Cosmologia Moderna AUGUSTO PASQUOTO 3 - Buracos Negros Velocidade de escape Se atirarmos uma pedra para cima ela sobe e depois desce. Certo? Sim e não! Se a força de arremesso for fraca, a pedra sobe até uma certa altura e depois desce. Mas, se atirarmos a pedra cada vez com mais força, a velocidade que ela adquire é cada vez maior. Vai chegar uma vez em que a velocidade torna-se crítica e a pedra vai embora para sempre e nunca mais voltará à terra. Essa velocidade crítica chama-se velocidade de escape. Velocidade de escape é aquela que faz com que um corpo escape para sempre do domínio gravitacional de outro corpo. Isto não quer dizer que os dois corpos não ficam mais sujeitos à lei da gravidade. A pedra ou a nave espacial que escapa, continua sempre sendo atraída pela terra, mas a força da gravidade desta não é mais suficiente para recolher o fugitivo. A velocidade de escape depende da quantidade ou da densidade da matéria do corpo. Quanto mais massivo é o corpo, tanto maior é sua atração da gravidade e tanto maior é a sua velocidade de escape. Assim, a velocidade de escape da terra é 11,2 km/s. A lua, que é bem menor, tem velocidade de escape de 2,4 km/s. E a de uma estrela anã-branca é de 5600 km/s, quinhentas vezes maior que a da terra. A velocidade da luz é de 300.000 km/s. Haverá algum corpo no universo que se habilite a ter uma velocidade de escape maior do que a velocidade da luz? Sim. O buraco negro é um corpo que tem um campo gravitacional tão forte que sua velocidade de escape é superior à velocidade da luz. Um fóton de luz que tenta escapar dele faz como a pedra lançada ao alto aqui na terra: vai até uma certa altura e depois volta. Mas, pode a luz ser atraída pela força da gravidade? Afinal, a luz é uma onda ou uma partícula? A resposta decisiva da ciência atualmente é: a luz é uma partícula e uma onda. Porque às vezes ela se comporta como onda e às vezes como partícula. Como onda, ela não pode ser atraída pela gravidade, mas como partícula pode. De fato, já se provou que a luz é desviada quando passa perto de corpos massivos. O buraco negro, sendo um corpo extremamente denso, tem uma força gravitacional tão grande que não deixa a partícula de luz escapar. A teoria da relatividade diz que nada pode ser mais veloz do que a luz. Então, se a luz não consegue escapar do buraco negro, nenhuma outra coisa consegue. Portanto, não podemos saber nada do que existe dentro de um buraco negro, porque de lá não nos chega nenhuma informação. O que é o buraco negro? Buraco negro é uma região do espaço-tempo onde o campo gravitacional é tão forte que nada consegue escapar, nem mesmo a luz. O buraco negro é constituído de vários elementos: 1) Um horizonte de eventos, que é uma superfície esférica que marca os limites do buraco negro. É a região onde a velocidade de escape se iguala à velocidade da luz. Fora do horizonte, a velocidade de escape é menor do que a da luz; e dentro, é maior. Qualquer coisa pode entrar para dentro do horizonte de eventos, mas jamais poderá sair. Se você cruzar o horizonte, não terá mais nenhuma chance de sair e irá cair cada vez mais rápido para a “singularidade” no centro do buraco negro. O horizonte de eventos pode ser comparado ao que Dante disse da entrada do inferno: “Lasciate ogni speranza voi ch’entrate” (Perdei toda esperança vós que entrais). Qualquer coisa ou pessoa que ultrapasse o horizonte de eventos logo atingirá a região da densidade infinita e o fim do tempo. 2) É uma singularidade, isto é, um evento ao qual não se aplicam as leis físicas que conhecemos. Nossos conhecimentos sobre o universo se apóiam na teoria da relatividade de Einstein. E as equações matemáticas dessa teoria falham quando aplicamos sobre ela os eventos tanto do Big Bang como dos buracos negros, porque nesses eventos a matéria está reduzida a uma densidade infinita, não no sentido físico mas no sentido matemático: a densidade tende matematicamente ao infinito. 3) É um corpo muito frio, com temperatura próxima ao zero absoluto. Um buraco negro com massa um pouco maior que a do sol teria uma temperatura apenas de um décimo milionésimo de grau acima do zero absoluto. E quanto maior o buraco negro, tanto mais frio ele é. 4) Um disco de acresção: geralmente o buraco negro está sugando matéria que circula em suas proximidades. Essa matéria forma um disco enquanto rodopia ao cair no buraco negro (semelhante ao redemoinho da água que sai pelo ralo da pia). Esse disco é conhecido como disco de acresção. 5) Jato de gás: alguns buracos negros mostram um jato de gás que sai com grande velocidade na direção perpendicular ao disco de acresção. Na desenho esquemático vê-se a representação de um buraco negro com o disco de acresção ao seu redor e os jatos de gás perpendiculares ao disco. O nome buraco negro foi dado pelo cientista americano John Wheeler, em 1969. Antes, era conhecido como “estrela congelada”. Origem do buraco negro Vimos em Cosmologia Moderna 2 que as estrelas vivem no equilíbrio entre duas forças: a força da gravidade que atrai as partículas para o núcleo, e a força da fusão nuclear que impele as partículas para fora. Quando uma estrela volumosa acaba de queimar todo o seu combustível, ela se desequilibra porque a força da gravidade domina, causando grande pressão e calor sobre o núcleo. A estrela então explode como supernova e expulsa para longe as suas camadas gasosas externas. O “caroço” que sobra pode tomar vários destinos: 1) Se o caroço tiver massa menor que 1,5 vezes a massa do sol, ele se torna uma anãbranca. As anãs-brancas são estrelas extremamente densas. Apenas uma colherada de sua matéria pesaria mais de uma tonelada. Mas, é composta de matéria comum como elétrons, prótons e nêutrons, ainda que em um estado muito alterado. O nosso sol, no fim de sua vida, é um candidato a transformar-se numa anã-branca. 2) Se o caroço tiver massa um pouco acima de 1,5 vezes a massa do sol, ele vai se contrair e se tornar tão denso que a pressão da gravidade “esmaga” os átomos. Os elétrons penetram os núcleos atômicos e se aproximam dos prótons. Ambos, prótons e elétrons, reagem entre si transformando-se em nêutrons. Forma-se, então, uma estrela de nêutrons, que se estabiliza porque as forças dos átomos degenerados conseguem segurar a força da gravidade. Uma estrela de nêutrons tem um raio aproximado de 10 km. 3) Se o caroço tiver massa muito acima de 1,5 vezes a massa do sol, a força da gravidade é tão grande que nenhuma outra força consegue vencê-la e o colapso continua. O que acontece então? A estrela encolhe-se até se transformar em um ponto infinitesimal? Antes que isso aconteça, sua velocidade de escape torna-se maior que a da luz e a estrela “desaparece”. Obviamente, não desaparece fisicamente: o que sobra da estrela continua lá, mas não podemos ver porque já não pode emitir luz nem qualquer outra radiação. A estrela torna-se invisível, ocupando um lugar sem luz no céu, um buraco negro. O tamanho dos buracos negros Em princípio, qualquer quantidade de massa pode transformar-se em buraco negro. Para isso, basta comprimir a massa até uma densidade tão grande a ponto de produzir o colapso total da matéria. Por exemplo, se houvesse uma técnica para comprimir o lixo até o colapso, ele se tornaria um buraco negro e desapareceria de nossa vista como num passe de mágica. Existem pelo menos dois tipos de buracos negros: 1) os estelares, que têm massas de 8 a 10 vezes a massa do sol, e 2) os supermassivos, que têm massas de 1 milhão a 1 bilhão de vezes a massa do Sol. Estes últimos estão no centro das galáxias, enquanto que os estelares podem estar em qualquer lugar em uma galáxia. Quanto mais massivo o buraco negro, tanto maior o seu volume (ou o raio do seu horizonte de eventos). Se um buraco negro pesa 10 vezes mais que um outro, seu raio será também 10 vezes maior. Um buraco negro com a massa igual a do sol teria um raio de 3 km. Um outro com massa um milhão de vezes maior que a do sol teria um raio de 3 milhões de km. Evidências da existência de buracos negros Se não nos chega a luz nem qualquer outra informação do buraco negro, como sabemos que ele existe? Procurar um buraco negro não seria como procurar um gato preto num depósito de carvão? Podemos saber da existência do buraco negro pelas perturbações que ele causa na sua vizinhança. Um buraco negro exerce força gravitacional sobre os corpos mais próximos e graças a isso podemos detectá-lo, pois a velocidade com que um corpo gira ao redor de outro é proporcional à força gravitacional entre eles. Em 1994, astrônomos que trabalhavam com o Telescópio Espacial Hubble obtiveram fortes indícios da presença de um buraco negro no centro de uma galáxia espiral conhecida como M87. Conseguiram medir a velocidade do gás e poeira que giram em torno do centro da galáxia. É uma velocidade muito grande. Para manter esse material com uma velocidade tão grande é necessário que a massa do corpo central seja também muito grande. A massa foi estimada em 3 bilhões de massas solares. Uma massa tão grande assim só poderá ser a de um buraco negro. Então, mesmo sem ver o buraco negro, podemos saber que ele está lá e podemos calcular a sua massa se conseguirmos medir a velocidade e a massa dos corpos que giram ao seu redor. Um outro modo de detectar um candidato a buraco negro é procurá-lo em sistemas binários – duas estrelas que giram uma ao redor da outra – onde uma das componentes do sistema parece ser invisível. Cygnus X-1 é uma "fonte de raios X" e é companheira de uma estrela visível (conhecida como HDE 226868) de massa aproximadamente 30 vezes maior que a do sol. Essa fonte de raios X (invisível) é um dos mais fortes candidatos a buraco negro. A melhor explicação para a emissão de raios X é que a estrela invisível está “sugando” a sua companheira gigante. À medida em que a massa da gigante visível cai em direção da invisível, desenvolve um movimento em espiral e se aquece violentamente, emitindo raios X. Os astrofísicos calcularam a massa da estrela invisível, que é 6 vezes a massa do sol. Com esse tamanho, ela não pode ser nem uma anã-branca nem uma estrela de nêutrons. Só pode ser um buraco negro A figura abaixo mostra a imagem e o diagrama da estrela HDE 226868 e de sua companheira que emite raios X. Note-se que esta última está “sugando” a gigante HDE. No centro de nossa galáxia Via Láctea existe provavelmente um buraco negro, com massa de mais de um milhão de vezes a massa do nosso sol. Esse buraco negro supermassivo tem uma estrela girando ao seu redor com velocidade cerca de 2% da velocidade da luz, mais rápido que a velocidade média de um elétron girando ao redor do núcleo de um átomo! Atualmente suspeita-se que o centro de 17 galáxias conhecidas seja buraco negro. O cosmólogo Stephen Hawking acha que o número de buracos negros é bastante grande. Durante toda a história do universo, muitas estrelas devem ter queimado todo o seu combustível nuclear e entrado em colapso. O número de buracos negros pode ser até maior que o das estrelas visíveis que, só em nossa galáxia, chega a 100 bilhões. Deus abomina uma singularidade nua Os astrofísicos Stephen Hawking e Roger Penrose demonstraram que, de acordo com a teoria da relatividade geral, deve haver uma singularidade dentro do buraco negro, onde a densidade e a curvatura no espaço-tempo são infinitas. É uma situação semelhante à singularidade que existiu no momento do Big Bang. Na singularidade, as leis cientificas e a possibilidade de prever o futuro falham. Mas, nós que ficamos do lado de fora do buraco negro, não somos afetados por essa falha, porque nem a luz nem qualquer outro sinal nos atingem a partir da singularidade. Esse fato notável levou Penrose a propor a hipótese do censor cósmico, que equivale à frase: “Deus abomina uma singularidade nua”. Isto significa que a singularidade dentro do buraco negro é decentemente escondida dos “curiosos” que estão do lado de fora. O horizonte de eventos cobre a nudez da singularidade de um modo análogo como um manto cobre um corpo nu. O censor cósmico protege os de fora, mas não faz nada pelo infeliz astronauta que cair dentro do buraco negro.