, a psicanálise e os
estudos literários ensinam que a madrasta malvada
de contos de fada não desenvolve hostilidade contra
a nova mulher do papai, mas - ao contrário - pode
ajudar a criança a não se sentir muito culpada nos
momentos em que odeia a mamãe, verdadeira ou
adotiva...
Fonte: www.letras.ufscar.br/linguasagem/edicao15/pl001.php
3. Quando os professores selecionam livros para os pequenos leitores
na escola, eles devem considerar, sobretudo, a qualidade estética
desses livros. É o que afirma Regina Zilberman, em A literatura
infantil na escola (1981, p. 23):
A seleção dos textos advém da aplicação de critérios
de discriminação. O professor que se vale do livro
para veiculação de regras gramaticais ou normas de
obediência e bom comportamento oscilará da obra
escrita de acordo com um padrão culto, mas adulto,
àquela criação que tem índole edificante. Todavia,
é necessário que o valor por excelência a guiar a
seleção se relacione à qualidade estética. Porque a
literatura infantil atinge o estatuto de arte literária
e se distancia de sua origem comprometida com a
pedagogia, quando apresenta textos de valor artístico a seus pequenos leitores; e não é porque estes ainda não alcançaram o status de adulto que merecem
uma produção literária menor.
a) Você concorda com essa perspectiva sobre a literatura infanto-juvenil? Explique:
b) Selecione um livro de literatura infanto-juvenil de Monteiro Lobato e comente sobre as qualidades estéticas que
apresenta – considere a caracterização das personagens, a
ambientação, o tipo de diálogo que aparece, o tipo de narrador e os jogos de sentido e linguagem que o texto coloca
em ação:
4. Em A maior flor do mundo, José Saramago, escritor que conhecemos
nesta aula, lança duas questões ao final da história:
96
Módulo 5 I
Volume 1
EAD
E se as histórias para crianças passassem a ser leitura obrigatória para os adultos? Seriam eles capazes
de aprender realmente o que há tanto tempo têm
andado a ensinar?
- Elabore a resposta para essas perguntas na forma de uma carta
escrita por Emilia, a boneca de Lobato, dirigida a um dos personagens
do Sitio do Pica-pau Amarelo. Antes, assista ao filme que, apesar de ser
uma versão em espanhol do livro infantil de Saramago, é facilmente
compreensível – encontra-se em: <http://youtu.be/MNavjsXc12c>.
RESUMINDO
Resumo
Nesta Unidade VI, você estudou que a literatura infanto-juvenil
brasileira tem em Lobato um de seus maiores nomes, cuja obra
permitiu avanços na concepção de leitura para crianças e jovens,
sendo a escola um espaço privilegiado para o seu desenvolvimento,
Unidade
6
marcado por contradições e desafios próprios de toda prática social.
UESC
Pedagogia
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Literatura Infanto-Juvenil | A leitura na escola e na sociedade: papel e importância da Litreratura Infanto-juvenil
REFERÊNCIAS
REFERÊNCIAS
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Alegre: Mercado Aberto, 1993.
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KLEIMAN, Ângela. O processo de leitura. In: BECKER, Paulo Ricardo e
RÖSING, Tânia M. K. (Org). Leitura e animação cultural – repensando a escola e a biblioteca. Passo Fundo: UPF, 2002.
LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura para a leitura do mundo.
São Paulo: Ática, 2004.
______. Quem paga a música escolhe a dança? Disponível em:
www.letras.ufscar.br/linguasagem/edicao15/pl001.php. Acesso em
jan./2011.
______. A figura do negro em Monteiro Lobato. Disponível em:
http://www.unicamp.br/iel/monteirolobato/outros/lobatonegros.pdf.
Acesso em: jan. 2011
______. ZILBERMAN, Regina. Literatura infantil brasileira –
História & histórias. São Paulo: Ática, 1985.
MASINA, Lea. A leitura partilhada. Porto Alegre: Movimento, 2005.
SANDRONI, Luciana. Minhas memórias de Lobato – contadas por
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de Laerte. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1997.
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das Letras, 2001.
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YUNES, Eliana. Políticas públicas de leitura – modos de fazer. In:
RETTENMAIER, Miguel e RÖSING, Tânia M. K. (Org). Questões de
leitura. Passo Fundo: UPF, 2003.
ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. São Paulo:
Global, 1981.
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EAD
Suas anotações
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UNIDADE VII
A DIMENSÃO DO IMAGINÁRIO NA
LITERATURA INFANTO-JUVENIL
OBJETIVO
Reconhecer as mudanças pelas quais passou a literatura infantojuvenil brasileira, compreendendo as principais implicações do
conceito de imaginário em suas diferentes formas de abordagem.
1 INTRODUÇÃO
Em 1935, Jorge Amado, na Revista Brasileira, publicou o texto
“Livros Infantis” (apud LAJOLO; ZILBERMAN, 1985, p. 313), no qual
afirma a dificuldade de escrever para crianças, pois elas são leitoras
muito exigentes: “Para satisfazer [aos] leitores adultos é bastante
relatar a vida, o quotidiano dos homens e dos ambientes ou ensinar
alguma coisa. Não é preciso fugir do plano da realidade. Porém, a
7
criança exige mais do que isto: exige imaginação”.
O imaginar, o plano do sonho e da fantasia são fundamentos
Unidade
dessa literatura, mas, como veremos, as relações entre o ficcional
e o imaginário são, na verdade, as bases da arte literária em todas
as suas variadas formas de expressão, quer em prosa, quer em
verso, nas narrativas ou nos poemas para crianças e adultos. Isso
porque, a partir dos avanços dos estudos literários, psicanalíticos,
antropológicos, entre outros, consolidou-se a ideia de que os seres
humanos necessitam de uma instância de “faz de conta”, durante
todos os períodos da sua vida: por isso há sempre público para
novelas de TV, para o cinema, para o teatro e, claro, para a literatura.
UESC
Pedagogia
101
Literatura Infanto-Juvenil | A dimensão do Imaginário na Literatura Infanto-juvenil
saiba mais
Jorge Amado: nasceu em 1912, em Itabuna, na Bahia e faleceu em 2001, em
Salvador, capital do estado. Reconhecido por suas narrativas em que problematiza
diversos aspectos da realidade social brasileira, como em Capitães de Areia (1936),
Terras do sem fim (1943), O sumiço da santa (1988), entre inúmeras outras obras
merecedoras de prêmios no Brasil e no exterior, também escreveu livros infantis.
Destaca-se O gato malhado e a andorinha Sinhá, publicado em 1976, por insistência
de seu filho João Jorge, para quem era dedicado o livro como presente de seu primeiro
aniversário:
O temperamento do gato malhado não era dos melhores.
Sua fama de encrenqueiro era tanta que, quando ele aparecia no parque, todos fugiam: a galinha carijó, o reverendo
papagaio, o pato negro, a pata branca, mamãe sabiá, os
pombos, os cães. Até as flores se fechavam à sua passagem. Ao descobrir que todos os bichos tinham medo dele,
o gato fica arrasado. Mas logo retoma sua indiferença habitual, pois não se importa com os outros.
O que ele não sabia é que havia alguém que não tinha
nem um pouco de medo dele: a andorinha Sinhá. Num dia
de primavera, o gato percebe que ela foi a única que não
fugiu quando ele apareceu. A andorinha justifica sua coragem: ela voa, ele não. Desde aquele dia a amizade entre
os dois se aprofunda, e no outono os bichos já vêem o gato
com outros olhos, achando que talvez ele não seja tão ruim
e perigoso, uma vez que passara toda a primavera e o verão
sem aprontar.
Durante esse tempo, até soneto o gato escreveu. E confessou
à andorinha: ‘Se eu não fosse um gato, te pediria para casares
comigo’. Mas o amor entre os dois é proibido, não só porque
o gato é visto com desconfiança, mas também porque a andorinha está prometida ao rouxinol.
Com grande lirismo, a história do amor de um gato mau
por uma adorável andorinha assume aqui o tom fabular
dos contos infanto-juvenis. Além de se transformar em um
improvável caso de paixão, a narrativa mostra como duas
criaturas bem diferentes podem não apenas conviver em
paz como mudar a maneira de ver o mundo [posfácio de
Tatiana Belinky e João Jorge Amado].
Figura 7.1 - Jorge Amado.
Fonte: <http://pt.wikipedia.org>.
Figuras 7.2.
Fonte: arquivos UAB/UESC
Fonte: http://www.jorgeamado.com.br/obra.php3?codigo=40473.
2 MUDAM-SE OS TEMPOS, MUDAM-SE AS HISTÓRIAS E
OS VERSOS
Com os avanços da industrialização brasileira, com as novas
perspectivas de crescimento econômico e modernização, a vida cultural do país também foi sofrendo mudanças significativas e a literatura infanto-juvenil acompanha esse processo. Um número maior de
autores volta-se à escrita para crianças e jovens e são variadas as
abordagens por meio das quais a vida rural, até então predominante
em muitas histórias, perde terreno para o cenário urbano, em que
102
Módulo 5 I
Volume 1
EAD
são representadas situações da emergente classe média brasileira e
seus novos hábitos de consumo (LAJOLO; ZILBERMAN, 1985).
Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de
1961, a formação de leitores torna-se parte fundamental do currículo
escolar. Entretanto, isso não significou exatamente um avanço nas
perspectivas críticas sobre a literatura dirigida aos pequenos, pois as
histórias lidas e estudadas nas escolas eram, muitas vezes, pretexto
para o ensino da gramática ou da linguagem, de modo amplo (BITENCOURT, 2005; COELHO, 1991). Sem contar as “famigeradas” fichas
de leitura, que apresentavam, na maioria das vezes, uma perspectiva unilateral dos textos, com respostas programadas e baseadas na
memorização de certos aspectos básicos das histórias (por exemplo:
pedir ao aluno que reproduzisse os nomes dos protagonistas; indicar,
no melhor dos casos, sugerir, uma “mensagem” do autor que deveria
ser encontrada no enredo etc.).
De todo modo, a importância dada à leitura nessa época foi
relevante para a institucionalização da literatura infanto-juvenil:
[...] surgiram a Fundação do Livro Escolar (1966), a
Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (1968),
o Centro de Estudos de Literatura Infantil e Juvenil (1973), as várias Associações de Professores de
Língua e Literatura, além da Academia de Literatura
Infantil e Juvenil, criada em São Paulo, em 1979 (LAJOLO; ZILBERMAN, 1985, p. 123).
Esse processo foi resultante das mudanças registradas nesse
período sobre a própria concepção de infância e a imagem da criança
não mais como tábula rasa (ou seja, o vazio anterior a toda experiência) nem passiva, mas como “sofrida, inquieta, crítica, participante”.
São exemplos dessa nova concepção as narrativas A prefeitura é nos-
7
sa, de Giselda Nicolelis, e A bolsa amarela, de Lygia Bojunga Nunes
Unidade
(LAJOLO; ZILBERMAN, 1986, p. 178), entre muitas outras.
saiba mais
Giselda Laporta Nicolelis: nasceu em São Paulo, em 27 de outubro de 1938, publicou sua primeira história em 1972 e o primeiro livro em 1974. Foi então que descobriu
seu verdadeiro caminho: a literatura infantil e juvenil, crianças e adolescentes. Hoje
sua obra abrange mais de cem títulos, entre livros infantis e juvenis, ficção, poesia e
ensaio, publicados por dezenas de editoras, com centenas de edições, e milhões de
exemplares vendidos. Exerceu também o jornalismo, em publicação dirigida ao público
infantil e juvenil, e trabalhou como coordenadora editorial, em duas coleções juvenis.
UESC
Pedagogia
103
Literatura Infanto-Juvenil | A dimensão do Imaginário na Literatura Infanto-juvenil
Sócia-fundadora do Centro de Estudos de Literatura Infantil e Juvenil, cujo acervo se
encontra atualmente na Universidade de São Paulo, da União Brasileira de Escritores,
do Sindicato de Escritores do Estado de São Paulo e da Clearing House for Women
Authors of America. É mãe do cientista Miguel Nicolelis. Fonte: http://litinfjuv.wordpress.com/2010/04/19/350/
Figuras 7.3. Fonte: <http://literatura.moderna.com.br>.
Figuras 7.4 e Texto - Fonte: <http://www.
casalygiabojunga.com.br/frames/obras.htm>.
A bolsa amarela: publicado em 1976, é o
terceiro livro da autora Lygia Bojunga Nunes.
Nele, encontramos o ludismo que sempre esteve
presente nos seus livros, mas que aqui atinge um
perfeito equilíbrio entre a liberdade do imaginário
e as restrições do real. A Bolsa é a história
de uma menina que entra em conflito consigo
mesma e com a família ao reprimir três grandes
vontades (que ela esconde numa bolsa amarela)
– a vontade de crescer, a de ser garoto e a de se
tornar escritora. A partir dessa revelação – por
si mesma uma contestação à estrutura familiar
tradicional em cujo meio “criança não tem
vontade” – essa menina sensível e imaginativa
nos conta o seu dia a dia, juntando o mundo real
da família ao mundo criado por sua imaginação
fértil e povoado de amigos secretos e fantasias.
Ao mesmo tempo em que se sucedem episódios
reais e fantásticos, uma aventura espiritual se
processa, e a menina segue rumo à sua afirmação
como pessoa. Traduzido em vários idiomas, o
livro foi encenado em teatros do Brasil, Bélgica e
Suécia. Ilustrações de Marie Louise Nery.
Os textos poéticos infantis igualmente ganharam, a partir des-
sa época, maior densidade imaginativa, um trabalho mais elaborado
com a linguagem lúdica e criativa. Muitos foram os escritores que
dedicaram livros de poesia aos pequenos leitores, dos quais, apenas
a título de exemplo, citamos os seguintes:
104
Módulo 5 I
Volume 1
EAD
“Boa Noite.
A zebra quis
ir passear mas a infeliz foi para a cama - teve que se deitar
porque estava de pijama.”
Figura 7.5 - Zebra.
Fonte: Arquivos UAB/UESC.
Esse poema faz parte do livro A televisão da bicharada, publi-
cado em 1962, por Sidônio Muralha (Lisboa, 1920 – Curitiba, 1982).
[Ilustração de Fernando Lemos. Disponível em: http://www.vidaslusofonas.pt/sidonio_muralha.htm].
O Peru
“Glu! Glu! Glu!
Abram alas pro Peru!
O Peru foi a passeio
Pensando que era pavão
Tico-tico riu-se tanto
Que morreu de congestão.
O Peru dança de roda
Numa roda de carvão
Quando acaba fica tonto
De quase cair no chão.”
Poema que faz parte d’Arca de Noé, livro de poemas infantis
de Vinícius de Moraes (Rio de Janeiro, 1913 – Rio de Janeiro, 1980),
7
encontra-se disponível no site do autor: http://www.viniciusdemor-
Também a poetisa Cecília Meireles (Rio de Janeiro, 1901/Rio
Figura 7.6 - Cecília Meirelis.Fonte: <http://
brincandodedeus.wordpress.com/>.
de Janeiro, 1964) publicou títulos infantis, dentre os quais, se destaca
o livro Ou isto ou aquilo (1964). Sobre sua infância, escreveu:
Minha infância de menina sozinha deu-me duas coisas que parecem negativas, e foram sempre positivas
para mim: silêncio e solidão. Essa foi sempre a área
de minha vida. Área mágica, onde os caleidoscópios
inventaram fabulosos mundos geométricos, onde os
UESC
Pedagogia
105
Unidade
aes.com.br/site/article.php3?id_article=260.
Literatura Infanto-Juvenil | A dimensão do Imaginário na Literatura Infanto-juvenil
relógios revelaram o segredo do seu mecanismo, e
as bonecas o jogo do seu olhar. Mais tarde, foi nessa
área que os livros se abriram e deixaram sair suas realidades e seus sonhos, em combinação tão harmoniosa que até hoje não compreendo como se possa
estabelecer uma separação entre esses dois tempos
de vida, unidos como os fios de um pano.
Fonte: www.tvcultura.com.br/aloescola/literatura/ceciliameireles/
A dimensão lúdica da poesia, a dimensão do jogo e do brincar
encontram-se na análise de Odila Maria Ferreira Carvalho Mansur, em
seu artigo “O imaginário na literatura infantil” a partir de um poema
de Cecília Meireles:
Jogo de Bola
A bela bola
rola;
a bela bola do Raul.
Bola amarela
a da Arabela.
A do Raul,
azul.
Rola a amarela
e pula a azul.
A bola é mole,
é mole e rola.
A bola é bela,
é bela e pura.
De acordo com Mansur:
Poesia e jogo – é o que faz Cecília que, com poucas palavras, constrói o próprio ‘jogar’. Recorre ao
movimento das vogais e dá colorido, faz da repetição
das consoantes possibilidades de iconizar os pulos
e os vaivéns das bolas coloridas: l, R, r associadas
às oclusivas p e b, mais algumas consoantes cujo
valor expressivo também é significativo, como o m
e o z. Faz pelo princípio anagramático relações de
pertença, bem como projeta o ritmo e constrói as
rimas. A rima, um recurso para agradar o ouvido,
para mostrar requinte, elaboração, realça os planos
de significação e facilita a memorização.
Brincar com fragmentos sonoros é uma das primeiras tendências do ser humano e, como sabemos,
muito próprio da criança, desde o momento em que
ouve e que produz os primeiros sons. Brincar com a
106
Módulo 5 I
Volume 1
EAD
possibilidade da palavra, nomeando e re-nomeando
objetos, experimentando o sabor e desmistificando
o poder da língua faz parte dos processos de apropriação da linguagem falada, para posterior uso na
cultura, e sociedade. Nessas primeiras descobertas
da língua, a criança usa-a de maneira desinteressada, reproduz, associa, diverte-se. É comum a criança ligar-se à poesia, também, porque a expressão
poética se faz por imagens, pelo raciocínio analógico
– forma do pensar característica da criança. Atraída
pela pluralidade de imagens, pela ambiguidade do
sentido, pela fantasia, sensibilidade, afetividade, a
criança abre os canais para a imaginação criadora e
para o lúdico. Como toda forma de arte, a poesia é
apreensão sensível.
Fonte: http://sitemeu.net/vi7vu2.
Leitura Recomendada
Assim, as mudanças sobre a noção de infância e de criança
implicaram no reconhecimento de que a literatura infantil é, “antes
de tudo, literatura; ou melhor, é arte: fenômeno de criatividade que
representa o Mundo, o Homem, a Vida, através da palavra. Funde os
sonhos e a vida prática, o imaginário e o real, [...]” (COELHO,1987, p.
10 – grifos da autora).
Desse modo, ganha força a perspectiva da dimensão artística
como fundamento dos textos voltados para o público infanto-juvenil,
uma vez que o gênero se diferencia minimamente das obras para adultos. As distinções consistem basicamente na capacidade de o autor estabelecer a comunicação com o público por uma linguagem que esteja
ao alcance da compreensão de quem ainda está em intenso processo
de formação de características psicológicas, emocionais e afetivas.
Existem muitos livros
relevantes
sobre
a
arte poética com indicações de caminho
para a leitura analítica
de poemas. Recomendamos os seguintes:
GOLDSTEIN,
Norma
S. Versos, sons, ritmos. 14. ed. São Paulo: Ática, 2008. 111p
(Série Princípios; 6);
MOISÉS, Massaud. A
criação poética. São
Paulo:
Melhoramentos;
EDUSP,
1977.
156p; CANDIDO, Antonio. Na sala de
aula: caderno de analise literaria. 6.ed. Sao
Paulo: Atica, 1998.
95p.
Unidade
7
3 IMAGINÁRIO, FANTASIAS E MARAVILHAS
E tudo era possível
Na minha juventude antes de ter saído
da casa de meus pais disposto a viajar
eu conhecia já o rebentar do mar
das páginas dos livros que já tinha lido
Chegava o mês de maio era tudo florido
o rolo das manhãs punha-se a circular
Figura 7.7 - Fonte: UAB/UESC - Sheylla Tomas
UESC
Pedagogia
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Literatura Infanto-Juvenil | A dimensão do Imaginário na Literatura Infanto-juvenil
e era só ouvir o sonhador falar
da vida como se ela houvesse acontecido
E tudo se passava numa outra vida
e havia para as coisas sempre uma saída
Quando foi isso? Eu próprio não sei dizer
Só sei que tinha o poder duma criança
Entre as coisas e mim havia vizinhanças
E tudo era possível era só querer
Ruy Belo, Homem de Palavra[s]
Lisboa, Editorial Presença, 1999 (5. ed.)
Fonte: http:////sitemeu.net/Vi8Bo3/
Em “O fictício e o imaginário” (1999), Wolfgang Iser afirma
que, de um modo geral, todas as pessoas sentem prazer em viver o
“fingimento” propiciado pela literatura. Como fenômeno humano, é
na literatura que se encontram duas disposições antropológicas que,
nos textos literários, desvinculam-se de qualquer sentido pragmático:
o fictício e o imaginário. Segundo o autor: “Quando mentimos, temos
um certo propósito. O tipo de fingimento que ocorre na literatura não
tem relação direta com propósitos dessa ordem” (1999, p. 67).
Por meio da literatura, a invenção, o fictício, “compele o
imaginário a assumir forma, ao mesmo tempo em que serve como
Panfletário
relacionado a panfleto – folheto ou folha avulsa para
distribuição pública, que
se constitui em pequeno
texto polêmico, às vezes,
satírico, de caráter sensacionalista e combativo,
geralmente sobre temas
políticos.
Por extensão,
entende-se como literatura panfletária aquela formada por textos ficcionais
ou poemas explicitamente
comprometidos com certas ideias, com determinadas perspectivas políticas tanto revolucionárias
quanto conservadoras e
que, em função da defesa
desses ideais, não dá ênfase à dimensão estética
da expressão literária.
meio para manifestação deste” (ISER, 1999, p. 70). Devemos
compreender, no caso dessa afirmação de Iser, que o imaginário se
identifica com a fantasia, com a capacidade humana de imaginar.
Quando os textos literários nos apresentam mundos que não
existem, pessoas inventadas, por mais próximas que se encontrem
de referências da vida real, estamos no terreno da invenção, do
“como se” – e aceitamos essa possibilidade. Por isso a literatura é
tão importante: ela nos permite ultrapassar os limites da realidade
imediata, o que significa apontar para as outras formas de vivência que
não conhecemos. Por isso, também, ela é uma forma de conhecimento
– por meio da literatura, podemos experimentar situações que nunca
viveríamos, que desejaríamos viver, que nem pensamos que poderiam
ser vividas. Entretanto, essa forma de conhecimento não se dá por
nenhuma argumentação racional ou moralista: aliás, qualquer atitude
panfletária fere a obra artística, em qualquer de suas manifestações.
Fonte: adaptado do Dicionário
Aulete Digital - <http://www.
auletedigital.com.br>.
108
Módulo 5 I
Volume 1
EAD
de “ensinamentos”, a literatura, destinada a crianças,
jovens e adultos, constitui-se em forma artística.
Nesse sentido, é importante sabermos distinguir entre
educar e ensinar, como estabelece Ieda Oliveira, em
seu artigo “A maioridade da literatura infantil” (apud
RAMOS, 2006, p. 207):
[...] educar contém o prefixo latino e, variante de ex – ‘para fora’
– seguido do verbo ducere – ‘conduzir’. Significa, portanto, ‘conduzir para fora, ‘trazer para fora’. Ao
passo que ensinar é in (‘dentro’)
seguido de signare (‘colocar marca’ – signum é sinal, marca. Significa, por conseguinte, calcar de
fora para dentro a mente do aluno,
colocando nela informações.
A conclusão da autora citada é que toda a arte
está voltada para a educação, para o conhecimento
humano que se processa para muito além da
capacidade de reter “lições”.
Nesse sentido, a literatura infanto-juvenil
não estaria a reboque de uma literatura mais
elaborada – pelo contrário, como já frisamos de
diferente modos, o público infantil é muito exigente.
A sua especificidade há muito vem sendo estudada
por várias áreas científicas, como a Psicologia, a
Antropologia, entre outras.
Em 1976, Bruno Bettelheim publicou A
psicanálise dos contos de fada, no qual defende a
importância dos contos de fadas “tradicionais” (os
que foram diretamente vertidos do folclore popular
de diferentes países europeus) para a afirmação da
psique infantil. Para o autor:
A cultura dominante deseja fingir,
particularmente no que se refere
às crianças, que o lado escuro do
homem não existe, e professa a
crença num aprimoramento otimista. A própria psicanálise é encarada
como tendo o propósito de tornar
a vida fácil. Mas não é o que seu
fundador pretendeu. A psicanálise
UESC
Pedagogia
para conhecer
Wolfgang Iser: nasceu em 22 julho de
1926, na cidade alemã de Marienberg, estado da Saxônia, que, após a Segunda Guerra Mundial, passou a integrar a zona russa.
Seu trabalho começou a atrair a atenção
internacional quando se tornou membro
fundador da Universidade de Constança,
na fronteira da Alemanha com a Suíça.
Established at almost the same time as UC
Irvine, Constance was a “reform university,” intent on remedying various institutional limits of the German university system.
Constance era uma “reforma universitária”, com a intenção de corrigir vários
limites institucionais do sistema universitário alemão. For instance, in other German universities the study of literature was
conducted according to national or linguistic
traditions. Por exemplo, em outras universidades alemãs, o estudo da literatura era realizado de acordo com as tradições nacionais ou linguísticas. Refusing to
be bound by that definition of the field, Iser
and his colleagues created a “Department of
‘Literaturwissenschaft,’ (Literary Science)”
that studied the institution of literature itself.
Recusando-se a essa vinculação, Iser e
seus colegas criaram um Departamento
de Literaturwissenschaft (Ciência da Literatura), que estudou a instituição da própria literatura. The innovative research that
resulted led to the formation of the “Constance School” of literary theory and criticism. A
pesquisa inovadora, levou à formação da
“Escola de Constance” de teoria e crítica
literária. Along with Hans Robert Jauss and
Jurij Striedter, Iser helped shift the focus of
German literary theory in the late 1960s from
the author to the reader. Juntamente com
Hans Robert Jauss e Striedter Jurij, Iser
ajudou a mudar o foco da teoria literária
alemã na década de 1960: do autor para
o leitor. Rather than ask what a work of literature means, they turned their attention
to what a work does to the reader. Ao invés
de perguntar o que uma obra de literatura significa, eles voltaram sua atenção
para os sentidos do “trabalho” do leitor.
If Jauss outlined a model for how to study
the historical reception of a work of literature (Rezeptionsaesthetik), Iser focused on
what occurred in the act of reading a work
of literature (Wirkungsaesthetik). Se Jauss
delineou um modelo de como estudar a
recepção histórica da obra de literatura
(Rezeptionsaesthetik = Estética da Recepção), Iser focou seus estudos no ato
de ler uma obra de literatura (Wirkungsaesthetik). Faleceu em Constança, em
24 de janeiro de 2007.
Fonte: http://www.universityofcalifornia.edu/
senate/inmemoriam/wolfgangiser.htm.
109
7
Nem panfletária, nem como forma de inculcação
Unidade
Literatura Infanto-Juvenil | A dimensão do Imaginário na Literatura Infanto-juvenil
foi criada para capacitar o homem a aceitar a natureza
problemática da vida sem ser der- rotado por ela, ou
levado ao escapismo. A prescrição de Freud é de que
só lutando corajosamente contra o que parecem probabilidades sobrepujantes o homem pode ter sucesso
em extrair um sentido da sua existência.
As figuras nos contos de fadas não são ambivalentes - não são boas e más ao mesmo tempo, como
somos todos na realidade. Mas dado que a polarização domina a mente da criança, também domina os
contos de fadas. Uma pessoa é ou boa ou má, sem
meio-termo. Um irmão é tolo, o outro esperto. Uma
irmã é virtuosa e trabalhadora, as outras são vis e
preguiçosas. Uma é linda, as outras são feias. Um
dos pais é todo bondade, o outro é malvado. As ambigüidades devem esperar até que esteja estabelecida
uma personalidade relativamente firme na base das
identificações positivas. Então a criança tem uma base
para compreender que há grandes diferenças entre as
pessoas e que, por conseguinte, uma pessoa tem que fazer opções sobre quem quer ser. Esta decisão básica sobre
a qual todo o desenvolvimento ulterior da personalidade
se construirá, é facilitada pelas polarizações do conto de
fada (BETTELHEIM, 1980, p. 17).
Entretanto, não devemos perder de vista a seguinte observação
de Bettelheim
(1980, p. 20): “O conto de fadas não poderia ter seu
impacto psicológico sobre a criança se não fosse primeiro e antes de
tudo uma obra de arte”. Por sua dimensão artística, o conto de fadas
permite variadas interpretações, de acordo com os diferentes momentos e
interesses de cada criança. É o caso do seguinte exemplo:
Figura 7.8 - Branca de Neve.
Fonte: http://files.myopera.com/lyninha/albums/890158/11.jpg
110
O motivo central de ‘Branca de Neve’ é a garota préadolescente superando de todos os modos a madrasta
malvada que, por ciúmes, nega-lhe uma existência independente - simbolicamente representada pela madrasta
tentando destruir Branca de Neve. O significado profundo da história para uma garota de cinco anos, em especial, estava, todavia, bem longe desses problemas
de pré-adolescência. Sua mãe era fria e distante, tanto que ela se sentia perdida. A história reasseguravalhe que ela não necessitava se desesperar: Branca de
Neve, traída por sua madrasta, foi salva por homens
- primeiro os anões e depois o príncipe. Essa criança,
também, não se desesperou por causa do abandono
da mãe, mas acreditou que o resgate viria dos homens. Confiante de que ‘Branca de Neve’ mostravalhe o caminho, ela voltou-se para o pai, que respondeu
favoravelmente; o final feliz do conto de fadas tornou possível a esta garota encontrar uma solução feliz
para o impasse existencial em que a falta de interesse
de sua mãe a projetara. Assim, um conto de fadas
Módulo 5 I
Volume 1
EAD
A base de partida para essas considerações de
Bruno Bettelheim está, como dito, nos estudos de Freud,
para quem “os primeiros traços da imaginação criativa
aparecem na infância e se expressam por meio de jogos
e brincadeiras. Brincar é uma necessidade fundamental da
criança”, conforme Ana Maria Machado (apud RAMOS, 2006,
p. 42). E a brincadeira é encarada como coisa muito séria,
pois o contrário da brincadeira, na concepção freudiana,
não é ser sério, “mas ser real. Porque a criança distingue
perfeitamente seu mundo de brincadeira, imaginário,
faz-de-conta, por oposição a tudo aquilo que constitui a
realidade” (MACHADO apud RAMOS, 2006, p. 43).
Em linha de continuidade a essas diretrizes
psicanalíticas, os psicólogos Mario e Diana Corso
publicaram, em 2006, Fadas no divã: Psicanálise nas
Histórias Infantis, no qual alargaram as concepções
de Bettelheim, ampliando a análise dos contos infantis
tradicionais para as atuais histórias publicadas para
crianças e jovens, como a saga de Harry Potter ou os
quadrinhos encenados pela turma da Mônica, de Maurício
de Souza. Para tanto, os autores compreendem que
“contos de fadas não precisam ter fadas, mas devem
conter algum elemento extraordinário, surpreendente,
encantador. Maravilhoso provém do latim mirabilis, que
significa admirável, espantoso, extraordinário, singular”
(Disponível
em
<http://www.marioedianacorso.com/
fadas-no-diva>).
Desse modo, mesmo nas narrativas mais atuais,
o elemento maravilhoso cumpre a função de garantir
Bruno Bettelheim: psicólogo austríaco nascido em Viena, de grande
destaque histórico nos estudos sobre crianças com problemas mentais, sobretudo autistas. Discípulo
de Freud, doutorou-se pela Universidade de Viena (1938). Logo em
seguida foi internado pelos nazistas nos campos de concentração de
Dachau e Buchenwald, ao ser libertado (1939), emigrou para os Estados Unidos. Nomeado pesquisador
assistente da Progressive Education
Association da University of Chicago, ganhou fama quando publicou
um artigo de muita repercussão,
sobre suas observações e experiências nos campos de concentração,
Individual and Mass Behaviour in
Extreme Situations (1943). Revalidado seu doutorado da Universidade de Viena (1944), naturalizou-se
cidadão estadunidense e tornou-se
professor assistente de psicologia
da University of Chicago e chefe
da e University’s Sonia Shankman
Orthogenic School. Iniciou, então,
seus estudos com crianças vítimas
de distúrbios emocionais graves,
principalmente as autistas. Foi um
dos especialistas que mais se debruçou sobre o estudo da influência dos
contos de fadas. Para ele, a grande
diferença entre este tipo de contos
e os modernos é que os primeiros,
ao contrário dos segundos, não remetem apenas para o encantamento, tratando também de problemas
existenciais, algo que permanece inalterável com a passagem do
tempo. Publicou importantes livros
como Love Is Not Enough (1950) e
Truants from Life (1954), Children
of the Dream (1967) e The Uses of
Enchantment (1976). Aposentado
da escola (1973) morreu em 1990,
por suicídio, em Silver Spring, Md.,
U.S., possivelmente deprimido pela
morte da esposa (1984) e após sofrer um derrame cerebral (1987).
Fonte: <http://www.dec.ufcg.edu.br/biogra
fias/BrunoBet.html>.
que se trata de outra dimensão, de outro mundo, com
possibilidades e lógicas diferentes. “Assim fazendo, os
argumentos da razão e da coerência já são barrados
na porta, e a festa pode começar sem suas incômodas
presenças, bastando pronunciar as palavras mágicas Era
uma vez... como uma senha de entrada” (disponível em
<http://www.marioedianacorso.com/fadas-no-diva>).
UESC
Pedagogia
Figura 7.9 - Bruno Bettelheim. Fonte: http://international
psychoanalysis.net/wp-content/uploads/2008/05/bettleheim.jpg
111
7
para conhecer
Unidade
pode ter um significado importante
tanto para uma criança de cinco anos
como para uma de treze, embora os
significados pessoais que deles derivam possam ser bem diferentes (BETTELHEIM, 1980, p. 24-25).
Literatura Infanto-Juvenil | A dimensão do Imaginário na Literatura Infanto-juvenil
para conhecer
Destacamos, abaixo, outros relevantes estudiosos da infância em suas diferentes abordagens:
Figura 7.10. Fonte: http://lacan.psichogios.
gr/content/binary/lacan-400.jpg
Figura 7.11. Fonte: http://constructivism.
bravehost.com/myPictures/piaget.jpg
Jacques-Marie-Émile LACAN: (1901-1980) nasceu na França em Orleans.
Formou-se em medicina, atuando como neurologista e psiquiatra e se considerava um psicanalista freudiano. [...] Se Freud utilizou conhecimentos da física
e da biologia nos seus trabalhos, Lacan utilizou a Linguística, a lógica matemática e a topologia. Lacan mostrou que o inconsciente se estrutura como a
linguagem. A verdade sempre teve a mesma estrutura de uma ficção, em que
aquilo que aparece sob a forma de sonho ou devaneio é, por vezes, a verdade
oculta sobre cuja repressão está a realidade social.
Fonte: <http://psicanaliselacaniana.vilabol.uol.com.br/fundamentos.html>.
Jean PIAGET: (1896-1980) foi um renomado psicólogo e filósofo suíço, conhecido por seu trabalho pioneiro no campo da inteligência infantil. Piaget passou
grande parte de sua carreira profissional interagindo com crianças e estudando
seu processo de raciocínio. Seus estudos tiveram um grande impacto sobre os
campos da Psicologia e Pedagogia. Em seus estudos sobre crianças, Jean Piaget descobriu que elas não raciocinam como os adultos. Esta descoberta levou
Piaget a recomendar aos adultos que adotassem uma abordagem educacional
diferente ao lidar com crianças. Ele modificou a teoria pedagógica tradicional
que, até então, afirmava que a mente de uma criança é vazia, esperando ser
preenchida por conhecimento. Na visão de Piaget, as crianças são as próprias
construtoras ativas do conhecimento, constantemente criando e testando suas
teorias sobre o mundo. Ele forneceu uma percepção sobre as crianças que serve como base de muitas linhas educacionais atuais. De fato, suas contribuições
para as áreas da Psicologia e da Pedagogia são imensuráveis.
Fonte: <http://www.psicopedagogiabrasil.com.br/biografia_jean_piaget.htm>.
LEV S. VYGOTSKY: (1896/1934) foi professor e pesquisador, contemporâneo
de Piaget, e nasceu e viveu na Rússia. Dedicou-se nos campos da pedagogia
e psicologia. [...] Partidário da revolução russa, sempre acreditou em uma
sociedade mais justa sem conflito social e exploração. Construiu sua teoria
tendo por base o desenvolvimento do indivíduo como resultado de um processo sócio-histórico, enfatizando o papel da linguagem e da aprendizagem nesse
desenvolvimento, sendo essa teoria considerada histórico-social.
Figura 7.12. Fonte: http://www.marxists.
org/archive/vygotsky/images/portrait.jpg
Fonte: <http://www.psicopedagogiabrasil.com.br/biografia_vygotsky..htm>.
Carl Gustav JUNG: (1875/1961) nasceu em Kesswil – Suiça, e faleceu em
Zurique. As idéias de Jung abriram uma nova dimensão para compreender as
diversas expressões da mente humana na cultura. Assim, “encontra, por toda
parte, os elementos de suas pesquisas: em mitos antigos e em contos de fada
modernos; nas religiões do mundo oriental e ocidental, na alquimia, na astrologia, na telepatia mental e na clarividência; nos sonhos e visões de pessoas
normais; na antropologia, na história, na literatura e nas artes; e na pesquisa
clínica e experimental” (HALL; LINDZEY, 1973, p. 122).
Fonte: <http://www.psicologia.org.br/internacional/artigo7.htm>.
Figura 7.13. Fonte: http://www.
thegrumpyted .com/images/jung.jpg
No campo atual da Sociologia da Infância, segundo o professor
Manuel Jacinto Sarmento, no seu artigo “Imaginário e culturas da
infância” (2003), vem ganhando terreno o conceito de “culturas
da infância”, compreendido como “a capacidade das crianças em
construírem de forma sistematizada modos de significação do
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Módulo 5 I
Volume 1
EAD
mundo e da ação intencional, que são distintos dos modos adultos
para conhecer
[...]”. As culturas da infância transportam as marcas dos tempos,
exprimem a sociedade nas suas contradições, nos seus estratos, na
sua complexidade.
De acordo com o professor Sarmento, essa perspectiva
cultural implicou nova compreensão da infância também no campo
da Antropologia. Nesse sentido, cita Clifford Geertz, reconhecido
antropólogo dos Estados Unidos:
Surgiu uma concepção seriamente modificada da
mente infantil – não uma confusão alvoroçada e florescente, não uma fantasia voraz, girando em desamparo num desejo cego [...] mas uma mente criando sentido, buscando sentido, preservando sentido e
usando sentido; numa palavra – a palavra de Nelson
Goodman – construtora de mundo (2001, p. 186).
Na Universidade do
Minho, em Portugal,
o Instituto de Estudos da Criança (http://
www.iec.uminho.pt/),
no qual atua o professor Manuel Jacinto
Sarmento, desenvolve pesquisas relevantes sobre o mundo
da infância. O artigo
completo do referido autor encontra-se
em: http://titosena.fortunecity.com/Arquivos/
Artigos_infancia/Cultura%20na%20Infancia.
Desse modo, o “imaginário infantil é um fator de conhecimento,
e não uma incapacidade, uma marca de imaturidade ou um erro”
(SARMENTO, 2003). Por essa perspectiva, a escola ganha contornos
potencialmente criadores, concebendo-se sua constituição como
lugar da cultura em que a comunidade educativa deve firmar o direito
da criança “à participação cidadã no espaço coletivo” (SARMENTO,
2003).
Nesse processo, a literatura cumpre papel de destaque, pois,
como afirma Nelly Novaes Coelho em O conto de fadas – símbolos,
mitos, arquétipos:
Pela imaginação, varinha de condão capaz de revelar
o homem a si mesmo, a literatura vai-lhe desvendando mundos que enriquecem o seu viver. O objetivo último da literatura é a experiência humana, o
convívio com ela (2003, p. 118 – grifo da autora).
De certo modo, é esse o sentido do poema abaixo, de Carlos
7
Unidade
Drummond de Andrade:
A palavra mágica
Certa palavra dorme na sombra
de um livro raro.
Como desencantá-la?
É a senha da vida
a senha do mundo.
Vou procurá-la.
UESC
Pedagogia
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Literatura Infanto-Juvenil | A dimensão do Imaginário na Literatura Infanto-juvenil
Vou procurá-la a vida inteira
no mundo todo.
Se tarda o encontro, se não a encontro,
não desanimo,
procuro sempre.
Procuro sempre, e minha procura
ficará sendo
minha palavra.
Figura 7.14 - Carlos Drummond de Andrade. Fonte:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Carlos_Drummond_de_
Andrade>.
A magia da palavra está na procura do sentido da existência –
uma procura que se traduz no próprio segredo da vida quando é busca
solitária, mas solidária, quando é procura interior e diálogo aberto com
o mundo. Caminho que tem início na infância e em que, mais felizes
certamente seríamos, se a infância fosse sempre o caminho.
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Módulo 5 I
Volume 1
EAD
ATIVIDADES
ATIVIDADES
1. Mesmo sabendo que fazer poemas não é apenas inventar versos
rimados com determinado número de sílabas métricas, mas trabalhar
a linguagem descobrindo novos sentidos para os mais variados
fenômenos e elementos da vida, nada nos impede de brincar com as
palavras. Quando trabalhamos a literatura infanto-juvenil, devemos
incentivar essa brincadeira, esse jogo criativo com as palavras. Por isso,
como forma de exercitar sua capacidade criativa e lúdica, propomos os
seguintes desafios:
A) Complete os versinhos abaixo, criando novos sentidos para as
características mais comuns dos animais relacionados (“inspire-se”
nos poemas de Sidônio Muralha e Vinícius de Moraes que constam na
página 105):
O elefante
Parece tão pesado,
o passo do elefante,
mas, que nada,
o peso da passada
__________________________________
__________________________________
__________________________________
A lagartixa
Ligeirinha, assustada
Pendurada na parede
__________________________________
__________________________________
7
__________________________________
Unidade
__________________________________
B) Agora, invente seu próprio bicho – primeiro, com palavras, versos
e muita invenção, crie um animalzinho no seu mundo de faz de conta;
depois, faça uma ilustração sobre ele (sugestões: você pode combinar
características de bichos, pode inventar cores ou características
diferentes para bichos existentes, enfim, use e abuse da imaginação!):
2. Selecione no mínimo dois dos seguintes livros (que estão disponíveis
UESC
Pedagogia
115
Literatura Infanto-Juvenil | A dimensão do Imaginário na Literatura Infanto-juvenil
em versão eletrônica no site <http://www.virtualbooks.com.br/>) e,
após leitura completa dos textos, realize as seguintes atividades:
Livros:
A ilha do tesouro, de Robert Louis Stevenson
Robinson Crusoé, de Daniel Defoe
Vinte mil léguas submarinas, de Júlio Verne
As Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift
A) Elabore, sobre cada obra literária selecionada, uma apresentação
do autor – indique: datas e locais de nascimento e morte, bem como
uma síntese dos principais acontecimentos do período em que viveu
(“navegue” pela web e descubra muitas informações importantes).
B) Escreva um comentário sintético a respeito de cada narrativa
escolhida a partir das respostas às seguintes questões:
- O que o texto me diz?
- O que eu digo ao texto?
- O que eu digo aos meus colegas sobre o texto: (a ideia aqui
é apresentar cada obra literária selecionada a seus colegas de
formação, ou supostos professores já em atividade, destacando
o que devem observar de mais importante no trabalho com essas
narrativas em suas aulas):
3. Vamos brincar mais um pouco com a imaginação – agora, visite o
site: <http://virtualbooks.terra.com.br/osmelhoresautores/alfabeto
Pat.htm>, leia o livro digital Alfa Beto, de Patrícia Moura.
Com base nas ideias dessa autora, elabore o seu próprio alfabeto,
com palavras e ilustrações criativas, engraçadas e/ou sérias, que, no
conjunto formem uma ideia (ampla) sobre A AMIZADE!
4. Partindo da concepção de Mario e Diana Corso (2006) de que
“contos de fadas não precisam ter fadas, mas devem conter algum
elemento extraordinário, surpreendente, encantador”, leia os contos
abaixo, de Marina Colasanti (conheça essa autora – leia sobre ela),
e elabore um comentário sobre o sentido principal de cada conto,
destacando passagens que justifiquem sua reposta.
UMA IDEIA TODA AZUL
Um dia o Rei teve uma idéia. Era a primeira da vida toda, e tão
maravilhado ficou com aquela idéia azul, que não quis saber de contar
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Módulo 5 I
Volume 1
EAD
aos ministros. Desceu com ela para o jardim, correu com Ela nos
gramados, brincou com ela de esconder entre outros pensamentos,
encontrando-a sempre com igual alegria, linda idéia dele toda azul.
Brincaram até o Rei adormecer encostado numa árvore.
Foi acordar tateando a coroa e procurando a idéia, para perceber
o perigo. Sozinha no seu sono, solta e tão bonita, a idéia poderia ter
chamado a atenção de alguém.
Bastaria esse alguém pegá-la e levar. É tão fácil roubar uma idéia:
Quem jamais saberia que já tinha dono?
Com a idéia escondida debaixo do manto, o Rei voltou para o
castelo. Esperou a noite. Quando todos os olhos se fecharam, saiu dos
seus aposentos, atravessou salões, Desceu escadas, subiu degraus,
até Chegar ao Corredor das Salas do Tempo.
Portas fechadas, e o silêncio.
Que sala escolher?
Diante de cada porta o Rei parava, pensava, e seguia adiante. Até
chegar à Sala do Sono.
Abriu. Na sala acolchoada os pés do Rei afundavam até o tornozelo,
o olhar se embaraçava em gazes, cortinas e véus pendurados como
teias.
Sala de quase escuro, sempre igual. O Rei deitou a idéia adormecida
na cama de marfim, baixou o cortinado, saiu e trancou a porta.
A chave prendeu no pescoço em grossa corrente. E nunca mais
mexeu nela.
O tempo correu seus anos. Idéias o Rei não teve mais, nem sentiu
falta, tão ocupado estava em governar. Envelhecia sem perceber,
diante dos educados espelhos reais Que mentiam a verdade. Apenas,
sentia-se mais triste e mais só, sem que nunca mais tivesse tido
Unidade
7
vontade de brincar nos jardins.
Figura 7.15 - Fonte: http://dc122.4shared.com/doc/oZGZ1V08/preview001.png
UESC
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Literatura Infanto-Juvenil | A dimensão do Imaginário na Literatura Infanto-juvenil
Só os ministros viam a velhice do Rei. Quando a cabeça ficou toda
branca, disseram-lhe que já podia descansar, e o libertaram do manto.
Posta a coroa sobre a almofada, o Rei logo levou a mão à corrente.
Ninguém mais se ocupa de mim - dizia atravessando salões e
descendo escadas a caminho das Salas do Tempo - ninguém mais me
olha. Agora posso buscar minha Linda idéia e guardá-la só para mim.
Abriu a porta, levantou o cortinado.
Na cama de marfim, a idéia dormia azul como naquele dia.
Como naquele dia, jovem, tão jovem, uma idéia menina. E linda.
Mas o Rei não era mais o Rei daquele dia.
Entre ele e a idéia estava todo o tempo passado lá fora, o tempo
todo parado na Sala do Sono. Seus olhos não viam na idéia a mesma
graça. Brincar não queria, nem Rir. Que fazer com ela? Nunca mais
saberiam estar juntos como naquele dia.
Sentado na beira da cama o Rei chorou suas duas últimas lágrimas,
as que tinha guardado para a maior tristeza.
Depois baixou o cortinado, e deixando a idéia adormecida, fechou
para sempre a porta.
(Conto integrante do livro de COLASANTI, Marina. Uma ideia toda azul. São Paulo:
Global Editora, 1998.)
A MOÇA TECELÃ
Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o sol chegando atrás
das beiradas da noite. E logo sentava-se ao tear.
Linha clara, para começar o dia. Delicado traço cor da luz, que ela
ia passando entre os fios estendidos, enquanto lá fora a claridade da
manhã desenhava o horizonte.
Depois lãs mais vivas, quentes lãs iam tecendo hora a hora, em
longo tapete que nunca acabava. Se era forte demais o sol, e no
jardim pendiam as pétalas, a moça colocava na lançadeira grossos
fios cinzentos do algodão mais felpudo. Em breve, na penumbra
trazida pelas nuvens, escolhia um fio de prata, que em pontos longos
rebordava sobre o tecido. Leve, a chuva vinha cumprimentá-la à
janela.
Mas se durante muitos dias o vento e o frio brigavam com as folhas
e espantavam os pássaros, bastava a moça tecer com seus belos fios
dourados, para que o sol voltasse a acalmar a natureza.
Assim, jogando a lançadeira de um lado para outro e batendo os
grandes pentes do tear para frente e para trás, a moça passava os
seus dias.
Nada lhe faltava. Na hora da fome tecia um lindo peixe, com
cuidado de escamas. E eis que o peixe estava na mesa, pronto para
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Módulo 5 I
Volume 1
EAD
ser comido. Se sede vinha, suave era a lã cor de leite que entremeava
o tapete. E à noite, depois de lançar seu fio de escuridão, dormia
tranqüila. Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.
Mas tecendo e tecendo, ela própria trouxe o tempo em que se sentiu
sozinha, e pela primeira vez pensou em como seria bom ter um marido
ao lado.
Não esperou o dia seguinte. Com capricho de quem tenta uma coisa
nunca conhecida, começou a entremear no tapete as lãs e as cores que
lhe dariam companhia. E aos poucos seu desejo foi aparecendo, chapéu
emplumado, rosto barbado, corpo aprumado, sapato engraxado. Estava
justamente acabando de entremear o último fio da ponta dos sapatos,
quando bateram à porta.
Nem precisou abrir. O moço meteu a mão na maçaneta, tirou o
chapéu de pluma, e foi entrando em sua vida.
Aquela noite, deitada no ombro dele, a moça pensou nos lindos
filhos que teceria para aumentar ainda mais a sua felicidade.
E feliz foi, durante algum tempo. Mas se o homem tinha pensado em
filhos, logo os esqueceu. Porque tinha descoberto o poder do tear, em
nada mais pensou a não ser nas coisas todas que ele poderia lhe dar.
— Uma casa melhor é necessária — disse para a mulher. E parecia
justo, agora que eram dois. Exigiu que escolhesse as mais belas lãs cor
de tijolo, fios verdes para os batentes, e pressa para a casa acontecer.
Mas pronta a casa, já não lhe pareceu suficiente.
— Para que ter casa, se podemos ter palácio? — perguntou. Sem
querer resposta imediatamente ordenou que fosse de pedra com
Unidade
7
arremates em prata.
Figura 7.16
Fonte: http://3.bp.blogspot.com/_Y33Jq3K96EY/TP2G8ofQhwI/AAAAAAAADK4/YW8Z2tK5J84/s1600/a-helping-hand-by-weistling.jpg
UESC
Pedagogia
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Literatura Infanto-Juvenil | A dimensão do Imaginário na Literatura Infanto-juvenil
Dias e dias, semanas e meses trabalhou a moça tecendo tetos e
portas, e pátios e escadas, e salas e poços. A neve caía lá fora, e ela
não tinha tempo para chamar o sol. A noite chegava, e ela não tinha
tempo para arrematar o dia. Tecia e entristecia, enquanto sem parar
batiam os pentes acompanhando o ritmo da lançadeira.
Afinal o palácio ficou pronto. E entre tantos cômodos, o marido
escolheu para ela e seu tear o mais alto quarto da mais alta torre.
— É para que ninguém saiba do tapete — ele disse. E antes de
trancar a porta à chave, advertiu: — Faltam as estrebarias. E não se
esqueça dos cavalos!
Sem descanso tecia a mulher os caprichos do marido, enchendo o
palácio de luxos, os cofres de moedas, as salas de criados. Tecer era
tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.
E tecendo, ela própria trouxe o tempo em que sua tristeza lhe pareceu
maior que o palácio com todos os seus tesouros. E pela primeira vez
pensou em como seria bom estar sozinha de novo.
Só esperou anoitecer. Levantou-se enquanto o marido dormia
sonhando com novas exigências. E descalça, para não fazer barulho,
subiu a longa escada da torre, sentou-se ao tear.
Desta vez não precisou escolher linha nenhuma. Segurou a
lançadeira ao contrário, e jogando-a veloz de um lado para o outro,
começou a desfazer seu tecido. Desteceu os cavalos, as carruagens,
as estrebarias, os jardins. Depois desteceu os criados e o palácio e
todas as maravilhas que continha. E novamente se viu na sua casa
pequena e sorriu para o jardim além da janela.
A noite acabava quando o marido estranhando a cama dura,
acordou, e, espantado, olhou em volta.
Não teve tempo de se
levantar. Ela já desfazia o desenho escuro dos sapatos, e ele viu seus
pés desaparecendo, sumindo as pernas. Rápido, o nada subiu-lhe
pelo corpo, tomou o peito aprumado, o emplumado chapéu.
Então, como se ouvisse a chegada do sol, a moça escolheu uma
linha clara. E foi passando-a devagar entre os fios, delicado traço de
luz, que a manhã repetiu na linha do horizonte.
(Conto integrante de: COLASANTI, Marina. Doze Reis e a Moça no Labirinto do Vento.
Rio de Janeiro: Global Editora, 2000).
120
Módulo 5 I
Volume 1
EAD
Resumo
RESUMINDO
Nesta Unidade VII, foram apresentados os principais rumos
da Literatura Infanto-Juvenil no Brasil a partir da década de 60,
enfocando-se, sobretudo, as mudanças no conceito de infância e
criança que, consequentemente, alteraram a própria perspectiva
de compreensão sobre o imaginário infantil e suas relações com a
literatura.
REFERÊNCIAS
Referências
BETTELHEIM, Bruno. A Psicanálise dos contos de fadas. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1980.
BITENCOURT, Maria de Fátima Ávila. Literatura infanto-juvenil
brasileira – breve história. In: RÖSING, T.; BECKER, P. (Orgs). Leitura
e animação cultural. Passo Fundo: Ed. UPF, 2005.
COELHO, Nelly Novaes. Panorama histórico da literatura infantil/
juvenil: das origens indo-européias ao Brasil contemporâneo. São
Paulo: Ática, 1991.
______. Literatura infantil – história, teoria, análise. São Paulo:
Quíron, 1987.
______.O Conto de fadas – símbolos, mitos, arquétipos. São Paulo:
DCL, 2003.
HALL, Calvin S.; LINDZEY, Gardner. Teorias da Personalidade. São
Paulo: EPU, Ed. Universidade de São Paulo, 1973.
ISER, W. O fictício e o imaginário. In: ROCHA, J. C. de C. (Org). Teoria
da ficção – indagações à obra de Wolfgang Iser. Rio de Janeiro: Ed.
UERJ, 1999.
LAJOLO, Marisa; ZILBERMAN, Regina. Literatura infantil brasileira –
História & histórias. São Paulo: Ática, 1985.
______. Um Brasil para crianças: para conhecer a literatura infantil
brasileira: histórias, autores e textos. São Paulo: Global, 1986.
RAMOS, Anna Cláudia. Nos bastidores do imaginário – Criação e
Literatura Infantil e Juvenil. São Paulo: CDL, 2006.
Suas anotações
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UNIDADE VIII
AS ESTRATÉGIAS LITERÁRIAS E OS
DIFERENTES SUPORTES DA LITERATURA
INFANTO-JUVENIL
OBJETIVO
Identificar processos intertextuais e outras estratégias literárias
acionadas pela literatura infanto-juvenil, reconhecendo a
variedade de linguagens que podem constituir essa literatura,
bem como os diferentes suportes em que se apresenta.
1 INTRODUÇÃO
Ao longo de nossas aulas, marcamos a diferença entre
literatura infanto-juvenil e livros ou artefatos feitos para crianças e
jovens. Vale lembrar: nesse último caso, tratamos de publicações ou
objetos de caráter geralmente lúdico, mais ou menos voltados para
ações pedagógicas ou cognitivas. No primeiro, temos um fenômeno
artístico-cultural que demanda certos processos de realização e
recepção que instaura o literário, e é o que nos interessa aqui.
Nos tópicos a seguir, desenvolveremos algumas considerações
sobre as estratégias que são colocadas em funcionamento no
texto
literário
infanto-juvenil,
destacando-se,
dentre
elas,
a
intertextualidade. Veremos, também, que essa literatura dirigida
a crianças e jovens se constitui de variadas linguagens e pode
ser apresentada em diferentes suportes: do livro no estilo mais
convencional que conhecemos, até hipertextos e outros recursos da
era digital em que vivemos. Aliás, esta é uma questão que os atuais
estudos sobre a literatura infanto-juvenil nos convocam a refletir:
8
o mundo da virtualidade, dos computadores, das redes de internet
Unidade
está criando um novo paradigma de leitura literária? Na verdade, há
muitas outras perguntas que podemos (e devemos) formular, cujas
respostas ainda estão em processo de construção. E você faz parte
desse processo!
UESC
Pedagogia
123
Literatura Infanto-Juvenil | As estratégias literárias e os diferentes suportes da Literatura Infanto-juvenil
2 ESTRATÉGIAS LITERÁRIAS: A INTERTEXTUALIDADE
NA LITERATURA INFANTO-JUVENIL
2.1 Conhecendo alguns autores e pressupostos
Quando um autor desenvolve seu texto literário, ele seleciona
e coloca em ação determinadas estratégias, conforme seu propósito
estético. Ao contar uma história de suspense, por exemplo, ele pode
optar por um narrador que participe da trama narrativa, de modo
a não antecipar nenhum detalhe que colocaria em risco o clima de
expectativa e mistério que quer no seu texto. De igual modo, conforme
suas proposições, são selecionados os tipos de personagens, de
cenário, de recorrência descritiva, se o texto será mais centrado na
reflexão ou na ação e assim por diante.
O mesmo acontece com os gêneros poéticos, pois o poeta
igualmente seleciona determinadas métricas, ritmos, disposição
gráfica e muitas outras estratégias literárias para a composição de
seu poema, de acordo com sua proposta estética, com os resultados
que pretende alcançar.
Reconhecer as estratégias literárias colocadas em ação em um
determinado texto é reconhecer a literatura como artefato de linguagem
e, sobretudo, como fenômeno comunicativo. No âmbito da Teoria da
Literatura, o problema de como conceber a obra literária, enquanto
criação estética, em seu envolvimento com os dilemas da linguagem
e do mundo que lhe é exterior, mereceu variadas e, não poucas
vezes, opostas considerações analíticas. Trata-se, na verdade, de um
questionamento sempre atualizado, na medida em que a literatura,
enquanto fenômeno humano, é uma produção permanente e, como
tal, não prescinde do diálogo das várias correntes de análise que, em
suas discordâncias ou complementaridades, vão potencializando seus
incontáveis e surpreendentes sentidos.
Afirmar a permanência da produção literária significa, igualmente,
compreender que novas/outras obras surgem a cada dia em meio as
que surgiram no passado, seja ele mais ou menos remoto, daí o diálogo
estabelecer-se como fundamental. Assim, devemos reconhecer que a
potencialidade de sentidos da literatura se amplia no reconhecimento do
caráter dialógico de toda obra literária e de sua historicidade. De forma
consequente, no diálogo que as obras estabelecem dentro de si, entre
si, com seu tempo presente e passado, resgata-se a comunicação da
arte com a vida.
124
Módulo 5 I
Volume 1
EAD
Com relação a esse último aspecto, destacamos algumas das
mais relevantes proposições de dois teóricos, Mikhail Bakhtin e
Hans Robert Jauss. Ainda que tenham percorrido diferentes direções
analíticas, ambos partem da concepção fundamental de que a literatura
é um ato especial de comunicação. Dessa forma, enquanto ação
comunicativa, a obra literária se constitui como artefato estético pleno de
significações que são acessadas ou por sua constituição em linguagem,
de acordo com a noção de alteridade, no caso da ótica bakhtiniana, ou
por seu direcionamento a um leitor, a um público concreto, influenciado
pelo devir histórico, elemento privilegiado pela Estética da Recepção, na
formulação de Jauss.
para conhecer
Mikhail Mikhailóvitch Bakhtin: nasceu em Orel, ao sul
de Moscou, em 1895. Aos 23 anos, formou-se em História e
Filologia na Universidade de São Petersburgo, mesma época
em que iniciou encontros para discutir linguagem, arte e literatura com intelectuais de formações variadas, no que se tornaria o Círculo de Bakhtin. Em vida, publicou poucos livros, com
destaque para Problemas da Poética de Dostoiévski (1929),
[e assinou outros com] colegas do Círculo. Durante o regime
stalinista, o grupo passou a ser perseguido e Bakhtin foi condenado a seis anos de exílio no Cazaquistão (só ao retornar, ele
finalizou sua tese de doutorado sobre cultura popular na Idade Média e no Renascimento). Suas produções chegaram ao
Ocidente nos anos 1970 e, uma década mais tarde, ao Brasil.
Mas Bakhtin já havia morrido, em 1975, de inflamação aguda
nos ossos.
Fonte:
dialogo
Alteridade
Fato ou estado de ser
Outro; diferenciação do
sujeito em relação a um
outro. Opõe-se à identidade, ao mundo interior
e à subjetividade. Esse
tema aparece com alguma insistência nos mais
recentes estudos pós-coloniais, feministas, desconstrucionistas e psicanalíticos, e é também
tratado no dialogismo de
Bakhtin. [...] [Esse autor], entre 1918 e 1924,
escreve diversos ensaios
cujo tema central é a relação entre o eu e os outros. O eu só existe em
diálogo com os outros,
sem os quais não se poderá definir. O processo
de autocompreensão só
se pode realizar através
da alteridade, isto é, pela
aceitação e percepção
dos valores do Outro.
Fonte:
http://www.fcsh.unl.pt/
invest/edtl/verbetes/A/alteridade.
htm.
Figura 8.1 - Bakhtin. Fonte:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Mikhail_Bakhtin>.
http://revistaescola.abril.com.br/formacao/formacao-inicial/filosofo-
Hans Robert Jauss: nasceu em Göppingen, Alemanha, em
12 de dezembro de 1921, e faleceu em Constança, Alemanha, em 1 de março de 1997 . Foi um filólogo estudioso da
Literatura alemã e das literaturas românicas, especializado
nas literaturas medievais e na francesa moderna. [...] Em
1966, passou a fazer parte da recém fundada Universidade
de Constança, o que foi decisivo para a trajetória de Jauss.
Sua [aula] inaugural como Catedrático [dessa] Universidade, no ano 1967, com o título A história da literatura como
provocação da ciência literária introduziu uma mudança de
perspectiva na investigação nos estudos literários, que hoje
se conhece com o conceito da Estética da Recepção.
Figura 8.2 - Jauss. Fonte: <http:
//en.wikipedia.org/wiki/Hans_
Robert_Jauss>.
Fonte: http://pt.encydia.com/es/Hans-Robert_Jauss.
As proposições de Bakhtin tiveram seu desenvolvimento
8
original a partir de problematizações filosóficas que procuravam
Unidade
compreender o ser em função de sua ação, a existência do sujeito
pela forma como ele responde ao mundo. Desse interesse inicial,
marcado pela preocupação ética, o passo seguinte foi reconhecer essa
ação enquanto atitude estética responsável, pois, de acordo com o
UESC
Pedagogia
125
Literatura Infanto-Juvenil | As estratégias literárias e os diferentes suportes da Literatura Infanto-juvenil
Plurilinguismo
Em termos simples, tratase de um “conjunto de linguagens diferentes trazidas
[para o mundo do romance] pelas personagens que
falam nas suas linguagens
e nos seus discursos originais”, como afirma a professora Maria Inês Batista
Campos, no artigo “Questões de literatura e de estética:
rotas
bakhtianas
(2009, p. 123). Entretanto,
esse conceito implica em outras relações dialógicas, que
compõem o plurilinguismo
social, no qual se reúne “um
diálogo concentrado de várias vozes, de várias visões
de mundo, de várias linguagens [...]” (idem, p. 125).
(In: BRAIT, Beth (Org.).
Bakhtin: Dialogismo e Polifinoia. São Paulo: Contexto,
2009).
pensador russo, não existe arte nem sujeito artístico desinteressado.
Mais ainda, é no campo da linguagem que a ação estética pode ser
compreendida, daí ele buscar uma metodologia no texto escrito, e
dentre todos, no texto literário. Isso porque a literatura depara-se com
o desafio permanente de concretizar, no plano do texto escrito, a vida
autêntica da linguagem. Bakhtin encontrou na obra do romancista
Dostoiévski, que lhe era conterrâneo, o exemplo maior da realização
desse embate: o romance polifônico, como chamou, no qual se
encontram vários discursos e nenhum é privilegiado como central. Ao
contrário, as várias vozes do romance representam as contradições
da sociedade e esse plurilinguismo adentra no universo ficcional,
que sempre representa determinado cenário social.
para conhecer
Fiodor Mikhailovitch Dostoievski: nasceu em 11 de novembro de
1821, em Moscou. Considerado um dos maiores romancistas russos,
dos mais influentes de seu tempo, em suas obras descreveu suas experiências, principalmente o contato com a gente simples do povo. [...].
Suas primeiras tentativas literárias não foram bem sucedidas e, então,
lançou-se à atividade política [cujas ações levaram-no à prisão]. Nos
anos que cumpriu pena, escreveu sua primeira obra prima, Recordações da Casa dos Mortos. [...] Casou-se (1857) com Maria Dmitrievna
Issaiev, de quem enviuvou. Abatido com a morte da esposa e do irmão,
inspirou-se para escrever Unijenie i oskorblionie (1861) e Prestuplenie i nakazanie (1866), o famoso Crime e Castigo. Casou-se depois
com Anna Grigorievna Snitkina e publicou o romance Igrok (1866),
obra de fundo autobiográfico, escrita em apenas 26 dias para saldar
dívidas com um editor. [...] com dívidas e perseguido pelos credores,
refugiou-se na Alemanha, Suíça e Itália, onde passou a maior parte do
tempo jogando em cassinos e quase sempre perdendo. O vício e seus
numerosos problemas serviram, porém, de tema para os livros que
escreveu no período, como sua obra final, o clássico Bratia Karamazovi
(1878-1880), vasto panorama da Rússia e de suas possibilidades de
crime e de redenção, considerada outra obra-prima do autor, além de
ser a mais longa, conhecida entre nós como Os Irmãos Karamasov.
[...] Faleceu em São Petersburgo em 09 de fevereiro de 1881.
Figura 8.3 - Dostoyevsky. Fonte:
<http://en.wikipedia.org/wiki/
Fyodor_Dostoyevsky>.
Fonte: http://because.com.br/burl/?ahzkym
Ao aprofundar seus estudos, Bakhtin, em Estética da criação
verbal (1992, p. 294), afirma que “o diálogo, por sua clareza e
simplicidade, é a forma clássica da comunicação verbal”. Como as
fronteiras que definem os enunciados são sempre de mesma natureza,
fazem-se presentes também nas obras de construção complexa,
como as artísticas. Além das fronteiras externas, elas possuem
ainda fronteiras internas: o autor manifesta sua individualidade, sua
visão de mundo, nos elementos estilísticos escolhidos. Essa marca
individualizante caracteriza seus traços específicos que, no processo
de comunicação verbal, diferencia sua criação das outras obras com
126
Módulo 5 I
Volume 1
EAD
as quais está relacionada dentro de uma determinada esfera cultural,
em que se apoia em termos de tendências, etc. Além disso, toda obra
visa a uma compreensão responsiva ativa — ela é um elo na cadeia
de comunicação verbal. Tal como a réplica de um diálogo, a obra
relaciona-se com outras obras-enunciados, que lhe responderam e
para as quais responde.
Já em A História da Literatura como provocação à teoria literária
(1994), Jauss está preocupado com a superação da distância entre
literatura e história (conhecimento estético e histórico), que, para
ele, prevalecia em boa parte das correntes teóricas até então. Nesse
sentido, julgava necessário avançar-se para além de análises calcadas
na produção e na representação da obra literária: é necessário levarse em conta a dimensão de sua recepção e de seu efeito. Para Jauss,
a obra literária é condicionada, tanto em seu caráter estético quanto
histórico, pela relação dialógica entre literatura e leitor. No âmbito
de uma história da literatura, essa relação é a base do nexo entre
as obras literárias, sendo igualmente estética e histórica: estética,
porque toda recepção de uma obra implica juízo de valor estético
quando é comparada pelo leitor a outras obras lidas; histórica,
porque é possível traçar as modificações dessa valorização a partir de
um estudo da cadeia de recepções e daí visualizar-se seu significado
histórico e, ao mesmo tempo, sua qualidade estética.
Desse modo, para o filólogo alemão, devemos considerar que
a cada época ou momento histórico, uma obra literária sofre novos
processos interpretativos: portanto, “a literatura como acontecimento
cumpre-se primordialmente, no horizonte de expectativa dos leitores,
críticos e autores, seus contemporâneos e pósteros, ao experenciar a
obra” (JAUSS, 1994, p. 26).
Entre o horizonte de expectativa
há uma distância estética, objetivada nas
reações do público e nos juízos da crítica,
e que determina o caráter artístico de uma
obra literária. Assim, para Jauss, quanto
maior for a distância estética, maior será o
valor artístico do texto literário. Por outras
palavras: uma obra só se mantém atual
se continua a provocar alguma atitude no
leitor; daí a distância estética: a capacidade
de
uma
criação
surpreendendo.
literária
continuar
Horizonte de expectativa
Termo de origem alemã – Erwartungshorizont,
pode ser compreendido do seguinte modo: “[...] o
horizonte é, basicamente, o modo como nos situamos
e apreendemos o mundo a partir de um ponto de
vista subjetivo; o horizonte de expectativas é uma
característica fundamental de todas as situações
interpretativas [...]: quando interpretamos, possuímos
já um conjunto de crenças, de princípios assimilados e
ideias aprendidas que limitam desde logo a liberdade
total do ato interpretativo; por outras palavras,
quando lemos um texto literário, o nosso horizonte de
expectativas atua como a nossa memória literária feita
de todas as leituras e aquisições culturais realizadas
desde sempre. [...] [Assim], todos os leitores investem
certas expectativas nos textos que lêem em virtude de
estarem condicionados por outras leituras já realizadas,
sobretudo se pertencerem ao mesmo gênero literário”.
Fonte: http://because.com.br/burl/?47wds4.
UESC
Pedagogia
127
8
preexistente e a aparição de uma nova obra
Unidade
Literatura Infanto-Juvenil | As estratégias literárias e os diferentes suportes da Literatura Infanto-juvenil
Ao compararmos as ideias desses dois autores, em suas linhas
mestras aqui esboçadas, devemos depreender, principalmente, que a
literatura se instaura como um fenômeno artístico dirigido ao outro.
Como ato comunicativo, a obra literária não possui, assim, um sentido
fixo, imanente, mas se reatualiza, transmutando sua estruturação
de sentido, bem como seu valor estético. Daí sua historicidade,
pois, para Bakhtin, todo discurso implica uma atitude responsiva,
um permanente olhar para trás como resposta e uma pergunta que
se dirige ao seu tempo presente, ou antecipa o futuro. Para Jauss,
como o texto sempre é uma resposta à pergunta de seu tempo, na
reconstituição do horizonte de expectativa, dá-se uma fusão, que
indica a possibilidade de a obra responder novas questões em épocas
distintas.
Nessas proposições, assinala-se o valor fundamental da
literatura como um diálogo aberto com o mundo que lhe é exterior.
Seguindo-se a ótica de Bakhtin, quando a obra literária transporta
para seu universo as várias vozes sociais, processo inerente à sua
própria existência como expressão, como linguagem comunicativa,
ela estabelece uma ponte de ligação com a vida concreta. Não se
trata de mera reprodução da realidade, senão que a realidade se
projeta em seu interior com toda sua vivacidade. O passo seguinte é
a possibilidade que se abre para o leitor de alargar seu horizonte, indo
além de sua subjetividade no diálogo que estabelece com o outro do
texto e os outros que nele dialogam. A partir das teses proferidas por
Jauss, depreende-se que o texto literário, enquanto obra artística,
ganha valor estético sempre que contraria as expectativas do leitor e,
portanto, possibilita uma nova percepção de seu mundo.
2.2 A literatura infanto-juvenil, a intertextualidade e
outras estratégias literárias
No E-Dicionário de termos literários, encontramos a seguinte
definição de INTERTEXTUALIDADE:
Como se pode notar na constituição da própria palavra, intertextualidade significa relação entre textos. [...] No sentido estrito, a palavra texto remete a
uma ordem significativa verbal. Dentro dessa ordem,
a literatura vale-se amplamente do recurso intertextual, consciente ou inconscientemente. Em razão
disso, a intertextualidade faz-se operador de leitura.
É importante marcar a primazia de Bakhtin em rela-
128
Módulo 5 I
Volume 1
EAD
ção a esses estudos, divulgados por Julia Kristeva. É dela o clássico conceito de intertextualidade: “[...]
todo texto se constrói como mosaico de citações,
todo texto é absorção e transformação de um outro
texto” (KRISTEVA, 1974, p. 64).
Fonte: http://because.com.br/burl/?qvtyqm
A partir das concepções teóricas anteriormente apresentadas,
vimos que a literatura se instaura no diálogo entre as vozes dos seus
diferentes mundos ficcionais e, em qualquer gênero ou proposição
estética, com os seus leitores, constituindo-se, desse modo, a relação
inseparável que entrelaça autor/texto/leitor. Por essa perspectiva,
os textos literários também dialogam entre si, estabelecendo-se a
intertextualidade.
No caso da literatura infanto-juvenil, ganha destaque a questão
do leitor ao qual se dirige e que constitui, assim, sua especificidade. Por
certo, o jogo intertextual que, de diferentes modos, pode aparecer nos
textos, precisa ser reconhecido pelos destinatários potenciais desses
textos. Muitas vezes, esse reconhecimento necessita da mediação do
leitor adulto e, dessa forma, na realidade institucionalizada da leitura
literária, serão os professores os principais mediadores capazes de
enriquecer a leitura intertextual que as narrativas ficcionais infantojuvenis oportunizam.
Nas narrativas lobatianas, que estudamos, encontram-se
variadas referências intertextuais: personagens como Dom Quixote,
Peter Pan, mitos greco-latinos, como Hércules, heróis dos primeiros
filmes cinematográficos de cowboy, como Tom Mix, ou dos quadrinhos
do início do século XX, como Gato Félix, são exemplos de alguns dos
muitos diálogos que Monteiro Lobato manteve com a tradição literária
e com as inovações culturais de seu tempo.
Na literatura infanto-juvenil contemporânea, a intertextualidade
se faz presente de muitas formas, como é o caso de Fazendo Ana
Paz, de Lygia Bojunga Nunes (2004). Seguindo-se Rosa Maria Cuba
Riche, em “Literatura infanto-juvenil contemporânea: texto/contexto,
caminhos/descaminhos”, nesse livro de Lygia Bojunga, “o narrador
retoma a Raquel, personagem de A bolsa amarela, um dos primeiros
Figura 8.4. Fonte: arquivo UAB/UESC.
livros da autora, e reflete sobre as angústias do fazer literário” (1999,
Unidade
8
p. 6). Como podemos ler no trecho seguinte:
Eu estava habituada a ver cada um dos meus personagens hesitar pra vir à tona: quase sempre ele era
isso, e depois isso, e depois isso, antes de virar aquilo;
passava de gente pra bicho, de mulher pra homem, de
UESC
Pedagogia
129
Literatura Infanto-Juvenil | As estratégias literárias e os diferentes suportes da Literatura Infanto-juvenil
criança pra velho, até ser o que ele ia ficar; que devagarinho que ele abria a porta dentro de mim! Daí o
meu susto com a Raquel: ela nem tocou a campainha:
escancarou a porta, se aboletou no meu caderno, e só
foi embora quando botei o ponto final no livro. Depois
dela, tudo que é personagem que eu fiz, voltou a aparecer devagar: abria uma fresta da porta, dava uma
espiada, sumia, voltava, a fresta ia aumentando... E
tinha dias que eu pensava: será que filho meu mais
nenhum vai chegar feito a Raquel chegou?
E aí, um dia aconteceu de novo: ela chegou, e sem a
mais leve hesitação foi me dizendo: - Eu me chamo
Ana Paz; eu tenho oito anos; eu acho o meu nome
bonito (NUNES, 2004, p. 11-12).
Percebemos também, nesse fragmento, um recurso literário
que já comentamos em nossas aulas: a metanarrativa, pois no
“corpo” da história ficcional encontra-se uma reflexão sobre o próprio
fazer literário. Essa estratégia, entre outros efeitos, permite, por um
lado, certa diluição das fronteiras entre o criador e a criação, o que
equivale a uma passagem do real (o fazer literário efetivo) ao mundo
da fantasia e vice-versa. Por outro, entretanto, leva o leitor a refletir
sobre o próprio ato criativo, do qual ele passa a ser uma espécie
de testemunha e até mesmo de aprendiz desse jogo de inventar
histórias.
Outro recurso recorrente nos atuais textos infanto-juvenis é a
paródia, como explica Rosa Maria Cuba Riche no artigo já citado:
Situações e valores cristalizados pela história são
retomados num outro texto que inverte o sentido
do texto original e com ele dialoga numa espécie
de contracanto. Trata-se de um jogo intertextual,
em que um texto se opõe diretamente ao original.
[...] Assim, Flávio de Souza, em Que história é essa?
[1995], retoma o conto de fadas tradicional e narra
sob o ponto de vista dos personagens secundários.
No caso de Hoz Malepon Viuh Echer ou O caçador,
um dos contos do livro em que até o título é invertido, a história de Chapeuzinho Vermelho é narrada
sob o ponto de vista do caçador; é ele o protagonista
e não mais a menina. O humor e a ironia também
estão presentes na paródia como em Uma história
meio ao contrário, de Ana Maria Machado, (1977),
em Procurando Firme, de Ruth Rocha, (1984) [...]
e em tantos outros títulos publicados anualmente
(1999, p. 5).
Como outro exemplo de intertextualidade, em que ocorre
a paródia e a metalinguagem, podemos citar O fantástico mistério
Figura 8.5. Fonte: arquivo UAB/UESC.
130
Módulo 5 I
Volume 1
EAD
de Feiurinha (1986), de Pedro Bandeira, também adaptado para o
cinema:
A divertida história de Pedro Bandeira gira em
torno de um grande mistério que agita todo o
mundo do faz de conta: a Princesa Dona Feiurinha do Encantado tinha desaparecido do país
das Fadas.
Outros personagens do reino, como Cinderela,
Branca de Neve, Rapunzel e Chapeuzinho Vermelho, entre muitas outras, ficam com medo de
que isto também aconteça com elas e decidem
enviar um emissário ao Escritor para que ele
possa decifrar o mistério.
O Escritor, de início cético diante do mensageiro, recebe a inesperada visita daqueles personagens das histórias de fadas que povoaram sua
infância. Acaba se convencendo de que o mundo encantado e seus habitantes fazem parte da
realidade, mesmo que esta realidade seja a da
imaginação. Decide, então, ajudá-los a descobrir
o que ocorreu com a Princesa Feiurinha.
Com auxílio de sua velha governanta Jerusa, ele
recupera a história de Feiurinha e chega à conclusão de que ela desaparecera porque não tinha
sido registrada por nenhum escritor. Portanto, a
história não poderia sobreviver na imaginação infantil, nem mesmo na de qualquer leitor, porque
sem o auxílio dos livros, dificilmente poderiam
conhecê-la. Só alguém como Jerusa que ouviu
a avó contá-la há mais de sessenta anos teria
condições de se lembrar. O Escritor decide então
recuperar a história da princesa desaparecida e
registrá-la em livro. [...]
Fonte:
<http://www.educarede.org.br/educa/index.cfm?pg=biblioteca.
interna&id _livro=37>.
8
São inumeráveis os exemplos de obras que, ao recorrerem a
Unidade
essas e outras diferentes estratégias literárias (fragmentação temporal
da narrativa, narradores mais ou menos participativos das aventuras e
que possuem as mais variadas idades e perspectivas de mundo, etc.),
UESC
Pedagogia
131
Literatura Infanto-Juvenil | As estratégias literárias e os diferentes suportes da Literatura Infanto-juvenil
enriquecem o processo artístico e reflexivo colocado em ação pelos
textos. Porém, algumas dessas estratégias só conseguem o seu efeito
se o leitor, especialmente no caso da intertextualidade e da paródia,
possuir uma bagagem de leitura que lhe permita reconhecer o diálogo
entre os textos.
Sobre esse último aspecto, ampliar o leque de leitura das
crianças e jovens sobre os “clássicos” torna-se, atualmente, cada
vez mais desafiador. Por isso, entram em cena, muitas vezes,
as adaptações, que, segundo a escritora Ana Maria Machado, não
devem ser desconsideradas. Pelo contrário, em Como e por que ler os
clássicos universais desde cedo (2002), a autora afirma: “O primeiro
contato com um clássico, na infância e adolescência, não precisa ser
com o original. O ideal mesmo é uma boa adaptação bem-feita e
atraente” (p.15).
Assim, dos clássicos às adaptações, com os muitos e variados
recursos literários de que dispõem, as obras de literatura infanto-juvenil
permitem o diálogo amplo de seus leitores com o mundo, com outros
leitores e consigo mesmos. Diálogos plurais que vêm recebendo diversos
meios/suportes de apresentação, como veremos a seguir.
saiba mais
Na oitava edição da revista EntreLivros, de dezembro de 2005, Denise Góes apresenta uma
reportagem intitulada “Cervantes: uma vida de
tinta e sangue”, na qual encontram-se, em destaque, alguns dados relevantes sobre as adaptações do clássico D. Quixote para crianças:
“A idéia de facilitar o contato dos jovens com
a obra de Cervantes levou o escritor espanhol
Agustín Sánchez Aguilar a fazer uma adaptação.
Era uma vez Dom Quixote (Global Editora) foi
traduzida pela escritora Marina Colasanti e traz
ilustrações de Nivio López Virgil. Também com o
objetivo de aproximar os leitores da obra-prima
espanhola é que o escritor paulistano Leonardo
Chianca e o ilustrador chileno Gonzalo Cárcamo
lançaram Dom Quixote (DCL). O livro traz, em
Figura 8.6 - Dom Quixote e Sancho Pança.
linguagem simples, além da adaptação, informaFonte: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Dom_
Quixote>.
ções sobre a obra e seu autor. Duas outras obras
merecem destaque. Uma delas é a adaptação feita pelo poeta Ferreira Gullar, Dom Quixote de La
Mancha (Revan), lançada em 2002, na qual o autor procurou manter o espírito
da obra e ao mesmo tempo criar um canal de comunicação com o leitor. A outra
é uma velha conhecida que, em 2006, completará 70 anos. É a adaptação feita
por Monteiro Lobato (1882-1922), Dom Quixote para crianças (Brasiliense). Segundo Marisa Lajolo, [...] a obra de Lobato segue as regras do gênero adaptação
infantil, condensando e fazendo uma seleção de algumas aventuras do fidalgo
manchego. Lobato não só adaptou, mas reescreveu o clássico. Por meio da leitura que Dona Benta faz da obra para os personagens do Sítio, Lobato aproxima
132
Módulo 5 I
Volume 1
EAD
a linguagem dos leitores e traz para o universo de Emília, Narizinho e Pedrinho o
mundo fantástico de Cervantes. Há, no entanto, quem olhe com reservas iniciativas como essas. ‘Pode gerar no leitor a idéia de que já leu a obra e fazer com
que deixe de aprofundar a leitura, afirma a professora Maria Augusta da Costa
Vieira.”
Fonte: <http://ww7.me/entrelivroscervantes>.
3 LIVROS, MÍDIAS, REDE: OS ITINERÁRIOS ABERTOS
DA LITERATURA INFANTO-JUVENIL
A cada dia, surgem novas tecnologias que permitem um
maior acesso ao mundo - informações, entretenimento, cultura, arte,
tudo está na rede virtual, ou mais exatamente, na world wide web,
cuja sigla www é traduzida para o português como “rede de alcance
mundial”. Como não poderia deixar de ser, a literatura também entrou
na rede, embora existam reflexões menos otimistas com relação à
potencialidade virtual do fenômeno literário. É o que afirma Marcos
Palácios (2006 apud RÖSING; RETTENMAIER, 2008, p. 37):
A maior parte dos sites encontrados pelas buscas,
usando-se palavras chaves similares, leva a uma
constatação inevitável: há um maior número de trabalhos de crítica à produção hipertextual e suas potencialidades do que propriamente um corpus vivo e
em transformação de obras literárias hipertextuais
para consumo na Internet. A vasta maioria das obras
de ficção hipertextual disponibilizada na Internet tem
data de produção situada no período 1994/2000. De
lá para cá não parece haver ocorrido muito movimento ou desenvolvimento nesse setor.
Essa falta de “naturalidade” da literatura para os suportes
digitais/virtuais estaria no seu aporte oral e verbal (escrito) que
sempre a fundamentou. Uma exceção, contudo, seria justamente
com a literatura infanto-juvenil, que estabelece uma convivência
leitura recomendada
mesmo no livro convencional, as imagens, as ilustrações possuem.
Conheça a revista Tigre
Albino – trata-se de uma
publicação
eletrônica
que discute poesia para
crianças e jovens. Lançada em 15 de novembro de 2007, prevê edições em março, e julho e
novembro de cada ano.
Acesse <http://www.tigrealbino.com.br/>.
Nesse sentido, seguindo-se Tania Rôsing e Miguel Rettenmaier (2008),
um exemplo é a obra Flicts (1969), de Ziraldo, na qual, segundo
Regina Zilberman (2005, apud RÖSING; RETTENMAIER, 2008, p. 38):
As imagens, não figurativas, não correspondem a
um ornamento do texto, contemplando informações
escritas, pelo contrário, as cores é que falam, com-
UESC
Pedagogia
133
Unidade
é facilmente constatado quando reconhecemos o peso especial que,
8
“produtiva” entre várias linguagens, sejam verbais ou não verbais. Isso
Literatura Infanto-Juvenil | As estratégias literárias e os diferentes suportes da Literatura Infanto-juvenil
petindo à expressão oral esclarecer o assunto e
explicar o conflito, vivenciado pelo herói, ele mesmo
um pigmento que não encontra lugar no universo
dos tons pictóricos.
saiba mais
Ziraldo Alves Pinto nasceu
no dia 24 de outubro de 1932,
em Caratinga, Minas Gerais.
Começou sua carreira nos anos
50 em jornais e revistas de expressão, como Jornal do Brasil, O Cruzeiro, Folha de Minas,
etc. Além de pintor, cartazista,
jornalista, teatrólogo, chargista, caricaturista e escritor.
Figura 8.7 - Ziraldo e suas criações. Fonte: <http://blogdaturmadopapi.
blogspot.com>.
Ziraldo explodiu nos anos 60
com o lançamento da primeira
revista em quadrinhos brasileira feita por um só autor: A Turma do Pererê.
Durante a Ditadura Militar (1964-1984), fundou com outros humoristas O Pasquim - um jornal não conformista que fez escola, e até hoje deixa saudades.
Seus quadrinhos para adultos, especialmente Supermãe e Mineirinho - o Comequieto, também contam com uma legião de admiradores.
Em 1969, Ziraldo publicou o seu primeiro livro infantil, FLICTS, que conquistou
fãs em todo o mundo. A partir de 1979, concentrou-se na produção de livros
para crianças, e, em 1980, lançou O Menino Maluquinho, um dos maiores fenômenos editoriais no Brasil de todos os tempos. O livro já foi adaptado com
grande sucesso para teatro, quadrinhos, ópera infantil, videogame, Internet e
cinema. [...] Seus trabalhos já foram traduzidos para diversos idiomas como
inglês, espanhol, alemão, francês, italiano e basco. Os trabalhos de Ziraldo
representam o talento e o humor brasileiros no mundo. Estão até expostos em
museu! Ilustrou o primeiro livro infantil brasileiro com versão integral online,
em uma iniciativa pioneira.
Fonte: http://www.ziraldo.com/historia/home.htm.
No mesmo artigo de Rôsing e Rettenmaier (2008), também
são citadas, como exemplos da convergência harmoniosa de várias
linguagens no texto literário infanto-juvenil, as obras de Ângela
Lago (como Cena de rua, de 2004) e de Juarez Machado (como em
Domingo de manhã, de 1986). No caso de Angela Lago, a autora
também possui um site, no qual, além das várias linguagens, concorrem
as potencialidades de interação e interatividade nos seus textos. É
interessante observar, nesse sentido, a diferença entre intertextualidade
e a hipertextualidade:
[...] enquanto a intertextualidade é uma referência
extratextual (que se encontra fora do texto lido),
134
Módulo 5 I
Volume 1
EAD
no hipertexto, muitas das correlações encontramse dentro da própria mídia, podendo ser acessada
por meio dos nexos. No site da autora (www.angela-lago.com.br) encontram-se três obras concebidas
especialmente para a internet: Oh!, narrativa lúdica
entre um esqueleto e um cachorro atrapalhados; O
ABCD de Ângela Lago, um conjunto de pequenas
narrativas interativas e jogos envolvendo as letras
do abecedário e a alfabetização; e Chapeuzinho! [...]
A história é contada sem texto verbal escrito, apenas por meio de animações e sons. Na verdade seria
melhor falar de histórias, no plural, uma vez que a
autora explora a interação de seleção (tipo de interação em que o leitor opta por caminhos, próprio do
hipertexto), fornecendo múltiplos caminhos e desfechos para a história. Assim, o leitor pode optar se a
Chapeuzinho segue o caminho indicado pela mãe ou
vai pelo tortuoso, se avó deixa o lobo entrar na casa
dela ou não, se a menina pede ajuda aos caçadores
ou não etc., numa estrutura cheia de ramificações
(NASCIMENTO, 2007, s/p).
Se a virtualidade da realidade digital permite uma ampliação
nunca vista de acesso ao conhecimento e à informação, não devemos
esquecer, contudo que esse espaço virtual não está isento de assimetrias
de acesso e, portanto, está atravessado por relações de poder. É o que
expressa a reflexão de Maria Zilda da Cunha, no artigo “Hibridismo,
múltiplas linguagens e literatura infantil e juvenil”:
Unidade
8
Cumpre lembrar, no entanto, [...] que tudo isso não
está imergindo como um reino inocente, o ciberespaço vem sendo produzido pelo capitalismo contemporâneo e está impregnado das formas e paradigmas próprios do capitalismo global. E, deste ponto
de vista, se há uma revolução no modo de como levamos nossas vidas, essa revolução não modifica a
natureza do montante exclusivo daqueles que detém
riquezas e o poder (basta pensar em empresas que
concentram o tráfego da internet). Essa constatação,
porém, não pode cegar para o fato de a capacidade
da rede permitir espontaneidade nesse processo de
comunicação, posto que não é totalmente organizado e é diversificado na finalidade e adesão. Isso possibilita uma multiplicidade de atividades interativas,
antes inexistentes. Portanto, como estudiosos das
linguagens, antes que o capital termine por colonizar
o infinito, temos de reconhecer, diante de nós, brechas para a formação de comunidades culturalmente
criativas e politicamente responsáveis.
Fonte: <http://www.dobrasdaleitura.com/revisao/hibridismo2.html>.
UESC
Pedagogia
135
Literatura Infanto-Juvenil | As estratégias literárias e os diferentes suportes da Literatura Infanto-juvenil
Esse encaminhamento de acesso à rede para a formação de
“comunidades culturalmente criativas e politicamente responsáveis”,
concordando-se com a autora citada, constitui-se em um dos maiores
desafios atuais dos educadores. Além de perceber que esse acesso não
para conhecer
Visite o site <http://
www.ciberpoesia.com.
br>: você vai conhecer
um espaço de poesia e
jogos com muita animação visual, criatividade
e interação, criados por
Sérgio Capparelli e Ana
Cláudia Gruszynski.
está isento dos conflitos e efetivas limitações interpostas pela realidade
social – a divisão entre os que têm computadores disponíveis e os que
não têm, o que gera a exclusão digital - devemos considerar igualmente
os limites da propagada interatividade hipertextual, que permitiria ao
leitor/usuário da internet navegar por mares de informação abertos e
infinitos. Na verdade, por um lado, de acordo com Capparelli (2002
apud RETTENMAIER; MATOS, 2005), o leitor “percorrerá apenas as
ilhas ou praias que o programa põe à sua disposição”. Por outro, se há
uma infinidade de links externos que sempre podem ser acessados em
meio a uma navegação, o problema é então o risco de dispersão: “o
leitor começa a ler sobre a guerra do Oriente Médio e termina com o
perigo da criação de cangurus na Austrália” (CAPPARELLI, 2002 apud )
RETTENMAIER; MATOS, 2005).
Esses desafios aumentam o peso do papel dos professores
como mediadores de leitura, seja no suporte livro seja nos mais
atuais suportes multimídia. Nesse sentido, Roger Chartier, um dos
grandes estudiosos da leitura como prática social, afirma que,
apesar da importância dos recursos digitais, o livro tem seu lugar
garantido nas atuais práticas leitoras e salienta a importância do
trabalho do professor na promoção do ato de ler:
Figura 8.8. Fonte: UAB/UESC
136
O essencial da leitura hoje passa pela tela do computador. Mas muita gente diz que o livro acabou, que
ninguém mais lê, que o texto está ameaçado. Eu não
concordo. O que há nas telas dos computadores?
Texto - e também imagens e jogos. A questão é que
a leitura atualmente se dá de forma, fragmentada,
num mundo em que cada texto é pensado como uma
unidade separada de informação. Essa forma de leitura se reflete na relação com as obras, já que o
livro impresso dá ao leitor a percepção de totalidade,
coerência e identidade - o que não ocorre na tela. É
muito difícil manter um contato profundo com um
romance de Machado de Assis no computador. [...]
Na internet, não há nada que obrigue o leitor a ler
uma obra inteira e a compreender em sua totalidade.
Mas cabe às escolas, bibliotecas e meios de comunicação mostrar que há outras formas de leitura que
não estão na tela dos computadores. O professor
deve ensinar que um romance é uma obra que se lê
lentamente, de forma reflexiva. E que isso é muito
diferente de pular de uma informação a outra, como
fazemos ao ler notícias ou um site. Por tudo isso, não
Módulo 5 I
Volume 1
EAD
tenho dúvida de que a cultura impressa continuará
existindo.
Fonte: <http://because.com.br/burl/?ay8tny>.
Nesse fundamental processo de formação de leitores, que
começa com as crianças e jovens, a literatura infanto-juvenil possui
um privilegiado e desafiador espaço de atuação. Privilegiado porque,
institucionalizada em um âmbito próprio, a escola pode se servir de
leitura recomendada
um leque infindável de boas obras capazes de despertar a magia, a
Para você conhecer mais
a respeito do pensamento de Zygmunt BAUMAN,
é importante a leitura de
seu livro Modernidade
Líquida. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2001.
reflexão, o reconhecimento do mundo exterior e interior dos seus
pequenos leitores. Desafiador, porque a leitura literária precisa ser
constantemente realimentada nessa época de valores fluidos, ou como
denominou o sociólogo polonês Zygmunt Bauman (2001), nessa pósmodernidade líquida em que vivemos. Hoje, os aparentemente sólidos
valores da modernidade parecem não dar conta das novas realidades
cambiantes de que fizemos parte: “estamos enfrentando um período de
muita sensação de liberdade e, também, de muita desorientação e muita
experimentação” (NICOLACI-DA-COSTA, 2005 apud RETTENMAIER;
MATOS, 2005, p. 159).
Recordando que há muito ainda a se conquistar para: -
a afirmação de uma rede virtual efetivamente democrática; - a
superação da carência de bibliotecas escolares; - a garantia de
acervos literários qualitativa e quantitativamente suficientes; - a
efetiva formação de leitores competentes em nosso país, chegamos à
conclusão do quanto todos os envolvidos com o processo educativo,
em todas as suas frentes, são responsáveis na consolidação de um
Unidade
8
horizonte mais promissor para nossa infância e juventude.
UESC
Pedagogia
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Literatura Infanto-Juvenil | As estratégias literárias e os diferentes suportes da Literatura Infanto-juvenil
ATIVIDADES
ATIVIDADES
1. Em Leitura, história e história da leitura (1991) Márcia Abreu
afirma que a leitura “[...] não é uma prática neutra. Ela é campo de
disputa e de poder” (p. 15). Explique essa afirmação com base nos
pressupostos teóricos apresentados sobre a importância da leitura
literária, sobretudo da literatura infanto-juvenil:
2. Apresente as possíveis recorrências intertextuais do poema de
José Paulo Paes, que faz parte do livro Um número depois do outro,
lançado em 1993:
O número 7
Lá se vão – escutem esta—
7 anões pela floresta.
2 a 2 de braços dados
Cada um com seu machado
Só Mestre é que vai sozinho
Pra amostrar o caminho
Pela floresta vão
Buscar lenha pro fogão
7 anões de braço dado,
Cada um com seu machado
E o 7 – olhem com cuidado –
Não parece mesmo um machado!
3. Na escola, encontram-se diferentes realidades socioculturais – na
literatura, essas diferenças são representadas de variadas formas. No
caso dos textos voltados para crianças e jovens, a sabedoria popular,
via folclore ou contos tradicionais, é um tema recorrente e importante.
Por meio do cordel, por exemplo, são contadas muitas histórias que
partem do senso comum e permitem refletir sobre nossa condição
humana. Ou seja, como afirmou Paulo Freire em Pedagogia da
esperança (2003, p. 84), o que não pode ocorrer é o desrespeito ao
senso comum; “o que não é possível é tentar superá-lo sem, partindo
dele, passar por ele”. Considerando essas premissas e revisando
alguns princípios de Bakhtin e de Jauss, conforme apresentado no
início desta aula, realize as seguintes atividades:
138
Módulo 5 I
Volume 1
EAD
A) assista ao premiado curta metragem de animação “O lobisomem
e o coronel”, dirigido por Elvis K. Figueiredo e Ítalo Cajueiro – o
filme está disponível em: <http://www.portacurtas.com.br/Filme.
asp?Cod=1518#O lobisomem e o coronel>.
B) desenvolva um comentário sobre o filme, apontando os aspectos
mais relevantes abordados em relação à cultura popular, a partir
dessa fusão de linguagens que apresenta: do cordel, ao audiovisual,
passando pela mídia eletrônica:
4. “Navegue” no site da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil
(<http://www.fnlij.org.br/principal.asp?&cod_menu=0>) e selecione
- uma narrativa; - e um poema; de um site interativo de literatura
infanto-juvenil. Sobre cada um, desenvolva uma análise, comentando
a respeito:
A) da relevância do texto (temática e elementos literários importantes);
B) as principais estratégias literárias utilizadas em cada um (utilização
ou não de metalinguagem, intertextualidade etc.):
Por fim, elabore uma resenha sobre cada texto, explicando porque
eles devem ser trabalhados em sala de aula:
RESUMINDO
Resumo
Nesta Unidade VIII, mostramos as principais estratégias literárias
presentes nos textos infanto-juvenis, destacando-se o processo
intertextual e a noção de que toda obra é um diálogo aberto, cujos
suportes, hoje, podem variar do livro ao hipertexto, em um processo
crescente de interação entre autor/texto/leitor.
Unidade
8
REFERÊNCIAS
UESC
Pedagogia
139
Literatura Infanto-Juvenil | As estratégias literárias e os diferentes suportes da Literatura Infanto-juvenil
REFERÊNCIAS
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KRISTEVA, Julia. Introdução à semanálise. São Paulo: Perspectiva,
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MACHADO, Ana Maria. Como e porque ler os clássicos universais
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NASCIMENTO, José Augusto de Abreu. A leitura hipermídia: formando
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PAES, José Paulo. Um número depois do outro. São Paulo: Companhia
das Letrinhas, 1993.
140
Módulo 5 I
Volume 1
EAD
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Miguel (Orgs.). Questões de leitura para jovens. Passo Fundo: UPF,
2005.
RICHE, Rosa Maria Cuba. Literatura infanto-juvenil contemporânea:
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v.17, n. 31, p. 127 -139, jan./jun. 1999. Disponível em: <http://www.
me/perspectiva10216>. Acesso em: jan. 2011.
Unidade
8
RÖSING, Tânia; RETTENMAIER, Miguel. Leitura e hipertexto: a lição da
literatura infanto-juvenil. Letras de Hoje, Porto Alegre, v. 43, n. 2, p.
36-39, abr./jun. 2008.
UESC
Pedagogia
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Suas anotações
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