Evolução dos Recursos Humanos nas Empresas? Da Retórica às Práticas Antigas com
Novas Roupagens
Autoria: Carolina Goyatá Dias, Fernanda Tarabal Lopes, Werner Duarte Dalla
Resumo: Busca-se analisar como a evolução da abordagem de recursos humanos nas
organizações, proposta pela literatura científica a respeito do tema, tem se verificado na
prática na realidade do cotidiano das organizações. Para tanto, foi realizado um estudo de caso
em uma empresai familiar do ramo têxtil, com mais de cem anos de atuação no mercado, para
identificar e avaliar a evolução de suas práticas de gestão de recursos humanos. Observou-se
também como a área de recursos humanos se inseria ou não no delineamento das estratégias
organizacionais. O uso de entrevistas semi-estruturadas, calcada na estratégia qualitativa de
pesquisa, bem como a sua análise com base na técnica de análise temática de conteúdo
permitiu revelar uma ambivalência entre discurso e prática, pois se no âmbito do discurso a
empresa se mostra atualizada, moderna e sensível às mais recentes inovações e conceitos
sobre gestão de recursos humanos, na prática, tais elementos não se traduzem de forma
operacional no cotidiano da empresa. Isso parece estar relacionado à ausência de critérios
consistentes e pragmáticos de aplicação daqueles conceitos, uma vez que as incautas
tentativas de fazê-lo parecem remeter às antigas práticas de gestão de recursos humanos
metamorfoseadas em uma nova roupagem.
1) Introdução
O presente trabalho tem como objetivo analisar como a evolução da abordagem de
recursos humanos nas organizações, proposta pela literatura científica a respeito do tema, tem
se verificado na prática na realidade do cotidiano das organizações.
A premissa subjacente a este trabalho é a de que em decorrência das intensas
transformações que tem permeado as sociedades ocidentais nos últimos anos haveria
movimentos de profundas alterações nas relações de trabalho, na forma de gerenciamento da
área de recursos humanos e na concepção de seu papel dentro da organização. Essas
mudanças, inseridas em um quadro contextual mais amplo – o de transformações na
sociedade capitalista e no seu modo de produção -, tenderiam a conduzir a alterações na
estrutura e função da área de recursos humanos nas organizações, aproximando-a de forma
mais estreita da estratégia organizacional.
A partir dessa concepção, a preocupação de se analisar empiricamente a evolução da
abordagem de recursos humanos nas organizações adquire contornos de relevância por pelo
menos três razões. A primeira diz respeito ao fato de as organizações estarem enfrentando
ambientes cada vez mais turbulentos, o que por sua as impelem a adotar mudanças constantes
a fim de se adequarem às necessidades desse ambiente e do “mercado”. Uma segunda razão
seria devido à existência de uma determinada visão de que com a homogeneização das
práticas gerenciais e dos processos produtivos, o fator humano se tornaria cada vez mais uma
característica definidora de vantagens competitivas para as organizações, sendo necessário um
correto gerenciamento desses recursos por parte da organização. Por fim, do ponto de vista
administrativo, tem surgido discursos cada vez mais voltados para a valorização e o
desenvolvimento de práticas gerenciais de recursos humanos transcendendo o enfoque
prescritivo das antigas técnicas tradicionais de gerenciamento de pessoas e adequando-se mais
as mudanças atuais da sociedade e a exigência de inserção e alinhamento da área de recursos
humanos à estratégia da organização.
A fim de concretizar empiricamente esta investigação, recorreu-se ao estudo de caso de
uma indústria manufatureira do ramo têxtil, com diversas filiais pelo Estado de Minas Gerais
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e, com sede em Belo Horizonte. A empresa de caráter familiar possui cerca de 3.000
funcionários, ocupa a terceira posição no mercado têxtil nacional e, tem passado por diversas
mudanças no que tange ao seu processo produtivo e também às formas de organização do
trabalho, configurando-se assim um lócus adequado para o desenvolvimento da proposta deste
estudo. Para a realização desta pesquisa, baseada na metodologia qualitativa, utilizou-se como
método de pesquisa o estudo de caso. Foram coletadas entrevistas semi-estruturadas com
representantes da área de recursos humanos da empresa estudada, bem como dados
secundários relativos à empresa, sua história, posicionamento no mercado, etc. Para o
tratamento dos dados utilizou-se a técnica da análise temática de conteúdo a fim de evidenciar
como os membros da organização percebem a evolução da área de recursos humanos da
empresa, suas práticas e políticas de gestão de pessoas.
Nesse sentido, este trabalho tem a pretensão de contribuir para a possibilidade de se
avaliar a adequação entre discurso e prática no que tange ao desenvolvimento e
implementação de práticas e políticas de gestão de recursos humanos por parte das
organizações.
O presente trabalho está estruturado em cinco partes. A primeira corresponde a esta
introdução, que fornece um panorama sobre o artigo, sua natureza e objetivos. A segunda
seção traz uma breve revisão teórica sobre os principais modelos de gestão de recursos
humanos, com a finalidade de fornecer elementos teóricos que subsidiem a análise empírica
aqui proposta. Já na terceira seção, apresentam-se o método e os demais procedimentos
utilizados na coleta e análise dos dados. A quarta parte corresponde à análise propriamente
dita, onde se faz um cotejo entre o que é difundido pela teoria de recursos humanos e o que
foi observado no estudo de caso. Por fim, na quinta e última parte são tecidas algumas
considerações a que este estudo permitiu chegar.
2) Um breve Panorama sobre a “Teoria” de Recursos Humanos
Fischer e Albuquerque (2004) realizaram estudo sobre as atuais tendências em gestão
de pessoas nas empresas brasileiras. Os autores constataram que tais empresas se encontram
em constante busca de competitividade, e que nesse contexto o modelo de Recursos Humanos
tende a sofrer mudanças significativas em suas estratégias, políticas e práticas de gestão.
Apontam como desafios da área, alinhar as competências humanas às estratégias de negócio
da empresa, bem como prover a capacitação dos gestores para que os mesmos atuem nesse
processo. Os autores observaram, em geral, uma significativa evolução no modelo de gestão
de pessoas das organizações brasileiras, comprovada por comparação com pesquisas
anteriores realizadas. Além disso, percebeu-se que o gestor estratégico de pessoas mantém-se
em constante elaboração e reavaliação de políticas, não se prendendo a eventos
circunstanciais. Esta constatação alicerça a posição de transição em que se encontra o modelo
de recursos humanos, posição esta intrínseca a tal, visto que o mesmo não é estático, nem
tampouco está acabado, e sim se encontra em constante dinâmica na busca de seu
aperfeiçoamento e face às contingências do ambiente.
Na recente discussão sobre gestão de pessoas, Ulrich (1998) aponta para a necessidade
de se analisar o RH não apenas no que ele pode ser praticado; segundo o autor estas análises
concentram-se “naquilo que o pessoal dessa área faz: contratação, desenvolvimento,
remuneração, benefícios, comunicação, desenho da organização, equipes de alto desempenho
e assim por diante”. O autor preconiza o enfoque no que o RH gera, ou seja, nos resultados
que podem ser obtidos, tornando-o parceiro, participante e pioneiro no processo de criação e
geração de valor; as questões que envolvem a área de recursos humanos estão “no cerne do
sucesso organizacional” (ULRICH, 1998, p. 8). Para tanto, aponta que o RH deve estar
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dirigido para o futuro e suas funções centradas no gerenciamento global, nas capacidades
organizacionais, na mudança de cultura e no capital intelectual. Enfatiza que
Para que os profissionais de RH dominem um novo papel, centrado em resultados
com novos padrões de comportamentos, é necessária a ocorrência de aprendizado e ao
mesmo tempo de desaprendizado. Aprender significa considerar novas alternativas.
Desaprender significa continuar no passado. Ambos são necessários para que o futuro
do setor seja beneficiado com seu passado. (ULRICH, 1998, p. 10).
A gestão de recursos humanos evolui perpassando por diferentes formas de política e
relações de trabalho, que delineiam as características assumidas pelo RH em suas diversas
concepções. A fim de contextualizar as políticas de recursos humanos atuais, faz-se
necessário um estudo histórico sobre as diferentes nuances apresentadas por este campo do
conhecimento ao longo de seu desenvolvimento.
Barbosa (2005) categoriza as correntes em recursos humanos em três momentos:
tradicional, moderno e contemporâneo. Adotar-se-á neste estudo, para fins de
contextualização histórica da teoria em gestão de recursos humanos, a perspectiva proposta
por este autor descrita no quadro abaixo:
Quadro 1: Abordagens em Recursos Humanos – Um esquema para situar as relações de
trabalho (BARBOSA, 2005).
Barbosa (2005) propõe a análise da evolução das fases do RH através de três
instâncias: comportamental, ferramental e reflexiva/crítica. Além de fornecer uma visão
panorâmica sobre o desenvolvimento dos estudos em recursos humanos ao longo do tempo,
esta proposta permite a compreensão dos fenômenos da área englobando seus diversos
aspectos.
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2.1) A Gestão de Recursos Humanos através de uma Perspectiva Tradicional
Inicialmente a administração de recursos humanos foi concebida como uma área
focada em atividades limitadas, de controle e registro de pessoas, caracterizando-se como
departamento pessoal. Este momento remonta sua origem em 1890, nos EUA, e sua função
era puramente racional, onde os trabalhadores eram tidos como um fator de produção.
Albuquerque (1987) ressalta que no Brasil a administração de recursos humanos assumiu
inicialmente um papel essencialmente protocolar.
Posteriormente a gestão de recursos humanos altera seu foco de ação, atuando sobre o
comportamento das pessoas. O RH “deixaria de concentrar-se exclusivamente na tarefa, nos
custos e no resultado produtivo imediato, para atuar no comportamento das pessoas”
(FISCHER, 1998, p. 101). Surgem instrumentos e métodos de avaliação e desenvolvimento
de pessoas, além de outras contribuições das escolas humanistas na teoria organizacional.
Nesse contexto florescem as idéias que buscam valorizar as pessoas no ambiente de
trabalho. Segundo Fisher (1998), destacam-se nesse período técnicas focadas nas seguintes
áreas de atuação: planejamento da alocação das pessoas no trabalho, comunicação com os
empregados, os sentimentos dos funcionários, gestão dos empregados, gestão de custos e
benefícios, gestão do desenvolvimento. No Brasil tal período foi marcado pela importação das
técnicas e conceitos de administração de pessoal de países mais desenvolvidos. Cordeiro et
alli citados por Albuquerque (1987, p. 10), sobre área de recursos humanos, enfatizam que
“métodos como a descrição de cargos, a avaliação de desempenho e a pesquisa salarial, entre
outros, passaram a incorporar seu vocabulário”. Nessa linha de evolução, o administrador de
pessoal passou a ser intitulado como gerente de relações industriais, e em seguida gerente de
recursos humanos.
Em linhas gerais, mesmo no emprego mais recente desta abordagem, o RH
caracterizado pela visão tradicional, possui um caráter de apoio, ou segundo Albuquerque, um
status de segundo nível, pouco ou nada envolvido nas questões estratégicas das empresas.
Dessa forma, apesar de reconhecer a importância dos recursos humanos no resultado da
organização, a estratégia em RH permanece atrelada a aspectos normativos, onde o discurso
que prega a conciliação entre planejamento global da empresa e planejamento de RH, não é
verificado na prática. As estruturas ligadas ao modelo clássico em RH reproduzem práticas
obsoletas, pouco flexíveis, incompatíveis com tendências mais modernas de gestão de
recursos humanos.
2.2) Tendências Modernas em Recursos Humanos
Na década de oitenta incorpora-se o caráter estratégico aos sistemas de gestão de
pessoas. Há “a necessidade de se vincular a gestão de pessoas às estratégias da organização”
(FISCHER, 1998, p. 105). Nessa perspectiva, o RH deve procurar adequar-se às políticas
empresariais e aos fatores ambientais. Aponta-se a necessidade da área em corresponder tanto
aos fatores internos quanto aos externos à organização. Os planos, agora estratégicos de
recursos humanos, devem estar aliados às estratégias corporativas das empresas.
Esta nova configuração, além do cunho estratégico, aponta uma tendência mais
participativa e dinâmica, pautada na negociação entre os atores sociais em suas diversas
relações de trabalho. Pode-se considerar que o ponto primordial nesta concepção é que as
questões sociais passam a ser consideradas nos debates da área. A proposta é pelo
reconhecimento das relações de trabalho como uma forma de relação social, e que por isso,
expressa as características da sociedade mais ampla. Citam-se os estudos de Fleury e Fischer
(1992), que buscam evidenciar como as transformações político – econômicas influenciam
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nos padrões de relações de trabalho. Novos pontos de análise são introduzidos, ultrapassando
a perspectiva clássica.
Fleury e Fischer (1992) defendem que as políticas de RH fazem interface com o
quadro político da sociedade e sua reprodução dentro da organização, ocupando uma posição
complexa dentro de um continuum onde num pólo se situa o enquadramento técnico como
forma de manipulação do trabalho e do outro um instrumento capaz de resolver conflito entre
capital, sendo sua função intermediar esses dois pólos. Vale ressaltar que as características
contextuais irão influenciar a política de RH da organização.
Nessa perspectiva Barbosa (2005) assevera que a discussão central aborda sobre as
políticas de RH uma vez que houve um esvaziamento da discussão das relações de trabalho
durante os anos 90. Fato este que estaria contribuindo para a crise de identidade na área de
RH e relações de trabalho, antes marcada pela tentativa de mediação entre dois pólos opostos,
e que agora estaria sendo dominada na prática e legitimada pelo discurso de RH.
Ao final dessa tentativa de mapear as correntes para onde convergiram os estudos de
relações de trabalho, Barbosa (2005) propõe um resgate à discussão de relações de trabalho
insuflada por Fleury e Fischer (1992), no sentido de consolidar a identidade da área de RH e
seu papel nos estudos organizacionais. Contudo, o autor propõe que o novo papel da política
de RH seria “[...] garantir a integralidade do indivíduo sabendo que é imprescindível alcançar
resultados e/ ou metas que quase sempre deslocam o eixo de interesses individuais para o
interesse organizacional” (BARBOSA, 2005, p. 125).
Alain Rondeau (1996), considerando a dificuldade de se conciliar esses interesses,
propõe um modelo analítico para a gestão de conflitos nas organizações. Em sua visão o
conflito apresenta três características básicas: a interdependência das partes, a
incompatibilidade de interesses percebida por uma delas, e a interação que ambas
desenvolverão no desenrolar da situação. Apesar de sua profundidade descritiva e analítica,
potencialmente útil na gestão (uma vez que os conflitos não cessam), Rondeau (1996) coloca
o gestor (RH) como um mediador que está acima do conflito, isento de qualquer ideologia e
de valores, agindo supostamente de modo neutro e racional na gestão daquele.
Aqui, considera-se o espaço social e político em que o trabalho se realiza a partir da
análise reflexiva sobre a organização do processo de trabalho, da elaboração das políticas
administrativo-organizacionais e da prática cotidiana dos agentes sociais em relação, como
enfatizado por Fischer (1987). Na forma tradicional, os conflitos existentes nas relações de
trabalho não eram reconhecidos, tendendo a delegar a instâncias políticas a resolução dos
mesmos. Na visão moderna de recursos humanos, as práticas baseadas em ações autoritárias
cederam lugar para a possibilidade de interlocução dentro das organizações.
No entanto, apesar de introdução de novas variáveis no cenário de recursos humanos,
percebe-se na prática uma atuação ainda operacional, de pouca consistência estratégica.
Analisando-se a evolução dos sistemas de gestão de pessoas observa-se que até mesmo nessa
perspectiva, relacionada às questões estratégicas da organização, há ainda um caráter
eminentemente passivo, onde “o papel de Recursos Humanos se resumiria a adaptar-se a
estratégia de negócio e implementar a sua diretriz específica” (FISCHER, 1998, p. 106).
Desde os primórdios, onde a administração de recursos humanos caracterizava-se pelo caráter
processual e burocrático, o que se observa é que o RH possui um papel de adaptação às
estratégias da empresa, com pouco ou nenhuma influência nas decisões da organização.
2.3) A Visão Contemporânea de Recursos Humanos
Nessa perspectiva, a gestão de recursos humanos toma novos contornos, voltando-se
para o negócio da empresa. O RH seria introduzido nos debates relacionados à
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competitividade e como as pessoas podem contribuir nesse aspecto. Esta perspectiva enfatiza
que o ser humano deve ser encarado como fonte de vantagem competitiva para a organização.
Estudando a possível constituição de um Modelo Competitivo de Gestão de Pessoas
no Brasil, Fischer (1998) analisa as principais características e tendências do que viria a ser
um novo modelo de gestão de pessoas originado, sobretudo, a partir das fortes influências do
ambiente organizacional sobre as empresas brasileiras. A consideração dessas influências
ambientais é uma premissa central desse modelo, uma vez que com o acirramento da
concorrência em escala global as empresas teriam que buscar cada vez mais de reduzirem
custos e se diferenciarem a fim de sobreviverem. Nesse sentido, Fischer (1998) aponta que as
práticas de gestão de recursos humanos teriam passado por uma evolução, saindo das meras
práticas de rotina (gerenciamento de pessoal), passando pela gestão do comportamento
humano, pelo alinhamento estratégico à organização, até chegar de fato a uma posição de se
tornar (ou ser percebida como) uma vantagem competitiva para as organizações.
Fischer (1998) constrói seu estudo, justamente sobre este aspecto, ao considerar que:
como o ambiente é de competitividade e as competências humanas se mostram como
diferenciais de competitividade para as organizações, caberia então, a estas últimas a tarefa de
desenvolver e gerenciar suas competências organizacionais. Assim, a principal diferença do
modelo de gestão de pessoas em relação aos anteriores seria que além de manter os aspectos
técnicos, ele também seria uma forma de gerar vantagem competitiva para a empresa. Para
isso, um novo contrato psicológico seria formado buscando conciliar resultados econômicos
para a organização e ao mesmo tempo desenvolvimento para os indivíduos. Assim, a filosofia
do modelo estaria centrada em características como: a) maior autonomia, responsabilidade e
participação dos atores nas decisões; b) desenvolvimento pessoal, profissional e
organizacional; c) integração à estratégia da empresa focada nos clientes; d) descentralização,
estrutura flexível e formação de redes; e) internalização, desenvolvimento/implantação de
tecnologias de RH; f) flexibilização da remuneração por desempenho, etc. Contudo, ao
demonstrar a tendência de aplicação desses elementos em grandes empresas selecionadas para
estudo de caso, Fischer (1998) identifica variações entre as formas de adaptação desse modelo
segundo as características específicas de cada empresa.
Fischer (1998) apresenta as características dessa nova configuração, analisando as
principais tendências projetadas pelos especialistas da área no exterior e no Brasil. Destacamse a maior qualificação e desenvolvimento dos empregados, adoção de sistemas de gestão
mais participativos, metamorfose do RH de área de serviços em área de consultoria interna,
intensa ligação com os negócios da empresa, dentre outros. Além disso, percebe-se nessa
perspectiva uma diminuição no tamanho da área, que passa a terceirizar serviços burocráticos
e uma ênfase no auto-desenvolvimento. O auto-desenvolvimento compreende que a iniciativa
pelo desenvolvimento profissional e pessoal deve ser visto como uma responsabilidade
compartilhada entre as pessoas e a empresa. Nesse aspecto ressalta-se a ênfase nas
competências. Segundo Barbosa e Bitencourt (2003) com a utilização do modelo de
competências há uma possibilidade concreta em se obter ganhos tanto para a organização
como para o indivíduo.
O conceito de competências possui ênfase na educação, indo além da simples
qualificação. Sua definição transpõe o domínio apenas de competências técnicas, abrangendo
atitudes críticas e reflexivas diante da realidade. Brandão e Aquino (2001) citados por
Barbosa e Bitencourt (2003), argumentam que a gestão de competências considera as pessoas
como recursos determinantes do sucesso profissional. As competências abarcam dimensões
que se referem ao conhecimento, a habilidades e a atitudes. É importante estar atento a como
as competências são desenvolvidas e também à questão da articulação entre as dimensões
envolvidas. O conceito de competências atua ainda, segundo Barbosa (2003), como um fator
decisivo para a empregabilidade.
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No novo cenário de gestão de pessoas, as políticas de remuneração passam por
mudanças significativas. As parcelas fixas dos salários diminuem, crescem as subcontratações
como alternativas para lidar com os altos encargos sociais no Brasil. Segundo Fischer (1998)
“o principal objetivo das inovações em gestão de salários tem sido flexibilizar a remuneração,
diferenciando-a de acordo com o desempenho individual das pessoas e desvinculando-a da
estrutura de cargos”. Nesse sentido a remuneração variável pautada nas competências emerge
com o objetivo de “recompensar o esforço dos indivíduos” (BARBOSA; BITENCOURT,
2003, p. 240).
Em linhas gerais, esta perspectiva preconiza a necessidade de se gerar, através das
pessoas, maior competitividade para a empresa.
Este será o elemento básico de orientação da Administração de Recursos Humanos
enquanto vantagem competitiva, para levá-lo à prática as empresas devem transformar
sua políticas, estratégias e procedimentos de gestão, configurando o que chamamos
aqui de Modelo Competitivo de Gestão de Pessoas (FISCHER, 1998, p. 113).
3) Percurso Metodológico
O presente trabalho foi desenvolvido a partir de uma proposta de pesquisa qualitativa.
Como procedimento de análise empírica utilizou-se o estudo de caso que consiste na
investigação aprofundada de um objeto devido à sua relevância (TRIVIÑOS, 1987). Segundo
Goldenberg (2002), o estudo de caso não é uma técnica, mas uma análise detalhada e em
profundidade de um objeto em particular, a partir do qual supõe-se a possibilidade de
generalização do conhecimento. Esta análise possui um caráter genérico, uma vez que o
objeto é considerado como um todo, independente do nível ou escala adotada, sendo utilizado
para estudo de pessoas, grupos sociais e até organizações.
Como método de coleta de dados utiliza-se a entrevista em profundidade que segundo
Triviños (1987, p. 146) é “[...] aquela que parte de certos questionamentos básicos, apoiados
em teorias e hipóteses, que interessam à pesquisa, e que, em seguida, oferecem amplo campo
de interrogativas, fruto de novas hipóteses que vão surgindo à medida que se recebem as
respostas do informante [...]”, sendo sua principal característica é a possibilidade do
informante se abrir (falar) na entrevista, e, portanto, revelar informações importantes para a
pesquisa. Para Thiollent (1987) esta estratégia de pesquisa teria a capacidade de proporcionar
ao pesquisador acesso ao universo cultural dos sujeitos de pesquisa. Assim, desenvolveu-se
um roteiro semi-estruturado para entrevistas em profundidade, como ferramenta de apoio, de
forma a propiciar maior liberdade e flexibilidade no tratamento das questões, na medida em
que estas se mostrarem relevantes para o estudo.
Foram realizadas entrevistas com dois representantes da empresa estudada: sendo um
o gerente geral de recursos humanos e o outro a coordenadora de RH. Estes sujeitos de
pesquisa foram selecionados com base em uma amostra intencional e não-probabilística, pois
para cumprir a proposta do trabalho era preciso investigar os responsáveis pelas atribuições de
gestão da área de recursos humanos da empresa. Tal amostra tem a finalidade apenas
ilustrativa de servir de material para a análise proposta pelo objetivo deste trabalho.
As entrevistas foram gravadas e transcritas, e os dados coletados foram tratados sendo
codificados, tabulados, apresentados de forma estruturada e analisados. Como instrumento
básico de tratamento dos dados adotou-se a análise de conteúdo (VERGARA, 2005), técnica
adequada para o trabalho de investigação de desconstrução e reconstrução dos discursos, tanto
na esfera lingüística quanto na político-ideológica. De modo complementar, utilizou-se a
coleta e análise documental acerca das políticas, planos e práticas de gestão de recursos
humanos, bem como a observação junto a organização a fim de checar a adequação ou
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inadequação do discurso dos gestores de recursos humanos frente à realidade organizacional.
Já em relação ao tratamento dos dados utilizou-se a técnica da Análise de Conteúdo
que pode ser considerada como uma técnica de tratamento e análise da comunicação, composta
por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores
e dados em geral, que permitem identificar o que está sendo dito sobre determinado tema
(VERGARA, 2005). A Análise de Conteúdo admite tanto abordagens quantitativas como
qualitativas, sendo esta última o procedimento adotado neste trabalho. Este processo foi
realizado em três etapas distintas, porém complementares, como assinala Triviños (1987): a)
pré-análise, que consiste nos processos de classificação, ordenação e leitura “flutuante” de
todo o material coletado, com vistas a obter um panorama geral do estudo e delimitar
possíveis recortes e hipóteses de estudo; b) a descrição analítica, que começa com a
delimitação do ‘recorte’ a ser estudado, ainda na pré-análise, e tem o objetivo focar o copus
que deverá ser estudado de modo aprofundado. Nessa fase, aplicam-se os procedimentos de
codificação, classificação e categorização do material coletado; c) já a fase de interpretação
corresponde à análise do material baseado na reflexão e intuição, relacionando o conteúdo
manifesto (explícito) do texto com o conteúdo latente (implícito).
Assim, com base na análise de conteúdo foi possível selecionar o material analisado de
acordo com diversas categorias temáticas, dentre as quais destacam-se para propósito deste
artigo: a) informações gerais a respeito do entrevistado, onde tem-se temas como a sua
formação, o cargo que ocupa, a sua função, o tempo de empresa, etc; b) o contexto no qual a
empresa está inserida, onde tem-se temas como as mudanças macro-contextuais (políticas,
sociais, tecnológicas, econômicas, etc), o posicionamento da empresa no mercado, e o
funcionamento da empresa; c) a área de RH da empresa, onde aparecem temas como a sua
função (atual e antiga), as principais práticas adotadas pela empresa, o relacionamento do RH
com a estratégia da empresa, os impactos da mudança de práticas de RH sobre a empresa
como um todo e sobre os funcionários, e as tendências de RH (na empresa e no mercado)
percebidas pela empresa. De modo complementar para a análise das práticas de gestão de
recursos humanos na empresa estudada utilizou-se como critério de referência à classificação
proposta por Barbosa (2005) sobre as linhas de evolução dos estudos em recursos humanos,
que seriam três: a abordagem tradicional, a moderna, e a contemporânea. Cada qual se
diferindo da outra em graus de desenvolvimento das tarefas de recursos humanos e de seu
papel estratégico dentro da empresa.
4) Evolução (do Discurso) das Práticas de Gestão em Recursos Humanos na Empresa X
4.1) Caracterização da Empresa X
A empresa pesquisada é uma manufatura de caráter familiar que atua no setor têxtil da
indústria brasileira e conta atualmente com cerca de 3.000 funcionários. Ela é formada por
cinco parques industriais espalhados em três cidades no interior do Estado de Minas Gerais,
possui também um centro de distribuição de seus produtos localizado em Belo Horizonte e
escritórios regionais em dez Estados brasileiros além de um na cidade de Genebra, na Suíça.
Além disso, possui representações comerciais em vários continentes como na Europa, Ásia,
Américas do Norte, Central e do Sul. Atualmente, tal empresa conta com cerca de 3.000
funcionários e uma produção média anual de 150 milhões de metros quadrados de tecidos,
apresentando faturamento total de R$ 435 milhões, uma pauta de exportação de R$ 37,2
milhões, e um lucro líquido de R$ 26,9 milhões, no ano de 2005. Esses dados colocam a
empresa entre as líderes do mercado brasileiro da indústria têxtil, focada em moda e linhas
profissionais, estando atrás somente das empresas Vicunha e Santista, que ocupam
respectivamente a primeira e a segunda posições em termos de market share. Contudo, em
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termos de rentabilidade a empresa X, apesar de ter uma estrutura mais reduzida, apresenta
uma maior rentabilidade subindo para a segunda posição no mercado nacional. Além disso,
vale destacar que esta Empresa X é líder nos segmentos de tecidos em brim para o setor
profissional, como por exemplo, uniformes.
4.2) Características gerais dos sujeitos de pesquisa
Uma primeira categoria temática observada e analisada pelo processo de pesquisa foi a
diferenciação na formação profissional dos entrevistados. Os sujeitos de pesquisa
entrevistados estavam ambos relacionados à área de recursos humanos da Empresa X. O
primeiro entrevistado foi o gerente geral de recursos humanos enquanto que o segundo
entrevistado foi o coordenador de recursos humanos da empresa. O gerente geral de recursos
humanos apresenta formação na área de engenharia, com experiência profissional de oito anos
trabalhando como consultor de empresas na área de gestão. Há cerca de 2 anos foi contratado
pela Empresa X em estudo para participar da implementação de um planejamento estratégico
e assumiu o cargo de gerente geral de recursos humanos. Segundo ele seu papel na empresa
enquanto gerente é tomar decisões, embora ele reconheça a necessidade de se conhecer os
aspectos técnicos da área de RH a fim de tomar as decisões com maior acuidade possível.
Desde o gerenciamento da operação, faz parte de cumprimento das metas e
planejamento anual e a parte da estratégica. E então de engenheiro eu me tornei
gestor. Especializado em gestão. E a gente foi migrando e foi passando para este
processo. Até que um dia eu fiquei responsável por um projeto da empresa X. E uma
das áreas que eu cheguei a ter mais contato naquela época era a área industrial e não
com o RH no primeiro momento. Mas tinha tudo a ver no segundo momento porque
na realidade o que a gente estava fazendo era preparando as pessoas para terem um
novo posicionamento frente aos processos relacionados com a qualidade. Era uma
mudança muito mais de comportamento do que da tecnologia [...] (entrevistado n°1).
Já a coordenadora de recursos humanos da empresa possui uma formação específica
em administração com especialização em gestão de pessoas e trabalha na parte mais
operacional e técnica da área de RH, buscando fazer uma transposição das estratégias
organizacionais para a sua aplicação prática na área de gestão de RH. Este profissional foi
recentemente contratado, em dezembro de 2005, e juntamente com o gerente de recursos
humanos tem exercido a função de reestruturar a função de RH da Empresa X. De acordo com
a sua avaliação a sua principal atividade na empresa “é fazer a estrutura funcionar”
(entrevistado n° 2). Mas para isso ela reconhece que há uma série de desafios que precisam
ser superados como, por exemplo, e efetivação de práticas e de gestão de recursos humanos.
4.3) Mudanças macro-contextuais e sua influência sobre a Empresa X e o departamento
de RH
Uma segunda categoria temática de análise foi as mudanças contextuais enfrentadas
pela Empresa X durante os últimos anos. Tais mudanças, segundo os entrevistados,
influenciaram de maneira contundente os aspectos de gestão da empresa de um modo geral e,
especificamente, as práticas de gestão de recursos humanos. As principais mudanças relatadas
se referiram à abertura comercial do Brasil durante a década de 1990.
Para os entrevistados, antes da abertura comercial o Brasil era tido como um país
exportador da indústria têxtil, pois o sistema de substituição de importações tinha viabilizado
a criação de um parque industrial relativamente considerável. Contudo, com a abertura
comercial do país, na época do Governo Collor, houve uma onda de efeitos colaterais para as
indústrias brasileiras, inclusive as do setor têxtil. Na primeira metade da década de 90
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centenas de fábricas fecharam as portas ou se tornaram importadoras de tecidos, e de
máquinas, pois o parque industrial brasileiro se mostrava defasado em relação à concorrência
externa. Já no final da década de 90, o setor têxtil brasileiro consegue recuperar sua posição
de exportador, devido ao surgimento de grandes fábricas e a extinção das pequenas empresas
no setor, que se deu, dentre outros motivos, devido à alta carga tributária, a pouca
competitividade no cenário internacional, a falta de escala de produção, à política comercial
brasileira pouco desenvolvida para o setor têxtil, etc.
Essa crise no mercado causada pela abertura comercial dopais levou as empresas e
inclusive a Empresa X a focar seus esforços no aumento da produtividade a partir da
aquisição de novas tecnologias e no aumento da escala de produtividade a fim de reduzir
custos e se tornar mais competitiva comercialmente. Isso teve implicações diretas nas práticas
de gestão de recursos humanos, uma vez que a sua estrutura foi drasticamente reduzida e as
suas funções foram gradativamente sendo desativadas a fim de eliminar custos, considerados
naquele momento como desnecessários ou supérfluos face às exigências daquele contexto.
No final da década de 90 a companhia passou por uma crise muito forte. Com
abertura. E o que acontece. Poucas empresas sobreviveram neste período.
Sobreviveram só aquelas que tiveram competência para dar um passo atrás e reduzir
ao máximo as suas atividades que naquela época não eram necessárias e investir em
equipamentos e aumentar a produtividade. E nesta mudança a Empresa X deu uma
recuada na estrutura de recursos humanos, principalmente na área de treinamentos, e
formação de pessoas. Elas foram reduzidas ao mínimo necessário assim como outras
áreas. (entrevistado n° 1).
Estes fatores levaram a Empresa X a adotar medidas drásticas a fim de sobreviver
naquela época de crise e de adaptação ao novo contexto. Nesse contexto, tais mudanças
trouxeram um forte impacto sobre a área de RH da Empresa X, como por exemplo, o
enxugamento da área de RH ao mínimo possível e uma atribuição de um status secundário a
ele, um status de pouca relevância em detrimento do fator tecnologia, que passou a ser
considerado vital a fim de alavancar a produtividade da empresa e torná-la competitiva.
Assim, como o RH passa a ser visto como tendo um papel secundário na organização
(identificado muitas vezes como uma área de custos na empresa) as suas funções tornam-se
restritas às tarefas operacionais como: admissão, demissão, folha de pagamentos, entrada e
saída de documentação, etc. Assim, o RH ficou reduzido ao mínimo necessário realizando
estritamente tarefas burocráticas e com o corte das funções de treinamento e de formação de
pessoas.
Outra mudança importante relatada pelos sujeitos de pesquisa foi o processo de
reestruturação da Empresa X que se desenvolveu a partir de 2004 com o início de um
planejamento estratégico da Empresa X e a elaboração de um grande diagnóstico da empresa
e de seus funcionários. A partir desse diagnóstico várias mudanças foram realizadas, inclusive
a demissão e contratação de novos funcionários. Esse planejamento estratégico reorientou a
visão e os valores da Empresa X de acordo com as suas novas necessidades (de
competitividade e eficiência). Um fator decorrente dessa nova visão foi o espaço adquirido
pela área de RH que, embora não tenha ainda o status e a estrutura de uma diretoria em si, já
passou a ser subordinada diretamente a diretoria presidência – “o que pode ser observado no
organograma da empresa” (entrevistado n° 2).
4.4) Área de RH da Empresa X
Historicamente a área de Recursos Humanos da Empresa X sempre foi ligada ao
antigo modelo de departamento de pessoal, onde se tratavam de questões operacionais, como
benefícios, entrada e saída de pessoas. Até a década de 1990 este modelo perdurou como a
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forma de trabalho que atendia as necessidades da Empresa X e como não havia nenhuma
pressão externa para que essa forma de relação de trabalho mudasse, a empresa acabava
mantendo as suas antigas práticas. Isso pode ser observado no trecho abaixo.
Então praticamente a função de RH da empresa X desde que eu estou aqui na
empresa X estava muito mais associada e de acordos com os recursos operacionais,
folha. Recurso admisional e demissional, a entrada, documentação e saída de
pessoas. E gerenciamento dos benefícios. Basicamente era isto. [...] Era o que era
necessário para o modelo de trabalho. E era o modelo de negócios da empresa. E de
algum tempo para cá a gente passa a ter a necessidade de ter alguém para cuidar da
capacidade técnica do pessoal, da parte de salário, além da organização
propriamente dita e de pessoas mais selecionadas. E tem esta perspectiva que a área
de RH então passou por algumas mudanças.
Entretanto, segundo os entrevistados, hoje a Empresa X possui um grupo de pessoas
mais selecionadas, mais ativas, o que de certa forma ajuda a conduzir o processo de mudança,
a implementação e operacionalização das estratégias organizacionais em todos os níveis. Isso
também levou a se conseguir melhores resultados de mudança de pessoas e não apenas de
tecnologia. Mas para atingir tais mudanças o papel do gestor de RH foi fundamental, papel
este que foi priorizado no processo de implementação do planejamento estratégico da
Empresa X em 2004 e 2005. A partir de então, o papel do gerente de RH passou a ser o de um
tomador de decisão, o quer também redundou na mudança de postura e papel do RH, pois esta
área também foi priorizada como um todo. Assim, o novo papel do RH dentro da Empresa X
passou a ter um caráter mais estratégico, segundo os entrevistados, no sentido de que ele
deixaria de vira a reboque das decisões tomadas pelas outras áreas da Empresa X e passaria a
ter um papel mais ativo no sentido de tomar decisões e antecipar situações dentro da empresa.
Assim, o RH se posicionando de modo mais estratégico ao buscar se alinhar às estratégias
organizacionais e fornecer meios de implementá-la.
Também foram destacadas como principais mudanças em relação à área de RH da
Empresa X: a) a definição clara do papel de “suporte” do RH em relação às outras áreas
funcionais da empresa e do gestor da área como profissional de RH também, o que se
contrapõe a antiga visão de que tudo o que envolvia problemas na gestão de pessoas deveria
ser repassado para o RH da Empresa X; b) a descentralização da operação de RH via
escritórios separados, o que pode contribuir para minimizar a distância entre os problemas na
gestão de pessoas e a sua solução; e c) a mudança cultural na empresa, ou mudança de
mentalidade, no sentido de incorporar essas novas práticas o que por sua vez inclui a
necessidade de se incorporar novas maneiras de pensar a (e na) organização. Contudo, essas
mudanças trazem a implicação de uma possível transferência de responsabilidade da área de
RH para outras áreas da Empresa X, deixando o RH com funções de elaborar processos mais
macro dentro da organização.
Apesar dessas propostas bem elaboradas do ponto de vista discursivo, é interessante
ressaltar que as práticas de gestão de recursos humanos adotadas pela Empresa X ainda não
incorporam efetivamente esses novos papéis delineados na teoria. Dentre as principais
práticas efetivas de RH utilizadas pela Empresa X destacam-se: a) a premiação por
produtividade, que já era tradicionalmente utilizada pela indústria têxtil como um todo e que
tende a ser incorporada como bônus no salário do funcionário a fim de reduzir encargos
trabalhistas; b) a remuneração variável que, acompanhando a trajetória da premiação, tende a
ser incorporada de modo extensivo para todos os funcionários baseando-se no critério de
produtividade. Entretanto, ainda faltam mecanismos bem elaborados de mensuração de
produtividade; c) o processo de seleção, que atualmente é realizado em Belo Horizonte e São
Paulo, utilizando questionários padronizados de avaliação dos candidatos; d) práticas
operacionais tradicionais como, retrato do pessoal, recadastramento, avaliação de desempenho
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via formulário próprio desenvolvido internamente e aplicado junto com entrevistas
presenciais.
Então, eu poderia estar dizendo que o macro neste sistema aqui de gestão de pessoas
seria planejar, promover, manter e desenvolver e recompensar adequadamente
porque se você fala em manter você só vai conseguir manter se for competitivo
também. (entrevistado n°2).
Outra característica importante é a tentativa de aproximação do RH em relação à
estratégia organizacional. Isso foi realizado a partir da incorporação e desenvolvimento de um
modelo de RH baseado no trabalho de uma consultoria externa. Tal modelo parte de um
mapeamento do quadro de funcionários e pretende gerenciá-los através do estabelecimento de
metas/resultados. Este modelo denominado 70/20/10 significa que a Empresa X precisa ter
70% de sua mão-de-obra realizando tarefas com alto grau de desempenho (em termos de
resultados) e ao mesmo tempo alinhada aos valores da empresa; 20% de profissionais que são
“estrelas”, isto é, extremamente alinhados com a filosofia da empresa e ao mesmo tempo
produtivos; e 10% dos funcionários que não se encontram alinhados com os valores da
Empresa X ou não produzindo satisfatoriamente. Estes funcionários tendem a ser substituídos
por novos funcionários. Apesar de bem delineado este modelo não se encontra implementado
na Empresa X ainda e segundo os entrevistados a maior dificuldade tem sido a elaboração de
técnicas para avaliação e critérios para a sua implementação.
Você tem a definição de modelo que vai ser feita. Você tem depois a montagem dos
instrumentos de avaliação. [...] Não [foi montado ainda] Tem uma pessoa que está
trabalhando nisto. Mas basicamente a grande dificuldade, o trabalho maior vai estar
em cima dos instrumentos para diagnosticar a parte de valores. É comportamental...
A parte de resultados a gente já tem a parte para atender. E então aí é atendimento
ou não das metas. Não tem complicação. Os instrumentos [...] Ao mesmo tempo vai
ser feito pessoalmente, mas também na própria intranet. (entrevistado n°1).
É interessante notar que a tentativa de implementação desse modelo representa uma
adequação da Empresa X às exigências contextuais no sentido de se tornar mais competitiva
frente às outras empresas. Porém se de um lado estas mudanças aumentaram a
competitividade da empresa e a sua possibilidade de adaptação ás exigências do mercado, de
outro lado tais mudanças trouxeram uma série de implicações para os funcionários. Dentre as
quais podem ser destacadas: “a redução drástica com a tolerância a baixa produtividade”, a
“aceleração muito forte do processo produtivo”, e “a demissão de funcionários” foram
enfatizados como elementos que marcam a irreversibilidade das influencias contextuais.
Nesse sentido,
A partir do momento que você decide implantar um processo destes de verdade e
você está conversando e dando um bom entendimento para isto ou você leva às
últimas conseqüências ou não faz. Se levar as últimas conseqüências significa
premiar de verdade e dispensar de verdade, então é isso que será feito. Se não for
para fazer assim não faz. Deixa do jeito que está. (entrevistado n°1).
Além dessas mudanças estruturais, outras mudanças mais sutis foram relatadas pelos
entrevistados como, por exemplo, o comprimento do horário de chegada de forma mais
rigorosa – inclusive pelos próprios gerentes -, o aumento do nível de responsabilidade dos
funcionários em todos os níveis, e um aumento da visão participativa do funcionário na
tomada de decisão da Empresa X. Sobre esta questão, um dos entrevistados afirmou que:
Eles passam a influenciar nas decisões da companhia de forma efetiva. Seja por
meio da diretoria, seja por meio da tecnologia, seja por meio das definições dos
meios operacionais. [...] até com autoridade para parar o processo de produção. [...]
12
tem lá 40 máquinas destas de 3 ou 4 mil reais dentro da fábrica que ele tem que usar.
Então a pessoa está ali vendo isto e dá uma vazamento de óleo na máquina e ele vai
lá e para. E consertam a máquina na hora. No passado ele ia tocando. Então o que é
que acontece. Hoje ele tem prêmio na participação pela qualidade. Ele sabe que se
ele chegar lá na ponta e ele não for aprovado como primeira, vai ser menor recursos
para a venda. Menos recursos pela venda é menos faturamento. E menos
faturamento é menos resultados. E menos resultados é menos pontos para ele. A
capacidade de entender e sair do mundinho dele ali de operar uma máquina e saber o
impacto que ele tem de mexer numa alavanca ou num botão trás resultados para a
companhia como um todo e que ele tem que manifestar quando acontece alguma
coisa errada já começa a mostrar que este funcionário tem poder. Participa no
processo como um todo. Não é só um meio de produção. (entrevistado n°1).
Em outras palavras, pode-se entender que o que está sendo considerado como
participação na tomada de decisão por parte do funcionário não diz respeito às características
intrínsecas aos processos que afetam a sua condição de trabalho ou a questões referentes a
salários, mas sim a questões que estejam em consonância com a ordem de eficiência e
produtividade da organização.
4.5) Tendências para a gestão de RH
Com base nas informações obtidas por meio das entrevistas semi-estruturadas e
também nos documentos coletados na Empresa X pode-se observar que a mesma tem um
certo posicionamento com relação às tendências de práticas e políticas de gestão de recursos
humanos. De acordo com os entrevistados estas tendências estariam cada vez mais
sintonizadas em relação às exigências do ambiente organizacional. De um modo geral, as
tendências que se espera para as práticas de RH como um todo estão baseadas na: a) na
remuneração flexível por produtividade; b) na participação nos resultados da Empresa X
considerando destaques individuais; e c) na participação mais efetiva do RH nas decisões de
outras áreas (aquisição de máquinas). Para o entrevistado n°2 a “[...] a tendência é de manter;
e aí sim, remunerando adequadamente. É investir e proporcionar satisfação”.
Já dentro da Empresa X foram relatadas como principais tendências os seguintes
fatores: a) a incorporar o prêmio por produtividade no salário-base dos funcionários da
operação; b) a tendência da área de RH tornar-se um diretoria; c) o descolamento entre RH e a
pessoa do gerente atual, transformando a área de RH em uma estrutura autônoma,
profissionalizada e independente do seu ocupante de cargo; d) a implantação do modelo 360º
de avaliação de desempenho; e) a implantação do programa de formação e desenvolvimento
de habilidades e competências; e) a implantação do programa de Universidade corporativa; e
f) o desenvolvimento da meritocracia (de recompensas) como base da política de gestão de
recursos humanos e da cultura da empresa.
Tais características vão ao encontro das necessidades apontadas pela Empresa X em
sua fase atual, o que diz respeito à tentativa de consolidação de uma nova política de gestão
de recursos humanos da empresa. Política esta mais próxima do planejamento estratégico da
Empresa X e mais ativa em relação às demandas da organização, oque tende a tornar a área de
RH uma área mais contribuinte para o alcance das estratégias organizacionais de modo
efetivo. Nesse sentido, todas as tendências apontadas pela empresa podem ser resumidas em
uma só: “[...] a tendência é conviver com recompensas.”. Isso porque as exigências
contextuais têm levado as organizações, o que inclui a empresa estudada, a um processo de
flexibilização de seu processo produtivo sem precedentes. Tal flexibilização, por sua vez,
acaba afetando diretamente as práticas de gestão de RH já que o imperativo é maximizar a
eficiência organizacional, que por sua vez é entendida como o somatório da maximização das
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eficiências individuais de cada trabalhador. Dessa forma, é necessário que cada trabalhador
assuma mais responsabilidades em relação ao processo produtivo da organização (mesmo que
isso se dê sob o nome de participação) ao mesmo tempo a sua estabilidade na Empresa X se
torna cada vez mais condicionada à sua capacidade produtiva variável.
5) Considerações Finais
A partir do objetivo delineado neste trabalho – o de analisar como a evolução da
abordagem de recursos humanos tem se dado de forma empírica nas organizações – este
artigo buscou através de um estudo de caso, apenas de modo ilustrativo, salientar a
necessidade de se verificar a relação entre teoria e prática. Para isso recorreu-se a um estudo
de caso em que foi possível identificar e descrever a evolução e estrutura da área de RH na
Empresa X, bem como o de avaliar o impacto das novas tecnologias gerenciais na área de RH
e descrever as tendências de RH percebidas pela Empresa X e aquelas para as quais a empresa
pretende caminhar em um futuro próximo.
No âmbito da teoria organizacional pode-se notar que há uma certa tendência ao
desenvolvimento de modelos de relações de trabalho e de gestão de recursos humanos super
sofisticados, com inúmeras variáveis e critérios de avaliação e mensuração, como por
exemplo o trabalho de Rondeau (1996). Contudo, no cotidiano organizacional observou-se,
com base nos dados referentes a uma das maiores empresas manufatureiras do setor do Brasil
e que tem passado por uma série de modificações no sentido de modernizar as suas práticas
gerenciais, sobretudo a de gestão de recursos humanos, que não há uma aplicação dos
modelos teóricos supersofisticados, mas sim o desenvolvimento e adaptação de metodologias
próprias, empíricas e baseadas em consultorias externas.
Nesse sentido parece haver um descolamento entre teoria e prática na medida que as
empresas se vêem obrigadas a adotar um discurso adequado às exigências impostas pela
concorrência, embora este discurso não se efetive na prática. Isso pode ser confirmado pelo
discurso dos entrevistados no qual é defendido que a Empresa X utiliza práticas modernas de
RH, embora as mesmas não parecem ser colocadas na prática, o que fica patente na fala de um
dos entrevistados em que se retrata o processo futuro de implementação de práticas de RH –
ou seja, elas ainda não são utilizadas. Destarte, as práticas de RH da Empresa X parecem
refletir o seu posicionamento na versão tradicional das práticas de RH (BARBOSA, 2005).
Algumas questões específicas merecem ainda ser tratadas neste espaço. Uma delas
refere-se ao fato de que o RH na Empresa X foi considerado como área priorizada no
planejamento estratégico elaborado a partir de um processo de consultoria externa. Ou seja,
nesse sentido, há elementos que remetem a “importação” da valorização da área de RH na
Empresa X e não um processo de ganho de importância a partir de seu desenvolvimento
interno. Tal fato corrobora uma das assunções de Fischer (1998) que diz que uma das formas
de desenvolvimento da gestão de RH nas grandes organizações se dá “a reboque” do
desenvolvimento em outras áreas e geralmente vem de fora da organização, mais por uma
imposição do mercado ou mimetismo organizacional.
Outra característica marcante na Empresa X estudada é o fato de que apesar de ter sido
priorizado no planejamento estratégico da Empresa X (2004-5) a área de RH ainda permanece
em uma postura passiva. O RH foi “escolhido” para desempenhar um papel mais estratégico
na empresa, mas ainda não tem voz ativa no desenvolvimento do planejamento estratégico da
Empresa X, dependendo sobremaneira da figura do gerente de RH. E por fim, cabe ressaltar
que a “credibilidade” e “legitimidade” da função de RH da Empresa X está muito relacionada
com a figura do gerente atual e não com a própria área.
Outrossim, esse tão apregoado desenvolvimento de práticas modernas de gestão de
recursos humanos tem se verificado na realidade do cotidiano das organizações de forma, no
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mínimo, ambígua, pois se de um lado fala-se muito em gestão de competências, e,
remuneração flexível por produtividade e em participação dos trabalhadores, por outro lado,
observa-se que tais elementos estão apenas mascarando uma realidade em que os empregados
acabam arcando com mais responsabilidades (antes da organização) em seu trabalho. Assim,
será que tem havido de fato uma evolução dos Recursos Humanos nas Empresas ou esta seria
apenas um instrumento retórico para camuflar práticas antigas com novas roupagens?
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15
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VERGARA, S. C. Métodos de pesquisa em Administração. São Paulo: Atlas, 2005.
i
A empresa estudada será doravante denominada Empresa X a fim de preservar a sua identidade.
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