SISTEMAS DE FINANCIAMENTO PARA PROJETOS TERRITORIAIS
ESTRATÉGICOS DE NATUREZA MULTISETORIAL
PRODUTO 3
Ademir Antonio Cazella
Fábio Luiz Búrigo
Dezembro de 2008
2
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..................................................................................................................................3
1 A VIDA FINANCEIRA DOS SEGMENTOS SOCIAIS EMPOBRECIDOS..............................7
1.1 OS INSTRUMENTOS FINANCEIROS PARA OS POBRES....................................................................................8
1.2 A ONDA DO MICROCRÉDITO..................................................................................................................15
2
SISTEMAS DE FINANCIAMENTO DO DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL
SUSTENTÁVEL: LIÇÕES DO CREDIAMIGO E DO COOPERATIVISMO DE
CRÉDITO RURAL SOLIDÁRIO............................................................................................21
2.1 O PROGRAMA CREDIAMIGO DO BANCO DO NORDESTE...........................................................................22
2.2 O COOPERATIVISMO DE CRÉDITO SOLIDÁRIO..........................................................................................31
2.3 POTENCIALIDADES E DESAFIOS PARA A EXPANSÃO DE COOPERATIVAS DE CRÉDITO VOLTADAS AO
DESENVOLVIMENTO DE TERRITÓRIOS RURAIS..................................................................................................54
3 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES.....................................................................................58
REFERÊNCIAS...............................................................................................................................62
3
INTRODUÇÃO
O principal objetivo deste estudo é fundamentar a construção de sistemas de
financiamento do Desenvolvimento Territorial (DT), especialmente voltados para o
atendimento de regiões rurais. O ponto de partida passa pela identificação e
análise de organizações financeiras consideradas inovadoras e passíveis de serem
fomentadas nas diferentes regiões e/ou territórios do país. O estudo procura
avaliar em que medida tais experiências buscam incluir financeiramente os
segmentos sociais empobrecidos e apresentam potencial e interesse institucional
para inscrever suas ações na perspectiva do DT, ou são iniciativas tidas como
convencionais, que visam somente ampliar o acesso de segmentos de baixa renda a
alguns produtos e serviços do sistema bancário.
Nesse sentido, as experiências de microcrédito empreendidas pelo Banco do
Nordeste (BN) e pelo cooperativismo de crédito solidário, capitaneadas pela
Associação Nacional das Cooperativas de Crédito de Economia Familiar e Solidária
(Ancosol), serão os objetos principais dessa tentativa de se mapear iniciativas que
podem servir de inspiração à promoção de novos modelos de financiamento. A
escolha se deve, sobretudo, à amplitude que esses casos alcançaram em aspectos
como: número de beneficiados diretos, volume de recursos financeiros mobilizados,
interface com políticas públicas, consistência institucional, abertura para adoção
dos preceitos do desenvolvimento territorial e, não menos importante, área de
abrangência. Analisado em conjunto, tais fatores permitem afirmar que essas
iniciativas já ultrapassaram o limiar de “projetos pilotos”. Isso reforça a
importância de tê-las como referência quando se planeja a deflagração de ações
similares, seja em territórios onde se deseja ampliar a qualidade dos produtos e
das organizações financeiras existentes, seja em regiões “pioneiras”, isto é, zonas
que não possuam serviços dessa natureza.
O texto argumenta que a parceria institucional entre experiências financeiras que
atuam no âmbito local e regional é um caminho necessário quando se pretende
fortalecer a integração operacional e o desenvolvimento de projetos na ótica do
DT. Desse modo, mais do que fazer uma apresentação das duas iniciativas
pretende-se explorar seus pontos fortes e fracos, analisar os ambientes
institucionais que lhes fornecem suporte político, legal e econômico e verificar
suas potencialidades de expansão para fora das circunscrições atuais. É importante
ressaltar que os sistemas cooperativos integrantes da Ancosol possuem diferentes
formas de governança e distintas capacidades em termos operacionais. Por isso é
fundamental conhecer minimamente os principais sistemas que compõem a
Associação para, então, apontar e avaliar possíveis potencialidades e deficiências
dessas organizações nos termos propostos pela investigação.
As iniciativas de descentralização político-administrativa do Estado e de incentivo
ao desenvolvimento territorial pressupõem a implantação de estratégias
correspondentes no campo financeiro. A Ilustração 1 demonstra como Guerreiro
(2008) relaciona a questão do financiamento associada à governança, e como esses
dois elementos se integram na idéia geral do “capital territorial”.
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Ilustração 1: Componentes do Capital Territorial
Imagem Mercados,
e Percepção Relações
Externas
Recursos
Humanos
Atividades e
Empresas
Know-how
e
Habilidades
Cultura e Recursos
identidade Materiais
Governança
e Recursos
Financeiros
Fonte: Jose Emilio Guerrero – Universidade de Córdoba – Espanha (ver Iicaforum, 2008).
A socioeconomia de serviços financeiros territorializados e o desenvolvimento
territorial são dois corpus indissociáveis, que no Brasil se encontram em fase de
construção. Torna-se importante desse modo reforçar a idéia de que a extensão de
sistemas de financiamento para projetos territoriais estratégicos de natureza
multisetorial é uma pré-condição para o desenvolvimento territorial. Em áreas
rurais, por exemplo, esses sistemas devem disponibilizar crédito não só para as
atividades produtivas agropecuárias, mas também para as demais iniciativas
empreendidas por atores rurais diversos em outros setores da economia. O mesmo
poderia ser dito com relação aos setores de transformação e serviço.
Atualmente, as políticas públicas relacionadas ao financiamento do DT precisam
lidar com duas tendências verificadas no cenário mundial: i) o aprofundamento da
concentração bancária e de globalização dos mercados financeiros; ii) as
estratégias comerciais dos bancos que, tradicionalmente, preferem atuar junto aos
maiores aglomerados urbanos, oferecendo serviços aos clientes de grande e médio
porte econômico. No caso brasileiro, mesmo dispondo de um mercado bancário
extremamente sofisticado, as lacunas em termos de atendimento financeiro são
notórias. Apesar do recente esforço do governo federal, visando ampliar a oferta
de crédito e facilitar a abertura de contas simplificadas para as populações de
baixa renda, verifica-se que muitos serviços financeiros estão ainda distantes de
milhões de brasileiros. A exclusão está presente em todas as regiões, mas afeta,
em especial, os territórios (em particular na sua dimensão rural) menos
desenvolvidos e distantes dos principais pólos econômicos.
É sabido que serviços financeiros estruturados dentro da ótica da proximidade
aumentam as chances de sucesso das políticas públicas de crédito e estimulam
investimentos empresariais em regiões menos urbanizadas. Como a maioria das
redes financeiras – públicas e privadas – brasileiras não prioriza as regiões
periféricas perpetuam-se, assim, os problemas de ineficácia de programas de
estímulo ao desenvolvimento dessas regiões, principalmente das ações que visam
fortalecer as vocações econômicas específicas e o empreendedorismo dos
territórios. Essas debilidades dificultam o acesso ao crédito pelos pequenos e
médios tomadores e debilitam os investimentos de fontes públicas e privadas. Além
disso, a captação e o redirecionamento da poupança local, fonte de contrapartida
em projetos de interesse regional e de sustentabilidade de iniciativas econômicas
de médio longo e prazo, acabam não sendo encarados como condição necessária e
estratégica ao desenvolvimento territorial.
5
O perfil do sistema financeiro nacional, associado à atual matriz de divisão do bolo
tributário, provoca a fuga de capitais gerados em territórios específicos, que
precisa ser constantemente minorada pela ação de políticas compensatórias de
origem externa. Tal quadro cria uma matriz de dependência que se caracteriza
pela escassez de idéias e de projetos capazes de gerar o desenvolvimento e pela
baixa capacidade de aglutinar recursos de origem local. Esse círculo vicioso faz
com que o fluxo econômico de boa parte dos municípios brasileiros dependa
fortemente de rendas externas, geralmente obtidas por meio de políticas de
transferências federais – isto é, de programas como o Fundo de Participação dos
Municípios, Aposentadoria Rural, Programa Bolsa Família, Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), entre outros.
Do ponto de vista teórico e prático, o dinamismo dos territórios, e o seu processo
de gestão social correlato, dependem da coerência do conjunto das suas
atividades. A lógica territorial passa pela construção de novos ambientes
institucionais e o fortalecimento de interdependências entre setores econômicos e
entre as esferas políticas, sociais e espaciais. Esse esquema pressupõe a ampliação
da governança e da qualidade dos serviços financeiros, o que significa a
constituição de programas de crédito focados na ótica do desenvolvimento
descentralizado, parcerias entre redes financeiras públicas e privadas existentes, a
exemplo dos bancos públicos e as cooperativas de crédito, e a constituição de
novas organizações financeiras locais. Trata-se, portanto, de pensar arranjos
institucionais de cooperação inéditos, visando dotar os territórios brasileiros de
serviços financeiros bem estruturados e capazes de atender a demanda. No caso do
crédito deve-se planejar sua obtenção a partir da utilização combinada de recursos
oriundos da poupança local e dos recursos captados junto aos agentes externos,
tanto públicos quanto privados. Em outras palavras, fortalecer os territórios
pressupõe ampliar a capacidade das pessoas e das organizações de manejar os
instrumentos e os recursos financeiros endógenos e externos. A inspiração e o
suporte técnico de experiências que em alguma medida adotaram essas estratégias
e se tornaram referências de sucesso em outras regiões representam, sem dúvida,
o ponto de partida.
Por esse prisma é que as duas iniciativas anteriormente apontadas são exemplos
que caminham na direção contrária da debilidade observada no modelo do
financiamento do desenvolvimento rural no Brasil. Suas trajetórias já
demonstraram que ambas estão contribuindo no combate à exclusão financeira e
na democratização do crédito oficial. Não obstante, precisam ser avaliadas
também quanto a sua potencialidade em termos de desenvolvimento territorial.
Vale adiantar que há uma década o Crediamigo vem oferecendo microcrédito para
empreendimentos instalados em zonas urbana e rural, em todas as regiões de
abrangência do Banco do Nordeste. Os dados do Programa revelam expressivos
resultados em termos de número de beneficiários, adimplência, produtos
financeiros disponíveis e valores movimentados. Por sua vez, o cooperativismo de
crédito solidário, também iniciado nos anos 1990, está associado à mobilização e
ao empreendedorismo socioeconômico de segmentos da agricultura familiar
brasileira. A intervenção de organizações e movimentos sociais em torno do
cooperativismo de crédito rural abriu caminho para que uma parcela significativa
de agricultores familiares tivesse acesso ao sistema financeiro formal. Diante da
existência de uma espécie de “barreira à entrada” erigida pelo modelo
6
convencional de atuação das cooperativas de crédito, passou-se para um quadro de
maior abertura e de crescimento do setor. Com apoio e supervisão do Banco
Central tem-se, atualmente, a presença de um ambiente institucional inovador e
plural em termos doutrinários, no qual se destacam serviços que favorecem a
democratização do sistema financeiro. Na maioria das vezes, esses serviços são
mediados por parcerias entre os sistemas cooperativos e bancário. No entanto,
embora haja atualmente esforços à difusão dessa iniciativa em escala nacional, as
principais redes de cooperativas de crédito com atuação no meio rural e com
capacidade de criar uma nova correlação de forças dentro do mercado financeiro
encontram-se ainda localizadas no Sul e em zonas específicas das demais regiões do
País.
Do ponto de vista metodológico, além da análise de material bibliográfico e
documental, foram realizadas 23 entrevistas – sendo algumas coletivas – com atores
considerados detentores tanto de conhecimento prático sobre o tema, quanto de
inserção política. Suas idéias e opiniões ajudaram a compreender o funcionamento
do setor e colaboraram para erigir as propostas indicadas no final desta análise.
Por uma questão de estilo, os depoimentos foram inseridos no texto nos casos em
que a opção era fundamental para a compreensão do tema. Certamente o material
gravado e o grupo de entrevistados são referencias que poderão ser oportunamente
acionadas com o objetivo de aprofundar e reavaliar as proposições aqui
apresentadas. Assim, ao longo de 2008, foram argüidos diretores e funcionários de
cooperativas de crédito ligadas à Ancosol, Banco do Nordeste e outros órgãos
públicos. Além disso, é importante registrar a participação dos autores na I
Conferência Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário, no VII
Congresso Brasileiro do Cooperativismo de Crédito, VII Seminário do Banco Central
sobre Microfinanças e no III Fórum internacional sobre modelos e instrumentos para
gestão social dos territórios, todos realizados ao longo de 2008. Além de
possibilitar o acesso a discussões correlatas ao tema de estudo, esses eventos
permitiram o acesso a espaços privilegiados para a preparação de entrevistas com
atores selecionados. Merecem registro ainda as visitas de campo realizadas às
centrais e a cooperativas singulares dos sistemas solidários Cresol, Crehnor e
Ascoob.
Esta análise está subdividida em quatro partes principais, além desta introdução. A
primeira aborda o tema das microfinanças, por se considerar que a estruturação de
serviços microfinanceiros figura como pré-condição para a construção de sistemas
de financiamento territoriais na grande maioria das zonas rurais brasileiras. Esses
sistemas devem ser capazes de incluir não só os atores sociais organizados da
sociedade civil, mas também aqueles que, por razões diversas, têm dificuldades de
participar em organizações coletivas. A segunda parte faz uma discussão das duas
experiências brasileiras consideradas promissoras em termos de abrangência
(número de beneficiários e volume de recursos) e inovadoras em relação aos seus
sistemas de gestão: o Programa Crediamigo do Banco do Nordeste e dois sistemas
de cooperativismo de crédito integrantes da Ancosol (Sistema Cresol no Sul e
Sistema Ascoob na Bahia). A terceira aponta uma série de considerações a respeito
dos desafios e das potencialidades das organizações cooperativas e de microcrédito
no país. Por fim, a última parte apresenta o conjunto de proposições que a
elaboração do estudo suscitou. No plano geral as proposições objetivam superar, de
um lado, a predominância quase total das linhas de financiamento baseadas em
produtos ou em atividades de caráter setorial, e de outro, a tendência de
7
desertificação monetária e fuga de recursos financeiros dos territórios,
especialmente daqueles mais isolados do ponto de vista geográfico e econômico.
1A VIDA FINANCEIRA DOS SEGMENTOS SOCIAIS EMPOBRECIDOS1
Ao contrário do que as teorias econômicas e financeiras clássicas apregoavam e o
senso comum imagina, os setores empobrecidos desenvolvem, ainda que muitas
vezes circunscritas ao manejo de pequenos montantes, assíduas e criativas
fórmulas de auto-ajuda e de trocas econômicas e monetárias. Apesar de suas
dificuldades operacionais, em muitos casos as trocas monetárias entre os pobres
representam ricas estratégias de sobrevivência econômica e são dotadas de
racionalidade elevada, especialmente se levar em conta as condições em que elas
ocorrem.
A vida financeira das populações de baixa renda se alimenta de uma gama de
experiências, como fundos rotativos, caixinhas, clubes de trocas, seguros grupais,
etc. Não obstante sua intensidade e grau de racionalidade, a maioria dos atos
financeiros dos pobres se processa em mercados imperfeitos que, muitas vezes,
funcionam sem qualquer enquadramento legal e acompanhamento técnico.
Geralmente as redes financeiras informais são relegadas ao segundo plano, como
também os circuitos comunitários que as circundam, fazendo com que esses
fenômenos permaneçam quase que invisíveis aos olhos do grande público. Vitais nas
estratégias de sobrevivência das camadas populares, os circuitos informais são
responsáveis pela existência de inúmeros serviços que ajudam os pobres a realizar
empréstimos, efetuar depósitos, fazer compras a crédito, cobrir gastos
emergenciais na forma de seguros, etc.
Muitas dessas experiências são temporárias e funcionam sob a influência de
manifestações culturais e econômicas e do ambiente sociopolítico local. Embora se
fundamentem geralmente em mecanismos de confiança e solidariedade, eles
podem contar também com as mesmas características culturais negativas
observadas nos circuitos em que acontecem transações monetárias de alto valor:
disputas de poder, coerção, formas de dominação, etc. Muitas das redes
financeiras informais apresentam, igualmente, elevados custos de transação e
estão sujeitas a regras, por vezes, pouco claras para seus integrantes.
As compras a prazo são um exemplo peculiar da vida financeira popular e dos
estratos médios da população brasileira. De maneira aparentemente inesperada, os
clientes se sujeitam a pagar encargos financeiros muito maiores daqueles
existentes nas operações bancárias tradicionais. Esse tipo de operação é visto como
vantajoso porque apresenta uma série de atributos favoráveis, que não são
oferecidos pelos mercados de crédito bancário: acessibilidade (exige-se poucos
documentos para abertura do crediário e que podem ser, inclusive, obtidos via o
nome de amigos ou parentes), disponibilidade (compra-se quase de tudo a prazo),
rapidez, adaptabilidade dos prazos e parcelas (ainda que possam comprar com um
custo final menor, as pessoas preferem esticar os prazos para pagar prestações
mais baixas), atendimento, transparência (as condições são claramente expostas,
ao contrário dos empréstimos bancários em que as taxas muitas vezes só aparecem
O conteúdo principal deste tópico foi elaborado a partir da tese de doutorado de Búrigo (2006c).
Uma versão adaptada da tese será publicada pela Editora Argos em 2009.
1
8
no valor das prestações) e melhores possibilidades de renegociação (Brusky;
Fortuna, 2002).
Esses autores assinalam que os pobres preferem investir suas eventuais sobras
imediatamente no consumo. Entretanto, como os trabalhos de Bonfil (2001) e
Abramovay (2004a) vêm demonstrar, pode-se argumentar que a falta do hábito da
poupança entre as camadas pobres brasileiras é indicador também da ausência de
instrumentos financeiros adequados a sua condição financeira. A investigação
realizada por Bonfil no México revela que o “esquecimento” em relação à poupança
das famílias mais pobres indica, muitas vezes, um preconceito social arraigado. O
preconceito se dá por se acreditar que as pessoas pobres não possuem cultura
financeira e nem condições para guardar parte de sua renda. A autora desmonta
essas crenças, descrevendo inúmeras formas que os pobres encontram para
economizar e guardar seus recursos. Contudo, eles não o fazem em maior escala
pela falta de instrumentos que lhes garantam uma rentabilidade positiva diante da
inflação. O estudo elaborado por uma organização que congrega boa parte das
cooperativas de crédito de todo mundo revela que os poupadores pobres valorizam
três fatores na escolha ou opção por um serviço de poupança: a tranqüilidade de
que seus recursos não desaparecerão, a conveniência (os recursos estarão
disponíveis no momento que deles se necessite) e a segurança de que os
rendimentos não serão corroídos pela inflação (Woccu, 2003).
Uma pesquisa sobre esse tema coordenada por Abramovay (2004a) demonstrou que
em várias localidades brasileiras são limitações institucionais que excluem os mini e
micro-poupadores e não seu interesse ou sua capacidade. Na falta desses serviços,
eles acabam investindo suas eventuais economias na compra de animais e de terras
(entre os habitantes do meio rural) e itens de consumo, como eletrodomésticos e
outros utensílios (entre os moradores urbanos). Fica claro também, por meio de
diversos exemplos reais, que a poupança é um instrumento fundamental e
corriqueiro que as famílias pobres empregam para se proteger dos imprevistos ou
para se preparar para os “fatos da vida”, como o nascimento ou o casamento de
um ente familiar.
A ausência de serviços financeiros mais coletivos, baratos e impessoais, dificulta o
planejamento das atividades econômicas e a organização da vida financeira
doméstica dos pobres. Isso ocorre, por exemplo, quando eles têm necessidade de
vender parte de seus ativos: por estar em forma não monetária e não fracionária, a
falta de liquidez de sua poupança pode gerar situações pouco vantajosas (é preciso
vender o animal por inteiro, por exemplo). Por sua vez, quando os pobres são
assalariados, o que se vê é uma presença constante de elevados níveis de
endividamento. Para muitas famílias, a garantia salarial estimula as aquisições a
prazo, mas as compras em demasia e os encargos financeiros acabam
comprometendo uma boa parte de sua renda futura (Abramovay, 2004a).
1.1OS
INSTRUMENTOS FINANCEIROS PARA OS POBRES
No campo formal, até pouco tempo atrás, a maioria dos serviços financeiros para o
público de baixa renda seguia as concepções e métodos criados pelos antigos
projetos governamentais de difusão do crédito rural. Sobretudo em países em
desenvolvimento, esses projetos não se preocupavam em estabelecer sistemas
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financeiros formais em ambientes empobrecidos. Acreditava-se que a pobreza
limitava o volume de captação, fato que gerava pequena capacidade de outorga de
créditos, criando custos de transação muito altos para intermediários, devedores e
depositantes.
Em muitos locais, os recursos eram repassados através de grandes bancos estatais e
de outros agentes financeiros externos, gerando um círculo vicioso em termos de
desenvolvimento. A carência de serviços financeiros adequados limitava as
oportunidades dos pobres superarem sua condição de privação econômica. A
manutenção do quadro de depressão restringia a demanda pelos serviços
financeiros locais, e inibia, conseqüentemente, a sua oferta (Gonzalez Veja et al,
2002).
Após os anos 1980, a visão a respeito da pobreza e das finanças foi ampliada pelo
surgimento das novas metodologias de trabalho nesse campo. As novas experiências
foram aprimorando os conhecimentos sobre a vida financeira dos pobres e sobre
quais são as melhores estratégias para se atuar nessa área. Em síntese, os seguintes
aspectos podem ser destacados: i) Os pobres têm uma grande necessidade
insatisfeita de serviços de poupança e pagamentos; ii) Os custos de transação com
práticas bancárias comerciais tradicionais são proibitivos se aplicados em
operações pequenas para clientes de ingressos escassos; iii) as pessoas em situação
de pobreza extrema são capazes de pagar um empréstimo, desde que se ofereça
incentivos claros para fazê-lo e quando o empréstimo seja apropriado a sua
capacidade de pagamento (Carstens apud Bonfil, 2001).
1.1.1A sustentabilidade dos produtos financeiros para os pobres
Um dos temas mais controversos no debate a respeito dos serviços financeiros para
os pobres se refere à questão do equilíbrio financeiro e da sustentabilidade das
organizações. Algumas vertentes liberais acreditam que se deva criar uma
“indústria” em torno da atividade, que siga, ao máximo, as regras do mercado
bancário tradicional. Para essa linha de pensamento, as organizações financeiras
devem receber o mínimo de subsídios diretos e indiretos, pois estes são prejudiciais
à saúde do mercado e delas próprias. Acreditam que, invariavelmente, os subsídios
mascaram ineficiências administrativas, em detrimento de um suposto benefício
social, que também se mostra ineficaz no longo prazo. Somente o livre mercado em
torno da atividade oferece uma solução ótima ao (clássico) trade-off que se
estabelece entre as demandas dos beneficiários mais pobres e a necessidade de se
captar recursos para cobrir os custos desses serviços.
O raciocínio liberal assinala, igualmente, que os subsídios financeiros não são tão
fundamentais para se ofertar empréstimos aos pobres, pois o principal problema
não está no valor dos juros, principalmente se houver garantias de acesso e este
ocorrer no momento adequado. Neste caso, as comparações de taxas deveriam ser
efetuadas com as praticadas pelos agiotas e fornecedores costumeiros desse
público. A cobrança de juros acima do mercado garantiria as receitas necessárias
diante dos maiores custos de transação existentes no setor.
Nos últimos anos, as crenças a respeito dos malefícios dos subsídios têm sofrido
críticas. De uma parte, em alguns países a estratégia de se aplicar taxas de juros
elevadas nos empréstimos de pequeno valor não vem se mostrando factível. Em
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decorrência disso, a sustentabilidade da organização não pode ser garantida pelas
receitas obtidas por meio de taxas de juros acima do mercado. Ao mesmo tempo, o
mecanismo regulador da oferta e procura, que resultaria numa pretensa
concorrência benéfica, não funciona perfeitamente no setor, mesmo porque as
transações financeiras junto aos pobres sofrem interferências de fatores complexos
– vários deles ainda pouco estudados. Para ilustrar tal fato, pode-se citar o caso
brasileiro, onde o mercado das microfinanças não se consolidou2.
Além disso, a defesa dos subsídios ganhou força, entre outras, pelas seguintes
razões: a) aplicar altas taxas de juros não é possível, pois os pobres lançam mão de
outras fontes de crédito mais baratas, além dos agiotas; b) não se pode confundir
os subsídios dados aos beneficiários, com o que as organizações recebem para sua
manutenção; c) a sustentabilidade deve ser analisada numa perspectiva mais
ampla, isto, é, não se trata apenas de garantir a saúde financeira das organizações
(eficiência), pois nesse setor importa o alcance social do trabalho, tanto para aos
beneficiários diretos como à comunidade (eficácia); e d) os bancos públicos, os
bancos cooperativos e as cooperativas também operam projetos com recursos
subsidiados pelo governo federal, sem que isto signifique necessariamente
ineficiência ou ineficácia de sua parte.
É possível concluir que os subsídios não são necessariamente negativos, desde que
sejam aplicados com rigor administrativo e com fins determinados, de forma a
estimular processos de desenvolvimento e de empoderamento dos beneficiários.
Contudo, o temor liberal necessita ser devidamente considerado, pois as
organizações financeiras precisam evitar uma dependência excessiva e permanente
de recursos externos. Geralmente, existem dois caminhos para isso: redução dos
custos (operacionais e de transação) e elevação das receitas. Essas opções
dependem da criação de sistemas de governança inovadores e do desenvolvimento
de interações favoráveis no ambiente institucional que circunscreve as
experiências.
Cabe frisar que a idéia da governança passou a ser utilizada para avaliar a
capacidade das Organizações Micro Financeiras (OMF) depois de ter sido bastante
empregada em estudos a respeito dos limites operativos internos das grandes
corporações empresariais e das que atuam nas bolsas de valores. Para o Comitê de
Trocas, Reflexão e Informação sobre os Sistemas de Poupança e Crédito (Cerise),
criado por organizações européias que atuam na área das microfinanças e das
finanças solidárias, a governança de uma OMF apóia-se na estrutura de
propriedade, associada ao conjunto dos mecanismos pelos quais os dirigentes
eleitos, funcionários e outros definirão e executarão a sua missão (notadamente a
escolha do público alvo, os serviços e a cobertura geográfica) e assegurarão a
perenidade, a adaptação ao ambiente, a prevenção e as soluções para as crises.
Portanto, as OMF que estabelecem bons mecanismos na governança interna têm
mais facilidade de cumprir sua missão institucional, efetuar programas de expansão
Na presente investigação, os termos microfinanças e microcrédito se diferenciam pelo fato do
segundo representar uma modalidade específica dentro da microfinanças. A noção de microcrédito
ficou conhecida mundialmente, a partir dos anos 1980, como sendo o ato de fornecer empréstimos
de pequeno valor às populações excluídas do sistema bancário através de certas condutas
metodológicas, como o uso do agente do crédito e com finalidade produtiva. Assim, os recursos do
microcrédito são gerenciados de maneira auto-sustentada, operados, preferencialmente, via
organizações da sociedade civil, destinados a atividades produtivas e acompanhados do agente de
crédito, que faz a articulação entre o tomador e a organização concedente.
2
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e alcançar a sua viabilidade. Além de ajudar nas escolhas estratégicas, a boa
governança permite identificar e prevenir riscos. Ao ajudar a medir o conjunto do
dispositivo institucional e comportamental que rege o funcionamento de uma
organização, a governança torna-se um dos elementos fundamentais para ampliar a
confiança do público e trazer novos investimentos e recursos às organizações
financeiras.
Para as OMF é primordial que as melhorias na governança estejam associadas
também ao desenvolvimento e a oferta de produtos financeiros que ajudem os
pobres a melhorar seu planejamento familiar (poupança), a reduzirem os impactos
das situações inesperadas (seguros) e a explorar adequadamente suas capacidades
e oportunidades (crédito).
1.1.1.1
Micropoupança
Ainda que a literatura seja quase uníssona em ressaltar a importância dos serviços
de poupança para o desenvolvimento local e para o incremento das finanças
populares, tal procedimento nem sempre é bem conhecido tecnicamente para o
caso dos pequenos depositantes. Em alguns países, os mecanismos informais de
coleta de micro-depósitos locais e domésticos são permitidos e são vistos como
fundamentais para o autofinanciamento do micro-empreendedor e para a autosuficiência dos estabelecimentos financeiros. Em outros países, como o Brasil, a
captação de poupança é facultada às organizações financeiras bancárias e às
cooperativas de crédito. Isso ocorre porque esse serviço é visto como de alto risco
pelas autoridades monetárias, que temem que os problemas decorrentes da falta
de controle no uso dos recursos captados possam trazer prejuízos aos depositantes
e ao sistema financeiro.
A falta de serviços financeiros próximos também desestimula a poupança. A criação
do Banco Postal, – uma parceria da Empresa de Correios e Telégrafos e o Banco
Bradesco – confirma o interesse pelos instrumentos formais de depósitos pela
população brasileira. Desde que surgiu em 2002, o Banco Postal já abriu 5.911
pontos de atendimento, todos eles instalados dentro das agências do Correio.
Procurado principalmente por pessoas excluídas do sistema financeiro ou que não
possuíam contas em suas localidades de domicílio, em agosto de 2008, o Banco
Postal já contava com mais de sete milhões de clientes, sendo 55% mulheres. Os
cadastros do Banco revelam também que 88 % dos titulares dessas contas possuem
renda de até três salários mínimos. Mesmo com esse perfil, em torno de 75% dos
seus correntistas tinham algum valor aplicado na poupança (Rebelato, 2008).
Porém, para se viabilizar uma carteira de poupança junto aos mais pobres, é
preciso equacionar os custos de transação das captações e os problemas
decorrentes da rentabilidade dos depósitos. Para o primeiro caso, as organizações
financeiras podem contar com pessoas da própria comunidade, com o auxílio das
redes sociais e dos arranjos institucionais que sustentam a iniciativa. O
desenvolvimento de carteiras de poupança é importante também para as
organizações fortalecerem seus vínculos sociais e aumentarem o impacto de seu
trabalho, uma vez que o número de poupadores dentro de uma comunidade é,
potencialmente, muito maior do que o de tomadores de crédito. Em vários locais
12
do mundo, a relação entre poupadores e prestatários nas cooperativas de crédito
alcança a média de sete para um.
Outra medida que pode ser adotada é a que estabelece mecanismos de subvenção
cruzada entre os maiores e os menores poupadores. Como mostram pesquisas
realizadas pela organização Woccu, em algumas cooperativas de crédito do
Equador, Quênia, Romênia e Ruanda é possível baixar os custos das carteiras de
poupança fazendo uma combinação de rendimentos entre micro-poupadores (78%
dos poupadores trabalham com valores inferiores a U$ 100,00) e médios
poupadores (responsáveis por 80% do volume dos depósitos).
Em 2002, especialistas mundiais em microfinanças elencaram os elementos
necessários para se implantar serviços de poupança no atendimento de populações
pobres e que vivem em zonas “difíceis”. Os mais importantes são os seguintes: 1) a
existência de uma gama de serviços flexíveis e adaptados, como por exemplo, o
trabalho dos banqueiros ambulantes, dos agentes coletores nos locais de grande
circulação, os mecanismos combinados de poupança obrigatória e voluntária e a
formação de grupos de poupadores articulados com agentes financeiros; 2) as
subvenções cruzadas (fundamentais para viabilizar a carteira); 3) a limitação dos
custos de pessoal (através do recrutamento local e com gente de mesmo nível
socioeconômico); e 4) o apoio na intermediação de redes sociais e grupos, como
forma de reduzir os custos de transação e ampliar o alcance do programa
(Hirschland, 2003).
Encontrar o equilíbrio entre os interesses dos depositantes (que normalmente
desejam maiores garantias e altos rendimentos) e dos emprestadores (geralmente
desejosos do contrário) é um ponto chave para o sucesso das organizações
financeiras. Para tanto, é importante se ter claro que nem sempre os melhores
tomadores de empréstimos são os melhores poupadores.
Outro aspecto importante para se analisar a questão da poupança se refere ao
tema da confiança. Sabe-se que a confiança faz parte do mundo dos negócios
econômicos, servindo de base para a formação de redes sociais, o que é
especialmente importante para se entender o mundo das finanças. Como ocorre no
caso do crédito, a confiança nas instituições que regem as organizações financeiras
é determinante para que os poupadores abram contas e aumentem suas aplicações,
depositando na cooperativa local e não num banco de fora, por exemplo.
1.1.1.2
Microcrédito e a aversão ao risco do sistema
financeiro
As operações de crédito possuem uma natureza complexa. Assim como em outros
fenômenos econômicos, diversos pesquisadores passaram a empregar conceitos da
sociologia econômica e da nova economia institucional para decifrarem a lógica de
funcionamento do crédito e para captarem seus efeitos em termos sociais e
culturais. As operações creditícias envolvem sempre certo grau de racionalidade
dos agentes, ainda que de natureza limitada (Magalhães, 2003). Em muitos casos,
as condutas aparentemente irracionais se justificam pelos laços culturais e pelas
estruturas de poder que condicionam a vida social dos tomadores e dos
emprestadores. Dito de outro modo, as transações financeiras formais e informais
13
se dão em ambientes sociais nos quais se manifestam interesses, motivos,
preferências, costumes e outras características culturais. É por isso que, ao
manejar suas carteiras de empréstimos, os agentes financeiros não podem ignorar
os vínculos sociais e os ambientes institucionais que os cercam.
Em diversas regiões rurais brasileiras, por exemplo, a inexistência de fontes
formais, e de certo modo impessoais, faz com que muitos agricultores pobres
tenham suas necessidades financeiras atendidas por agiotas e comerciantes locais.
É comum que o pequeno lojista local adiante aos agricultores produtos necessários
à subsistência destes. A garantia do negócio é a safra vindoura, num processo
conhecido como venda no “pé” ou na “palha”. O problema é que o valor e o
cálculo dos juros embutidos nos adiantamentos nem sempre são explícitos, ficando
sob o controle dos emprestadores, o que, via de regra, eleva o seu custo
financeiro. Todavia, é preciso entender que os laços financeiros estabelecidos
entre os pobres e os financistas locais envolvem normalmente relações que
transcendem as operações econômicas, pois se sustentam em vínculos de caráter
cultural, emocional, de parentesco, etc.
As investigações de Ferrary (2003) mostraram também como as avaliações sobre os
riscos existentes nas operações de crédito, efetuadas por alguns bancos, podem
incorporar critérios de natureza subjetiva.. Nesses casos, a experiência dos
emprestadores e o conhecimento a respeito da situação de cada tomador contam
muito. Ainda assim, mesmo que os emprestadores disponham das melhores
informações sobre os rumos da economia e sobre quais serão os seus impactos
sobre os financiamentos, é impossível conhecer com exatidão a situação financeira
e às intenções dos tomadores ou o que vai ocorrer durante o período do contrato.
Essa assimetria de informações, que se move do campo das intenções para o da
capacidade de se prever uma situação futura, leva ao aparecimento de problemas
como a seleção adversa e o risco moral. A seleção adversa acontece quando as
organizações financeiras acabam eliminando, de maneira equivocada, uma parte
potencial de sua clientela. Isso ocorre em função da falta do conhecimento pleno,
seja da idoneidade do tomador do crédito, seja da viabilidade dos projetos.
As metodologias de cálculo de risco são incapazes de aferirem corretamente a
viabilidade dos projetos apresentados e quem são os bons pagadores, já que não
podem julgar as reais intenções dos tomadores. Diante desse dilema, as
organizações bancárias preferem adotar medidas prudenciais, normalmente
baseadas em cálculos estatísticos. Com isso fazem seleções rigorosas demais
(adversas), que geram a eliminação indevida de bons pagadores e de projetos
rentáveis, prejudicando os clientes potenciais, seus próprios negócios e a economia
da região.
O risco moral está relacionado com as reais intenções dos clientes a respeito de
suas obrigações contratuais. Quando os tomadores convivem em ambientes
institucionais em que imperam regras sociais e jurídicas insuficientes ou pouco
claras, alguns deles optam por quebrar, de modo oportunístico, os contratos. Esse
tipo de dificuldade é freqüente em programas de financiamento governamentais,
criados de “cima para baixo” ou sem suficiente legitimidade social.
O risco moral ocorre ainda quando as autoridades demonstram que irão relaxar na
execução dos credores ou vão promover anistias (normalmente devido a interesses
políticos). Isso cria distorções institucionais no processo, que levam os tomadores a
14
imaginar que as regras não serão aplicadas para todos os mutuários ou que não
valerão por todo o período do contrato, ou, ainda, que as possíveis sanções não
serão aplicadas nos financiamentos futuros. Em outros casos, o risco moral está
relacionado ao fato do financiador demonstrar incapacidade (real ou presumida) de
estabelecer medidas efetivas para cobrar as dívidas.
A conseqüência da aversão ao risco dos sistemas financeiros tradicionais é que o
serviço de crédito fica circunscrito aos clientes que suportam pagar as taxas e as
tarifas estabelecidas, aos que têm maiores somas de depósitos (reciprocidade) e
aos que oferecem maiores garantias em seus projetos. Isso demonstra que a
exclusão bancária e a conseqüente criação de sistemas informais são reflexos do
mesmo conjunto de fatores que existem no mercado de crédito. Aliás, esse é um
dos motivos pelo qual as “cooperativas de crédito têm desempenhado
tradicionalmente um papel tão importante” (Stiglitz, 2003, p.28), em vários países.
1.1.1.3
O papel estratégico das cooperativas de
crédito
Por estarem inseridas nas comunidades, as cooperativas de crédito tendem a
compensar a menor escala em que operam, reduzindo os custos de transação
advindos da seleção adversa e do risco moral (Besley, 1994, p.27). Elas contam com
as redes sociais para obter informações sobre os emprestadores, o que pode tornar
mais fácil também a aplicação da garantia coletiva (aval solidário), em que os
riscos dos empréstimos são assumidos de forma grupal.
Por vezes, fatores de natureza extra-econômica permitem que as cooperativas de
crédito pratiquem taxas competitivas nos seus serviços de crédito e que têm, não
raramente, o papel regulatório no mercado financeiro local. Além disso, a
existência dessas cooperativas facilita a organização dos financiamentos
“quentes”, que são assim denominados por serem realizados com verbas da própria
comunidade (Bédard, 1986). Ao contrário dos recursos “frios”, obtidos via fontes
externas, os primeiros tornam os membros da comunidade mais vigilantes e
preocupados com a sua aplicação, mesmo porque o mau uso trará conseqüências
diretas para eles próprios (os depositantes).
Ambientes institucionais favoráveis influenciam diretamente nos resultados das
transações financeiras populares e permitem a adoção de estratégias de
sustentabilidade operacional, em que os ganhos coletivos sejam mais importantes
do que os lucros individuais. Essa ação ocorre no sentido contrário do que apregoa
o pensamento econômico neoclássico, confirmando que as pessoas nem sempre se
movimentam no mundo econômico apenas para satisfazer seus próprios interesses
egoístas. Dependendo das circunstâncias, podem proliferar as manifestações
cooperadas altruístas, levando ao que se chama de “economia do
altruísmo” (Zamagni apud Abramovay, 2005), um elemento importante para o
funcionamento das organizações que manejam crédito de maneira solidária e das
que atuam no mundo das microfinanças e do microcrédito.
15
1.2A
ONDA DO MICROCRÉDITO
Em meados da década de 1980, o mundo passou a observar com maior atenção um
conjunto de organizações financeiras que estavam estabelecendo formas
inovadoras de combater a pobreza. Em primeiro lugar, elas conseguiam atingir um
grande número de clientes com serviços financeiros de pequena monta, indicando
que o interesse das pessoas pobres de se relacionar com uma fonte de liquidez
monetária existe e não é eventual. Em segundo, os custos do seu trabalho estavam
sendo cobertos por meio de uma combinação de baixas taxas de inadimplência com
maneiras inéditas de reduzir as despesas operacionais.
O baixo número de maus pagadores devia-se, em parte, à intervenção de
funcionários tecnicamente preparados, que visitavam os clientes periodicamente e
conheciam mais claramente os seus potenciais e limites enquanto empreendedores.
Os custos de transação e a falta de garantias para a liberação de empréstimos
eram, normalmente, supridos por sistemas de aval solidário (garantias cruzadas), e
por taxas de juros semelhantes às praticadas pelo mercado bancário, porém
inferiores às cobradas pelos agiotas.
O Grammen Bank de Bangladesh, o Bank Rakya da Indonésia, o Thai Bank for
Agricultural Cooperatives da Tailândia e, posteriormente, o Banco Sol da Bolívia e o
Comitê Rural Avançado de Bangladesh (BRAC) acabaram virando as referências
internacionais mais expressivas na área do microcrédito e das microfinanças. Estas
organizações acenavam que pela via do microcrédito era possível ajudar os pobres
a organizar empreendimentos produtivos, levando-os a romper a linha da miséria e
adentrar num novo patamar social. O crédito passou a ser visto como um direito
humano e instrumento capaz de promover melhorias das condições de vida e de
renda, criação de empregos, luta contra a pobreza, mais equidade dentro das
relações de gênero e desenvolvimento do setor privado (Gentil, 2002).
Ao invés de perpetuar a dependência externa, as OMF indicavam ser possível gerar
independência institucional e financeira, ainda que isso só fosse viável no médio ou
longo prazo. Assim, através de parcerias com as OMF, os programas públicos de
alívio à pobreza poderiam evitar que os recursos se perdessem na burocracia
governamental, ou fossem desperdiçados em projetos ineficazes, marcados pelos
altos índices de inadimplência ou pela baixa capilaridade. As OMF podiam
igualmente substituir os ineficientes programas financeiros internacionais voltados
aos agricultores pobres criados durante os anos sessenta e setenta e adotadas em
todo o mundo em desenvolvimento.
Durante a década de 1990, quando se tornou a mais conhecida experiência de
microfinanças de todo o mundo, o Grammen Bank impressionou pela visão
inovadora com que enfrentava a questão do atendimento financeiro aos pobres.
Apesar de se caracterizar como uma organização do tipo provedora, isto é,
portadora dos fundos de empréstimo, sua metodologia de trabalho associava o
repasse de recursos a variados percentuais de captação, insistia na necessidade de
se financiar diferentes tipos de atividades, priorizando a participação das
mulheres, e ressaltava a importância do envolvimento das OMF com as redes
sociais.
As perspectivas apontadas por iniciativas como a do Grammen Bank ganharam tanto
destaque que depois de certo tempo elas passaram a contar com apoio financeiro
16
de diversas agências multilaterais. Além disso, os preceitos do microcrédito
começaram a fazer parte da agenda política internacional: os documentos da
Cúpula Mundial do Microcrédito, ocorrida em 1997 na cidade de Washington,
apontavam que, até 2005, cerca de 100 milhões de pessoas pobres – especialmente
mulheres – poderiam sair da condição de miséria, com o apoio de programas de
microcrédito.
Para atingir tais metas, logo depois foram criadas inúmeras linhas de financiamento
e de doações às OMF de várias partes do mundo e surgiram políticas de estímulo às
microfinanças em entidades de cooperação, redes de ONG, fóruns internacionais,
sindicatos, associações e outros movimentos sociais, tanto em países ricos, quanto
em países em desenvolvimento. A Organização das Nações Unidas (ONU) elegeu o
ano de 2005 como o Ano Internacional do Microcrédito.
A evolução das concepções a respeito da pobreza e da desigualdade reforçou
também a necessidade de se analisar as políticas microfinanceiras de modo
associado a outras políticas sociais. Ficou cada vez mais difícil apontar o sucesso de
uma iniciativa microfinanceira apenas pelos bons registros de sua contabilidade ou
pelo volume de suas operações de crédito. Por outro lado, essas constatações
apenas reforçavam aquilo que o cooperativismo de crédito já demonstrara quando
de sua aparição no século XIX: para se atender as necessidades financeiras dos mais
pobres não basta ofertar crédito. Talvez por deixar de observar esses e outros
preceitos é que as entidades especializadas em microcrédito começaram a
demonstrar alguns limites. Essas dificuldades fizeram como que, nos últimos anos,
o entusiasmo sobre o potencial transformador das microfinanças tenha diminuído.
1.2.1 O refluxo
Dados recentes confirmam que o impacto das microfinanças não tem sido tão
espetacular como imaginavam os seus principais baluartes. Em primeiro lugar,
embora tenham crescido em número, as OMF não têm alcançado os resultados
esperados em termos de redução dos níveis de pobreza, em escala planetária. Em
que pesem os avanços obtidos em algumas regiões, o número de pobres aumentou
em várias partes, alterando as metas dos que apontavam prazos para a sua possível
erradicação global.
Mesmo que a “indústria das microfinanças” tenha se expandido, chegando a atingir
mais de 67 milhões de pessoas no final de 2002, este total não significa que os
recursos estejam sendo destinados aos que mais necessitam de apoio. Como lembra
Mick (2004), embora o número das organizações que atuam no setor tenha
crescido, na maior parte dos países, o alcance do microcrédito ao final de 2002 não
chegava a 10% das famílias mais pobres.
Outro aspecto que vem colocando em xeque o potencial transformador do
microcrédito está relacionado à sustentabilidade das OMF. Até mesmo os resultados
apresentados pelo Grammen Bank são alvos de críticas e de controvérsias. Em
termos analíticos, foi ficando patente que o conceito de sustentabilidade das OMF
precisava levar em conta os aspectos institucional, econômico e social, entre
outros; no entanto, a maioria dos estudos na área até então priorizava somente os
dois primeiros. Isso sinalizava que as abordagens de cunho extra-econômico eram
(e são) ainda marginais nesse campo. Até mesmo os estudos sobre as atividades
17
microfinanceiras que adotavam um conceito restrito de sustentabilidade (apenas o
lado econômico ou financeiro) indicavam que o desempenho de muitas OMF estava
distante do ideal.
Como assinalam Hulme; Mosley apud Morduch (2000), ironicamente os bons
resultados da primeira onda do microcrédito, como os obtidos pelo Grammen Bank,
criaram um obstáculo à inovação. Em várias partes do mundo, eles induziram
frustradas tentativas de reprodução, dificultando o surgimento de outras ondas
criativas na área. Para outro conjunto de especialistas, o problema das OMF tem
sido a sua pulverização em termos de estratégia. Ressaltam que essas organizações
não definiram bem a sua missão e forma de atuação. Adotaram arranjos
institucionais confusos e seguiram um contraditório leque de diretrizes econômicas,
motivações políticas e opções ideológicas. As crenças nos poderes do microcrédito
também arrefeceram um pouco dentro de alguns grupos de pesquisadores que
estudam o desenvolvimento, tornando-se recorrente a constatação de que “as
microfinanças não criam oportunidades produtivas, somente ajudam a aproveitar
oportunidades já existentes” (González Vega, 2000, p. 27-28).
Outro problema é o pequeno leque de serviços que as OMF têm oferecido, mesmo
quando as referências mais importantes, como a do Grammen Bank, indicavam que
a eficácia das microfinanças passa pela diversificação dos serviços. Com efeito,
muitas OMF se transformaram em organizações dedicadas ao comércio de pequenos
créditos.
A partir dessas críticas, algumas OMF têm procurado alargar seu portfólio, para se
ajustar melhor à demanda. A nível internacional, pode-se citar exemplos de
inovações que as OMF estão implementando como o micro-cartão de crédito,
financiamento para armazenagem, produtos de poupança, leasing, micro-seguros
para eventualidades e às inadimplências, crédito para habitação e serviços de
transferência de dinheiro para imigrantes (Poursat, 2005).
Em resumo, mesmo observando uma trajetória que passa de uma fase de grande
expectativa e de certa euforia em relação ao seu potencial socioeconômico, e
outra que começa a evidenciar seus percalços e limites, não se pode ignorar que as
microfinanças têm trazido lições valiosas. Inúmeras experiências demonstram que
os pequenos créditos e os demais instrumentos microfinanceiros são meios
importantes de empoderamento, potenciais criadores de capital social, que muitas
vezes está latente nas comunidades ou territórios.
1.2.2 As OMF no Brasil
Embora já existissem projetos localizados de microcrédito no Brasil desde os anos
1970, a sua expansão em maior escala tem sido tardia, tornando-se mais visível
somente na década de 1990. Além da lenta propagação, o microcrédito brasileiro
assumiu diversos formatos institucionais. Devido à inexistência de um marco legal
próprio, as organizações de microcrédito foram sendo criadas com estruturas e
formas de atuação bem diferentes entre si.
Dados do Banco Central indicam que no final em 2007 havia cerca de 230
organizações atuando regularmente no microcrédito no Brasil, sendo o formato
jurídico dessas organizações muito variado: ONG, Organização da Sociedade Civil
18
de Interesse Público (Oscip), Sociedades de Crédito ao Micro-empreendedor e à
Empresa de Pequeno Porte (SCM), bancos privados e agentes governamentais.
Como demonstra a Tabela 1, a seguir, tal universo manejava uma carteira de R$
1,2 bilhão, atendendo em torno de 1,1 milhão de clientes ativos, o que
representava uma penetração muito aquém do esperado – apenas 16% do mercado
potencial, estimado em R$ 12 bilhões. A demanda foi calculada levando em conta a
existência de cerca de dezesseis milhões de pequenas unidades produtivas no país.
Esse universo é formado em boa parte pelos treze milhões de trabalhadores que
atuam por conta própria, dentre os quais sete milhões podem ser considerados
demandantes potenciais de microcrédito (Soares; Melo Sobrinho, 2008, p.29).
Tabela 1 – Composição da oferta de microcrédito no Brasil (Dez 2007)
Tipo
Organizaçõ
Clientes
Valor médio
es
dos
empréstimos (R
$)
SCM
53
20.145
2.531,92
ONG,
OSCIPS, FUNDOS PÚBLICOS
Valor
emprestado
(R$ milhões)
51,01
143
94.856
7.243,47
68,72
1
299.975
782,07
234,60
27
64.637
3.921,06
253,45
BANCOS PRIVADOS
4
65.587
1.680,00
78,70
RECURSOS
-
518.182
970,74
503,02
228
1.063.383
1.768,38
1.189,49
CREDIAMIGO
COOPERATIVAS
TOTAL
DE EMPRESÁRIOS
DIRECIONADOS
Fonte: Soares; Melo Sobrinho (2008, p.30); adaptado pelos autores.
Em 2007, o ranking das cem maiores instituições de microfinanças atuantes na
América Latina e no Caribe, elaborado pela Microfinance Information Exchange,
incluiu apenas três instituições brasileiras: o Crediamigo do Banco do Nordeste (2°
lugar com 329.071 operações), o sistema de cooperativas de crédito Cresol Baser
atuante nos estados do Paraná e Santa Catarina (21° lugar com 76.815 operações) e
a experiência do Centro de Apoio do Pequeno Empreendedor (Ceape) do estado do
Maranhão (78° lugar com 18.189 operações). A título comparativo, enquanto o
Brasil teve somente essas três OMF classificadas nesse ranking, com um total de
424.075 operações, o México participou com onze organizações e 1.191.656
operações. Ou seja, os mexicanos realizaram quase três vezes mais que os
brasileiros em termos de operações microfinanceiras (Gehrke et al, 2008).
Esse quadro demonstra que o Brasil apresenta carências correlacionadas à oferta de
serviços microfinanceiros, em que pese o fato de dispor de um moderno sistema
financeiro. A partir dos elementos disponíveis, é possível concluir que a demanda
por créditos e outros serviços de pequena monta é muito superior à oferta.
Entre 1998 e 2002 foram realizadas algumas pesquisas tentando decifrar por que as
microfinanças brasileiras não se expandiram no ritmo esperado. Os estudos
apontavam que o baixo desempenho tinha as seguintes causas: falta de uma
política pública que desse apoio e orientação estratégica ao setor; falta de uma
legislação e de tecnologias creditícias que permitissem a diversificação de serviços
financeiros pelas OMF; baixa penetração das OMF no mercado de crédito, resultado
de baixa capacidade operacional, insuficiência de marketing e desconhecimento
das demandas; governança confusa, baseada em modelos pouco adaptados à
19
realidade do setor; debilidades gerenciais que limitam a eficiência e a
produtividade das organizações operadoras; e aspectos ligados à cultura financeira
nacional que induzem parte da população a preferir o uso de outras fórmulas para
a obtenção de crédito. Outro dado que passou a se ter em conta nessa reflexão foi
que a maioria das experiências bem sucedidas na área de microcrédito estava
ocorrendo em países onde o sistema financeiro local era pouco desenvolvido, o que
não é o caso do Brasil.
Aguardadas com grande expectativa por setores que atuavam nas microfinanças,
em junho de 2003, o novo Governo Federal empossado anunciou as primeiras
políticas nessa área. Tais ações ficaram conhecidas como o “Pacote do
Microcrédito”. Foi fácil perceber que por detrás das novas regras existia a
preocupação primordial do governo de aumentar o nível de bancarização da
população e alterar as regras do cooperativismo de crédito. Em relação ao crédito,
a prioridade parecia ser estimular a linha de microempréstimos voltados,
sobretudo, ao consumo. Especificamente no item “microcrédito”, embora não o
impedissem, as medidas não se reportavam aos procedimentos metodológicos e
nem se atinham às características jurídicas e de governança que marcam a ação
das OMF no Brasil ou em boa parte do mundo.
Em segundo lugar, o Pacote do Microcrédito sinalizava que o governo apostaria na
expansão da oferta de créditos de consumo de baixa monta, via a rede bancária
tradicional. Uma conseqüência dessa preferência foi que os créditos liberados a
partir de então não se destinaram à criação ou desenvolvimento de perspectivas de
geração de renda para os mais pobres. Ao mesmo tempo, a iniciativa embutia
regras que acabavam prejudicando as operadoras públicas e privadas especializadas
no mercado do microcrédito. Além de não destinar claramente uma fonte de
recursos às suas operações, o Pacote fixava os juros “na ponta” (tomador final) em
2% ao mês, o que, segundo agentes do setor, inviabilizava a rentabilidade dos
negócios nas operadoras. Em outras palavras, para ampliar sua ação nas
microfinanças os agentes bancários poderiam optar pelos recursos dos depósitos
compulsórios. Porém, para as ONG, Oscip e as SCM não havia linhas de crédito
governamentais específicas; ou seja, estes agentes precisariam realizar convênios
com os bancos.
Depois de alguns meses de funcionamento, os programas de bancarização não
funcionaram como o governo planejara. Apesar da elevada quantidade de contas
simplificadas que a Caixa Econômica Federal conseguiu implantar – o Programa
Caixa Aqui ultrapassou 1 milhão de contas em poucos meses – os recursos
destinados aos pequenos créditos não estavam sendo absorvidos pela população, ao
menos na velocidade que os formuladores oficiais imaginaram.
Muitos clientes das contas simplificadas apresentavam restrições cadastrais, o que
os impedia de tomar créditos. A legislação brasileira proibia que os bancos
fechassem contratos com mutuários inadimplentes, não importando o grau de
relevância das pendências. O Governo foi forçado a reconhecer que a população
mais pobre não tem hábito de solicitar empréstimos nos bancos. Esses dois fatores
contribuem a explicar o fato dos sistemas de crediário oferecidos pelos lojistas
continuarem muito utilizados, mesmo que seus juros sejam mais elevados do que os
dos microcréditos bancários.
Diante dos impasses, ao longo de 2004, o governo operou mudanças na legislação,
permitindo os financiamentos para pessoas com pequenas restrições cadastrais.
20
Essa e outras medidas desobstruíram parte das amarras burocráticas existentes na
área e fizeram com que os programas governamentais de microfinanças passassem
a apresentar resultados mais favoráveis.
O processo de incentivo à bancarização acarretou na abertura de milhões de contas
simplificadas, tendo a Caixa como principal agente operador. Notava-se que o
governo estava conseguindo seu intento de aumentar a bancarização,
principalmente por meio das contas simplificadas. Isso vinha sendo garantido pela
instalação de agentes financeiros em todos os municípios brasileiros – como o Banco
Postal e os correspondentes bancários, principalmente.
Na prática, além do consumo, os microempréstimos permitiram que as pessoas
trocassem as dívidas mais onerosas por créditos novos e mais baratos. Nesse
sentido, uma das ações que surtiu mais efeito foi a que permite a oferta de crédito
consignado, com descontos em folha, aos aposentados e a determinadas categorias
de assalariados. Tal iniciativa despertou o interesse de financeiras e bancos
comerciais, que passaram a oferecer o produto com forte apoio de campanhas de
mídia. Outro efeito positivo era que os juros desse “novo mercado” estavam
caindo, embora o crédito ainda custasse em 2005, em média, 2,9% ao mês (40,2%
em termos anuais) – no mesmo período, a taxa de juros do crédito pessoal
tradicional alcançava em média 70,7%.
Apesar dos avanços, os resultados indicavam que os valores movimentados nas
carteiras de microcrédito das operadoras oficiais não eram satisfatórios,
especialmente na questão da inadimplência3. Ficava evidente que a oferta de
microcrédito deveria estar associada a programas de educação financeira (como
fazem as organizações que atuam com microcrédito orientado). Era vital também
que as operações creditícias fossem efetuadas de maneira pessoal, já que com
clientes de baixa escolaridade as operações em caixas eletrônicos são difíceis de
assimilar.
Além disso, a Caixa percebeu que precisava implantar técnicas de monitoramento e
de cobrança mais aprimoradas para atuar nesse setor. Seus técnicos não
encontravam uma resposta plausível para o baixo uso do crédito, que era oferecido
atrelado às contas simplificadas. Ou seja, embora fossem liberados quase que
automaticamente, menos da metade dos clientes tinha retirado esses
financiamentos (Cotias, 2005).
As altas taxas de inadimplência e o aparente paradoxo surgido nas carteiras de
empréstimos populares somente reforçam o argumento de que o crédito é, antes
de tudo, fruto de uma relação social. Desse modo, sua oferta e recuperação
dependem de ações correlatas que estão relacionadas, sobretudo, ao
estabelecimento da confiança e do compromisso mútuo entre os operadores e os
tomadores.
Na opinião de uma parcela das operadoras de microcrédito, as dificuldades se
refletiam principalmente em duas queixas em relação ao governo: Primeiro,
faltavam recursos públicos de funding para alimentar as OMF, visto que a
estratégia de contar com os depósitos compulsórios dos bancos não vingara.
A inadimplência alcançou 8% nos empréstimos do Banco Postal, superou aos 10% no programa Caixa
Aqui. A situação fez com que a direção da Caixa suspendesse temporariamente a emissão dos
créditos dessa linha, em fevereiro de 2005. Mais drástica foi a experiência do Banco Popular
empreendida a partir de 2003 pelo Banco do Brasil. Com uma inadimplência que chegou 30% e um
prejuízo de R$144 milhões, o Banco Popular foi absorvido pelo Banco do Brasil em maio deste ano.
3
21
Segundo, diante dos custos inerentes à metodologia do setor, o estabelecimento do
teto dos juros para o tomador final em 2% ao mês tornara a atividade praticamente
inviável.
Somente 22 meses depois de lançar o Pacote do Microcrédito, e após as pressões
das organizações especializadas4 e de negociações políticas no Congresso Nacional,
o governo federal promulgou, em abril de 2005, novas regras gerais para o setor.
Procurando atender parte das demandas específicas das organizações de
microcrédito, estabeleceu o Programa Nacional do Microcrédito Produtivo
Orientado (PNMPO)5.
Em primeiro lugar, o PNMPO tentava sanar a celeuma conceitual criada pelas
medidas anteriores. A partir de uma decisão referendada no Conselho Monetário
Nacional, o referido Programa estabeleceu uma definição para o microcrédito
produtivo orientado, determinando que ele se fundamentava no contato direto de
um agente de crédito com os empreendedores, no local onde é executada a
atividade econômica. Agora, o valor e as condições do crédito são aprovados
somente depois da avaliação da atividade e da capacidade de endividamento do
tomador. Ou seja, como o próprio nome do novo Programa anuncia, os
microcréditos deverão ser direcionados, de forma orientada, para setores mais
pobres que desejem iniciar ou melhorar iniciativas de caráter produtivo.
Dados a respeito do número de clientes publicados em Soares; Melo Sobrinho (2008)
indicam que até o final de 2006 existiam 690 mil clientes ativos de microcrédito no
Brasil. Comparando esse número com o apresentado na Tabela 1, em que se
registra a presença de 1,1 milhão de beneficiários no final de 2007, pode-se
afirmar que a política do PNMPO começou a demonstrar efeitos positivos. A quase
duplicação dos clientes em apenas um ano aponta um aquecimento das atividades
de microcrédito, muito embora o número de atendidos esteja ainda aquém do
indicado pelos estudos que avaliam o potencial do setor das microfinanças no país.
2
SISTEMAS DE FINANCIAMENTO DO DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL
SUSTENTÁVEL: LIÇÕES DO CREDIAMIGO E DO COOPERATIVISMO DE CRÉDITO
RURAL SOLIDÁRIO
Conforme foi destacado na Introdução, um dos pressupostos de base deste estudo é
que a concepção de Sistemas de financiamento do desenvolvimento territorial
sustentável para as condições socioeconômicas das zonas rurais brasileiras não deve
contemplar de forma exclusiva e nem prioritária os chamados atores “portadores
de projetos”. Esse pressuposto decorre da constatação empírica de que um
contingente expressivo de atores rurais não integra o público prioritário das
As principais operadoras de microcrédito no Brasil são representadas pela Associação Brasileira dos
Dirigentes de Entidades Gestoras e Operadoras de Microcrédito, Crédito Popular Solidário e
Entidades Similares (Abcred).
5
O PNMPO visa atender as necessidades creditícias de pequenos empreendedores com rendimento
bruto de R$ 60 mil por ano. Deve operar com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e
de uma parcela equivalente a 2% dos depósitos compulsórios recolhidos pelos bancos privados e
públicos ao BC. Os empréstimos aos tomadores podem chegar a R$ 5 mil e a taxa de juros deverá ser
de no máximo 4% ao mês, sendo que os financiamentos são concedidos por meio de Oscip,
cooperativas de crédito, SCM e agências de fomento. Os contratos podem substituir as garantias
reais por formas alternativas de aval, a serem estabelecidos pelos próprios agentes.
4
22
principais ONG, organizações profissionais agrícolas, movimentos sociais e sindicais,
que atuam no meio rural e auxiliam na concepção e captação de recursos
financeiros para projetos de desenvolvimento rural. A idéia de “portadores de
projetos” foi difundida em programas de desenvolvimento territorial da União
Européia, a exemplo da iniciativa denominada Liaison entre Actions de
Développement de l’Economie Rurale (Leader)6. A adoção das orientações dessa
iniciativa como referencial em diversos países de outros continentes sem, no
entanto, uma devida adequação às realidades sociais específicas pode bloquear a
emergência e a expansão de ações inovadoras e adequadas à realidade
socioeconômica do país. A investigação de Trouvé (2007) demonstra que, mesmo
nos países da UE, essa orientação começa a ser questionada, já que a maioria dos
programas públicos que a adotam não contempla uma parcela significativa de
famílias rurais menos integradas nas redes sociotécnicas e políticas das principais
instituições rurais e agrícolas.
Essa análise parte, portanto, de uma lógica diferente do que normalmente ocorre
nos programas públicos de desenvolvimento rural. Ao invés de considerar que o
ponto de partida deva ser o apoio e a difusão de experiências pilotos, levadas a
cabo por empreendedores rurais (agrícolas ou não) que se encontram nas
categorias intermediárias da pirâmide social, a idéia aqui apresentada é que as
iniciativas de desenvolvimento territorial sustentável contemplem, de forma
prioritária, os atores sociais que se encontram na base dessa pirâmide.
Tendo em mente essas questões é que este estudo adotou como referencial
empírico duas experiências brasileiras de microfinanças com mais de dez anos de
existência. São iniciativas consolidadas que já romperam os limites dos chamados
projetos pilotos, representando verdadeiros embriões de Sistemas de
financiamento do desenvolvimento territorial sustentável. O Programa Crediamigo
do Banco do Nordeste e o Cooperativismo de crédito solidário coordenado pela
Ancosol são exemplos de experiências que atendem o desafio destacado por Ignacy
Sachs de se ampliar a escala dos projetos estratégicos de desenvolvimento
territorial7. Ambas contemplam, também, a necessidade mencionada por Sachs de
evitar os chamados “arquipélagos desarticulados” de ações de desenvolvimento.
2.1O PROGRAMA CREDIAMIGO
DO
BANCO
DO
NORDESTE
Segundo Silvana Parente, uma das idealizadoras do Programa Crediamigo, esta
iniciativa do Banco do Nordeste (BN) está associada ao processo de estabilização da
economia deflagrada com o Plano Real em meados dos anos 1990. A nova realidade
econômica implicou na readaptação dos agentes financeiros, que depois de um
longo período de convívio com altos índices inflacionários, tiveram que diversificar
suas fontes de rendimentos e formas de atuação. É nesse cenário que o principal
agente financeiro público da região nordeste assumiu o desafio de apoiar o setor
micro-empresarial formal e informal, por meio do desenvolvimento de tecnologias
financeiras apropriadas aos pequenos negócios. A experiência bem sucedida do
Para uma análise crítica da capacidade desse Programa em integrar nas suas ações famílias rurais
de baixa renda ver, dentre outros, Cazella (2002b).
7
Palestra proferida durante o III Fórum internacional de modelos e instrumentos para gestão social
dos territórios organizado pelo IICA entre os dias 05 e 07/11/2008 na cidade de Fortaleza (CE).
6
23
programa de crédito para a classe de renda baixa de Bangladesh (Grameen Bank)8
serviu de inspiração para a concepção, em 1998, do Programa de Microcrédito
Crediamigo.
Desde então, o BN vem aprimorando e adaptando instrumentos de apoio à
aplicação do microcrédito, com ações que apontam para a incorporação dos
preceitos do desenvolvimento territorial no arcabouço do seu Programa. Dentre as
principais idéias em curso encontram-se a figura dos “agentes de crédito”, a
adoção de sistemas de aval solidário, a implantação de serviços de orientação aos
empreendedores de baixa renda, a animação de fóruns de discussão municipais
denominado de “Farol do Desenvolvimento”, o Crediamigo Comunidade (Village
Bank), o Agroamigo e a parceria com o Instituto Nordeste Cidadania (INEC).
Esse conjunto coordenado de medidas explica o fato do Crediamigo ser hoje o
segundo programa de microcrédito existente na América Latina e Caribe. As lições
positivas obtidas na gestão desse tipo de crédito inicialmente circunscritas no meio
urbano estão sendo, aos poucos, transferidas para o meio rural. É o caso do
Agroamigo, que se volta para a aplicação do chamado Grupo B do Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf B)9 e do Crediamigo
Comunidade. Ressalte-se, no entanto, que o enquadramento do Crediamigo como
um programa de microcrédito estritamente urbano, a exemplo do que afirmam
alguns dos seus dirigentes e funcionários entrevistados, mas também Neri (2008)10,
precisa ser relativizado. É verdade que uma parcela importante dos seus clientes
habita em
aglomerações metropolitanas, mas os microempreendedores de
pequenos municípios do interior nordestino atendidos pelo Programa não apenas
são habitantes rurais, como representam uma categoria de atores sociais e
econômicos importantes no contexto local, com potencial de inclusão nas ações
formais de desenvolvimento territorial. Esses temas serão retomados na
continuidade desta análise.
Outra ferramenta do Crediamigo que começa a ser difundida nas zonas rurais, após
ter sido testado em zonas urbanas, é o Crediamigo Comunidade, inspirado na idéia
de Village Bank, ou banco da comunidade. Como explica Abramovay (2008), essa
modalidade do Crediamigo agrupa entre 15 e 30 pessoas de uma comunidade, que
participam de uma mesma conta poupança gerida por três membros do grupo, além
de disporem de contas bancárias simplificadas. Dentre outras especificidades que
diferencia essa modalidade das demais regras e serviços prestados pelo Programa,
encontra-se o fato de admitir a integração de pessoas com pendências junto aos
serviços de proteção ao crédito, decorrentes de pequenas dívidas não-bancárias, e
a possibilidade de tomar crédito sem ter um ano de atividade no ramo que deseja
financiar. Até dezembro de 2007, o Crediamigo Comunidade dispunha de 1.145
“bancos”, vinte mil clientes e R$ 5,6 milhões de carteira ativa.
O Banco do Nordeste não se limitou a se espelhar no sucesso dessa experiência, cujos resultados e
reconhecimento internacional justificam a atribuição do Prêmio Nobel da Paz de 2006 ao seu
principal idealizador (Muhammad Yunus). Outras iniciativas de microcrédito foram consideradas, a
exemplo do Banco Rakyat (Indonésia), Banestado e Banco de Desarollo (Chile), Finasol (Colômbia) e
BancoSol e Caja de los Andes (Bolívia).
9
Linha de crédito do Pronaf que beneficia agricultores familiares de baixa renda: faturamento bruto
anual inferior a R$4.000,00, excluídas as rendas de programas sociais públicos. O teto máximo do
empréstimo anual chega a R$1.500,00, com carência de até dois anos, taxa de juro anual de 0,5% e
bônus de adimplência de 25% do valor principal e dos juros.
10
Trata-se da análise mais recente e exaustiva sobre essa experiência e com a qual se estará
constantemente dialogando neste estudo.
8
24
O objetivo principal deste tópico consiste em identificar possíveis “lições
metodológicas” a serem adotadas por outras instituições financeiras – já existentes
ou a serem constituídas –, a partir da análise tanto dos mecanismos de gestão,
quanto dos principais resultados do Crediamigo. Em termos específicos pretende-se
elaborar uma síntese de ações e medidas passíveis de comporem uma agenda de
cooperação interinstitucional, com vistas à estruturação, no médio prazo, de
Sistemas de financiamento do desenvolvimento territorial sustentável.
2.1.1 Síntese do processo de gestão do Crediamigo e dos
seus principais
resultados
A atuação do Banco do Nordeste se dá, fundamentalmente, na área de abrangência
da Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) - nove estados
nordestinos, norte de Minas Gerais e nordeste do Espírito Santo -, mais o Distrito
Federal11. Depois de alguns anos de funcionamento dentro da estrutura do Banco,
atualmente composta por 170 agências e 53 postos de atendimentos, o Crediamigo
conta com uma estrutura própria de gestão. Para isso, o BN firmou um convênio, no
final de 2003, com o Instituto Nordeste Cidadania (INEC), uma Oscip criada pelos
funcionários do Banco em 1993. O objetivo principal dessa parceria consiste na
diminuição dos custos operacionais do Programa, além de aprimorar as condições
de gestão por meio da disponibilidade de um quadro de funcionários especializados
em operações de microcrédito. Membros experientes do Banco encontram-se na
administração desse Instituto, que investe na formação de recursos humanos com
capacidade não só contábil e administrativa, mas imbuídos em operacionalizar a
missão do Programa, a saber: “contribuir para o desenvolvimento do setor
microempresarial, mediante à oferta de serviços financeiros e de orientação
empresarial, de forma sustentável, oportuna e de fácil acesso, assegurando novas
oportunidades de ocupação e renda” (Banco do Nordeste, 2008).
Essa missão condiz com os valores dos empréstimos realizados pelo Programa, que
podem variar de um mínimo de R$100,00 a um máximo de R$10.000,00, seja como
capital de giro, seja como investimento fixo. O endividamento máximo permitido é
do teto para capital de giro e de R$5.000,00 para investimento. As taxas de juros
mensais também dependem do tipo de operação e em todas é cobrado uma Taxa
de Abertura de Cadastro (TAC) de até 3%. Para capital de giro com valores
inferiores a mil reais incide 1,95% ao mês (a.m.) e para as operações superiores a
essa soma os custos se elevam para 2 a 3% a.m. Já para os contratos de
investimento fixo, a taxa de juros é de 2,95% a.m. (Cf. Tabela 2).
Tabela 2 - Tipos de operações, tetos e taxas de juros praticados pelo Programa Crediamigo
Tipo/Teto
Valores emprestados
Até mil reais
Capital de Giro
1,95% + até 3% TAC
Entre mil e dez mil
reais
2 a 3% + até 3% TAC
Entre cem e cinco mil
reais
-
-
-
2,95%+ até 3% TAC
Investimento Fixo
Fonte: Banco do Nordeste (2008).
Encontra-se em estudo a possibilidade do Crediamigo passar a atuar também na favela da Rocinha
no Rio de Janeiro, com apoio da agência local do BN.
11
25
Nos empréstimos para capital de giro, os prazos para reembolso variam de um a
seis meses e, nos contratos de investimento fixo, chega a 36 meses, sem carência.
A inexistência de período de carência para iniciar o pagamento explica, em parte,
o fato das operações financiadas só considerarem os casos de microempreendimentos (formais e informais) que já estejam em funcionamento há pelo
menos um ano. Ou seja, não são financiados projetos para quem deseja começar
uma nova atividade. Esse aspecto pode representar um gargalo do Programa que
precisa ser analisado com maior acuidade.
Em relação aos custos dos empréstimos reside um aspecto importante do
Crediamigo: atualmente o Programa não traz embutido nenhum tipo de subsídio
seja do próprio Banco, seja de outros agentes12. Seu sistema de gestão em parceria
com o INEC reduz os custos operacionais com salários de funcionários e permite
resultados contábeis positivos. Como destaca Neri (2008, p.18), “o lucro é positivo,
mas não abusivo (cerca de R$50,00 por devedor ao ano), o que gera a
sustentabilidade da relação com os clientes”13.
Até agosto de 2008, o Crediamigo tinha 352 mil clientes, tendo por meta atingir um
milhão até 2011. As estimativas feitas por Neri (2008) sobre o mercado potencial de
microcrédito no Brasil e no Nordeste são, respectivamente, de 13,3 milhões e 4,6
milhões trabalhadores por conta própria e empregadores, excetuando os
empreendimentos agropecuários. Percebe-se, assim, que o Crediamigo contemplou
até agosto de 2008 quase 8% da clientela potencial de microcrédito existente na
região. O Gráfico 1 ilustra a evolução do número de beneficiários no período de
dezembro de 2003 a agosto de 2008.
Gráfico 1 - Número de clientes ativos do Crediamigo – em mil (2003 – 2008)
277,3
234,6
85
dez/03
106,7
dez/04
136,2
dez/05
170,6
dez/06
Ano
dez/07
ago/08
Fonte: Banco do Nordeste - Crediamigo.
Já os dois gráficos a seguir apresentam, para esse mesmo período, os montantes
financiados que se encontram em carteira ativa (Gráfico 2) e o total desembolsado
ao longo do ano (Gráfico 3). A carteira ativa considera os valores dos contratos em
vigência normal ou em atraso de até noventa dias. Em meados de 2008, seu
montante atingiu R$ 277,3 milhões, enquanto o valor total desembolsado no ano de
Segundo Silvana Parente, o Crediamigo recebeu aportes do Banco Mundial nos primeiros anos de
funcionamento.
13
Como se viu no tópico anterior, a questão da auto-sustentação das OMF é uma questão
controversa. Mesmo admitindo que o Crediamigo receba ainda alguma forma de ajuda técnica e
institucional do BN é inegável que o Programa alcançou bons padrões de eficiência em termos
operacionais e financeiros.
12
26
2007 alcançou R$ 794,2 milhões. Esses gráficos, juntamente com o do número de
clientes, permitem observar o crescimento constante que o Programa alcançou nos
últimos anos, comprovando a existência de um amplo mercado potencial
microfinanceiro na região.
Gráfico 2 - Carteira ativa do Crediamigo - R$ milhões (2003 – 2008)
277,3
234,6
85
106,7
dez/03
dez/04
170,6
136,2
dez/05
dez/06
Ano
dez/07
ago/08
Fonte: Banco Nordeste - Crediamigo.
Gráfico 3 - Valores desembolsados pelo Crediamigo - R$ milhões (2003 – 2008)
368,2
dez/03
440,9
dez/04
639,6
548,2
dez/05
dez/06
794,2
dez/07
643,8
ago/08
Ano
Fonte: Banco Nordeste - Crediamigo.
Para analisar os valores médios dos contratos torna-se necessário comparar a
quantidade de operações e os valores desembolsados no ano, já que um mesmo
cliente pode efetuar mais de uma operação ao longo do período. Para tanto, seus
endividamentos anteriores precisam estar quitados. Aqui incide uma metodologia
do microcrédito que consiste em reduzir ao máximo o prazo de carência e efetuar
operações progressivas em termos de montante emprestado, sobretudo, para os
novos clientes. Trata-se de um processo educativo e de acompanhamento da
clientela que tem auxiliado a manter baixo o índice de inadimplência. Soma-se a
esse procedimento o papel fundamental dos agentes de crédito, que visitam o
tomador de crédito na semana anterior do prazo de vencimento das suas parcelas
e, se for o caso, imediatamente após ter ocorrido o atraso do pagamento. O
Gráfico 4 revela que as médias das operações também aumentaram entre 2003 e
agosto de 2008, passando de R$847,00 para R$1.030,00.
27
Gráfico 4 - Valor médio dos empréstimos efetuados no Crediamigo - R$ (2003 – 2008)
846,80
dez/03
920,
00
868,20
dez/04
dez/05
926,4
0
dez/0
6
Ano
963,00
dez/07
1.029,90
ago/08
Fonte: Banco do Nordeste – Crediamigo.
Mas é no tocante ao controle da inadimplência que reside, seguramente, um dos
principais indicadores de solidez do Programa. Nas normas do Crediamigo
considera-se como inadimplente o tomador de crédito que atrasar o pagamento a
partir de um dia. Com base nesse parâmetro, a inadimplência caiu de 2,09% em
2002 para menos de 1% a partir de 2004, índice que se manteve nos anos
subseqüentes (Cf. Gráfico 5). Esse resultado encontra-se abaixo dos 4% registrados
pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no Programa
Nacional de Microcrédito Produtivo e Orientado (PNMPO). Além disso, a elevada
taxa de adimplência do Crediamigo contrasta com o fracasso recente da
experiência do Banco Popular, sob a tutela do Banco do Brasil. Segundo Hayashi da
Cruz (2008), a inadimplência do Banco Popular chegou aos 30%, estando
atualmente em 17%, o que resultou num prejuízo de R$144 milhões.
Gráfico 5 – Percentual de inadimplência do Crediamigo a partir de um dia (2002 – 2008)
2,09%
1,81%
0,84%
2002
2003
2004
0,84%
0,73%
2005
2006
0,81%
2007
1,00%
2008
Ano
Fonte: Banco do Nordeste – Crediamigo.
Os bons índices de retorno dos valores emprestados estão diretamente associados
ao seu sistema de gestão. Sua estrutura operacional não se encontra assentada de
forma exclusiva, nem nas agências e postos, nem no quadro de pessoal do BN. Nos
pontos de atendimentos diversos, a exemplo de sedes de prefeituras, sindicatos,
Emater e Correios, a figura do “assessor de crédito” representa a base da
tecnologia de microcrédito. A proximidade e o conhecimento interpessoal entre o
tomador de crédito e o assessor representam a chave do sucesso.
Como aponta Abramovay (2008, p.25), “é claro que a proximidade pode abrir
caminho igualmente a empréstimos realizados de maneira inadequada e pouco
criteriosa, por razões familiares ou de amizades”. No entanto, o rigor gerencial do
Programa permite identificar e punir aqueles assessores que não adotam os
preceitos operacionais que lhes são repassados de forma sistemática nas ações de
28
capacitação. Além disso, a vinculação de parte da remuneração desses agentes aos
resultados de adimplência e do tamanho da sua carteira de crédito reforça o
compromisso mútuo e os laços de solidariedade entre assessor e beneficiado.
Associado à atuação do “assessor de crédito”, outro elemento que integra a
engenharia de gestão e que certamente tem um peso explicativo importante para
os elevados índices de adimplência do Crediamigo é a intenção deliberada de
privilegiar a participação da mulher nas tomadas de empréstimos. Nada menos que
64% das operações de microcrédito são efetuadas por mulheres, conforme se
observa na Ilustração 2. Essa orientação não é uma inovação da experiência
brasileira, mas a sábia adoção de uma das lições que estão na origem do Grameen
Bank:
Ser pobre em Bangladesh é duro para todo mundo, mas é pior ainda
quando se é mulher. E quando as mulheres vêem surgir uma possibilidade,
por modesta que seja, de sair da pobreza, elas se revelam mais combativas
que os homens. (...) Na prática nós constatamos que as mulheres que
vivem na miséria se adaptam melhor e mais rapidamente que os homens ao
processo de auto-assistência. Elas são também mais aplicadas, procuram
garantir o futuro dos filhos e revelam uma constância maior no trabalho
(Yunus; Jolis, 2003, p.116-117).
Esses autores dedicam três capítulos exclusivos do seu livro a essa temática (Por
que emprestar dinheiro às mulheres, de preferência aos homens?; O primeiro
contato com as financiadas (ocultas pelo purdah); Ser mulher e trabalhar para o
Grameen), além de constantes referências e exemplos sobre a importância de se
considerar de forma contundente a questão de gênero na concepção de sistemas de
microfinanciamentos. Em Blangadesh, as mulheres eram responsáveis por menos de
1% dos empréstimos concedidos pelos bancos. Na fase experimental do Grameen foi
fixada a cota de 50% de empréstimos para mulheres, sendo que na atualidade esse
índice chega a 94% (Neri, 2008).
Ilustração 2 – Distribuição dos empréstimos no Crediamigo por gênero (ago 2008)
Homem
36%
Mulher
64
%
Fonte: Banco do Nordeste – Crediamigo.
Não é necessário muito esforço para demonstrar que essa orientação não é tomada
a sério pela maioria de dirigentes de instituições financeiras e de apoio ao
desenvolvimento rural. No Brasil, o caso mais gritante nessa área diz respeito ao
Pronaf. Após mais de doze anos de existência desse Programa de crédito rural, a
participação da mulher é pífia inclusive no interior de iniciativas levadas a cabo por
organizações representativas da agricultura familiar. O estudo de Fernandes (2008)
revela que mesmo o movimento de cooperativismo de crédito solidário difundido
nos últimos quinze anos no sul do país não tem dado a devida atenção a esse tema.
29
A linha de crédito denominada Pronaf Mulher registra um número de contratos
insignificantes no cômputo geral do Programa.
A avaliação efetuada por Neri (2008, p.303) sobre os benefícios econômicos que o
Programa propiciou nos negócios dos clientes revela que a maioria melhorou de
forma considerável sua renda. “A probabilidade de um cliente ultrapassar as linhas
de pobreza especificadas aumenta consideravelmente a cada seis meses, quando
ele se mantém como cliente ativo. Aqueles indivíduos com mais de cinco anos no
programa têm uma probabilidade maior de deixar essa situação (...)”. No entanto,
outra constatação efetuada por esse autor encontra-se no fato do Crediamigo não
contemplar entre a sua clientela a porção mais pobre dentre os pobres, residindo aí
um aspecto limitante a ser superado. Além disso, o Programa ainda não tem uma
clara orientação no sentido de aprofundar sua atuação no meio rural e menos ainda
de buscar uma inserção territorial explícita, por meio de parcerias com os fóruns
territoriais existentes. Esses temas serão abordados na seqüência.
2.1.2 Territorializar e ruralizar o Crediamigo: quais desafios?
Neste estudo, acredita-se que o esforço da parte do Banco do Nordeste de incluir a
população de baixa renda nas operações de microcrédito representa uma
oportunidade inusitada para as políticas de desenvolvimento territorial, sobretudo,
em zonas rurais. Em outras palavras, os atores sociais e organizações implicados
com o planejamento do desenvolvimento territorial podem aprofundar essas ações
dando-lhes uma maior injeção de demanda e controle social. Trata-se
explicitamente de adensar o Programa nos pequenos municípios interioranos dos
estados nordestinos. Com isso, o Agroamigo cumpriria o relevante papel de
promover a inserção financeira de atores não necessariamente do universo agrícola
presentes nas zonas rurais.
A medida imediata passa pela incorporação do tema de construção de sistemas de
financiamento na agenda dos fóruns de gestão dos territórios. O ponto de partida
de ações nessa área implica, a nosso ver, em negociar com o Banco do Nordeste a
difusão e intensificação do microcrédito em territórios rurais, prevendo a alocação
de agentes de crédito nesses espaços. Em contrapartida, cada fórum territorial
deve fornecer uma base de apoio à atuação desses agentes, se implicando inclusive
no controle social dos empréstimos efetuados.
Nessa direção, o Crediamigo Comunidade representa, sem dúvida, um importante
mecanismo à disposição dos articuladores territoriais com vistas a deflagrar um
processo embrionário de construção de sistemas territoriais de financiamento. Nas
palavras do Superintendente do BN responsável pelo Programa, “o Crediamigo
Comunidade é um embrião para a constituição de cooperativas de crédito”.
Soma-se a isso a iniciativa recente do Banco do Nordeste de estender sua
experiência de microcrédito para o meio agrícola por meio do lançamento do
Programa Agroamigo. Conforme visto anteriormente, esse novo programa tem por
objetivo aprimorar o processo de gestão da modalidade do Pronaf B, que tem
registrado em muitos municípios nordestinos o alarmante índice de 30% de
inadimplência. A análise desse tema realizada por Abramovay (2008, p.18) revela
que a situação não é decorrente de calamidades naturais, a exemplo da seca, mas
da difusão, “por parte de organizações e locais, da mensagem de que os créditos
30
serão renegociados e que, portanto, não vale a pena honrar os compromissos
assumidos”.
Depois de três anos de atuação do Banco do Nordeste nessa modalidade de crédito,
aplicando a metodologia de gestão do Crediamigo, a inadimplência do Pronaf B caiu
para a casa dos 3,2%. “A grande novidade do Agroamigo é que os financiamentos
passam a ser geridos por um assessor de crédito, responsável por uma carteira de
projetos e que estabelece uma relação personalizada com cada agricultor
beneficiário do Programa” (Abramovay, 2008, p.24). Em relação a esse tema, os
fóruns territoriais também podem contribuir no processo em curso, deflagrado pelo
Ministério do Desenvolvimento Agrário em parceria com o BN, que tem por objetivo
recuperar os níveis de controle do Pronaf B. As experiências brasileiras e
internacionais na área do crédito são elucidativas para se afirmar que
comportamentos oportunistas, a exemplo do que vem ocorrendo com o Pronaf B em
alguns municípios nordestinos, retardam e, no limite, inviabilizam a construção de
sistemas financeiros territoriais sólidos e controlados socialmente14.
Por fim, cabe destacar a difusão desigual do Crediamigo entre os estados
nordestinos. Desconsiderando o Distrito Federal e os dois estados da região Sudeste
(ES e MG), na ponta superior de todos os principais indicadores do Programa
encontra-se o Ceará, enquanto o Sergipe registra os menores resultados, a saber:
quase 90 mil contra 13,6 mil clientes ativos em dezembro de 2007; cerca de um
milhão de operações e R$765,7 mil acumulados contra 225,5 mil operações e R
$175,2 mil acumulados entre 1998 e 2007 (ver Gráfico 6 e Gráfico 7). É claro que
nesse tipo de análise o peso da população total de cada estado influencia na maior
ou menor incidência do Programa. No entanto, se o propósito é auferir maior
equidade territorial e aumentar a incidência do Crediamigo nas zonas rurais é
preciso “politicamente, a ser desigual para compensar as desigualdades” (Pisani,
1994).
Gráfico 6 - Quantidade acumulada de operações do Crediamigo por UF (1998 – 2007)
998.550
542.110
5. 5
447.741
22
341.777
354.053241.814 3
149.641
2.621 3.787
AL
BA
CE
5
448.366
244.653
DF
ES
MA
MG
PB
PE
PI
RN
SE
Estados
Fonte: Banco do Nordeste – Crediamigo.
Tal postura resulta nos conhecidos problemas de risco moral abordados no tópico 1.1.1.2 deste
estudo.
14
31
Gráfico 7 - Valores desembolsados acumulados do Crediamigo por UF - R$ mil (1998 -2007)
765.756,3
542.045,3
22
9
1.
,
01
473.680,6
4
355.395,6346
268.357,3
156.72
.4
23
,0
19
3
8.2
7
17
5.2
42
4.272,24.721,1
AL
BA
CE DF
ES MA MG
PB
PE
PI
RN
SE
Estados
Fonte: Banco do Nordeste – Crediamigo.
A redução dessa distribuição desigual representa outro desafio a ser assumido pelos
atores sociais implicados na promoção do desenvolvimento territorial sustentável.
Em síntese, pelo menos três medidas imediatas poderiam ser negociadas pelos
representantes territoriais e a direção do Banco do Nordeste: i) ruralização do
Crediamigo por meio da alocação de agentes de crédito, que passariam a atuar de
forma mais intensa nos municípios interioranos em parceria com os fóruns
territoriais. Nessa operação, uma ênfase especial seria dada à difusão do
Crediamigo Comunidade, que na experiência do Grameen Bank é
fundamentalmente rural; ii) aprofundamento do Agroamigo associado à uma força
tarefa territorial de redução da inadimplência da modalidade do Pronaf B; iii)
intensificação do Crediamigo para os estados nordestinos menos beneficiados pelas
distintas modalidades desse programa.
Com isso, acredita-se que, no médio prazo, muitos territórios nordestinos terão um
acúmulo de boas práticas e, por conseguinte, de capital social relacionado ao tema
do crédito. Essa experiência acumulada e, consequentemente, um contingente de
atores capacitados também fortalece a proposta de estruturação de cooperativas
de crédito rural, consideradas neste estudo uma organização que avança na
construção de sistemas de financiamentos territoriais.
2.2O COOPERATIVISMO
DE CRÉDITO SOLIDÁRIO
2.2.1 Antecedentes
Diante do quadro institucional e legal, vários autores sugerem que o
cooperativismo de crédito seja a referência mais promissora para se popularizar as
finanças no Brasil (Cazella, 2002a; Abramovay, 2003; Bittencourt, 2003; Búrigo,
2006c). Além de ser uma sociedade de pessoas e não de capital, a cooperativa de
crédito é a única organização legalmente autorizada (além dos bancos) a captar
depósitos (poupança) – um dos instrumentos chaves para se dinamizar a economia
local.
Para se ter idéia da importância que as cooperativas de crédito detêm em vários
países desenvolvidos pode-se citar o caso da Alemanha. Nesse país perto de 15% da
32
movimentação financeira é intermediada por organizações cooperativas – são
aproximadamente 33 mil pontos de atendimento que servem mais de trinta milhões
de clientes (para uma população total estimada em 82 milhões de pessoas). Além
do peso real que as cooperativas de crédito representam na economia, sua
existência exerce um papel fundamental na regulação do mercado financeiro
nacional e como contraponto diante do efeito concentrador formado pela
globalização do mercado bancário.
Mesmo que sua presença venha aumentando nas últimas décadas, nota-se que as
cooperativas de crédito ainda não se tornaram uma alternativa frente à expansão
dos sistemas bancários privados no Brasil. Em dezembro de 2007, as 1.462
cooperativas de crédito brasileiras e seus 2.621 postos de atendimento cooperativo
(PAC) atendiam somente 3,5 milhões de associados. Juntas, essas organizações
representavam 2,3% do patrimônio líquido, 1,3% dos ativos totais, 1,3% dos
depósitos e 2,1% das operações de crédito do segmento bancário 15 (Soares; Melo
Sobrinho, 2008, p.122).
Apesar de sua escala micro, quando comparadas com os valores que circulam no
mercado financeiro nacional, as cooperativas de crédito brasileiras têm efeitos
objetivos na vida das famílias que elas beneficiam, como também reforçam a
capacidade e a possibilidade de se desenvolver iniciativas financeiras junto a
atores sociais tradicionalmente marginalizados em uma sociedade tão marcada
pelas desigualdades.
Todavia existe uma distância a ser vencida para que essas intenções e projetos se
traduzam em mais resultados concretos em termos de participação no mercado. É
provável que uma multiplicação da participação atual, situada em torno dos 2%,
para um patamar próximo de 10% significaria um importante incremento da
concorrência no setor bancário brasileiro. Isso poderia, via o efeito nivelador,
melhorar o acesso e a qualidade dos serviços financeiros e levar a uma redução de
seus custos para os consumidores em geral. Tal fenômeno já é observado em
muitos mercados financeiros locais, onde a presença das cooperativas de crédito
leva os bancos a diminuir suas tarifas e a melhorar o atendimento aos clientes.
Entretanto, depois de uma fase de forte crescimento, que perdurou
aproximadamente uma década e meia (1992-2006), na qual o setor demonstrou
grande capacidade para se reerguer frente ao processo de estagnação vivenciado
nos anos da ditadura, nos últimos anos o cooperativismo de crédito nacional voltou
a se expandir em ritmo lento16. Esse recuo na taxa de crescimento é relativo, pois
ocorre quando comparado com o poderio dos bancos e não acontece com tanta
força nas regiões economicamente mais dinâmicas. Nesses locais, aliás, os sistemas
continuam se fortalecendo, principalmente em número de pessoas atendidas e de
agências. Ele é mais significativo – e, portanto, mais preocupante – em zonas
afastadas desses pólos, ou seja, afeta territórios onde os serviços financeiros
continuam apresentando, em geral, uma baixa qualidade e reduzida capacidade de
inclusão social.
O Banco Central contempla na “área bancária” os bancos múltiplos, comerciais, Banco do Brasil,
Caixa Econômica Estadual e Federal, os bancos de desenvolvimento e as cooperativas de crédito.
16
De acordo com técnicos do Banco Central, atualmente esse crescimento está aquém do que se
observa na grande maioria das regiões do mundo – a taxa de crescimento do setor dentro do
mercado bancário nacional é superior apenas ao encontrado em países da Oceania e Ásia Central.
15
33
Seguindo o perfil do desenvolvimento econômico nacional, o cooperativismo de
crédito brasileiro também não está bem distribuído geograficamente. As regiões
Sudeste e Sul apresentam um percentual maior de cooperativas em relação ao
tamanho de sua população, enquanto no Norte e Nordeste esta participação é
relativamente muito inferior. Com efeito, em 2007 as cooperativas de crédito do
Sul foram responsáveis por 5,3% das operações de crédito e por 5,6% dos depósitos
realizados no âmbito do Sistema Financeiro Nacional (SFN), enquanto no Nordeste
essa participação foi, respectivamente, de 1,2% e 0,7% (Soares; Melo Sobrinho,
2008, p.121).
Sobre esse aspecto cabe destacar que, embora, o esforço recente do governo
federal venha conseguindo ampliar os níveis de inclusão bancária em muitas zonas
desfavorecidas, a simplicidade dos serviços e produtos disponíveis normalmente
não atende as necessidades dessas regiões sob o prisma do desenvolvimento.
Não obstante esse quadro de avanços e limitações verifica-se a existência de vários
sistemas cooperativistas de crédito no Brasil, o que revela distintas inspirações e
diferenças em termos de concepção ideológica, arranjos institucionais e modelos
gerenciais. A Ilustração 3 apresenta uma visão sumária do setor.
Ilustração 3 - Organograma simplificado do cooperativismo de crédito do Brasil (2007)
Sistemas de cooperativas
de crédito no Brasil
Sicoob
Unicred
Bancoo centrai centrai
b
s
s
singular
es
singular
es
Centrais e
singulares
independentes*
Sicredi
Bansicredi
centrai
s
singular
es
Ancosol
(rede)**
centrai
s
singulare
s
singular
es
* as organizações independentes foram aqui agrupadas apenas para fins didáticos; ** a Ancosol
representa suas filiadas em determinados aspectos. Fonte: Búrigo (2006c)
Dos quatro maiores sistemas, três são baseados em estruturas cooperativas mais
próximas de uma cultura bancária, pois norteiam sua atuação numa lógica de
profissionalização gerencial e concentração de recursos visando ganhos de escala.
Dois desses, o Sistema de Cooperativas de Crédito do Brasil (Sicoob) e o Sistema de
Crédito Cooperativo (Sicredi), possuem seus próprios bancos cooperativos e o
terceiro, o Sistema Unicred Brasil (Unicred) – ligado aos profissionais da saúde –,
ainda não se decidiu pela criação do seu.
Historicamente, a atuação do Sicoob e Sicredi em regiões rurais se deu no seio das
disputas pelo mercado do agronegócio e dos produtos gerados pelos agricultores
familiares mais capitalizados. A opção levou-os a não priorizar uma ampliação
34
horizontal de sua estrutura, de modo que pudesse atender comunidades ou
públicos distantes desse circuito. Provavelmente, tal escolha e a incorporação de
características bancárias, aliadas aos processos de verticalização (gestão piramidal
e concentrada em centrais e cooperativas de grande porte), desencorajaram o
aparecimento de mais cooperativas de crédito no país, bem como enfraqueceram
as possibilidades do cooperativismo tradicional fomentar inovações em termos de
governança e desenvolvimento econômico e social.
Além desses três grandes sistemas, ganhou força nos últimos anos o Sistema das
Cooperativas de Crédito Rural com Interação Solidária (Cresol). A quarta posição do
Sistema Cresol dentro do cenário cooperativista nacional representa também a
consolidação de um novo modo de funcionamento de cooperativas de crédito no
Brasil, denominado por Pinho (2004) de “vertente solidária”. Pela definição
adotada neste estudo, uma cooperativa solidária é aquela que não se preocupa
apenas em obter benefícios para o seu quadro social, mas procura estender a sua
ação ao máximo de pessoas que integram aquele segmento, como também
fortalecer seus aderentes em outras dimensões (social, cultural, política, etc). A
cooperativa solidária depende, portanto, de uma forte integração na realidade
local para alcançar e manter sua legitimidade e dar cumprimento a sua missão
estratégica (Búrigo, 2006c).
2.2.2 A rede Ancosol
A Ancosol foi constituída em 23 de junho de 2004 com o objetivo de articular,
integrar e representar as organizações do cooperativismo de crédito de economia
familiar e solidária do Brasil. A Associação resulta do desdobramento do Fórum
Nacional de Cooperativismo de Crédito de Economia Familiar e Solidária, concebido
em 2001 pelas mesmas organizações que depois fundaram a Ancosol. Desde a sua
criação, a Associação procurou se configurar como um espaço de articulação não
apenas das cooperativas de crédito solidárias, mas também das redes sociais que
atuavam em torno do tema no Brasil17.
Atualmente, as redes cooperativas que participam da Ancosol são as seguintes:
Cooperativa Central de Crédito e Economia Solidária (Ecosol); Cooperativa Central
de Crédito Rural com Interação Solidária (Cresol Baser); Cooperativa de Crédito
Rural de Interação Solidária (Cresol Central); Associação das Cooperativas de Apoio
a Economia Familiar (Ascoob); Cooperativa de Crédito Rural dos Pequenos
Agricultores e da Reforma Agrária (Crehnor). São também filiadas as cooperativas
“solteiras” vinculadas aos sistemas Creditag e Integrar, já que ambos não possuem
ainda sua central. A Tabela 3, a seguir, apresenta dados sobre a estrutura das
associadas da Ancosol no final de 2007.
Integram o Conselho Consultivo da Ancosol as seguintes entidades: Agência de Desenvolvimento
Solidário da Central Única dos Trabalhadores (ADS/CUT), Associação de Orientação às Cooperativas
do Nordeste (Assocene), Centro de Estudos do Trabalho e de Assessoria aos Trabalhadores (Cetra CE), Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Departamento de Estudos
Sócio Econômicos Rurais (Deser), Movimento de Organização Comunitária (MOC - BA) e a Visão
Mundial.
17
35
Tabela 3 – Informações sobre as organizações integrantes da Ancosol (Dez 2007)
Sistema / Central
Número de
Número de
Número de
Número de
Patrimônio
Singulares
PAC
Funcionários
Associados
Líquido (R$)
CRESOL BASER
73
40
395
50.885
63.795.000,00
CRESOL CENTRAL
51
36
269
46.474
35.086.934,00
CREHNOR
7
46
119
32.663
17.486.755,13
ECOSOL
20
12
42
11.358
3.997.007,00
ASCOOB
10
26
185
41.864
9.416.014,11
INTEGRAR*
6
1
4
1.170
96.998,14
CREDITAG*
16
0
30
4.209
929.798,11
TOTAL
183
161
1044
188.623
130.808.506,49
* sistema que não possui central de crédito. Fonte: Ancosol, cooperativas e centrais; adaptado pelos
autores.
A evolução das cooperativas solidárias brasileiras é significativa sobretudo quando
se analisa que, em 2001, o então Fórum contava com 58 cooperativas singulares,
dezessete Postos de Atendimento Cooperativo (PAC) e apenas uma central de
crédito. Nos últimos cinco anos, o patrimônio líquido administrado pelos sistemas
solidários saltou de dezesseis para quase 131 milhões de reais. Vale frisar que
grande parte do crescimento da rede Ancosol se deu por meio das duas centrais do
Sistema Cresol presentes nos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do
Sul. Em relação ao Nordeste, o sistema Ascoob (BA) é o que mais tem avançado em
termos de expansão e de adoção de tecnologias sociais de gestão semelhantes às
existentes na região sul.
2.2.3 Um exemplo de boa governança: Sistemas Cresol
As lutas populares por mais crédito para a agricultura familiar e pela
redemocratização políticas no país, desencadeadas nos anos 1980, acabaram
gerando um ambiente social e econômico suficientemente capaz para suplantar
resistências e oferecer sustentação política suficiente à instalação de um novo
modelo de cooperativismo no Brasil. Analisando-se o fenômeno sob a perspectiva
do desenvolvimento pode-se dizer que os fundadores das cooperativas de crédito
alternativas em Santa Catarina e, também, das primeiras Cresol no Paraná
conseguiram mudar os paradigmas e visões arraigadas, então existentes, obtendo
sucesso em sua tentativa de orientar a mobilização produzida pelos movimentos
populares e sindicais rurais para a criação de novas institucionalidades e
organizações coletivas de cunho socioeconômico.
Com apenas doze anos de funcionamento, o Sistema Cresol já está presente em
quase quinhentos municípios dos três estados do sul. A grande maioria desses
municípios situa-se em zonas tipicamente rurais: possuem menos de vinte mil
habitantes, contam com forte presença de atividades agrícolas e reúnem uma
população rural superior à média da região sul. A importância do Cresol para este
estudo se dá também pelo fato dele estar servindo de modelo para a estruturação
das demais redes de cooperativas de crédito solidárias no Brasil. Nesse sentido, não
se pretende apresentar exaustivamente o processo histórico do Sistema, mas
36
destacar alguns aspectos, como a capacidade de formação de arranjos
institucionais favoráveis e a obtenção de sinergias com as políticas públicas.
Uma das características mais marcantes do Sistema Cresol é sua capacidade de
criar inovações na governança, ao mesmo tempo em que preserva os vínculos
sociais e o atendimento de seu público prioritário. Os esforços para a criação de
modelos de gestão diferenciados em relação ao conhecimento existente no
cooperativismo brasileiro foram elementos decisivos para que os Sistemas
pudessem atuar com públicos tradicionalmente excluídos dos bancos e das
cooperativas tradicionais, porém mantendo padrões mínimos de prudência
econômica e zelo financeiro. Um exemplo desse tipo inovação, e que tem exercido
influência direta na democracia interna e na eficiência administrativa, são as bases
regionais de serviço. Embora não sejam reconhecidas juridicamente pelo Banco
Central – pois funcionam como cooperativas centrais de serviços e não de crédito –,
tais estruturas reúnem cooperativas de crédito de uma mesma área geográfica.
Essas bases dão coesão e agilidade ao Sistema, diminuindo seus custos
operacionais, aproximando suas diferentes instâncias e fortalecendo a
representação das singulares nos órgãos de cúpula do sistema18.
Desde o seu surgimento, em 1995, os aprimoramentos do Sistema Cresol na
governança são implantados juntamente com processos de estímulos à participação
social e suas históricas ligações com os movimentos sociais do campo, sindicatos,
ONG, associações comunitárias, etc. Essa estratégia de regulação tem conseguido
consolidar um arcabouço gerencial capaz de oferecer recursos humanos adequados
às necessidades das cooperativas existentes e comportar a entrada de novas
filiadas. Em relação à participação vale registrar que, no segundo ano de atuação,
o Cresol tomou a decisão de transferir o gerenciamento cotidiano das cooperativas
aos agricultores que fossem eleitos dirigentes, dispensando a figura do gerente. A
opção fez com que o Sistema tivesse que desenvolver um grande esforço no campo
da formação, visto que a grande maioria de seus associados (agricultores
familiares) tinha apenas o ensino fundamental. Por outro lado, a medida se revelou
fundamental em termos de autonomia e de controle de custos administrativos, pois
permitiu que centenas de lideranças e filhos de agricultores assumissem cargos
administrativos e o controle direto de suas próprias organizações.
A proposta de colocar um agricultor familiar, em geral pouco escolarizado, como
gestor de uma cooperativa de crédito representou na época uma decisão de risco.
A opção se mostrou, no entanto, um sucesso ao longo do tempo. As lideranças
verificaram que as cooperativas de crédito poderiam crescer num ritmo que se
ajustasse a própria capacidade de aprendizado. Ou seja, o ritmo de crescimento
adotado levou em consideração o tempo necessário para seus dirigentes incorporar
conhecimentos técnicos e desenvolver mecanismos de controle apropriados a essa
forma de administração.
Nesse sentido, o Sistema Cresol construiu uma história muito diferente daquela
registrada em grande parte do cooperativismo nacional. Nesse setor, o que se
observa geralmente é a presença de um sistema organizacional que afasta a gestão
Em função do sucesso dessa experiência, o Banco Central vem recomendando informalmente que
os novos sistemas de cooperativas de crédito solidárias do país procurem estruturar bases de
regionais, seguindo o exemplo do Cresol. As bases ajudam também a resolver um circulo vicioso que
tem dificultado a expansão do cooperativismo em regiões “pioneiras” do país. Nessas regiões a falta
de centrais de crédito desestimula a formação de singulares e a ausência dessas inviabiliza a
constituição de novas centrais e de novos sistemas.
18
37
das cooperativas de seu público fundador. Isso se dá principalmente quando os
balanços melhoram e as organizações passam a exigir conhecimento técnico e
formas um pouco mais sofisticada de controle. A prioridade pela rentabilidade
econômica e pela tecnocracia em detrimento dos aspectos social e doutrinário
empurra essas organizações para a seletividade e para segmentos sociais diferentes
daqueles que formavam sua base de apoio original.
Desde 2004, as organizações que compõem o sistema Cresol estão agrupadas em
duas centrais de crédito19. A primeira (Cresol Baser) tem como sede o município de
Francisco Beltrão (PR) e uma área de atuação que cobre atualmente os estados do
Paraná e de Santa Catarina. Localizada em Chapecó (SC), a segunda (Cresol
Central) foi constituída a partir do desmembramento da Baser. Sua ação abrange as
cooperativas localizadas nos estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina20. Os
tópicos a seguir oferecem mais detalhes da atuação do Sistema a partir dessas duas
unidades.
2.2.3.1Evolução do Cresol
Em dezembro de 2007, a Cooperativa Central de Crédito Cresol Baser possuía 73
singulares filiadas e quarenta PAC. Tendo perto dos sessenta mil associados, o
Sistema conta ainda com o apoio de milhares de dirigentes, centenas de agentes
comunitários e quase quatrocentos funcionários. Integrado por seis bases regionais
paranaenses e duas catarinenses, suas unidades cobrem uma área de abrangência
de quase duzentos municípios21. A Tabela 4 descreve a evolução de alguns
indicadores da Cresol Baser, entre 2004 e 2007.
Até 2000, o Sistema Cresol não possuía nenhuma cooperativa central, sendo sua gestão efetuada
legalmente por meio das cooperativas singulares e por uma coordenação informal estruturada via as
bases regionais. Sua primeira central de crédito (Cresol Baser) foi constituída oficialmente em 2000,
depois que o Banco Central conseguiu convencer as lideranças sobre a importância estratégica que a
medida teria no ordenamento e crescimento do Sistema. A resistência inicial de muitos membros do
Cresol se baseava no que eles observavam no cooperativismo tradicional. Ou seja, temiam que a
criação de uma central concentrasse demasiadamente o poder político e gerencial. Depois de alguns
anos, consultas informais sobre a questão não apontam que esse fenômeno tenha ocorrido. Por
outro lado, a criação das centrais foi uma medida salutar para ampliar a capacidade do Sistema.
20
O elevado número de filiadas, a filosofia da descentralização que rege o Sistema e algumas
diferenças de concepção foram os principais fatores que induziram à criação da segunda central. A
atuação simultânea das duas centrais no estado de Santa Catarina foi o mecanismo encontrado pelos
dirigentes para equacionar os dilemas que surgiram durante o processo de desmembramento. Sobre
a constituição dos dois Sistemas Cresol ver Búrigo (2006).
21
Até agosto de 2008 existiam 75 singulares e 51 PAC. A meta era abrir mais 32 PAC até o final deste
ano.
19
38
Tabela 4 - Evolução dos indicadores do Sistema Cresol Baser - R$ mil (2004 - 2007)
Indicadores / ano
2004
2005
2006
1. COOPERATIVAS
2. ASSOCIADOS
3. PATRIMÔNIO
4. DEPÓSITOS
5. CARTEIRA
LÍQUIDO
A VISTA E A PRAZO
DE RECURSOS PRÓPRIOS
6.
SISTEMA
7.
RESULTADO
8.
CARTEIRA
FINANCEIRO
(B.B)
FINANCEIRO
EM RISCO
(31-365
DIAS)
2007
46
59
65
73
27.920
34.340
41.040
50.885
21.780
32.370
48.134
63.795
26.435
33.858
56.162
92.520
28.595
33.873
44.795
81.342
27.383
39.815
61.600
68.915
1.260
1.280
3.112
3.385
1,5%
1,4%
1,0%
1,7%*
Fonte: Sistema Cresol Baser; adaptado pelos autores. * Dados de junho.
A Tabela 4 indica que o processo de expansão ocorre predominantemente no plano
horizontal, mediado pela incorporação de novas singulares. O patamar de 697
sócios por cooperativa, alcançado em 2007 se mantém bem abaixo da média dos
demais sistemas cooperativos de crédito brasileiros – dados do Banco Central
estimam que em 2007 o Sistema Sicredi possuía 7 mil associados por singular e o
Sicoob 1,7 mil. Contrariamente ao que diz a economia de escala e a visão que
orienta os sistemas cooperativos verticalizados, a estratégia de funcionamento em
rede e de maneira horizontal não tem gerado conseqüências negativas em termos
de crescimento econômico (linhas 3 a 7). Ademais, a inadimplência se mantém sob
controle, visto que em junho de 2007 o valor da carteira em risco era de apenas
1,7% (linha 8).
Por sua vez, a Cresol Central mantém a mesma tendência de crescimento
observada na Baser. Em dezembro de 2007, a Cresol Central possuía 51 singulares,
39 PAC, 46,4 mil filiados, sendo que suas unidades abrangiam uma área de quase
trezentos municípios no dois estados do Sul. Para dar conta da expansão, a rede do
Cresol Central conta com o apoio de quase uma centena de dirigentes liberados,
1.250 agentes comunitários voluntários e mais de trezentos funcionários.
Atualmente, a Cresol Central possui três bases regionais em Santa Catarina e duas
no Rio Grande do Sul. Além disso, o Sistema tem obtido também alguns indicadores
muito positivos em termos de patrimônio líquido, depósitos e resultado financeiro.
A Tabela 5 registra a evolução desses indicadores na Cresol Central entre 2004 e
2007.
Tabela 5 - Evolução dos indicadores do Sistema Cresol Central - R$ milhões (2004 - 2007)
Indicadores / ano
2004
2005
2006
2007
1. COOPERATIVAS
34
42
47
51
2. PAC
12
18
28
39
22.481
29.310
36.415
46.474
11,3
18,8
28,3
38,8
3.
ASSOCIADOS
4. PATRIMÔNIO
LÍQUIDO AJUSTADO
5. DEPÓSITOS
A VISTA
5,7
12,2
13,8
19,6
6. DEPÓSITOS
A PRAZO
18,6
33,4
47,2
66,3
48,30
66,50
89,10
156,30
1,02
1,64
2,16
3,42
7.
EMPRÉSTIMOS
8. RESULTADO
COM RECURSOS PRÓPRIOS
FINANCEIRO
Fonte: Sistema Cresol Central; adaptado pelos autores.
39
Nos últimos anos, os PAC passam ter mais importância na expansão do Cresol
Central. Em decorrência disso a quantidade de associados por singular vem
aumentando: entre 2004 a 2007 a média subiu de 661 para 911 associados. Porém,
o número se reduz para 516 se forem considerados todos os pontos de
atendimento, isto é, as singulares e os PAC existentes no Sistema22.
Percebe-se que a adesão ao Sistema Cresol vem crescendo não apenas em termos
absolutos – pela entrada de novos associados –, mas também em termos relativos,
ou seja, pelo aumento da movimentação financeira do quadro social. O Gráfico 8
demonstra a participação média dos associados das duas centrais nas contas de
depósito e patrimônio líquido ajustado (PLA)23 entre 2004 e 2007.
R$
Gráfico 8 - Evolução do PLA e dos depósitos do Cresol Baser e Cresol Central dividido pelos
sócios (2004 - 2007)
PLA / Sócio
- Baser
2.000,00
1.800,00
1.600,00
1.400,00
1.200,00
1.000,00
800,00
600,00
400,00
Depósitos /
Sócio - Baser
PLA / Sócio Central
2004
2005
2006
Ano
2007
Depósitos /
Sócio Central
Fonte: Sistemas Cresol; elaborado pelos autores.
O aumento da captação local e do patrimônio das cooperativas pode ser traduzido
como uma ampliação do nível de confiança do quadro social – sabe-se que a
confiança é um tipo de ativo considerado chave no funcionamento das instituições
financeiras. Por outro lado, como os valores médios são ainda relativamente baixos
pode-se deduzir que o Cresol goza de um grande potencial de crescimento também
nesse sentido.
A boa situação econômico-financeira do Cresol Baser é também confirmada por
auditorias externas. Vale a pena registrar as principais conclusões do estudo
publicado em junho de 2007 pela Planet Rating, uma empresa internacional
especializada em avaliações de organizações microfinanceiras. Dados da Planet
indicam que em 2004 a contribuição interna no Cresol Baser representava 58% do
total dos repasses efetuados em programas de crédito; e em 2007 esse valor
alcançava os 96%. Isso significa que para cada real tomado emprestado, as
cooperativas dessa central já conseguem coletar praticamente o mesmo valor junto
às comunidades em que atua.
O estudo atribuiu nota B com tendência positiva ao Cresol Baser, suplantando a
nota C+, com tendência neutra que o Sistema obteve na investigação anterior
Em setembro de 2008, a Cresol Central já contava com mais de 50 mil associados, 56 cooperativas
singulares e 59 PAC (Cresol Central, 2008).
23
Para se obter o PLA soma-se o patrimônio líquido às receitas da cooperativa, subtraído às
despesas da mesma em um determinado período. O PLA é empregado na avaliação do grau de
endividamento, capacidade de repasse, etc. (Bittencourt, 2001).
22
40
realizada em 2003 pela mesma organização. Ou seja, tendo como referência o
padrão internacional das microfinanças, a análise do Planet afirma que o Cresol
Baser apresentou uma evolução favorável durante o período de 2004 e 2007,
adotando procedimentos bem desenvolvidos e eficientes que geraram boa
perspectiva no longo prazo. Considera, todavia, que algumas melhoras são possíveis
de serem realizadas, embora os riscos de longo prazo já estão sendo identificados
no planejamento. De acordo com suas recomendações, as possibilidades de
expansão do Cresol Baser passam principalmente pela ampliação das suas carteiras
de depósitos, confirmando os dados apresentados nas ilustrações anteriores.
A Cresol Baser recebeu também um destaque no relatório anual do The Mix Market,
organização que reúne dados sobre instituições de microfinanças de todo mundo. O
relatório, baseado em informações do ano de 2007, coloca a Central Cresol Baser
na 21ª posição no ranking das maiores instituições de microfinanças da América
Latina e do Caribe. O crescimento do Cresol foi considerado o mais expressivo
entre as trinta primeiras no ranking das maiores instituições de microfinanças da
região – no ano anterior a Cresol aparecia na 28ª posição. Além disso, o Cresol
Baser aparece em 6º no ranking de eficiência no crédito abaixo de U$ 500 (Cresol
Baser, 2008).
2.2.3.2Construção do arranjo institucional
A capacidade de atuação dos sistemas Cresol (Baser e Central) pode ser
compreendida somente quando se tem em conta os acordos e parcerias que essas
organizações mantêm com o meio social. Nesse sentido, uma das marcas mais
importantes dos Sistemas é ter conservado seus vínculos históricos com os
movimentos sociais e organizações de representação dos agricultores familiares.
Suas relações nesse espectro envolvem principalmente ONG, sindicatos dos
agricultores familiares, associações e cooperativas de produção agropecuárias. Por
outro lado, a trajetória desses sistemas confirma que uma organização financeira
de proximidade precisa ter flexibilidade e capacidade de negociar as demandas
sociais para poder se manter coerente com seu arranjo institucional, mas também
ter firmeza de propósitos (os recursos são da comunidade e não podem ser mal
aplicados). As contradições de interesses que surgem entre os desejos pessoais e
coletivo e entre as organizações econômicas e as sindicais ou políticas precisam ser
equacionadas para não se romperem os vínculos que dão sustentação à toda rede o
que, no final das contas, diminuiria a capacidade de apoiar o público que é a razão
do trabalho de todas essas organizações.
Para viabilizar seu funcionamento, além dos vínculos com entidades locais, as duas
centrais Cresol sempre procuraram ampliar as parcerias com entes públicos e
organizações da esfera privada, dando forma a um arranjo institucional cada vez
mais abrangente. As cooperativas Cresol fazem os serviços de compensações de
cheques de seus associados por meio de um convênio com o Banco do Brasil (BB),
assim como aplicam no Banco boa parte dos recursos financeiros disponíveis e
operacionalizam parte significativa dos contratos de Pronaf. Além disso, a Cresol é
41
correspondente bancário do BB, o que serve para aumentar seu portfólio de
produtos e serviços24.
Além do BB, a Cresol Baser e Cresol Central mantêm acordos de cooperação com
diversos bancos públicos e privados. Na esfera oficial, as alianças se dão com o
Banco Regional de Desenvolvimento (BRDE) e com o BNDES. Com o BRDE, o acordo
tem sido importante para viabilizar recursos de Pronaf Investimento e outras linhas
de crédito. Em relação ao BNDES, além de manter os contratos no Pronaf
investimento, no microcrédito (Microsol - PNMPO) e com o Cresolcap (linha de
crédito oficial operada pelo Banco destinada ao fortalecimento patrimonial das
cooperativas de crédito) as perspectivas são especialmente promissoras em outras
áreas. Em 2006, as duas centrais do sistema Cresol conseguiram ser enquadradas
como agentes financeiros do BNDES, depois de cinco anos de tratativas. Desde
então, os Sistemas começaram a aumentar os volumes de captação, visto que a
condição de agente permite efetuar acordos de operação em todas as linhas de
crédito do Banco, e de forma contínua. Além disso, como o Banco atua
fundamentalmente como agente financiador de segundo piso, a medida eliminou
parte dos problemas observados quando o Pronaf Custeio era operado
exclusivamente via recursos do BB: a falta de opções de acesso enfraquecia o poder
de barganha dos Sistemas junto à Direção desse Banco. Ademais, em algumas
regiões as relações entre as singulares dos Cresol e as agências do BB estão
desgastadas pelo acirramento da concorrência entre ambos no mercado financeiro
local.
Nos últimos anos, as parcerias dos sistemas Cresol se fortaleceram também junto à
rede bancária privada, principalmente por intermédio de acordos para operar
recursos do Pronaf oriundos da exigibilidade bancária – os primeiros acordos nesse
sentido foram com os bancos Safra e Bradesco. Os sistemas Cresol conseguiram
firmar outro convênio junto ao Bansicredi, o banco do sistema cooperativo Sicredi,
para viabilizar suas contas de reservas bancária e operações de seguro agrícola.
Desde 2004, os sistemas Cresol sustentam acordos de cooperação com a Caixa
Econômica Federal (Caixa) e com Ministério das Cidades, para operar os projetos de
crédito habitacional, que estão ligados ao Programa de Subsídio a Habitação de
Interesse Social (PSH). Para reforçar essa iniciativa, as singulares do Cresol Baser
estão conseguindo firmar convênios com as agências da Caixa visando liberar
recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Esses valores são
destinados a um fundo de caução coletiva que avaliza os financiamentos de
moradias rurais dos associados25. Por outro lado, para aumentar os contratos nessa
Nos últimos anos, as pautas das reuniões entre os Sistemas e a direção do BB vêm se modificando
gradualmente. Estão centradas menos no volume e dificuldade de acesso dos recursos
disponibilizados às cooperativas – ainda que as amarras burocráticas relacionadas especialmente às
liberações do Pronaf continuam presentes – e mais nas altas taxas cobradas pelo BB em seus
serviços, pelas freqüentes mudanças dos sistemas informáticos de controle, e pelo baixo valor pago
pelo Banco como retribuição aos serviços efetuados pelos sistemas Cresol em torno do Pronaf. Vale
dizer ainda que desde 2004, as negociações dos recursos de crédito oficial dos Cresol e demais
sistemas solidários brasileiros são conduzidas de forma coletiva, por meio da direção da Ancosol.
25
De acordo com o presidente de uma cooperativa singular “ações como essas são muito
importantes para o associado da [cooperativa] Cresol. Ao mesmo tempo em que financiamos uma
casa, conseguimos com isso evitar o êxodo rural, aumentar a auto-estima das famílias e elevar o
padrão de vida dos agricultores familiares” (Depoimento de dirigente do Cresol).
24
42
área, o Cresol Central firmou um convênio com o Banco do Estado do Rio Grande do
Sul (Banrisul).
O bom funcionamento dos sistemas Cresol deve-se igualmente ao amplo leque de
alianças que vêm construindo com organizações não-financeiras. Na área da
assistência técnica, possuem laços antigos com o Ministério do Desenvolvimento
Agrário (MDA), Ministério da Agricultura e com as empresas estaduais de extensão
rural. Em algumas regiões, essas ações ganham o reforço de técnicos de
prefeituras, cooperativas de produção e de prestação de serviços e de ONG.
Na área da cooperação internacional os Sistemas mantêm também laços
importantes. A Cresol Baser preserva suas tradicionais ligações com organizações
como a Trias da Bélgica, Misereor da Alemanha e Rabobank da Holanda. O convênio
com a Trias disponibiliza, por exemplo, técnicos e recursos financeiros para o
Cresol Baser desenvolver um programa de inclusão social direcionada às famílias
rurais em situação de pobreza extrema. O apoio do banco cooperativo holandês à
Cresol Baser existe há oito anos e vem viabilizando o desenvolvimento de sistemas
de controle e gestão nas cooperativas singulares, como auditoria, matriz de gestão
e ranking, além da criação de novos produtos para atender a demanda do quadro
social26.
Observa-se, no entanto, que o tema da assistência técnica aos agricultores é uma
questão não bem resolvida. As tentativas de criação de cooperativas de serviços
nessa área têm avançado numa velocidade menor do que se imaginava inicialmente
e, com raras exceções, os órgãos de governo continuam revelando seu despreparo
para atender a demanda, tanto em termos quantitativos, quanto em termos
qualitativos. O desenho institucional da assistência técnica voltada à agricultura
familiar não conseguiu se ajustar à realidade produtiva atual. Há descompassos e
incompreensões relacionados às atribuições e competências, seja entre as esferas
públicas de âmbito federal, estadual e municipal, seja na relação dos órgãos
públicos com as organizações privadas e cooperativas que atuam nessa área.
2.2.3.3Ações de formação e de educação cooperativista
No campo educacional as ações conjuntas dos sistemas Cresol com outras entidades
são também interessantes quando analisadas sob a ótica do desenvolvimento. Com
a tutela da Universidade de Passo Fundo a Cresol Central realiza cursos de políticas
públicas e de gestão direcionados aos dirigentes e funcionários. Nesses cursos estão
sendo oferecidos títulos de pós-graduação ou de especialização pós-médio,
dependendo do nível de escolaridade do aluno.
Por meio do seu Instituto de Formação do Cooperativismo Solidário (Infocos), a
Cresol Baser firmou convênios com a Escola Técnica da Universidade Federal do
Paraná (UFPR) e com a Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste). Com
a UFPR está em andamento um curso à distância sobre desenvolvimento e gestão
O banco cooperativo Rabobank – Cooperatieve Raiffeisen Boerenleenbank – foi fundado em 1972,
baseado nos ideais de um dos maiores precursores do cooperativismo de crédito, o alemão Friedrich
Raiffeisen. O modelo concebido de Raiffeisen foi implantado em meados do século XIX, em várias
partes da Alemanha, e depois reproduzido em outras regiões da Europa.
26
43
cooperativista. No segundo semestre de 2007, a Cresol Baser começou a organizar,
também com apoio do Infocos, um curso de especialização em parceria com a
Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), unidade de Francisco
Beltrão. O curso se desenvolve em módulos e tem uma carga de aproximadamente
quatrocentas horas.
O Infocos vem auxiliando ainda na formação de dirigentes das novas cooperativas
por meio do projeto denominado “cooperativa escola” e nos desdobramentos de
ações que o Cresol Baser realiza com objetivo de apoiar a expansão do
cooperativismo solidário no país. O Infocos é responsável, por exemplo, pelas
atividades de capacitação inseridas no acordo firmado pela Cresol Baser e o Serviço
brasileiro de apoio as micros e pequenas empresas da Amazônia, cujo objetivo é
prestar assessoria técnica e operacional à implantação da Rede de cooperativas de
crédito rural solidárias na região do Alto Solimões (rede Solicred)27.
2.2.3.4Serviços financeiros e linhas de crédito
Apesar de já contar com um leque diversificado de receitas, são as diferentes
rubricas de crédito as que produzem ainda as principais fontes financeiras do
Cresol28. Nos últimos anos, os portfólios dos sistemas Cresol vêm sendo
constantemente ampliado para atender as necessidades financeiras das pessoas
físicas e empresas de pequeno porte associadas. Atualmente, os Sistemas Cresol
disponibilizam os seguintes produtos e serviços financeiros: conta corrente,
depósito à vista, depósito a prazo cooperativo, talão de cheques, seguros,
consórcios, recebimento de benefícios e pagamento de contas de água, luz,
telefone e títulos, linhas oficiais do Pronaf e do PNMPO, Proger e para a habitação
rural, financiamentos rurais com recursos próprios, empréstimos pessoais e para
pessoas jurídicas, microcrédito, créditos para aquisição e reforma de veículos e de
eletro eletrônicos, reforço do capital social (Cresol Capi e Procapcred) e serviços
relativos às suas ações como correspondentes bancários do Banco do Brasil. Para se
adequar às necessidades financeiras, além dos portfólios padrão dos Sistemas, as
cooperativas singulares desenvolvem alguns produtos e serviços específicos, sempre
respeitando as regras gerais do sistema financeiro e das normas do setor
cooperativista.
Embora a maioria dessas ações seja relevante na ótica do desenvolvimento
territorial, algumas delas merecem registro especial para os objetivos deste
estudo. Nos últimos anos, a Cresol Baser vem investindo na criação de um cartão de
crédito e no desenvolvimento de produtos ligados aos seguros populares, uma
atividade que tem ainda grande espaço de crescimento no Brasil. Nas operações
com cartão, os Cresol estão procurando desenvolver um sistema alternativo para
fugir dos altos custos das operadoras tradicionais. Essa aliança baseia-se na
formação de acordos com redes comerciais locais e sistemas inovadores de
controle.
Os primeiros passos dessa experiência foram coordenados por Fábio Luiz Búrigo e estão relatados
no final deste trabalho (ver anexo 2).
28
De acordo com o Planet Rating (2008), os repasses de recursos externos representam 57% do
financiamento do Sistema, sendo o restante composto por rendas geradas nos depósitos a prazo e à
vista dos cooperados (21% dos ativos), patrimônio líquido (16%) e outros passivos (7%).
27
44
No crédito rural oficial, além do Pronaf (que será visto adiante), os sistemas Cresol
têm conseguido viabilizar liberações de Proger Rural. Essa linha alcança valores
significativos em algumas cooperativas. Com ajuda de recursos próprios das
cooperativas, os associados podem completar empréstimos obtidos por meio das
verbas oficiais ou financiar integralmente projetos novos. Existem igualmente
modalidades para estimular a (re)conversão de sistemas produtivos convencionais
para base tecnológica agroecológica e recursos de investimentos para o
beneficiamento, processamento e comercialização da produção agropecuária,
florestais e extrativistas e produtos artesanais, visando agregar valor e melhorar a
renda familiar.
Há ainda linhas para o pré-custeio e para complementação dos projetos financiados
com recursos enquadrados ou não no crédito oficial. A partir de 2008, a linha Rural
Fácil, criada pela Cresol Baser, está oferecendo um cartão de crédito especial para
o mutuário efetuar compras de insumos e outros produtos necessários junto às lojas
credenciadas pela cooperativa. O atraso na liberação dos recursos para a safra, em
função de problemas burocráticos que os agentes financeiros, como o BB, prejudica
muitas regiões em que o período de plantio precisa ser respeitado sob pena de
haver prejuízos importantes na produção. Essa é uma das dificuldades mais antigas
do sistema de crédito rural nacional, que as cooperativas dos Sistemas Cresol
começam a contornar com a nova modalidade de financiamento.
Uma ação que fortalece muito o papel de agente de desenvolvimento das
cooperativas de crédito dos sistemas Cresol são os projetos do crédito habitacional
rural. Atualmente, os sistemas Cresol operam duas linhas nesse sentido: a primeira
ocorre com apoio do PSH e financia a construção de moradias novas; e a segunda,
denominada de reforma habitacional, foi iniciada em 2006 com recursos do FGTS.
Um outro tipo de crédito oferecido pela Baser que merece destaque na lógica do
desenvolvimento territorial trata-se da linha “Bem-estar familiar”. Essa linha visa
atender necessidades básicas do associado e sua família mediante a comprovação
de destinação do recurso. Em geral é um crédito destinado à aquisição de móveis,
utensílios, artigos e eletrônicos para uso doméstico, como também no tratamento
de saúde (consultas, medicamentos e cirurgias), compra de materiais,
mensalidades escolares e para viagens e lazer. Essa linha se alia à destinada à
melhoria da qualidade de habitações rurais, na forma de complementação de novas
construções e reforma e/ou ampliação de habitações já existentes.
Existem outros produtos na área creditícia que apresentam forte impacto em
termos sociais e na ótica do desenvolvimento do território. Uma delas, também da
Baser, está focada diretamente na área da inclusão social. São beneficiadas
famílias com renda bruta anual de até R$ 14 mil de regiões que apresentem baixos
índices de desenvolvimento humano (saúde, educação, rentabilidade econômica,
relações sociais e falta de documentação). O empréstimo pode ser utilizado para
gastos com documentação da família, saneamento básico e produção para
autoconsumo (alimentação), manutenção familiar, pequenas reformas em
moradias, e custeios e investimento agropecuário. Por fim, se mantém ativa ainda
a linha “fundo rotativo”, uma modalidade destinada às propostas inovadoras na
área de produção, transformação e comercialização, que sejam efetuadas de
maneira associativa, dando-se prioridade para propostas com caráter de inclusão
social.
45
2.2.3.5Aplicações de Pronaf
Embora nos últimos anos sua presença venha diminuindo em termos relativos, em
decorrência de uma ação institucional cada vez mais abrangente e da ampliação
dos serviços oferecidos, o Pronaf é ainda o principal produto disponibilizado pelos
Sistemas Cresol. Se em 2003 os repasses do Pronaf representavam em torno de 75%
dos créditos concedidos, em julho de 2007 eles compunham 69,8 % da carteira total
do Cresol Baser (Planet Rating, 2004, p.25; 2008, p.6)29.
A consciência política dos agricultores familiares que integravam os movimentos
sociais rurais que deram sustentação à criação dos sistemas Cresol, a lógica do
mutualismo que sustenta as organizações cooperativas e as experiências de
algumas lideranças com o manejo de fundos rotativos foram elementos decisivos
para que o Pronaf se tornasse um caso de sucesso no interior dos Sistemas. Esses
elementos fizeram com que, desde o início, os principais líderes do Cresol
encarassem o Programa como uma política pública de crédito, e não como uma
ação paternalista de governo. A postura diminuiu o problema do risco moral, ou
seja, evitou que o Programa fosse tratado internamente como um fundo de tipo
não-reembolsável, permitindo que as cooperativas construíssem carteiras de
empréstimos bem estruturadas, operando com baixos índices de inadimplência e
dentro de padrões contábeis e jurídicos recomendados. Apesar do Pronaf nunca ter
sido um programa superavitário em termos financeiros para os sistemas, seus
dirigentes sempre apostaram na sua massificação junto ao quadro social. Acreditam
ser essa a maneira de aumentar o prestígio das cooperativas em termos
institucionais e ampliar o seu espaço no mercado financeiro local.
Alguns dados comprovam como o Pronaf continua crescendo, preservando sua
importância dentro dos Sistemas (ver Gráfico 9). Observa-se que os Sistemas Cresol
aplicaram R$ 273,8 milhões de reais no Pronaf em 2007. Nesse ano, na Cresol
Baser, o total de contratos de Pronaf chegou a 24,6 mil e as aplicações a R$ 147,7
milhões (R$ 102,7 milhões em custeio e R$ 45,1 milhões em investimento). Na
Cresol Central foram disponibilizados R$ 126 milhões em 24,4 mil contratos (R$
98,2 milhões de custeio e R$ 27,9 milhões de investimento). Nos dois sistemas, a
elevação das aplicações ocorre também em termos relativos, o que pode ser
percebido quando se divide o total aplicado pelo número de singulares. Enquanto
em 2005 a média era de R$ 1,5 milhão por cooperativa, em 2007 o valor chegava a
R$ 2,5 milhões.
Além dos valores referentes aos repasses, em julho de 2007, a carteira de produtos da Cresol
Baser estava assim distribuída: créditos pessoais (13,2%), Cresolcap (7,9%), investimentos com
recursos próprios (2,7%), microcrédito (2,5%), custeios com recursos próprios (2,0%), habitação
(1,8%) e projetos de inclusão social e conveniados (0,1%) (Planet Rating, 2008).
29
46
Gráfico 9 - Aplicações de Pronaf (investimento e custeio) pelos sistemas Cresol – R$ milhões
(1996 - 2007)
300
250
Milhões - R$
200
150
100
50
0
1996
1997
1998
1999
2000
CUSTEIO
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
Ano
INVESTIMENTO
Fonte: Cresol; elaborado pelos autores.
2.2.3.6Atividades financiadas
As diversas organizações que atuam junto aos associados dos sistemas Cresol
buscam formas de apoiar a transformação do modelo de produção convencional,
baseado no uso intensivo de insumos químicos, em direção ao uso de práticas
agrícolas mais sustentáveis e o aumento da produção orgânica. Contudo, pode-se
dizer que os resultados nesse sentido são ainda pontuais, apesar de existirem cada
vez mais recursos disponíveis para essas iniciativas. Ou seja, o que se observa é que
a capacidade de se gerar inovações no campo técnico-produtivo não acompanha os
avanços que a agricultura familiar das regiões atendidas pelos Sistemas Cresol vêm
obtendo no campo institucional-financeiro.
Assim, os recursos do Pronaf Custeio continuam sendo destinados basicamente para
compra de insumos e matérias primas agrícolas necessários para a prática de
sistemas produtivos considerados tradicionais. Na maioria dos casos, os recursos do
Pronaf são aplicados para o financiamento das culturas do milho, feijão e soja e
para atividades com a produção de leite, a criação de frangos e de suínos. O Pronaf
Investimento financia a compra de maquinários e gastos com infra-estrutura
produtiva das atividades agropecuárias. Numa escala menor e concentrada em
algumas regiões as cooperativas dos Sistemas Cresol apóiam culturas como a maçã,
banana e outras frutas, alho, soja orgânica, plantas medicinais, frango diferenciado
e açúcar mascavo. Há também recursos para empreendimentos ligados ao
agroturismo e para a instalação e manutenção de agroindústrias de pequeno porte.
Vale registrar que a atividade leiteira vem obtendo grande destaque junto aos
agricultores familiares do Sul do Brasil. Seja por meio de cooperativas de produção
solidárias, seja de forma individual, o leite tem trazido renda mensal aos
produtores, o que lhes permite planejar melhor a vida financeira da família e do
empreendimento. Uma pesquisa efetuada recentemente entre os agricultores
associados à Cresol Central indicou que mais da metade se dedica à pecuária, e
47
dentro desse grupo 75% adota o leite como produção principal. Aliás, a atividade
foi responsável por 51% dos projetos de investimentos aprovados em 2005 no
âmbito desse Sistema (Pretto, 2007, p.19) 30.
2.2.3.7Breve análise
Após uma década de funcionamento, a decisão de valorizar seus próprios quadros
pode ser considerado um dos atributos pelo qual os Sistemas Cresol vêm
conseguindo arquitetar um arranjo institucional inovador e eficiente
economicamente, mantendo viva a articulação e o foco de atuação nos segmentos
sociais que tradicionalmente formaram sua base de sustentação. Por essa ótica, é
possível afirmar que suas experiências se tornaram uma referência à formulação de
estratégias de financiamento de base territorial, principalmente em regiões rurais
onde a agricultura familiar ocupa papel de destaque. Suas trajetórias indicam como
se pode efetuar a construção de uma rede financeira em que se estruturam
cooperativas de crédito capazes de captar recursos oriundos da poupança local e
potencializar verbas de fontes externas. Esses recursos já estão financiando com
muita expressividade o desenvolvimento das regiões nas quais as cooperativas
atuam, criando uma inédita capacidade de autonomia perante as fontes bancárias
tradicionais. No conjunto, as experiências dos sistemas Cresol ratificam a idéia de
que as cooperativas de crédito rurais continuam sendo figuras jurídicas
extremamente apropriadas para operar programas territoriais de crédito, tendo
boa capacidade de pulverizar os recursos públicos e eficiência gerencial para
manter níveis baixos de inadimplência. Sua forma de governança indica também
como se pode diminuir consideravelmente os problemas decorrentes da seleção
adversa e do risco moral. Reconhece-se que esse potencial das cooperativas de
crédito solidárias não significa que elas possam abrir mão dos subsídios públicos,
como os empregados nas operações de crédito rural para agricultura familiar.
A ação das cooperativas de crédito do Sistema Cresol trouxe vantagens como a
maior disponibilidade de crédito e outros serviços financeiros aos agricultores
familiares; a simplificação e flexibilidade nos critérios de liberação dos
financiamentos, reduzindo os custos de transação e facilitando a disponibilidade do
crédito em épocas mais oportunas. O estímulo às atividades inovadoras e à gestão
compartilhada das cooperativas, bases e centrais garantiu também a consolidação
de um modelo gerencial, em que se fortalece o controle social das cooperativas
singulares e dos sistemas como um todo.
A presença das cooperativas do Cresol garantiu acesso aos recursos de diversas
linhas de crédito público, como o Pronaf, PNMPO, PSH e outras. Sua atuação trouxe
também garantias de que as verbas desses programas tivessem uma distribuição
mais eqüitativa. Fortaleceu igualmente a idéia de que as verbas oficiais não devem
ser desviadas para atender pessoas que não sejam enquadradas no universo dos
A pesquisa indicou que os recursos do Pronaf continuam sendo aplicados fundamentalmente para
financiar culturas anuais, como o milho, feijão e soja e para a produção animal relacionada à
pecuária de leite, pecuária de corte, a criação de frangos e de suínos. Realizada no terceiro
trimestre de 2006, a investigação abrangeu 1.141 estabelecimentos rurais de associados do sistema
Cresol Central, ou seja, 25% dos produtores que receberam Pronaf investimento em 2005. Ao todo,
foram entrevistados 546 agricultores do Grupo C, 563 do Grupo D e 32 do Grupo E das regiões de
atuação do Sistema (ver Pretto, 2007).
30
48
beneficiários. Mesmo no Sul, onde os níveis de bancarização são mais satisfatórios
em relação ao restante do país, o acesso ao Pronaf é ainda um problema não
totalmente resolvido, sendo por isso considerado o principal elemento motivador
para a expansão das cooperativas solidárias da rede Cresol.
As trajetórias dos sistemas Cresol e de outros sistemas solidários demonstram que a
relação entre as cooperativas e as linhas de crédito não pode basear-se apenas em
esquemas tradicionais, como os utilizados pelo mercado financeiro bancário. É
necessário abrir espaço à adaptação, à criatividade e a novas formas de fazer o
crédito e a poupança local promoverem o desenvolvimento, com especial atenção
para o atendimento dos setores de baixa renda. A chave disso está, muitas vezes,
em buscar igualmente soluções para problemas extra-econômicos, pois muitas
pessoas continuam distantes dos financiamentos devido a problemas de natureza
estrutural que se sobrepõem às questões técnicas ou econômicas. Com se falou,
mesmo em regiões mais desenvolvidas do país, o acesso ao crédito do Pronaf se
torna sinônimo de uma luta pela cidadania.
Cabe destacar que a experiência do Cresol demonstra como programas públicos de
financiamento e de apoio ao associativismo, podem estimular a formação de
capital social e de organizações econômicas e financeiras no território,
fortalecendo os laços de proximidade dessas organizações junto ao seu quadro
social. As diversas pesquisas realizadas com os agricultores e dirigentes dos
Sistemas Cresol aqui referenciadas, bem como as análises efetuadas pela presente
investigação permitem afirmar que, por um lado, essas experiências vêm se
aproximando daquilo que se pode definir como empoderamento popular
(empowerment); ou seja, a “autoridade ou capacitação (empowerment) refere-se
à expansão dos recursos e capacidades das pessoas de tomar parte, negociar,
influenciar, controlar e responsabilizar instituições que afetam suas
vidas” (Grootaert et al, 2003, p. 21).
Por outro lado, observa-se também que as cooperativas não devem ter nas
parcerias com as fontes oficiais de financiamento seu único trunfo. Precisam buscar
sua autonomia financeira e institucional, visto que muitas vezes as verbas públicas
são insuficientes para cobrir os custos das organizações, principalmente quando
essas passam a atender um grande contingente de pessoas. As verbas externas
representam também grau de incerteza e risco de gerar dependência que não
garantam a sustentabilidade das organizações financeiras de base territorial no
médio e longo prazo. Para isso se viabilizar são também necessárias alterações no
marco legal do cooperativismo, que incluam as cooperativas não filiadas à
Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) ao acesso dos recursos compulsórios
gerados pelos próprios sistemas via os órgãos de fomento, como é o caso do Serviço
Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop), uma organização do
sistema “S”, que apóia o desenvolvimento do cooperativismo nacional31.
A lei cooperativista de 1971 confere à OCB o poder de única mandatária do sistema cooperativista
nacional. A constituição de 1988 permitiu o livre associativismo e deu guarida às cooperativas e
estruturas de representação, como a Ancosol, que não desejam ser filiadas à OCB. Todavia, vários
mecanismos de representação e de controle econômico do cooperativismo continuam sendo regidos
pelas estruturas da OCB, em função da legislação em vigor. Em julho de 2008, o Governo Lula
enviou ao Congresso Nacional um projeto de lei para estabelecer uma nova legislação. A proposta se
encontra ainda em análise.
31
49
Não obstante os avanços, novos desafios se apresentam como resultado dessa
reflexão sobre funcionamento dos sistemas Cresol na perspectiva do
desenvolvimento territorial. Acredita-se que tenha chegado o momento das
cooperativas de crédito colocar seu “patrimônio administrativo a serviço do
fortalecimento do tecido econômico das regiões em que atuam e da luta contra a
pobreza” (Abramovay, 2004, p.157). Além de servir de referência nacional na
utilização de recursos do crédito rural oficial, no empoderamento e na geração de
benefícios econômicos e sociais dos agricultores familiares, as experiências dos
sistemas Cresol permitem a construção de novos cenários de oportunidades em que
se aposte na formulação de novos projetos e serviços financeiros voltados ao
desenvolvimento das regiões rurais. Essa condição se deve ao potencial que as
cooperativas de crédito solidárias têm revelado em termos políticos e econômicos e
como protagonista do desenvolvimento territorial.
Em primeiro lugar, as cooperativas de crédito dos Sistemas Cresol não conseguiram
alcançar os estratos mais pobres da população, e isso depende de projetos próprios
que poderiam contar com o apoio de recursos e outros mecanismos oficiais
destinados a esse público. Isso deveria ocorrer, por exemplo, por meio de novas
medidas oficias que dessem amparo legal e auxiliassem as cooperativas de crédito
a reduzir os riscos, viabilizando as operações dessas organizações junto aos
agricultores do Grupo B do Pronaf32. Em segundo, apesar dessas perspectivas, sabese que mesmo as cooperativas Cresol possuem ainda um tipo de intervenção muito
setorial e não encaram os colegiados territoriais como espaços privilegiados de
construção de projetos de desenvolvimento. Acredita-se que a participação ativa
em programas de desenvolvimento territorial deve ser prioridade para quem deseja
planejar o futuro e superar uma postura político-institucional calcada em bases
setoriais e reinvidicatórias. Nas visitas e entrevistas com dirigentes desses sistemas
pouco se ouviu falar de iniciativas de caráter multisetorial e de projetos que
tivessem sido planejados em conselhos territoriais ou em fóruns de
desenvolvimento e que extrapolassem as esferas comunitárias ou municipais.
Embora se acredite que elas já representam um grande avanço em termos sociais e
econômicos, a necessidade de integrar políticas públicas e investimentos locais
direcionados ao desenvolvimento necessita ter nas cooperativas de crédito uma
base de apoio mais propositiva.
2.2.4 As perspectivas de expansão do cooperativismo de crédito no Nordeste:
Sistema Ascoob
A Associação Ascoob foi criada em 1999 por cinco cooperativas de crédito rural que
atuam em regiões do semi-árido e litoral da Bahia. A origem dessas organizações
está ligada ao trabalho pioneiro efetuado pelas Comunidades Eclesiais de Base, a
partir dos anos 1970 e, posteriormente, pela ação de diversos movimentos sociais e
ONG, em que se destacam o Movimento de Organização Comunitária (MOC), as
Associações de Produtores Agrícolas do Estado da Bahia (Apaebs), os grupos ligados
à Igreja Católica e os Sindicatos de Trabalhadores Rurais.
Até o início de 2004, o Pronaf desenvolvia programas de (micro) crédito ligados ao Grupo B apenas
nas regiões nordeste e norte, embora existam expressivas parcelas de pessoas que se enquadrariam
nesse grupo em outras áreas do país. Durante o ano 2004, o Grupo B começou a ser expandido para
outras regiões, mas até 2008 sua participação no Cresol era ainda muito pequena.
32
50
A maioria dos municípios atendidos pelas cooperativas ligadas à Ascoob tem forte
tradição agrícola. A limitada rentabilidade das atividades primárias da região
exigiu, no entanto, que as cooperativas de crédito diversificassem suas fontes de
receitas. Além da movimentação das economias dos agricultores familiares e do
pagamento de benefícios sociais aos aposentados do meio rural – nesses dois grupos
está a maioria dos associados – foi preciso se aproximar dos setores industriais e de
serviços existentes nos municípios em as cooperativas atuavam. Além de apostar no
incremento da pluriatividade dos agricultores, as organizações cooperativas
passaram a atender pequenos comerciantes e microempresários, sobretudo os que
tinham vínculos rurais.
Atualmente, as parcerias locais e regionais das cooperativas acontecem com
associações de produtores, pólos sindicais, ONG etc.; nos âmbitos nacional e
internacional, com ONG da cooperação internacional, órgãos de representação
nacional do cooperativismo solidário, ministérios, movimento da economia
solidária, entre outros. Em seu processo de expansão, a Ascoob estendeu seu leque
de ação de forma direta (via a constituição de singulares e, principalmente, de
novos PAC), ou de modo indireto (via a expansão da área de abrangência das
cooperativas existentes).
Dados de setembro de 2008 indicavam que a Associação Ascoob possuía dez filiadas
e 26 PAC em funcionamento. Essa rede de 36 agências atende mais de 45 mil
associados residentes em 88 municípios baianos. Os recursos administrados pelas
cooperativas Ascoob são da ordem de R$ 70 milhões em ativos, dos quais R$40
milhões são empregados em operações de crédito. A importância dessas
organizações na economia local já é considerável: enquanto a média nacional dos
depósitos e das operações de crédito está ao redor de 2%, nas praças onde atuam
as filiadas da Ascoob respondem por cerca de 9% dos depósitos e por 14% das
operações de crédito (Ascoob, 2008).
Embora integradas em redes nacionais de cooperativismo solidário, diversas
circunstâncias fizeram as cooperativas Ascoob aderirem à Cooperativa Central de
Crédito da Bahia (Sicoob Central Bahia) e ao Bancoob. Uma delas foi que, em
meados da década de 1990, era praticamente impossível se implantar um sistema
independente no Nordeste, em função da falta de quadros e de condições políticas
para adotar tal postura. Posteriormente, quando já estavam filiadas ao Sicoob-BA,
várias cooperativas da Ascoob tiveram que participar de um processo de auxílio
financeiro de sua central, que estava à beira da insolvência. Esse fato, além de
aumentar os vínculos financeiros com a o Sicoob Central, trouxe ônus econômicos e
políticos consideráveis, pois as cooperativas da rede Ascoob assumiram os rateios
de perdas causados por singulares com as quais tinham pouca afinidade política.
Aos poucos, boa parte dos negócios das cooperativas se concentrou no atendimento
de demandas de crédito de pequenos empresários e de segmentos urbanos das
cidades em que operavam. Ainda que fossem fundamentais para manter a
sustentabilidade financeira, essa situação criava certo constrangimento político aos
dirigentes e colaboradores, face à origem histórica das cooperativas e do fato de
que o seu quadro social ser preponderantemente oriundo do mundo agrícola e mais
especialmente da agricultura familiar. Ressalte-se que o Sistema Sicoob-BA não
tem tradição em trabalhar com segmentos da agricultura familiar e,
consequentemente, com o Pronaf. As cooperativas ligadas à Ascoob representavam
uma exceção dentro desse sistema.
51
Até alguns anos atrás, para driblar a falta de funding público e a pouca capacidade
do Sicoob para atender as necessidades de crédito rural dos agricultores familiares,
as cooperativas da Ascoob tiveram que avançar por caminhos pouco tradicionais no
cooperativismo de crédito nacional. Fruto de sua capacidade de articulação e
inovação, a rede Ascoob conseguiu dispor ao longo do tempo de um leque
relativamente grande de linhas de crédito não-oficiais, sobretudo de investimentos.
A grande maioria desses empréstimos rurais advinha de fontes externas (verbas
oriundas da cooperação internacional) e era operada com taxas de juros abaixo do
mercado. Essa situação fez com que os fundos externos acabassem assumindo
parcialmente o papel que o Pronaf desempenhou na consolidação de outros
sistemas cooperativos solidários.
Além do aporte de verbas vindas do estrangeiro destacam-se algumas fontes ligadas
aos programas sociais do governo federal. O Prosperar, por exemplo, é derivado de
um programa de crédito no qual famílias inscritas no Programa de Erradicação ao
Trabalho Infantil (PETI) têm acesso a recursos de investimentos, visando melhorar
as propriedades rurais e aumentar a sua renda – os recursos do Prosperar são
emprestados pelas cooperativas da Ascoob com taxas de 3% ao ano, sem rebates.
Mesmo tendo baixíssima renda, muitos beneficiários do Prosperar ficaram sócios
efetivos das cooperativas. Em outros casos, tornaram-se sócios de tipo especial,
que só recorrem a elas para receber e pagar os empréstimos.
Se com as operações de investimento se conseguia contornar parte da falta de
recursos do Pronaf, no custeio a situação era diferente. Até 2004, apenas quatro
cooperativas tinham operado com a modalidade de custeio agrícola, todas
direcionadas ao custeio pecuário. O Gráfico 10 apresenta a evolução dos montantes
de crédito rural aplicados pelas cooperativas da Ascoob, divididos por modalidade,
entre 1995 e 2004.
Gráfico 10 – Evolução do crédito rural (investimento e custeio ) pelas cooperativas da Ascoob – R
$ (1995 - 2004)
R$ Milhões
4,0
3,0
2,0
1,0
0,0
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004*
Ano
Investimento
Custeio
* dados até o mês de outubro. Fonte: Búrigo (2006c).
A falta de prioridade dada ao custeio se deve também ao fato de que os
financiadores internacionais, e também as direções e técnicos de algumas
cooperativas da região, entendiam que os investimentos eram estruturantes para as
propriedades rurais sendo, portanto, mais estratégicos em termos de
desenvolvimento. Sabe-se, porém, que o crédito de custeio é fundamental para a
agricultura familiar, que se caracteriza por apresentar uma renda sazonal ao longo
52
do ano, além de ter suas necessidades de consumo embricadas com suas atividades
produtivas. Ou seja, a agricultura familiar é ao mesmo tempo, uma unidade de
consumo e de produção. Ademais, a falta de crédito de custeio pode impedir a
formação de cadeias produtivas emergentes, que resultam em novos arranjos
produtivos e fortalecem o desenvolvimento econômico regional. Sua oferta é vital
também para a montagem de sistemas agroindustriais mais complexos e
agregadores de valor.
2.2.4.1Aplicações de Pronaf
Até 2005, as cooperativas da Associação Ascoob conseguiram aplicar um volume
muito pequeno de recursos de Pronaf. Além do Bancoob, existiam acordos com
agências de desenvolvimento que operavam o Pronaf no plano regional e estadual.
Mas também nesses casos as cooperativas não conseguiam mobilizar montantes
significativos (Búrigo, 2006c).
Além dos danos que a falta desse tipo de crédito causava em termos econômicos e
produtivos, a situação criava embaraços políticos e institucionais, devido a forte
vinculação que a Ascoob e suas filiadas mantinham com os atores sociais do meio
rural.
Em 2006, quando a Ancosol passou a negociar diretamente parte das demandas de
suas integrantes junto a diretorias centrais dos agentes financeiros, as cooperativas
da Ascoob começaram a dispor de novas fontes de recursos para o Pronaf (custeio e
investimento). Com isso, as cooperativas da Ascoob conseguiram abrir parcerias
com o Banco do Brasil, e em menor escala com o Banco do Nordeste, sobrepondo os
impasses que a relação com o Bancoob e agentes estaduais impunha em torno
dessas fontes de recursos. O acesso às verbas desses dois bancos públicos
representou um salto considerável no envolvimento da Ascoob com o Pronaf ( ver
Gráfico 11).
R$ Milhões
Gráfico 11 – Aplicações de Pronaf na Associação Ascoob por modalidade - R$ - (1999 -2007)
4,5
4,0
3,5
3,0
2,5
2,0
1,5
1,0
0,5
0,0
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007/08*
Ano
Investimento
Custeio
* Dados referentes à safra 2007/08 (julho de 2007 a junho de 2008). Fonte: Ascoob; elaborado pelos
autores.
53
Observa-se que na safra 2007/08, além do volume total de recursos ter
ultrapassado os R$ 4,1 milhões, o valor destinado ao custeio aumentou
significativamente em termos proporcionais (45,1%). Face aos bons resultados que
as cooperativas vêm obtendo na aplicação do Pronaf, os acordos com o BB e BN
devem ser ampliados nas próximas safras. O objetivo da Ascoob é que esse
crescimento fique próximo ao solicitado pelas cooperativas na safra passada. No
caso do BB, o pedido inicial foi de R$ 8,4 milhões e o liberado R$ 3,9 milhões – o
restante dos R$ 4,1milhões aplicados foi obtido no acordo com o BN.
As novas parcerias da Ascoob comprovaram a baixa capacidade da Central SiccobBA em atuar no crédito rural destinado à agricultura familiar (Pronaf). Mas, além
do crédito, a Central não vinha atendendo outras expectativas tais como a criação
de um sistema de acompanhamento financeiro que respondesse de modo
satisfatório as peculiaridades das cooperativas Ascoob, a oferta de produtos e
serviços na área das microfinanças e a realização de programas qualificados de
capacitação (Ascoob, 2008).
A falta de sintonia institucional se agravou depois que o Sicoob-BA passou a exigir
de suas filiadas a adoção de um rigoroso programa de gestão de risco. As metas
estabelecidas pela direção da Central nesse programa foram consideradas muito
distantes da realidade econômica e financeira de algumas cooperativas da rede da
Ascoob. Como tais metas não puderam ser cumpridas no prazo estabelecido, as
cooperativas entraram na condição de desenquadradas perante o Sistema. Uma vez
que não houve prorrogação dos prazos, a situação levou ao bloqueio do sistema
operacional do Sicoob/Bancoob nessas organizações. A medida afetou duramente o
cotidiano das cooperativas fazendo com que suas diretorias tivessem que buscar
rapidamente meios alternativos para continuar operando no mercado financeiro.
Uma das soluções encontradas pela Ascoob, com apoio da Ancosol, foi a efetivação
de um acordo com a empresa paranaense fornecedora do sistema operacional
utilizado pelas cooperativas Cresol (Coopcred). Outra medida foi a contratação dos
préstimos do Banco do Brasil para viabilizar os serviços de compensação de cheques
e outras transações bancárias efetuadas por essas cooperativas – esse procedimento
é adotado por muitos sistemas cooperativos que não possuem banco próprio, como
a Unicred, Cresol e Crehnor. Além das medidas emergenciais e do desgaste
político-institucional, a postura do Sicoob-BA introduziu novos ingredientes e
mobilizou os dirigentes em torno de um debate antigo dentro da Associação
Ascoob: a constituição de uma central de crédito.
2.2.4.2A primeira cooperativa central de crédito solidária do Nordeste: Ascoob
Central
Depois de um longo processo de avaliação e da elaboração de diversos estudos
técnicos sobre a viabilidade da proposta33, em abril de 2008 cinco filiadas da
Associação Ascoob constituíram a Cooperativa Central de Crédito da Agricultura
Familiar e Economia Solidária da Bahia – Ascoob Central34.
A elaboração dos estudos e a tomada de decisão sobre a criação da Central Ascoob tiveram apoio
de dirigentes e consultores da Ancosol.
34
Cabe esclarecer que a Associação Ascoob continua composta pelas mesmas dez cooperativas que a
formavam antes do surgimento da Central. A Associação continuará em plena atividade, mas
33
54
Note-se que cinco cooperativas filiadas a Associação Ascoob optaram em não sair
do Sicoob, por considerarem que já investiram muitos recursos (financeiros e
humanos) nesse Sistema. Dirigentes da Ascoob Central acreditam que a adesão à
sua organização deverá ocorrer após o período de estruturação interna e mediante
um processo de desvinculação progressiva do Sistema Sicoob35.
Além de prestar serviços técnicos e operacionais às cooperativas da Ascoob já
existentes, a presença da Central permitirá que a rede Ascoob execute um plano
de expansão no estado da Bahia mais agressivo do que vinha ocorrendo. Além da
expansão, o formato das cooperativas deve ser também progressivamente
modificado com a fundação da Central. Ganha espaço a lógica inspirada nos
Sistemas Cresol, em que o crescimento da rede é horizontalizado e fundamentado
em cooperativas de pequeno e médio porte e com bases regionais de serviço. A
introdução dessa nova visão se dará em detrimento do modelo verticalizado
defendido pelo Sicoob e adotado por algumas cooperativas da Ascoob, no qual se
privilegia a estruturação de unidades de grande porte e a adoção de sistemas de
governança e de gestão financeira centralizados.
A Ascoob Central cria também novas perspectivas para a estruturação do
cooperativismo solidário em toda a região Nordeste. Até o momento, as
cooperativas de crédito solidárias existentes em diversos estados nordestinos
funcionam juridicamente como solteiras ou vinculadas à sistemas cujas sedes
centrais situam-se em outras regiões. Essa situação tem afetado fortemente a
consolidação financeira dessas organizações e dificultado a criação de sistemas de
governança eficientes.
Por se tratar de uma estrutura recente, a capacidade da Ascoob Central em
responder os desafios colocados pelas suas próprias filiadas, como também de
atender as necessidades do cooperativismo de crédito solidário na região nordeste
precisa ser analisada na seqüência deste estudo.
2.3POTENCIALIDADES
E
DESAFIOS
PARA
A
EXPANSÃO
DE
COOPERATIVAS
DE
CRÉDITO
VOLTADAS
AO
DESENVOLVIMENTO DE TERRITÓRIOS RURAIS
O cooperativismo de crédito pode funcionar como um elemento estruturante do
tecido social e econômico nas áreas em que atua, sendo, por isso, a base
organizacional que melhor se ajusta a idéia de criação de sistemas de
financiamento do Desenvolvimento Territorial. Devido a sua capacidade de atender
diferentes setores com distintos interesses econômicos, o cooperativismo de
crédito solidário pode beneficiar populações e regiões que não contam com
serviços financeiros de qualidade e impulsionar programas de crédito para cadeias
priorizando a prestação de serviços na área de formação, assistência técnica e outras ações de
interesse de suas filiadas. A nova central atuará no sistema gerencial, contábil, supervisão,
auditoria, negociação com agentes financeiros, bem como assumirá uma série de responsabilidades
e atribuições determinadas pelo Banco Central. Para evitar desentendimentos, o texto procura
diferenciar as duas organizações pela nomenclatura Associação Ascoob e Ascoob Central.
35
Até outubro de 2008, a direção da Ascoob Central mantinha a expectativa de que conseguiria
convencer essas cooperativas a migrarem para a nova estrutura. Para os diretores da Central, tais
cooperativas não só têm maior afinidade política com a nova organização como obterão vantagens
na governança e no acesso aos programas oficiais de crédito destinados aos públicos que forma a
maior parte de sua base social.
55
produtivas de interesse regional. Nesse sentido, sua presença permite estabelecer
uma espécie de “porta de entrada” para outras políticas de DT.
Este tópico pretende aprofundar os limites e as possibilidades de expansão dessas
iniciativas de microcrédito e de organização das finanças de territórios rurais para
regiões do país onde não se tem tradição nessa área. Baseadas nas experiências
analisadas e nas avaliações sobre as potencialidades do setor são efetuadas
também sugestões para implantação de programas de apoio à criação de novas
experiências de cooperativas de crédito solidária no país. Sabe-se que as medidas
visando incentivar a criação de cooperativas de crédito precisam romper o
imobilismo das organizações sociais e dos gestores públicos que atuam em regiões
sem essas organizações, principalmente nas que apresentam baixos indicadores de
desenvolvimento e pouca participação cívica.
Os pontos a seguir devem ser encarados como sugestões para o embasamento e
implantação de programas de apoio à criação de novas experiências de
cooperativas de crédito solidária no país. São recomendações gerais que
necessitam de adaptações de acordo com o nível de abrangência da proposta e a
disponibilidade de recursos humanos e financeiros disponíveis.
Em primeiro lugar, um programa de apoio à expansão precisa difundir a idéia de
que o cooperativismo de crédito é um poderoso instrumento para estruturar as
organizações socioeconômicas nas áreas em que atua. Por ter um caráter
intersetorial, o cooperativismo de crédito solidário permite atender populações
que não contam com serviços financeiros de qualidade e estabelecer em torno da
experiência uma espécie de “porta de entrada” para outras políticas de
desenvolvimento territorial sustentável. Nesse sentido, as estratégias de expansão
devem ser especialmente orientadas à implantação de estruturas do
cooperativismo de crédito solidário, visto ser o modelo que melhor se coaduna com
os pressupostos do Desenvolvimento Territorial.
Os territórios são espaços privilegiados para a difusão desse tipo de iniciativa. Os
colegiados e as entidades presentes nesses territórios podem aperfeiçoar os
recursos humanos e operacionais necessários para viabilizar as ações planejadas.
Esse tipo de engajamento fortalece a territorialização da ação, viabilizando a
presença de seus representantes junto às comunidades rurais dos municípios e dos
grupos potencialmente interessados na proposta.
Em segundo, a implantação do cooperativismo de crédito rural em regiões pioneiras
não deve começar pela formação de uma cooperativa singular. Embora permitida
pela legislação, a criação de cooperativa de crédito isolada – isto é, sem filiação a
uma central ou a uma base de serviços – representa um risco elevado para seus
proponentes, sendo desaconselhada pelos estudiosos do setor e pelos técnicos do
Banco Central (BC). O risco aumenta em ambientes em que os futuros associados da
cooperativa não possam arcar com todos os custos iniciais necessários ao seu
funcionamento. A experiência recente no Brasil de iniciativas isoladas tem exigido
na atualidade um esforço significativo de reativação das forças locais para que não
se crie uma visão negativa do cooperativismo em zonas sem tradição no tema.
Nas regiões pioneiras é mais recomendável planejar a constituição de uma rede de
cooperativas, ou sistema, em que esteja prevista a formação simultânea de mais
de uma cooperativa e de um núcleo coordenador. Em termos práticos, tal rede
pode ser composta inicialmente por três singulares e uma base regional de
56
serviços, que funciona como cooperativa de segundo grau e agente aglutinador da
rede – o número é determinado pela Lei, que exige três singulares para fundar uma
central cooperativa de qualquer ramo. Em função de suas atividades e para não
necessitar de autorização do BC, essa central será juridicamente uma cooperativa
de serviços e não de crédito.
A estratégia oferece consistência institucional e suporte político coordenado, além
de facilitar a montagem dos serviços necessários ao funcionamento da rede, num
território dado. A presença de três cooperativas de crédito singulares favorece
também o atendimento às populações de vários municípios limítrofes, por meio da
abertura de PAC. Futuramente, novas cooperativas podem ser implantadas nas
localidades onde um posto de serviço foi constituído.
Nos primeiros anos de funcionamento, uma rede não pode contar com uma central
de crédito. Assim sendo, a fiscalização do BC e a assinatura de contratos com os
demais agentes financeiros serão feitos diretamente pelas singulares. Todavia, a
Base Regional assumirá o papel de negociação e de representação política das
filiadas perante os órgãos públicos e as instâncias estaduais e nacionais do
cooperativismo, funcionando ao mesmo tempo como embrião da futura central de
crédito.
Estudos preliminares e discussões efetuadas com atores locais devem apontar os
municípios mais adequados para abrigar as sedes das singulares, como também os
que podem ser atendidos num segundo momento, via PAC e, posteriormente, por
meio de novas cooperativas. A coordenação e a localização da base de serviços
devem ser definidas na seqüência das negociações territoriais, levando em conta o
interesse das filiadas, condições logísticas disponíveis e a repercussão em termos
de DT.
Em terceiro, deve-se implantar uma rede de cooperativas de crédito do tipo
rural, mesmo porque enquanto não existir uma cooperativa central de crédito em
condições de acolher suas integrantes, não se pode constituir de cooperativas de
“livre admissão” (acessível a qualquer habitante de um território). O BC autoriza o
funcionamento desse tipo de cooperativa somente quando estiver associada a uma
central de crédito.
De acordo com o BC, uma cooperativa de crédito rural pode filiar pessoas que
desenvolvam na sua área de atuação atividades agrícolas, pecuárias ou extrativas,
ou se dediquem a operações de captura e transformação do pescado. Além desse
público, podem integrar essas organizações: aposentados que exerciam atividades
previstas acima; pais, cônjuge ou companheiro, viúvo, filho e dependente legal e
pensionista de associado vivo ou falecido; empresas ligadas à atividade rural como
as agropecuárias e; pessoas jurídicas sem fins lucrativos como associações, grupos
de produtores, sindicatos, grupos recreativos e religiosos.
Conseqüentemente, nas regiões em que a vida sociocultural e econômica encontrase centrada nas atividades agropecuárias, a cooperativa de crédito dessa natureza
tem competência para atender praticamente todos os envolvidos nas principais
cadeias produtivas. Além disso, como muitos moradores dessas regiões possuem
laços familiares com os produtores rurais, as prerrogativas da legislação
possibilitam que a cooperativa de crédito rural amplie significativamente o número
de pessoas físicas e jurídicas associada. Mais tarde, com a Central constituída,
57
essas cooperativas podem reformular seu estatuto passando a ser de “livre
admissão”.
A quarta recomendação é que o Programa aposte na solidariedade e autonomia
institucional. Para tanto, a nova rede de cooperativa de crédito deve preservar,
desde o início, sua independência administrativa e política, uma vez que pretende
atender a comunidade em geral e não apenas os membros de organizações já
existentes. Geralmente tais organizações não detêm condições financeiras e
materiais e nem o conhecimento especializado para garantir o funcionamento de
uma rede de cooperativas de crédito. Essa deficiência pode ser compensada pelo
apoio sociopolítico das organizações territoriais, tidas como estratégicas na
formação do quadro de parcerias e de alianças políticas das futuras cooperativas de
crédito.
A quinta orientação é que se busque assegurar o envolvimento de um grande
número de pessoas e de atores sociais nos municípios envolvidos. O sucesso de uma
rede de cooperativas de crédito depende de uma forte mobilização durante a
discussão da idéia e montagem das equipes de trabalho. Um processo de
constituição mal planejado, sem transparência e sem mediação de conflitos
dificulta a geração de credibilidade, confiança mútua e o compromisso dos
participantes. Saber coordenar diferentes interesses é fruto de um aprendizado
coletivo e de grande valia na estruturação e funcionamento de uma nova rede. Os
responsáveis pela sua estruturação precisam promover diversas reuniões do grupo
fundador e eventos públicos até se decidir pela oficialização das cooperativas.
Nesses encontros se formam também os grupos de voluntários, que vão debater a
proposta nas comunidades locais, e se forjam os pactos políticos de apoio à
proposta.
Em sexto, para que a mobilização da população local surta o efeito esperado é
preciso construir e fortalecer o arranjo institucional em torno do processo de
constituição e da futura organização. Para tanto, os grupos organizadores devem
começar por meio da criação de uma comissão de apoio em cada município
envolvido. Para dar o devido respaldo à idéia da cooperativa, a comissão deve ser
composta por representantes de órgãos públicos, tais como prefeitura, câmaras de
vereadores, delegacias de ministérios, secretarias e empresas de extensão rural,
como também de entidades da sociedade civil e privadas, como sindicatos,
associações, Sebrae, ONG, etc. A participação dessas lideranças e forças sociais
desde o início do processo facilita a implantação, a estruturação e o funcionamento
das futuras cooperativas.
Do mesmo modo que se deve contar com a participação social em suas esferas de
decisão, uma rede de cooperativas de crédito solidária precisa integrar os fóruns,
conselhos e outros organismos municipais e regionais de planejamento territorial.
Essa participação é decisiva para que a rede construa sua legitimidade e se torne
um verdadeiro agente financeiro territorializado. Durante esse processo de
mobilização, mas principalmente na fase de formação de recursos humanos para a
gestão do sistema, a aproximação institucional com a rede Ancosol será decisiva
para viabilizar o apoio operacional e ampliar a articulação no âmbito federal e
estadual.
58
A sétima sugestão diz respeito aos materiais didáticos e de difusão especialmente
elaborados para atender esse tipo de demanda36. A implantação de uma rede de
cooperativas depende da utilização de materiais didáticos e pedagógicos que
possam efetivamente capacitar os futuros associados e apoiadores locais, como
também qualificar os eventos de instalação da organização. A elaboração de
cartilhas, folder, vídeos e roteiros de referências bibliográficas para eventuais
consultas dos interessados necessitam de uma atenção especial. Muitos desses
materiais já existem, mas precisam ser readaptados segundo a realidade local.
A penúltima recomendação de estímulo ao cooperativismo de crédito consiste
numa estratégia de apoio que conte com a participação de agentes
multiplicadores locais e regionais. Esse grupo será o responsável pela difusão da
idéia nas comunidades, pela articulação da base social das cooperativas nos
territórios e pela sensibilização de entidades parceiras. Para tanto é crucial
desenvolver capacitações especiais que permitam aos coordenadores o
acompanhamento qualificado das iniciativas em curso dentro de um território,
como também a elaboração dos projetos de constituição, a supervisão do processo
de legalização das cooperativas e a estruturação das sedes das primeiras unidades
da rede.
Por fim, um programa de apoio à expansão deve ter recursos para permitir ações
de intercâmbio de modo que representantes dos futuros associados das
cooperativas possam conhecer in loco as redes existentes. É importante também
que essa ação ocorra no sentido inverso, ou seja, as lideranças dos sistemas
solidários participem de eventos de mobilização e capacitação nas regiões
pioneiras. Essas trocas permitem ainda a formação de acordos de cooperação
técnica entre as redes existentes e as novas experiências.
3 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
Entrevista realizada no quadro deste estudo com o Gerente do Departamento de
Economia Solidária do BNDES revelou a avaliação positiva da parte desse Banco das
parcerias em curso com os Sistemas Cresol e Ascoob, bem como o interesse em
ampliar as transações de microcrédito e de Pronaf com essas organizações. Os
mecanismos de governança territorializados desses sistemas são apontados pelo
Gerente como o principal elemento diferenciador das demais instituições que o
BNDES tem convênio com operações de microcrédito.
Com efeito, as visitas e entrevistas efetuadas com dirigentes e funcionários de
cooperativas de crédito solidário permitem afirmar que nas regiões onde existe
uma estrutura consolidada desses sistemas, o acesso a recursos financeiros já não
representa o gargalo principal para o desenvolvimento territorial. Em especial nos
estados sulinos, o desafio maior se encontra na inexistência de estruturas
especializadas em conceber projetos inovadores de desenvolvimento..
A percepção de que recursos financeiros encontram-se relativamente disponíveis,
mas que o problema maior reside na falta de projetos que não se limitem a
reproduzir atividades econômicas já existentes foi manifestada de forma
recorrente também nas demais entrevistas realizadas junto a diretores de
Em 2006, o Ministério do Desenvolvimento Agrário publicou dois materiais referências nesse
sentido (ver BÚRIGO et. al, 2006a; 2006b).
36
59
cooperativas de crédito solidárias: “o que falta são bons projetos, pois recursos nós
temos” (depoimento de dirigente da Cresol Central). Soma-se a essa constatação,
as referências aos chamados “elefantes brancos” financiados com recursos públicos
(agroindústrias de pequeno porte), cujo funcionamento esbarra em dificuldades
produtivas e operacionais. Isso nos remete à discussão de um tema relativamente
novo na agenda das instituições brasileiras que pensam e executam políticas e
ações de desenvolvimento territorial em zonas rurais: a estruturação de pólos
regionais/territoriais de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I).
A análise das entrevistas realizadas indica, também, que a criação de pólos de
CT&I territoriais deve estar associada à estruturação de sistemas de financiamento
do desenvolvimento territorial sustentável. Em países com tradição nessa área, os
pólos territoriais de CT&I servem de suportes coletivos de informação,
comunicação e articulação interinstitucional, fornecendo as condições de
acessibilidade a recursos diversos pelos territórios rurais. Trata-se de uma célula
territorial que tem a incumbência de conceber e estimular o debate sobre
estratégias inusitadas de desenvolvimento. Para um território dispor de um
consistente plano de desenvolvimento, a existência de uma estrutura operacional
dessa natureza, que assegure não só a articulação de atores, mas a disponibilidade
de informações estratégicas, novas oportunidades de empreendedorismo social e
econômico e tendências tecnológicas, é uma condição necessária. Essa célula opera
tanto no sentido de dotar o território de competências próprias, quanto de
coordenar a ação de consultores e técnicos externos, buscando acessar fontes de
financiamentos exógenas complementares às contrapartidas locais. Os laços que os
sistemas cooperativos solidários estão criando com as entidades de ensino em suas
regiões de atuação e com as universidades, bem como seus próprios programas e
institutos de formação podem ser pistas interessantes para se avançar nessa
questão.
Sabe-se que, em geral, as experiências microfinanceiras brasileiras têm pouca
articulação entre si, sobretudo em termos operacionais. Uma pesquisa do Instituto
Brasileiro de Administração Municipal revelou, por exemplo, que no “próprio
circuito das microfinanças do Brasil, há pouco conhecimento do Sistema Cresol, e o
sistema conhece pouco o que existe nessa área” (Fontes, 2003, p. 182). Tal
distanciamento demonstra que para as organizações microfinanceiras e
cooperativas que priorizam a solidariedade e o atendimento de grupos de baixa
renda, a articulação interinstitucional parece ser, mais do que uma possibilidade,
um imperativo político e econômico.
Uma das mentoras do Crediamigo do Banco do Nordeste, Silvana Parente, destaca
alguns exemplos de possíveis parcerias entre as cooperativas de crédito e as demais
OMF. A partir das experiências das organizações de microcrédito, as cooperativas
poderiam desenvolver novos produtos e serviços na área microfinanceira;
estabelecer critérios mais apropriados para seus clientes, a partir de diferentes
níveis de renda e por grupos populacionais; aproximar-se de empreendedores e de
grupos que atuam em redes de economia solidária; adquirir novas metodologias de
análise de risco e monitoramento através da figura do agente de crédito; melhorar
a elaboração de planos de negócios e das projeções de balanço; além de
desenvolver novos e contínuos programas de capacitação.
Em sentido contrário, as organizações que atuam com microcrédito poderiam
assimilar das cooperativas sua experiência na área de articulação da base social, o
60
que pode auxiliar na definição de uma identidade que as diferencie no mercado
financeiro. Além disso, técnicas de mobilização e metodologias para diagnosticar a
realidade local; estratégias que ajudam a ampliar o leque de parcerias com as
organizações locais, como forma de reduzir risco e aumentar a visibilidade;
mecanismos de gestão de risco; formas de aumentar a transparência nas ações e de
apresentar os resultados; e maneiras de se aproximar mais das lideranças locais,
via a sua participação em comitês internos da instituição compõem o leque de
conhecimentos passíveis de serem compartilhados.
De um lado, as cooperativas de crédito rural solidárias têm um vasto campo de
aprendizado, que pode ser sanado via convênios com outras OMF que trabalham
com públicos considerados urbanos. Essa estratégia seria válida, sobretudo, para
ajudar no desenvolvimento de planos de transformação das cooperativas rurais e
mútuas, em cooperativas de livre admissão.
De outro lado, uma aproximação institucional das demais OMF com o
cooperativismo de crédito poderia resultar em maior expertise às operadoras de
microcrédito, principalmente àquelas que desejassem se transformar,
futuramente, em cooperativas de crédito. Com isso, ganharia força a proposta, já
levantada por alguns técnicos que pesquisam o tema, de que o BC deveria permitir
a constituição de mais um tipo de cooperativa de crédito no Brasil: as cooperativas
de base comunitária, que abrigaria pessoas de um bairro, vila ou espaço
habitacional organizado.
A fidelização dos clientes parece ser um dos maiores trunfos que as cooperativas e
as demais OMF podem explorar, mesmo que no caso de populações pobres isso
ocorra dentro de um ambiente de rentabilidade baixa. Outra forma de reduzir os
custos e ampliar o leque de serviços das OMF é o estabelecimento de parcerias com
organizações financeiras de maior porte. Um exemplo nessa direção se dá pela
oportunidade das OMF se tornarem correspondentes bancários. Para melhorar sua
atuação, as OMF (inclusive as cooperativas de crédito) podem gerir linhas oficiais
de microcrédito, atuando enquanto agentes repassadores de primeiro e segundo
piso. Mas, pelas regras colocadas atualmente, isso ocorrerá somente quando as
organizações conseguirem suplantar as barreiras burocráticas existentes para se ter
acesso individualmente aos recursos, ou criar redes e consórcios que facilitem um
pleito conjunto. Na seqüência segue um conjunto de dez recomendações
consideradas as mais relevantes deste estudo:
SÍNTESE
DAS RECOMENDAÇÕES
1) Inclusão nas agendas dos fóruns territoriais (Territórios de Identidade e
Territórios da Cidadania) do tema da construção de sistemas de financiamento
territorial com enfoque multisetorial (agrícola e rural), acompanhado de um
programa de capacitação nessa área. Essa iniciativa depende da construção de
um programa de formação que contemple tanto os preceitos que regem a gestão
do microcrédito (Crediamigo), quanto daqueles do cooperativismo de crédito
rural solidário (Ancosol);
2) Deflagração de um processo de “ruralização” do Programa Crediamigo com apoio
dos fóruns territoriais. Dar atenção especial à difusão da modalidade Crediamigo
Comunidade, tido aqui como embrião de cooperativas de crédito rural. Entendese, também, que a “ruralizaçao” do Crediamigo passa pela contratação de novos
61
agentes de crédito e a promoção de ações territoriais articuladas entre esse
Programa e o Agroamigo (Pronaf B), bem como um amplo envolvimento dos
atores integrantes dos fóruns territoriais;
3) A negociação entre os colegiados dos fóruns territoriais e o Banco do Nordeste,
com o propósito de introduzir a “ruralização” do Crediamigo, passa
necessariamente pela adoção de medidas que busquem uma melhor equidade
interestadual de incidência do Programa. Ou seja, estados que na atualidade
apresentam uma baixa intervenção do Crediamigo devem ser prioritários nesse
processo;
4) Nessa mesma direção, recomenda-se que esses mesmos fóruns participem das
iniciativas interestadual em andamento no Nordeste coordenadas pela Ancosol.
No momento, a principal ação vem sendo executada pela rede Ascoob (BA) e
conta com apoio financeiro da SDT/MDA. Trata-se de um projeto que visa
socorrer cooperativas de crédito rural solidárias em dificuldades em diversos
estados nordestinos. Ressalte-se que a criação dessas cooperativas se deu
principalmente após 2003 por iniciativa de diversos atores ligados ao mundo
rural e aos movimentos sindicais. Embora tenham recebido o aval do Banco
Central e alguma ajuda de projetos governamentais a maioria dos processos de
constituição dessas organizações não seguiu as orientações metodológicas de
implementação de cooperativas de crédito discutidas no corpo e no anexo 2
deste trabalho. Atualmente, várias delas enfrentam problemas financeiros,
operacionais e políticos e algumas correm o risco de serem liquidadas;
5) Adoção pelos fóruns territoriais de medidas de apoio ao processo deflagrado pelo
MDA de recuperação dos financiamentos inadimplentes da modalidade do Pronaf
B. Tal orientação se deve ao fato de coibir as ações oportunistas nessa área que
dificultam a construção, no médio prazo, de um ambiente favorável à formação
de sistemas de financiamento territorializados;
6) Identificação de territórios fora da região Sul com potencial para a constituição
de redes regionais de cooperativas de crédito rural solidárias. Essas redes devem
seguir as orientações metodológicas adequadas para a sua criação (tópico 2.3 e
anexo 2) e serem constituídas com a participação de no mínimo uma base
regional de serviços e três cooperativas singulares, preferencialmente
localizadas em municípios do mesmo território. Posteriormente, novas
cooperativas e postos de atendimento cooperativo devem ser agregadas a esse
núcleo, de modo a fundamentar a formação de uma rede de organizações
financeiras focadas no desenvolvimento territorial e no oferecimento de serviços
financeiros (crédito, poupança e seguros) de qualidade. Tais organizações visam
fortalecer projetos e setores estratégicos e ter como público cativo os
segmentos tradicionalmente excluídos do sistema financeiro ou os que
enfrentam dificuldades de atendimento de suas demandas nessa área;
7) Adoção no seio da Ancosol da metodologia de gestão do microcrédito praticada
pelo Banco do Nordeste, com destaque para a figura dos agentes de crédito,
serviços financeiros para os segmentos de baixa renda e, principalmente, da
inclusão das mulheres e de atores urbanos no seu quadro social e negócios;
8) Discussão dos preceitos do desenvolvimento territorial sustentável pelos
coordenadores do cooperativismo de crédito rural solidário visando analisar a
execução de medidas que ampliem seu quadro social e a formulação de projetos
62
para além do universo da agricultura familiar. Trata-se de construir mecanismos
de atuação junto a microempresários rurais, que não sejam necessariamente
agricultores. O princípio da “livre admissão” aprovado recentemente pelo Banco
Central representa um amparo legal nessa direção;
9) Deflagração pelos fóruns territoriais de um processo de negociação junto aos
principais bancos públicos, tendo o exemplo do Crediamigo como referência,
visando a criação de programas semelhantes de microcrédito em outras regiões
do país. O objetivo principal consiste em aprofundar as iniciativas de
bancarização dos segmentos pobres introduzidas, por exemplo, pelo Banco do
Brasil e Caixa Econômica Federal, por meio da metodologia de gestão do
microcrédito;
10)Necessidade de dar continuidade a este estudo com especial atenção para as
seguintes experiências em curso: i) DRS do Banco do Brasil e Nordeste Territorial
do Banco do Nordeste; ii) aprofundar a análise do sistema Ascoob para verificar a
possibilidade dessa organização atender as necessidades de expansão do
cooperativismo de crédito solidário na região nordeste; iii) iniciativas de outras
redes de cooperativas de crédito rural solidário existentes no país, bem como de
microcrédito geridas por Oscip, além de experiências internacionais de
microfinanças e de cooperativismo de crédito popular consideradas relevantes.
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66
Anexo 1
Quadro de entrevistas realizadas para a elaboração deste estudo
67
Entrevistado
Cargo
Organização
Local e
Data
1- Reginaldo L.
Verde
Técnico do BN Recife
Banco do Nordeste
Recife 26/06/08
2- Walter Carvalho
Consultor Territorial
Ministério do Desenvolvimento Agrário
Recife 26/06/08
3- Paulo César Arns Assessor da política
de desenvolvimento
territorial
SEAPE
Recife 26/06/08
4- Rosângela Santos Técnica do BN Recife
Banco do Nordeste
Recife 27/06/08
5- Wilson Dias
Consultor
ASCOOB e SDT/MDA
Recife 27/06/08
6- Silvana Parente
Secretária de Estado
de Administração e
Planejamento do
Ceará
Governo do Estado do Ceará
Fortaleza
–
10/07/08
Ex-diretora do
Credialmigo
7- Gilson
Bittencourt
Secretário Executivo
Secretaria de Política Econômica Ministério
da Fazenda
Brasília 23/07/08
8- Altemir Gregolin
Ministro
Secretaria Especial de Pesca e Aqüicultura
Brasília 23/07/08
9- Paulo Frazão
Gerente Executivo
Programa de Desenvolvimento Regional
Sustentável do Banco do Brasil
Brasília –
23/07/08
10- Vanderley Ziger Presidente
Sistema de Cooperativismo de Crédito
Solidário (Cresol/Baser) e da Associação
Nacional do Cooperativismo de Crédito
Solidário (Ancosol)
Brasília 24/07/08
11- Abelardo M.
Sobrinho
Funcionário
Departamento de Organização de Sistemas
Financeiros do Banco Central
Brasília 24/07/08
12- Genes Fonseca
e Jonas Klein
Presidente e
Contador
Cresol Central
Chapecó
11/08/08
13- Cláudio
Zanberlan e
Douglas M.
Campigotto
Assessores Técnicos
Cooperativa central da Crenhor (RS)
Sarandi –
12/08/08
14- Alzimiro Tomé
e Cleiton De Toni
Presidente da Baser
Regional do Sudoeste
(PR) e Técnico
Cresol Baser -
Francisco
Beltrão –
13/08/08
15- Entrevista
coletiva
Dirigentes da Central, Cresol Baser
Bases Regionais e
Técnicos
Francisco
Beltrão –
13/08/08
15- Entrevista
coletiva
Dirigentes e Técnicos
Salto do
Lontra –
13/08/08
Cooperativa de crédito de Salto do Lontra
(PR)
68
16- Fábio C.
Gonçalves
Gerente do
Departamento de
Economia Solidária
BNDES
Rio de
Janeiro –
27/08/08
17- Robson Silva
Sena
Diretor-Presidente
Ascoob Central
Feira de
Santana –
08/10/08
18- Entrevista
coletiva
Dirigentes
Cooperativa de Crédito Santa Luz (BA)
Santa Luz
–
09/10/08
18- Entrevista
coletiva
Presidente, técnico,
agente de crédito e
Gerente
Cooperativa de crédito de Baixa Grande (BA)
Baixa
Grande –
10/10/08
20- Wilson Dias
Consultor
ASCOOB e SDT/MDA
Feira de
Santana –
10/10/08
21- Stélio G. Lira J
°.
Superintendente
Banco do Nordeste
Fortaleza
04/11/08
22- Tânia Bacelar
Pesquisadora
UFPE
Fortaleza
06/11/08
23- Humberto
Oliveira
Secretário de
Desenvolvimento
Territorial
MDA/SDT
Fortaleza
–
06/11/08
69
Anexo 2
BOX 1 - A criação da rede Solicred de cooperativas de crédito – Alto Solimões (AM)
Em 2006 e 2007, o Ministério da Integração Nacional (MI) desencadeou uma série de
esforços visando à formação de organizações especializadas na oferta de serviços microfinanceiros
na região norte do país. Um dos pólos dessa experiência pioneira foi realizado na mesorregião do
Alto Solimões, estado do Amazonas. O trabalho foi conduzido pelo consultor Fábio Luiz Búrigo,
contratado pelo IICA-MI para efetuar ações de sensibilização e coordenar a implantação inicial do
projeto. O desafio colocado era animar e assessorar a constituição de uma rede de cooperativas de
crédito rural numa região que jamais viveu uma experiência similar. A escolha dessa região levou
em conta a existência de outras ações governamentais para o fortalecimento mesorregional e o
interesse das organizações locais em desenvolver a proposta.
Partiu-se da premissa de que é factível fomentar a implantação de cooperativas de crédito
rural solidárias em localidades pioneiras, desde que seja estabelecido um cuidadoso processo de
motivação e capacitação dos potenciais beneficiários. A trajetória profissional do autor e as
experiências negativas observadas em diversas zonas do país recomendavam que a implantação do
cooperativismo de crédito rural nessa região pioneira não deveria apostar na constituição de uma
singular, e sim na formação de uma rede de cooperativas. Nesse sentido, desde o início, o trabalho
no Alto Solimões foi conduzido para a criação simultânea de três cooperativas e de uma base
regional de serviços, para dar suporte técnico e organizacional às singulares.
Ao contrário do que se observa em regiões de produção agrícola, a referida premissa não
tinha sido ainda “testada” em áreas com elevada população de pescadores e aqüicultores
artesanais. Aliás, no Brasil não há registro de cooperativa de crédito cujo protagonismo seja dado
por pescadores ou aqüicultores familiares, como também são raríssimos os locais em que esse
público já tenha se beneficiado de uma organização desse tipo.
Em função das condições geopolíticas da messorregião, as atividades se concentraram nos
municípios de Tabatinga, Benjamin Constant e Atalaia do Norte. Em cada um desses locais sempre
foi frisado que o sucesso das cooperativas de crédito solidárias depende do arranjo institucional
que se consegue formar em torno da idéia. Por isso é fundamental formar parcerias e buscar a
adesão de colaboradores públicos e privados, ou seja, contar com o apoio de órgãos
governamentais, universidades, ONG e outros atores que atuam na área do desenvolvimento.
A fundação da Rede Solicred (nome adotado pela experiência) mobilizou diversos atores
locais, potencializando o capital social existente, despertando a confiança mútua e a capacidade
organizativa dos moradores da região. Além de atividades municipais e comunitárias, o autor
sempre incentivou e promoveu encontros de caráter regional, com o objetivo de despertar o
espírito da intercooperação e fortalecer a coesão da futura Rede.
Em abril de 2007, o MI viabilizou recursos para que os representantes da Rede Solicred
realizasse uma viagem de intercâmbio ao Paraná e Santa Catarina com o objetivo de conhecer o
Sistema Cresol. Além das lideranças da Solicred, a missão contou com a participação de técnicos do
MI e de um professor do campus de Benjamin Constant da Universidade Federal do Amazonas.
Outra atividade de cunho institucional, que também foi viabilizada com o apoio direto do autor,
foi a “aproximação” entre os organizadores da Rede Solicred e os dirigentes do Banco Central (BC).
O primeiro contato se deu durante um seminário de Microfinanças efetuado em junho de 2007, na
cidade de Manaus. Na oportunidade as lideranças das futuras cooperativas puderam explicar
pessoalmente aos técnicos do Órgão Regulador, o processo de elaboração dos projetos de
constituição e em qual contexto a experiência está sendo forjada.
O contato da Rede Solicred com a direção da Ancosol e do Sebrae AM, também ocorrida
durante o referido seminário, propiciou uma estratégica aproximação com a organização nacional
que representa o cooperativismo de crédito solidário; e com uma entidade estadual que poderia
prestar apoios financeiro e material e articular assessorias no campo organizacional.
O trabalho de sensibilização e capacitação dos grupos organizadores acabou tendo outros
desdobramentos extremamente positivos em termos institucionais. Durante a visita de um
representante da Central Cresol Baser aos municípios do Alto Solimões, quando ficou demonstrada
novamente a capacidade de mobilização e o interesse pela proposta, foi idealizado um convênio de
cooperação entre Sebrae AM e o Sistema Cresol. Em termos formais, o Convênio iniciou em maio
de 2008 e terá duração de três anos. Seu objetivo central é a viabilização de recursos para que o
Sistema preste assessoria técnica e operacional à implantação da rede Solicred – a medida aumenta
enormemente as chances de a experiência ser bem sucedida. Registre-se que o acordo já viabilizou
a mudança de um ex-dirigente do Cresol para o Alto Solimões. A liderança, que deve viver durante
doze meses na região, vai apoiar a implantação das primeiras unidades da rede Solicred.
70
Note-se que o envolvimento do Sebrae AM e do Cresol com a Solicred ocorreu mesmo antes
da assinatura do referido acordo. Além de promover novos cursos e missões de membros do Cresol
e do Sebrae à região do Alto Solimões, durante o último trimestre de 2007 a parceria técnica entre
essas organizações e o MI ajudou os grupos organizadores finalizar os projetos de constituição de
suas cooperativas.
Registre-se que o suporte do Cresol permitiu que a implantação da Rede fosse um pouco
diferente do previsto originalmente. Os proponentes acabaram deliberando pela elaboração de
dois projetos de constituição ao invés de três. Assim, uma cooperativa deve atender Tabatinga e a
outra suprir Benjamin Constant e Atalaia do Norte simultaneamente. Porém, o plano original de
formação da Rede Solicred foi mantido, como também a criação da Base Regional de Serviços, de
modo que, além da parte operacional, a Base será a instância responsável pela expansão da
Solicred na mesorregião. A Base deve entrar em operação no momento em que as primeiras
cooperativas integrantes estiveram aptas a funcionar, sendo que sua estruturação contará também
com o apoio técnico do Cresol.
Em novembro de 2007, o MI e o Sebrae custearam uma viagem ao Recife para que os
proponentes das cooperativas seus técnicos pudessem entregar e explicar os dois pleitos aos
dirigentes do escritório regional do BC – esse escritório é o responsável pelo atendimento da região
amazônica.
Em agosto e setembro de 2008, o BC se pronunciou favoravelmente aos dois pleitos. Com
isso, os procedimentos para a constituição formal da cooperativa (assembléia de fundação, escolha
da direção, aprovação dos estatutos, obtenção do CNPJ, etc.) puderam ser efetuados ainda no mês
de outubro. Em novembro e dezembro de 2008 foram realizadas as etapas de recrutamento de
funcionários, capacitação dos dirigentes, organização das sedes e as ações necessárias à
oficialização jurídica das duas organizações. Todos esses procedimentos foram realizados com
assessoramento do Sebrae AM e Cresol Baser.
É provável que as duas unidades da Solicred entrem em funcionamento no início de 2009,
aliás, conforme previsto no cronograma original. Quando isso acontecer, a Solicred se configurará
como a primeira rede de cooperativas de crédito rural constituídas na região amazônica,
confirmando a tese de que é possível organizar organizações desse tipo em regiões pioneiras e com
baixos indicadores de desenvolvimento humano.
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Produto Ademir Cazella