SISTEMAS DE FINANCIAMENTO PARA PROJETOS TERRITORIAIS ESTRATÉGICOS DE NATUREZA MULTISETORIAL PRODUTO 3 Ademir Antonio Cazella Fábio Luiz Búrigo Dezembro de 2008 2 SUMÁRIO INTRODUÇÃO..................................................................................................................................3 1 A VIDA FINANCEIRA DOS SEGMENTOS SOCIAIS EMPOBRECIDOS..............................7 1.1 OS INSTRUMENTOS FINANCEIROS PARA OS POBRES....................................................................................8 1.2 A ONDA DO MICROCRÉDITO..................................................................................................................15 2 SISTEMAS DE FINANCIAMENTO DO DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SUSTENTÁVEL: LIÇÕES DO CREDIAMIGO E DO COOPERATIVISMO DE CRÉDITO RURAL SOLIDÁRIO............................................................................................21 2.1 O PROGRAMA CREDIAMIGO DO BANCO DO NORDESTE...........................................................................22 2.2 O COOPERATIVISMO DE CRÉDITO SOLIDÁRIO..........................................................................................31 2.3 POTENCIALIDADES E DESAFIOS PARA A EXPANSÃO DE COOPERATIVAS DE CRÉDITO VOLTADAS AO DESENVOLVIMENTO DE TERRITÓRIOS RURAIS..................................................................................................54 3 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES.....................................................................................58 REFERÊNCIAS...............................................................................................................................62 3 INTRODUÇÃO O principal objetivo deste estudo é fundamentar a construção de sistemas de financiamento do Desenvolvimento Territorial (DT), especialmente voltados para o atendimento de regiões rurais. O ponto de partida passa pela identificação e análise de organizações financeiras consideradas inovadoras e passíveis de serem fomentadas nas diferentes regiões e/ou territórios do país. O estudo procura avaliar em que medida tais experiências buscam incluir financeiramente os segmentos sociais empobrecidos e apresentam potencial e interesse institucional para inscrever suas ações na perspectiva do DT, ou são iniciativas tidas como convencionais, que visam somente ampliar o acesso de segmentos de baixa renda a alguns produtos e serviços do sistema bancário. Nesse sentido, as experiências de microcrédito empreendidas pelo Banco do Nordeste (BN) e pelo cooperativismo de crédito solidário, capitaneadas pela Associação Nacional das Cooperativas de Crédito de Economia Familiar e Solidária (Ancosol), serão os objetos principais dessa tentativa de se mapear iniciativas que podem servir de inspiração à promoção de novos modelos de financiamento. A escolha se deve, sobretudo, à amplitude que esses casos alcançaram em aspectos como: número de beneficiados diretos, volume de recursos financeiros mobilizados, interface com políticas públicas, consistência institucional, abertura para adoção dos preceitos do desenvolvimento territorial e, não menos importante, área de abrangência. Analisado em conjunto, tais fatores permitem afirmar que essas iniciativas já ultrapassaram o limiar de “projetos pilotos”. Isso reforça a importância de tê-las como referência quando se planeja a deflagração de ações similares, seja em territórios onde se deseja ampliar a qualidade dos produtos e das organizações financeiras existentes, seja em regiões “pioneiras”, isto é, zonas que não possuam serviços dessa natureza. O texto argumenta que a parceria institucional entre experiências financeiras que atuam no âmbito local e regional é um caminho necessário quando se pretende fortalecer a integração operacional e o desenvolvimento de projetos na ótica do DT. Desse modo, mais do que fazer uma apresentação das duas iniciativas pretende-se explorar seus pontos fortes e fracos, analisar os ambientes institucionais que lhes fornecem suporte político, legal e econômico e verificar suas potencialidades de expansão para fora das circunscrições atuais. É importante ressaltar que os sistemas cooperativos integrantes da Ancosol possuem diferentes formas de governança e distintas capacidades em termos operacionais. Por isso é fundamental conhecer minimamente os principais sistemas que compõem a Associação para, então, apontar e avaliar possíveis potencialidades e deficiências dessas organizações nos termos propostos pela investigação. As iniciativas de descentralização político-administrativa do Estado e de incentivo ao desenvolvimento territorial pressupõem a implantação de estratégias correspondentes no campo financeiro. A Ilustração 1 demonstra como Guerreiro (2008) relaciona a questão do financiamento associada à governança, e como esses dois elementos se integram na idéia geral do “capital territorial”. 4 Ilustração 1: Componentes do Capital Territorial Imagem Mercados, e Percepção Relações Externas Recursos Humanos Atividades e Empresas Know-how e Habilidades Cultura e Recursos identidade Materiais Governança e Recursos Financeiros Fonte: Jose Emilio Guerrero – Universidade de Córdoba – Espanha (ver Iicaforum, 2008). A socioeconomia de serviços financeiros territorializados e o desenvolvimento territorial são dois corpus indissociáveis, que no Brasil se encontram em fase de construção. Torna-se importante desse modo reforçar a idéia de que a extensão de sistemas de financiamento para projetos territoriais estratégicos de natureza multisetorial é uma pré-condição para o desenvolvimento territorial. Em áreas rurais, por exemplo, esses sistemas devem disponibilizar crédito não só para as atividades produtivas agropecuárias, mas também para as demais iniciativas empreendidas por atores rurais diversos em outros setores da economia. O mesmo poderia ser dito com relação aos setores de transformação e serviço. Atualmente, as políticas públicas relacionadas ao financiamento do DT precisam lidar com duas tendências verificadas no cenário mundial: i) o aprofundamento da concentração bancária e de globalização dos mercados financeiros; ii) as estratégias comerciais dos bancos que, tradicionalmente, preferem atuar junto aos maiores aglomerados urbanos, oferecendo serviços aos clientes de grande e médio porte econômico. No caso brasileiro, mesmo dispondo de um mercado bancário extremamente sofisticado, as lacunas em termos de atendimento financeiro são notórias. Apesar do recente esforço do governo federal, visando ampliar a oferta de crédito e facilitar a abertura de contas simplificadas para as populações de baixa renda, verifica-se que muitos serviços financeiros estão ainda distantes de milhões de brasileiros. A exclusão está presente em todas as regiões, mas afeta, em especial, os territórios (em particular na sua dimensão rural) menos desenvolvidos e distantes dos principais pólos econômicos. É sabido que serviços financeiros estruturados dentro da ótica da proximidade aumentam as chances de sucesso das políticas públicas de crédito e estimulam investimentos empresariais em regiões menos urbanizadas. Como a maioria das redes financeiras – públicas e privadas – brasileiras não prioriza as regiões periféricas perpetuam-se, assim, os problemas de ineficácia de programas de estímulo ao desenvolvimento dessas regiões, principalmente das ações que visam fortalecer as vocações econômicas específicas e o empreendedorismo dos territórios. Essas debilidades dificultam o acesso ao crédito pelos pequenos e médios tomadores e debilitam os investimentos de fontes públicas e privadas. Além disso, a captação e o redirecionamento da poupança local, fonte de contrapartida em projetos de interesse regional e de sustentabilidade de iniciativas econômicas de médio longo e prazo, acabam não sendo encarados como condição necessária e estratégica ao desenvolvimento territorial. 5 O perfil do sistema financeiro nacional, associado à atual matriz de divisão do bolo tributário, provoca a fuga de capitais gerados em territórios específicos, que precisa ser constantemente minorada pela ação de políticas compensatórias de origem externa. Tal quadro cria uma matriz de dependência que se caracteriza pela escassez de idéias e de projetos capazes de gerar o desenvolvimento e pela baixa capacidade de aglutinar recursos de origem local. Esse círculo vicioso faz com que o fluxo econômico de boa parte dos municípios brasileiros dependa fortemente de rendas externas, geralmente obtidas por meio de políticas de transferências federais – isto é, de programas como o Fundo de Participação dos Municípios, Aposentadoria Rural, Programa Bolsa Família, Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), entre outros. Do ponto de vista teórico e prático, o dinamismo dos territórios, e o seu processo de gestão social correlato, dependem da coerência do conjunto das suas atividades. A lógica territorial passa pela construção de novos ambientes institucionais e o fortalecimento de interdependências entre setores econômicos e entre as esferas políticas, sociais e espaciais. Esse esquema pressupõe a ampliação da governança e da qualidade dos serviços financeiros, o que significa a constituição de programas de crédito focados na ótica do desenvolvimento descentralizado, parcerias entre redes financeiras públicas e privadas existentes, a exemplo dos bancos públicos e as cooperativas de crédito, e a constituição de novas organizações financeiras locais. Trata-se, portanto, de pensar arranjos institucionais de cooperação inéditos, visando dotar os territórios brasileiros de serviços financeiros bem estruturados e capazes de atender a demanda. No caso do crédito deve-se planejar sua obtenção a partir da utilização combinada de recursos oriundos da poupança local e dos recursos captados junto aos agentes externos, tanto públicos quanto privados. Em outras palavras, fortalecer os territórios pressupõe ampliar a capacidade das pessoas e das organizações de manejar os instrumentos e os recursos financeiros endógenos e externos. A inspiração e o suporte técnico de experiências que em alguma medida adotaram essas estratégias e se tornaram referências de sucesso em outras regiões representam, sem dúvida, o ponto de partida. Por esse prisma é que as duas iniciativas anteriormente apontadas são exemplos que caminham na direção contrária da debilidade observada no modelo do financiamento do desenvolvimento rural no Brasil. Suas trajetórias já demonstraram que ambas estão contribuindo no combate à exclusão financeira e na democratização do crédito oficial. Não obstante, precisam ser avaliadas também quanto a sua potencialidade em termos de desenvolvimento territorial. Vale adiantar que há uma década o Crediamigo vem oferecendo microcrédito para empreendimentos instalados em zonas urbana e rural, em todas as regiões de abrangência do Banco do Nordeste. Os dados do Programa revelam expressivos resultados em termos de número de beneficiários, adimplência, produtos financeiros disponíveis e valores movimentados. Por sua vez, o cooperativismo de crédito solidário, também iniciado nos anos 1990, está associado à mobilização e ao empreendedorismo socioeconômico de segmentos da agricultura familiar brasileira. A intervenção de organizações e movimentos sociais em torno do cooperativismo de crédito rural abriu caminho para que uma parcela significativa de agricultores familiares tivesse acesso ao sistema financeiro formal. Diante da existência de uma espécie de “barreira à entrada” erigida pelo modelo 6 convencional de atuação das cooperativas de crédito, passou-se para um quadro de maior abertura e de crescimento do setor. Com apoio e supervisão do Banco Central tem-se, atualmente, a presença de um ambiente institucional inovador e plural em termos doutrinários, no qual se destacam serviços que favorecem a democratização do sistema financeiro. Na maioria das vezes, esses serviços são mediados por parcerias entre os sistemas cooperativos e bancário. No entanto, embora haja atualmente esforços à difusão dessa iniciativa em escala nacional, as principais redes de cooperativas de crédito com atuação no meio rural e com capacidade de criar uma nova correlação de forças dentro do mercado financeiro encontram-se ainda localizadas no Sul e em zonas específicas das demais regiões do País. Do ponto de vista metodológico, além da análise de material bibliográfico e documental, foram realizadas 23 entrevistas – sendo algumas coletivas – com atores considerados detentores tanto de conhecimento prático sobre o tema, quanto de inserção política. Suas idéias e opiniões ajudaram a compreender o funcionamento do setor e colaboraram para erigir as propostas indicadas no final desta análise. Por uma questão de estilo, os depoimentos foram inseridos no texto nos casos em que a opção era fundamental para a compreensão do tema. Certamente o material gravado e o grupo de entrevistados são referencias que poderão ser oportunamente acionadas com o objetivo de aprofundar e reavaliar as proposições aqui apresentadas. Assim, ao longo de 2008, foram argüidos diretores e funcionários de cooperativas de crédito ligadas à Ancosol, Banco do Nordeste e outros órgãos públicos. Além disso, é importante registrar a participação dos autores na I Conferência Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário, no VII Congresso Brasileiro do Cooperativismo de Crédito, VII Seminário do Banco Central sobre Microfinanças e no III Fórum internacional sobre modelos e instrumentos para gestão social dos territórios, todos realizados ao longo de 2008. Além de possibilitar o acesso a discussões correlatas ao tema de estudo, esses eventos permitiram o acesso a espaços privilegiados para a preparação de entrevistas com atores selecionados. Merecem registro ainda as visitas de campo realizadas às centrais e a cooperativas singulares dos sistemas solidários Cresol, Crehnor e Ascoob. Esta análise está subdividida em quatro partes principais, além desta introdução. A primeira aborda o tema das microfinanças, por se considerar que a estruturação de serviços microfinanceiros figura como pré-condição para a construção de sistemas de financiamento territoriais na grande maioria das zonas rurais brasileiras. Esses sistemas devem ser capazes de incluir não só os atores sociais organizados da sociedade civil, mas também aqueles que, por razões diversas, têm dificuldades de participar em organizações coletivas. A segunda parte faz uma discussão das duas experiências brasileiras consideradas promissoras em termos de abrangência (número de beneficiários e volume de recursos) e inovadoras em relação aos seus sistemas de gestão: o Programa Crediamigo do Banco do Nordeste e dois sistemas de cooperativismo de crédito integrantes da Ancosol (Sistema Cresol no Sul e Sistema Ascoob na Bahia). A terceira aponta uma série de considerações a respeito dos desafios e das potencialidades das organizações cooperativas e de microcrédito no país. Por fim, a última parte apresenta o conjunto de proposições que a elaboração do estudo suscitou. No plano geral as proposições objetivam superar, de um lado, a predominância quase total das linhas de financiamento baseadas em produtos ou em atividades de caráter setorial, e de outro, a tendência de 7 desertificação monetária e fuga de recursos financeiros dos territórios, especialmente daqueles mais isolados do ponto de vista geográfico e econômico. 1A VIDA FINANCEIRA DOS SEGMENTOS SOCIAIS EMPOBRECIDOS1 Ao contrário do que as teorias econômicas e financeiras clássicas apregoavam e o senso comum imagina, os setores empobrecidos desenvolvem, ainda que muitas vezes circunscritas ao manejo de pequenos montantes, assíduas e criativas fórmulas de auto-ajuda e de trocas econômicas e monetárias. Apesar de suas dificuldades operacionais, em muitos casos as trocas monetárias entre os pobres representam ricas estratégias de sobrevivência econômica e são dotadas de racionalidade elevada, especialmente se levar em conta as condições em que elas ocorrem. A vida financeira das populações de baixa renda se alimenta de uma gama de experiências, como fundos rotativos, caixinhas, clubes de trocas, seguros grupais, etc. Não obstante sua intensidade e grau de racionalidade, a maioria dos atos financeiros dos pobres se processa em mercados imperfeitos que, muitas vezes, funcionam sem qualquer enquadramento legal e acompanhamento técnico. Geralmente as redes financeiras informais são relegadas ao segundo plano, como também os circuitos comunitários que as circundam, fazendo com que esses fenômenos permaneçam quase que invisíveis aos olhos do grande público. Vitais nas estratégias de sobrevivência das camadas populares, os circuitos informais são responsáveis pela existência de inúmeros serviços que ajudam os pobres a realizar empréstimos, efetuar depósitos, fazer compras a crédito, cobrir gastos emergenciais na forma de seguros, etc. Muitas dessas experiências são temporárias e funcionam sob a influência de manifestações culturais e econômicas e do ambiente sociopolítico local. Embora se fundamentem geralmente em mecanismos de confiança e solidariedade, eles podem contar também com as mesmas características culturais negativas observadas nos circuitos em que acontecem transações monetárias de alto valor: disputas de poder, coerção, formas de dominação, etc. Muitas das redes financeiras informais apresentam, igualmente, elevados custos de transação e estão sujeitas a regras, por vezes, pouco claras para seus integrantes. As compras a prazo são um exemplo peculiar da vida financeira popular e dos estratos médios da população brasileira. De maneira aparentemente inesperada, os clientes se sujeitam a pagar encargos financeiros muito maiores daqueles existentes nas operações bancárias tradicionais. Esse tipo de operação é visto como vantajoso porque apresenta uma série de atributos favoráveis, que não são oferecidos pelos mercados de crédito bancário: acessibilidade (exige-se poucos documentos para abertura do crediário e que podem ser, inclusive, obtidos via o nome de amigos ou parentes), disponibilidade (compra-se quase de tudo a prazo), rapidez, adaptabilidade dos prazos e parcelas (ainda que possam comprar com um custo final menor, as pessoas preferem esticar os prazos para pagar prestações mais baixas), atendimento, transparência (as condições são claramente expostas, ao contrário dos empréstimos bancários em que as taxas muitas vezes só aparecem O conteúdo principal deste tópico foi elaborado a partir da tese de doutorado de Búrigo (2006c). Uma versão adaptada da tese será publicada pela Editora Argos em 2009. 1 8 no valor das prestações) e melhores possibilidades de renegociação (Brusky; Fortuna, 2002). Esses autores assinalam que os pobres preferem investir suas eventuais sobras imediatamente no consumo. Entretanto, como os trabalhos de Bonfil (2001) e Abramovay (2004a) vêm demonstrar, pode-se argumentar que a falta do hábito da poupança entre as camadas pobres brasileiras é indicador também da ausência de instrumentos financeiros adequados a sua condição financeira. A investigação realizada por Bonfil no México revela que o “esquecimento” em relação à poupança das famílias mais pobres indica, muitas vezes, um preconceito social arraigado. O preconceito se dá por se acreditar que as pessoas pobres não possuem cultura financeira e nem condições para guardar parte de sua renda. A autora desmonta essas crenças, descrevendo inúmeras formas que os pobres encontram para economizar e guardar seus recursos. Contudo, eles não o fazem em maior escala pela falta de instrumentos que lhes garantam uma rentabilidade positiva diante da inflação. O estudo elaborado por uma organização que congrega boa parte das cooperativas de crédito de todo mundo revela que os poupadores pobres valorizam três fatores na escolha ou opção por um serviço de poupança: a tranqüilidade de que seus recursos não desaparecerão, a conveniência (os recursos estarão disponíveis no momento que deles se necessite) e a segurança de que os rendimentos não serão corroídos pela inflação (Woccu, 2003). Uma pesquisa sobre esse tema coordenada por Abramovay (2004a) demonstrou que em várias localidades brasileiras são limitações institucionais que excluem os mini e micro-poupadores e não seu interesse ou sua capacidade. Na falta desses serviços, eles acabam investindo suas eventuais economias na compra de animais e de terras (entre os habitantes do meio rural) e itens de consumo, como eletrodomésticos e outros utensílios (entre os moradores urbanos). Fica claro também, por meio de diversos exemplos reais, que a poupança é um instrumento fundamental e corriqueiro que as famílias pobres empregam para se proteger dos imprevistos ou para se preparar para os “fatos da vida”, como o nascimento ou o casamento de um ente familiar. A ausência de serviços financeiros mais coletivos, baratos e impessoais, dificulta o planejamento das atividades econômicas e a organização da vida financeira doméstica dos pobres. Isso ocorre, por exemplo, quando eles têm necessidade de vender parte de seus ativos: por estar em forma não monetária e não fracionária, a falta de liquidez de sua poupança pode gerar situações pouco vantajosas (é preciso vender o animal por inteiro, por exemplo). Por sua vez, quando os pobres são assalariados, o que se vê é uma presença constante de elevados níveis de endividamento. Para muitas famílias, a garantia salarial estimula as aquisições a prazo, mas as compras em demasia e os encargos financeiros acabam comprometendo uma boa parte de sua renda futura (Abramovay, 2004a). 1.1OS INSTRUMENTOS FINANCEIROS PARA OS POBRES No campo formal, até pouco tempo atrás, a maioria dos serviços financeiros para o público de baixa renda seguia as concepções e métodos criados pelos antigos projetos governamentais de difusão do crédito rural. Sobretudo em países em desenvolvimento, esses projetos não se preocupavam em estabelecer sistemas 9 financeiros formais em ambientes empobrecidos. Acreditava-se que a pobreza limitava o volume de captação, fato que gerava pequena capacidade de outorga de créditos, criando custos de transação muito altos para intermediários, devedores e depositantes. Em muitos locais, os recursos eram repassados através de grandes bancos estatais e de outros agentes financeiros externos, gerando um círculo vicioso em termos de desenvolvimento. A carência de serviços financeiros adequados limitava as oportunidades dos pobres superarem sua condição de privação econômica. A manutenção do quadro de depressão restringia a demanda pelos serviços financeiros locais, e inibia, conseqüentemente, a sua oferta (Gonzalez Veja et al, 2002). Após os anos 1980, a visão a respeito da pobreza e das finanças foi ampliada pelo surgimento das novas metodologias de trabalho nesse campo. As novas experiências foram aprimorando os conhecimentos sobre a vida financeira dos pobres e sobre quais são as melhores estratégias para se atuar nessa área. Em síntese, os seguintes aspectos podem ser destacados: i) Os pobres têm uma grande necessidade insatisfeita de serviços de poupança e pagamentos; ii) Os custos de transação com práticas bancárias comerciais tradicionais são proibitivos se aplicados em operações pequenas para clientes de ingressos escassos; iii) as pessoas em situação de pobreza extrema são capazes de pagar um empréstimo, desde que se ofereça incentivos claros para fazê-lo e quando o empréstimo seja apropriado a sua capacidade de pagamento (Carstens apud Bonfil, 2001). 1.1.1A sustentabilidade dos produtos financeiros para os pobres Um dos temas mais controversos no debate a respeito dos serviços financeiros para os pobres se refere à questão do equilíbrio financeiro e da sustentabilidade das organizações. Algumas vertentes liberais acreditam que se deva criar uma “indústria” em torno da atividade, que siga, ao máximo, as regras do mercado bancário tradicional. Para essa linha de pensamento, as organizações financeiras devem receber o mínimo de subsídios diretos e indiretos, pois estes são prejudiciais à saúde do mercado e delas próprias. Acreditam que, invariavelmente, os subsídios mascaram ineficiências administrativas, em detrimento de um suposto benefício social, que também se mostra ineficaz no longo prazo. Somente o livre mercado em torno da atividade oferece uma solução ótima ao (clássico) trade-off que se estabelece entre as demandas dos beneficiários mais pobres e a necessidade de se captar recursos para cobrir os custos desses serviços. O raciocínio liberal assinala, igualmente, que os subsídios financeiros não são tão fundamentais para se ofertar empréstimos aos pobres, pois o principal problema não está no valor dos juros, principalmente se houver garantias de acesso e este ocorrer no momento adequado. Neste caso, as comparações de taxas deveriam ser efetuadas com as praticadas pelos agiotas e fornecedores costumeiros desse público. A cobrança de juros acima do mercado garantiria as receitas necessárias diante dos maiores custos de transação existentes no setor. Nos últimos anos, as crenças a respeito dos malefícios dos subsídios têm sofrido críticas. De uma parte, em alguns países a estratégia de se aplicar taxas de juros elevadas nos empréstimos de pequeno valor não vem se mostrando factível. Em 10 decorrência disso, a sustentabilidade da organização não pode ser garantida pelas receitas obtidas por meio de taxas de juros acima do mercado. Ao mesmo tempo, o mecanismo regulador da oferta e procura, que resultaria numa pretensa concorrência benéfica, não funciona perfeitamente no setor, mesmo porque as transações financeiras junto aos pobres sofrem interferências de fatores complexos – vários deles ainda pouco estudados. Para ilustrar tal fato, pode-se citar o caso brasileiro, onde o mercado das microfinanças não se consolidou2. Além disso, a defesa dos subsídios ganhou força, entre outras, pelas seguintes razões: a) aplicar altas taxas de juros não é possível, pois os pobres lançam mão de outras fontes de crédito mais baratas, além dos agiotas; b) não se pode confundir os subsídios dados aos beneficiários, com o que as organizações recebem para sua manutenção; c) a sustentabilidade deve ser analisada numa perspectiva mais ampla, isto, é, não se trata apenas de garantir a saúde financeira das organizações (eficiência), pois nesse setor importa o alcance social do trabalho, tanto para aos beneficiários diretos como à comunidade (eficácia); e d) os bancos públicos, os bancos cooperativos e as cooperativas também operam projetos com recursos subsidiados pelo governo federal, sem que isto signifique necessariamente ineficiência ou ineficácia de sua parte. É possível concluir que os subsídios não são necessariamente negativos, desde que sejam aplicados com rigor administrativo e com fins determinados, de forma a estimular processos de desenvolvimento e de empoderamento dos beneficiários. Contudo, o temor liberal necessita ser devidamente considerado, pois as organizações financeiras precisam evitar uma dependência excessiva e permanente de recursos externos. Geralmente, existem dois caminhos para isso: redução dos custos (operacionais e de transação) e elevação das receitas. Essas opções dependem da criação de sistemas de governança inovadores e do desenvolvimento de interações favoráveis no ambiente institucional que circunscreve as experiências. Cabe frisar que a idéia da governança passou a ser utilizada para avaliar a capacidade das Organizações Micro Financeiras (OMF) depois de ter sido bastante empregada em estudos a respeito dos limites operativos internos das grandes corporações empresariais e das que atuam nas bolsas de valores. Para o Comitê de Trocas, Reflexão e Informação sobre os Sistemas de Poupança e Crédito (Cerise), criado por organizações européias que atuam na área das microfinanças e das finanças solidárias, a governança de uma OMF apóia-se na estrutura de propriedade, associada ao conjunto dos mecanismos pelos quais os dirigentes eleitos, funcionários e outros definirão e executarão a sua missão (notadamente a escolha do público alvo, os serviços e a cobertura geográfica) e assegurarão a perenidade, a adaptação ao ambiente, a prevenção e as soluções para as crises. Portanto, as OMF que estabelecem bons mecanismos na governança interna têm mais facilidade de cumprir sua missão institucional, efetuar programas de expansão Na presente investigação, os termos microfinanças e microcrédito se diferenciam pelo fato do segundo representar uma modalidade específica dentro da microfinanças. A noção de microcrédito ficou conhecida mundialmente, a partir dos anos 1980, como sendo o ato de fornecer empréstimos de pequeno valor às populações excluídas do sistema bancário através de certas condutas metodológicas, como o uso do agente do crédito e com finalidade produtiva. Assim, os recursos do microcrédito são gerenciados de maneira auto-sustentada, operados, preferencialmente, via organizações da sociedade civil, destinados a atividades produtivas e acompanhados do agente de crédito, que faz a articulação entre o tomador e a organização concedente. 2 11 e alcançar a sua viabilidade. Além de ajudar nas escolhas estratégicas, a boa governança permite identificar e prevenir riscos. Ao ajudar a medir o conjunto do dispositivo institucional e comportamental que rege o funcionamento de uma organização, a governança torna-se um dos elementos fundamentais para ampliar a confiança do público e trazer novos investimentos e recursos às organizações financeiras. Para as OMF é primordial que as melhorias na governança estejam associadas também ao desenvolvimento e a oferta de produtos financeiros que ajudem os pobres a melhorar seu planejamento familiar (poupança), a reduzirem os impactos das situações inesperadas (seguros) e a explorar adequadamente suas capacidades e oportunidades (crédito). 1.1.1.1 Micropoupança Ainda que a literatura seja quase uníssona em ressaltar a importância dos serviços de poupança para o desenvolvimento local e para o incremento das finanças populares, tal procedimento nem sempre é bem conhecido tecnicamente para o caso dos pequenos depositantes. Em alguns países, os mecanismos informais de coleta de micro-depósitos locais e domésticos são permitidos e são vistos como fundamentais para o autofinanciamento do micro-empreendedor e para a autosuficiência dos estabelecimentos financeiros. Em outros países, como o Brasil, a captação de poupança é facultada às organizações financeiras bancárias e às cooperativas de crédito. Isso ocorre porque esse serviço é visto como de alto risco pelas autoridades monetárias, que temem que os problemas decorrentes da falta de controle no uso dos recursos captados possam trazer prejuízos aos depositantes e ao sistema financeiro. A falta de serviços financeiros próximos também desestimula a poupança. A criação do Banco Postal, – uma parceria da Empresa de Correios e Telégrafos e o Banco Bradesco – confirma o interesse pelos instrumentos formais de depósitos pela população brasileira. Desde que surgiu em 2002, o Banco Postal já abriu 5.911 pontos de atendimento, todos eles instalados dentro das agências do Correio. Procurado principalmente por pessoas excluídas do sistema financeiro ou que não possuíam contas em suas localidades de domicílio, em agosto de 2008, o Banco Postal já contava com mais de sete milhões de clientes, sendo 55% mulheres. Os cadastros do Banco revelam também que 88 % dos titulares dessas contas possuem renda de até três salários mínimos. Mesmo com esse perfil, em torno de 75% dos seus correntistas tinham algum valor aplicado na poupança (Rebelato, 2008). Porém, para se viabilizar uma carteira de poupança junto aos mais pobres, é preciso equacionar os custos de transação das captações e os problemas decorrentes da rentabilidade dos depósitos. Para o primeiro caso, as organizações financeiras podem contar com pessoas da própria comunidade, com o auxílio das redes sociais e dos arranjos institucionais que sustentam a iniciativa. O desenvolvimento de carteiras de poupança é importante também para as organizações fortalecerem seus vínculos sociais e aumentarem o impacto de seu trabalho, uma vez que o número de poupadores dentro de uma comunidade é, potencialmente, muito maior do que o de tomadores de crédito. Em vários locais 12 do mundo, a relação entre poupadores e prestatários nas cooperativas de crédito alcança a média de sete para um. Outra medida que pode ser adotada é a que estabelece mecanismos de subvenção cruzada entre os maiores e os menores poupadores. Como mostram pesquisas realizadas pela organização Woccu, em algumas cooperativas de crédito do Equador, Quênia, Romênia e Ruanda é possível baixar os custos das carteiras de poupança fazendo uma combinação de rendimentos entre micro-poupadores (78% dos poupadores trabalham com valores inferiores a U$ 100,00) e médios poupadores (responsáveis por 80% do volume dos depósitos). Em 2002, especialistas mundiais em microfinanças elencaram os elementos necessários para se implantar serviços de poupança no atendimento de populações pobres e que vivem em zonas “difíceis”. Os mais importantes são os seguintes: 1) a existência de uma gama de serviços flexíveis e adaptados, como por exemplo, o trabalho dos banqueiros ambulantes, dos agentes coletores nos locais de grande circulação, os mecanismos combinados de poupança obrigatória e voluntária e a formação de grupos de poupadores articulados com agentes financeiros; 2) as subvenções cruzadas (fundamentais para viabilizar a carteira); 3) a limitação dos custos de pessoal (através do recrutamento local e com gente de mesmo nível socioeconômico); e 4) o apoio na intermediação de redes sociais e grupos, como forma de reduzir os custos de transação e ampliar o alcance do programa (Hirschland, 2003). Encontrar o equilíbrio entre os interesses dos depositantes (que normalmente desejam maiores garantias e altos rendimentos) e dos emprestadores (geralmente desejosos do contrário) é um ponto chave para o sucesso das organizações financeiras. Para tanto, é importante se ter claro que nem sempre os melhores tomadores de empréstimos são os melhores poupadores. Outro aspecto importante para se analisar a questão da poupança se refere ao tema da confiança. Sabe-se que a confiança faz parte do mundo dos negócios econômicos, servindo de base para a formação de redes sociais, o que é especialmente importante para se entender o mundo das finanças. Como ocorre no caso do crédito, a confiança nas instituições que regem as organizações financeiras é determinante para que os poupadores abram contas e aumentem suas aplicações, depositando na cooperativa local e não num banco de fora, por exemplo. 1.1.1.2 Microcrédito e a aversão ao risco do sistema financeiro As operações de crédito possuem uma natureza complexa. Assim como em outros fenômenos econômicos, diversos pesquisadores passaram a empregar conceitos da sociologia econômica e da nova economia institucional para decifrarem a lógica de funcionamento do crédito e para captarem seus efeitos em termos sociais e culturais. As operações creditícias envolvem sempre certo grau de racionalidade dos agentes, ainda que de natureza limitada (Magalhães, 2003). Em muitos casos, as condutas aparentemente irracionais se justificam pelos laços culturais e pelas estruturas de poder que condicionam a vida social dos tomadores e dos emprestadores. Dito de outro modo, as transações financeiras formais e informais 13 se dão em ambientes sociais nos quais se manifestam interesses, motivos, preferências, costumes e outras características culturais. É por isso que, ao manejar suas carteiras de empréstimos, os agentes financeiros não podem ignorar os vínculos sociais e os ambientes institucionais que os cercam. Em diversas regiões rurais brasileiras, por exemplo, a inexistência de fontes formais, e de certo modo impessoais, faz com que muitos agricultores pobres tenham suas necessidades financeiras atendidas por agiotas e comerciantes locais. É comum que o pequeno lojista local adiante aos agricultores produtos necessários à subsistência destes. A garantia do negócio é a safra vindoura, num processo conhecido como venda no “pé” ou na “palha”. O problema é que o valor e o cálculo dos juros embutidos nos adiantamentos nem sempre são explícitos, ficando sob o controle dos emprestadores, o que, via de regra, eleva o seu custo financeiro. Todavia, é preciso entender que os laços financeiros estabelecidos entre os pobres e os financistas locais envolvem normalmente relações que transcendem as operações econômicas, pois se sustentam em vínculos de caráter cultural, emocional, de parentesco, etc. As investigações de Ferrary (2003) mostraram também como as avaliações sobre os riscos existentes nas operações de crédito, efetuadas por alguns bancos, podem incorporar critérios de natureza subjetiva.. Nesses casos, a experiência dos emprestadores e o conhecimento a respeito da situação de cada tomador contam muito. Ainda assim, mesmo que os emprestadores disponham das melhores informações sobre os rumos da economia e sobre quais serão os seus impactos sobre os financiamentos, é impossível conhecer com exatidão a situação financeira e às intenções dos tomadores ou o que vai ocorrer durante o período do contrato. Essa assimetria de informações, que se move do campo das intenções para o da capacidade de se prever uma situação futura, leva ao aparecimento de problemas como a seleção adversa e o risco moral. A seleção adversa acontece quando as organizações financeiras acabam eliminando, de maneira equivocada, uma parte potencial de sua clientela. Isso ocorre em função da falta do conhecimento pleno, seja da idoneidade do tomador do crédito, seja da viabilidade dos projetos. As metodologias de cálculo de risco são incapazes de aferirem corretamente a viabilidade dos projetos apresentados e quem são os bons pagadores, já que não podem julgar as reais intenções dos tomadores. Diante desse dilema, as organizações bancárias preferem adotar medidas prudenciais, normalmente baseadas em cálculos estatísticos. Com isso fazem seleções rigorosas demais (adversas), que geram a eliminação indevida de bons pagadores e de projetos rentáveis, prejudicando os clientes potenciais, seus próprios negócios e a economia da região. O risco moral está relacionado com as reais intenções dos clientes a respeito de suas obrigações contratuais. Quando os tomadores convivem em ambientes institucionais em que imperam regras sociais e jurídicas insuficientes ou pouco claras, alguns deles optam por quebrar, de modo oportunístico, os contratos. Esse tipo de dificuldade é freqüente em programas de financiamento governamentais, criados de “cima para baixo” ou sem suficiente legitimidade social. O risco moral ocorre ainda quando as autoridades demonstram que irão relaxar na execução dos credores ou vão promover anistias (normalmente devido a interesses políticos). Isso cria distorções institucionais no processo, que levam os tomadores a 14 imaginar que as regras não serão aplicadas para todos os mutuários ou que não valerão por todo o período do contrato, ou, ainda, que as possíveis sanções não serão aplicadas nos financiamentos futuros. Em outros casos, o risco moral está relacionado ao fato do financiador demonstrar incapacidade (real ou presumida) de estabelecer medidas efetivas para cobrar as dívidas. A conseqüência da aversão ao risco dos sistemas financeiros tradicionais é que o serviço de crédito fica circunscrito aos clientes que suportam pagar as taxas e as tarifas estabelecidas, aos que têm maiores somas de depósitos (reciprocidade) e aos que oferecem maiores garantias em seus projetos. Isso demonstra que a exclusão bancária e a conseqüente criação de sistemas informais são reflexos do mesmo conjunto de fatores que existem no mercado de crédito. Aliás, esse é um dos motivos pelo qual as “cooperativas de crédito têm desempenhado tradicionalmente um papel tão importante” (Stiglitz, 2003, p.28), em vários países. 1.1.1.3 O papel estratégico das cooperativas de crédito Por estarem inseridas nas comunidades, as cooperativas de crédito tendem a compensar a menor escala em que operam, reduzindo os custos de transação advindos da seleção adversa e do risco moral (Besley, 1994, p.27). Elas contam com as redes sociais para obter informações sobre os emprestadores, o que pode tornar mais fácil também a aplicação da garantia coletiva (aval solidário), em que os riscos dos empréstimos são assumidos de forma grupal. Por vezes, fatores de natureza extra-econômica permitem que as cooperativas de crédito pratiquem taxas competitivas nos seus serviços de crédito e que têm, não raramente, o papel regulatório no mercado financeiro local. Além disso, a existência dessas cooperativas facilita a organização dos financiamentos “quentes”, que são assim denominados por serem realizados com verbas da própria comunidade (Bédard, 1986). Ao contrário dos recursos “frios”, obtidos via fontes externas, os primeiros tornam os membros da comunidade mais vigilantes e preocupados com a sua aplicação, mesmo porque o mau uso trará conseqüências diretas para eles próprios (os depositantes). Ambientes institucionais favoráveis influenciam diretamente nos resultados das transações financeiras populares e permitem a adoção de estratégias de sustentabilidade operacional, em que os ganhos coletivos sejam mais importantes do que os lucros individuais. Essa ação ocorre no sentido contrário do que apregoa o pensamento econômico neoclássico, confirmando que as pessoas nem sempre se movimentam no mundo econômico apenas para satisfazer seus próprios interesses egoístas. Dependendo das circunstâncias, podem proliferar as manifestações cooperadas altruístas, levando ao que se chama de “economia do altruísmo” (Zamagni apud Abramovay, 2005), um elemento importante para o funcionamento das organizações que manejam crédito de maneira solidária e das que atuam no mundo das microfinanças e do microcrédito. 15 1.2A ONDA DO MICROCRÉDITO Em meados da década de 1980, o mundo passou a observar com maior atenção um conjunto de organizações financeiras que estavam estabelecendo formas inovadoras de combater a pobreza. Em primeiro lugar, elas conseguiam atingir um grande número de clientes com serviços financeiros de pequena monta, indicando que o interesse das pessoas pobres de se relacionar com uma fonte de liquidez monetária existe e não é eventual. Em segundo, os custos do seu trabalho estavam sendo cobertos por meio de uma combinação de baixas taxas de inadimplência com maneiras inéditas de reduzir as despesas operacionais. O baixo número de maus pagadores devia-se, em parte, à intervenção de funcionários tecnicamente preparados, que visitavam os clientes periodicamente e conheciam mais claramente os seus potenciais e limites enquanto empreendedores. Os custos de transação e a falta de garantias para a liberação de empréstimos eram, normalmente, supridos por sistemas de aval solidário (garantias cruzadas), e por taxas de juros semelhantes às praticadas pelo mercado bancário, porém inferiores às cobradas pelos agiotas. O Grammen Bank de Bangladesh, o Bank Rakya da Indonésia, o Thai Bank for Agricultural Cooperatives da Tailândia e, posteriormente, o Banco Sol da Bolívia e o Comitê Rural Avançado de Bangladesh (BRAC) acabaram virando as referências internacionais mais expressivas na área do microcrédito e das microfinanças. Estas organizações acenavam que pela via do microcrédito era possível ajudar os pobres a organizar empreendimentos produtivos, levando-os a romper a linha da miséria e adentrar num novo patamar social. O crédito passou a ser visto como um direito humano e instrumento capaz de promover melhorias das condições de vida e de renda, criação de empregos, luta contra a pobreza, mais equidade dentro das relações de gênero e desenvolvimento do setor privado (Gentil, 2002). Ao invés de perpetuar a dependência externa, as OMF indicavam ser possível gerar independência institucional e financeira, ainda que isso só fosse viável no médio ou longo prazo. Assim, através de parcerias com as OMF, os programas públicos de alívio à pobreza poderiam evitar que os recursos se perdessem na burocracia governamental, ou fossem desperdiçados em projetos ineficazes, marcados pelos altos índices de inadimplência ou pela baixa capilaridade. As OMF podiam igualmente substituir os ineficientes programas financeiros internacionais voltados aos agricultores pobres criados durante os anos sessenta e setenta e adotadas em todo o mundo em desenvolvimento. Durante a década de 1990, quando se tornou a mais conhecida experiência de microfinanças de todo o mundo, o Grammen Bank impressionou pela visão inovadora com que enfrentava a questão do atendimento financeiro aos pobres. Apesar de se caracterizar como uma organização do tipo provedora, isto é, portadora dos fundos de empréstimo, sua metodologia de trabalho associava o repasse de recursos a variados percentuais de captação, insistia na necessidade de se financiar diferentes tipos de atividades, priorizando a participação das mulheres, e ressaltava a importância do envolvimento das OMF com as redes sociais. As perspectivas apontadas por iniciativas como a do Grammen Bank ganharam tanto destaque que depois de certo tempo elas passaram a contar com apoio financeiro 16 de diversas agências multilaterais. Além disso, os preceitos do microcrédito começaram a fazer parte da agenda política internacional: os documentos da Cúpula Mundial do Microcrédito, ocorrida em 1997 na cidade de Washington, apontavam que, até 2005, cerca de 100 milhões de pessoas pobres – especialmente mulheres – poderiam sair da condição de miséria, com o apoio de programas de microcrédito. Para atingir tais metas, logo depois foram criadas inúmeras linhas de financiamento e de doações às OMF de várias partes do mundo e surgiram políticas de estímulo às microfinanças em entidades de cooperação, redes de ONG, fóruns internacionais, sindicatos, associações e outros movimentos sociais, tanto em países ricos, quanto em países em desenvolvimento. A Organização das Nações Unidas (ONU) elegeu o ano de 2005 como o Ano Internacional do Microcrédito. A evolução das concepções a respeito da pobreza e da desigualdade reforçou também a necessidade de se analisar as políticas microfinanceiras de modo associado a outras políticas sociais. Ficou cada vez mais difícil apontar o sucesso de uma iniciativa microfinanceira apenas pelos bons registros de sua contabilidade ou pelo volume de suas operações de crédito. Por outro lado, essas constatações apenas reforçavam aquilo que o cooperativismo de crédito já demonstrara quando de sua aparição no século XIX: para se atender as necessidades financeiras dos mais pobres não basta ofertar crédito. Talvez por deixar de observar esses e outros preceitos é que as entidades especializadas em microcrédito começaram a demonstrar alguns limites. Essas dificuldades fizeram como que, nos últimos anos, o entusiasmo sobre o potencial transformador das microfinanças tenha diminuído. 1.2.1 O refluxo Dados recentes confirmam que o impacto das microfinanças não tem sido tão espetacular como imaginavam os seus principais baluartes. Em primeiro lugar, embora tenham crescido em número, as OMF não têm alcançado os resultados esperados em termos de redução dos níveis de pobreza, em escala planetária. Em que pesem os avanços obtidos em algumas regiões, o número de pobres aumentou em várias partes, alterando as metas dos que apontavam prazos para a sua possível erradicação global. Mesmo que a “indústria das microfinanças” tenha se expandido, chegando a atingir mais de 67 milhões de pessoas no final de 2002, este total não significa que os recursos estejam sendo destinados aos que mais necessitam de apoio. Como lembra Mick (2004), embora o número das organizações que atuam no setor tenha crescido, na maior parte dos países, o alcance do microcrédito ao final de 2002 não chegava a 10% das famílias mais pobres. Outro aspecto que vem colocando em xeque o potencial transformador do microcrédito está relacionado à sustentabilidade das OMF. Até mesmo os resultados apresentados pelo Grammen Bank são alvos de críticas e de controvérsias. Em termos analíticos, foi ficando patente que o conceito de sustentabilidade das OMF precisava levar em conta os aspectos institucional, econômico e social, entre outros; no entanto, a maioria dos estudos na área até então priorizava somente os dois primeiros. Isso sinalizava que as abordagens de cunho extra-econômico eram (e são) ainda marginais nesse campo. Até mesmo os estudos sobre as atividades 17 microfinanceiras que adotavam um conceito restrito de sustentabilidade (apenas o lado econômico ou financeiro) indicavam que o desempenho de muitas OMF estava distante do ideal. Como assinalam Hulme; Mosley apud Morduch (2000), ironicamente os bons resultados da primeira onda do microcrédito, como os obtidos pelo Grammen Bank, criaram um obstáculo à inovação. Em várias partes do mundo, eles induziram frustradas tentativas de reprodução, dificultando o surgimento de outras ondas criativas na área. Para outro conjunto de especialistas, o problema das OMF tem sido a sua pulverização em termos de estratégia. Ressaltam que essas organizações não definiram bem a sua missão e forma de atuação. Adotaram arranjos institucionais confusos e seguiram um contraditório leque de diretrizes econômicas, motivações políticas e opções ideológicas. As crenças nos poderes do microcrédito também arrefeceram um pouco dentro de alguns grupos de pesquisadores que estudam o desenvolvimento, tornando-se recorrente a constatação de que “as microfinanças não criam oportunidades produtivas, somente ajudam a aproveitar oportunidades já existentes” (González Vega, 2000, p. 27-28). Outro problema é o pequeno leque de serviços que as OMF têm oferecido, mesmo quando as referências mais importantes, como a do Grammen Bank, indicavam que a eficácia das microfinanças passa pela diversificação dos serviços. Com efeito, muitas OMF se transformaram em organizações dedicadas ao comércio de pequenos créditos. A partir dessas críticas, algumas OMF têm procurado alargar seu portfólio, para se ajustar melhor à demanda. A nível internacional, pode-se citar exemplos de inovações que as OMF estão implementando como o micro-cartão de crédito, financiamento para armazenagem, produtos de poupança, leasing, micro-seguros para eventualidades e às inadimplências, crédito para habitação e serviços de transferência de dinheiro para imigrantes (Poursat, 2005). Em resumo, mesmo observando uma trajetória que passa de uma fase de grande expectativa e de certa euforia em relação ao seu potencial socioeconômico, e outra que começa a evidenciar seus percalços e limites, não se pode ignorar que as microfinanças têm trazido lições valiosas. Inúmeras experiências demonstram que os pequenos créditos e os demais instrumentos microfinanceiros são meios importantes de empoderamento, potenciais criadores de capital social, que muitas vezes está latente nas comunidades ou territórios. 1.2.2 As OMF no Brasil Embora já existissem projetos localizados de microcrédito no Brasil desde os anos 1970, a sua expansão em maior escala tem sido tardia, tornando-se mais visível somente na década de 1990. Além da lenta propagação, o microcrédito brasileiro assumiu diversos formatos institucionais. Devido à inexistência de um marco legal próprio, as organizações de microcrédito foram sendo criadas com estruturas e formas de atuação bem diferentes entre si. Dados do Banco Central indicam que no final em 2007 havia cerca de 230 organizações atuando regularmente no microcrédito no Brasil, sendo o formato jurídico dessas organizações muito variado: ONG, Organização da Sociedade Civil 18 de Interesse Público (Oscip), Sociedades de Crédito ao Micro-empreendedor e à Empresa de Pequeno Porte (SCM), bancos privados e agentes governamentais. Como demonstra a Tabela 1, a seguir, tal universo manejava uma carteira de R$ 1,2 bilhão, atendendo em torno de 1,1 milhão de clientes ativos, o que representava uma penetração muito aquém do esperado – apenas 16% do mercado potencial, estimado em R$ 12 bilhões. A demanda foi calculada levando em conta a existência de cerca de dezesseis milhões de pequenas unidades produtivas no país. Esse universo é formado em boa parte pelos treze milhões de trabalhadores que atuam por conta própria, dentre os quais sete milhões podem ser considerados demandantes potenciais de microcrédito (Soares; Melo Sobrinho, 2008, p.29). Tabela 1 – Composição da oferta de microcrédito no Brasil (Dez 2007) Tipo Organizaçõ Clientes Valor médio es dos empréstimos (R $) SCM 53 20.145 2.531,92 ONG, OSCIPS, FUNDOS PÚBLICOS Valor emprestado (R$ milhões) 51,01 143 94.856 7.243,47 68,72 1 299.975 782,07 234,60 27 64.637 3.921,06 253,45 BANCOS PRIVADOS 4 65.587 1.680,00 78,70 RECURSOS - 518.182 970,74 503,02 228 1.063.383 1.768,38 1.189,49 CREDIAMIGO COOPERATIVAS TOTAL DE EMPRESÁRIOS DIRECIONADOS Fonte: Soares; Melo Sobrinho (2008, p.30); adaptado pelos autores. Em 2007, o ranking das cem maiores instituições de microfinanças atuantes na América Latina e no Caribe, elaborado pela Microfinance Information Exchange, incluiu apenas três instituições brasileiras: o Crediamigo do Banco do Nordeste (2° lugar com 329.071 operações), o sistema de cooperativas de crédito Cresol Baser atuante nos estados do Paraná e Santa Catarina (21° lugar com 76.815 operações) e a experiência do Centro de Apoio do Pequeno Empreendedor (Ceape) do estado do Maranhão (78° lugar com 18.189 operações). A título comparativo, enquanto o Brasil teve somente essas três OMF classificadas nesse ranking, com um total de 424.075 operações, o México participou com onze organizações e 1.191.656 operações. Ou seja, os mexicanos realizaram quase três vezes mais que os brasileiros em termos de operações microfinanceiras (Gehrke et al, 2008). Esse quadro demonstra que o Brasil apresenta carências correlacionadas à oferta de serviços microfinanceiros, em que pese o fato de dispor de um moderno sistema financeiro. A partir dos elementos disponíveis, é possível concluir que a demanda por créditos e outros serviços de pequena monta é muito superior à oferta. Entre 1998 e 2002 foram realizadas algumas pesquisas tentando decifrar por que as microfinanças brasileiras não se expandiram no ritmo esperado. Os estudos apontavam que o baixo desempenho tinha as seguintes causas: falta de uma política pública que desse apoio e orientação estratégica ao setor; falta de uma legislação e de tecnologias creditícias que permitissem a diversificação de serviços financeiros pelas OMF; baixa penetração das OMF no mercado de crédito, resultado de baixa capacidade operacional, insuficiência de marketing e desconhecimento das demandas; governança confusa, baseada em modelos pouco adaptados à 19 realidade do setor; debilidades gerenciais que limitam a eficiência e a produtividade das organizações operadoras; e aspectos ligados à cultura financeira nacional que induzem parte da população a preferir o uso de outras fórmulas para a obtenção de crédito. Outro dado que passou a se ter em conta nessa reflexão foi que a maioria das experiências bem sucedidas na área de microcrédito estava ocorrendo em países onde o sistema financeiro local era pouco desenvolvido, o que não é o caso do Brasil. Aguardadas com grande expectativa por setores que atuavam nas microfinanças, em junho de 2003, o novo Governo Federal empossado anunciou as primeiras políticas nessa área. Tais ações ficaram conhecidas como o “Pacote do Microcrédito”. Foi fácil perceber que por detrás das novas regras existia a preocupação primordial do governo de aumentar o nível de bancarização da população e alterar as regras do cooperativismo de crédito. Em relação ao crédito, a prioridade parecia ser estimular a linha de microempréstimos voltados, sobretudo, ao consumo. Especificamente no item “microcrédito”, embora não o impedissem, as medidas não se reportavam aos procedimentos metodológicos e nem se atinham às características jurídicas e de governança que marcam a ação das OMF no Brasil ou em boa parte do mundo. Em segundo lugar, o Pacote do Microcrédito sinalizava que o governo apostaria na expansão da oferta de créditos de consumo de baixa monta, via a rede bancária tradicional. Uma conseqüência dessa preferência foi que os créditos liberados a partir de então não se destinaram à criação ou desenvolvimento de perspectivas de geração de renda para os mais pobres. Ao mesmo tempo, a iniciativa embutia regras que acabavam prejudicando as operadoras públicas e privadas especializadas no mercado do microcrédito. Além de não destinar claramente uma fonte de recursos às suas operações, o Pacote fixava os juros “na ponta” (tomador final) em 2% ao mês, o que, segundo agentes do setor, inviabilizava a rentabilidade dos negócios nas operadoras. Em outras palavras, para ampliar sua ação nas microfinanças os agentes bancários poderiam optar pelos recursos dos depósitos compulsórios. Porém, para as ONG, Oscip e as SCM não havia linhas de crédito governamentais específicas; ou seja, estes agentes precisariam realizar convênios com os bancos. Depois de alguns meses de funcionamento, os programas de bancarização não funcionaram como o governo planejara. Apesar da elevada quantidade de contas simplificadas que a Caixa Econômica Federal conseguiu implantar – o Programa Caixa Aqui ultrapassou 1 milhão de contas em poucos meses – os recursos destinados aos pequenos créditos não estavam sendo absorvidos pela população, ao menos na velocidade que os formuladores oficiais imaginaram. Muitos clientes das contas simplificadas apresentavam restrições cadastrais, o que os impedia de tomar créditos. A legislação brasileira proibia que os bancos fechassem contratos com mutuários inadimplentes, não importando o grau de relevância das pendências. O Governo foi forçado a reconhecer que a população mais pobre não tem hábito de solicitar empréstimos nos bancos. Esses dois fatores contribuem a explicar o fato dos sistemas de crediário oferecidos pelos lojistas continuarem muito utilizados, mesmo que seus juros sejam mais elevados do que os dos microcréditos bancários. Diante dos impasses, ao longo de 2004, o governo operou mudanças na legislação, permitindo os financiamentos para pessoas com pequenas restrições cadastrais. 20 Essa e outras medidas desobstruíram parte das amarras burocráticas existentes na área e fizeram com que os programas governamentais de microfinanças passassem a apresentar resultados mais favoráveis. O processo de incentivo à bancarização acarretou na abertura de milhões de contas simplificadas, tendo a Caixa como principal agente operador. Notava-se que o governo estava conseguindo seu intento de aumentar a bancarização, principalmente por meio das contas simplificadas. Isso vinha sendo garantido pela instalação de agentes financeiros em todos os municípios brasileiros – como o Banco Postal e os correspondentes bancários, principalmente. Na prática, além do consumo, os microempréstimos permitiram que as pessoas trocassem as dívidas mais onerosas por créditos novos e mais baratos. Nesse sentido, uma das ações que surtiu mais efeito foi a que permite a oferta de crédito consignado, com descontos em folha, aos aposentados e a determinadas categorias de assalariados. Tal iniciativa despertou o interesse de financeiras e bancos comerciais, que passaram a oferecer o produto com forte apoio de campanhas de mídia. Outro efeito positivo era que os juros desse “novo mercado” estavam caindo, embora o crédito ainda custasse em 2005, em média, 2,9% ao mês (40,2% em termos anuais) – no mesmo período, a taxa de juros do crédito pessoal tradicional alcançava em média 70,7%. Apesar dos avanços, os resultados indicavam que os valores movimentados nas carteiras de microcrédito das operadoras oficiais não eram satisfatórios, especialmente na questão da inadimplência3. Ficava evidente que a oferta de microcrédito deveria estar associada a programas de educação financeira (como fazem as organizações que atuam com microcrédito orientado). Era vital também que as operações creditícias fossem efetuadas de maneira pessoal, já que com clientes de baixa escolaridade as operações em caixas eletrônicos são difíceis de assimilar. Além disso, a Caixa percebeu que precisava implantar técnicas de monitoramento e de cobrança mais aprimoradas para atuar nesse setor. Seus técnicos não encontravam uma resposta plausível para o baixo uso do crédito, que era oferecido atrelado às contas simplificadas. Ou seja, embora fossem liberados quase que automaticamente, menos da metade dos clientes tinha retirado esses financiamentos (Cotias, 2005). As altas taxas de inadimplência e o aparente paradoxo surgido nas carteiras de empréstimos populares somente reforçam o argumento de que o crédito é, antes de tudo, fruto de uma relação social. Desse modo, sua oferta e recuperação dependem de ações correlatas que estão relacionadas, sobretudo, ao estabelecimento da confiança e do compromisso mútuo entre os operadores e os tomadores. Na opinião de uma parcela das operadoras de microcrédito, as dificuldades se refletiam principalmente em duas queixas em relação ao governo: Primeiro, faltavam recursos públicos de funding para alimentar as OMF, visto que a estratégia de contar com os depósitos compulsórios dos bancos não vingara. A inadimplência alcançou 8% nos empréstimos do Banco Postal, superou aos 10% no programa Caixa Aqui. A situação fez com que a direção da Caixa suspendesse temporariamente a emissão dos créditos dessa linha, em fevereiro de 2005. Mais drástica foi a experiência do Banco Popular empreendida a partir de 2003 pelo Banco do Brasil. Com uma inadimplência que chegou 30% e um prejuízo de R$144 milhões, o Banco Popular foi absorvido pelo Banco do Brasil em maio deste ano. 3 21 Segundo, diante dos custos inerentes à metodologia do setor, o estabelecimento do teto dos juros para o tomador final em 2% ao mês tornara a atividade praticamente inviável. Somente 22 meses depois de lançar o Pacote do Microcrédito, e após as pressões das organizações especializadas4 e de negociações políticas no Congresso Nacional, o governo federal promulgou, em abril de 2005, novas regras gerais para o setor. Procurando atender parte das demandas específicas das organizações de microcrédito, estabeleceu o Programa Nacional do Microcrédito Produtivo Orientado (PNMPO)5. Em primeiro lugar, o PNMPO tentava sanar a celeuma conceitual criada pelas medidas anteriores. A partir de uma decisão referendada no Conselho Monetário Nacional, o referido Programa estabeleceu uma definição para o microcrédito produtivo orientado, determinando que ele se fundamentava no contato direto de um agente de crédito com os empreendedores, no local onde é executada a atividade econômica. Agora, o valor e as condições do crédito são aprovados somente depois da avaliação da atividade e da capacidade de endividamento do tomador. Ou seja, como o próprio nome do novo Programa anuncia, os microcréditos deverão ser direcionados, de forma orientada, para setores mais pobres que desejem iniciar ou melhorar iniciativas de caráter produtivo. Dados a respeito do número de clientes publicados em Soares; Melo Sobrinho (2008) indicam que até o final de 2006 existiam 690 mil clientes ativos de microcrédito no Brasil. Comparando esse número com o apresentado na Tabela 1, em que se registra a presença de 1,1 milhão de beneficiários no final de 2007, pode-se afirmar que a política do PNMPO começou a demonstrar efeitos positivos. A quase duplicação dos clientes em apenas um ano aponta um aquecimento das atividades de microcrédito, muito embora o número de atendidos esteja ainda aquém do indicado pelos estudos que avaliam o potencial do setor das microfinanças no país. 2 SISTEMAS DE FINANCIAMENTO DO DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SUSTENTÁVEL: LIÇÕES DO CREDIAMIGO E DO COOPERATIVISMO DE CRÉDITO RURAL SOLIDÁRIO Conforme foi destacado na Introdução, um dos pressupostos de base deste estudo é que a concepção de Sistemas de financiamento do desenvolvimento territorial sustentável para as condições socioeconômicas das zonas rurais brasileiras não deve contemplar de forma exclusiva e nem prioritária os chamados atores “portadores de projetos”. Esse pressuposto decorre da constatação empírica de que um contingente expressivo de atores rurais não integra o público prioritário das As principais operadoras de microcrédito no Brasil são representadas pela Associação Brasileira dos Dirigentes de Entidades Gestoras e Operadoras de Microcrédito, Crédito Popular Solidário e Entidades Similares (Abcred). 5 O PNMPO visa atender as necessidades creditícias de pequenos empreendedores com rendimento bruto de R$ 60 mil por ano. Deve operar com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e de uma parcela equivalente a 2% dos depósitos compulsórios recolhidos pelos bancos privados e públicos ao BC. Os empréstimos aos tomadores podem chegar a R$ 5 mil e a taxa de juros deverá ser de no máximo 4% ao mês, sendo que os financiamentos são concedidos por meio de Oscip, cooperativas de crédito, SCM e agências de fomento. Os contratos podem substituir as garantias reais por formas alternativas de aval, a serem estabelecidos pelos próprios agentes. 4 22 principais ONG, organizações profissionais agrícolas, movimentos sociais e sindicais, que atuam no meio rural e auxiliam na concepção e captação de recursos financeiros para projetos de desenvolvimento rural. A idéia de “portadores de projetos” foi difundida em programas de desenvolvimento territorial da União Européia, a exemplo da iniciativa denominada Liaison entre Actions de Développement de l’Economie Rurale (Leader)6. A adoção das orientações dessa iniciativa como referencial em diversos países de outros continentes sem, no entanto, uma devida adequação às realidades sociais específicas pode bloquear a emergência e a expansão de ações inovadoras e adequadas à realidade socioeconômica do país. A investigação de Trouvé (2007) demonstra que, mesmo nos países da UE, essa orientação começa a ser questionada, já que a maioria dos programas públicos que a adotam não contempla uma parcela significativa de famílias rurais menos integradas nas redes sociotécnicas e políticas das principais instituições rurais e agrícolas. Essa análise parte, portanto, de uma lógica diferente do que normalmente ocorre nos programas públicos de desenvolvimento rural. Ao invés de considerar que o ponto de partida deva ser o apoio e a difusão de experiências pilotos, levadas a cabo por empreendedores rurais (agrícolas ou não) que se encontram nas categorias intermediárias da pirâmide social, a idéia aqui apresentada é que as iniciativas de desenvolvimento territorial sustentável contemplem, de forma prioritária, os atores sociais que se encontram na base dessa pirâmide. Tendo em mente essas questões é que este estudo adotou como referencial empírico duas experiências brasileiras de microfinanças com mais de dez anos de existência. São iniciativas consolidadas que já romperam os limites dos chamados projetos pilotos, representando verdadeiros embriões de Sistemas de financiamento do desenvolvimento territorial sustentável. O Programa Crediamigo do Banco do Nordeste e o Cooperativismo de crédito solidário coordenado pela Ancosol são exemplos de experiências que atendem o desafio destacado por Ignacy Sachs de se ampliar a escala dos projetos estratégicos de desenvolvimento territorial7. Ambas contemplam, também, a necessidade mencionada por Sachs de evitar os chamados “arquipélagos desarticulados” de ações de desenvolvimento. 2.1O PROGRAMA CREDIAMIGO DO BANCO DO NORDESTE Segundo Silvana Parente, uma das idealizadoras do Programa Crediamigo, esta iniciativa do Banco do Nordeste (BN) está associada ao processo de estabilização da economia deflagrada com o Plano Real em meados dos anos 1990. A nova realidade econômica implicou na readaptação dos agentes financeiros, que depois de um longo período de convívio com altos índices inflacionários, tiveram que diversificar suas fontes de rendimentos e formas de atuação. É nesse cenário que o principal agente financeiro público da região nordeste assumiu o desafio de apoiar o setor micro-empresarial formal e informal, por meio do desenvolvimento de tecnologias financeiras apropriadas aos pequenos negócios. A experiência bem sucedida do Para uma análise crítica da capacidade desse Programa em integrar nas suas ações famílias rurais de baixa renda ver, dentre outros, Cazella (2002b). 7 Palestra proferida durante o III Fórum internacional de modelos e instrumentos para gestão social dos territórios organizado pelo IICA entre os dias 05 e 07/11/2008 na cidade de Fortaleza (CE). 6 23 programa de crédito para a classe de renda baixa de Bangladesh (Grameen Bank)8 serviu de inspiração para a concepção, em 1998, do Programa de Microcrédito Crediamigo. Desde então, o BN vem aprimorando e adaptando instrumentos de apoio à aplicação do microcrédito, com ações que apontam para a incorporação dos preceitos do desenvolvimento territorial no arcabouço do seu Programa. Dentre as principais idéias em curso encontram-se a figura dos “agentes de crédito”, a adoção de sistemas de aval solidário, a implantação de serviços de orientação aos empreendedores de baixa renda, a animação de fóruns de discussão municipais denominado de “Farol do Desenvolvimento”, o Crediamigo Comunidade (Village Bank), o Agroamigo e a parceria com o Instituto Nordeste Cidadania (INEC). Esse conjunto coordenado de medidas explica o fato do Crediamigo ser hoje o segundo programa de microcrédito existente na América Latina e Caribe. As lições positivas obtidas na gestão desse tipo de crédito inicialmente circunscritas no meio urbano estão sendo, aos poucos, transferidas para o meio rural. É o caso do Agroamigo, que se volta para a aplicação do chamado Grupo B do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf B)9 e do Crediamigo Comunidade. Ressalte-se, no entanto, que o enquadramento do Crediamigo como um programa de microcrédito estritamente urbano, a exemplo do que afirmam alguns dos seus dirigentes e funcionários entrevistados, mas também Neri (2008)10, precisa ser relativizado. É verdade que uma parcela importante dos seus clientes habita em aglomerações metropolitanas, mas os microempreendedores de pequenos municípios do interior nordestino atendidos pelo Programa não apenas são habitantes rurais, como representam uma categoria de atores sociais e econômicos importantes no contexto local, com potencial de inclusão nas ações formais de desenvolvimento territorial. Esses temas serão retomados na continuidade desta análise. Outra ferramenta do Crediamigo que começa a ser difundida nas zonas rurais, após ter sido testado em zonas urbanas, é o Crediamigo Comunidade, inspirado na idéia de Village Bank, ou banco da comunidade. Como explica Abramovay (2008), essa modalidade do Crediamigo agrupa entre 15 e 30 pessoas de uma comunidade, que participam de uma mesma conta poupança gerida por três membros do grupo, além de disporem de contas bancárias simplificadas. Dentre outras especificidades que diferencia essa modalidade das demais regras e serviços prestados pelo Programa, encontra-se o fato de admitir a integração de pessoas com pendências junto aos serviços de proteção ao crédito, decorrentes de pequenas dívidas não-bancárias, e a possibilidade de tomar crédito sem ter um ano de atividade no ramo que deseja financiar. Até dezembro de 2007, o Crediamigo Comunidade dispunha de 1.145 “bancos”, vinte mil clientes e R$ 5,6 milhões de carteira ativa. O Banco do Nordeste não se limitou a se espelhar no sucesso dessa experiência, cujos resultados e reconhecimento internacional justificam a atribuição do Prêmio Nobel da Paz de 2006 ao seu principal idealizador (Muhammad Yunus). Outras iniciativas de microcrédito foram consideradas, a exemplo do Banco Rakyat (Indonésia), Banestado e Banco de Desarollo (Chile), Finasol (Colômbia) e BancoSol e Caja de los Andes (Bolívia). 9 Linha de crédito do Pronaf que beneficia agricultores familiares de baixa renda: faturamento bruto anual inferior a R$4.000,00, excluídas as rendas de programas sociais públicos. O teto máximo do empréstimo anual chega a R$1.500,00, com carência de até dois anos, taxa de juro anual de 0,5% e bônus de adimplência de 25% do valor principal e dos juros. 10 Trata-se da análise mais recente e exaustiva sobre essa experiência e com a qual se estará constantemente dialogando neste estudo. 8 24 O objetivo principal deste tópico consiste em identificar possíveis “lições metodológicas” a serem adotadas por outras instituições financeiras – já existentes ou a serem constituídas –, a partir da análise tanto dos mecanismos de gestão, quanto dos principais resultados do Crediamigo. Em termos específicos pretende-se elaborar uma síntese de ações e medidas passíveis de comporem uma agenda de cooperação interinstitucional, com vistas à estruturação, no médio prazo, de Sistemas de financiamento do desenvolvimento territorial sustentável. 2.1.1 Síntese do processo de gestão do Crediamigo e dos seus principais resultados A atuação do Banco do Nordeste se dá, fundamentalmente, na área de abrangência da Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) - nove estados nordestinos, norte de Minas Gerais e nordeste do Espírito Santo -, mais o Distrito Federal11. Depois de alguns anos de funcionamento dentro da estrutura do Banco, atualmente composta por 170 agências e 53 postos de atendimentos, o Crediamigo conta com uma estrutura própria de gestão. Para isso, o BN firmou um convênio, no final de 2003, com o Instituto Nordeste Cidadania (INEC), uma Oscip criada pelos funcionários do Banco em 1993. O objetivo principal dessa parceria consiste na diminuição dos custos operacionais do Programa, além de aprimorar as condições de gestão por meio da disponibilidade de um quadro de funcionários especializados em operações de microcrédito. Membros experientes do Banco encontram-se na administração desse Instituto, que investe na formação de recursos humanos com capacidade não só contábil e administrativa, mas imbuídos em operacionalizar a missão do Programa, a saber: “contribuir para o desenvolvimento do setor microempresarial, mediante à oferta de serviços financeiros e de orientação empresarial, de forma sustentável, oportuna e de fácil acesso, assegurando novas oportunidades de ocupação e renda” (Banco do Nordeste, 2008). Essa missão condiz com os valores dos empréstimos realizados pelo Programa, que podem variar de um mínimo de R$100,00 a um máximo de R$10.000,00, seja como capital de giro, seja como investimento fixo. O endividamento máximo permitido é do teto para capital de giro e de R$5.000,00 para investimento. As taxas de juros mensais também dependem do tipo de operação e em todas é cobrado uma Taxa de Abertura de Cadastro (TAC) de até 3%. Para capital de giro com valores inferiores a mil reais incide 1,95% ao mês (a.m.) e para as operações superiores a essa soma os custos se elevam para 2 a 3% a.m. Já para os contratos de investimento fixo, a taxa de juros é de 2,95% a.m. (Cf. Tabela 2). Tabela 2 - Tipos de operações, tetos e taxas de juros praticados pelo Programa Crediamigo Tipo/Teto Valores emprestados Até mil reais Capital de Giro 1,95% + até 3% TAC Entre mil e dez mil reais 2 a 3% + até 3% TAC Entre cem e cinco mil reais - - - 2,95%+ até 3% TAC Investimento Fixo Fonte: Banco do Nordeste (2008). Encontra-se em estudo a possibilidade do Crediamigo passar a atuar também na favela da Rocinha no Rio de Janeiro, com apoio da agência local do BN. 11 25 Nos empréstimos para capital de giro, os prazos para reembolso variam de um a seis meses e, nos contratos de investimento fixo, chega a 36 meses, sem carência. A inexistência de período de carência para iniciar o pagamento explica, em parte, o fato das operações financiadas só considerarem os casos de microempreendimentos (formais e informais) que já estejam em funcionamento há pelo menos um ano. Ou seja, não são financiados projetos para quem deseja começar uma nova atividade. Esse aspecto pode representar um gargalo do Programa que precisa ser analisado com maior acuidade. Em relação aos custos dos empréstimos reside um aspecto importante do Crediamigo: atualmente o Programa não traz embutido nenhum tipo de subsídio seja do próprio Banco, seja de outros agentes12. Seu sistema de gestão em parceria com o INEC reduz os custos operacionais com salários de funcionários e permite resultados contábeis positivos. Como destaca Neri (2008, p.18), “o lucro é positivo, mas não abusivo (cerca de R$50,00 por devedor ao ano), o que gera a sustentabilidade da relação com os clientes”13. Até agosto de 2008, o Crediamigo tinha 352 mil clientes, tendo por meta atingir um milhão até 2011. As estimativas feitas por Neri (2008) sobre o mercado potencial de microcrédito no Brasil e no Nordeste são, respectivamente, de 13,3 milhões e 4,6 milhões trabalhadores por conta própria e empregadores, excetuando os empreendimentos agropecuários. Percebe-se, assim, que o Crediamigo contemplou até agosto de 2008 quase 8% da clientela potencial de microcrédito existente na região. O Gráfico 1 ilustra a evolução do número de beneficiários no período de dezembro de 2003 a agosto de 2008. Gráfico 1 - Número de clientes ativos do Crediamigo – em mil (2003 – 2008) 277,3 234,6 85 dez/03 106,7 dez/04 136,2 dez/05 170,6 dez/06 Ano dez/07 ago/08 Fonte: Banco do Nordeste - Crediamigo. Já os dois gráficos a seguir apresentam, para esse mesmo período, os montantes financiados que se encontram em carteira ativa (Gráfico 2) e o total desembolsado ao longo do ano (Gráfico 3). A carteira ativa considera os valores dos contratos em vigência normal ou em atraso de até noventa dias. Em meados de 2008, seu montante atingiu R$ 277,3 milhões, enquanto o valor total desembolsado no ano de Segundo Silvana Parente, o Crediamigo recebeu aportes do Banco Mundial nos primeiros anos de funcionamento. 13 Como se viu no tópico anterior, a questão da auto-sustentação das OMF é uma questão controversa. Mesmo admitindo que o Crediamigo receba ainda alguma forma de ajuda técnica e institucional do BN é inegável que o Programa alcançou bons padrões de eficiência em termos operacionais e financeiros. 12 26 2007 alcançou R$ 794,2 milhões. Esses gráficos, juntamente com o do número de clientes, permitem observar o crescimento constante que o Programa alcançou nos últimos anos, comprovando a existência de um amplo mercado potencial microfinanceiro na região. Gráfico 2 - Carteira ativa do Crediamigo - R$ milhões (2003 – 2008) 277,3 234,6 85 106,7 dez/03 dez/04 170,6 136,2 dez/05 dez/06 Ano dez/07 ago/08 Fonte: Banco Nordeste - Crediamigo. Gráfico 3 - Valores desembolsados pelo Crediamigo - R$ milhões (2003 – 2008) 368,2 dez/03 440,9 dez/04 639,6 548,2 dez/05 dez/06 794,2 dez/07 643,8 ago/08 Ano Fonte: Banco Nordeste - Crediamigo. Para analisar os valores médios dos contratos torna-se necessário comparar a quantidade de operações e os valores desembolsados no ano, já que um mesmo cliente pode efetuar mais de uma operação ao longo do período. Para tanto, seus endividamentos anteriores precisam estar quitados. Aqui incide uma metodologia do microcrédito que consiste em reduzir ao máximo o prazo de carência e efetuar operações progressivas em termos de montante emprestado, sobretudo, para os novos clientes. Trata-se de um processo educativo e de acompanhamento da clientela que tem auxiliado a manter baixo o índice de inadimplência. Soma-se a esse procedimento o papel fundamental dos agentes de crédito, que visitam o tomador de crédito na semana anterior do prazo de vencimento das suas parcelas e, se for o caso, imediatamente após ter ocorrido o atraso do pagamento. O Gráfico 4 revela que as médias das operações também aumentaram entre 2003 e agosto de 2008, passando de R$847,00 para R$1.030,00. 27 Gráfico 4 - Valor médio dos empréstimos efetuados no Crediamigo - R$ (2003 – 2008) 846,80 dez/03 920, 00 868,20 dez/04 dez/05 926,4 0 dez/0 6 Ano 963,00 dez/07 1.029,90 ago/08 Fonte: Banco do Nordeste – Crediamigo. Mas é no tocante ao controle da inadimplência que reside, seguramente, um dos principais indicadores de solidez do Programa. Nas normas do Crediamigo considera-se como inadimplente o tomador de crédito que atrasar o pagamento a partir de um dia. Com base nesse parâmetro, a inadimplência caiu de 2,09% em 2002 para menos de 1% a partir de 2004, índice que se manteve nos anos subseqüentes (Cf. Gráfico 5). Esse resultado encontra-se abaixo dos 4% registrados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no Programa Nacional de Microcrédito Produtivo e Orientado (PNMPO). Além disso, a elevada taxa de adimplência do Crediamigo contrasta com o fracasso recente da experiência do Banco Popular, sob a tutela do Banco do Brasil. Segundo Hayashi da Cruz (2008), a inadimplência do Banco Popular chegou aos 30%, estando atualmente em 17%, o que resultou num prejuízo de R$144 milhões. Gráfico 5 – Percentual de inadimplência do Crediamigo a partir de um dia (2002 – 2008) 2,09% 1,81% 0,84% 2002 2003 2004 0,84% 0,73% 2005 2006 0,81% 2007 1,00% 2008 Ano Fonte: Banco do Nordeste – Crediamigo. Os bons índices de retorno dos valores emprestados estão diretamente associados ao seu sistema de gestão. Sua estrutura operacional não se encontra assentada de forma exclusiva, nem nas agências e postos, nem no quadro de pessoal do BN. Nos pontos de atendimentos diversos, a exemplo de sedes de prefeituras, sindicatos, Emater e Correios, a figura do “assessor de crédito” representa a base da tecnologia de microcrédito. A proximidade e o conhecimento interpessoal entre o tomador de crédito e o assessor representam a chave do sucesso. Como aponta Abramovay (2008, p.25), “é claro que a proximidade pode abrir caminho igualmente a empréstimos realizados de maneira inadequada e pouco criteriosa, por razões familiares ou de amizades”. No entanto, o rigor gerencial do Programa permite identificar e punir aqueles assessores que não adotam os preceitos operacionais que lhes são repassados de forma sistemática nas ações de 28 capacitação. Além disso, a vinculação de parte da remuneração desses agentes aos resultados de adimplência e do tamanho da sua carteira de crédito reforça o compromisso mútuo e os laços de solidariedade entre assessor e beneficiado. Associado à atuação do “assessor de crédito”, outro elemento que integra a engenharia de gestão e que certamente tem um peso explicativo importante para os elevados índices de adimplência do Crediamigo é a intenção deliberada de privilegiar a participação da mulher nas tomadas de empréstimos. Nada menos que 64% das operações de microcrédito são efetuadas por mulheres, conforme se observa na Ilustração 2. Essa orientação não é uma inovação da experiência brasileira, mas a sábia adoção de uma das lições que estão na origem do Grameen Bank: Ser pobre em Bangladesh é duro para todo mundo, mas é pior ainda quando se é mulher. E quando as mulheres vêem surgir uma possibilidade, por modesta que seja, de sair da pobreza, elas se revelam mais combativas que os homens. (...) Na prática nós constatamos que as mulheres que vivem na miséria se adaptam melhor e mais rapidamente que os homens ao processo de auto-assistência. Elas são também mais aplicadas, procuram garantir o futuro dos filhos e revelam uma constância maior no trabalho (Yunus; Jolis, 2003, p.116-117). Esses autores dedicam três capítulos exclusivos do seu livro a essa temática (Por que emprestar dinheiro às mulheres, de preferência aos homens?; O primeiro contato com as financiadas (ocultas pelo purdah); Ser mulher e trabalhar para o Grameen), além de constantes referências e exemplos sobre a importância de se considerar de forma contundente a questão de gênero na concepção de sistemas de microfinanciamentos. Em Blangadesh, as mulheres eram responsáveis por menos de 1% dos empréstimos concedidos pelos bancos. Na fase experimental do Grameen foi fixada a cota de 50% de empréstimos para mulheres, sendo que na atualidade esse índice chega a 94% (Neri, 2008). Ilustração 2 – Distribuição dos empréstimos no Crediamigo por gênero (ago 2008) Homem 36% Mulher 64 % Fonte: Banco do Nordeste – Crediamigo. Não é necessário muito esforço para demonstrar que essa orientação não é tomada a sério pela maioria de dirigentes de instituições financeiras e de apoio ao desenvolvimento rural. No Brasil, o caso mais gritante nessa área diz respeito ao Pronaf. Após mais de doze anos de existência desse Programa de crédito rural, a participação da mulher é pífia inclusive no interior de iniciativas levadas a cabo por organizações representativas da agricultura familiar. O estudo de Fernandes (2008) revela que mesmo o movimento de cooperativismo de crédito solidário difundido nos últimos quinze anos no sul do país não tem dado a devida atenção a esse tema. 29 A linha de crédito denominada Pronaf Mulher registra um número de contratos insignificantes no cômputo geral do Programa. A avaliação efetuada por Neri (2008, p.303) sobre os benefícios econômicos que o Programa propiciou nos negócios dos clientes revela que a maioria melhorou de forma considerável sua renda. “A probabilidade de um cliente ultrapassar as linhas de pobreza especificadas aumenta consideravelmente a cada seis meses, quando ele se mantém como cliente ativo. Aqueles indivíduos com mais de cinco anos no programa têm uma probabilidade maior de deixar essa situação (...)”. No entanto, outra constatação efetuada por esse autor encontra-se no fato do Crediamigo não contemplar entre a sua clientela a porção mais pobre dentre os pobres, residindo aí um aspecto limitante a ser superado. Além disso, o Programa ainda não tem uma clara orientação no sentido de aprofundar sua atuação no meio rural e menos ainda de buscar uma inserção territorial explícita, por meio de parcerias com os fóruns territoriais existentes. Esses temas serão abordados na seqüência. 2.1.2 Territorializar e ruralizar o Crediamigo: quais desafios? Neste estudo, acredita-se que o esforço da parte do Banco do Nordeste de incluir a população de baixa renda nas operações de microcrédito representa uma oportunidade inusitada para as políticas de desenvolvimento territorial, sobretudo, em zonas rurais. Em outras palavras, os atores sociais e organizações implicados com o planejamento do desenvolvimento territorial podem aprofundar essas ações dando-lhes uma maior injeção de demanda e controle social. Trata-se explicitamente de adensar o Programa nos pequenos municípios interioranos dos estados nordestinos. Com isso, o Agroamigo cumpriria o relevante papel de promover a inserção financeira de atores não necessariamente do universo agrícola presentes nas zonas rurais. A medida imediata passa pela incorporação do tema de construção de sistemas de financiamento na agenda dos fóruns de gestão dos territórios. O ponto de partida de ações nessa área implica, a nosso ver, em negociar com o Banco do Nordeste a difusão e intensificação do microcrédito em territórios rurais, prevendo a alocação de agentes de crédito nesses espaços. Em contrapartida, cada fórum territorial deve fornecer uma base de apoio à atuação desses agentes, se implicando inclusive no controle social dos empréstimos efetuados. Nessa direção, o Crediamigo Comunidade representa, sem dúvida, um importante mecanismo à disposição dos articuladores territoriais com vistas a deflagrar um processo embrionário de construção de sistemas territoriais de financiamento. Nas palavras do Superintendente do BN responsável pelo Programa, “o Crediamigo Comunidade é um embrião para a constituição de cooperativas de crédito”. Soma-se a isso a iniciativa recente do Banco do Nordeste de estender sua experiência de microcrédito para o meio agrícola por meio do lançamento do Programa Agroamigo. Conforme visto anteriormente, esse novo programa tem por objetivo aprimorar o processo de gestão da modalidade do Pronaf B, que tem registrado em muitos municípios nordestinos o alarmante índice de 30% de inadimplência. A análise desse tema realizada por Abramovay (2008, p.18) revela que a situação não é decorrente de calamidades naturais, a exemplo da seca, mas da difusão, “por parte de organizações e locais, da mensagem de que os créditos 30 serão renegociados e que, portanto, não vale a pena honrar os compromissos assumidos”. Depois de três anos de atuação do Banco do Nordeste nessa modalidade de crédito, aplicando a metodologia de gestão do Crediamigo, a inadimplência do Pronaf B caiu para a casa dos 3,2%. “A grande novidade do Agroamigo é que os financiamentos passam a ser geridos por um assessor de crédito, responsável por uma carteira de projetos e que estabelece uma relação personalizada com cada agricultor beneficiário do Programa” (Abramovay, 2008, p.24). Em relação a esse tema, os fóruns territoriais também podem contribuir no processo em curso, deflagrado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário em parceria com o BN, que tem por objetivo recuperar os níveis de controle do Pronaf B. As experiências brasileiras e internacionais na área do crédito são elucidativas para se afirmar que comportamentos oportunistas, a exemplo do que vem ocorrendo com o Pronaf B em alguns municípios nordestinos, retardam e, no limite, inviabilizam a construção de sistemas financeiros territoriais sólidos e controlados socialmente14. Por fim, cabe destacar a difusão desigual do Crediamigo entre os estados nordestinos. Desconsiderando o Distrito Federal e os dois estados da região Sudeste (ES e MG), na ponta superior de todos os principais indicadores do Programa encontra-se o Ceará, enquanto o Sergipe registra os menores resultados, a saber: quase 90 mil contra 13,6 mil clientes ativos em dezembro de 2007; cerca de um milhão de operações e R$765,7 mil acumulados contra 225,5 mil operações e R $175,2 mil acumulados entre 1998 e 2007 (ver Gráfico 6 e Gráfico 7). É claro que nesse tipo de análise o peso da população total de cada estado influencia na maior ou menor incidência do Programa. No entanto, se o propósito é auferir maior equidade territorial e aumentar a incidência do Crediamigo nas zonas rurais é preciso “politicamente, a ser desigual para compensar as desigualdades” (Pisani, 1994). Gráfico 6 - Quantidade acumulada de operações do Crediamigo por UF (1998 – 2007) 998.550 542.110 5. 5 447.741 22 341.777 354.053241.814 3 149.641 2.621 3.787 AL BA CE 5 448.366 244.653 DF ES MA MG PB PE PI RN SE Estados Fonte: Banco do Nordeste – Crediamigo. Tal postura resulta nos conhecidos problemas de risco moral abordados no tópico 1.1.1.2 deste estudo. 14 31 Gráfico 7 - Valores desembolsados acumulados do Crediamigo por UF - R$ mil (1998 -2007) 765.756,3 542.045,3 22 9 1. , 01 473.680,6 4 355.395,6346 268.357,3 156.72 .4 23 ,0 19 3 8.2 7 17 5.2 42 4.272,24.721,1 AL BA CE DF ES MA MG PB PE PI RN SE Estados Fonte: Banco do Nordeste – Crediamigo. A redução dessa distribuição desigual representa outro desafio a ser assumido pelos atores sociais implicados na promoção do desenvolvimento territorial sustentável. Em síntese, pelo menos três medidas imediatas poderiam ser negociadas pelos representantes territoriais e a direção do Banco do Nordeste: i) ruralização do Crediamigo por meio da alocação de agentes de crédito, que passariam a atuar de forma mais intensa nos municípios interioranos em parceria com os fóruns territoriais. Nessa operação, uma ênfase especial seria dada à difusão do Crediamigo Comunidade, que na experiência do Grameen Bank é fundamentalmente rural; ii) aprofundamento do Agroamigo associado à uma força tarefa territorial de redução da inadimplência da modalidade do Pronaf B; iii) intensificação do Crediamigo para os estados nordestinos menos beneficiados pelas distintas modalidades desse programa. Com isso, acredita-se que, no médio prazo, muitos territórios nordestinos terão um acúmulo de boas práticas e, por conseguinte, de capital social relacionado ao tema do crédito. Essa experiência acumulada e, consequentemente, um contingente de atores capacitados também fortalece a proposta de estruturação de cooperativas de crédito rural, consideradas neste estudo uma organização que avança na construção de sistemas de financiamentos territoriais. 2.2O COOPERATIVISMO DE CRÉDITO SOLIDÁRIO 2.2.1 Antecedentes Diante do quadro institucional e legal, vários autores sugerem que o cooperativismo de crédito seja a referência mais promissora para se popularizar as finanças no Brasil (Cazella, 2002a; Abramovay, 2003; Bittencourt, 2003; Búrigo, 2006c). Além de ser uma sociedade de pessoas e não de capital, a cooperativa de crédito é a única organização legalmente autorizada (além dos bancos) a captar depósitos (poupança) – um dos instrumentos chaves para se dinamizar a economia local. Para se ter idéia da importância que as cooperativas de crédito detêm em vários países desenvolvidos pode-se citar o caso da Alemanha. Nesse país perto de 15% da 32 movimentação financeira é intermediada por organizações cooperativas – são aproximadamente 33 mil pontos de atendimento que servem mais de trinta milhões de clientes (para uma população total estimada em 82 milhões de pessoas). Além do peso real que as cooperativas de crédito representam na economia, sua existência exerce um papel fundamental na regulação do mercado financeiro nacional e como contraponto diante do efeito concentrador formado pela globalização do mercado bancário. Mesmo que sua presença venha aumentando nas últimas décadas, nota-se que as cooperativas de crédito ainda não se tornaram uma alternativa frente à expansão dos sistemas bancários privados no Brasil. Em dezembro de 2007, as 1.462 cooperativas de crédito brasileiras e seus 2.621 postos de atendimento cooperativo (PAC) atendiam somente 3,5 milhões de associados. Juntas, essas organizações representavam 2,3% do patrimônio líquido, 1,3% dos ativos totais, 1,3% dos depósitos e 2,1% das operações de crédito do segmento bancário 15 (Soares; Melo Sobrinho, 2008, p.122). Apesar de sua escala micro, quando comparadas com os valores que circulam no mercado financeiro nacional, as cooperativas de crédito brasileiras têm efeitos objetivos na vida das famílias que elas beneficiam, como também reforçam a capacidade e a possibilidade de se desenvolver iniciativas financeiras junto a atores sociais tradicionalmente marginalizados em uma sociedade tão marcada pelas desigualdades. Todavia existe uma distância a ser vencida para que essas intenções e projetos se traduzam em mais resultados concretos em termos de participação no mercado. É provável que uma multiplicação da participação atual, situada em torno dos 2%, para um patamar próximo de 10% significaria um importante incremento da concorrência no setor bancário brasileiro. Isso poderia, via o efeito nivelador, melhorar o acesso e a qualidade dos serviços financeiros e levar a uma redução de seus custos para os consumidores em geral. Tal fenômeno já é observado em muitos mercados financeiros locais, onde a presença das cooperativas de crédito leva os bancos a diminuir suas tarifas e a melhorar o atendimento aos clientes. Entretanto, depois de uma fase de forte crescimento, que perdurou aproximadamente uma década e meia (1992-2006), na qual o setor demonstrou grande capacidade para se reerguer frente ao processo de estagnação vivenciado nos anos da ditadura, nos últimos anos o cooperativismo de crédito nacional voltou a se expandir em ritmo lento16. Esse recuo na taxa de crescimento é relativo, pois ocorre quando comparado com o poderio dos bancos e não acontece com tanta força nas regiões economicamente mais dinâmicas. Nesses locais, aliás, os sistemas continuam se fortalecendo, principalmente em número de pessoas atendidas e de agências. Ele é mais significativo – e, portanto, mais preocupante – em zonas afastadas desses pólos, ou seja, afeta territórios onde os serviços financeiros continuam apresentando, em geral, uma baixa qualidade e reduzida capacidade de inclusão social. O Banco Central contempla na “área bancária” os bancos múltiplos, comerciais, Banco do Brasil, Caixa Econômica Estadual e Federal, os bancos de desenvolvimento e as cooperativas de crédito. 16 De acordo com técnicos do Banco Central, atualmente esse crescimento está aquém do que se observa na grande maioria das regiões do mundo – a taxa de crescimento do setor dentro do mercado bancário nacional é superior apenas ao encontrado em países da Oceania e Ásia Central. 15 33 Seguindo o perfil do desenvolvimento econômico nacional, o cooperativismo de crédito brasileiro também não está bem distribuído geograficamente. As regiões Sudeste e Sul apresentam um percentual maior de cooperativas em relação ao tamanho de sua população, enquanto no Norte e Nordeste esta participação é relativamente muito inferior. Com efeito, em 2007 as cooperativas de crédito do Sul foram responsáveis por 5,3% das operações de crédito e por 5,6% dos depósitos realizados no âmbito do Sistema Financeiro Nacional (SFN), enquanto no Nordeste essa participação foi, respectivamente, de 1,2% e 0,7% (Soares; Melo Sobrinho, 2008, p.121). Sobre esse aspecto cabe destacar que, embora, o esforço recente do governo federal venha conseguindo ampliar os níveis de inclusão bancária em muitas zonas desfavorecidas, a simplicidade dos serviços e produtos disponíveis normalmente não atende as necessidades dessas regiões sob o prisma do desenvolvimento. Não obstante esse quadro de avanços e limitações verifica-se a existência de vários sistemas cooperativistas de crédito no Brasil, o que revela distintas inspirações e diferenças em termos de concepção ideológica, arranjos institucionais e modelos gerenciais. A Ilustração 3 apresenta uma visão sumária do setor. Ilustração 3 - Organograma simplificado do cooperativismo de crédito do Brasil (2007) Sistemas de cooperativas de crédito no Brasil Sicoob Unicred Bancoo centrai centrai b s s singular es singular es Centrais e singulares independentes* Sicredi Bansicredi centrai s singular es Ancosol (rede)** centrai s singulare s singular es * as organizações independentes foram aqui agrupadas apenas para fins didáticos; ** a Ancosol representa suas filiadas em determinados aspectos. Fonte: Búrigo (2006c) Dos quatro maiores sistemas, três são baseados em estruturas cooperativas mais próximas de uma cultura bancária, pois norteiam sua atuação numa lógica de profissionalização gerencial e concentração de recursos visando ganhos de escala. Dois desses, o Sistema de Cooperativas de Crédito do Brasil (Sicoob) e o Sistema de Crédito Cooperativo (Sicredi), possuem seus próprios bancos cooperativos e o terceiro, o Sistema Unicred Brasil (Unicred) – ligado aos profissionais da saúde –, ainda não se decidiu pela criação do seu. Historicamente, a atuação do Sicoob e Sicredi em regiões rurais se deu no seio das disputas pelo mercado do agronegócio e dos produtos gerados pelos agricultores familiares mais capitalizados. A opção levou-os a não priorizar uma ampliação 34 horizontal de sua estrutura, de modo que pudesse atender comunidades ou públicos distantes desse circuito. Provavelmente, tal escolha e a incorporação de características bancárias, aliadas aos processos de verticalização (gestão piramidal e concentrada em centrais e cooperativas de grande porte), desencorajaram o aparecimento de mais cooperativas de crédito no país, bem como enfraqueceram as possibilidades do cooperativismo tradicional fomentar inovações em termos de governança e desenvolvimento econômico e social. Além desses três grandes sistemas, ganhou força nos últimos anos o Sistema das Cooperativas de Crédito Rural com Interação Solidária (Cresol). A quarta posição do Sistema Cresol dentro do cenário cooperativista nacional representa também a consolidação de um novo modo de funcionamento de cooperativas de crédito no Brasil, denominado por Pinho (2004) de “vertente solidária”. Pela definição adotada neste estudo, uma cooperativa solidária é aquela que não se preocupa apenas em obter benefícios para o seu quadro social, mas procura estender a sua ação ao máximo de pessoas que integram aquele segmento, como também fortalecer seus aderentes em outras dimensões (social, cultural, política, etc). A cooperativa solidária depende, portanto, de uma forte integração na realidade local para alcançar e manter sua legitimidade e dar cumprimento a sua missão estratégica (Búrigo, 2006c). 2.2.2 A rede Ancosol A Ancosol foi constituída em 23 de junho de 2004 com o objetivo de articular, integrar e representar as organizações do cooperativismo de crédito de economia familiar e solidária do Brasil. A Associação resulta do desdobramento do Fórum Nacional de Cooperativismo de Crédito de Economia Familiar e Solidária, concebido em 2001 pelas mesmas organizações que depois fundaram a Ancosol. Desde a sua criação, a Associação procurou se configurar como um espaço de articulação não apenas das cooperativas de crédito solidárias, mas também das redes sociais que atuavam em torno do tema no Brasil17. Atualmente, as redes cooperativas que participam da Ancosol são as seguintes: Cooperativa Central de Crédito e Economia Solidária (Ecosol); Cooperativa Central de Crédito Rural com Interação Solidária (Cresol Baser); Cooperativa de Crédito Rural de Interação Solidária (Cresol Central); Associação das Cooperativas de Apoio a Economia Familiar (Ascoob); Cooperativa de Crédito Rural dos Pequenos Agricultores e da Reforma Agrária (Crehnor). São também filiadas as cooperativas “solteiras” vinculadas aos sistemas Creditag e Integrar, já que ambos não possuem ainda sua central. A Tabela 3, a seguir, apresenta dados sobre a estrutura das associadas da Ancosol no final de 2007. Integram o Conselho Consultivo da Ancosol as seguintes entidades: Agência de Desenvolvimento Solidário da Central Única dos Trabalhadores (ADS/CUT), Associação de Orientação às Cooperativas do Nordeste (Assocene), Centro de Estudos do Trabalho e de Assessoria aos Trabalhadores (Cetra CE), Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Departamento de Estudos Sócio Econômicos Rurais (Deser), Movimento de Organização Comunitária (MOC - BA) e a Visão Mundial. 17 35 Tabela 3 – Informações sobre as organizações integrantes da Ancosol (Dez 2007) Sistema / Central Número de Número de Número de Número de Patrimônio Singulares PAC Funcionários Associados Líquido (R$) CRESOL BASER 73 40 395 50.885 63.795.000,00 CRESOL CENTRAL 51 36 269 46.474 35.086.934,00 CREHNOR 7 46 119 32.663 17.486.755,13 ECOSOL 20 12 42 11.358 3.997.007,00 ASCOOB 10 26 185 41.864 9.416.014,11 INTEGRAR* 6 1 4 1.170 96.998,14 CREDITAG* 16 0 30 4.209 929.798,11 TOTAL 183 161 1044 188.623 130.808.506,49 * sistema que não possui central de crédito. Fonte: Ancosol, cooperativas e centrais; adaptado pelos autores. A evolução das cooperativas solidárias brasileiras é significativa sobretudo quando se analisa que, em 2001, o então Fórum contava com 58 cooperativas singulares, dezessete Postos de Atendimento Cooperativo (PAC) e apenas uma central de crédito. Nos últimos cinco anos, o patrimônio líquido administrado pelos sistemas solidários saltou de dezesseis para quase 131 milhões de reais. Vale frisar que grande parte do crescimento da rede Ancosol se deu por meio das duas centrais do Sistema Cresol presentes nos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Em relação ao Nordeste, o sistema Ascoob (BA) é o que mais tem avançado em termos de expansão e de adoção de tecnologias sociais de gestão semelhantes às existentes na região sul. 2.2.3 Um exemplo de boa governança: Sistemas Cresol As lutas populares por mais crédito para a agricultura familiar e pela redemocratização políticas no país, desencadeadas nos anos 1980, acabaram gerando um ambiente social e econômico suficientemente capaz para suplantar resistências e oferecer sustentação política suficiente à instalação de um novo modelo de cooperativismo no Brasil. Analisando-se o fenômeno sob a perspectiva do desenvolvimento pode-se dizer que os fundadores das cooperativas de crédito alternativas em Santa Catarina e, também, das primeiras Cresol no Paraná conseguiram mudar os paradigmas e visões arraigadas, então existentes, obtendo sucesso em sua tentativa de orientar a mobilização produzida pelos movimentos populares e sindicais rurais para a criação de novas institucionalidades e organizações coletivas de cunho socioeconômico. Com apenas doze anos de funcionamento, o Sistema Cresol já está presente em quase quinhentos municípios dos três estados do sul. A grande maioria desses municípios situa-se em zonas tipicamente rurais: possuem menos de vinte mil habitantes, contam com forte presença de atividades agrícolas e reúnem uma população rural superior à média da região sul. A importância do Cresol para este estudo se dá também pelo fato dele estar servindo de modelo para a estruturação das demais redes de cooperativas de crédito solidárias no Brasil. Nesse sentido, não se pretende apresentar exaustivamente o processo histórico do Sistema, mas 36 destacar alguns aspectos, como a capacidade de formação de arranjos institucionais favoráveis e a obtenção de sinergias com as políticas públicas. Uma das características mais marcantes do Sistema Cresol é sua capacidade de criar inovações na governança, ao mesmo tempo em que preserva os vínculos sociais e o atendimento de seu público prioritário. Os esforços para a criação de modelos de gestão diferenciados em relação ao conhecimento existente no cooperativismo brasileiro foram elementos decisivos para que os Sistemas pudessem atuar com públicos tradicionalmente excluídos dos bancos e das cooperativas tradicionais, porém mantendo padrões mínimos de prudência econômica e zelo financeiro. Um exemplo desse tipo inovação, e que tem exercido influência direta na democracia interna e na eficiência administrativa, são as bases regionais de serviço. Embora não sejam reconhecidas juridicamente pelo Banco Central – pois funcionam como cooperativas centrais de serviços e não de crédito –, tais estruturas reúnem cooperativas de crédito de uma mesma área geográfica. Essas bases dão coesão e agilidade ao Sistema, diminuindo seus custos operacionais, aproximando suas diferentes instâncias e fortalecendo a representação das singulares nos órgãos de cúpula do sistema18. Desde o seu surgimento, em 1995, os aprimoramentos do Sistema Cresol na governança são implantados juntamente com processos de estímulos à participação social e suas históricas ligações com os movimentos sociais do campo, sindicatos, ONG, associações comunitárias, etc. Essa estratégia de regulação tem conseguido consolidar um arcabouço gerencial capaz de oferecer recursos humanos adequados às necessidades das cooperativas existentes e comportar a entrada de novas filiadas. Em relação à participação vale registrar que, no segundo ano de atuação, o Cresol tomou a decisão de transferir o gerenciamento cotidiano das cooperativas aos agricultores que fossem eleitos dirigentes, dispensando a figura do gerente. A opção fez com que o Sistema tivesse que desenvolver um grande esforço no campo da formação, visto que a grande maioria de seus associados (agricultores familiares) tinha apenas o ensino fundamental. Por outro lado, a medida se revelou fundamental em termos de autonomia e de controle de custos administrativos, pois permitiu que centenas de lideranças e filhos de agricultores assumissem cargos administrativos e o controle direto de suas próprias organizações. A proposta de colocar um agricultor familiar, em geral pouco escolarizado, como gestor de uma cooperativa de crédito representou na época uma decisão de risco. A opção se mostrou, no entanto, um sucesso ao longo do tempo. As lideranças verificaram que as cooperativas de crédito poderiam crescer num ritmo que se ajustasse a própria capacidade de aprendizado. Ou seja, o ritmo de crescimento adotado levou em consideração o tempo necessário para seus dirigentes incorporar conhecimentos técnicos e desenvolver mecanismos de controle apropriados a essa forma de administração. Nesse sentido, o Sistema Cresol construiu uma história muito diferente daquela registrada em grande parte do cooperativismo nacional. Nesse setor, o que se observa geralmente é a presença de um sistema organizacional que afasta a gestão Em função do sucesso dessa experiência, o Banco Central vem recomendando informalmente que os novos sistemas de cooperativas de crédito solidárias do país procurem estruturar bases de regionais, seguindo o exemplo do Cresol. As bases ajudam também a resolver um circulo vicioso que tem dificultado a expansão do cooperativismo em regiões “pioneiras” do país. Nessas regiões a falta de centrais de crédito desestimula a formação de singulares e a ausência dessas inviabiliza a constituição de novas centrais e de novos sistemas. 18 37 das cooperativas de seu público fundador. Isso se dá principalmente quando os balanços melhoram e as organizações passam a exigir conhecimento técnico e formas um pouco mais sofisticada de controle. A prioridade pela rentabilidade econômica e pela tecnocracia em detrimento dos aspectos social e doutrinário empurra essas organizações para a seletividade e para segmentos sociais diferentes daqueles que formavam sua base de apoio original. Desde 2004, as organizações que compõem o sistema Cresol estão agrupadas em duas centrais de crédito19. A primeira (Cresol Baser) tem como sede o município de Francisco Beltrão (PR) e uma área de atuação que cobre atualmente os estados do Paraná e de Santa Catarina. Localizada em Chapecó (SC), a segunda (Cresol Central) foi constituída a partir do desmembramento da Baser. Sua ação abrange as cooperativas localizadas nos estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina20. Os tópicos a seguir oferecem mais detalhes da atuação do Sistema a partir dessas duas unidades. 2.2.3.1Evolução do Cresol Em dezembro de 2007, a Cooperativa Central de Crédito Cresol Baser possuía 73 singulares filiadas e quarenta PAC. Tendo perto dos sessenta mil associados, o Sistema conta ainda com o apoio de milhares de dirigentes, centenas de agentes comunitários e quase quatrocentos funcionários. Integrado por seis bases regionais paranaenses e duas catarinenses, suas unidades cobrem uma área de abrangência de quase duzentos municípios21. A Tabela 4 descreve a evolução de alguns indicadores da Cresol Baser, entre 2004 e 2007. Até 2000, o Sistema Cresol não possuía nenhuma cooperativa central, sendo sua gestão efetuada legalmente por meio das cooperativas singulares e por uma coordenação informal estruturada via as bases regionais. Sua primeira central de crédito (Cresol Baser) foi constituída oficialmente em 2000, depois que o Banco Central conseguiu convencer as lideranças sobre a importância estratégica que a medida teria no ordenamento e crescimento do Sistema. A resistência inicial de muitos membros do Cresol se baseava no que eles observavam no cooperativismo tradicional. Ou seja, temiam que a criação de uma central concentrasse demasiadamente o poder político e gerencial. Depois de alguns anos, consultas informais sobre a questão não apontam que esse fenômeno tenha ocorrido. Por outro lado, a criação das centrais foi uma medida salutar para ampliar a capacidade do Sistema. 20 O elevado número de filiadas, a filosofia da descentralização que rege o Sistema e algumas diferenças de concepção foram os principais fatores que induziram à criação da segunda central. A atuação simultânea das duas centrais no estado de Santa Catarina foi o mecanismo encontrado pelos dirigentes para equacionar os dilemas que surgiram durante o processo de desmembramento. Sobre a constituição dos dois Sistemas Cresol ver Búrigo (2006). 21 Até agosto de 2008 existiam 75 singulares e 51 PAC. A meta era abrir mais 32 PAC até o final deste ano. 19 38 Tabela 4 - Evolução dos indicadores do Sistema Cresol Baser - R$ mil (2004 - 2007) Indicadores / ano 2004 2005 2006 1. COOPERATIVAS 2. ASSOCIADOS 3. PATRIMÔNIO 4. DEPÓSITOS 5. CARTEIRA LÍQUIDO A VISTA E A PRAZO DE RECURSOS PRÓPRIOS 6. SISTEMA 7. RESULTADO 8. CARTEIRA FINANCEIRO (B.B) FINANCEIRO EM RISCO (31-365 DIAS) 2007 46 59 65 73 27.920 34.340 41.040 50.885 21.780 32.370 48.134 63.795 26.435 33.858 56.162 92.520 28.595 33.873 44.795 81.342 27.383 39.815 61.600 68.915 1.260 1.280 3.112 3.385 1,5% 1,4% 1,0% 1,7%* Fonte: Sistema Cresol Baser; adaptado pelos autores. * Dados de junho. A Tabela 4 indica que o processo de expansão ocorre predominantemente no plano horizontal, mediado pela incorporação de novas singulares. O patamar de 697 sócios por cooperativa, alcançado em 2007 se mantém bem abaixo da média dos demais sistemas cooperativos de crédito brasileiros – dados do Banco Central estimam que em 2007 o Sistema Sicredi possuía 7 mil associados por singular e o Sicoob 1,7 mil. Contrariamente ao que diz a economia de escala e a visão que orienta os sistemas cooperativos verticalizados, a estratégia de funcionamento em rede e de maneira horizontal não tem gerado conseqüências negativas em termos de crescimento econômico (linhas 3 a 7). Ademais, a inadimplência se mantém sob controle, visto que em junho de 2007 o valor da carteira em risco era de apenas 1,7% (linha 8). Por sua vez, a Cresol Central mantém a mesma tendência de crescimento observada na Baser. Em dezembro de 2007, a Cresol Central possuía 51 singulares, 39 PAC, 46,4 mil filiados, sendo que suas unidades abrangiam uma área de quase trezentos municípios no dois estados do Sul. Para dar conta da expansão, a rede do Cresol Central conta com o apoio de quase uma centena de dirigentes liberados, 1.250 agentes comunitários voluntários e mais de trezentos funcionários. Atualmente, a Cresol Central possui três bases regionais em Santa Catarina e duas no Rio Grande do Sul. Além disso, o Sistema tem obtido também alguns indicadores muito positivos em termos de patrimônio líquido, depósitos e resultado financeiro. A Tabela 5 registra a evolução desses indicadores na Cresol Central entre 2004 e 2007. Tabela 5 - Evolução dos indicadores do Sistema Cresol Central - R$ milhões (2004 - 2007) Indicadores / ano 2004 2005 2006 2007 1. COOPERATIVAS 34 42 47 51 2. PAC 12 18 28 39 22.481 29.310 36.415 46.474 11,3 18,8 28,3 38,8 3. ASSOCIADOS 4. PATRIMÔNIO LÍQUIDO AJUSTADO 5. DEPÓSITOS A VISTA 5,7 12,2 13,8 19,6 6. DEPÓSITOS A PRAZO 18,6 33,4 47,2 66,3 48,30 66,50 89,10 156,30 1,02 1,64 2,16 3,42 7. EMPRÉSTIMOS 8. RESULTADO COM RECURSOS PRÓPRIOS FINANCEIRO Fonte: Sistema Cresol Central; adaptado pelos autores. 39 Nos últimos anos, os PAC passam ter mais importância na expansão do Cresol Central. Em decorrência disso a quantidade de associados por singular vem aumentando: entre 2004 a 2007 a média subiu de 661 para 911 associados. Porém, o número se reduz para 516 se forem considerados todos os pontos de atendimento, isto é, as singulares e os PAC existentes no Sistema22. Percebe-se que a adesão ao Sistema Cresol vem crescendo não apenas em termos absolutos – pela entrada de novos associados –, mas também em termos relativos, ou seja, pelo aumento da movimentação financeira do quadro social. O Gráfico 8 demonstra a participação média dos associados das duas centrais nas contas de depósito e patrimônio líquido ajustado (PLA)23 entre 2004 e 2007. R$ Gráfico 8 - Evolução do PLA e dos depósitos do Cresol Baser e Cresol Central dividido pelos sócios (2004 - 2007) PLA / Sócio - Baser 2.000,00 1.800,00 1.600,00 1.400,00 1.200,00 1.000,00 800,00 600,00 400,00 Depósitos / Sócio - Baser PLA / Sócio Central 2004 2005 2006 Ano 2007 Depósitos / Sócio Central Fonte: Sistemas Cresol; elaborado pelos autores. O aumento da captação local e do patrimônio das cooperativas pode ser traduzido como uma ampliação do nível de confiança do quadro social – sabe-se que a confiança é um tipo de ativo considerado chave no funcionamento das instituições financeiras. Por outro lado, como os valores médios são ainda relativamente baixos pode-se deduzir que o Cresol goza de um grande potencial de crescimento também nesse sentido. A boa situação econômico-financeira do Cresol Baser é também confirmada por auditorias externas. Vale a pena registrar as principais conclusões do estudo publicado em junho de 2007 pela Planet Rating, uma empresa internacional especializada em avaliações de organizações microfinanceiras. Dados da Planet indicam que em 2004 a contribuição interna no Cresol Baser representava 58% do total dos repasses efetuados em programas de crédito; e em 2007 esse valor alcançava os 96%. Isso significa que para cada real tomado emprestado, as cooperativas dessa central já conseguem coletar praticamente o mesmo valor junto às comunidades em que atua. O estudo atribuiu nota B com tendência positiva ao Cresol Baser, suplantando a nota C+, com tendência neutra que o Sistema obteve na investigação anterior Em setembro de 2008, a Cresol Central já contava com mais de 50 mil associados, 56 cooperativas singulares e 59 PAC (Cresol Central, 2008). 23 Para se obter o PLA soma-se o patrimônio líquido às receitas da cooperativa, subtraído às despesas da mesma em um determinado período. O PLA é empregado na avaliação do grau de endividamento, capacidade de repasse, etc. (Bittencourt, 2001). 22 40 realizada em 2003 pela mesma organização. Ou seja, tendo como referência o padrão internacional das microfinanças, a análise do Planet afirma que o Cresol Baser apresentou uma evolução favorável durante o período de 2004 e 2007, adotando procedimentos bem desenvolvidos e eficientes que geraram boa perspectiva no longo prazo. Considera, todavia, que algumas melhoras são possíveis de serem realizadas, embora os riscos de longo prazo já estão sendo identificados no planejamento. De acordo com suas recomendações, as possibilidades de expansão do Cresol Baser passam principalmente pela ampliação das suas carteiras de depósitos, confirmando os dados apresentados nas ilustrações anteriores. A Cresol Baser recebeu também um destaque no relatório anual do The Mix Market, organização que reúne dados sobre instituições de microfinanças de todo mundo. O relatório, baseado em informações do ano de 2007, coloca a Central Cresol Baser na 21ª posição no ranking das maiores instituições de microfinanças da América Latina e do Caribe. O crescimento do Cresol foi considerado o mais expressivo entre as trinta primeiras no ranking das maiores instituições de microfinanças da região – no ano anterior a Cresol aparecia na 28ª posição. Além disso, o Cresol Baser aparece em 6º no ranking de eficiência no crédito abaixo de U$ 500 (Cresol Baser, 2008). 2.2.3.2Construção do arranjo institucional A capacidade de atuação dos sistemas Cresol (Baser e Central) pode ser compreendida somente quando se tem em conta os acordos e parcerias que essas organizações mantêm com o meio social. Nesse sentido, uma das marcas mais importantes dos Sistemas é ter conservado seus vínculos históricos com os movimentos sociais e organizações de representação dos agricultores familiares. Suas relações nesse espectro envolvem principalmente ONG, sindicatos dos agricultores familiares, associações e cooperativas de produção agropecuárias. Por outro lado, a trajetória desses sistemas confirma que uma organização financeira de proximidade precisa ter flexibilidade e capacidade de negociar as demandas sociais para poder se manter coerente com seu arranjo institucional, mas também ter firmeza de propósitos (os recursos são da comunidade e não podem ser mal aplicados). As contradições de interesses que surgem entre os desejos pessoais e coletivo e entre as organizações econômicas e as sindicais ou políticas precisam ser equacionadas para não se romperem os vínculos que dão sustentação à toda rede o que, no final das contas, diminuiria a capacidade de apoiar o público que é a razão do trabalho de todas essas organizações. Para viabilizar seu funcionamento, além dos vínculos com entidades locais, as duas centrais Cresol sempre procuraram ampliar as parcerias com entes públicos e organizações da esfera privada, dando forma a um arranjo institucional cada vez mais abrangente. As cooperativas Cresol fazem os serviços de compensações de cheques de seus associados por meio de um convênio com o Banco do Brasil (BB), assim como aplicam no Banco boa parte dos recursos financeiros disponíveis e operacionalizam parte significativa dos contratos de Pronaf. Além disso, a Cresol é 41 correspondente bancário do BB, o que serve para aumentar seu portfólio de produtos e serviços24. Além do BB, a Cresol Baser e Cresol Central mantêm acordos de cooperação com diversos bancos públicos e privados. Na esfera oficial, as alianças se dão com o Banco Regional de Desenvolvimento (BRDE) e com o BNDES. Com o BRDE, o acordo tem sido importante para viabilizar recursos de Pronaf Investimento e outras linhas de crédito. Em relação ao BNDES, além de manter os contratos no Pronaf investimento, no microcrédito (Microsol - PNMPO) e com o Cresolcap (linha de crédito oficial operada pelo Banco destinada ao fortalecimento patrimonial das cooperativas de crédito) as perspectivas são especialmente promissoras em outras áreas. Em 2006, as duas centrais do sistema Cresol conseguiram ser enquadradas como agentes financeiros do BNDES, depois de cinco anos de tratativas. Desde então, os Sistemas começaram a aumentar os volumes de captação, visto que a condição de agente permite efetuar acordos de operação em todas as linhas de crédito do Banco, e de forma contínua. Além disso, como o Banco atua fundamentalmente como agente financiador de segundo piso, a medida eliminou parte dos problemas observados quando o Pronaf Custeio era operado exclusivamente via recursos do BB: a falta de opções de acesso enfraquecia o poder de barganha dos Sistemas junto à Direção desse Banco. Ademais, em algumas regiões as relações entre as singulares dos Cresol e as agências do BB estão desgastadas pelo acirramento da concorrência entre ambos no mercado financeiro local. Nos últimos anos, as parcerias dos sistemas Cresol se fortaleceram também junto à rede bancária privada, principalmente por intermédio de acordos para operar recursos do Pronaf oriundos da exigibilidade bancária – os primeiros acordos nesse sentido foram com os bancos Safra e Bradesco. Os sistemas Cresol conseguiram firmar outro convênio junto ao Bansicredi, o banco do sistema cooperativo Sicredi, para viabilizar suas contas de reservas bancária e operações de seguro agrícola. Desde 2004, os sistemas Cresol sustentam acordos de cooperação com a Caixa Econômica Federal (Caixa) e com Ministério das Cidades, para operar os projetos de crédito habitacional, que estão ligados ao Programa de Subsídio a Habitação de Interesse Social (PSH). Para reforçar essa iniciativa, as singulares do Cresol Baser estão conseguindo firmar convênios com as agências da Caixa visando liberar recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Esses valores são destinados a um fundo de caução coletiva que avaliza os financiamentos de moradias rurais dos associados25. Por outro lado, para aumentar os contratos nessa Nos últimos anos, as pautas das reuniões entre os Sistemas e a direção do BB vêm se modificando gradualmente. Estão centradas menos no volume e dificuldade de acesso dos recursos disponibilizados às cooperativas – ainda que as amarras burocráticas relacionadas especialmente às liberações do Pronaf continuam presentes – e mais nas altas taxas cobradas pelo BB em seus serviços, pelas freqüentes mudanças dos sistemas informáticos de controle, e pelo baixo valor pago pelo Banco como retribuição aos serviços efetuados pelos sistemas Cresol em torno do Pronaf. Vale dizer ainda que desde 2004, as negociações dos recursos de crédito oficial dos Cresol e demais sistemas solidários brasileiros são conduzidas de forma coletiva, por meio da direção da Ancosol. 25 De acordo com o presidente de uma cooperativa singular “ações como essas são muito importantes para o associado da [cooperativa] Cresol. Ao mesmo tempo em que financiamos uma casa, conseguimos com isso evitar o êxodo rural, aumentar a auto-estima das famílias e elevar o padrão de vida dos agricultores familiares” (Depoimento de dirigente do Cresol). 24 42 área, o Cresol Central firmou um convênio com o Banco do Estado do Rio Grande do Sul (Banrisul). O bom funcionamento dos sistemas Cresol deve-se igualmente ao amplo leque de alianças que vêm construindo com organizações não-financeiras. Na área da assistência técnica, possuem laços antigos com o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), Ministério da Agricultura e com as empresas estaduais de extensão rural. Em algumas regiões, essas ações ganham o reforço de técnicos de prefeituras, cooperativas de produção e de prestação de serviços e de ONG. Na área da cooperação internacional os Sistemas mantêm também laços importantes. A Cresol Baser preserva suas tradicionais ligações com organizações como a Trias da Bélgica, Misereor da Alemanha e Rabobank da Holanda. O convênio com a Trias disponibiliza, por exemplo, técnicos e recursos financeiros para o Cresol Baser desenvolver um programa de inclusão social direcionada às famílias rurais em situação de pobreza extrema. O apoio do banco cooperativo holandês à Cresol Baser existe há oito anos e vem viabilizando o desenvolvimento de sistemas de controle e gestão nas cooperativas singulares, como auditoria, matriz de gestão e ranking, além da criação de novos produtos para atender a demanda do quadro social26. Observa-se, no entanto, que o tema da assistência técnica aos agricultores é uma questão não bem resolvida. As tentativas de criação de cooperativas de serviços nessa área têm avançado numa velocidade menor do que se imaginava inicialmente e, com raras exceções, os órgãos de governo continuam revelando seu despreparo para atender a demanda, tanto em termos quantitativos, quanto em termos qualitativos. O desenho institucional da assistência técnica voltada à agricultura familiar não conseguiu se ajustar à realidade produtiva atual. Há descompassos e incompreensões relacionados às atribuições e competências, seja entre as esferas públicas de âmbito federal, estadual e municipal, seja na relação dos órgãos públicos com as organizações privadas e cooperativas que atuam nessa área. 2.2.3.3Ações de formação e de educação cooperativista No campo educacional as ações conjuntas dos sistemas Cresol com outras entidades são também interessantes quando analisadas sob a ótica do desenvolvimento. Com a tutela da Universidade de Passo Fundo a Cresol Central realiza cursos de políticas públicas e de gestão direcionados aos dirigentes e funcionários. Nesses cursos estão sendo oferecidos títulos de pós-graduação ou de especialização pós-médio, dependendo do nível de escolaridade do aluno. Por meio do seu Instituto de Formação do Cooperativismo Solidário (Infocos), a Cresol Baser firmou convênios com a Escola Técnica da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e com a Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste). Com a UFPR está em andamento um curso à distância sobre desenvolvimento e gestão O banco cooperativo Rabobank – Cooperatieve Raiffeisen Boerenleenbank – foi fundado em 1972, baseado nos ideais de um dos maiores precursores do cooperativismo de crédito, o alemão Friedrich Raiffeisen. O modelo concebido de Raiffeisen foi implantado em meados do século XIX, em várias partes da Alemanha, e depois reproduzido em outras regiões da Europa. 26 43 cooperativista. No segundo semestre de 2007, a Cresol Baser começou a organizar, também com apoio do Infocos, um curso de especialização em parceria com a Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), unidade de Francisco Beltrão. O curso se desenvolve em módulos e tem uma carga de aproximadamente quatrocentas horas. O Infocos vem auxiliando ainda na formação de dirigentes das novas cooperativas por meio do projeto denominado “cooperativa escola” e nos desdobramentos de ações que o Cresol Baser realiza com objetivo de apoiar a expansão do cooperativismo solidário no país. O Infocos é responsável, por exemplo, pelas atividades de capacitação inseridas no acordo firmado pela Cresol Baser e o Serviço brasileiro de apoio as micros e pequenas empresas da Amazônia, cujo objetivo é prestar assessoria técnica e operacional à implantação da Rede de cooperativas de crédito rural solidárias na região do Alto Solimões (rede Solicred)27. 2.2.3.4Serviços financeiros e linhas de crédito Apesar de já contar com um leque diversificado de receitas, são as diferentes rubricas de crédito as que produzem ainda as principais fontes financeiras do Cresol28. Nos últimos anos, os portfólios dos sistemas Cresol vêm sendo constantemente ampliado para atender as necessidades financeiras das pessoas físicas e empresas de pequeno porte associadas. Atualmente, os Sistemas Cresol disponibilizam os seguintes produtos e serviços financeiros: conta corrente, depósito à vista, depósito a prazo cooperativo, talão de cheques, seguros, consórcios, recebimento de benefícios e pagamento de contas de água, luz, telefone e títulos, linhas oficiais do Pronaf e do PNMPO, Proger e para a habitação rural, financiamentos rurais com recursos próprios, empréstimos pessoais e para pessoas jurídicas, microcrédito, créditos para aquisição e reforma de veículos e de eletro eletrônicos, reforço do capital social (Cresol Capi e Procapcred) e serviços relativos às suas ações como correspondentes bancários do Banco do Brasil. Para se adequar às necessidades financeiras, além dos portfólios padrão dos Sistemas, as cooperativas singulares desenvolvem alguns produtos e serviços específicos, sempre respeitando as regras gerais do sistema financeiro e das normas do setor cooperativista. Embora a maioria dessas ações seja relevante na ótica do desenvolvimento territorial, algumas delas merecem registro especial para os objetivos deste estudo. Nos últimos anos, a Cresol Baser vem investindo na criação de um cartão de crédito e no desenvolvimento de produtos ligados aos seguros populares, uma atividade que tem ainda grande espaço de crescimento no Brasil. Nas operações com cartão, os Cresol estão procurando desenvolver um sistema alternativo para fugir dos altos custos das operadoras tradicionais. Essa aliança baseia-se na formação de acordos com redes comerciais locais e sistemas inovadores de controle. Os primeiros passos dessa experiência foram coordenados por Fábio Luiz Búrigo e estão relatados no final deste trabalho (ver anexo 2). 28 De acordo com o Planet Rating (2008), os repasses de recursos externos representam 57% do financiamento do Sistema, sendo o restante composto por rendas geradas nos depósitos a prazo e à vista dos cooperados (21% dos ativos), patrimônio líquido (16%) e outros passivos (7%). 27 44 No crédito rural oficial, além do Pronaf (que será visto adiante), os sistemas Cresol têm conseguido viabilizar liberações de Proger Rural. Essa linha alcança valores significativos em algumas cooperativas. Com ajuda de recursos próprios das cooperativas, os associados podem completar empréstimos obtidos por meio das verbas oficiais ou financiar integralmente projetos novos. Existem igualmente modalidades para estimular a (re)conversão de sistemas produtivos convencionais para base tecnológica agroecológica e recursos de investimentos para o beneficiamento, processamento e comercialização da produção agropecuária, florestais e extrativistas e produtos artesanais, visando agregar valor e melhorar a renda familiar. Há ainda linhas para o pré-custeio e para complementação dos projetos financiados com recursos enquadrados ou não no crédito oficial. A partir de 2008, a linha Rural Fácil, criada pela Cresol Baser, está oferecendo um cartão de crédito especial para o mutuário efetuar compras de insumos e outros produtos necessários junto às lojas credenciadas pela cooperativa. O atraso na liberação dos recursos para a safra, em função de problemas burocráticos que os agentes financeiros, como o BB, prejudica muitas regiões em que o período de plantio precisa ser respeitado sob pena de haver prejuízos importantes na produção. Essa é uma das dificuldades mais antigas do sistema de crédito rural nacional, que as cooperativas dos Sistemas Cresol começam a contornar com a nova modalidade de financiamento. Uma ação que fortalece muito o papel de agente de desenvolvimento das cooperativas de crédito dos sistemas Cresol são os projetos do crédito habitacional rural. Atualmente, os sistemas Cresol operam duas linhas nesse sentido: a primeira ocorre com apoio do PSH e financia a construção de moradias novas; e a segunda, denominada de reforma habitacional, foi iniciada em 2006 com recursos do FGTS. Um outro tipo de crédito oferecido pela Baser que merece destaque na lógica do desenvolvimento territorial trata-se da linha “Bem-estar familiar”. Essa linha visa atender necessidades básicas do associado e sua família mediante a comprovação de destinação do recurso. Em geral é um crédito destinado à aquisição de móveis, utensílios, artigos e eletrônicos para uso doméstico, como também no tratamento de saúde (consultas, medicamentos e cirurgias), compra de materiais, mensalidades escolares e para viagens e lazer. Essa linha se alia à destinada à melhoria da qualidade de habitações rurais, na forma de complementação de novas construções e reforma e/ou ampliação de habitações já existentes. Existem outros produtos na área creditícia que apresentam forte impacto em termos sociais e na ótica do desenvolvimento do território. Uma delas, também da Baser, está focada diretamente na área da inclusão social. São beneficiadas famílias com renda bruta anual de até R$ 14 mil de regiões que apresentem baixos índices de desenvolvimento humano (saúde, educação, rentabilidade econômica, relações sociais e falta de documentação). O empréstimo pode ser utilizado para gastos com documentação da família, saneamento básico e produção para autoconsumo (alimentação), manutenção familiar, pequenas reformas em moradias, e custeios e investimento agropecuário. Por fim, se mantém ativa ainda a linha “fundo rotativo”, uma modalidade destinada às propostas inovadoras na área de produção, transformação e comercialização, que sejam efetuadas de maneira associativa, dando-se prioridade para propostas com caráter de inclusão social. 45 2.2.3.5Aplicações de Pronaf Embora nos últimos anos sua presença venha diminuindo em termos relativos, em decorrência de uma ação institucional cada vez mais abrangente e da ampliação dos serviços oferecidos, o Pronaf é ainda o principal produto disponibilizado pelos Sistemas Cresol. Se em 2003 os repasses do Pronaf representavam em torno de 75% dos créditos concedidos, em julho de 2007 eles compunham 69,8 % da carteira total do Cresol Baser (Planet Rating, 2004, p.25; 2008, p.6)29. A consciência política dos agricultores familiares que integravam os movimentos sociais rurais que deram sustentação à criação dos sistemas Cresol, a lógica do mutualismo que sustenta as organizações cooperativas e as experiências de algumas lideranças com o manejo de fundos rotativos foram elementos decisivos para que o Pronaf se tornasse um caso de sucesso no interior dos Sistemas. Esses elementos fizeram com que, desde o início, os principais líderes do Cresol encarassem o Programa como uma política pública de crédito, e não como uma ação paternalista de governo. A postura diminuiu o problema do risco moral, ou seja, evitou que o Programa fosse tratado internamente como um fundo de tipo não-reembolsável, permitindo que as cooperativas construíssem carteiras de empréstimos bem estruturadas, operando com baixos índices de inadimplência e dentro de padrões contábeis e jurídicos recomendados. Apesar do Pronaf nunca ter sido um programa superavitário em termos financeiros para os sistemas, seus dirigentes sempre apostaram na sua massificação junto ao quadro social. Acreditam ser essa a maneira de aumentar o prestígio das cooperativas em termos institucionais e ampliar o seu espaço no mercado financeiro local. Alguns dados comprovam como o Pronaf continua crescendo, preservando sua importância dentro dos Sistemas (ver Gráfico 9). Observa-se que os Sistemas Cresol aplicaram R$ 273,8 milhões de reais no Pronaf em 2007. Nesse ano, na Cresol Baser, o total de contratos de Pronaf chegou a 24,6 mil e as aplicações a R$ 147,7 milhões (R$ 102,7 milhões em custeio e R$ 45,1 milhões em investimento). Na Cresol Central foram disponibilizados R$ 126 milhões em 24,4 mil contratos (R$ 98,2 milhões de custeio e R$ 27,9 milhões de investimento). Nos dois sistemas, a elevação das aplicações ocorre também em termos relativos, o que pode ser percebido quando se divide o total aplicado pelo número de singulares. Enquanto em 2005 a média era de R$ 1,5 milhão por cooperativa, em 2007 o valor chegava a R$ 2,5 milhões. Além dos valores referentes aos repasses, em julho de 2007, a carteira de produtos da Cresol Baser estava assim distribuída: créditos pessoais (13,2%), Cresolcap (7,9%), investimentos com recursos próprios (2,7%), microcrédito (2,5%), custeios com recursos próprios (2,0%), habitação (1,8%) e projetos de inclusão social e conveniados (0,1%) (Planet Rating, 2008). 29 46 Gráfico 9 - Aplicações de Pronaf (investimento e custeio) pelos sistemas Cresol – R$ milhões (1996 - 2007) 300 250 Milhões - R$ 200 150 100 50 0 1996 1997 1998 1999 2000 CUSTEIO 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 Ano INVESTIMENTO Fonte: Cresol; elaborado pelos autores. 2.2.3.6Atividades financiadas As diversas organizações que atuam junto aos associados dos sistemas Cresol buscam formas de apoiar a transformação do modelo de produção convencional, baseado no uso intensivo de insumos químicos, em direção ao uso de práticas agrícolas mais sustentáveis e o aumento da produção orgânica. Contudo, pode-se dizer que os resultados nesse sentido são ainda pontuais, apesar de existirem cada vez mais recursos disponíveis para essas iniciativas. Ou seja, o que se observa é que a capacidade de se gerar inovações no campo técnico-produtivo não acompanha os avanços que a agricultura familiar das regiões atendidas pelos Sistemas Cresol vêm obtendo no campo institucional-financeiro. Assim, os recursos do Pronaf Custeio continuam sendo destinados basicamente para compra de insumos e matérias primas agrícolas necessários para a prática de sistemas produtivos considerados tradicionais. Na maioria dos casos, os recursos do Pronaf são aplicados para o financiamento das culturas do milho, feijão e soja e para atividades com a produção de leite, a criação de frangos e de suínos. O Pronaf Investimento financia a compra de maquinários e gastos com infra-estrutura produtiva das atividades agropecuárias. Numa escala menor e concentrada em algumas regiões as cooperativas dos Sistemas Cresol apóiam culturas como a maçã, banana e outras frutas, alho, soja orgânica, plantas medicinais, frango diferenciado e açúcar mascavo. Há também recursos para empreendimentos ligados ao agroturismo e para a instalação e manutenção de agroindústrias de pequeno porte. Vale registrar que a atividade leiteira vem obtendo grande destaque junto aos agricultores familiares do Sul do Brasil. Seja por meio de cooperativas de produção solidárias, seja de forma individual, o leite tem trazido renda mensal aos produtores, o que lhes permite planejar melhor a vida financeira da família e do empreendimento. Uma pesquisa efetuada recentemente entre os agricultores associados à Cresol Central indicou que mais da metade se dedica à pecuária, e 47 dentro desse grupo 75% adota o leite como produção principal. Aliás, a atividade foi responsável por 51% dos projetos de investimentos aprovados em 2005 no âmbito desse Sistema (Pretto, 2007, p.19) 30. 2.2.3.7Breve análise Após uma década de funcionamento, a decisão de valorizar seus próprios quadros pode ser considerado um dos atributos pelo qual os Sistemas Cresol vêm conseguindo arquitetar um arranjo institucional inovador e eficiente economicamente, mantendo viva a articulação e o foco de atuação nos segmentos sociais que tradicionalmente formaram sua base de sustentação. Por essa ótica, é possível afirmar que suas experiências se tornaram uma referência à formulação de estratégias de financiamento de base territorial, principalmente em regiões rurais onde a agricultura familiar ocupa papel de destaque. Suas trajetórias indicam como se pode efetuar a construção de uma rede financeira em que se estruturam cooperativas de crédito capazes de captar recursos oriundos da poupança local e potencializar verbas de fontes externas. Esses recursos já estão financiando com muita expressividade o desenvolvimento das regiões nas quais as cooperativas atuam, criando uma inédita capacidade de autonomia perante as fontes bancárias tradicionais. No conjunto, as experiências dos sistemas Cresol ratificam a idéia de que as cooperativas de crédito rurais continuam sendo figuras jurídicas extremamente apropriadas para operar programas territoriais de crédito, tendo boa capacidade de pulverizar os recursos públicos e eficiência gerencial para manter níveis baixos de inadimplência. Sua forma de governança indica também como se pode diminuir consideravelmente os problemas decorrentes da seleção adversa e do risco moral. Reconhece-se que esse potencial das cooperativas de crédito solidárias não significa que elas possam abrir mão dos subsídios públicos, como os empregados nas operações de crédito rural para agricultura familiar. A ação das cooperativas de crédito do Sistema Cresol trouxe vantagens como a maior disponibilidade de crédito e outros serviços financeiros aos agricultores familiares; a simplificação e flexibilidade nos critérios de liberação dos financiamentos, reduzindo os custos de transação e facilitando a disponibilidade do crédito em épocas mais oportunas. O estímulo às atividades inovadoras e à gestão compartilhada das cooperativas, bases e centrais garantiu também a consolidação de um modelo gerencial, em que se fortalece o controle social das cooperativas singulares e dos sistemas como um todo. A presença das cooperativas do Cresol garantiu acesso aos recursos de diversas linhas de crédito público, como o Pronaf, PNMPO, PSH e outras. Sua atuação trouxe também garantias de que as verbas desses programas tivessem uma distribuição mais eqüitativa. Fortaleceu igualmente a idéia de que as verbas oficiais não devem ser desviadas para atender pessoas que não sejam enquadradas no universo dos A pesquisa indicou que os recursos do Pronaf continuam sendo aplicados fundamentalmente para financiar culturas anuais, como o milho, feijão e soja e para a produção animal relacionada à pecuária de leite, pecuária de corte, a criação de frangos e de suínos. Realizada no terceiro trimestre de 2006, a investigação abrangeu 1.141 estabelecimentos rurais de associados do sistema Cresol Central, ou seja, 25% dos produtores que receberam Pronaf investimento em 2005. Ao todo, foram entrevistados 546 agricultores do Grupo C, 563 do Grupo D e 32 do Grupo E das regiões de atuação do Sistema (ver Pretto, 2007). 30 48 beneficiários. Mesmo no Sul, onde os níveis de bancarização são mais satisfatórios em relação ao restante do país, o acesso ao Pronaf é ainda um problema não totalmente resolvido, sendo por isso considerado o principal elemento motivador para a expansão das cooperativas solidárias da rede Cresol. As trajetórias dos sistemas Cresol e de outros sistemas solidários demonstram que a relação entre as cooperativas e as linhas de crédito não pode basear-se apenas em esquemas tradicionais, como os utilizados pelo mercado financeiro bancário. É necessário abrir espaço à adaptação, à criatividade e a novas formas de fazer o crédito e a poupança local promoverem o desenvolvimento, com especial atenção para o atendimento dos setores de baixa renda. A chave disso está, muitas vezes, em buscar igualmente soluções para problemas extra-econômicos, pois muitas pessoas continuam distantes dos financiamentos devido a problemas de natureza estrutural que se sobrepõem às questões técnicas ou econômicas. Com se falou, mesmo em regiões mais desenvolvidas do país, o acesso ao crédito do Pronaf se torna sinônimo de uma luta pela cidadania. Cabe destacar que a experiência do Cresol demonstra como programas públicos de financiamento e de apoio ao associativismo, podem estimular a formação de capital social e de organizações econômicas e financeiras no território, fortalecendo os laços de proximidade dessas organizações junto ao seu quadro social. As diversas pesquisas realizadas com os agricultores e dirigentes dos Sistemas Cresol aqui referenciadas, bem como as análises efetuadas pela presente investigação permitem afirmar que, por um lado, essas experiências vêm se aproximando daquilo que se pode definir como empoderamento popular (empowerment); ou seja, a “autoridade ou capacitação (empowerment) refere-se à expansão dos recursos e capacidades das pessoas de tomar parte, negociar, influenciar, controlar e responsabilizar instituições que afetam suas vidas” (Grootaert et al, 2003, p. 21). Por outro lado, observa-se também que as cooperativas não devem ter nas parcerias com as fontes oficiais de financiamento seu único trunfo. Precisam buscar sua autonomia financeira e institucional, visto que muitas vezes as verbas públicas são insuficientes para cobrir os custos das organizações, principalmente quando essas passam a atender um grande contingente de pessoas. As verbas externas representam também grau de incerteza e risco de gerar dependência que não garantam a sustentabilidade das organizações financeiras de base territorial no médio e longo prazo. Para isso se viabilizar são também necessárias alterações no marco legal do cooperativismo, que incluam as cooperativas não filiadas à Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) ao acesso dos recursos compulsórios gerados pelos próprios sistemas via os órgãos de fomento, como é o caso do Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop), uma organização do sistema “S”, que apóia o desenvolvimento do cooperativismo nacional31. A lei cooperativista de 1971 confere à OCB o poder de única mandatária do sistema cooperativista nacional. A constituição de 1988 permitiu o livre associativismo e deu guarida às cooperativas e estruturas de representação, como a Ancosol, que não desejam ser filiadas à OCB. Todavia, vários mecanismos de representação e de controle econômico do cooperativismo continuam sendo regidos pelas estruturas da OCB, em função da legislação em vigor. Em julho de 2008, o Governo Lula enviou ao Congresso Nacional um projeto de lei para estabelecer uma nova legislação. A proposta se encontra ainda em análise. 31 49 Não obstante os avanços, novos desafios se apresentam como resultado dessa reflexão sobre funcionamento dos sistemas Cresol na perspectiva do desenvolvimento territorial. Acredita-se que tenha chegado o momento das cooperativas de crédito colocar seu “patrimônio administrativo a serviço do fortalecimento do tecido econômico das regiões em que atuam e da luta contra a pobreza” (Abramovay, 2004, p.157). Além de servir de referência nacional na utilização de recursos do crédito rural oficial, no empoderamento e na geração de benefícios econômicos e sociais dos agricultores familiares, as experiências dos sistemas Cresol permitem a construção de novos cenários de oportunidades em que se aposte na formulação de novos projetos e serviços financeiros voltados ao desenvolvimento das regiões rurais. Essa condição se deve ao potencial que as cooperativas de crédito solidárias têm revelado em termos políticos e econômicos e como protagonista do desenvolvimento territorial. Em primeiro lugar, as cooperativas de crédito dos Sistemas Cresol não conseguiram alcançar os estratos mais pobres da população, e isso depende de projetos próprios que poderiam contar com o apoio de recursos e outros mecanismos oficiais destinados a esse público. Isso deveria ocorrer, por exemplo, por meio de novas medidas oficias que dessem amparo legal e auxiliassem as cooperativas de crédito a reduzir os riscos, viabilizando as operações dessas organizações junto aos agricultores do Grupo B do Pronaf32. Em segundo, apesar dessas perspectivas, sabese que mesmo as cooperativas Cresol possuem ainda um tipo de intervenção muito setorial e não encaram os colegiados territoriais como espaços privilegiados de construção de projetos de desenvolvimento. Acredita-se que a participação ativa em programas de desenvolvimento territorial deve ser prioridade para quem deseja planejar o futuro e superar uma postura político-institucional calcada em bases setoriais e reinvidicatórias. Nas visitas e entrevistas com dirigentes desses sistemas pouco se ouviu falar de iniciativas de caráter multisetorial e de projetos que tivessem sido planejados em conselhos territoriais ou em fóruns de desenvolvimento e que extrapolassem as esferas comunitárias ou municipais. Embora se acredite que elas já representam um grande avanço em termos sociais e econômicos, a necessidade de integrar políticas públicas e investimentos locais direcionados ao desenvolvimento necessita ter nas cooperativas de crédito uma base de apoio mais propositiva. 2.2.4 As perspectivas de expansão do cooperativismo de crédito no Nordeste: Sistema Ascoob A Associação Ascoob foi criada em 1999 por cinco cooperativas de crédito rural que atuam em regiões do semi-árido e litoral da Bahia. A origem dessas organizações está ligada ao trabalho pioneiro efetuado pelas Comunidades Eclesiais de Base, a partir dos anos 1970 e, posteriormente, pela ação de diversos movimentos sociais e ONG, em que se destacam o Movimento de Organização Comunitária (MOC), as Associações de Produtores Agrícolas do Estado da Bahia (Apaebs), os grupos ligados à Igreja Católica e os Sindicatos de Trabalhadores Rurais. Até o início de 2004, o Pronaf desenvolvia programas de (micro) crédito ligados ao Grupo B apenas nas regiões nordeste e norte, embora existam expressivas parcelas de pessoas que se enquadrariam nesse grupo em outras áreas do país. Durante o ano 2004, o Grupo B começou a ser expandido para outras regiões, mas até 2008 sua participação no Cresol era ainda muito pequena. 32 50 A maioria dos municípios atendidos pelas cooperativas ligadas à Ascoob tem forte tradição agrícola. A limitada rentabilidade das atividades primárias da região exigiu, no entanto, que as cooperativas de crédito diversificassem suas fontes de receitas. Além da movimentação das economias dos agricultores familiares e do pagamento de benefícios sociais aos aposentados do meio rural – nesses dois grupos está a maioria dos associados – foi preciso se aproximar dos setores industriais e de serviços existentes nos municípios em as cooperativas atuavam. Além de apostar no incremento da pluriatividade dos agricultores, as organizações cooperativas passaram a atender pequenos comerciantes e microempresários, sobretudo os que tinham vínculos rurais. Atualmente, as parcerias locais e regionais das cooperativas acontecem com associações de produtores, pólos sindicais, ONG etc.; nos âmbitos nacional e internacional, com ONG da cooperação internacional, órgãos de representação nacional do cooperativismo solidário, ministérios, movimento da economia solidária, entre outros. Em seu processo de expansão, a Ascoob estendeu seu leque de ação de forma direta (via a constituição de singulares e, principalmente, de novos PAC), ou de modo indireto (via a expansão da área de abrangência das cooperativas existentes). Dados de setembro de 2008 indicavam que a Associação Ascoob possuía dez filiadas e 26 PAC em funcionamento. Essa rede de 36 agências atende mais de 45 mil associados residentes em 88 municípios baianos. Os recursos administrados pelas cooperativas Ascoob são da ordem de R$ 70 milhões em ativos, dos quais R$40 milhões são empregados em operações de crédito. A importância dessas organizações na economia local já é considerável: enquanto a média nacional dos depósitos e das operações de crédito está ao redor de 2%, nas praças onde atuam as filiadas da Ascoob respondem por cerca de 9% dos depósitos e por 14% das operações de crédito (Ascoob, 2008). Embora integradas em redes nacionais de cooperativismo solidário, diversas circunstâncias fizeram as cooperativas Ascoob aderirem à Cooperativa Central de Crédito da Bahia (Sicoob Central Bahia) e ao Bancoob. Uma delas foi que, em meados da década de 1990, era praticamente impossível se implantar um sistema independente no Nordeste, em função da falta de quadros e de condições políticas para adotar tal postura. Posteriormente, quando já estavam filiadas ao Sicoob-BA, várias cooperativas da Ascoob tiveram que participar de um processo de auxílio financeiro de sua central, que estava à beira da insolvência. Esse fato, além de aumentar os vínculos financeiros com a o Sicoob Central, trouxe ônus econômicos e políticos consideráveis, pois as cooperativas da rede Ascoob assumiram os rateios de perdas causados por singulares com as quais tinham pouca afinidade política. Aos poucos, boa parte dos negócios das cooperativas se concentrou no atendimento de demandas de crédito de pequenos empresários e de segmentos urbanos das cidades em que operavam. Ainda que fossem fundamentais para manter a sustentabilidade financeira, essa situação criava certo constrangimento político aos dirigentes e colaboradores, face à origem histórica das cooperativas e do fato de que o seu quadro social ser preponderantemente oriundo do mundo agrícola e mais especialmente da agricultura familiar. Ressalte-se que o Sistema Sicoob-BA não tem tradição em trabalhar com segmentos da agricultura familiar e, consequentemente, com o Pronaf. As cooperativas ligadas à Ascoob representavam uma exceção dentro desse sistema. 51 Até alguns anos atrás, para driblar a falta de funding público e a pouca capacidade do Sicoob para atender as necessidades de crédito rural dos agricultores familiares, as cooperativas da Ascoob tiveram que avançar por caminhos pouco tradicionais no cooperativismo de crédito nacional. Fruto de sua capacidade de articulação e inovação, a rede Ascoob conseguiu dispor ao longo do tempo de um leque relativamente grande de linhas de crédito não-oficiais, sobretudo de investimentos. A grande maioria desses empréstimos rurais advinha de fontes externas (verbas oriundas da cooperação internacional) e era operada com taxas de juros abaixo do mercado. Essa situação fez com que os fundos externos acabassem assumindo parcialmente o papel que o Pronaf desempenhou na consolidação de outros sistemas cooperativos solidários. Além do aporte de verbas vindas do estrangeiro destacam-se algumas fontes ligadas aos programas sociais do governo federal. O Prosperar, por exemplo, é derivado de um programa de crédito no qual famílias inscritas no Programa de Erradicação ao Trabalho Infantil (PETI) têm acesso a recursos de investimentos, visando melhorar as propriedades rurais e aumentar a sua renda – os recursos do Prosperar são emprestados pelas cooperativas da Ascoob com taxas de 3% ao ano, sem rebates. Mesmo tendo baixíssima renda, muitos beneficiários do Prosperar ficaram sócios efetivos das cooperativas. Em outros casos, tornaram-se sócios de tipo especial, que só recorrem a elas para receber e pagar os empréstimos. Se com as operações de investimento se conseguia contornar parte da falta de recursos do Pronaf, no custeio a situação era diferente. Até 2004, apenas quatro cooperativas tinham operado com a modalidade de custeio agrícola, todas direcionadas ao custeio pecuário. O Gráfico 10 apresenta a evolução dos montantes de crédito rural aplicados pelas cooperativas da Ascoob, divididos por modalidade, entre 1995 e 2004. Gráfico 10 – Evolução do crédito rural (investimento e custeio ) pelas cooperativas da Ascoob – R $ (1995 - 2004) R$ Milhões 4,0 3,0 2,0 1,0 0,0 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004* Ano Investimento Custeio * dados até o mês de outubro. Fonte: Búrigo (2006c). A falta de prioridade dada ao custeio se deve também ao fato de que os financiadores internacionais, e também as direções e técnicos de algumas cooperativas da região, entendiam que os investimentos eram estruturantes para as propriedades rurais sendo, portanto, mais estratégicos em termos de desenvolvimento. Sabe-se, porém, que o crédito de custeio é fundamental para a agricultura familiar, que se caracteriza por apresentar uma renda sazonal ao longo 52 do ano, além de ter suas necessidades de consumo embricadas com suas atividades produtivas. Ou seja, a agricultura familiar é ao mesmo tempo, uma unidade de consumo e de produção. Ademais, a falta de crédito de custeio pode impedir a formação de cadeias produtivas emergentes, que resultam em novos arranjos produtivos e fortalecem o desenvolvimento econômico regional. Sua oferta é vital também para a montagem de sistemas agroindustriais mais complexos e agregadores de valor. 2.2.4.1Aplicações de Pronaf Até 2005, as cooperativas da Associação Ascoob conseguiram aplicar um volume muito pequeno de recursos de Pronaf. Além do Bancoob, existiam acordos com agências de desenvolvimento que operavam o Pronaf no plano regional e estadual. Mas também nesses casos as cooperativas não conseguiam mobilizar montantes significativos (Búrigo, 2006c). Além dos danos que a falta desse tipo de crédito causava em termos econômicos e produtivos, a situação criava embaraços políticos e institucionais, devido a forte vinculação que a Ascoob e suas filiadas mantinham com os atores sociais do meio rural. Em 2006, quando a Ancosol passou a negociar diretamente parte das demandas de suas integrantes junto a diretorias centrais dos agentes financeiros, as cooperativas da Ascoob começaram a dispor de novas fontes de recursos para o Pronaf (custeio e investimento). Com isso, as cooperativas da Ascoob conseguiram abrir parcerias com o Banco do Brasil, e em menor escala com o Banco do Nordeste, sobrepondo os impasses que a relação com o Bancoob e agentes estaduais impunha em torno dessas fontes de recursos. O acesso às verbas desses dois bancos públicos representou um salto considerável no envolvimento da Ascoob com o Pronaf ( ver Gráfico 11). R$ Milhões Gráfico 11 – Aplicações de Pronaf na Associação Ascoob por modalidade - R$ - (1999 -2007) 4,5 4,0 3,5 3,0 2,5 2,0 1,5 1,0 0,5 0,0 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007/08* Ano Investimento Custeio * Dados referentes à safra 2007/08 (julho de 2007 a junho de 2008). Fonte: Ascoob; elaborado pelos autores. 53 Observa-se que na safra 2007/08, além do volume total de recursos ter ultrapassado os R$ 4,1 milhões, o valor destinado ao custeio aumentou significativamente em termos proporcionais (45,1%). Face aos bons resultados que as cooperativas vêm obtendo na aplicação do Pronaf, os acordos com o BB e BN devem ser ampliados nas próximas safras. O objetivo da Ascoob é que esse crescimento fique próximo ao solicitado pelas cooperativas na safra passada. No caso do BB, o pedido inicial foi de R$ 8,4 milhões e o liberado R$ 3,9 milhões – o restante dos R$ 4,1milhões aplicados foi obtido no acordo com o BN. As novas parcerias da Ascoob comprovaram a baixa capacidade da Central SiccobBA em atuar no crédito rural destinado à agricultura familiar (Pronaf). Mas, além do crédito, a Central não vinha atendendo outras expectativas tais como a criação de um sistema de acompanhamento financeiro que respondesse de modo satisfatório as peculiaridades das cooperativas Ascoob, a oferta de produtos e serviços na área das microfinanças e a realização de programas qualificados de capacitação (Ascoob, 2008). A falta de sintonia institucional se agravou depois que o Sicoob-BA passou a exigir de suas filiadas a adoção de um rigoroso programa de gestão de risco. As metas estabelecidas pela direção da Central nesse programa foram consideradas muito distantes da realidade econômica e financeira de algumas cooperativas da rede da Ascoob. Como tais metas não puderam ser cumpridas no prazo estabelecido, as cooperativas entraram na condição de desenquadradas perante o Sistema. Uma vez que não houve prorrogação dos prazos, a situação levou ao bloqueio do sistema operacional do Sicoob/Bancoob nessas organizações. A medida afetou duramente o cotidiano das cooperativas fazendo com que suas diretorias tivessem que buscar rapidamente meios alternativos para continuar operando no mercado financeiro. Uma das soluções encontradas pela Ascoob, com apoio da Ancosol, foi a efetivação de um acordo com a empresa paranaense fornecedora do sistema operacional utilizado pelas cooperativas Cresol (Coopcred). Outra medida foi a contratação dos préstimos do Banco do Brasil para viabilizar os serviços de compensação de cheques e outras transações bancárias efetuadas por essas cooperativas – esse procedimento é adotado por muitos sistemas cooperativos que não possuem banco próprio, como a Unicred, Cresol e Crehnor. Além das medidas emergenciais e do desgaste político-institucional, a postura do Sicoob-BA introduziu novos ingredientes e mobilizou os dirigentes em torno de um debate antigo dentro da Associação Ascoob: a constituição de uma central de crédito. 2.2.4.2A primeira cooperativa central de crédito solidária do Nordeste: Ascoob Central Depois de um longo processo de avaliação e da elaboração de diversos estudos técnicos sobre a viabilidade da proposta33, em abril de 2008 cinco filiadas da Associação Ascoob constituíram a Cooperativa Central de Crédito da Agricultura Familiar e Economia Solidária da Bahia – Ascoob Central34. A elaboração dos estudos e a tomada de decisão sobre a criação da Central Ascoob tiveram apoio de dirigentes e consultores da Ancosol. 34 Cabe esclarecer que a Associação Ascoob continua composta pelas mesmas dez cooperativas que a formavam antes do surgimento da Central. A Associação continuará em plena atividade, mas 33 54 Note-se que cinco cooperativas filiadas a Associação Ascoob optaram em não sair do Sicoob, por considerarem que já investiram muitos recursos (financeiros e humanos) nesse Sistema. Dirigentes da Ascoob Central acreditam que a adesão à sua organização deverá ocorrer após o período de estruturação interna e mediante um processo de desvinculação progressiva do Sistema Sicoob35. Além de prestar serviços técnicos e operacionais às cooperativas da Ascoob já existentes, a presença da Central permitirá que a rede Ascoob execute um plano de expansão no estado da Bahia mais agressivo do que vinha ocorrendo. Além da expansão, o formato das cooperativas deve ser também progressivamente modificado com a fundação da Central. Ganha espaço a lógica inspirada nos Sistemas Cresol, em que o crescimento da rede é horizontalizado e fundamentado em cooperativas de pequeno e médio porte e com bases regionais de serviço. A introdução dessa nova visão se dará em detrimento do modelo verticalizado defendido pelo Sicoob e adotado por algumas cooperativas da Ascoob, no qual se privilegia a estruturação de unidades de grande porte e a adoção de sistemas de governança e de gestão financeira centralizados. A Ascoob Central cria também novas perspectivas para a estruturação do cooperativismo solidário em toda a região Nordeste. Até o momento, as cooperativas de crédito solidárias existentes em diversos estados nordestinos funcionam juridicamente como solteiras ou vinculadas à sistemas cujas sedes centrais situam-se em outras regiões. Essa situação tem afetado fortemente a consolidação financeira dessas organizações e dificultado a criação de sistemas de governança eficientes. Por se tratar de uma estrutura recente, a capacidade da Ascoob Central em responder os desafios colocados pelas suas próprias filiadas, como também de atender as necessidades do cooperativismo de crédito solidário na região nordeste precisa ser analisada na seqüência deste estudo. 2.3POTENCIALIDADES E DESAFIOS PARA A EXPANSÃO DE COOPERATIVAS DE CRÉDITO VOLTADAS AO DESENVOLVIMENTO DE TERRITÓRIOS RURAIS O cooperativismo de crédito pode funcionar como um elemento estruturante do tecido social e econômico nas áreas em que atua, sendo, por isso, a base organizacional que melhor se ajusta a idéia de criação de sistemas de financiamento do Desenvolvimento Territorial. Devido a sua capacidade de atender diferentes setores com distintos interesses econômicos, o cooperativismo de crédito solidário pode beneficiar populações e regiões que não contam com serviços financeiros de qualidade e impulsionar programas de crédito para cadeias priorizando a prestação de serviços na área de formação, assistência técnica e outras ações de interesse de suas filiadas. A nova central atuará no sistema gerencial, contábil, supervisão, auditoria, negociação com agentes financeiros, bem como assumirá uma série de responsabilidades e atribuições determinadas pelo Banco Central. Para evitar desentendimentos, o texto procura diferenciar as duas organizações pela nomenclatura Associação Ascoob e Ascoob Central. 35 Até outubro de 2008, a direção da Ascoob Central mantinha a expectativa de que conseguiria convencer essas cooperativas a migrarem para a nova estrutura. Para os diretores da Central, tais cooperativas não só têm maior afinidade política com a nova organização como obterão vantagens na governança e no acesso aos programas oficiais de crédito destinados aos públicos que forma a maior parte de sua base social. 55 produtivas de interesse regional. Nesse sentido, sua presença permite estabelecer uma espécie de “porta de entrada” para outras políticas de DT. Este tópico pretende aprofundar os limites e as possibilidades de expansão dessas iniciativas de microcrédito e de organização das finanças de territórios rurais para regiões do país onde não se tem tradição nessa área. Baseadas nas experiências analisadas e nas avaliações sobre as potencialidades do setor são efetuadas também sugestões para implantação de programas de apoio à criação de novas experiências de cooperativas de crédito solidária no país. Sabe-se que as medidas visando incentivar a criação de cooperativas de crédito precisam romper o imobilismo das organizações sociais e dos gestores públicos que atuam em regiões sem essas organizações, principalmente nas que apresentam baixos indicadores de desenvolvimento e pouca participação cívica. Os pontos a seguir devem ser encarados como sugestões para o embasamento e implantação de programas de apoio à criação de novas experiências de cooperativas de crédito solidária no país. São recomendações gerais que necessitam de adaptações de acordo com o nível de abrangência da proposta e a disponibilidade de recursos humanos e financeiros disponíveis. Em primeiro lugar, um programa de apoio à expansão precisa difundir a idéia de que o cooperativismo de crédito é um poderoso instrumento para estruturar as organizações socioeconômicas nas áreas em que atua. Por ter um caráter intersetorial, o cooperativismo de crédito solidário permite atender populações que não contam com serviços financeiros de qualidade e estabelecer em torno da experiência uma espécie de “porta de entrada” para outras políticas de desenvolvimento territorial sustentável. Nesse sentido, as estratégias de expansão devem ser especialmente orientadas à implantação de estruturas do cooperativismo de crédito solidário, visto ser o modelo que melhor se coaduna com os pressupostos do Desenvolvimento Territorial. Os territórios são espaços privilegiados para a difusão desse tipo de iniciativa. Os colegiados e as entidades presentes nesses territórios podem aperfeiçoar os recursos humanos e operacionais necessários para viabilizar as ações planejadas. Esse tipo de engajamento fortalece a territorialização da ação, viabilizando a presença de seus representantes junto às comunidades rurais dos municípios e dos grupos potencialmente interessados na proposta. Em segundo, a implantação do cooperativismo de crédito rural em regiões pioneiras não deve começar pela formação de uma cooperativa singular. Embora permitida pela legislação, a criação de cooperativa de crédito isolada – isto é, sem filiação a uma central ou a uma base de serviços – representa um risco elevado para seus proponentes, sendo desaconselhada pelos estudiosos do setor e pelos técnicos do Banco Central (BC). O risco aumenta em ambientes em que os futuros associados da cooperativa não possam arcar com todos os custos iniciais necessários ao seu funcionamento. A experiência recente no Brasil de iniciativas isoladas tem exigido na atualidade um esforço significativo de reativação das forças locais para que não se crie uma visão negativa do cooperativismo em zonas sem tradição no tema. Nas regiões pioneiras é mais recomendável planejar a constituição de uma rede de cooperativas, ou sistema, em que esteja prevista a formação simultânea de mais de uma cooperativa e de um núcleo coordenador. Em termos práticos, tal rede pode ser composta inicialmente por três singulares e uma base regional de 56 serviços, que funciona como cooperativa de segundo grau e agente aglutinador da rede – o número é determinado pela Lei, que exige três singulares para fundar uma central cooperativa de qualquer ramo. Em função de suas atividades e para não necessitar de autorização do BC, essa central será juridicamente uma cooperativa de serviços e não de crédito. A estratégia oferece consistência institucional e suporte político coordenado, além de facilitar a montagem dos serviços necessários ao funcionamento da rede, num território dado. A presença de três cooperativas de crédito singulares favorece também o atendimento às populações de vários municípios limítrofes, por meio da abertura de PAC. Futuramente, novas cooperativas podem ser implantadas nas localidades onde um posto de serviço foi constituído. Nos primeiros anos de funcionamento, uma rede não pode contar com uma central de crédito. Assim sendo, a fiscalização do BC e a assinatura de contratos com os demais agentes financeiros serão feitos diretamente pelas singulares. Todavia, a Base Regional assumirá o papel de negociação e de representação política das filiadas perante os órgãos públicos e as instâncias estaduais e nacionais do cooperativismo, funcionando ao mesmo tempo como embrião da futura central de crédito. Estudos preliminares e discussões efetuadas com atores locais devem apontar os municípios mais adequados para abrigar as sedes das singulares, como também os que podem ser atendidos num segundo momento, via PAC e, posteriormente, por meio de novas cooperativas. A coordenação e a localização da base de serviços devem ser definidas na seqüência das negociações territoriais, levando em conta o interesse das filiadas, condições logísticas disponíveis e a repercussão em termos de DT. Em terceiro, deve-se implantar uma rede de cooperativas de crédito do tipo rural, mesmo porque enquanto não existir uma cooperativa central de crédito em condições de acolher suas integrantes, não se pode constituir de cooperativas de “livre admissão” (acessível a qualquer habitante de um território). O BC autoriza o funcionamento desse tipo de cooperativa somente quando estiver associada a uma central de crédito. De acordo com o BC, uma cooperativa de crédito rural pode filiar pessoas que desenvolvam na sua área de atuação atividades agrícolas, pecuárias ou extrativas, ou se dediquem a operações de captura e transformação do pescado. Além desse público, podem integrar essas organizações: aposentados que exerciam atividades previstas acima; pais, cônjuge ou companheiro, viúvo, filho e dependente legal e pensionista de associado vivo ou falecido; empresas ligadas à atividade rural como as agropecuárias e; pessoas jurídicas sem fins lucrativos como associações, grupos de produtores, sindicatos, grupos recreativos e religiosos. Conseqüentemente, nas regiões em que a vida sociocultural e econômica encontrase centrada nas atividades agropecuárias, a cooperativa de crédito dessa natureza tem competência para atender praticamente todos os envolvidos nas principais cadeias produtivas. Além disso, como muitos moradores dessas regiões possuem laços familiares com os produtores rurais, as prerrogativas da legislação possibilitam que a cooperativa de crédito rural amplie significativamente o número de pessoas físicas e jurídicas associada. Mais tarde, com a Central constituída, 57 essas cooperativas podem reformular seu estatuto passando a ser de “livre admissão”. A quarta recomendação é que o Programa aposte na solidariedade e autonomia institucional. Para tanto, a nova rede de cooperativa de crédito deve preservar, desde o início, sua independência administrativa e política, uma vez que pretende atender a comunidade em geral e não apenas os membros de organizações já existentes. Geralmente tais organizações não detêm condições financeiras e materiais e nem o conhecimento especializado para garantir o funcionamento de uma rede de cooperativas de crédito. Essa deficiência pode ser compensada pelo apoio sociopolítico das organizações territoriais, tidas como estratégicas na formação do quadro de parcerias e de alianças políticas das futuras cooperativas de crédito. A quinta orientação é que se busque assegurar o envolvimento de um grande número de pessoas e de atores sociais nos municípios envolvidos. O sucesso de uma rede de cooperativas de crédito depende de uma forte mobilização durante a discussão da idéia e montagem das equipes de trabalho. Um processo de constituição mal planejado, sem transparência e sem mediação de conflitos dificulta a geração de credibilidade, confiança mútua e o compromisso dos participantes. Saber coordenar diferentes interesses é fruto de um aprendizado coletivo e de grande valia na estruturação e funcionamento de uma nova rede. Os responsáveis pela sua estruturação precisam promover diversas reuniões do grupo fundador e eventos públicos até se decidir pela oficialização das cooperativas. Nesses encontros se formam também os grupos de voluntários, que vão debater a proposta nas comunidades locais, e se forjam os pactos políticos de apoio à proposta. Em sexto, para que a mobilização da população local surta o efeito esperado é preciso construir e fortalecer o arranjo institucional em torno do processo de constituição e da futura organização. Para tanto, os grupos organizadores devem começar por meio da criação de uma comissão de apoio em cada município envolvido. Para dar o devido respaldo à idéia da cooperativa, a comissão deve ser composta por representantes de órgãos públicos, tais como prefeitura, câmaras de vereadores, delegacias de ministérios, secretarias e empresas de extensão rural, como também de entidades da sociedade civil e privadas, como sindicatos, associações, Sebrae, ONG, etc. A participação dessas lideranças e forças sociais desde o início do processo facilita a implantação, a estruturação e o funcionamento das futuras cooperativas. Do mesmo modo que se deve contar com a participação social em suas esferas de decisão, uma rede de cooperativas de crédito solidária precisa integrar os fóruns, conselhos e outros organismos municipais e regionais de planejamento territorial. Essa participação é decisiva para que a rede construa sua legitimidade e se torne um verdadeiro agente financeiro territorializado. Durante esse processo de mobilização, mas principalmente na fase de formação de recursos humanos para a gestão do sistema, a aproximação institucional com a rede Ancosol será decisiva para viabilizar o apoio operacional e ampliar a articulação no âmbito federal e estadual. 58 A sétima sugestão diz respeito aos materiais didáticos e de difusão especialmente elaborados para atender esse tipo de demanda36. A implantação de uma rede de cooperativas depende da utilização de materiais didáticos e pedagógicos que possam efetivamente capacitar os futuros associados e apoiadores locais, como também qualificar os eventos de instalação da organização. A elaboração de cartilhas, folder, vídeos e roteiros de referências bibliográficas para eventuais consultas dos interessados necessitam de uma atenção especial. Muitos desses materiais já existem, mas precisam ser readaptados segundo a realidade local. A penúltima recomendação de estímulo ao cooperativismo de crédito consiste numa estratégia de apoio que conte com a participação de agentes multiplicadores locais e regionais. Esse grupo será o responsável pela difusão da idéia nas comunidades, pela articulação da base social das cooperativas nos territórios e pela sensibilização de entidades parceiras. Para tanto é crucial desenvolver capacitações especiais que permitam aos coordenadores o acompanhamento qualificado das iniciativas em curso dentro de um território, como também a elaboração dos projetos de constituição, a supervisão do processo de legalização das cooperativas e a estruturação das sedes das primeiras unidades da rede. Por fim, um programa de apoio à expansão deve ter recursos para permitir ações de intercâmbio de modo que representantes dos futuros associados das cooperativas possam conhecer in loco as redes existentes. É importante também que essa ação ocorra no sentido inverso, ou seja, as lideranças dos sistemas solidários participem de eventos de mobilização e capacitação nas regiões pioneiras. Essas trocas permitem ainda a formação de acordos de cooperação técnica entre as redes existentes e as novas experiências. 3 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES Entrevista realizada no quadro deste estudo com o Gerente do Departamento de Economia Solidária do BNDES revelou a avaliação positiva da parte desse Banco das parcerias em curso com os Sistemas Cresol e Ascoob, bem como o interesse em ampliar as transações de microcrédito e de Pronaf com essas organizações. Os mecanismos de governança territorializados desses sistemas são apontados pelo Gerente como o principal elemento diferenciador das demais instituições que o BNDES tem convênio com operações de microcrédito. Com efeito, as visitas e entrevistas efetuadas com dirigentes e funcionários de cooperativas de crédito solidário permitem afirmar que nas regiões onde existe uma estrutura consolidada desses sistemas, o acesso a recursos financeiros já não representa o gargalo principal para o desenvolvimento territorial. Em especial nos estados sulinos, o desafio maior se encontra na inexistência de estruturas especializadas em conceber projetos inovadores de desenvolvimento.. A percepção de que recursos financeiros encontram-se relativamente disponíveis, mas que o problema maior reside na falta de projetos que não se limitem a reproduzir atividades econômicas já existentes foi manifestada de forma recorrente também nas demais entrevistas realizadas junto a diretores de Em 2006, o Ministério do Desenvolvimento Agrário publicou dois materiais referências nesse sentido (ver BÚRIGO et. al, 2006a; 2006b). 36 59 cooperativas de crédito solidárias: “o que falta são bons projetos, pois recursos nós temos” (depoimento de dirigente da Cresol Central). Soma-se a essa constatação, as referências aos chamados “elefantes brancos” financiados com recursos públicos (agroindústrias de pequeno porte), cujo funcionamento esbarra em dificuldades produtivas e operacionais. Isso nos remete à discussão de um tema relativamente novo na agenda das instituições brasileiras que pensam e executam políticas e ações de desenvolvimento territorial em zonas rurais: a estruturação de pólos regionais/territoriais de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I). A análise das entrevistas realizadas indica, também, que a criação de pólos de CT&I territoriais deve estar associada à estruturação de sistemas de financiamento do desenvolvimento territorial sustentável. Em países com tradição nessa área, os pólos territoriais de CT&I servem de suportes coletivos de informação, comunicação e articulação interinstitucional, fornecendo as condições de acessibilidade a recursos diversos pelos territórios rurais. Trata-se de uma célula territorial que tem a incumbência de conceber e estimular o debate sobre estratégias inusitadas de desenvolvimento. Para um território dispor de um consistente plano de desenvolvimento, a existência de uma estrutura operacional dessa natureza, que assegure não só a articulação de atores, mas a disponibilidade de informações estratégicas, novas oportunidades de empreendedorismo social e econômico e tendências tecnológicas, é uma condição necessária. Essa célula opera tanto no sentido de dotar o território de competências próprias, quanto de coordenar a ação de consultores e técnicos externos, buscando acessar fontes de financiamentos exógenas complementares às contrapartidas locais. Os laços que os sistemas cooperativos solidários estão criando com as entidades de ensino em suas regiões de atuação e com as universidades, bem como seus próprios programas e institutos de formação podem ser pistas interessantes para se avançar nessa questão. Sabe-se que, em geral, as experiências microfinanceiras brasileiras têm pouca articulação entre si, sobretudo em termos operacionais. Uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Administração Municipal revelou, por exemplo, que no “próprio circuito das microfinanças do Brasil, há pouco conhecimento do Sistema Cresol, e o sistema conhece pouco o que existe nessa área” (Fontes, 2003, p. 182). Tal distanciamento demonstra que para as organizações microfinanceiras e cooperativas que priorizam a solidariedade e o atendimento de grupos de baixa renda, a articulação interinstitucional parece ser, mais do que uma possibilidade, um imperativo político e econômico. Uma das mentoras do Crediamigo do Banco do Nordeste, Silvana Parente, destaca alguns exemplos de possíveis parcerias entre as cooperativas de crédito e as demais OMF. A partir das experiências das organizações de microcrédito, as cooperativas poderiam desenvolver novos produtos e serviços na área microfinanceira; estabelecer critérios mais apropriados para seus clientes, a partir de diferentes níveis de renda e por grupos populacionais; aproximar-se de empreendedores e de grupos que atuam em redes de economia solidária; adquirir novas metodologias de análise de risco e monitoramento através da figura do agente de crédito; melhorar a elaboração de planos de negócios e das projeções de balanço; além de desenvolver novos e contínuos programas de capacitação. Em sentido contrário, as organizações que atuam com microcrédito poderiam assimilar das cooperativas sua experiência na área de articulação da base social, o 60 que pode auxiliar na definição de uma identidade que as diferencie no mercado financeiro. Além disso, técnicas de mobilização e metodologias para diagnosticar a realidade local; estratégias que ajudam a ampliar o leque de parcerias com as organizações locais, como forma de reduzir risco e aumentar a visibilidade; mecanismos de gestão de risco; formas de aumentar a transparência nas ações e de apresentar os resultados; e maneiras de se aproximar mais das lideranças locais, via a sua participação em comitês internos da instituição compõem o leque de conhecimentos passíveis de serem compartilhados. De um lado, as cooperativas de crédito rural solidárias têm um vasto campo de aprendizado, que pode ser sanado via convênios com outras OMF que trabalham com públicos considerados urbanos. Essa estratégia seria válida, sobretudo, para ajudar no desenvolvimento de planos de transformação das cooperativas rurais e mútuas, em cooperativas de livre admissão. De outro lado, uma aproximação institucional das demais OMF com o cooperativismo de crédito poderia resultar em maior expertise às operadoras de microcrédito, principalmente àquelas que desejassem se transformar, futuramente, em cooperativas de crédito. Com isso, ganharia força a proposta, já levantada por alguns técnicos que pesquisam o tema, de que o BC deveria permitir a constituição de mais um tipo de cooperativa de crédito no Brasil: as cooperativas de base comunitária, que abrigaria pessoas de um bairro, vila ou espaço habitacional organizado. A fidelização dos clientes parece ser um dos maiores trunfos que as cooperativas e as demais OMF podem explorar, mesmo que no caso de populações pobres isso ocorra dentro de um ambiente de rentabilidade baixa. Outra forma de reduzir os custos e ampliar o leque de serviços das OMF é o estabelecimento de parcerias com organizações financeiras de maior porte. Um exemplo nessa direção se dá pela oportunidade das OMF se tornarem correspondentes bancários. Para melhorar sua atuação, as OMF (inclusive as cooperativas de crédito) podem gerir linhas oficiais de microcrédito, atuando enquanto agentes repassadores de primeiro e segundo piso. Mas, pelas regras colocadas atualmente, isso ocorrerá somente quando as organizações conseguirem suplantar as barreiras burocráticas existentes para se ter acesso individualmente aos recursos, ou criar redes e consórcios que facilitem um pleito conjunto. Na seqüência segue um conjunto de dez recomendações consideradas as mais relevantes deste estudo: SÍNTESE DAS RECOMENDAÇÕES 1) Inclusão nas agendas dos fóruns territoriais (Territórios de Identidade e Territórios da Cidadania) do tema da construção de sistemas de financiamento territorial com enfoque multisetorial (agrícola e rural), acompanhado de um programa de capacitação nessa área. Essa iniciativa depende da construção de um programa de formação que contemple tanto os preceitos que regem a gestão do microcrédito (Crediamigo), quanto daqueles do cooperativismo de crédito rural solidário (Ancosol); 2) Deflagração de um processo de “ruralização” do Programa Crediamigo com apoio dos fóruns territoriais. Dar atenção especial à difusão da modalidade Crediamigo Comunidade, tido aqui como embrião de cooperativas de crédito rural. Entendese, também, que a “ruralizaçao” do Crediamigo passa pela contratação de novos 61 agentes de crédito e a promoção de ações territoriais articuladas entre esse Programa e o Agroamigo (Pronaf B), bem como um amplo envolvimento dos atores integrantes dos fóruns territoriais; 3) A negociação entre os colegiados dos fóruns territoriais e o Banco do Nordeste, com o propósito de introduzir a “ruralização” do Crediamigo, passa necessariamente pela adoção de medidas que busquem uma melhor equidade interestadual de incidência do Programa. Ou seja, estados que na atualidade apresentam uma baixa intervenção do Crediamigo devem ser prioritários nesse processo; 4) Nessa mesma direção, recomenda-se que esses mesmos fóruns participem das iniciativas interestadual em andamento no Nordeste coordenadas pela Ancosol. No momento, a principal ação vem sendo executada pela rede Ascoob (BA) e conta com apoio financeiro da SDT/MDA. Trata-se de um projeto que visa socorrer cooperativas de crédito rural solidárias em dificuldades em diversos estados nordestinos. Ressalte-se que a criação dessas cooperativas se deu principalmente após 2003 por iniciativa de diversos atores ligados ao mundo rural e aos movimentos sindicais. Embora tenham recebido o aval do Banco Central e alguma ajuda de projetos governamentais a maioria dos processos de constituição dessas organizações não seguiu as orientações metodológicas de implementação de cooperativas de crédito discutidas no corpo e no anexo 2 deste trabalho. Atualmente, várias delas enfrentam problemas financeiros, operacionais e políticos e algumas correm o risco de serem liquidadas; 5) Adoção pelos fóruns territoriais de medidas de apoio ao processo deflagrado pelo MDA de recuperação dos financiamentos inadimplentes da modalidade do Pronaf B. Tal orientação se deve ao fato de coibir as ações oportunistas nessa área que dificultam a construção, no médio prazo, de um ambiente favorável à formação de sistemas de financiamento territorializados; 6) Identificação de territórios fora da região Sul com potencial para a constituição de redes regionais de cooperativas de crédito rural solidárias. Essas redes devem seguir as orientações metodológicas adequadas para a sua criação (tópico 2.3 e anexo 2) e serem constituídas com a participação de no mínimo uma base regional de serviços e três cooperativas singulares, preferencialmente localizadas em municípios do mesmo território. Posteriormente, novas cooperativas e postos de atendimento cooperativo devem ser agregadas a esse núcleo, de modo a fundamentar a formação de uma rede de organizações financeiras focadas no desenvolvimento territorial e no oferecimento de serviços financeiros (crédito, poupança e seguros) de qualidade. Tais organizações visam fortalecer projetos e setores estratégicos e ter como público cativo os segmentos tradicionalmente excluídos do sistema financeiro ou os que enfrentam dificuldades de atendimento de suas demandas nessa área; 7) Adoção no seio da Ancosol da metodologia de gestão do microcrédito praticada pelo Banco do Nordeste, com destaque para a figura dos agentes de crédito, serviços financeiros para os segmentos de baixa renda e, principalmente, da inclusão das mulheres e de atores urbanos no seu quadro social e negócios; 8) Discussão dos preceitos do desenvolvimento territorial sustentável pelos coordenadores do cooperativismo de crédito rural solidário visando analisar a execução de medidas que ampliem seu quadro social e a formulação de projetos 62 para além do universo da agricultura familiar. Trata-se de construir mecanismos de atuação junto a microempresários rurais, que não sejam necessariamente agricultores. O princípio da “livre admissão” aprovado recentemente pelo Banco Central representa um amparo legal nessa direção; 9) Deflagração pelos fóruns territoriais de um processo de negociação junto aos principais bancos públicos, tendo o exemplo do Crediamigo como referência, visando a criação de programas semelhantes de microcrédito em outras regiões do país. O objetivo principal consiste em aprofundar as iniciativas de bancarização dos segmentos pobres introduzidas, por exemplo, pelo Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, por meio da metodologia de gestão do microcrédito; 10)Necessidade de dar continuidade a este estudo com especial atenção para as seguintes experiências em curso: i) DRS do Banco do Brasil e Nordeste Territorial do Banco do Nordeste; ii) aprofundar a análise do sistema Ascoob para verificar a possibilidade dessa organização atender as necessidades de expansão do cooperativismo de crédito solidário na região nordeste; iii) iniciativas de outras redes de cooperativas de crédito rural solidário existentes no país, bem como de microcrédito geridas por Oscip, além de experiências internacionais de microfinanças e de cooperativismo de crédito popular consideradas relevantes. REFERÊNCIAS ABRAMOVAY, R. Alcance e limites das finanças de proximidade no combate à inadimplência: o caso do agroamigo. 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Verde Técnico do BN Recife Banco do Nordeste Recife 26/06/08 2- Walter Carvalho Consultor Territorial Ministério do Desenvolvimento Agrário Recife 26/06/08 3- Paulo César Arns Assessor da política de desenvolvimento territorial SEAPE Recife 26/06/08 4- Rosângela Santos Técnica do BN Recife Banco do Nordeste Recife 27/06/08 5- Wilson Dias Consultor ASCOOB e SDT/MDA Recife 27/06/08 6- Silvana Parente Secretária de Estado de Administração e Planejamento do Ceará Governo do Estado do Ceará Fortaleza – 10/07/08 Ex-diretora do Credialmigo 7- Gilson Bittencourt Secretário Executivo Secretaria de Política Econômica Ministério da Fazenda Brasília 23/07/08 8- Altemir Gregolin Ministro Secretaria Especial de Pesca e Aqüicultura Brasília 23/07/08 9- Paulo Frazão Gerente Executivo Programa de Desenvolvimento Regional Sustentável do Banco do Brasil Brasília – 23/07/08 10- Vanderley Ziger Presidente Sistema de Cooperativismo de Crédito Solidário (Cresol/Baser) e da Associação Nacional do Cooperativismo de Crédito Solidário (Ancosol) Brasília 24/07/08 11- Abelardo M. Sobrinho Funcionário Departamento de Organização de Sistemas Financeiros do Banco Central Brasília 24/07/08 12- Genes Fonseca e Jonas Klein Presidente e Contador Cresol Central Chapecó 11/08/08 13- Cláudio Zanberlan e Douglas M. Campigotto Assessores Técnicos Cooperativa central da Crenhor (RS) Sarandi – 12/08/08 14- Alzimiro Tomé e Cleiton De Toni Presidente da Baser Regional do Sudoeste (PR) e Técnico Cresol Baser - Francisco Beltrão – 13/08/08 15- Entrevista coletiva Dirigentes da Central, Cresol Baser Bases Regionais e Técnicos Francisco Beltrão – 13/08/08 15- Entrevista coletiva Dirigentes e Técnicos Salto do Lontra – 13/08/08 Cooperativa de crédito de Salto do Lontra (PR) 68 16- Fábio C. Gonçalves Gerente do Departamento de Economia Solidária BNDES Rio de Janeiro – 27/08/08 17- Robson Silva Sena Diretor-Presidente Ascoob Central Feira de Santana – 08/10/08 18- Entrevista coletiva Dirigentes Cooperativa de Crédito Santa Luz (BA) Santa Luz – 09/10/08 18- Entrevista coletiva Presidente, técnico, agente de crédito e Gerente Cooperativa de crédito de Baixa Grande (BA) Baixa Grande – 10/10/08 20- Wilson Dias Consultor ASCOOB e SDT/MDA Feira de Santana – 10/10/08 21- Stélio G. Lira J °. Superintendente Banco do Nordeste Fortaleza 04/11/08 22- Tânia Bacelar Pesquisadora UFPE Fortaleza 06/11/08 23- Humberto Oliveira Secretário de Desenvolvimento Territorial MDA/SDT Fortaleza – 06/11/08 69 Anexo 2 BOX 1 - A criação da rede Solicred de cooperativas de crédito – Alto Solimões (AM) Em 2006 e 2007, o Ministério da Integração Nacional (MI) desencadeou uma série de esforços visando à formação de organizações especializadas na oferta de serviços microfinanceiros na região norte do país. Um dos pólos dessa experiência pioneira foi realizado na mesorregião do Alto Solimões, estado do Amazonas. O trabalho foi conduzido pelo consultor Fábio Luiz Búrigo, contratado pelo IICA-MI para efetuar ações de sensibilização e coordenar a implantação inicial do projeto. O desafio colocado era animar e assessorar a constituição de uma rede de cooperativas de crédito rural numa região que jamais viveu uma experiência similar. A escolha dessa região levou em conta a existência de outras ações governamentais para o fortalecimento mesorregional e o interesse das organizações locais em desenvolver a proposta. Partiu-se da premissa de que é factível fomentar a implantação de cooperativas de crédito rural solidárias em localidades pioneiras, desde que seja estabelecido um cuidadoso processo de motivação e capacitação dos potenciais beneficiários. A trajetória profissional do autor e as experiências negativas observadas em diversas zonas do país recomendavam que a implantação do cooperativismo de crédito rural nessa região pioneira não deveria apostar na constituição de uma singular, e sim na formação de uma rede de cooperativas. Nesse sentido, desde o início, o trabalho no Alto Solimões foi conduzido para a criação simultânea de três cooperativas e de uma base regional de serviços, para dar suporte técnico e organizacional às singulares. Ao contrário do que se observa em regiões de produção agrícola, a referida premissa não tinha sido ainda “testada” em áreas com elevada população de pescadores e aqüicultores artesanais. Aliás, no Brasil não há registro de cooperativa de crédito cujo protagonismo seja dado por pescadores ou aqüicultores familiares, como também são raríssimos os locais em que esse público já tenha se beneficiado de uma organização desse tipo. Em função das condições geopolíticas da messorregião, as atividades se concentraram nos municípios de Tabatinga, Benjamin Constant e Atalaia do Norte. Em cada um desses locais sempre foi frisado que o sucesso das cooperativas de crédito solidárias depende do arranjo institucional que se consegue formar em torno da idéia. Por isso é fundamental formar parcerias e buscar a adesão de colaboradores públicos e privados, ou seja, contar com o apoio de órgãos governamentais, universidades, ONG e outros atores que atuam na área do desenvolvimento. A fundação da Rede Solicred (nome adotado pela experiência) mobilizou diversos atores locais, potencializando o capital social existente, despertando a confiança mútua e a capacidade organizativa dos moradores da região. Além de atividades municipais e comunitárias, o autor sempre incentivou e promoveu encontros de caráter regional, com o objetivo de despertar o espírito da intercooperação e fortalecer a coesão da futura Rede. Em abril de 2007, o MI viabilizou recursos para que os representantes da Rede Solicred realizasse uma viagem de intercâmbio ao Paraná e Santa Catarina com o objetivo de conhecer o Sistema Cresol. Além das lideranças da Solicred, a missão contou com a participação de técnicos do MI e de um professor do campus de Benjamin Constant da Universidade Federal do Amazonas. Outra atividade de cunho institucional, que também foi viabilizada com o apoio direto do autor, foi a “aproximação” entre os organizadores da Rede Solicred e os dirigentes do Banco Central (BC). O primeiro contato se deu durante um seminário de Microfinanças efetuado em junho de 2007, na cidade de Manaus. Na oportunidade as lideranças das futuras cooperativas puderam explicar pessoalmente aos técnicos do Órgão Regulador, o processo de elaboração dos projetos de constituição e em qual contexto a experiência está sendo forjada. O contato da Rede Solicred com a direção da Ancosol e do Sebrae AM, também ocorrida durante o referido seminário, propiciou uma estratégica aproximação com a organização nacional que representa o cooperativismo de crédito solidário; e com uma entidade estadual que poderia prestar apoios financeiro e material e articular assessorias no campo organizacional. O trabalho de sensibilização e capacitação dos grupos organizadores acabou tendo outros desdobramentos extremamente positivos em termos institucionais. Durante a visita de um representante da Central Cresol Baser aos municípios do Alto Solimões, quando ficou demonstrada novamente a capacidade de mobilização e o interesse pela proposta, foi idealizado um convênio de cooperação entre Sebrae AM e o Sistema Cresol. Em termos formais, o Convênio iniciou em maio de 2008 e terá duração de três anos. Seu objetivo central é a viabilização de recursos para que o Sistema preste assessoria técnica e operacional à implantação da rede Solicred – a medida aumenta enormemente as chances de a experiência ser bem sucedida. Registre-se que o acordo já viabilizou a mudança de um ex-dirigente do Cresol para o Alto Solimões. A liderança, que deve viver durante doze meses na região, vai apoiar a implantação das primeiras unidades da rede Solicred. 70 Note-se que o envolvimento do Sebrae AM e do Cresol com a Solicred ocorreu mesmo antes da assinatura do referido acordo. Além de promover novos cursos e missões de membros do Cresol e do Sebrae à região do Alto Solimões, durante o último trimestre de 2007 a parceria técnica entre essas organizações e o MI ajudou os grupos organizadores finalizar os projetos de constituição de suas cooperativas. Registre-se que o suporte do Cresol permitiu que a implantação da Rede fosse um pouco diferente do previsto originalmente. Os proponentes acabaram deliberando pela elaboração de dois projetos de constituição ao invés de três. Assim, uma cooperativa deve atender Tabatinga e a outra suprir Benjamin Constant e Atalaia do Norte simultaneamente. Porém, o plano original de formação da Rede Solicred foi mantido, como também a criação da Base Regional de Serviços, de modo que, além da parte operacional, a Base será a instância responsável pela expansão da Solicred na mesorregião. A Base deve entrar em operação no momento em que as primeiras cooperativas integrantes estiveram aptas a funcionar, sendo que sua estruturação contará também com o apoio técnico do Cresol. Em novembro de 2007, o MI e o Sebrae custearam uma viagem ao Recife para que os proponentes das cooperativas seus técnicos pudessem entregar e explicar os dois pleitos aos dirigentes do escritório regional do BC – esse escritório é o responsável pelo atendimento da região amazônica. Em agosto e setembro de 2008, o BC se pronunciou favoravelmente aos dois pleitos. Com isso, os procedimentos para a constituição formal da cooperativa (assembléia de fundação, escolha da direção, aprovação dos estatutos, obtenção do CNPJ, etc.) puderam ser efetuados ainda no mês de outubro. Em novembro e dezembro de 2008 foram realizadas as etapas de recrutamento de funcionários, capacitação dos dirigentes, organização das sedes e as ações necessárias à oficialização jurídica das duas organizações. Todos esses procedimentos foram realizados com assessoramento do Sebrae AM e Cresol Baser. É provável que as duas unidades da Solicred entrem em funcionamento no início de 2009, aliás, conforme previsto no cronograma original. Quando isso acontecer, a Solicred se configurará como a primeira rede de cooperativas de crédito rural constituídas na região amazônica, confirmando a tese de que é possível organizar organizações desse tipo em regiões pioneiras e com baixos indicadores de desenvolvimento humano.