PLANO DE TRABALHO DOCENTE: O GÊNERO FÁBULA E O PROCESSO DE
ANÁLISE LINGUÍSTICA
Alba Maria Perfeito (UEL)
[email protected]
Eliza Adriana Sheuer Nantes (PPGEL-UEL/UNOPAR)
[email protected]
Neluana Leuz de Oliveira Ferragini (PPGEL-UEL/FACED)
[email protected]
Considerações iniciais
Há mais de vinte anos, no Brasil, discute-se a visão interativa para o ensino, seja por
meio da teoria piagetiana, na relação sujeito-objeto ensino, seja pela vigostskiana: sujeito mediador - via signo (que entendemos como ideológico). Mais especificamente, em termos
de ensino-aprendizagem de língua portuguesa, os estudos interativos de linguagem, advindos
da teoria bakhtiniana, foram propostos por Geraldi (1984), sobretudo, na integração, sem
artificialidade, das práticas de leitura, análise linguística e de produção/refacção textuais.
Após perpassarem documentos estaduais, na década de 90 do século passado, os
estudos geraldianos e de seguidores foram incorporados e ampliados/redimensionados em
documentos nacionais como os Parâmetros Curriculares de Língua Portuguesa – PCN (BRASIL, 1998), ao entenderem a linguagem como um trabalho coletivo, consequentemente
em sua natureza sócio-histórica e, então, "como uma ação orientada para uma finalidade
específica (...) que se realiza nas práticas sociais existentes, nos diferentes grupos sociais, nos
distintos momentos da história". (BRASIL, 1998, p. 20).
Os PCN (BRASIL, 1988) adotando, conforme posto, a concepção interativa de
linguagem, enfatizam a visão de que discurso, quando produzido, manifesta-se por meio de
textos e todo o texto se organiza dentro de determinado gênero. Elegem, assim, como objeto
de ensino e eixo de progressão e articulação curricular os gêneros discursivos - enunciados
relativamente estáveis, que circulam em diferentes esferas de atividades humanas.
Na perspectiva de contribuir para um ensino mais significativo, dinâmico e quiçá
criativo, voltamo-nos no projeto que ora se finda1 ao estudo da concepção de linguagem
interacionista, ao conceito e dimensões dos gêneros discursivos proposto por Bakhtin (2003) e
da caracterização das vozes nos movimentos dialógicos, buscando apresentar uma proposta de
didatização com diversos gêneros: contos, crônicas, notícias, reportagens, editoriais, causos
escritos, entre outros.
Abordaremos, especificamente neste artigo, o texto Burro Sentado, de Diléa Frate,
caracterizado por nós como uma fábula-crônica, versando, de modo especial, sobre suas
marcas linguístico-enunciativas, por meio de vozes que o perpassam, relacionadas ao tema, à
construção composicional e às condições de produção, ao produzir efeitos de sentido no
processo de leitura.
Além da teoria sociológica bakhtiniana e de seus caudatários, o trabalho fundamentase metodologicamente nos princípios da pedagogia histórico-crítica e da teoria psicológica
1
Nossa pesquisa incorpora os pressupostos teóricos do projeto de pesquisa “Análise linguística:
contextualização às práticas de leitura e de produção textual” (UEL), o qual procura assegurar um trabalho de
reflexão sobre os fenômenos gramaticais – determinados, de um lado, pela especificidade do gênero, e de outro,
pela subjetividade do agente produtor.
histórico-cultural, por meio da elaboração de um Plano de Trabalho Docente, de acordo com o
embasamento didático apresentado por Gasparin (2003).
1. Fundamentação teórica
.
Bakhtin/Voloshinov (1988) consideram o homem um ser histórico e social,
carregado de valores e a língua, na qual e pela qual se constitui, como reflexo das relações
estáveis entre os falantes. Para o Bakhtin (2003), de acordo com a época e com os grupos
sociais, em determinada situação concreta existem, pois, diferentes e inúmeros modos de
dizer.
Todavia, segundo o autor (2003), os modos de dizer de cada indivíduo (a
mobilização de recursos linguístico-expressivos pelo locutor) são realizados a partir das
possibilidades oferecidas pela língua e só podem concretizar-se por meio dos gêneros
discursivos.
Embora os gêneros, para evitar o caos comunicativo, apresentem certos aspectos
normativos nos modos culturais de dizer, ao balizar o falante no processo discursivo, em
termos de regularidades em suas dimensões (os elementos indissociáveis da composição de
um gênero: o tema, o estilo e a estrutura composicional indissoluvelmente relacionados às
condições de produção: interlocutores e seus papéis sociais, finalidade, suporte, época e
local), eles não existem em número limitado. Nesse sentido, respondem ao movimento
externo dos sujeitos na linguagem – dessa maneira, é possível que, em certos momentos da
história, alguns apareçam, enquanto outros deixem de existir, transformem-se ou hibridizemse.
Sob tal enfoque, reiteramos que a linguagem é o local das relações sociais em que
falantes atuam como sujeitos. E o diálogo, de forma ampla, é tomado como caracterizador da
linguagem. De acordo com a visão de Bakhtin/Voloshinov (1988) e Bakhtin (2003) é na
interação verbal, estabelecida pela língua com o sujeito falante e com os elos anteriores e
posteriores, que a palavra (signo social e ideológico) se torna real e ganha diferentes sentidos
conforme as condições de produção. Nessa perspectiva, as vozes anteriores e posteriores
perpassam os gêneros em sua forma, em sua organização social e verbal.
Em outras palavras: o enunciado constrói-se, não apenas do diálogo com o outro,
mas também no espaço do texto, lugar onde se instaura o cruzamento de vozes que dialogam e
que, de certo modo, costuram os efeitos de sentido veiculados pelo enunciador.
A produção do enunciado é, portanto, dialógica, tanto porque se constrói da
interação de, ao menos, dois interlocutores, como também, pelo fato de se construir como um
diálogo entre discursos, ou seja, o enunciado mantém uma relação dialógica com outros
enunciados, a palavra empregada pelo agente produtor é sempre perpassada pela palavra do
outro.
Nos estudos dos movimentos dialógicos, autores procuram identificar as vozes
anteriores e posteriores, presentes nos enunciados concretos, alguns levando em consideração
no primeiro momento, as condições de produção do gênero (sua dimensão social). Rodrigues
(2005), ao analisar, em um artigo de opinião, o movimento dialógico com elos anteriores –
que precedem de alguém -, mobiliza recursos como: assimilação; o distanciamento ou
apagamento de vozes. Já Fiorin e Savioli (2003), baseando-se, sobretudo, em estudos de
Authier Revuz (1982) e Maingueneau (1989), apontam, mais especificamente: a negação, o
discurso direto, e indireto, as aspas, as glosas do locutor, o discurso indireto livre e imitação.
Quanto ao movimento dialógico com elos posteriores, Rodrigues (2005) apresenta as
estratégias de engajamento, refutação e interpelação. Bussarelo (2008) adiciona a ironia, na
veiculação das crônicas.
No estudo em foco, observaremos a dimensão social da fábula-crônica, depois sua
dimensão verbal, analisando os movimentos dialógicos preponderantes.
2. Um pouco da história do gênero fábula
As fábulas, segundo Marcos Bagno (2006), correspondem a um gênero universal
devido a sua íntima ligação com a sabedoria popular. Trata-se de “uma pequena narrativa que
serve para ilustrar algum vício ou alguma virtude, e termina, invariavelmente, com uma lição
de moral” (BAGNO, 2006, p. 51).
O sentido originário do termo fábula é de “conversação”, “invenção” e, por esse
motivo, decorrem conceitos como “objeto de conversa”, de uma narração que se inventa,
alcançando o status de narração fictícia.
Em Moisés, o gênero fábula é definido como:
Latim – fábula, narração. Narrativa curta, não raro identificada com o
apólogo e a parábola, em razão da moral, implícita ou explícita, que deve
encerrar, e de sua estrutura dramática. No geral, é protagonizada por
animais irracionais, cujo comportamento, preservando as características
próprias, deixa transparecer uma alusão, via de regra, satírica ou
pedagógica, aos seres humanos (MOISÉS, 1999, p. 226).
Os estudos do gênero revelam que as fábulas surgiram de modo natural, com a
intenção de transmitir um ensinamento através de uma narrativa finalizada com uma lição de
moral. A gênese da fábula aponta para a enunciação da modalidade discursiva antes de Cristo.
As primeiras fábulas escritas foram produzidas em sânscrito e localizam-se na obra
de Pantichatantra, de Vichnum Sarma e também na Bíblia, Livro dos Reis. Historicamente, a
fábula se faz presente em todos os povos, podendo ser encontrada na Índia, no Egito, na
Judéia, na Ásia Menor, enfim, nas mais diversificadas culturas. Era muito apreciada pelos
hindus e gregos. Seu principal representante é o escravo Esopo – que vivera 550 a.C,
considerado por Martin (1986), o “pai” do gênero.
Contudo, os estudos de Weitzel (1995) realçam uma asserção interessante. O autor
destaca que o próprio “pai da fábula” não as escreveu, sendo ela oriunda da tradição popular
oral, o que coaduna com duas vertentes: tratar-se de um gênero tão antigo quanto a história da
humanidade; e que estamos investigando um gênero que retrata comportamentos/ações
humanas.
Posterior a Esopo, no século II a.C, destacam-se Babrios e Fedro, sendo o último
considerado o maior fabulista antigo. Romano, filho de escravos, por volta do ano 15 a.C.,
redimensionou a estética do gênero fábula, produzindo novas fábulas ou, então, renovando as
de Esopo. No século XVII, temos La Fontaine, considerado um parafraseador de Fedro, mas
criador da forma definitiva da fábula na literatura ocidental.
3. Conceito e características do gênero fábula
O gênero fábula é construído por histórias ágeis, curtas, bastante simbólicas, falando
das/criticando as atitudes humanas ou aconselhando as pessoas. Pode ser escrito em prosa ou
em versos. Suas personagens, geralmente animais (ou objetos), são típicas, isto é, representam
alguma atitude/característica humana – virtudes e defeitos. Textos deste gênero
exibem/mostram, quase sempre, após a conclusão ou desfecho, uma moral da história. A
moral da história é uma espécie de resumo das intenções do autor.
Em termos de regularidade das condições de produção, o gênero em foco tem como
produtor o sujeito-enunciador que assume o papel de um fabulista: o de criar uma pequena
história fictícia que retrate comportamentos/ações humanas de modo a apresentar uma lição
de moral. O destinatário da fábula é particularmente o público infanto-juvenil; seu local
preferencial de circulação são livros, livros didáticos e sítios da internet.
O conteúdo temático das fabulas é variado, mas consiste na veiculação de valores
morais. Em termos de construção composicional, o gênero apresenta os elementos básicos da
narrativa (fatos, personagens, tempo e lugar), organizados na seguinte estrutura: apresentação
do contexto da situação (a exibição da personagem, e, raramente, do espaço e do tempo, anão
ser o textual); a ação (surge um conflito para desequilibrar a situação inicial; um momento
máximo de tensão - clímax – e, por fim, a resolução do conflito. Pode ser finalizada com a
apresentação explícita da moral, ou esta pode aparecer implícita no texto. Suas marcas
linguístico-enunciativas costumam ser a indefinição espácio-temporal, pois a fábula costuma
não situar o tempo e o lugar da história. Isto porque, ela (a fábula) pretende apresentar uma
situação - envolvendo poucas personagens, com frequência duas, e uma moral da história: um
conselho; uma crítica; uma sátira etc. - que serve para qualquer tempo e/ou lugar. Por isso,
aparecem, nas fábulas, expressões como “um dia”, “certo dia”, “era uma vez”, “depois”, “no
dia/manhã seguinte”... – o tempo verbal usual é o da narrativa: pretérito perfeito. Quanto ao
tipos de discurso, nela são empregados, basicamente, o discurso direto e/ou o indireto.
4. Crônica: breve histórico, definição e características.
Inicialmente, a crônica designava, segundo Coutinho (1964), um relato cronológico
dos fatos sucedidos em qualquer lugar. Em suas origens, a crônica destinava-se a relatos de
fatos verídicos e nobres, também em ordem cronológica. De modo gradativo, a crônica se
afastou da História com o avanço da imprensa e do jornal. Tornou-se, primeiramente
"Folhetim".
De forma geral, foi a partir do folhetim – uma espécie de gazeta onde
inicialmente se publicavam romances – que a crônica – cuja palavra
originária do grego chronikós faz referência ao tempo chrónos – emerge em
suas múltiplas possibilidades. De uma feição ligada especificamente ao
gênero histórico – onde os cronistas, principalmente medievais, relatavam
os grandes feitos dos heróis ou dos príncipes – à relação com a literatura e o
jornalismo ao longo do século XIX a crônica fixa-se no Brasil e aqui
assume uma conotação de gênero caracteristicamente brasileiro.
(SCHNEIDER, 2011, p.3).
Com o passar do tempo, a crônica brasileira passou a ter um caráter literário,
fazendo uso de linguagem mais leve e envolvendo poesia, lirismo, fantasia, humor.
O sentido da crônica, entendido como um gênero literário em prosa, ligado ao
jornalismo, mas que evita o sentido de reportagem, perpassa ou é permeado por duas esferas
sociais: jornalística e literário. Ao mudar de suporte, no entanto, e ser publicada em um livro,
podemos considerá-la apenas um gênero da esfera literária, pois o registro fugaz dos
acontecimentos ou o registro de fugazes acontecimentos, permite sua efemeridade no campo
jornalístico.
Assim, o cronista-enunciador, atualmente, objetiva registrar/criar acontecimentos
circunstanciais com base no cotidiano,
Portanto, o cotidiano – que na origem latina, quot dies é, um dia e todos os
dias – engloba o instantâneo e o duradouro. Pequenas ações e grandes
ações, a repetição e a singularidade, o rotineiro e o excepcional, a inércia e a
transformação, a consciência crítica e a alienação etc., ou seja, no cotidiano
convivem e concretizam-se diferentes aspectos da realidade que se pode
perpetuar ou transformar. (SCHNEIDER, 2011, p. 6).
Em termos de construção composicional, a crônica é uma narrativa, quiçá relato de
caráter estético-expressivo, com poucas personagens, caracterizada pela brevidade, concisão,
podendo apresentar descrições e comentários, a partir da observação de fatos e/ou situações.
A linguagem do gênero em foco é sempre leve, às vezes lúdica, simples, com
emprego do tom de informalidade, ironia, humor, lirismo. Segundo Sá (1987, p. 11), os
acontecimentos “são extremamente rápidos, e o cronista precisa de um ritmo ágil para poder
acompanhá-los. Por isso, a sua sintaxe lembra alguma coisa desestruturada, solta (...) há uma
proximidade maior entre as normas da língua escrita e da oralidade”.
4. O contexto de produção de “Burro sentado”
O texto Burro Sentado encontra-se na página dez do livro “Histórias para Acordar”,
altamente recomendado pela Fundação Nacional do Livro Infanto-Juvenil – FNLIJ, adotado
por escolas brasileiras no ensino fundamental e traduzido em outras línguas. Lançado em
1996, pela Companhia das Letrinhas, de autoria de Diléa Frate, já atingiu mais de 40 mil
exemplares vendidos. O livro incorpora 60 histórias curtas e volta-se ao público infantojuvenil. Por considerarmos este texto um gênero híbrido (uma fábula-crônica), julgamos
prudente abordá-lo na 8ª série do ensino fundamental ou na série inicial do ensino médio, de
acordo coma voz de docentes da rede pública, participantes - em um contexto específico - de
nosso projeto de pesquisa.
A autora - Diléa Frate - é multifacetada, tendo atuado como diretora; jornalista;
redatora e roteirista de televisão (Programa do Jô, TV Globo), artista plástica e autora de
livros e contos. Seu trabalho como escritora tornou-se reconhecido devido à premiação
recebida pela Associação Paulista de Críticos de Arte, visto sua constante preocupação com o
leitor infanto-juvenil.
O olhar voltado para o público-alvo faz-se presente à medida que analisamos os
textos que constam no livro e observamos que todos foram construídos com escolhas
linguísticas que se aproximam da esfera cotidiana do mundo do leitor e até do universo
filosófico.
Na apresentação do livro, a autora caracteriza suas histórias como: “ligeiras,
curtas, com algumas chaves, cliques, ...”, com o objetivo de “ (...) abrir uma conversa, um
cochicho, uma reflexão, um carinho, ou qualquer outra coisa que possa aproximar a criança
do adulto e vice-versa”. Parafraseando Ritter e Cecílio (2008), consideramos que pais e
crianças-leitoras são convidados e instigados a dialogar, no sentido bakhtiniano com os textos,
considerados, no sítio da editora, de modo generalizado, como fábulas modernas.
Denominamos o texto em análise, como fábula-crônica devido ao fato de ser uma narrativa
curta, ágil, com o objetivo de refletir criticamente sobre a vida e/ou os comportamentos
humanos, a partir de uma situação do dia-a-dia, com leveza, bom-humor e ironia.
5. Burro Sentado
Era um burro diferente. Não era um burro
quadrado, nem burro de carga, tampouco um burro
sem rabo, era um burro inteligente. Pois a grande
ambição desse burro era comer que nem gente, ou
seja: sentado. Um burro sentado num restaurante é
coisa de maluco, mas esse burro era louco pra
burro! Cismou que cismou de ir a um restaurante e
se comportar que nem gente inteligente. Mal
sentou, o burro começou a falar, para encanto e
estupefação de todas as pessoas presentes, que
queriam saber como era a dieta do burro. Logo ele
ficou famoso. Convidado para todos os jantares, sempre sentado à mesa, ele falava de seu
prato favorito: alfafa. E impressionava. Impressionou tanto que depois de alguns meses as
pessoas daquele lugar passaram a comer como os burros. As pessoas se abaixaram e passaram
a comer de quatro, e o burro sempre sentado, e se divertindo muito disse: “Nossa, como vocês
são burros!”. As pessoas, comovidas, agradeceram contentes. (FRATE, 1996).
A fábula-crônica em análise apresenta uma lição de moral, apesar de não trazê-la
explicitada ao final do texto, como algumas fábulas fazem. Talvez pelo próprio conteúdo
temático abordado na história, já que a autora busca fazer com que o leitor reflita sobre a forte
influência exercida pelo outro em nossas vidas, a ponto de adotarmos comportamentos
alheios. O tema representa muito bem uma das grandes preocupações do mundo moderno, a
influência exercida por aqueles que despertam a atenção do(s) outro(s), inspirados no “Maria
vai com as outras”.
6. Análise das vozes na veiculação do conteúdo temático, da construção composicional e
dos aspectos linguístico-enunciativos do texto “Burro Sentado”.
Abordaremos, nesta seção, em particular, dialogicamente, as vozes/elos anteriores,
sobretudo às de assimilação (RODRIGUES, 2005), que perpassam a fábula-crônica, junto às
condições de produção e suas características/dimensões.
Todos os textos de Diléa Frate, no livro em pauta, são escritos em um só parágrafo,
abordam temas do cotidiano, com predomínio de tom leve, emprego de linguagem coloquial,
lúdica, humor, com personagens que podem ser pessoas ou animais. E concordamos com as
palavras de Ritter e Cecílio - discordando, portanto, da generalização apregoada no sítio da
editora:
Nas histórias habitam, geralmente, personagens nada moralistas (seres
humanos de verdade), animais (seres com pretensões de serem humanos) e
sentimentos como a fé cega e o olho desconfiado, a mãe e seus sete
maridos; Larissa, a consumista; o pernilongo anjo; Tico, o cachorro
mendigo; Tomiko San, o faxineiro super-herói; tatuí baiano; Bob bafo,
coelho amarelo; os chimpanzés Akira e Ai e o orangotango Dudu; o
caracol-lesma; vovô Aldo; vaca deprimida; o queijo e a lua; Paulinho sujo;
Bingo e Bibi; um pneu nacional e um americano; a punk, beija-flor e a
borboleta; o hipopótamo, entre outros.(RITTER; CECÍLIO, 2008, p.159).
Burro Sentado é a quarta narrativa (uma fábula-crônica) da coletânea a que
pertence em que o lúdico e o irônico fazem-se presentes com o jogo polissêmico da palavra
burro. Sua distribuição espacial revela um título centralizado, em caixa alta, a gravura
seguida do texto, conforme pode ser observado na imagem que apresentamos anteriormente.
A integração do título à ilustração permite ao leitor inferir que o tema versará sobre
algo inusitado, ao vermos a imagem de um burro pomposamente sentado em uma mesa, com
olhar indefinido, segurando, delicadamente, com uma das patas (“mãos”?), uma taça de vidro.
Há, ainda, em sua frente, um prato fartamente servido com um talher. Para que o leitor possa
compreender o porquê dessa imagem, que está interligada ao título – Burro Sentado - faz-se
necessário que proceda à leitura do texto na íntegra.
Embora pareça uma história simples, entendemos que não o seja. Tanto que para
apontarmos a temática precisamos indagar: sob a perspectiva de quem? De um lado, temos o
burro, representando a ambição, a ironia, a perspicácia, provindo de um relato fictício: um
burro que não aceita seu papel a ponto de questionar, alterar esse padrão e influenciar pessoas.
A influência do burro na fábula, permite-nos uma inferência com o papel (assimilação de voz
de “autoridade”/“credibilidade”) exercida pela sociedade de consumo (e de costumes) sobre
as pessoas: seu caráter altamente persuasivo, sedutor, muito explorado na publicidade e tão
densamente marcado em nossa sociedade (CARVALHO, 1996).
Para os leitores, a temática a ser tratada pode ser justamente o assujeitamento do
sujeito, a passividade, a falta de criticidade e de reflexão sobre um discurso imposto (FIORIN,
2003). Pode ser considerada como voz de ironia (BUSSARELO, 2004), de provocação ao
leitor (As pessoas, comovidas, agradeceram contentes).
No referente à ironia, como atitude responsiva em termos de leitores/interlocutores, o
autor assinala:
escreve-se para uma cultura letrada, por isso, o discurso irônico presente na
despretensão pode ser muito mais sarcástico e mordaz que se dito com todas
as palavras. Talvez justamente aí esteja a riqueza da crônica, porque
trabalha essencialmente com a contra-palavra do interlocutor
(BUSSARELO, 2004, p. 79).
A fábula-crônica organiza-se com a apresentação da personagem e de sua ambição; a
ação, praticamente sem conflito – o conflito era do animal - (corroborando o aspecto de
hibridização do gênero fábula com a crônica); o desfecho da história, retomando a ideia de
frequência dos “novos acontecimentos” (o verbo volta ao pretérito imperfeito) com moral
implícita.
No uso do discurso direto - na assimilação da voz do animal -, há a interpelação
direta às pessoas presentes, novamente como uso metáforico da expressão burro,
ironicamente em uma inversão de papéis.
Quanto às personagens, temos o protagonista - o burro -, que fala, senta, alimenta-se
como um ser humano, pensa e critica; e as demais pessoas, cujos nomes sequer são citados,
sendo influenciadas pelo animal. O signo burro remete-nos ao animal e, paradoxalmente, ao
emprego da voz de assimilação (de metáfora) do senso comum (RODRIGUES, 2005), com o
emprego do pretérito imperfeito, na apresentação do personagem e de suas ambições, na
fábula-crônica (Era um burro diferente. Não era um burro quadrado, nem burro de carga,
tampouco um burro sem rabo, era um burro inteligente. Pois a grande ambição desse burro
era comer que nem gente, ou seja: sentado. [...]. A palavra burro, muito empregada, como
posto, pela voz do senso comum, endereça-nos a várias enunciações com sentidos
“figurados”, tais como: Não aprende nada, é um burro! = Indivíduo estúpido, teimoso; Cabeça
de burro! = Pessoa estúpida; Ele está emburrado! = Cara fechada; Trabalhar como um burro!
= Trabalhar muito; Descer da burra = Ceder, transigir, depois de grande teima; Burro de
carga = O que faz o seu trabalho e o dos outros. No Brasil surgiu, há algum tempo, a
expressão “Burro-sem-rabo” para referir-se a uma nova forma de trabalho: aos catadores de
papel. Então, chama-se “Burro-sem-rabo” ao condutor de carrinho de mão!”. O verbo ser, no
pretérito imperfeito, também nos aponta indefinição espaço-temporal da fábula-crônica.
A autora-narradora faz novo apelo à voz hiperbólica e metafórica do senso comum,
num período ligado pelo operador argumentativo por natureza “mas” (Um burro sentado no
restaurante é coisa de maluco, mas esse burro era louco pra burro!). De acordo com Fiorin e
Savioli (2003), trata-se de glosas do locutor, ou seja, são os comentários e explicações sobre o
seu dizer. A escolha linguística de “maluco” e “louco pra burro”, remete-nos a vários
sentidos, porém numa mesma direção: 1. Adoidado, extravagante, doido, mentecapto, 2
Aquele que parece doido. 3 Indivíduo apalermado. 4 Extravagante. 5 Doidivanas (Michaelis
on line). Então, a própria narradora apresenta sua voz e direciona a teia discursiva. Note-se
que primeiro ela direciona o leitor para o absurdo da situação - “Um burro sentado num
restaurante é coisa de maluco -, em seguida, utilizando-se do operador argumentativo
direcionador de ideias contrárias, o “mas”, gramaticalmente uma conjunção adversativa,
procura justificar essa ação: “mas esse burro era louco pra burro!”. A expressão pra burro,
aqui, torna-se intensificadora.
Outro exemplo de voz que perpassa a apresentação da personagem pela autora é a da
de negação e encaminha-nos, mais uma vez, aos pressupostos teóricos de Fiorin e Savioli
(2003), visto que o autor apresenta-nos um conceito de negação, no qual estão implicadas
duas vozes: uma que afirma e outra que refuta a afirmação anterior: “Não era um burro
quadrado, nem burro de carga, tampouco um burro sem rabo, era um burro inteligente”. A
ideia do diferencial do personagem é paulatinamente construída pelas escolhas linguísticas,
então temos além do uso de operadores argumentativos de negação e de exclusão: não →
nem → tampouco. Como podemos observar, há uma gradação presente pela seleção lexical
do “não” um operador argumentativo de negação por excelência, reforçado pelo operador
“nem”, ampliado com a carga semântica do “tampouco”. Dito de outra forma, “o burro” não
era “quadrado”, nem “de carga”, tampouco “sem rabo”. A junção de tudo isso o classificava
como: diferente, no sentido de inteligente. Nesse momento, temos que refletir sobre as
características de um ser inteligente, dentre elas destaca-se “1. Que tem inteligência. 2. Hábil,
sagaz” (Michaelis on line), isto é, um ser capaz de refletir, raciocinar, argumentar, convencer
e persuadir pessoas, que é justamente o que ocorrerá no desenrolar da fábula.
Aqui, na assimilação da voz de negação, os adjetivos e as locuções adjetivas são
evidenciados, quando o narrador descreve o perfil do protagonista: “Era um burro diferente.
Não era um burro quadrado, nem burro de carga, tampouco um burro sem rabo, era um
burro inteligente”. [...] “esse burro era louco pra burro”. A presença dos adjetivos aponta
para o diferencial desse burro, como dito, ele é “inteligente”. Para comprovar essa asserção,
podemos seguir os encadeamentos posteriores. Neles, o narrador faz uso dos operadores
argumentativos “pois” e “ou seja” para justificar /explicitar a ambição do personagem, o que o
faz ser distinto de outros da mesma espécie: “Pois a grande ambição desse burro era comer
que nem gente, ou seja: sentado.” A escolha linguística do adjetivo “grande” redimensiona,
consideravelmente, o tamanho da ambição do protagonista.
A voz da metáfora do senso comum novamente é acionada no momento em que as
pessoas imitam o burro – ao final da fábula crônica (Comer “de quatro”).
A sequência “que nem gente”, iniciada por operador argumentativo de comparação,
também permite a inferência de um juízo de valor, demonstrando a apreciação valorativa/ o
favorecimento que o narrador demonstra o protagonista ter das demais pessoas, ou melhor,
dos seres a quem tenta imitar. Afinal, poder-se-ia dizer apenas “comer sentado”, mas não,
atribui-se implicitamente uma avaliação do outro, a quem o burro tenta imitar.
No que se refere ao sentido metafórico da última enunciação apresentada - “Nossa,
como vocês são burros!” – temos, aqui, outro recurso usado pelo enunciador do texto: o
discurso direto, em uma interpelação direta aos presentes. Para Fiorin e Savioli (2003), o
mecanismo ocorre quando o autor não quer assumir palavras ou expressões como suas. Logo,
o discurso direto é usado como uma forma de citação do discurso alheio, com isso o narrador
se exime do que será dito e simplesmente reproduz/retransmite o discurso do outro. Como se
trata de uma enunciação que, devidamente contextualizada, é um insulto, a responsabilidade
da carga semântica das palavras é da personagem que as enuncia, ou seja, do burro.
Na construção dos efeitos de sentido, o destaque de alguns termos e de seu emprego
no discurso são fundamentais, visto a falta de compreensão de um sentido dentro de um
contexto ser responsável pela falta do entendimento do texto.
Diante do exposto, corroboramos Geraldi (1993), no que tange à relevância de
investigarmos as escolhas linguísticas que o autor faz, na abordagem pedagógica, ser de muita
importância, por ele poder apontar ao educando não só a leitura do texto, mas, sobretudo,
investigar como o autor fez para dizer o que disse. Um exemplo é o que ocorre no final: “As
pessoas se abaixaram e passaram a comer de quatro, e o burro sempre sentado, e se
divertindo muito disse: “Nossa, como vocês são burros!”. As pessoas, comovidas,
agradeceram contentes.”. O discurso do protagonista, considerando o contexto, é visto pelo
burro como algo irônico, tanto que ele estava “sempre sentado, e se divertindo muito”. Temos
aqui a escolha do advérbio “sempre” indicando a permanência na posição inicial, e o
intensificador “muito”, que apresenta a veemência da sua diversão.
Por outro lado, a resposta das pessoas à enunciação proferida vem a comprovar o
irônico, o sarcástico da situação (“As pessoas, comovidas, agradeceram contentes.”). Três
escolhas lexicais sustentam nosso posicionamento: “comovidas”, “agradeceram” e
“contentes.” Novamente, o uso de adjetivos – comovidas e contentes – são essenciais na
produção de sentidos. Uma coisa é simplesmente limitar-se a agradecer. Todavia, a carga
semântica de agradecer com sentimento de comoção, quase com lágrimas, de forma
enternecida, intensifica a ação, ainda mais se vem acoplada de adjetivos que expressam
sentimento interior.
7. Proposta de didatização: um enfoque no trabalho de análise linguística
O trabalho com os gêneros discursivos permite um ensino vinculado às reais práticas
de uso, já que concebe a língua como interação. A língua é, portanto, uma prática social e
como prática precisa ser estudada/analisada a partir de seu contexto de produção.
A opção pela transposição didática dos gêneros, através da metodologia de Gasparin
(2003), concentra-se, em especial, no fato de a proposta didática gaspariana ter como fulcro
um ensino pautado na relação entre teoria e prática, isto é, uma abordagem de ensino que
vincule o conteúdo sistematizado a suas reais práticas de uso social. Nesse sentido, o
pesquisador organiza uma proposta de trabalho em que os conteúdos institucionalmente
sistematizados sejam abordados de modo contextualizado, permitindo “evidenciar aos alunos
que os conteúdos são sempre uma produção histórica de como os homens conduzem sua vida
nas relações sociais de trabalho em cada modo de produção.” (GASPARIN, 2003, p.2).
A metodologia de Gasparin (2003) parte da prática social inicial para chegar a uma
prática social final, via mediação da teoria. Em outras palavras, o ponto de partida não é a
escola, mas a realidade social mais ampla. Assim, ao desenvolver a proposta pedagógica,
toma como marco referencial a teoria dialética do conhecimento, através de um movimento
que parte da síncrese (visão parcial e desorganizada do mundo), a qual por meio da análise (a
teorização sobre essa prática, mediada pelo professor), chega à síntese (uma nova visão do
mundo, mais organizada e consciente).
Sob tal enfoque, o autor sugere um Plano de Trabalho Docente voltado para as três
fases do método dialético de construção do conhecimento – prática, teoria, prática –, as quais
se desdobram em cinco fases: prática inicial do conteúdo, problematização,
instrumentalização, catarse, prática social final.
A primeira fase – Prática Social Inicial – consiste em uma preparação que ambiciona
mobilizar o aluno para a construção do conhecimento científico. Representa a leitura inicial
da realidade, um primeiro contato com o tema a ser estudado, permitindo ao professor
verificar o conhecimento prévio dos alunos em relação ao conteúdo a ser abordado.
A segunda parte do método – Teoria – inicia-se com a Problematização. É o período
em que se dá início ao processo de sistematização do conhecimento, ao desafiar o sujeito
aprendiz a refletir sobre questões sociais, conduzindo-o a obter possíveis respostas. O
segundo momento, chamado de Instrumentalização, concebe a mediação do professor entre os
alunos e o conteúdo através da aplicação de ações didático-pedagógicas capazes de promover
a aprendizagem. A fase da teorização completa-se com a Catarse, a qual, segundo Gasparin
(2003, p. 128), reflete a síntese, “do cotidiano e do científico, do teórico e do prático a que o
educando chegou, marcando sua nova posição em relação ao conteúdo e à forma de sua
construção social e sua reconstrução na escola”.
Para finalizar, Gasparin (2003) sugere um retorno à Prática Social Inicial, agora com
uma visão mais ampla e organizada, visto que o fulcro é que professores e alunos tenham
modificado suas concepções a respeito do conteúdo estudado e atingido uma visão científica
mais aprofundada.
Feita a reflexão metodológica que embasa a presente proposta de trabalho,
passemos, agora, ao plano de trabalho docente elaborado para o estudo do texto Burro
Sentado, voltado à 8ª série do ensino fundamental ou para o ensino médio.
I Prática Social Inicial
1 Anúncio dos conteúdos
- O gênero fábula;
- O gênero crônica;
- A origem dos gêneros;
- Características da fábula e da crônica;
- Construção composicional dos gêneros em foco;
- Vozes e marcas lingüísticas, que contribuem para a construção de efeitos de sentido.
2 Vivência cotidiana dos conteúdos: Contexto de produção da fábula. 2
a) Você sabe o que significa o vocábulo “fábula”?
b) Já ouviu alguém narrar uma fábula? Em que circunstâncias?
c) Em pequenos grupos, vamos dar uma olhada nas fábulas que o professor e vocês trouxeram
de casa.
2
Todos os passos da Vivência do Cotidiano, na Prática Social Inicial, e da Problematização deverão ser
abordados com o gênero crônica, especificamente com “Pelada de subúrbio” de Armando Nogueira, disponível
em www.sitenotadez.net e acessada em 30 jun. 2011.
- Qual é a função das fábulas?
- Como podemos reconhecer uma fábula?
d) Quem escreve uma fábula?
e) A linguagem utilizada nas fábulas lidas é parecida? Por quê?
f) Agora vamos ler e analisar a fábula “O lobo e os cordeiros” de Esopo (O professor
apresenta a fábula).
g) Você já leu algum outro texto do autor? Sabe algo a seu respeito?
h) A quem se destina a fábula lida? Comprove sua resposta com informações do texto.
i) Qual é o objetivo específico do texto?
j) Você compreendeu todas as palavras que constam na fábula?
k) Liste as palavras que desconhece. Procure-as no dicionário e juntamente com um colega,
verifique a que mais se adapta ao contexto.
II Problematização
1 Dimensão conceitual.
- Pesquise o vocábulo “fábula” no dicionário, para compreendermos seu significado.
2 Dimensão histórico-cultural
- A fábula é um gênero discursivo que surgiu há muito tempo. Pesquise com mais três amigos
um pouco da história do gênero.
3Dimensão social
- Depois pesquisar, elabore uma justificativa para a criação das fábulas em nossa sociedade e
sua importância para as pessoas.
4 Dimensão política
- Como a compreensão da moral presente nas fábulas pode auxiliar o leitor no seu cotidiano?
- Todas as fábulas são passíveis de serem compreendidas por uma pessoa leiga?
III Instrumentalização
Abordar, primeiramente, a fábula de Esopo e a crônica de Armando Nogueira, em
termos das dimensões do gênero e, após, apresentar a fábula-crônica “Burro Sentado” de
Diléa Frate. Na última, particularmente, serão discutidas/analisadas as marcas linguísticas, nas
vozes preponderantes no texto, juntamente ás condições de produção, o conteúdo temático e à
construção composicional.
1. Atividades que abordam o contexto de produção, hibridização do texto e o conteúdo
temático3:
a) Quem é a autora do texto “Burro sentado”. Pesquise sobre.
b) Onde e em que época foi veiculado o texto?4
3
A sugestão é de que todas as atividades sobre as vozes e características do gênero devam ser realizadas em
grupo, com a mediação da professora.
c) O texto lido pode ser considerado uma fábula-crônica. Vamos descobrir o razão disso?
d) Discuta com seus colegas o tema abordado em “Burro Sentado”.
e) Você sabe o que é sociedade de consumo? Qual o papel da sociedade de consumo no texto
Burro Sentado?
2 Atividades sobre a construção composicional (arranjo, organização textual) e marcas
linguístico-enunciativas do gênero.5
a) Na apresentação da fábula-crônica, a autora busca uma palavra expressiva, usada no dia a
dia – na voz do senso comum. Constantemente empregamos recursos linguísticos,
assimilando vozes do senso comum, para dar maior expressividade à nossa comunicação.
Dizemos, por exemplo, “Estou morrendo de fome.” (hipérbole); “Comi dois pratos de
lasanha.” (metonímia); “Me apaixonei por aquele lindos olhos.” (metonímia);“Ele é devagar
como uma tartaruga.” (comparação); “Ele é uma tartaruga.” (metáfora). Há todo instante
podemos recorrer as figuras de estilo mesmo que sem nos darmos conta. As figuras de estilo
são recursos para tornar a linguagem mais significativa. Procure, na listagem que recebeu com
as figuras de linguagem, a que ocorre no trecho: “Nossa, como vocês são burros!”. Justifique
sua escolha.
b) A narradora apresenta o burro, fazendo uso da negação, ao caracterizá-lo. O que ela nega e
acentua ao descrevê-lo?
c) Adjetivo é a palavra que caracteriza o substantivo ou qualquer palavra com valor de
substantivo, indicando-lhe atributo, estado, modo de ser ou aspecto. Por exemplo: O rapaz é
trabalhador. A palavra “trabalhador” é um adjetivo, pois traz uma característica de “rapaz”
(substantivo). Na fábula consta: “Era um burro diferente. Não era um burro quadrado, nem
burro de carga, tampouco um burro sem rabo, era um burro inteligente.” Qual o efeito de
sentido produzido pelos adjetivos “diferente” e “inteligente”
d) Observando o fragmento anterior, comente a importância, na produção de sentidos, dos
elementos de gradação (não, nem tampouco), ao incorporarem a voz da negação/exclusão
para atingirem a “grande” qualidade do animal.
e) Qual o comentário da enunciadora sobre a atitude (e audácia) do burro? Aponte um sentido
da expressão pra burro, neste comentário.
f) Ainda na frase “Nossa, como vocês são burros!” podemos dizer que não se trata de uma
construção “exclusiva” da autora, ou seja, ela já foi, certamente, empregada por outras
pessoas em outros contextos. A expressão, portanto, novamente, faz parte do senso comum,
assim como provérbios e ditados populares. A autora, ao recorrer a essas expressões, dialoga
com aquilo que ela já conhece, expresso por outras vozes, e insere em seu texto. Discuta com
seus colegas e professor, outros exemplos expressivos a que recorremos, e que já fazem parte
do senso comum.
4
O docente, de preferência, deverá ter em mãos o livro “Histórias para acordar”, para os alunos poderem
manuseá-lo.
5
Todos os conceitos gramaticais ou textuais, mobilizados como meio (e não como fim), deverão ser retomados
ou explicitados, com o tempo necessário para apreensão discente.
g) A autora Diléa Frate opta por narrar a fábula-crônica, em quase todo o texto, através do
discurso indireto. Só para lembrar: discurso indireto ocorre quando o narrador utiliza suas
próprias palavras/sua voz, para reproduzir a fala de um personagem. Todavia, ao final do
texto, recorre ao discurso direto do burro, ao interpelar diretamente os
admiradores/seguidores: “Nossa, como vocês são burros!”. Qual seria a intencionalidade da
autora em recorrer ao discurso direto, nesse caso?
h) Verbos são palavras que conjugamos - mudamos de pessoa (exemplo: verbo ter – eu tenho,
você tem, ele tem, nós temos etc.); de tempo (exemplo: presente > eu tenho, – futuro > eu
terei; passado > eu tive/eu tinha) e de modo (certeza > eu tenho; – incerteza, possibilidade >
que eu tenha, se eu tivesse; - apelo, sugestão, mando > tenha, tenham). Após, apreender esse
conteúdo, responda: qual é o modo verbal predominante no início da fábula-crônica? Você
acha que a repetição do verbo ser é necessária na apresentação do burro e de suas ambições?
Justifique.
i) Como deve observado, o texto não apresenta marcas de tempo e de lugar em que ocorreu a
história. Apresente, então, o elemento indicador da indefinição de espaço e tempo. Identifique
os efeitos de sentido produzidos pela indefinição espácio-temporal nesta fábula-crônica.
j) A moral da história pode ser apresentada de forma explicita ou implícita. Como é
apresentada moral desta fábula-crônica para o leitor? Explicita ou implicitamente?
k) Haverá provérbios (outras vozes) que poderiam encaixar-se como moral do texto Burro
Sentado? Discuta e/ou pesquise.
l) Assinale a(s) alternativa(s) que julgar corretas e, depois, justifique a(s) escolha(s). A
linguagem empregada no texto é:
( ) formal ( ) irônica ( ) leve ( ) densa ( ) lírica ( ) humorada
IV Catarse
Agora sintetize o que você aprendeu, respondendo às questões abaixo:
a) O que é fábula? E uma crônica?
b) Os textos podem hibridizar-se? Por quê?
c) Qual a função da fábula na sociedade? E da crônica?
d) Por que é preciso compreender a moral presente na fábula?
e) Como é a organização textual da fábula? E da crônica?
f) Qual o efeito de sentido provocado pela presença de vozes na fábula-crônica?
V Prática Social Final
Como prática social final, pode-se propor a produção textual, através de algumas atividades
envolvendo:
a) a leitura, por toda a sala, de algumas fábulas, crônicas e, após, fábulas-crônicas;
b) oralidade e argumentação, por meio de um debate com questões que constam nos textos
lidos;
c) trabalho em grupo (de três a cinco pessoas), a partir da seleção de uma ou duas fábulascrônicas para, coletivamente, escreverem uma fábula-crônica sobre um tema proposto;
d) na escrita da fábula-crônica, observar: 1. a organização do texto; 2. as ilustrações que
acompanha; 3. a apresentação do contexto; 4. a construção do discurso do personagem; 5. as
escolhas linguísticas, com ênfase na adjetivação; 6. a argumentações e a contra-argumentação;
7. a moral; 8. a possível analogia com a vida real e sua aplicabilidade.
e) o processo de refacção textual;
f) a necessária circulação do texto produzido - e reescrito - seja via murais, ou impressos em
jornal construído em sala de aula, ou publicados em site da escola. Após o estudo com o gênero
discursivo fábula-crônica, vamos, juntos, sistematizar nossas intenções e propostas de ação
que faremos com os conteúdos aqui apreendidos, para nossa vida em sociedade.
Considerações finais
Acreditamos que o ensino de língua portuguesa se torna significativo para nossos
alunos quando lhes faz sentido. O domínio de regras gramaticais só tem valor quando os
educandos são capazes de empregá-las em situaçoes de uso da língua, extrapolando
significativamente os exercícios de pura memorização. De nada servem as normas e
prescrições, quando não são apresentadas as razões que as sustentam e as validam no processo
discursivo.
Conceber um estudo de língua desvinculado do processo interativo não permite
(re)conhecer as estratégias linguísticas adotadas pelo agente produtor como também não
conduz à compreensão das marcas que regem uma determinada modalidade discursiva.
Ademais, em todo processo interativo deve-se considerar o outro como instituidor do discurso
e, ainda, as interações com outros discursos, presentes nas vozes que perpassam o texto, e que
são silenciadas.
Pensando nisso, propomo-nos, através do estudo das marcas linguístico-enunciativas
do gênero fábula-crônica, por meio de vozes que perpassam o gênero, relacionadas ao tema, à
construção composicional, às condições de produção e os respectivos efeitos de sentido,
apresentar uma possibilidade para o trabalho com o gênero fábula-crônica em sala de aula,
contextualizando a análise linguítica, sobretudo à prática de leitura.
Procuramos, em consequência, apontar um caminho integrador das práticas de
leitura, análise lingustica e de produção/refacção textuais, a ser propiciado em sala de aula,
via articulação e progressão dos gêneros discursivos, como objeto de ensino do referido
processo, sempre com a mediação docente. Entendemos que, assim, o ensino pode vir a
tornar-se mais produtivo e criativo, sobretudo ligado a um plano de trabalho docente,
respeitando, de início, a caminhada discente, para, então, poder-se avançar, em termos
didático-pedagógicos, no emprego dos gêneros discursivos, nas mais diversas situações de
interação comunicativa.
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