FÁBULA NO LIVRO DIDÁTICO: UM GÊNERO EM (DES)USO?
Andréia Cardoso MONTEIRO
(Universidade Estadual de Londrina)
ABSTRACT: This paper aims at analyzing the treatment given to the fable genre into a textbook unit of
Portuguese Language subject which is adopted in a private school in Maringa-PR, from the first to he fourth
grades. For this purpose the theoretical- methodological support used is Socio Discursive Interacionism from
Geneva group (Dolz and Schenewly and Bronckart). The first cycle of basic education was chosen because the
focused genre is considered suitable for a curricular progression construction at the early grades, as well as
being part of the students’ quotidian, whereas it has the fantasy aspect which attracts children’s attention and
curiosity. Such stories are part of the oral speech which constitutes a parent-child transmission.
KEYWORDS: Socio Discursive Interacionism; fable; capacity language
1 Introdução
Fábula é um gênero que sempre atraiu a atenção de adultos e crianças. Os primeiros
acabam por utilizá-las numa tentativa de transmitir lições de moral enquanto que as crianças
são atraídas pelo lado lúdico e fantástico que estão contidos nessas histórias.
Em decorrência da moralidade presente nas fábulas, esse gênero adentrava a escola
com a finalidade educativa. Como conseqüência, a lição de moral era transmitida aos alunos
numa tentativa de moldar seu comportamento.
Nesse sentido, não é de se estranhar que encontremos fábulas sendo exploradas no
ambiente escolar como objeto de reflexão e julgamentos de comportamentos que acabam
sendo julgados como adequados ou inadequados. Assim, esse gênero acaba sendo explorado
como instrumento reprodutor de comportamentos socialmente adequados. Assim, a mediação
da linguagem contida nesse gênero não permite o desenvolvimento das capacidades de
linguagem, da criticidade que tanto almejamos desenvolver em nossos alunos.
Para traçarmos algumas reflexões sobre o gênero proposto, nos reportarmos aos
pressupostos teóricos do grupo de Genebra conhecido como Interacionismo- Sóciodiscursivo,
pois acreditamos que ao desenvolvermos a capacidade de linguagem estaremos tornando
nossos alunos mais críticos.
Na primeira parte de nosso artigo apresentaremos alguns pressupostos teóricos do
grupo de Genebra; na segunda trataremos do contexto sócio-histórico e das características do
gênero fábula; na terceira realizaremos uma breve análise das atividades propostas a partir da
leitura de duas fábulas; por fim teceremos as conclusões finais.
2 Pressupostos teóricos
Esse artigo será norteado pelos pressupostos teóricos de Bakhtin (2006, 1997)
Bronckart (2006 e 2003) e Dolz e Schneuwly (2004).
De acordo com a perspectiva bakhtiniana, a língua “vive e evolui historicamente na
comunicação verbal concreta, não no sistema lingüístico abstrato das formas da língua nem do
psiquismo individual dos falantes”.(BAKHTIN, 2006, p. 128). Assim, transformamos e
somos transformados pelas interações que realizamos através de enunciados concretos, que
são chamados gêneros discursivos. Eles são inúmeros e circulam em diferentes situações de
comunicação, pois atendem a necessidades e a contextos diferentes.
Bronckart (2006), um estudioso de Bakhtin e Vygostsky e, também pertencente ao
grupo de Genebra, apresenta através do interacionismo sóciodiscursivo, algumas reflexões a
589
respeito da noção de gênero como instrumento fundador e organizador das funções
psicológicas superiores. De acordo com essa perspectiva, o pensamento consciente manifestase através da linguagem através de processos inter e intrapessoal.
Dolz e Schneuwly (2004), também pertencentes ao grupo de Genebra, consideram os
gêneros textuais como mega instrumentos que possibilitam a comunicação entre os sujeitos
pertencentes a esferas da atividade da comunicação humana. Aprender a falar e a escrever
significa ter domínio sobre os gêneros.
É válido ressaltar que os gêneros, de acordo com Bakhtin (1997), podem ser
classificados em simples (primários) ou complexos (secundários). Aqueles que pertence ao
primeiro grupo são construídos na esfera do cotidiano, enquanto que os do segundo grupo são
aqueles que pertencem a esferas que apresentam maior evolução especialmente no âmbito da
escrita.
Nesse sentido cabe ao ambiente escolar instrumentalizar os alunos a fim de que
possam dominar especialmente os gêneros secundários, que são aqueles que possibilitarão ao
aluno uma manifestação/compreensão adequada dos mais variados gêneros nas mais
diferentes esferas de comunicação.
A perspectiva interacionista sociodiscursiva proposta por Bronckart (2003), podemos
depreender que para que ocorra o domínio da compreensão e da produção de texto, e por
conseqüência dos gêneros textuais, é necessário que o sujeito domine as capacidades de
linguagem. Essas capacidades são compostas por capacidades de ação, capacidade discursiva
e a capacidade lingüístico-discursiva, que devem funcionar numa engrenagem harmoniosa.
Observemos o conceito das capacidades apresentadas:
Capacidade de ação: responsável pela representação de uma determinada
situação;
Capacidade discursiva: definido como plano textual de cada gênero;
Capacidade lingüístico-discursiva: representado como recursos lingüísticos
que tornam o texto coerente.
Dolz e Schneuwly (2004) propõe que os gêneros devem ser explorados de maneira
que essas capacidades possam se desenvolver no ambiente escolar. Para tanto sugerem que
eles sejam agrupados de acordo com certas regularidades lingüísticas, que oscilam devido a
determinados contextos.
De acordo com esses pressupostos, ao agir com a linguagem o indivíduo utilizasse
gêneros já existentes no arquitexto, que se encontram em processo de constante
transformação.
2.1 Transposição didática
Dolz e Schneuwly (2004) propõem tratar transposição didática não como um simples
processo de aplicação de teoria cientifica. De acordo com eles, trata-se de um procedimento
que é dividido em três níveis: no primeiro, é necessário mensurar o que é relevante, ou seja,
quais são as dimensões do gênero a serem ensinadas. No segundo, ocorre a transformação em
saber efetivamente ensinado. Terceiro, espera-se que o conhecimento seja efetivamente
aprendido.
Os autores mencionados anteriormente propõem que os gêneros sejam agrupados a
fim de que seja criado um processo de progressão e articulação no processo ensino
aprendizagem via gêneros textuais, sempre ressaltando que esse trabalho não apresenta viés
reducionista dessa proposta, pois essa perspectiva propõe um trabalho voltado para “as
operações de linguagem constitutivas do texto, tais como a ancoragem enunciativa e a escolha
do modo de apresentação ou de tipos de seqüencialidades” (DOLZ e SCHNEUWLY, 2004, p.
58).
590
Nesse sentido, esses autores propõe que o trabalho com gêneros sejam explorados a
partir de uma seqüência didática que possibilite o desenvolvimento das capacidades de
linguagem do sujeito. Eles afirmam ainda que “uma seqüência didática, precisamente, a
finalidade de ajudar o aluno a dominar melhor um gênero de texto, permitindo-lhe, escrever
ou falar de maneira adequada numa dada situação de comunicação” (2004 p. 97). A seqüência
didática pode ser considerada como um conjunto de atividades separadas por módulos que
possibilitarão o domínio de gêneros orais ou escritos.
De acordo com essa proposta, a seqüência didática segue a seguinte estrutura:
Apresentação da situação inicial: momento em que o aluno será apresentado
a uma determinada situação de comunicação;
Primeira produção: nesse momento o professor percebe as capacidades que o
aluno possui a respeito de determinado gênero a partir de uma produção
textual oral/escrita;
Módulos: são atividades variadas que instrumentalizarão o aluno no sentido
de que ele consiga se apropriar do gênero em estudo em determinada esfera
comunicativa;
Produção final: essa atividade propiciará trará reflexão e, a partir dela o
aluno poderá colocar em prática os conhecimentos que adquiriu a partir das
atividades desenvolvidas.
3 Caracterização do gênero fábula
3.1 Contexto histórico
De acordo com Nelly Novaes Coelho fábula “é a narrativa (de natureza simbólica) de
uma situação vivida por animais que alude a uma situação humana e tem por objetivo
transmitir certa moralidade.” (2000, p. 165).
Segundo a autora, a palavra fábula, de origem latina, significa “contar”, “narrar”, o
que nos leva crer que esse gênero teve origem e se firmou inicialmente na tradição oral.
No Ocidente, as primeiras notícias que se tem desse gênero surgiram no século VI
a.C. através do suposto escravo grego Esopo. Na verdade, não há confirmação de que esse
fabulista tenha existido, pois não houve nenhum registro escrito. Suas histórias foram
transmitidas através da oralidade. Ele criou as narrativas conhecidas como “A galinha e os
ovos de ouro”, “O asno, a raposa e o leão”, “O corvo e o jarro”, entre outros.
No século I a C., aproximadamente, Fedro, um escravo romano, aperfeiçoa esse
gênero, inicia os registros escritos das narrativas de Esopo e, também, cria suas próprias
fábulas. Fedro satirizava costumes e a sociedade da época. Suas principais narrativas são “O
lobo e o cordeiro”, “A raposa e o corvo”, etc.
No século XVII, surge o fabulista francês La Fontaine. Ele retoma as fábulas de Esopo
e La Fontaine e, também, criou suas próprias. Podemos citar como popular “A cigarra e a
formiga”. Segundo Oliveira (2007), “os textos de La Fontaine não apresentam grande
originalidade temática, mas recebem um tempero de fina ironia”.
No Brasil, é importante validar a participação, entre outros, de Monteiro Lobato e de
Millor Fernandes na (re)produção desse gênero. O primeiro reconta em prosa as fábulas de
Esopo, Fedro e La Fontaine e, após cada narrativa, o autor traz, através dos personagens do
Sítio do Pica-Pau Amarelo discussões sobre o tema abordado na fábula. O segundo, recria
fábulas de maneira irônica através de situações do cotidiano moderno.
591
3.2 Características da fábula
As fabulas são pequenas narrativas em que animais são os personagens protagonistas.
Nessas histórias o comportamento humano é criticado através de atitudes de animais: que
poderiam ser bons, maus, inteligentes, não muito espertos, vingativos, inocentes, gulosos,
ardilosos, entre outros.
Geralmente esses animais são representados por raposas, pavões, lobos, ovelha,
formigas, cegonha, cigarra. Sendo que cada um deles representa/apresenta características
tipicamente humanas. Por exemplo: o leão representa força e poder, cordeiro representa a
ingenuidade, a raposa simboliza a esperteza. De acordo com Coelho (2000, p. 166), La
Fontaine explicita em sua primeira coletânea de fábulas que serve-se de animais para instruir
os homens.
Geralmente, essas narrativas apresentavam explicita ou implicitamente uma lição de
moral. Desse modo, esse gênero servia, inicialmente, para distrair e moralizar, pois assim as
pessoas poderiam ser facilmente acreditar em determinados valores que eram considerados
socialmente aceitos. Isso pode ser percebido na atualidade, pois os pais ainda contam essas
histórias com a finalidade de entreter e, também, educar, de construir e perpetuar valores.
Além da típica moralidade, esse gênero apresenta uma estrutura relativamente fixa,
contendo situação inicial, obstáculo, tentativa de solução, situação final e, por fim, a moral.
De acordo com a ordem dos agrupamentos propostos por Dolz e Schneuwly (2004), o
gênero fábula pertence ao domínio social de comunicação da cultura literária ficcional, da
ordem do narrar.
3 Metodologia
O corpus dessa análise é composto por uma unidade do terceiro volume de uma
coleção de livro didático de Língua Portuguesa do ensino fundamental (primeiro ciclo)
utilizado por uma das maiores escolas da rede particular de Maringá, Paraná.
A escolha desse gênero foi determinada pela familiaridade que as crianças têm com
esse gênero, já que ele faz parte da tradição oral e são transmitidas de pais para filhos, de
geração para geração.
A partir dos pressupostos já apresentados, voltaremos nosso olhar para o modo como
as atividades propostas na unidade analisada a fim de verificarmos se elas favorecem o
desenvolvimento das capacidades de linguagem do aluno.
4 Análise do corpus
O desenvolvimento das capacidades de linguagem instrumentaliza o aluno no sentido
de que ele possa utilizar-se de textos orais/escritos nas mais diferentes esferas de comunicação
humana. Desse modo, ele poderá perceber as intenções que subjazem aos textos, as vozes que
o permeiam, as construções mais adequadas para que determinados objetivos sejam atingidos,
entre outros.
Desse modo, é evidente que o material didático assume função relevante nesse
processo, afinal é uma das poucas fontes de leitura e produção aos quais os alunos e
professores têm acesso.
A unidade do livro didático analisada inicia-se com a proposta de leitura de alguns
provérbios e a identificação daqueles que transmitem o mesmo conselho. Em seguida, a
autora propõe a leitura da fábula “O leão e o rato”, escrito em versos especialmente para a
coleção, e, também de “O leão e o ratinho”, texto em prosa de Esopo. Posteriormente, a autora
apresenta o conceito de fábula e a partir de então propõe uma série de atividades.
592
Nosso foco será nas atividades propostas pela autora a fim de verificarmos se as
mesmas propiciam o desenvolvimento das capacidades de linguagem. Iniciemos nossas
reflexões a partir das atividades referentes ao desenvolvimento da capacidade de ação, em
seguida da capacidade discursiva e, finalmente, a capacidade lingüístico-discursiva.
4.1 Capacidades de ação
A perspectiva interacionista sociodiscursiva entende que a noção de ação de
linguagem está relacionada ao contexto de produção e ao conteúdo temático em que o texto
analisado está inserido.
“Desse modo, descrever uma ação de linguagem consiste em identificar os valores
precisos que estão atribuídos pelo agente produtor a cada um dos parâmetros do
contexto aos elementos do conteúdo temático mobilizado. O agente constrói uma
cereta representação sobre a interação comunicativa em que se insere e tem, em
princípio, um conhecimento exato sobre sua situação no espaço-tempo...”(Bronckart, 2003, p. 99)
De acordo com a afirmação anterior, podemos depreender que a capacidade de ação é
responsável por situar o sujeito com relação ao contexto em que o gênero estudado foi
produzido. Desse modo quando situado com relação ao contexto em que o texto foi
produzido, o sujeito é capaz de construir uma certa representação a respeito do autor do texto,
do contexto sócio-histórico, o lugar social em que o mesmo foi produzido, ainda sem utilizarse dos aspectos lingüísticos contidos no texto.
O livro didático não considera a capacidade de ação, pois não propõe atividades ou
textos referentes ao contexto de produção dos textos explorados.
As condições de produção das fábulas apresentadas poderiam levar o aluno a refletir
sobre seu caráter moralista e educativo. Observemos a tabela abaixo:
Contexto de produção1
Lugar de produção
Momento de produção
O leão e o ratoSão Paulo
Por volta do ano 2000 d. C.
Emissor
Receptor
Lugar social
Daisy A.
Crianças
Posição social do emissor:
escritora
Posição
social
destinatário: Alunos
Objetivo
Leão e o ratinho
do
Fazer com que o aluno
perceba a diferença entre a
fábula de Esopo e a produzida
especialmente para a coleção
analisada
1
Grécia
Aproximadamente século VI
a. C.
Esopo
Povo
Posição social do emissor:
um escravo que vivia na
Grécia2
Posição
social
do
destinatário:população grega
(inclui-se todas as camadas
sociais)
Criticar
a
determinados
modelos de comportamento
humano
Proposta de Bronckart (2003 e 2006)
Para um trabalho desenvolvido em sala de aula, sugere-se que sejam retomadas algumas informações sobre o
contexto sócio-histórico do gênero fábula.
2
593
A partir da análise dos elementos que compõem o contexto de produção das fábulas
apresentadas, é possível através da mediação propiciada pela professora que o aluno perceba
que os textos apresentados foram produzidos em contextos sócio-históricos diferentes a fim
de atingirem diferentes objetivos e enunciatários.
4.2 Capacidade discursiva
A capacidade discursiva preocupa-se com o plano textual de cada texto, ou seja, com
os tipos de discurso e de seqüência pertencentes a determinado gênero.
De acordo com Bronckart (2003), os tipos de discurso são:
“formas lingüísticas que são identificáveis nos textos e que traduzem a criação dos
mundos discursivos específicos específicos, sendo esses tipos articulados entre si
por mecanismos enunciativos que conferem ao todo textual sua coerência seqüencial
e composicional”(p.149).
Machado (2005), os tipos de discurso são classificados em narração, relato interativo,
interativo e teórico e estabelem relações com os mundos discursivos.
De acordo com Bronckart (2003) as seqüências podem ser de seis tipos: dialogal,
explicativa, narrativa, descritiva, argumentativa e injuntiva, sendo que cada uma delas
representa um diferente efeito de sentido pelo emissor. Machado (2005), afirma que “pode
haver textos sem nenhum tipo de seqüência, textos globalmente organizados em uma única
seqüência e textos organizados por vários tipos de seqüência” (p.247).
No caso das fábulas analisadas podemos encontrar os tipos e seqüências demonstrados
na tabela abaixo:
Tipos de discurso
Tipos de seqüência
O leão e o rato
O leão e o ratinho
Predominantemente Narrativo Predominantemente Narrativo
Predominantemente seqüência Predominantemente seqüência
narrativa
narrativa
A primeira atividade proposta pela autora sugere que os alunos dividam-se em grupos,
sendo que cada um deles ficará responsável por apresentar a leitura da fábula para o outro
grupo. Em seguida, pede para que os alunos pintem os trechos das fábulas em verso que
correspondam à versão em prosa. Nessa situação proposta, os alunos deverão colorir a
seqüência narrativa que apresente correspondência tanto na prosa quanto no verso. Entretanto,
o trabalho relacionado com a seqüência narrativa fica limitado ao seu reconhecimento.
4.3 Capacidade lingüístico discursiva
A capacidade lingüístico discursiva é responsável pelo domínio das estruturas e
funções gramaticais dentro de determinado gênero, ou seja, há de se considerar os
mecanismos de textualização (conexão e coerência verbal e nominal) e os enunciativos.
Observe as questões propostas para o desenvolvimento da capacidade lingüístico
discursiva:
a) Que personagem é apresentada primeiro em cada versão?
b) Nas duas versões o ratinho se encontra com o leão, mas o encontro não acontece
da mesma maneira. Qual a diferença?
c) Nas duas fábulas o ratinho é poupado pelo leão, mas por motivos diferentes.
594
Qual é a diferença?
As fábulas apresentadas em verso e em prosa narram o mesmo fato: o leão poupa a
vida de um rato, que posteriormente salva o rei das selvas de uma armadilha.
Entretanto, as questões propostas fazem com que o aluno retome a leitura das fábulas e
através das escolhas lexicais realizadas pelos autores podem perceber que no primeiro texto o
personagem que recebe destaque é o rato e no segundo é o leão.
Ainda, através das escolhas lexicais, podemos perceber que na fábula em verso, leão é
descrito como um animal que poupa a vida do rato porque não estava com fome e não fábula
em prosa, o leão é descrito como um animal que se sensibilizou com as suplicas que do rato
para ser solto.
Desse modo, o leitor pode perceber que as duas fábulas retratam a mesma lição de
moral através de percurso narrativo semelhante. Assim, cabe ao professor estimular seus
alunos a perceberem através de determinadas escolhas lexicais os pontos em que as duas
fábulas se assemelham e que se diferem.
Os mecanismos enunciativos não são abordados, não são abordados, desse modo os
leitores não são estimulados a perceberem as vozes que permeiam a fábula.
Nessa unidade é esperado que o aluno reproduza as idéias e ensinamentos
transmitidos pelo gênero estudado. Assim, o mecanismo enunciativo enunciativo explorado
são aqueles considerados responsáveis pela transmissão das normas e costumes julgados
ideais para a convivência dos indivíduos em sociedade. Podemos mencionar como exemplo a
atividade que sugere que os alunos recontem a fábula “O leão e o ratinho” trocando os
animais-personagens (tigre e coelho ou onça e esquilo).
5 Conclusão
A partir da análise apresentada, podemos perceber que a capacidade de linguagem
pouco se desenvolve a partir dos exercícios propostos.
Ao retomarmos o percurso da análise apresentada, verificamos que as atividades
referentes à capacidade de ação não são mencionadas. Isso significa afirmar que elas se
preocupam apenas com os aspectos referentes ao conteúdo e a forma das fábulas
apresentadas, como se esse gênero não possuísse uma sócio-história, um autor, como se não
fizesse parte de um contexto mais amplo.
As atividades que tratam do gênero fábula em uma das unidades do livro didático
analisado focalizam apenas o trabalho relacionado às capacidades discursivas, especialmente
no aspecto referente ao reconhecimento das seqüências discursivas.
Conforme podemos perceber, a capacidade lingüístico discursiva proposta nas
atividades analisadas, da maneira como demonstrada na análise, reduz a possibilidade de
reflexão referente às escolhas lexicais e gramaticais.
A seqüência proposta por Dolz e Schneuwly (2004) não se concretiza nessa unidade
apresentando como ponto comum apenas a produção final. Entretanto, essa produção,
conforme mencionada anteriormente propõe apenas uma reprodução do texto inicial.
Desse modo, podemos concluir que caberá ao professor fazer a mediação , a adaptação
necessária para que seus alunos desenvolvam capacidade de linguagem. Assim, poderão
manifestar e compreender os mais diversos gêneros, nas mais diversas formações sociais.
595
Referências
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Lahud e Yara Frateschi Vieira, colaboração de Lúcia Teixeira Wisnik e Carlos Henrique D.
Chagas Cruz. 5a ed. São Paulo: Hucitec, 1978.
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BAGNO, M. Fábulas fabulosas. In
http://www.tvebrasil.com.br/salto/boletins2002/vdt/vdttxt3.htm - Acesso em 25/03/2007
BRONCKART, J..P. Atividades de Linguagem, discurso e desenvolvimento humano. São
Paulo: Mercado de Letras, 2006.
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Letras, 2003
COELHO, N. N. Literatura Infantil: teoria, análise, didática. 7 ed. São Paulo: Moderna,
2000.
LEITE, Márcia das Dores. L.E.R., leitura, escrita e reflexão: nova proposta. São Paulo: FTD,
2003- coleção didática (primeira a quarta série)
MACHADO, Anna Rachel. A perspectiva interacionista sócio discursiva de Bronckart. In
MEUER, J. A; ROTH, D. (org.) Gêneros: teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola,
2005
OLIVEIRA, Cristiane Madaleno. "ESOPO (+/- 620 A. C.)" [online]
Disponível em http://www.graudez.com.br/litinf/autores/esopo/esopo.htm
Acesso em 26/03/2007
SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. São Paulo: Mercado de
Letras, 2004.
SOUTO, Marly Aparecida Garcia. Confabulando valores. Disponível em
http://potrasdasletras.com.br/pdtl2/sub.php?op=artigos/docs/confabulandovalores Acesso em
25/03/2007
ANEXO
O leão e o rato
Saiu da toca um ratinho
Que teve uma triste surpresa:
Viu-se à frente de um leão,
Imaginou-se sua presa.
O felino, no entanto,
Quem podia iamginar,
Não tinha ;á muita fome,
Não quis o ratinho matar.
Esse gesto, quem diria,
Teve troco inesperado
Quando o leão se viu
Em uma rede, amarrado.
O rato que ali passava
Reconheceu o leão
Que, sem forcas, procurava
596
Por alguma solução.
Correu o pequeno ratinho
Com firmeza e decisão,
Roeu a maldita rede
E libertou o leão.
Amor com amor se paga
É essa a nova lição;
Se puder ajude sempre,
Ofereça a sua mão.
Texto elaborado por Daisy Asmuz especialmente para a coleção
O leão e o ratinho
Certa vez, dois ratinhos estavam brincando na floresta e um deles, sem querer, pulou
em cima de um leão que estava deitado dormindo. O leão acordou e agarrou o ratinho.
O ratinho implorou ao leão que o perdoasse, pois não tinha feito aquilo de propósito.
O leão achou que não seria digno matar o ratinho, e deixou-o partir.
Alguns dias depois, o leão caiu numa armadilha. Ele rugiu e urrou tão alto que o
ratinho ouviu e foi ver o que acontecera.
Quando viu o leão preso na armadilha, o ratinho disse-lhe para não se preocupar, pois
iria retribuir a sua generosidade. Começou a roer os nós e as cordas até que conseguiu libertar
o leão, que pôde voltar para a floresta.
Moral
Aquele que, com sinceridade, pede perdão deve ser perdoado [...].
Fábulas de Esopo
597
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