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ERIKA CHRISTINA GOMES DE ALMEIDA
A CULTURA MIGRATÓRIA NA ESCOLA
Projeto de Pesquisa submetido à banca
examinadora do curso de Pedagogia da
Universidade Vale do Rio Doce como
requisito parcial para obtenção de título.
GOVERNADOR VALADARES
Setembro, 2010
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Sumário
INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 3
OBJETIVOS ....................................................................................................................... 5
JUSTIFICATIVA ............................................................................................................... 5
REVISÃO BIBLIOGRÁFICA INICIAL ........................................................................... 6
1.
Panorama da Migração em Governador Valadares .................................................. 6
2. A cultura migratória e educação .................................................................................... 9
METODOLOGIA ............................................................................................................. 11
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 13
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INTRODUÇÃO
A construção deste projeto foi desencadeada pelo interesse como aluna de
graduação pela pesquisa científica e pela vivência de experiências relacionadas à migração
internacional, característica da minha região. No curso de Pedagogia da Universidade Vale do
Rio Doce - UNIVALE, atuei como Bolsista de Iniciação Cientifica (PIBIC/FAPEMIG) por
dois anos, na pesquisa “Reflexos da migração internacional na vida dos filhos de emigrantes
em Governador Valadares e seu entorno”, coordenada pela professora doutora Sueli Siqueira,
do Núcleo de Estudos sobre o Desenvolvimento Regional – NEDER. Desde março de 2010,
participo da pesquisa “Relações de Gênero e experiências educativas de pessoas jovens e
adultas, catadoras e catadores de materiais recicláveis”, fomentada pela rede CREFAL –
Centro de Cooperación Regional para la Educación de Adultos en America Latina y en el
Caribe, coordenada pela professora doutora Maria Celeste Reis Fernandes de Souza. Essas
duas experiências proporcionaram uma inserção na vida acadêmica e um interesse pela
produção científica, iniciada com a elaboração de relatórios e de trabalhos apresentados em
congressos (ALMEIDA, 2008; 2009; 2010a, 2010b). Ao mesmo tempo, sempre observei e
vivi1 a realidade da migração, vendo parentes e amigas/os partindo para o exterior,
convivendo na escola com colegas que tinham os pais e as mães emigrados/as, observando as
casas dos bairros da periferia: via de regra, as casas das pessoas que têm familiares
emigrados/as são de dois andares e pintadas com cores fortes (verdes e laranjas são as cores
preferidas).
A partir das observações e reflexões propiciadas pela atuação na pesquisa sobre a
migração, construí um caminho de questões e perspectivas de ampliação da compreensão
dessa realidade que me direcionou a busca de realização do Mestrado em Educação da
FAE/UFMG. O objetivo da pesquisa relacionada à migração foi sistematizar informações que
permitissem compreender os efeitos do fenômeno da emigração internacional dos pais e mães
sobre seus filhos e filhas (crianças e adolescentes) no que diz respeito à relação com a escola e
com o saber escolar. A coleta de dados desta pesquisa ocorreu nas cidades que compõem a
Microrregião de Governador Valadares, especificamente naquelas que apresentaram maior
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Acrescento a essas experiências o meu matrimônio. Casei-me aos 18 anos e um ano após o casamento, meu exmarido emigrou para os Estados Unidos, desejo nutrido por ele desde os tempos de namoro. Por estar grávida,
optei por ficar no Brasil cuidando de minha filha e ingressar no ensino superior. Vivendo por seis anos separados
fisicamente, pois depois que emigrou não retornou ao Brasil, decidimos nos separar neste ano de 2010.
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percentual de remessas recebidas do exterior, pois isto é um indicativo do número de
emigrantes. Para a coleta de dados da pesquisa foram aplicados questionários em alunos e
alunas, professores/as e diretores/as de escolas das redes públicas e privada, em Governador
Valadares e seu entorno. No município de Governador Valadares, responderam ao
questionário 179 estudantes filhos/as de pais e mães emigrados/as, com idade entre 11 e 18
anos. Participei da coleta e da análise dos dados da cidade, além de participar do
desenvolvimento do referencial teórico da pesquisa. A análise dos dados direcionou-se para
uma leitura da emigração dos pais e mães como um fator de influência nas experiências
escolares das crianças e adolescentes. Durante a fase de coleta e análise dos dados da
pesquisa, buscava captar os significados atribuídos por estes e estas estudantes à emigração
dos pais e mães e à sua própria vivência do processo migratório. Esta e outras inquietações
advindas da pesquisa não puderam ser esclarecidas, desencadeando o interesse pelo
empreendimento da investigação aqui proposta.
No campo de pesquisa, coletando dados para o projeto acima referido, na minha
inserção nas escolas para a realização do estágio supervisionado, tenho observado que, pelo
menos de forma explícita, a migração internacional não é considerada como espaço de saberes
pela escola2. Apesar de a escola reconhecer que tem alunos e alunas que são filhos e filhas de
pais e mães emigrantes, e que a cidade vivencia este fluxo migratório, percebi que raras são as
práticas (quando existem), nas quais essa realidade é considerada. Despertou-me, assim, o
interesse em investigar os processos pelos quais a migração internacional como fenômeno que
caracteriza nossa cidade perpassa as práticas educativas legitimadas3 pela escola.
Sendo assim, questiono: Como as escolas consideram a cultura migratória existente
em Governador Valadares? Que práticas escolares contemplam a migração? Em quais
momentos da vida cotidiana da escola e por meio de que sujeitos (estudantes, famílias,
professores/as) a migração aparece? Enfim, por meio de quais processos a migração perpassa
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Como fruto desta pesquisa, foi criada a revista em quadrinhos “Um presente especial”, pelo professor do curso
de Design da UNIVALE e roteirista da Maurício de Sousa Produções, João Marcos Parreira Mendonça. A
produção desta revista teve apoio financeiro da Fundação do Banco do Brasil, Western Union Foundation e do
Centro de Apoio e Assistência Técnica (CIAAT), sendo proposta como recurso pedagógico para o trabalho das
questões relacionadas à migração nas escolas da rede municipal de Governador Valadares. Na reunião
promovida pela Secretaria de Educação para, dentre outros assuntos, divulgar a revista entre as escolas, nenhuma
reflexão ou discussão foi feita, a revista simplesmente foi distribuída. Hoje, atuando como monitora de oficinas
de Letramento do Programa Mais Educação em uma das escolas da rede municipal, vejo as mesmas revistas
“guardadas” na estante da biblioteca da escola.
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Ao usar este termo “legitimadas pela escola”, me refiro às práticas intencionais, que são pensadas, articuladas e
assumidas pela escola.
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a educação escolar? Como essas questões podem ser compreendidas do ponto de vista do
currículo?
OBJETIVOS
I)
Geral
 Verificar os processos pelos quais a cultura migratória perpassa o cotidiano de uma
escola pública municipal de Governador Valadares.
II)
Específicos
Compreender os significados atribuídos pela escola e pelos/as educadores/as à cultura
migratória e seus reflexos no cotidiano dos/das estudantes.
 Identificar as práticas dos/das educadores da escola relacionadas à cultura migratória no
município.
 Analisar a presença da cultura migratória nas práticas dos/das estudantes na escola.
 Analisar a presença da cultura migratória nas relações entre as famílias e a escola.
JUSTIFICATIVA
A microrregião de Governador Valadares compõe a mesorregião do Vale do Rio
Doce, situada no leste de Minas Gerais, ocupando cerca de 27% de uma área de 41.809,873
km2 (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 2002). Segundo dados do senso realizado pelo IBGE
em 2007, a população da microrregião é estimada em 412 mil habitantes, sendo que 63%
destes se concentram na cidade de Governador Valadares. Também é conhecida
pejorativamente como “Valadólares”, por ser o principal ponto de partida de muitos
emigrantes para países do exterior. Por este motivo recebe destaque na mídia nacional, como
por exemplo, atualmente, a chacina feita por traficantes no México, levando à morte 72
pessoas que tentavam entrar sem documentação nos Estados Unidos, sendo que destes, 2 eram
brasileiros da região do Vale do Rio Doce. Ou o caso Gean Charles de Menezes, assassinado
barbaramente em Londres pela polícia britânica, que teve repercussão internacional e foi
retratado em filme.
A migração é um fenômeno vivenciado pela humanidade no decorrer dos tempos.
Primeiro com os povos nômades se deslocando em busca de alimento para sua sobrevivência.
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Atualmente os deslocamentos ganham novos contornos marcados pela globalização, mas
permanecendo, contudo, o mesmo sentido: o ser humano vai em busca de melhores condições
de vida. O sociólogo Abdelmalek Sayad dedicou suas teorizações para a migração dos
argelinos para a França, ressaltando o caráter denunciante da emigração, que revela a
desigualdade econômica e social no mundo (SAYAD, 2000).
O fenômeno migratório ocorre em escala mundial, ganhando não só destaque da
mídia, mas se constituindo objeto de estudos do campo das Ciências Sociais e da
Antropologia. No campo da Educação, esta discussão ainda não se tornou objeto de pesquisas,
sendo encontradas poucas referências, por exemplo, nos sites Scientific Electronic Library
Online e dos GTs de Currículo e Sociologia da ANPED desde o ano 2000, os únicos trabalhos
encontrados tratavam da imigração, ou seja, na perspectiva dos estrangeiros que se encontram
no Brasil. É possível constatar nos estudos4 realizados há pouco mais de quinze anos sobre a
migração valadarense uma lacuna no tocante à educação. É essa lacuna que aponta para a
necessidade de investigar a influência deste fenômeno na educação local, considerando as
alterações provocadas pela migração sobre a organização familiar e o acompanhamento da
vida escolar das crianças e jovens que possuem pais e mães emigrados.
Desse modo, o presente estudo pretende contribuir para a produção científica sobre o
tema e para a compreensão deste fenômeno da região. Entendo ser necessário que as
diferentes experiências educativas da região contemplem o fenômeno migratório, tornando
significativo o conhecimento (re)construído na escola pelos alunas e pelas alunas. Dar
visibilidade a esse fenômeno e suas nuances na escola possibilita a compreensão da realidade
da cidade, ou ainda, a percepção da construção desta realidade e a possibilidade de
(re)construção de novos caminhos.
REVISÃO BIBLIOGRÁFICA INICIAL
Para tecer este trabalho, a princípio apresento a configuração da migração
valadarense, buscando delinear a construção do conceito “cultura migratória”. A seguir,
discutirei as relações entre educação e cultura migratória.
1. Panorama da Migração em Governador Valadares
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Assis (1994), Fusco (1998), Siqueira (2009, 2008, 2006a, 2006b, 2003, 1997), Soares (1995).
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A migração de valadarenses para os EUA é um capítulo importante na história da
cidade, tendo se tornado sua característica marcante nas última três décadas. Para
compreender esta história, nos remetemos a meados da década de 1940, na época que a cidade
ainda era distrito de Peçanha5. Ao eclodir a Segunda Guerra Mundial, o Brasil assinou um
contrato com os Estados Unidos no qual o país contribuiria com esforços de guerra, e os EUA
financiariam o Serviço Especial de Saúde Pública – SESP – para tratar, dentre outras
enfermidades, a malária e para resolver o problema de saneamento básico e do atendimento
hospitalar (ASSIS, 2002).
Nesse período os americanos vieram a Governador Valadares em busca da mica,
mineral utilizado como isolante elétrico na indústria bélica, estabelecendo, assim, um
primeiro contado dos/as moradores/as da cidade com os Estados Unidos. Devido às grandes
reservas de mica, a cidade tornou-se um forte centro de beneficiamento do mineral, cujas
oficinas pertenciam aos brasileiros e o apoio técnico e a comercialização era realizada por
firmas americanas (ASSIS, 2002). Ainda na década de 40, os americanos chegaram para
trabalhar na expansão da estrada de ferro Vitória a Minas. Este período foi de grande
dinamismo da economia local, deixando marcado no imaginário popular a ideia dos Estados
Unidos como um país rico, desenvolvido e cheio de possibilidades (SIQUEIRA, 2006a).
O primeiro emigrante valadarense foi um intercambista, estudante de uma escola de
inglês local (SIQUEIRA, 2009). Este trouxe informações que possibilitaram a emigração de
outros 17 jovens para os Estados Unidos na década de 1960. Os relatos destes primeiros
emigrantes causavam frenesi e eram notícia nos meios de comunicação da cidade. Parentes e
amigos eram convidados a emigrar, multiplicando assim o número de valadarenses nos
Estados Unidos. Nas palavras de Siqueira:
Esses primeiros emigrantes davam o suporte necessário para os que desejavam
emigrar, além das informações emprestavam dinheiro para depósito6, buscavam no
aeroporto, ofereciam estadia ou moradia, arrumavam o primeiro emprego,
compravam roupas adequadas ao clima dos EUA, etc (SIQUEIRA, 2008, p.07).
Inicia-se assim a formação das redes sociais, que foi um fator importante para o
crescimento do fluxo migratório na década de 80. Siqueira (2008) considera que as redes
sociais surgem a partir do próprio desenvolvimento do processo migratório e das conexões
que passam a ser estabelecidas entre os locais de destino e origem dos migrantes. Afirmando a
5
Cidade situada no Leste de Minas Gerais, a 110 km de Governador Valadares.
Neste período era necessário fazer um depósito de mil dólares no consulado americano para receber o visto de
trabalho.
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importância das redes sociais na formação e sustentação dos fluxos migratórios, Soares
(1995) aponta que
Com a influência exercida pela rede de parentes e amigos, o emigrante desloca-se
mais em função da aproximação das relações sociais do que pela proximidade
geográfica - e pelos laços econômicos estabelecidos historicamente com o país
ensejando uma cultura migratória – funcionarem como determinantes na
singularidade direcional assumida pelo deslocamento espacial dos emigrantes
(SOARES, 1995, p. 112).
O fluxo migratório, gerado de modo incipiente na década de 60, intensificou-se a
partir da segunda metade dos anos 1980 (SOARES, 1995). O sonho de emigrar para os
Estados Unidos, poupar dinheiro para ascender social e economicamente permeava a vida dos
valadarenses, e, associado a outros fatores como a existência de um mercado secundário no
país de destino, a crise na economia brasileira nesta década, os mecanismos facilitadores no
país de origem, como agenciadores (chamados de cônsul) que viabilizam meios ilegais para a
emigração e a formação das redes sociais, contribuem para a consolidação deste fluxo
migratório (SIQUEIRA, 2006).
Outro aspecto importante para a consolidação desse fluxo é lembrado por Patarra e
Baeninger (1995, p. 35), pois afirmam que
O fenômeno da migração internacional deve ser observado dentro da complexidade
atual da economia global que corresponde a certas desconjunturas fundamentais
entre economia, cultura e política. Este movimento, que na década de 90 consolidou
um fluxo em direção ao estrangeiro, acrescenta uma nova característica ao país que
tem a imagem de nação de imigrantes.
A década de 1980 é denominada por Siqueira (2008) como “Boom” da migração,
pois a quantidade de emigrantes aumenta significativamente, e os investimentos na cidade se
intensificam devido às remessas enviadas por estes. Os espaços urbanos são reconfigurados,
principalmente no que se refere à arquitetura dos bairros onde residem suas famílias.
Ampliaram, reformaram suas residências, que se destacavam entre as outras casas do bairro.
A valorização do dólar frente o real é um atrativo a mais para estes emigrantes. Com
um prazo relativamente curto as pessoas podem emigrar, trabalhar, fazer uma boa poupança, e
retornar para usufruir dos bens que adquiriram no Brasil. Ressaltamos que este é o projeto
inicial da maioria dos emigrantes, mas que pode sofrer alterações no decorrer deste percurso.
Outro aspecto que o fenômeno da migração impõe é a configuração de um modelo
temporário de família, ou que pelo menos, pretende ser temporário. Quando o pai ou a mãe
9
fica no Brasil, passa a administrar sozinho/a a casa e as finanças, e ainda assumir a
responsabilidade de criação dos filhos e filhas e de zelar pela sua educação. Se pais e mães
emigram juntos, os/as filhos/as passam a morar com avós, tios/as e até amigos, passando a
fazer parte de outra família. Essas novas configurações apontam questões para a educação.
Existe uma maneira de interpretar estas mudanças – que também apareceram na pesquisa
realizada com filhos/as de emigrantes – relacionando a emigração dos pais e mães com
problemas dos/as filhos/as na escola. Observo, assim, a necessidade de ampliar e
problematizar esta leitura.
2. A cultura migratória e educação
Para tecer a discussão proposta, faço uso do conceito de cultura concebido pelos
Estudos Culturais, abordando-a como “campo de luta em torno da significação social”
(SILVA, 2004, p. 133). Desse modo,
a cultura é um campo de produção de significados no qual os diferentes grupos
sociais, situados em posições diferenciais de poder, lutam pela imposição de seus
significados à sociedade mais ampla. [...] A cultura é um campo onde se define não
apenas a forma que o mundo deve ter, mas também a forma como as pessoas e os
grupos devem ser. A cultura é um jogo de poder (SILVA, 2004, p. 134).
Os significados construídos pelos grupos sociais comparecem em suas práticas
sociais, em seus valores, costumes, hábitos, na sua relação com o mundo, nas suas condutas,
nos seus desejos, orientados pelo conhecimento produzido pela cultura.
Encontro em Siqueira (2009; 2008; 2006a; 2006b; 2003) e Assis (2002; 1995) os
seguintes elementos que me levam, neste projeto, a abordar a migração internacional em
Governador
Valadares
como
cultura:
é
um
fluxo
configurado
historicamente,
consolidado, característico da região, que afeta o modo de viver das pessoas, a configuração
de famílias, influencia as relações econômicas, familiares e sociais. Creio que a principal
marca desta cultura é o desejo nutrido e compartilhado pelos habitantes da região de emigrar
para um outro país, geralmente os Estados Unidos (ALMEIDA, 2010). Inclusive nas
pesquisas desenvolvidas no NEDER relacionadas ao retorno de emigrantes valadarenses
10
devido à crise norte-americana, tenho observado dados que apontam o desejo dos retornados
em emigrar para outro país7, pois encontram dificuldades em voltar e permanecer na cidade.
Deste ponto de vista, depreendo que a cultura se aloca no cotidiano, nas questões
diárias de vida da pessoas. Entrelaça-se com a vida na escola, uma vez que os alunos e as
alunas levam para o convívio escolar seus modos de vida, seus desejos, seus
conhecimentos, reconstruindo-os na relação com o outro. Como sujeito sócio-históricos,
aprendemos, (re)produzimos e compartilhamos os modos de ser, fazendo da escola um
efervescente campo de culturas. Pensando o currículo como a vida na/da escola, não há
como negar que as experiências e os conhecimentos trazidos pelos/as estudantes estão
presentes no currículo.
Na escola, assim, coexistem a vida escolar, delimitada por práticas
pedagógicas, por uma estrutura física, por regras, valores e expectativas inerentes à
este universo, e a vida “lá fora” (dos/as alunos/as, pais e mães, professores/as,
funcionários/as, da comunidade) também marcadas por experiências, expectativas,
desejos, relações sociais, pela dinâmica sócio-econômica, no caso de Governador
Valadares, a migração para o exterior.
Os alunos valadarenses, tanto os que têm pais e mães no exterior quanto os
que não têm, trazem consigo referências a um conhecimento de um outro lugar, onde
“a tecnologia é mais avançada”, “as pessoas são mais bem educadas e não jogam
lixo no chão, senão vão presas”, “é um lugar bonito”, “ é mais desenvolvido e tem
mais emprego”. 8 Conversam sobe as “caixas” que chegam, trazendo vídeo-games,
jogos, perfumes, hidratantes corporais, chocolates, utensílios de cozinha, CDs,
DVDs, computadores, máquinas fotográficas digitais, filmadoras, cadernos, canetas,
vídeos caseiros feitos pelos pais/mães e parentes, fotos, etc., produtos que são
consumidos ou comercializados na região. Discutem sobre a taxa cambial do dólar,
sobre o clima nestes países que interfere no trabalho dos emigrantes, sobre os desejos
e as possibilidades de emigrarem um dia.
Alinhada às teorizações de autores como Tomaz Tadeu da Silva e Antonio Flávio
Barbosa Moreira, considero o currículo “um terreno de produção e de política cultural, no
7
O banco de dados da pesquisa está sendo organizado, o que impede a demonstração de dados oficiais.
Frases ouvidas durante as entrevistas com alunos e alunas de uma escola local, na coleta de dados da pesquisa
“Reflexos da migração internacional na vida escolar dos filhos de migrantes em Governador Valadares e seu
entorno”, realizada em 2008 pela UNIVALE com parceria do Centro de Informação e Assessoria Técnica.
8
11
qual os materiais existentes funcionam como matéria-prima de criação, recriação e, sobretudo,
de contestação e transgressão” (MOREIRA e SILVA, 1999, p. 28). Considerando o currículo
como significativo instrumento utilizado “tanto para desenvolver os processos de
conservação, transformação e renovação dos conhecimentos historicamente acumulados como
para socializar as crianças e os jovens segundo valores tidos como desejáveis” (MOREIRA,
1997, p. 11) entendo que as ações de selecionar, valorizar, priorizar, excluir, são atos
políticos, pois os conteúdos escolares, tidos pelos autores como matéria-prima do currículo,
forjam a construção de identidades dos/as estudantes. Estes/as terão suas trajetórias marcadas
por estas escolhas sob responsabilidade da escola, mas também trarão consigo suas próprias
culturas, fazendo do currículo um campo de lutas, transgressões, contradições, contestações.
Mesmo que de modo sutil, não explícito, a cultura de migração internacional perpassa o
currículo.
A partir da minha inserção no campo da pesquisa, nas escolas da rede pública e
particular de Governador Valadares, e dos estudos realizados no curso de Pedagogia,
algumas questões começaram a chamar minha atenção: que espaço a cultura dos alunos e
das alunas – especificamente os aspectos relacionados à vivencia da situação da emigração
de pais/mães e outros parentes – encontra na escola? Em que medida fazem-se presentes no
currículo escolar, nos discursos e práticas dos sujeitos que o constitui, marcando as
trajetórias dos alunos e da alunas?
METODOLOGIA
Concebendo a escola como espaço social, integrando uma grande rede de relações e
instituições, “em que ocorrem movimentos de aproximação e de afastamento, onde se criam e
recriam conhecimentos, valores e significados” (ANDRÉ, 1995, p. 41) rompe-se com a visão
de uma vida escolar homogênea, estática, repetitiva, considerando-o como “um terreno
cultural caracterizado por vários graus de acomodação, contestação e resistência, uma
pluralidade de linguagens e objetivos conflitantes” (ibidem, p. 41).
Com o objetivo de compreender como a cultura migratória permeia a vida escolar,
utilizaremos a pesquisa de tipo etnográfico, buscando, através de uma “descrição densa”
(GEERTZ, 1989), os significados e as práticas nas relações dos diferentes sujeitos. Segundo
André (1995), a pesquisa etnográfica ocorre através do “contato direto do pesquisador com a
12
situação pesquisada” e “permite reconstruir os processos e as relações que configuram a
experiência escolar diária” (p.41).
Distinguindo três fases da pesquisa etnográfica, André (1997) define: na primeira, o
amplo estudo da literatura relacionada ao tema e sobre o contexto a ser estudado. Esta fase
construirá o “olhar teórico” que orientará o trabalho de campo. Nesta fase surgirão as
categorias iniciais de análise, as perguntas e os questionamentos que nortearão a coleta de
dados. Na segunda fase ocorre o trabalho de campo, envolvendo a observação direta e
intensiva, bem como estratégias que visam captar as opiniões e representações dos atores
sociais. Na sua inserção no campo, o/a pesquisador/a deve estar atento às pistas que poderão
conduzir a novas formulações, novas perspectivas de análise. O posicionamento aberto,
flexível, sensível por parte do/a pesquisador/a levará à descoberta de novas categorias, novas
formas de interpretação do objeto pesquisado. “É o momento de fazer as mediações entre a
teoria e a experiência vivida em campo, de dialogar com os referenciais de apoio, de rever
princípios e procedimentos e fazer os ajustes necessários” (ANDRÉ, 1997, s.n.t). A terceira
fase é a da sistematização dos dados e sua apresentação em forma de relatório. Mais uma vez
o/a pesquisador/a retoma o movimento de diálogo entre a teoria e os dados, criando
“rearranjos, recomposições abstrações e que culmina em nova estruturação do real” (ANDRÉ,
1997, s.n.t).
O possível campo de pesquisa a ser investigado é uma escola da rede pública de
Governador Valadares, chamada Escola Municipal Santos Dumont. A escola fez parte da
amostra selecionada para a pesquisa com estudantes filhos e filhas de emigrantes,
comportando 7,5% dos/as estudantes entrevistados/as. O bairro no qual a escola se localiza
faz parte de uma região conhecida na cidade como uma das que concentram maior número de
emigrantes. Os/as estudantes da escola possuem pais, mães, parentes, amigos, vizinhos, etc.,
que passaram ou passam pela experiência migratória, como observado na pesquisa
supracitada, não sendo priorizado na presente proposta que estes/as sejam filhos e filhas de
emigrantes.
Como técnica de coleta de dados observarei o cotidiano da escola, imergindo no
campo de pesquisa através da participação de reuniões pedagógicas, comemorações escolares,
aulas, recreios, intervalos, atividades escolares, situações de ensino-aprendizagem. Manterei
contato direto com a direção da escola, pessoal técnico-administrativo, docentes, discentes,
familiares. Os documentos oficiais da escola, como o Projeto Político Pedagógico, os
13
materiais didático e também materiais trazidos e produzidos pelos alunos e pelas alunas serão
analisados. Além disto, proponho a realização de entrevistas com alunos e alunas, professores
e professoras, diretores e diretoras, pedagogos e pedagogas, funcionários e funcionárias e
familiares.
Para a preservação sigilosa dos/as envolvidos/as na pesquisa, seus nomes ou
referências que os/as possam identificar serão suprimidos, sendo ainda esclarecida sua
participação optativa, bem como seu desligamento a qualquer fase da pesquisa.
CRONOGRAMA
TAREFAS
2012
01
02
03
04
05
06
07
08
09
10
Pesquisa bibliográfica
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
Pesquisa de campo/coleta
de dados
X
X
X
X
X
X
X
X
Organização e análise dos
dados
X
X
Elaboração da dissertação
X
X
X
X
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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14
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ERIKA CHRISTINA GOMES DE ALMEIDA A CULTURA