ÍNDICE 1- INTRODUÇÃO.....................................................................................................................4 CAPÍTULO I- FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 2- A GANGRENA DE FOURNIER ....................................................................................8 2.1- O DOENTE COM GANGRENA DE FOURNIER: Principais Complicações.... 13 2.1.1- Dor........................................................................................................................ 13 2.2.2- Infecção ............................................................................................................... 16 2.2.3- Mortalidade ......................................................................................................... 19 2.3- ESTRATÉGIAS TERAPÊUTICAS.......................................................................... 19 CAPÍTULO II- FASE METODOLÓGICA 3- METODOLOGIA .............................................................................................................. 26 3.1- TIPO DE ESTUDO: .................................................................................................. 27 3.2- QUESTÕES DE INVESTIGAÇÃO ......................................................................... 28 3.3- POPULAÇÃO/AMOSTRA........................................................................................ 29 3.4- INSTRUMENTOS DE COLHEITA DE DADOS. .................................................. 29 3.5- PREVISÃO DA ANÁLISE DOS DADOS............................................................... 32 3.6- CONSIDERAÇÕES ÉTICAS................................................................................... 32 4- NOTA CONCLUSIVA...................................................................................................... 34 BIBLIOGRAFIA ANEXOS Anexo I ( Grelha de Observação ) Anexo II ( Consentimento ) Anexo III ( Cronograma ) PROJECTO DE INVESTIGAÇÃO 4 1- INTRODUÇÃO A Gangrena de Fournier ou fasceíte necrosante apresenta-se como um processo infeccioso de tecidos moles, causado por bactérias produtoras de toxinas. A fasceíte necrosante foi primeiramente descrita por Hipócrates no século. XV a.C. como uma complicação da erisipela. No século XIX a fasceíte necrosante era conhecida como úlcera maligna, úlcera gangrenosa, úlcera pútrida, phagedena, úlcera phagedena, phagedena gangrenosa e gangrena hospitalar. A gangrena hospitalar e a phagedena eram as denominações mais utilizadas. Apesar das infecções pós operatórias, erisipelas e febre puerperal serem comuns na era préanti-séptica, a gangrena hospitalar era rara.(JOSHI et all; 1999) Em 1871, Joseph Jones, citado por SPROVIERI (2000) descreveu pela primeira vez a fasceíte necrosante nos EUA, denominando-a de gangrena hospitalar. Em 1843, Fournier relatou a ocorrência de gangrena escrotal. Em 1924, MELENEY, citado por SPROVIERI (2000) notou a existência de uma infecção letal estreptocócica, que denominou de gangrena estreptocócica hemolítica. O termo fasceíte necrosante foi primeiramente utilizado por Wilson, em 1952. Hoje esta enfermidade é conhecida como "bactéria comedora de carne" e "gangrena galopante".(ONWUCHEKWA; 1999) A Gangrena de Fournier defina-se como uma fasceíte necrosante sinérgica da área peri-anal e escrotal, acompanhada de trombose microvascular subcutânea devido a uma disseminação bacteriana que leva à necrose dos tecidos.(MÁRQUEZ; 2000) É uma entidade patológica bastante rara, segundo ZGRABLICH et all (1998) estão relatados 486 casos na América, sendo 300 anteriores a 1936, o que demonstra a raridade da doença, polimicrobiana, com a presença muitas vezes concomitante de microorganismos aeróbios e anaeróbios, com prevalência do Streptococcus ,Staphylococcus aureus y albus , bacteroides, Klebsiella , Escherichia coli , Enterococcus , Proteus y Citrobacter (NAVARRO; sd) PROJECTO DE INVESTIGAÇÃO 5 Para além da sua raridade, o que dificulta uma padronização a nível do tratamento (PÉREZ; 1997), sendo uma doença que implica internamentos longos, acompanhado muitas vezes de uma degradação a nível psicológico do doente face à dor (DEZOLA; 1994). O tratamento passa na maior parte das vezes por um desbridamento cirúrgico dos tecidos desvitalizados, acompanhado algumas vezes pela abertura de colostomia para facilitar a cicatrização a nível peri-anal (PÉREZ; 1997), aumentando deste modo a angústia e o sofrimento destes doentes. Dado não existirem muitas indicações de como tratar/cuidar destes doentes, despertou-me a atenção essencialmente a dor que estes doentes sentem durante a realização dos pensos, que podem ser feitos, numa fase inicial, mais do que uma vez por dia, ocupando, de cada vez, uma hora ou mais na sua execução, o que se traduz num tempo prolongado de sofrimento, embora a analgesia possa estar presente aquando da sua realização, é bastante difícil obter uma analgesia total. Uma vez que se trata de uma doença pouco usual foi minha intenção fazer uma pesquisa sobre a mesma, no entanto notei que esta é muito pouca, resumindose essencialmente a estudos médicos. É bastante frequente encontrar referências a altas taxas de mortalidade em doentes com Gangrena de Fournier, segundo JOSHI (1999) esta encontra-se perto dos 40%. Factor este que não se verifica a nível de um serviço do Hospital Amato Lusitano (HAL), onde se tem conseguido bastante sucesso no tratamento destes doentes, embora seja difícil conseguir estatísticas uma vez que o diagnóstico de gangrena de Fournier é uma diagnóstico pós admissão, não correspondendo na maior parte das vezes ao de admissão. São objectivos deste projecto: Ø Descrever o tipo de tratamento clínico e de enfermagem nestes doentes. Ø Comparar o tipo de tratamento clínico e de enfermagem entre os serviços de Cirurgia I e de Cirurgia II do Hospital Amato Lusitano. Ø Verificar o grau de sucesso do tratamento entre os dois serviços. Ø Saber a taxa de mortalidade existente no Hospital Amato Lusitano. Pretendo assim realizar um estudo descritivo prospectivo, dado pretender estudar os doentes internados com este diagnóstico no Hospital Amato Lusitano nos próximos cinco anos, irá ser também comparativo uma vez que pretendo comparar o PROJECTO DE INVESTIGAÇÃO 6 grau de mortalidade entre os serviços mencionados e se possível comparar o grau de mortalidade entre o Hospital Amato Lusitano e o referido na bibliografia. Este projecto, de modo a facilitar a sua consulta e a organizar o seu conteúdo mais eficazmente será dividido em dois capítulos: Capítulo I – Fundamentação teórica Capítulo II – Metodologia. PROJECTO DE INVESTIGAÇÃO 7 PROJECTO DE INVESTIGAÇÃO 8 2- A GANGRENA DE FOURNIER A fasceíte necrosante, ou Gangrena de Fournier, acomete proporcionalmente ambos os sexos, atingindo indivíduos de qualquer faixa etária. Esta enfermidade atinge com mais frequência indivíduos diabéticos, imunossuprimidos, alcoólicos, toxicodpendentes, portadores de doenças vasculares periféricas ou neoplásicas, desnutridos graves e grávidas, principalmente durante o segundo e terceiro trimestres e no pós-parto(MÁRQUEZ; 2000). BROOK e FRAZIER, citado por DESOLA (1994) num estudo prospectivo com 83 pacientes, relataram como factores predisponentes e condições associadas à fasceíte necrosante o trauma em 28 pacientes (34%); cirurgia prévia em 17 (20%); diabetes mellitus em 15 (18%); imunossupressão em 14 (17%); aterosclerose em 13 (16%); infecção dentária em 9 (11%); insuficiência renal em 7 (8%); malignidade em 6 (7%) e alcoolismo em 5 (6%). As causas idiopáticas ocorrem em 13 % a 31% dos casos (DESOLA; 1994). Há relatos de jovens sadios que foram acometidos pela fasceíte necrosante, sendo estes vítimas dos estreptococos b-hemolíticos do grupo A, com clínica semelhante à síndroma do choque tóxico estreptocócico.(PEREIRA et al; sd) A Gangrena de Fournier ou fasceíte necrosante apresenta-se como um processo infeccioso de tecidos moles, causado por bactérias produtoras de toxinas. É caracterizada por necrose ampla do tecido celular subcutâneo , que avança rapidamente em extensão superficial, comprometendo secundariamente a pele, com preservação dos músculos adjacentes. Pode atingir qualquer parte do corpo, porém é mais comum na parede abdominal, extremidades e períneo (DESOLA; 1987). É considerada uma doença de extrema gravidade por estar associada frequentemente à toxicidade sistémica e apresentar rápida evolução. Por isso, é importante ter o conhecimento das bactérias envolvidas na fasceíte necrosante, pois, associado ao quadro clínico, auxilia na selecção da terapêutica antimicrobiana empírica antes mesmo do resultado das culturas. Portanto, o diagnóstico precoce e PROJECTO DE INVESTIGAÇÃO 9 o tratamento adequado e agressivo são determinantes no prognóstico do doente.(ZBRABLICH; 1998) Em termos etiológicos não existe um microrganismo que seja patognomônico da infecção nesta doença (SPROVIERI; 2000). A acção sinérgica de bactérias aeróbias e anaeróbias pode ser responsável pela frequente evolução fulminante da doença. A Tabela 1 mostra os organismos responsáveis pela fasceíte necrosante. Tabela 1 - Organismos envolvidos na fasceíte necrosante. Bactérias aeróbias gram-positivas Estreptococos b-hemolíticos do grupo A Estreptococos do grupo B Enterococos Estafilococos coagulase negativo Staphylococcus aureus Bacillus sp. Bactérias aeróbias gram-negativas Escherichia coli Pseudomonas aeruginosa Enterobacter clocae Klebsiella sp. Proteus sp. Serratia sp. Acinetobacter calcoaceticus Citrobacter feundii Pasteurella multocida Bactérias anaeróbias Bacteroides sp. Clostridium sp. Peptostreptococcus sp. Vibriões marinhos sp. Vibrio vulnificus Vibrio parahemolyticus Vibrio algilyticus Fungos Candida sp. Aspergillus sp. Rhizopus Fonte: SPROVIERI (2000) PROJECTO DE INVESTIGAÇÃO 10 GIULIANO et all citado por PÉREZ (1997). desenvolveram estudos bacteriológicos nos quais notaram o envolvimento de dois tipos principais e distintos de microrganismos relacionados à fasceíte necrosante: •O tipo I é polimicrobiana, consiste no isolamento de pelo menos uma bactéria anaeróbia (mais frequentemente Bacteroi-des e Peptostreptococcus sp.) associada a uma ou a mais que uma bactéria anaeróbias (estreptococos do grupo não A) e enterobactérias; •O tipo II conhecida como gangrena estreptocócica hemolítica causada por estreptococos hemolíticos do grupo A, podendo estar associado ao Staphylococcus aureus. Não existe diferenças quanto à evolução clínica, morbilidade ou mortalidade entre esses dois grupos. Tem sido, recentemente, debatida a possibilidade do surgimento de novas cadeias de estreptococos do grupo A mais virulentas, para justificar o aumento do número de casos fatais relatados na fasceíte necrosante, ou se este fato se deve ao ressurgimento do maior interesse e divulgação da doença.(SPROVIERI; 2000) A quantidade e os tipos de microrganismos envolvidos na fasceíte necrosante dependem do local da infecção. Pode ocorrer em qualquer parte do corpo, principalmente na parede abdominal, extremidades e períneo. As infecções abdominais e perineais são geralmente polimicrobianas, provocadas por bactérias entéricas. Predominam os bacilos gram-negativos aeróbios e anaeróbios, os enterococos, e menos frequentemente os estafilococos e estreptococos. O comprometimento das extremidades é, geralmente, mono-microbiano e envolve flora da pele.( ONWUCHEKWA; 1999) O tipo III da fasceíte necrosante é causada pelos vibriões, sendo que o Vibrio vulnificus é considerado o mais virulento. A porta de entrada geralmente é uma ferida causada por peixes ou uma lesão cutânea exposta à água do mar. (PÉREZ; 1997) DESOLA(1994) afirmou ainda que: ”A fasceíte necrosante pode estar associada a história de trauma determinado por cortes, abrasões, queimaduras, lacerações, contusões, picadas de insectos, mordeduras de animais, injecções intravenosas (drogas ilícitas ou fármacos ), injecções subcutâneas como insulina, complicações pós -operatórias. Entre outras etiologias não relacionadas ao trauma encontramos as infecções causadas por PROJECTO DE INVESTIGAÇÃO 11 úlceras, abscesso peri-retal, hérnias encarceradas, fístulas colocutâneas e cálculos renais. As infecções vulvares ocorrem mais frequentemente em diabéticas obesas. A infecção genital masculina decorre geralmente da gangrena de Fournier. Além destas, existem as de origem idiopática, cujo agente mais comum é o Streptococcus pyogenes e ocorre nas extremidades. Existem as infecções decorrentes de complicações no local de colocação de catéteres percutâneos, tubos de drenagem torácicos ou abdominais. Pode ocorrer disseminação hematogênica de foco à distância, ao invés de inoculação directa no tecido celular subcutâneo”. Os sintomas e sinais clínicos da fasceíte necrosante geralmente começam no sétimo dia após o início do processo infeccioso. Os primeiros sinais são o surgimento de área de celulite eritematosa, ruborizada e quente, geralmente precedida por dor local muito intensa e acompanhada de toxemia sistémica. Pode ocorrer hipertermia entre 38 ºC e 40 ºC.(NAVARRO; sd) Segundo JOSHI (1999),: “com a evolução o eritema espalha-se difusamente, tornando-se difícil distinguir com nitidez a transição entre a pele íntegra e a acometida pelo processo inflamatório. Em pouco tempo, a coloração da região cutânea acometida torna–se azul escuro, com formação de bolhas contendo fluidos serosos de coloração rósea, tornando-se em seguida hemorrágica de coloração roxa”. A partir deste momento a infecção encontra-se bem definida no espaço subcutâneo com necrose cutânea franca , atingindo muito mais a fáscia e tecido adiposo do que o plano cutâneo, produzindo um líquido espesso com odor fétido. O mecanismo produtor deste processo necrótico de liquefacção é desconhecido.(JOSHI; 1999) Alguns pesquisadores acreditam existir neste processo enzimas bacterianas, entre elas a hialu-ronidase, responsável pela degradação das fáscias, e as lipases, responsáveis pela degradação das gorduras. No entanto, recentemente postulou-se a existência de certos super-antígenos (SPE-A, SPE-B e SPE-C), secretados por certas cepas de estreptococos b-hemolíticos, que formam clones de linfócitos T4, os quais activam várias citoquinas, como factor de necrose tumoral alfa e beta (TNF-a, TNF-b), complemento e cascata de coagulação, com produção de radicais livres de oxigénio e óxido nítrico, resultando em choque e falência de múltiplos órgãos. A proteína M do Streptococcus pyogenes, tipo I e III, é um antigénio que confere PROJECTO DE INVESTIGAÇÃO 12 resistência bacteriana à fagocitose, permitindo sua rápida proliferação, sendo a responsável pela invasão tecidual e bacteremia (SPROVIERI; 2000). Pode ocorrer trombose intravascular das artérias nutrientes da pele, contribuindo para o aspecto de queimadura térmica da superfície cutânea, que após 4 a 5 dias se torna francamente gangrenosa. A trombose dos vasos superficiais dificulta a penetração dos antibióticos no local da infecção e compromete o mecanismo oxidativo de destruição dos leucócitos. Isto leva à acumulação de bactérias e toxinas, contribuindo para a síndroma séptica e para as suas sequelas. Sabe-se que a hemolisina produzida pelo Staphylococcus aureus causa hemólise e necrose tecidual (SPROVIERI; 2000). As bactérias e as toxinas, ao atingirem a circulação sanguínea, predispõe à embolia séptica, com formação de abscessos metastáticos para fígado, pulmão, baço, cérebro e pericárdio. Nesta fase de trombose vascular, ocorre também destruição da enervação subcutânea, que leva a hipoestesia ou anestesia da região comprometida (NAVARRO; sd). Na fase inicial, a pouca presença de alterações cutâneas ou sistémicas dificulta o diagnóstico da doença. O alerta para o diagnóstico deve -se basear na presença de dor local intensa, associada a sinais clínicos de processo inflamatório cutâneo, mesmo que discretos, além de toxemia sistémica. O diagnóstico nesta fase do processo deve ser diferenciado de outras infecções superficiais, como erisipela e celulite, pois o tratamento e prognóstico são totalmente diferentes (PÉREZ; 1997). Erisipelas e celulites são caracterizadas pelo eritema progressivo, intenso e bem delimitado, associado à linfoadenopatia e linfangite. O edema do tecido mole e a presença de necrose de pele são raros. Os achados laboratoriais mais frequentemente encontrados na fasceíte necrosante são leucocitose, hipocalcemia e acidose metabólica, devido à presença de necrose tecidual extensa (JORDI; 1994). Feita a suspeita clínica deve-se realizar a exploração cirúrgica o mais rápido possível para a confirmação diagnostica. A cirurgia é considerada actualmente o melhor método diagnóstico e consiste do desbridamento e de ampla exploração da região acometida. A falta de aderência da fáscia durante a dissecção é característica da fasceíte necrosante (JORDI; 1994). PROJECTO DE INVESTIGAÇÃO 13 Os métodos diagnósticos por imagem em muito tem auxiliado, cada qual com as suas particularidades . O exame radiológico simples da região afectada auxilia na elucidação da presença de gás nos tecidos moles. A tomografia axial computadorizada (TAC), por sua vez, é mais sensível que a radiografia simples para avaliar a presença de gás e delimitar a extensão do processo infeccioso (MÁRQUEZ; 2000). A ultra-sonografia permite delimitar o processo infeccioso, principalmente nos casos de gangrena de Fournier, e auxilia no diagnóstico diferencial com outras causas de doença aguda do escroto. A ressonância magnética é, dentre os exames de imagem, o mais sensível, permitindo-nos diferenciar os elementos teciduais, detectar fluidos nos tecidos moles e visualizar processos patológicos locais, tornando possível a diferenciação entre fasceíte necrosante e celulite não necrótica. A ressonância magnética não deve ser usada como método diagnóstico de rotina para fasceíte necrosante, sendo reservada para os diagnósticos duvidosos (SPARACIA ; sd). 2.1 - O Complicações DOENTE COM GANGRENA DE FOURNIER: Principais Os doentes com gangrena de Fournier podem-se considerar doentes especiais que, face à sua situação clínica exigem cuidados especiais. A sua vulnerabilidade quer em termos físicos quer em termos psicológicos conduz quase inevitavelmente a complicações, por vezes bastante graves como é o caso das infecções nosocomiais que são muitas vezes responsáveis por uma agravamento da situação e pelo insucesso terapêutico nestes doentes, aumentando assim o tempo de internamento destes doentes e a taxa de mortalidade (ZGRABLICH; 1998). 2.1.1- Dor Pode-se conceituar dor como uma experiência sensorial e emocional desagradável associada a um dano tecidular actuais ou potenciais ou descrito em termos de tal dano (PORTELA, 1999; 9). PROJECTO DE INVESTIGAÇÃO 14 Segundo PORTELA (1999; 10) “Existem actualmente duas bases distintas em termos de classificação da dor: a base temporal (classificada quanto à duração da mesma ao longo do tempo) e a base definida pelos mecanismos responsáveis pela dor.” Tendo por base a duração da dor esta pode ser classificada nos seguintes tipos: Dor Aguda: Caracteriza -se por uma dor com um início bem definido, está normalmente associada a traumatismos repentinos (queda, corte...). Este tipo de dor apresenta normalmente boa resposta aos analgésicos. Dor Crónica: Caracteriza-se por um prolongamento da dor por um período de mais de 3 meses. Embora a duração da sensação de dor seja suficiente para a distinguir da dor aguda existem normalmente associados à dor crónica alterações a nível comportamental, psicológico, de estilos de vida, perturbações do sono e apetite. Dor Irruptiva: Trata -se de uma exacerbação da dor crónica por um período de tempo, ou seja é uma agudização da dor crónica (PORTELA; 1999). Quanto à caracterização da dor baseada nos mecanismos responsáveis pela mesma ela pode-se classificar em três tipos: Nociceptiva: Aplica-se essencialmente à dor crónica. Está normalmente associada a danos tecidulares associados a lesões somáticas (espasmos, metástases...) e/ou a danos viscerais (obstrução intestinal, hepatomegália...). Neuropática: Este tipo de dor é atribuído a focos de doença do sistema nervoso central (SNC) ou periférico (SNP). A dor neuropatica pode ser constante ou intermitente; tipo queimadura ou lancinante e pode ser acompanhada de alodinia e hiperpatia na zona do nervo ou nervos afectados. Idiopática: Caracteriza -se por uma percepção exacerbada da doença em relação à doença presente. È bastante usual encontrar associadas alterações afectivas e do comportamento que podem indiciar a presença de factores psicológicos envolvidos na sensação de dor (PORTELA; 1999). PROJECTO DE INVESTIGAÇÃO 15 Actualmente a escolha dos fármacos para o tratamento da dor deve ser feito, segundo NETO (1997) “de acordo com a escada analgésica da Organização Mundial de Saúde (O.M.S.)”., Esta escada é constituída por três escalões de analgesia. 1º Escalão: é constituído pelo analgésicos não opióide (Paracetamol; Ácido Acetilsalicílico; Metamizol Magnésico; Nimesulide...) 2º Escalão: é constituído pelos opiódes fracos (Cloridrato de tramadol; Codeína...) 3º Escalão: é constituído pelos analgésicos opióide (Morfina; Petidina; Fentanil...) A passagem a um escalão superior no tratamento da dor implica sempre uma analgesia insuficiente num escalão mais baixo (NETO; 1997). É frequente ainda, no tratamento de dor crónica ou da dor aguda bastante intensa, a associação de um analgésico de escalão superior com um do escalão anterior(Coadjuvante) (PORTELA; 1999). A via de eleição no tratamento da dor deve ser sempre a via oral, seguida da sub-cutânea e por fim da endovenosa. No doente com Gangrena de Fournier a analgesia deve respeitar sempre a abordagem escalonada no tratamento da dor. Como tal deve ser feita uma colheita de dados de qualidade de modo a averiguar a intensidade da dor e o sucesso do seu tratamento (NAVARRO; sd). No meu serviço (Cirurgia I) a analgesia nestes doentes é normalmente feita através da administração periódica de um analgésico não opióide ou de um opióide fraco. Torna-se no entanto, antes da realização do penso, necessário a administração de um analgésico opióide fraco ou de um opióide forte (normalmente a Petidina), não só atendendo ao facto de estes doentes sentirem mais dor nesta altura mas também porque são sujeitos muitas vezes a desbridamento de tecidos desvitalizados, o que inevitavelmente propõe à lesão de tecidos sãos subjacentes. Segundo NETO (1997) “a toma do analgésico deve antecipar-se ao aparecimento da dor”, iniciando assim o doente a toma do analgésico cerca de meia hora antes da realização do penso. Consegue-se no entanto através da administração periódica de analgésicos não opióide ou opióide fracos uma grau elevado de analgesia. PROJECTO DE INVESTIGAÇÃO 16 2.2.2- Infecção Actualmente um dos principais obstáculos à cura dos doentes em meio hospitalar são as infecções nosocomiais, verificando-se, nos dias de hoje um aumento crescente das mesmas devido a um alto consumo de antibióticos que, muitas vezes não são os adequados às situações clínicas verificadas. Este factor promove assim o aparecimento de entidades patogénicas multi-resistentes aos antibióticos.(SMELTZER; 1994) Muitas vezes, face ao diagnóstico tardio da Gangrena de Fournier, a adequação terapêutica não é feita de acordo com o(s) microorganismo(o) presente e com as suas características o que induz muitas vezes a multiresistência antibiótica contribuindo assim para o aumento da taxa de mortalidade.(ZGRABLICH; 1998). Devido ao seu estado de enfraquecimento, ao tipo de estirpes microbianas presentes e à resistência medicamentosa estes doentes apresentam risco elevado de contraírem infecções nosocomiais. Torna-se assim necessário fazer o estudo das estirpes responsáveis pela infecção e a utilização de uma técnica asséptica cirúrgica e médica bastante rigorosa aquando da realização de pensos e de outras intervenções que, de alguma maneira possam contribuir para a entrada de microorganismos patogénicos. “Entende-se por técnica asséptica cirúrgica todo um conjunto de procedimentos que têm como finalidade evitar a contaminação da pessoa através de portas de entradas de microorganismos, como por exemplo durante intervenções cirúrgicas ou realização de pensos.”( SMELTZER; 1994; 360) Uma vez que os doentes acometido com Gangrena de Fournier são doentes imunodeprimidos e sujeitos a internamentos longos tornam-se mais susceptíveis de contraírem infecções nosocomiais. No tratamento destes doentes a técnica asséptica cirúrgica deve ser utilizada com o maior rigor possível durante a realização do penso e outros actos terapêuticos que possam implicar a possibilidade de abertura de portas de entrada a microorganismos potencialmente patogénicos. A utilização da técnica asséptica cirúrgica com rigor contribui assim para a diminuição do tempo de internamento destes doentes, para um melhor prognóstico em relação à doença em si e para a diminuição das despesas de saúde com estes doentes.( ZGRABLICH; 1998) PROJECTO DE INVESTIGAÇÃO 17 As regras básicas da assépsia cirúrgica são: - As superfícies ou artigos estéreis podem estar ou entrar em contacto com outras superfícies ou artigos estéreis. - Se houver dúvidas em relação à esterilidade de um artigo ou área esta deve ser considerada contaminada e como tal eliminada de todos os procedimentos. - Aquilo que é considerado estéril para um doente é considerado contaminado para outro. Produtos estéreis não utilizados devem ser eliminados ou reesterilizados, consoante as suas características ( SMELTZER; 1994). - Os campos devem ser colocados de forma a não haver contaminação das suas superfícies. - Apenas a parte superior do doente ou da superfície de suporte são considerados estéreis, campos localizados nas margens não o são. - Se durante os procedimentos um material (soluto, material de penso ou outro) não esterilizado entrar em contacto com o campo esterilizado este deve ser considerado contaminado e como tal substituído ( SMELTZER; 1994). No que respeita ao material: - As embalagens devem ser concebidas de forma a permitir a sua abertura sem haver contaminação do seu conteúdo. - Materiais estéreis, incluindo solutos, devem ser depositadas no campo esterilizado ou serem manuseados por uma pessoa devidamente equipada (Luvas esterilizadas; máscara; bata de protecção esterilizada). - As extremidades das embalagens ou frascos que contêm produtos estéreis são consideradas contaminadas. - As soluções estéreis são depositadas a partir de uma altura suficiente de modo a impedir o contacto da extremidade da embalagem com o material esterilizado. No que respeita ao pessoal que está na prestação de cuidados (realização de pensos; outros cuidados): - Deve usar-se batas de protecção esterilizada, luvas (esterilizadas se for para realização do penso) e máscara de protecção. (SMELTZER; 1994) PROJECTO DE INVESTIGAÇÃO 18 Outro método na prevenção das infecções nosocomiais é a utilização da técnica asséptica médica. Esta técnica visa essencialmente a interrupção da cadeia epidemiológica de forma a oferecer controle sobre a transmissão de uma doença (SMELTZER; 1994), neste caso das infecções nosocomiais. Ainda segundo SMELTZER (1994; 1620) “as precauções universais recomendam que todas as pessoas que trabalham na assistência à saúde e que entram em contacto com sangue ou outras secreções devem usar uma forma adequada de barreira de modo a prevenir a disseminação de organismos patogénicos”. As principais medidas para a prevenção da disseminação de microorganismos patogénicos ou eventualmente patogénicos são: - Isolamento do doente: tem como principal objectivo evitar que outros doentes estejam sujeitos ao contacto com líquidos corporais e entidades patogénicas potencialmente nocivas para eles. Segundo (SMELTZER; 1994; 1621) “ os quartos privativos estão indicados para pacientes com doenças altamente contagiosas ou aquelas causadas por germes que tendem a ser virulentos, quando transmitidos...”. - “A lavagem das mãos é a principal medida de prevenção da transmissão de microorganismos (...) as mãos devem ser esfregadas com um agente desinfectante não abrasivo se tiver havido contacto com um doente portador de microorganismos patogénicos virulentos.( SMELTZER; 1994; 1621) - O uso de máscaras; aventais ou batas de protecção descartáveis e luvas são importantes pois evitam o contacto do vestuário e partes do corpo de quem presta cuidados ao doente, evitando assim a propagação dos microorganismos (SMELTZER; 1994). - A roupa destes doentes deve ser separada e enviada para a lavandaria identificada como contaminada de modo a proceder ao correcto tratamento da mesma (SMELTZER; 1994). PROJECTO DE INVESTIGAÇÃO 19 2.2.3- Mortalidade Embora actualmente a Medicina se encontre bastante avançada a Gangrena de Fournier continua a ser uma entidade patológica com elevada mortalidade.(SPARACIA ; sd) A mortalidade associada a esta patologia varia segundo ESPARZA (sd) entre os 10% e os 70% o que revela ainda uma certa ineficácia no tratamento ou diagnóstico precoce da doença. Outros autores, como ZGRABLICH (1998) “ a mortalidade associada à Gangrena de Fournier continua a ser superior a 40%”. PÉREZ (1997), afirma que, em relação à taxa de mortalidade “O seu índice de mortalidade é alto (21%), com variância entre os 7% e os 75%”. Embora não se encontre consenso a nível da bibliografia sobre uma taxa de mortalidade efectiva pode-se verificar que esta continua a ser bastante elevada, tendo em conta os recursos terapêuticos e cirúrgicos existentes hoje em dia. 2.3- ESTRATÉGIAS TERAPÊUTICAS A terapêutica faz-se com a utilização de antibióticos, exploração cirúrgica, cuidados de suporte, oxigenioterapia hiperbárica e imunoglobulinas. A antibioticoterapia visa a utilização de drogas de amplo espectro, abrangendo as bactérias gram-positivas e gram-negativas, além das anaeróbias. Utiliza-se com frequência a associação de três antibióticos sendo, penicilina cristalina em altas doses, aminoglicosídio ou cefalospori na de terceira geração, e para a cobertura dos anaeróbios, a clindamicina ou metronidazol. A terapia antimicrobiana deve ser introduzida empiricamente na fase inicial do tratamento, e reavaliada posteriormente de acordo com a evolução clínica e o resultado das culturas e a sensibilidade dos microrganismos. A penicilina intravenosa em altas doses é ainda a droga de escolha para a fasceíte necrosante causada pelo Streptococcus pyogenes (.SPROVIERI; 2000). A cirurgia, com amplo desbridamento da área necrótica, é indicada o mais breve possível. A revisão cirúrgica é recomendada 24 horas após o primeiro acto PROJECTO DE INVESTIGAÇÃO 20 operatório e repetida quantas vezes forem necessárias. O desbridamento deve ser amplo, para a retirada de todo tecido necrótico e drenagem dos planos fasciais comprometidos, através de fasciectomia até os limites da fáscia íntegra. Estes procedimentos têm proporcionado bons resultados, possibilitando assim o aumento da sobrevida dos doentes quando comparados aos da intervenção tardia (ZGRABLICH; 1998). O tratamento de suporte inclui reposição de volume, analgesia, aporte nutricional com dieta hiperproteica e hiper-calórica, além do apoio psicológico. Após o tratamento cirúrgico e definição da integridade dos planos teciduais, deve-se programar reconstrução e enxertos de pele (NAVARRO; sd). A oxigenioterapia hiperbárica não possui eficácia comprovada no tratamento da fasceíte necrosante, mas pode ser indicada como tratamento adicional. Este tratamento deve ser realizado antes da cirurgia quando o agente etiológico for Clostridium , o principal agente etiológico da gangrena gasosa. O efeito fisiológico desta terapia é o de aumentar o poder de destruição dos leucócitos, destruir certos anaeróbios, diminuir o edema tecidual, estimular o crescimento de fibroblastos e aumentar a formação de colageneo (DESOLA; 1994). A utilização da imunoglobulina intravenosa visa reduzir a hiperproliferação de células T, inibindo a produção de factor de necrose tumoral (TNF), reduzindo assim a resposta inflamatória na fasceíte necrosante (SPROVIERI; 2000). Alguns exames laboratoriais e complementares poderão ser realizados para auxiliar o diagnóstico e delimitar o processo, porém este só será firmado durante exploração cirúrgica que deverá ser imediata à suspeita clínica. Associado ao desbridamento cirúrgico da área necrótica, deve-se instituir antibioticoterapia empírica baseada no conhecimento dos agentes etiológicos mais prováveis, enquanto se aguarda evolução clínica e o resultado das culturas. Só assim se consegue melhorar o prognóstico e diminuir as taxas de morbilidade e mortalidade (JOSHI; 1999). Os enfermeiro desempenham um papel fundamental no restabelecimento destes doentes, quer através dos procedimentos técnicos quer através do apoio psicológico (SPARACIA ; sd). PROJECTO DE INVESTIGAÇÃO 21 Os cuidados prestados no Hospital Amato Lusitano são baseados no modelo de Virgínea Henderson, em vigor no HAL, sendo estes dirigidos às necessidades humanas básicas do doente, preservando as intactas e ajudando no restabelecimento das alteradas. É assim proporcionado ao doente um ambiente o mais calmo e agradável possível de forma a reduzir a ansiedade e a dor dos mesmos. A incentivação à alimentação é também uma tarefa de bastante importância para a sua cura uma vez que esta depende em grande parte de uma ingestão suficiente de nutrientes (FILHO; 1997). A alimentação destes doentes costuma muitas vezes ser complementada com a nutrição parentérica uma vez que face à dor a perda de apetite é bastante frequente (PORTELA; 1999). Outro problema nestes doentes é a alteração da integridade cutânea devido à extensa necrose de tecidos, originando uma loca muitas vezes bastante extensa, problema esse que se torna um dos principais objectivos nos cuidados de enfermagem - promover a cicatrização. A cicatrização é um processo de elevada complexidade. É importante termos o conhecimento do processo fisiológico envolvido, por várias razões, nomeadamente : o conhecimento do processo fisiológico normal facilita o reconhecimento do anormal; o conhecimento das diferentes etapas de restabelecimento da integridade cutânea permite seleccionar os pensos apropriados. “A cicatrização consiste numa série de etapas encadeadas interdependentes e de elevada complexidade. São elas: a fase da inflamação; fase da reconstrução; fase de epitelização e a fase da maturação”.( ROBINSON ; 1999; 18) - A fase inflamatória varia entre zero e cinco dias, é uma reacção local não específica à destruição do tecido e/ou invasão bacteriana. Constitui uma parte importante dos mecanismos de defesa do organismo sendo essencial no processo da cicatrização. Nesta fase o organismo recorre à energia e reservas nutricionais. Se esta fase se prolongar por maior período normalmente por factores externos à ferida como seja a infecção, presença de corpo estranho ou lesões causadas pelo penso, este facto irá atrasar o processo da cicatrização podendo originar granulação excessiva num estadio posterior. PROJECTO DE INVESTIGAÇÃO 22 - Fase da reconstrução: Os macrófagos têm um papel “pivot” na passagem da fase inflamatória para a de reconstrução. Estes produzem os factores de crescimento que atraem os fibroblastos para a lesão e estimulam a sua divisão e posterior produção de fibras de colagénio. Ao macrófagos aceleram a actividade dos fibroblastos ao estimularem o crescimento de novos vasos sanguíneos – Angiogénese. Alguns fibroblastos têm um papel acrescido, eles são especializados em favorecer a contracção da ferida. Assim que a ferida está preenchida com novo tecido uma nova rede de capilares está formada, gradualmente o número de fibroblastos e macrófagos diminui. O tecido de granulação consiste numa densa malha de macrófagos, fibroblastos e nós capilares, envolvidos por uma matriz de fibropectina, colagénio e ácido hialurónico- fase de granulação (ROBINSON; 1999;). - Fase de epitelização: Nesta fase a ferida está já coberta com células epiteliais. As células escamosas da ferida e à volta dos folículos pilosos migram e posteriormente proliferam sobre a superfície da lesão num processo designado por “salto de rã” (ROBINSON; 1999; 20). Quando as células se encontram, quer no centro da úlcera, quer nas margens param, num processo denominado inibição por contacto. As células epiteliais só podem deslocar-se por tecidos viáveis e necessitam de um ambiente húmido (FONTES; 1999). - Fase de maturação: Durante a maturação a úlcera torna-se menos vascularizada uma vez que há menor necessidade de levar oxigénio às células. As fibras de colagénio estão organizadas de forma a disporem-se em ângulos certos em relação aos ângulos da ferida, em vez de se disporem arbitrariamente. O tecido reconstruindo torna -se comparável ao tecido normal após um longo período de tempo e a ferida diminui gradualmente. Para ajudar neste processo e promover um maior conforto ao doente é necessário proceder à execução de um penso adequado à situação. Durante muito tempo considerou-se o penso como uma simples barreira de protecção impedindo a infecção da úlcera. Com os pensos tradicionais verifica-se uma predisposição para a formação de crosta o que constitui uma barreira mecânica para a migração das células dificultando a cicatrização. Igualmente a adesão do penso à ferida prejudicava as tecidos novos e acarretava dor para o PROJECTO DE INVESTIGAÇÃO 23 doente (FONTES; 1999). Após vários estudos TURNER (1980) enumerou sete critérios aos quais deveria obedecer o penso ideal. ØManter a humidade da úlcera contrariamente ao que inicialmente se pensou a úlcera húmida coberta desenvolve mais facilmente tecido de granulação e epitelização. Isto porque as células epiteliais se movem mais rapidamente ao longo da superfície da úlcera do que sobre a crosta. Assim o processo da cicatrização realiza-se mais rápida e eficazmente. Apesar de se ter sugerido que o ambiente húmido ´é o meio ideal para o desenvolvimento bacteriano e que os pensos oclusivos poderiam promover a infecção da úlcera, estudos feitos ao exsudado mostram que o fluído que fica colectado sobre a lesão é rico em neutrófilos com actividade bactericida e elevados níveis de lisoenzimas. ØRemover o excesso de exsudado: O penso deve ser adequado à quantidade de exsudado. Apesar da superfície da lesão dever manter um certo grau de humidade o excesso de exsudado pode causar maceração da pele adjacente. ØPermitir trocas gasosas: As necessidades de oxigénio não são constantes ao logo do processo de cicatrização. Na fase da reconstrução deverá existir uma área de baixa tensão de oxigénio na superfície da lesão estimulando os macrófagos a produzir o factor estimulante para a angiogénese. Um aumento moderado da tensão de oxigénio estimula os fibroblastos mas aumentos grandes podem reduzir a sua actividade. O oxigénio é necessário para uma cicatrização rápida e eficaz mas a sua presença em excesso pode inibir o tecido conjuntivo. Ø Promover insolação térmica: Uma temperatura próxima dos 37º C promove a macrofagocitose e a actividade mitótica. Arrefecer a úlcera através de mudanças constantes de penso reduz a temperatura superficial da mesma em vários graus. ØEstar livre de partículas e contaminantes tóxicos: Muitos dos antigos pensos como o tecido de gaze libertavam partículas nas lesões abertas. Estas partículas têm demonstrado serem responsáveis pelo reaparecimento ou prolongamento da fase inflamatória influenciando o processo da cicatrização de forma negativa. ØSer facilmente removível sem causar trauma para a ferida: O uso de pensos secos directamente sobre a superfície da úlcera, para além de doloroso provoca a remoção dos tecidos jovens que se formaram. A prática de uso de pensos secos deve ser desencorajada. Sempre que se imponha necessidade de uma compressa seca esta não deve ser removida sem primeiro ser humedecida. PROJECTO DE INVESTIGAÇÃO 24 Durante a realização do penso nestes doentes a dor aguda apresenta-se como um problema eminente (DESOLA; 1994). Para proceder a uma analgesia eficaz deve -se respeitar as directivas da OMS para o tratamento da dor (NETO; 1999). É assim necessário proceder a uma correcta avaliação do doente adequando o analgésico à intensidade da dor e à resposta apresentada ao mesmo. O penso, dadas as características da ferida (muito exsudado; presença de várias estirpes de microorganismos) deve ser mudado pelo menos duas vezes dia até ao desaparecimento do exsudado, devendo ainda ser feitas colheitas do mesmo para identificação dos microorganismos presentes.(ROBINSON; 1999) PROJECTO DE INVESTIGAÇÃO 25 PROJECTO DE INVESTIGAÇÃO 26 3- METODOLOGIA Pode-se conceituar metodologia como “um programa que antecipadamente regulará uma sequência de operações a executar, com vista a atingir certo resultado” (Dicionário Língua Portuguesa; 1996). Segundo FORTIN (1999; 41) é na fase metodológica que “ o investigador determina os métodos que utilizará para obter respostas às questões de investigação colocadas ou às hipóteses formuladas.” Pode-se, assim, seguir uma abordagem quantitativa ou qualitativa na recolha dos dados. Na abordagem quantitativa o investigador orienta a sua pesquisa para a um resultado generalizável, isto é, que se pode aplicar a situações iguais ou idênticas. Trabalha -se usualmente com variáveis matemáticas Na abordagem qualitativa o investigador está mais próximo dos acontecimentos e os resultados não são generalizáveis para outras situações. A fonte directa dos dados é o próprio ambiente em que o sujeito da investigação está inserido. O principal instrumento de recolha dos dados é o próprio investigado e é descritivo, isto é, descreve os factos e os acontecimentos da maneira como eles são observáveis. Na obtenção dos resultados, a nível qualitativo o processo é mais importante que os resultados.(FORTIN; 1999) Em relação ao estudo a ser efectuado: “Assistência ao Doente com Gangrena de Fournier no Hospital Amato Lusitano” este identifica-se com as características do estudo de tipo qualitativo. Segundo FORTIN (1999; 146) nos métodos qualitativos "o Investigador não se coloca como perito, dado que é de uma nova relação sujeito-objecto que se trata. O sujeito produtor de conhecimentos está ligado ao objecto e o objecto, igualmente um sujeito humano, é dotado de um saber e de uma experiência que se reconhece". PROJECTO DE INVESTIGAÇÃO 27 3.1- TIPO DE ESTUDO: No que diz respeito ao estudo “Assistência ao Doente com Gangrena de Fournier no Hospital Amato Lusitano” o que mais se adequa é um estudo do tipo descritivo exploratório. Será ainda um estudo prospectivo uma vez que visa todos os doentes internados com Gangrena de Fournier no Hospital Amato Lusitano nos próximos cinco anos. Segundo FRIEDMAN, citado por FORTIN (1999; 170) “no estudo prospectivo as observações são colhidas a partir do momento em que a investigação começa, enquanto que nos retrospectivos as observações foram já registadas no passado”. CERVO et all (1983; 86) referem que os estudos descritivos "tratam do estudo e descrição das características, propriedades ou relações existentes na comunidade, grupo ou realidade pesquisada". Este estudo apresenta também características de um estudo exploratório, uma vez que se trata de um estudo em que os conhecimentos prévios sobre a situação são poucos. Trata -se assim do melhor método para a obtenção de dados referentes a este estudo no qual existem poucos conhecimentos prévios. Para ANDRADE (1994; 94)”a pesquisa exploratória na maioria dos casos constitui preliminar ou preparatório para outro tipo de pesquisa”. Quanto a GIL ( 1988: p. 44) o estudo descritivo tem “como objectivo primordial a descrição das características de determinada população, de fenómenos ou, então, o estabelecimento da relação entre variáveis”. Ainda segundo GIL (1994; 44)"as pesquisas exploratória têm como principal finalidade desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e ideias, com vista na formulação de problemas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores.". Quanto a CERVO e BERVIAN (1983; 56)“ tais estudos têm por objectivo familiarizar-se com o fenómeno ou obter novas percepções do mesmo e descobrir novas ideias.” Os mesmos autores referem ainda que “é recomendável o estudo exploratório quando há poucos conhecimentos sobre o problema a ser estudado”: PROJECTO DE INVESTIGAÇÃO 28 Quanto ao estudo descritivo para ANDRADE (1994: 94) “o estudo descritivo apresenta características especiais que os destingue dos outros: uma das características da pesquisa descritiva é a técnica padronizada da colheita de dados, realizada principalmente através de questionários e da observação sistemática.” Segundo FORTIN (1999: 161) um estudo descritivo “visa obter mais informações, quer seja sobre as características de uma população, quer seja sobre fenómenos em que existam poucos trabalhos de investigação”. “A maior parte dos estudos descritivos limitam-se a caracterizar o fenómeno pelo qual alguém se interessa.” CERVO et all (1983: 56) referem que os estudos descritivos “tratam do estudo e descrição das características, propriedades ou relações existentes na comunidade, grupo ou realidade pesquisada.” 3.2- QUESTÕES DE INVESTIGAÇÃO Segundo TALBOT (1995) “As questões de investigação são as premissas sobre as quais se apoia os resultados de investigação”. As questões de investigação precisam as variáveis que serão descritas e as relações que possam existir entre elas. Decorrem directamente do dos objectivos e especificam as os aspectos a estudar. Para FORTIN (1999; 51) “ uma questão de investigação é uma interrogação explícita relativa a um domínio que se deve explorar com vista a obter novas informações”. Tendo assim definido qual o tipo de estudo a realizar formulo assim as seguintes questões de investigação: • Será que existem diferenças no sucesso terapêutico entre os serviços de cirurgia I e Cirurgia II do Hospital Amato Lusitano? • Será que a taxa de mortalidade do HAL se aproxima da referida pela bibliografia? • Quais as patologias mais frequentes nos doentes internados no Hospital Amato Lusitano associadas à génese da doença? PROJECTO DE INVESTIGAÇÃO 29 3.3- POPULAÇÃO/AMOSTRA Entende-se por população “todos os elementos que partilham de características comuns” (FORTIN 1999; 41). No caso deste estudo estarem acometidos de Gangrena de Fournier internados no Hospital Amato Lusitano nos próximos cinco anos.. Amostra é um subconjunto da população. FORTIN (1999; 41) diz-nos que “é uma réplica em miniatura da população”. No estudo em questão a população e a amostra irá coincidir uma vez que a população de doentes com gangrena de Fournier é bastante pequena para permitir a selecção de uma amostra. Dado tratar-se de um estudo prospectivo uma vez que estamos perante uma população/amostra diminuta a população é constituída por todos os doentes com Gangrena de Fournier internados no serviço de Cirurgia I e de Cirurgia II do Hospital Amato Lusitano nos próximos cinco anos (2001-2006). 3.4- INSTRUMENTOS DE COLHEITA DE DADOS. O principal método de colheita de dados será feita através de uma grelha de observação directa (Anexo I). Segundo RÚDIO (1989: 32) a observação “é um dos meios mais frequentemente utilizado pelo ser humano para conhecer e compreender pessoas, coisas, acontecimentos e situações e, por ser tão amplo, podemos dizer que, de modo geral, a observação abrange de uma forma ou outra, todos os procedimentos utilizados na pesquisa.” Neste estudo realizar-se-á a observação sistemática , também chamada planeada ou estruturada “é a que se realiza em condições controladas para se responder a propósitos, que foram anteriormente definidos. Requer planeamento e necessita de operações específicas para o seu desenvolvimento” (RÚDIO, 1989; 32). PROJECTO DE INVESTIGAÇÃO Como tal será feita observação directa da 30 evolução da doença, nomeadamente da ferida em si, de modo a recolher dados sobre a sua evolução e eficácia do tratamento instituído. A nível do Serviço de Cirurgia I os dados irão ser recolhidos por mim, enquanto que a nível do Serviço de Cirurgia II esta função será delegada num enfermeiro já com alguma experiência em pesquisa que, após uma prévia preparação e explicação sobre os itens presentes na grelha de observação de modo a não haver desfasamento na colheita dos dados. Os mesmos irão ser recolhidos com a ajuda de uma grelha de observação para posteriormente facilitar o seu tratamento e análise. Como fonte de dados irão ainda ser utilizados os procedimentos médicos e de enfermagem na assistência a estes doentes e recorrer-se-à processos dos doentes para melhor aferir o tipo de tratamento quer médico quer de enfermagem usados. Como complemento à recolha de informação através da observação irá ser utilizada a máquina fotográfica e/ou câmara de vídeo para a obtenção de imagens. A grelha de observação será composta será composta por uma 1ª parte na qual se irá caracterizar a população. A segunda parte será estruturada com indicadores que pretendemos aferir no ambiente de trabalho. Estabeleci assim os seguintes indicadores: •Tempo de internamento. Serão considerados os seguintes períodos de tempo: até 15 dias; de 16 a 30 dias; 31 a 40 dias e mais de 40 dias. •A presença de sequelas. Entender-se-á por sequelas todos os efeitos que ficam após a debelação de alguma doença. •O tratamento médico será operacionalizado através: da realização ou não de cirurgia, o(s) antibiótico(s) utilizado(s), meios auxiliares de diagnóstico utilizados, alívio da dor com a designação do analgésico utilizado e respectiva via e frequência. No que diz respeito ao tratamento de enfermagem os indicadores a serem considerados serão: o número de vezes que é realizado o penso por dia; tipo de penso utilizado, isto é, se é um penso húmido ou seco; uso de hidrocolóides e em que fase; a presença ou não de isolamento do doente e de tratamento especial de lixos (separação e identificação dos mesmos); se existe ou não controle de visitas; a altura em que se realiza a analgesia da dor ( antes, durante ou depois da realização do penso) e se essa analgesia é feita em calendário (8/8 horas, 6/6 horas, 4/4 horas PROJECTO DE INVESTIGAÇÃO 31 ou outra). Serão ainda colhidos dados referentes à utilização da técnica asséptica médica e cirúrgica. A primeira será operacionalizada através do isolamento do doente (quarto privado); lavagem ou não das mãos antes do contacto com o doente e depois do mesmo; uso de material de protecção individual por parte dos profissionais de saúde nomeadamente máscaras, batas de protecção descartáveis e luvas descartáveis; e separação e identificação das roupas contaminadas destes doentes antes de serem enviadas para a lavandaria e da existência ou não de material de penso unicamente para o doente em causa. A segunda será operacionalizada através da utilização ou não de campos esterilizados para a realização dos pensos; utilização por parte dos profissionais de saúde (enfermeiros e médicos) de batas esterilizadas descartáveis, luvas esterilizadas descartáveis e máscara; utilização de solutos esterilizados. Todos estes indicadores irão ser usados para obter respostas aos objectivos propostos e à questão de investigação: “será que existem diferenças no sucesso terapêutico entre os serviços de cirurgia I e Cirurgia II do Hospital Amato Lusitano?” Para obter resposta à questão de investigação “Será que a taxa de mortalidade do HAL se aproxima da referida pela bibliografia?” o indicador utilizado será a mortalidade, havendo para este indicador apenas duas hipóteses possíveis de serem registadas: falecido e melhorado. Entender-se-á por melhorado todo o doente que tenha alta do serviço com ou sem sequelas da doença. A taxa de mortalidade será também usada para obter uma resposta mais objectiva em relação ao sucesso terapêutico. Relativamente à questão de investigação “Quais as patologias mais frequentes nos doentes internados no Hospital Amato Lusitano associadas à génese da doença?” esta será operacionalizada através da presença de: diabetes (Insulinodependente ou não); neoplasias; intervenções cirúrgicas recentes; tratamentos de Imunossupressão; Toxicodependência; hábitos alcoólicos e uma pergunta aberta para outras patologias existentes. PROJECTO DE INVESTIGAÇÃO 32 3.5- PREVISÃO DA ANÁLISE DOS DADOS. Para efectuar a análise dos dados irá ser utilizada a análise de conteúdo para as perguntas abertas presentes na grelha de observação. Segundo Lardin (1994; 9), análise de conteúdo "é um conjunto de instrumentos metodológicos cada vez mais subtis em constante aperfeiçoamento, que se aplicam a «discursos» (conteúdos e continentes) extremamente diversificados. O factor comum destas técnicas múltiplas e multiplicadas - desde o cálculo de frequências que fornece dados cifrados, até à extracção de estruturas traduzíveis em modelos, é uma hermenêutica controlada, baseada na dedução: a inferência.". Vala (1980; 103), citando Krippendorf, definiu análise de conteúdo como "uma técnica de investigação que permite fazer inferências, válidas e replicáveis, dos dados para o seu contexto." A análise de conteúdo "Trata -se da desmontagem de um discurso e da produção de um novo discurso através de um processo de localização - atribuição de traços de significação, resultado de uma relação dinâmica entre as condições de produção do discurso a analisar e as condições de produção da análise." (Vala, 1982: 104). Relativamente aos dados referentes às perguntas sistematizadas da grelha estes serão lançados numa tabela mestra e recorrer-se-á aos métodos estatísticos , nomeadamente a média, frequências absolutas e frequências relativas, moda, desvio padrão e mediana. 3.6- CONSIDERAÇÕES ÉTICAS Em qualquer investigação que envolva o ser humano a ética e deontologia em investigação deve ser rigorosa e respeitada. Antes de iniciar o estudo será comunicado à administração do hospital e enfermeiros chefes dos serviços alvo da investigação a intenção de desenvolver um trabalhos de investigação na instituição. Será feita uma apresentação resumida dos objectivos da mesma na sala de reuniões do Hospital Amato Lusitano, sendo ainda PROJECTO DE INVESTIGAÇÃO 33 facultada uma cópia deste projecto e um requerimento ao Conselho de Administração do Hospital Amato Lusitano a pedir a aprovação da investigação. Só após aprovação por parte do Conselho de Administração se iniciará a recolha de dados. Na recolha de dados estará sempre implícita um prévio consentimento por parte do doente, firmado pela assinatura de um consentimento informado (Anexo. II). Será também pedida aos doentes a autorização para fotografar/filmar sempre que a situação assim o implique. A confidencialidade dos dados e da identidade dos doentes estará sempre presente ao longo da investigação e na apresentação dos resultados obtidos. Os doentes apenas participarão no estudo se assim o entenderem e poderão abandona -lo a qualquer momento, sem quaisquer prejuízos em relação ao seu correcto tratamento. PROJECTO DE INVESTIGAÇÃO 34 4- NOTA CONCLUSIVA O doente com Gangrena de Fournier continua a ser um tema pouco debatido a nível de enfermagem, talvez por se tratar de uma patologia relativamente rara esta não desperte a atenção para a investigação. No entanto os doentes acometidos desta patologia continuam a sofrer devido à necessidade de internamentos longos em meios hospitalares, estando sujeitos a inúmeras complicações que talvez, se fosse mais estudada, poderiam ser minimizados ou talvez até irradicados. Torna-se assim urgente haver uma maior atenção para com os doentes com Gangrena de Fournier. Chegado ao final deste projecto sinto que foi um caminho árduo de percorrer quer devido à falta de bibliografia referente ao problema em questão quer devido à complexidade que um trabalho deste tipo exige, no entanto acho que foi gratificante pois este projecto de investigação ensinou-me quais os requisitos necessários para proceder à realização de um estudo com validade e lógica. Espero, a curto prazo, fazer com que este projecto deixe de ser um simples trabalho e completar o processo de investigação através da recolha dos dados em campo, contribuindo assim para aumentar o conhecimento existente sobre esta patologia que tanto sofrimento causa aos doentes. Espero ainda que depois de feito o tratamento dos dados colhidos ao longo da investigação se possa encontrar pontos de partida para uma melhoria dos cuidados prestados, contribuindo assim para um aumento do sucesso terapêutico e um aumento da qualidade de vida destes doentes.